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Módulo I
Indícios da história do trabalho
social de Vigotski
[ Primeira parte ]
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Conteúdos
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juvenil depois superado” ............................................................................................... 29
3.1.3 “Sob comando de Vigotski uma troika indissolúvel desenvolve a concepção
fundada” ........................................................................................................................... 33
3.1.4 “A ‘troika vigotskiana’ funda a ‘teoria histórico-cultural’, donde a
denominação ‘Psicologia histórico-cultural’” ............................................................. 35
3.2 Mito da história feita por “grandes homens” ................................................. 37
Exemplos paradigmáticos e contrapontos marxistas ................................................ 37
Em que isso perpassa narrativas sobre o trabalho de Vigotski? .............................. 38
3.3 O mito da história como “discurso neutro/ciência exata”........................ 42
Exemplos paradigmáticos e contrapontos marxistas ................................................ 42
Em que isso perpassa narrativas sobre o trabalho de Vigotski? .............................. 48
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PRIMEIRA PARTE
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1 Exploração incompleta de fontes secundárias e primárias para
coleta de indícios da história1 do trabalho de Vigotski.
2 Algumas dificuldades enfrentadas pelo pesquisador diante das fontes
históricas disponíveis.
3 Ensaio para crítica de dispositivos semânticos ideológicos do gênero
“mítico” em visões conservadoras de história e historiografia2.
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1 Exploração incompleta de fontes secundárias e primárias de
indícios da história do trabalho de Vigotski
3Trata-se de fontes históricas que não constam dentre as obras psicológicas originais,
nem em documentos originais contendo informações demográficas, decretos, registros
sobre instituições pré e pós-revolucionárias, etc. Citaremos autores secundários que
escreveram as obras mais volumosas e mais densas sobre o percurso do pensamento de
Vigotski (que consideramos “autor primário”), das quais temos conhecimento.
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a personality: a biographical history of soviet psychology” (cf. Levitin,
19804)
– Faz estudo biográfico de vários autores: Vigotski, Leontiev, Luria e
Messhtieriákov, recorrendo, principalmente no caso de Vigotski a
várias entrevistas sobre sua importância para a psicologia, inclusive a
Semion Dobkin, seu amigo próximo desde a adolescência. Como este
curso introdutório é sobre o projeto científico de Vigotski, e nosso
trabalho se direciona a ele há décadas, não podemos nos detalhar
outras perspectivas e projetos inacabados soviéticos como os de
Rubinshtein, Elkonin, Galperin, Bojóvitch, Zaporójets, Basov, etc.
4 A referência bibliográfica completa para cada exemplo dado será registrada na seção
referências, ao final do presente volume.
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síntese original entra a psicologia e os estudos da linguagem de seu
tempo e a metodologia marxista.
5 Destacamos que a mudança do título em português, para fins comerciais, gerou certa
antipatia. Pois em português “Vygotsky: uma síntese”, pode soar como pretensão de
esgotar toda obra de Vigotski. Porém, como mostra a introdução, quem tem vida e obra
definidas como “busca por síntese” é Vigotski. Ou seja, buscava uma síntese dialética
superadora para as grandes correntes em choque na “crise da psicologia”. Síntese que
projetou e não realizou, em psicologia unificada que teria como ciência geral
(metodologia da ciência) a dialética. Sendo a dialética do humano seu objeto. É abaixo
da crítica avaliar livros com base só em títulos, ou nomes de autores. Pior ainda é rejeitá-
los e censurá-los sem nunca os termos lido”. Mas pode haver propagandas de editoras
que ao academicista gerem aversão. Facilitando sua rotulação a quem, talvez, não se dê
ao trabalho de passar da capa, para saber o título original ou ler uma apresentação.
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1, 3, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15 e 16 (12 partes) foram escritos por van
der Veer. Embora tenha havido interferências mútuas no resultado
final, cada autor difere quanto ao estilo e ao método de análise. O
trabalho segue ordem cronológica, mas foca temáticas, não obras
específicas, como Kozulin (1990). Entendemos que sua contribuição
está na descrição detalhada do que Vigotski diz sobre vários temas, por
vezes citando obras raras. As interpretações que dão sobre isto deixam
a desejar, mas ocupam espaço reduzido em cada capítulo.
2007: RENÉ van der VEER (holandês): “Lev Vygotsky” (cf. Veer,
2007)
– Material sugerido por pessoa em contato com o curso. Solicitamos
comentários, mas não recebemos. Pelo índice, os títulos das três partes
(para 7 capítulos) são autoexplicativos: “Parte 1 – Biografia intelectual”
(p. 11-31); “Parte 2 – Exposição crítica do trabalho de Vigotski” (p.
33-110); “Parte 3 – A recepção, influência e relevância do trabalho de
Vigotski hoje” (p. 111-141). Não está na pauta do CED ler este
material. Não nos foi informado se traz algo novo para o objeto deste
módulo: a história do trabalho social de Vigotski. Sobre isso há apenas
20 páginas. Fica a sugestão de que, quem tenha interesse e tempo,
confronte-o com as fontes já apresentadas. Para a crítica de Vigotski,
preferimos ler o próprio, sob critérios internos à sua obra – dialético-
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materialistas. Mas, para quem tem tempo e interesse, fica o registro de
que existe.
6 É quase redundância dizer “marxistas soviéticos”, não havia psicologia na URSS que
não se declarasse “marxista”. Fosse por desejo de criar uma ciência nova ou por temor
de perseguição política. Tanto que em manuscrito de 1926-27, só publicado em 1981,
intitulado “Sentido histórico da crise da psicologia”, Vigotski já advertia para que o termo
“marxismo” era muito importante para ser usado de qualquer maneira. E dizer, naquele
momento, “psicologia marxista” não era suficiente. Mas, manteremos “marxistas”, pois
seriam, até onde sabemos, pesquisadores soviéticos quiçá mais próximos de dar algum
conteúdo científico à palavra. Ou mais próximos de Vigotski, de algum modo.
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1.1.3 Estudioso “marxista”7 com grande acesso a fontes
documentais e orais em russo:
Exemplo:
1984: GUILLERMO BLANK (argentino): “Vida y obra de Vigotski” (cf.
Blank, 1984a).
– Longo texto biográfico sobre Vigotski muito parecido com o
publicado por Wertsch (1985), no primeiro capítulo de seu livro
mencionado anteriormente. Não podemos imputar plágio, pois não
nos interessou fazer análise comparativa “forense” dos dois materiais.
Contudo, Wertsch faz agradecimento explícito a Blank em seu livro, e
do movimento recíproco não nos recordamos. Seja como for, entenda-
se que que houve cooperação científica entre ambos e, possivelmente,
partilha de materiais documentais.
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1.1.4 Estudiosa “marxista” em psicologia e “personalista”(?)8
em história:
Exemplo:
1990:9 MARTA SHUARE (argentina): “La psicología soviética tal
como yo la veo” (cf. Shuare, 1990)
– Com bom acesso a fontes primárias, i.e., em língua russa, a autora
recupera o percurso histórico da elaboração dos principais conceitos
da psicologia soviética, sobretudo relacionados a autores como
Vigotski, Luria e Leontiev. Além disso, talvez o mais rico no livro,
temos mais de 100 páginas de entrevistas concedidas à autora por
psicólogos soviéticos em atividade no final dos anos oitenta. A leitura
das mesmas aponta problemas inacessíveis nas fontes comuns no
mercado editorial brasileiro, e mesmo noutras citadas aqui. Para nós, o
mais notável é que a principal crítica de vários deles à psicologia
soviética é que sempre foi muito acadêmica, ou melhor, forte no
campo teórico, mas quase sem expressão na prática social. Cita-se, por
exemplo, que iniciativas mais próximas da prática como a pedologia e
a psicotécnica foram descartadas ou postas em segundo plano.
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TAMARA LIFANOVA (historiadora russa): “Lev Semionovich
Vigotski: jizn, deiatelnost’, chtrikhi k portretu”11 (cf. Vigodskaia e
Lifanova, 1996)
– Contém muitas informações objetivas sobre formação e trabalho de
Vigotski, relatos de pessoas que o conheceram, os da própria filha,
entre outros materiais, como cartas de Vigotski a seu amigo biólogo A.
V. Vagner. Além de prefácio abertamente anticomunista de V. P.
Zíntchenko. O trabalho está organizado do seguinte modo: Parte 1 –
vida e trabalhos; Parte 2 – Através dos olhos de outros; Parte 3 –
Através dos olhos da filha; Epílogo; Apêndice – História de uma
correspondência.12
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português, distribuídos em 18 volumes diferentes14 (cf. CED, 2016)
– São obras traduzidas à nossa língua, partindo do inglês, do espanhol e,
apenas a partir de 1999, do russo.
14 Alguém pode nos ajudar citando o que mais houve depois, que nunca tenha sido
publicado logo em seguida, além de um artigo de 6 páginas traduzido do russo pelo grupo
de Marta Khol de Oliveira? Algo que não seja reimpressão? Zoia Prestes divulgou em
2012 que publicaria algumas traduções de textos que já temos em português, mas que
traduzidas por ela ficariam melhores, talvez. Mas não acompanhamos isso, pois nos
detivemos em acervo coletivo já acumulado, em português, espanhol, inglês, francês e
russo - sendo que muitos textos se repetem.
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1.2.3 Traduções de cartas de Vigotski a colegas e alunos
Exemplos:
1926-1933: VIGOTSKI “Cartas para alunos e colegas” (cf.
Vygotsky, 1926-33/2007)
– Para L. S. Sakharov. Khimki, 15 de fevereiro de 1926.
– Para A. R. Luria. Sanatório Zakhar`ino, 5 de março de 1926.
– Para A. R. Luria. Estação Perlovka, 26 de julho de 1927.
– Para G. I. Sakharova. 17 de junho de 1928.
– Para a Piatiorka (os cinco15). Tashkent, 15 de abril de 1929.
– Para A. N. Leontiev. Tashkent, 15 de abril de 1929.
– Para A. R. Luria. Tashkent, 14-18 de (?) de 1929.
– Para A. R. Luria. Antes de 5 de maio de 1929.
– Para A. N. Leontiev. Moscou, 2 de julho de 1929.
– Para A. N. Leontiev. Moscou, 23 de julho de 1929.
– Para N. G. Morozova. 7 de abril de 1930
– Para N. G. Morozova. Zoológico Izmailovo, 29 de julho de 1930.
– Para A. N. Leontiev. Zoológico Izmailovo, 31 de julho de 1930.
– Para N. G. Morozova. 19 de agosto de 1930.
– Para A. R. Luria. Moscou, 1 de junho de 1931.
– Para A. R. Luria. Moscou, 12 de junho de 1931.
– Para R. E. Levina. 16 de junho de 1931.
– Para A. R. Luria. 20 de junho de 1931.
– Para A. R. Luria. 11 de julho de 1931.
– Para A. R. Luria. Estação Iartsevo, 1 de agosto de 1931.
– Para A. N. Leontiev. Estação Iartsevo, 1 de agosto de 1931.
– Para A. R. Luria. 26 de junho de 1932.
– Para A. R. Luria. Iartsevo, 13 de julho de 1932.
– Para A. R. Luria. Iartsevo, 17 de agosto de 1932.
– Para A. R. Luria. 29 de março de 1933.
– Para A. N. Leontiev. Taininskaia, 2 de agosto de 1933.
– Para A. R. Luria. Moscou, 21 de novembro de 1933.
– Para A. N. Leontiev. 10 de maio de 1934.
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são duas cartas com Roza S. Vigotskaia como remente para V. A. Vagner e
sua esposa M. A. Vagner; e uma única carta de Vagner para Vigotski, sem
data.
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1.3.2 Cartas de Vigotski a colegas e alunos, em russo
Exemplo:
1926-1933: VIGOTSKI. Pis’ma k utchenikam i soratnikam. (cf.
Vigotski, 1926-33/2004)
– São as 28 cartas de Vigotski, em russo, a alunos e colegas, em 2007
publicadas em inglês, como exposto anteriormente. Nós as separaremos
por destinatário e ficarão públicas no site do coletivo, junto aos demais
materiais originais deste autor, livres de direitos autorais.
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-– Há artigos de Zavershneva (2009/2012) e Zavershneva e Ossipov
(2010/2012), em inglês, sobre as possíveis diferenças entre o que foi
publicado e o que deixou de ser publicado, mas não há publicação do
trabalho na íntegra.
1931 (aprox.): Todo o manuscrito de “História do Desenvolvimento das
Funções Psíquicas superiores”.
-– Não sabemos dizer quanto ficou de fora do tomo III, que deu a
público 15 capítulos, pois não tivemos acesso a esta informação.
S.data: Anotações a todo livro “Ética” de Espinosa.
Data indefinida: “Cadernos de conversações clínicas com pacientes
na Clínica de Don”.
-– É raríssimo Vigotski citar algo, mesmo muito abreviado, dos casos
reais com os quais trabalhou em clínica pedológica, por exemplo –
podemos lembrar duas narrativas curtas que localizamos: “três crianças
com mãe alcoolista”; “o menino epileptoide”. E um estudo de caso
mais detalhado: “dois pacientes com doença de Pick”.
S.data: Múltiplos manuscritos, fichas, anotações esquemáticas e
abreviadas.
-– Havia grande escassez de papel na URSS no período. Quanto mais
o tempo passava, Vigotski escrevia de modo mais “codificado”.
Abreviando palavras inteiras com apenas uma letra, por exemplo. Pode
supor-se a pressa por consciência da iminência do agravamento fatal
de sua doença. Por outro lado, como poderia imaginar que, de forma
tão condensada, outra pessoa entenderia, além dele, caso vivesse mais
tempo? É um problema não passível de avaliação objetiva, nem talvez
seja relevante para a análise científica do legado. O fato é que há muito
material, digamos, de períodos avançados da trajetória do autor que
demandam cuidadoso trabalho exegético para sua “decodificação”. E
que, sendo tão abreviados, podem conter bastante conteúdo em pouco
volume. Exemplo não tão extremo disso são as anotações publicadas
em 1986 na URSS como “Psicologia concreta do homem” (Vigotski,
1929/1986; 1929/2000) sob edição de Andrei Puzirei.
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se que talvez se publique primeiro em inglês começando em 2017,
pela editora Springer (informação oficiosa).
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2 Algumas dificuldades enfrentadas pelo pesquisador diante
as fontes históricas disponíveis.
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Porém, qualquer material em russo que possa ser visto e/ou
fotografado por estrangeiros, só seria alcançado com verbas para
projeto internacional – havendo quadros dispostos e agências de
fomento favoráveis. Enquanto arquivos de materiais do punho de
Vigotski, não acessamos sequer por digitalização sob pagamento22.
Estes são propriedade da “família de Vigotski”, representada pela
psicóloga Elena Kravtsova – filha de Guita Vigodskaia. Quer nos
agrade ou não, o sobrenome “Vigotski” tornou-se fenômeno de
marketing internacional. Mas, passados mais de 75 anos de sua
morte, a família não pode mais receber “direitos autorais” pelos
originais. Digamos que toda manutenção e edição dos arquivos
para publicação, talvez só obteria “retorno” das vendas da primeira
publicação de cada tomo, caso uma editora russa o fizesse. Uma
vez adquirido, cada tomo poderia ser digitalizado, ter material
editorial23 suprimido, e distribuídos gratuitamente pela internet24.
O que talvez fosse um entrave a novas edições ou reimpressões.25
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Além da dificuldade de acesso às fontes primárias para uma história
do trabalho social de Vigotski, temos reservas teóricas quanto às
fontes secundárias mais qualificadas que conhecemos. Visto não
serem cientificamente numa orientação marxista em psicologia ou
historiografia. Nem todas consideramos “antimarxistas”. Wertsch,
por exemplo, assume o marxismo como eixo teórico estruturante
no trabalho de Vigotski, assim como os estudos da linguagem e a
psicologia de seu tempo. Já van der Veer, não esconde antipatia à
experiência soviética, enfatizando fatos lamentáveis e omitindo
avanços sociais que existiram. Mas mesmo neste caso, entendemos
que tais fontes possuem valor técnico. Por reportarem dados
objetivos pouco conhecidos e trechos de obras jamais publicadas,
sequer em inglês. Para estudos de mais fôlego, é necessário nos
apropriarmos da documentação, mesmo que alguns autores sejam
infelizes ao interpreta-la. Embora não pleiteemos monopólio da
“correta interpretação” de Vigotski, mas avaliar seus conceitos
pelo o critério da prática social. Na linha de Marx ao destacar que
“os filósofos”, e não somente eles, “se limitaram a interpretar o
mundo diferentemente; cabe transformá-lo” (Marx, 1845/1978, p.
53).
Por fim, também cabe cautela com fontes em português que relatam a
história da psicologia soviética, mesmo que numa orientação
teórica marxista26 . Isto é, mesmo com aquelas que atinam com
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princípios científicos e políticos nos quais temos buscado nos
pautar. Por mais rigor que nós, pesquisadores brasileiros,
tenhamos, enfrentaremos limites: (a) lemos apenas traduções de
textos de Vigotski: “do russo ao espanhol”; “do russo ao inglês”;
“do espanhol ao português”; “do inglês ao português”; e, só desde
1999, “do russo ao português”. (b) lemos apenas traduções de
documentos oficiais do Estado Soviético, ou da historiografia em
russo sobre as décadas iniciais da URSS. Desse modo, a ingrata
lida com fontes históricas, das quais extrair indícios do trabalho de
Vigotski, torna-se tarefa que exige um rigor dobrado: frente as
fragilidades nossas quanto ao acesso ao russo; e frente as
fragilidades de outros quanto ao domínio de categorias da dialética
materialista.
compreendem que o pensamento de Vigotski veio a se tornar cada vez mais radicalmente
dialético e materialista. E não com os que consideram as leituras de Marx, Engels,
Pekhanov, Trotski, Lenin, entre outros, como algo acidental ou utilizado por mera
conveniência da parte de Vigotski. Porém, sendo nós brasileiros, temos um limite com a
língua original que autores não tão convencidos disso não possuem. Disso a necessidade
de permanente autocrítica, na análise histórica, para não tentarmos forjar narrativas sobre
fatos inexistentes apenas para que confirmem retoricamente nossa avaliação filosófica e
política anterior ao conhecimento da história e da obra.
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3 Ensaio para crítica de dispositivos semânticos ideológicos do
gênero “mítico” em visões conservadoras de história e
historiografia
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Aos três enunciados tipificados a serem comentados aqui, caberá
igualmente contrapor dois princípios que, na acepção mais geral
do termo, chamaremos de “metodológicos”28. Primeiro: a ênfase no
caráter dinâmico porque contraditório, da realidade histórica. Em oposição
a uma visão romântica da história, como conjunção equilibrada de
forças, cuja harmonia natural só é quebrada por algum tipo de erro,
desordem, ou descumprimento da lei, a serem corrigidos,
contidos, punidos. Segundo: a ênfase no caráter “revolucionário” da
história. Em oposição ao modo positivista de conceber a história,
exclusivamente como “evolução”, “avanço”, ou “progresso”,
buscamos assumi-la como processo que envolve evolução e
involução. Tanto quanto saltos de qualidade revolucionários,
mediante os quais o superado não deixa de coexistir com aquilo
que o supera, mesmo que assumindo outra forma e função. Para
nós, tais princípios nomeiam aspectos da realidade indissociáveis
para uma concepção dialética materialista de história. Pois a
contradição é fundamental, tanto no conflito inerente a cada
momento histórico sincrônico, num “recorte” temporal
específico, quanto no devir de longas eras históricas. Pois o que as
pode objetivamente definir carrega em si toda história humana
anterior, a incorpora por negação, mas não pode aniquilá-la para
que tudo seja “totalmente novo”. Isto abrange a história da
humanidade de modo geral, e nela o que diz respeito à história da
psicologia e do trabalho de Vigotski em particular.
28Talvez lhes pareça pretensioso chamá-los assim. De todo modo, como diz Vigotski,
método se refere aos “caminhos da cognição”. E se tais caminhos são obliterados por
formas mitificadas de pensar, um passo metodológico explicitar riscos que corremos se
não afastamos tais obstáculos ao entendimento crítico (ou seja aquele que toma o objeto
por sua gênese, seu devir contraditório). O que também é meta muito ambiciosa. Mas,
se formos “vigostkianos”, buscaremos fazer com que nossos estudos nos impulsionem
para além de nosso desenvolvimento anterior ao ato de estudar. Não estamos de acordo?
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científica, é nosso propósito que tais critérios para nosso “caminho
de cognição” nos desafiem e municiem no enfrentamento àqueles
“mitos” presentes tanto no senso comum como em setores mais
conservadores em instituições de ensino superior com as quais
tivemos a oportunidade de conviver. Entendemos que a forma de
pensar/sentir que articula tais “enunciados ideológicos” advenha
de, pelo menos, dois modos de enaltecer classes que expropriam
frente as expropriadas. Um sobrevive como resquício de arcaica
ideologia “imperial-aristocrática” – como a de que um império ou
reino surge por ato de “fundação”, “criação”, “unção de um deus”,
etc. O outro tem grande vitalidade desde o advento da moderna
ideologia “nacional-burguesa” – como apologia do sucesso pessoal
de “grande empreendedor” ou “líder carismático”. Mesmo quando
esta é adornada de “multiculturalismo”, mantém o culto ao
indivíduo do liberalismo. E mesmo entre militantes de esquerda
não deixa de ser um vício burguês difícil de abandonarmos, como
quando exaltamos individualmente o que pensamos terem sido
“heróis revolucionários” sem os quais nenhuma transformação
aconteceria.
Tema para uma psicologia das massas, que pode ser tratado, a
qualquer tempo, por quem se disponha, focando, por exemplo, a
formação social da personalidade no seio da luta de classes no
capitalismo contemporâneo. Porém, nosso coletivo não tem ainda
acúmulo para tanto, nem é nosso objeto de discussão neste curso
introdutório. Ora, “como se formam socialmente os modos de
pensar e sentir a realidade humana que nos levam a avaliar de
forma confusa e distorcida quem somos nós mesmos e podemos
vir a ser?” não seria pergunta menor. Mas não é pauta exequível
nesse momento, dadas nossas necessidades de formar uma
compreensão inicial do “projeto de ciência psicológica” que
permita ir a fundo em temas dessa natureza. Os quais aqui
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aparecerão apenas em forma mais restrita e abreviada. Por isso,
nossos exemplos limitam-se à história do trabalho de Vigotski,
sem atingirmos toda a raiz da questão sequer quanto à luta de
classes na Rússia e URSS, e de seu embate com o imperialismo
durante décadas de “Guerra Fria”29.
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3.1 Mito da história oriunda de uma “fundação”
Exemplos paradigmáticos:
Contrapontos marxistas:
– Rubinshtein: Milênios de experiência prática, na lida do homem
com a natureza, precedem o início da filosofia antiga e da ciência
moderna. (Princípios de psicologia geral, vol. 1)
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Em que isso perpassa narrativas sobre o trabalho de Vigotski?
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da psicologia”; “a nova psicologia”; “a psicotécnica”; e “o drama”
– situação social de decisão, cuja composição tensa e conflitiva
permitiria compreender a estrutura da personalidade. Trabalhos
iniciais de Wallon são incorporados por Vigotski em seus textos
pedológicos publicados no Tomo IV de suas “Obras”. Por
exemplo, ao tratar de temas como: a “motricidade de tipo afetivo”
(Vygotski, 1932/2006, p. 286); ou a “investigação sobre o
desenvolvimento na criança das ideias sobre seu próprio corpo”
(Vygotski, 1932/2006, p. 306).
31 Sempre que nos referirmos a “publicada em tal ano”, saiba-se que isso não significa
que sua produção já não estivesse em andamento nos anos imediatamente anteriores. O
mais plausível é que sim, apenas não podemos datar com precisão. As datas de
finalização, envio para publicação ou publicação propriamente dita são apenas uma
referência não uma prova ou recorte absoluto no tempo.
32 O que pudemos encontrar mais ligado à temática da Revolução são os seguintes
materiais: “Teatro e revolução” (Vigotski, 1919); “Outubro em poesia” (Vigotski, 1922);
e resenha literária do livro de John Reed “Dez dias que abalaram o mundo” (Vigotski,
1923). Entretanto, mesmo sendo evidente que os temas sejam inseridos no contexto da
Revolução Socialista, não se apresenta para tratar deles uma clara teorização marxista dos
mesmos. Em “Teatro e revolução” critica que o teatro engajado deixou a desejar frente
à revolução, por sua forma óbvia, conservadora. Sem o componente de “mistério”
necessário à verdadeira obra de arte. Em “Dez dias que abalaram o mundo” mostra sua
particular simpatia às narrativas que exaltam a força dos revolucionários anônimos com
sentimento de dever acima da adulação de grandes líderes, como em episódio com
Trotski em apuros para entrar numa reunião sem levar a credencial obrigatória, entre
outros. Embora o tom seja crítico, tanto do ponto de vista estético quanto politico, não
notamos, ainda, uma abordagem dialética materialista aos temas.
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de Neuropsicologia” em janeiro de 1924 em Petrogrado 33
(Vygotski, 1924/1991), em “Psicologia Pedagógica” (Vygotski,
1924/2003), em “Psicologia da Arte” (Vigotski, 1925/1999), em
“Consciência como problema para a psicologia do
comportamento”, ou no prefácio junto com Luria à edição russa
de “Para além do princípio do prazer” de Freud (Vigotski e Luria,
1925/1994). Isso não significa que o “processo de produção”
destes textos não estivesse em curso antes de 1924, sobretudo pelo
envolvimento do autor com a psicologia e a educação em Gomel
(cf. Vigodskaia e Lifanova, 1996/1999a).
33No início de janeiro a cidade ainda era chamada “Petrogrado”, será só após a morte
de V. I. Lenin (em 21 de janeiro de 1924) que passará a ser chamada “Leningrado” em
homenagem ao líder revolucionário. Após o fim da URSS, em 1991, voltou a chamar-se
“São Petersburgo” – nome anterior a “Petrogrado”.
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Revolução de Outubro? Como passou anos em Moscou, não
poderia estar isolado, sem saber do que se conspirava contra o
regime tzarista. Isto pode ser pesquisado caso se tome como
essencial. Mas a própria biografia de Vigotski, em diferentes fontes
às quais tivemos acesso, sugere que sua inclinação tenha sido bem
maior para duelos teóricos que para combates armados Não que
tal falta de engajamento direto torne condenável seu pensamento,
mas não há como afirmar categoricamente pureza política e/ou
científica de Vigotski como “marxista de origem”. Caso assim se
proclamasse seria uma asserção peremptória. Uma forma de evitar
análises mais profundas sobre esta afiliação gradual e driblar o fato
de que Vigotski não pode ter “nascido marxista”, é dizer que depois
de seu período pré-marxista, reviu seus erros e os “superou” pelo
esclarecimento que o marxismo lhe teria trazido. Como que por
uma espécie de “conversão”.
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estudantes em seus coletivos. Mas esse “erro grave” de defender
que alunos decidam sobre processos que lhes dizem respeito,
depois teria sido “corrigido”. Pois Vigotski, talvez como Saulo,
“superaria” seus erros do tempo em que estava imerso na
ignorância do verdadeiro caminho da “pedagogia marxista”.
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gere relação de ensino-aprendizagem que se “adiante ao
desenvolvimento”? Preconceitos podem travar uma compreensão
crítica de história. Pois quem deles não abdica é forçado a dizer
que “a história está errada” para que suas premissas sigam
inquestionáveis e a realidade social imutável.
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sem desvios: “Quem não descende dos amamentados pela loba
não são puros representantes do Império Romano”; “Quem não
descende da raça ariana pura não pode ter lugar legítimo no
Terceiro Reich”. O comunismo nunca foi próximo ao nazismo,
mas sempre seu antagonista categórico. Não é totalitário por
essência, nem por programa ou proposta. Se tomou, em dado
momento, essa forma na Rússia cujas tradições imperiais são
milenares, nunca foi porque o marxismo exigisse isso.
Divergências entre autores da psicologia soviética não seriam
motivo de escândalo, se o mito da pureza das teses originais da
“psicologia marxista” não fosse ativado no/pelo discurso de certas
pessoas e instituições soviéticas ou estrangeiras. Em nosso país,
talvez isso ocorra, em parte, por insegurança dos líderes de grupos
de pesquisa frente ao conjunto vasto, porém fragmentário, de
sistemas conceituais que chega até nós, pelas letras daqueles
autores.
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como “causa”, a qual chegou a lamentar não ter sido levada adiante
do mesmo modo por todos. Mas havia divergência quanto aos
rumos da “causa”. Alguns relatos mencionam uma “sonhada”
reunião, para “resolver” tal divergência, que nunca foi feita, pois
Vigotski morreu antes. Mas seria romântico ver na casualidade do
“encontro inviável” a definitiva explicação para tudo que não foi
realizado nas décadas seguintes e até os nossos dias. Muito
simplório.
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da teoria histórico-cultural são mantidos e renovados, outras ideias
deixam de ser mencionadas. Se só podemos explicar o
desenvolvimento de alguém por suas mudanças qualitativas, por
que o mesmo não valeria para a história do trabalho de um
pesquisador? Se nunca mudasse, estaria tudo dado de início? Por
“herança” ou “revelação”? A noção de imutabilidade do que “era
no princípio”, tem algo do que chamamos de “mito”...
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3.2 O mito da história feita por “grandes homens”
Exemplos paradigmáticos:
Contrapontos marxistas:
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ainda de um componente de hipérbole, figuras de linguagem para
fins “didáticos” que se tomadas de modo literal conduzem a uma
catastrófica distorção ideológica da realidade histórica. Como a
fantasia de que sem as ordens de alguém “fora do comum”,
milhões de pessoas “comuns” nada teriam feito. Ideia fantasmática
porque abstraída de sua antítese dialética de que o suposto ser
humano “incomum” também nada faria se suas ações e propostas
não traduzissem verdadeiramente aquilo que milhões estivessem
dispostos e aptos a fazer36.
36Até porque é plausível avaliarmos que nem sempre quem está apto a fazer algo tem
disposição para tal. E nem sempre quem tenha uma disposição apenas ideal está
materialmente apto a fazer. Discussão para o problema da luta insurgente e a formação
social da personalidade dos quadros que se disponham e estejam aptos a realizá-la.
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capaz de determinar, pela força de sua vontade e inteligência
excepcionais, o destino de um império, uma nação, uma
coletividade. É triste que seja necessário, em pleno século XXI,
destacar a inconsistência de darmos valor exagerado a
personalidades no curso da história da humanidade de modo geral,
assim como para a história de ciência tão pueril quanto a psicologia
em particular. Mas, dada situação atual, é necessário relembrar.
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ebulição política e cultural foi sem precedentes, num período de
sua vida para o qual não temos registros de que ele fora nada
similar a um “arrebatado marxista, comunista revolucionário”.
Ebulição cosmopolita que, antes de progressivo esfriamento
xenofóbico (enraizado em tradições milenares, alheias à proposta
socialista), permitiu-lhe acesso a vasto acervo de contribuições
científicas oriundas de diversos países – em biologia, psicologia,
filosofia, linguística, sociologia, pedagogia, entre outras.
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edificação consistente de uma internacional e unificada “psicologia
científica”, ou seja, “marxista”.
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3.3 O mito da história como “discurso neutro/ciência
exata”
Exemplos paradigmáticos:
Contrapontos marxistas:
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encontradas nos historiadores sérios. Mas, não é raro ouvir
estruturas verbais desse tipo na voz de certos acadêmicos que
sentem necessidade de se impor sobre nós, meros mortais, como
donos da “verdadeira verdade”. Uma vez, que bem ou mal,
aprendemos versões contrárias nos próprios livros de história que
somos obrigados a ler na escola fundamental e a repetir em
vestibulares para entrar nas escolas superiores – essas instituições
nobres que nos oferecem o “patrimônio cultural da humanidade”.
Tais “revelações chocantes” de “verdades absolutas” que só agora
vieram derrubar “mentiras absurdas”, também são comuns em
programas de televisão como “National Geographic”, “Discovery
Chanel”, etc. Nos quais a simplificação do discurso “científico”
para jornalismo e entretenimento, de modo sensacionalista, tenta
forjar, com máscara de “ciência”, um “novo senso comum”.
Desde sobre a origem do universo, à das religiões, ou de qualquer
tema inconclusivo, desde que polêmico o suficiente para atrair
audiência e vender livros dos maiores especialistas do mundo no
assunto. Por certo, nunca se viu um programa desses explicar qual
a origem da miséria, ou das guerras imperialistas.
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“descobertas que vão mudar tudo que sabíamos até então”. Só não
as nossas vidas. Funcionam mais por verossimilhança que por
estabelecimento de verdades. É “verossímil”, ou seja, podemos
considerar plausível que “pudesse ter acontecido”. Não há nada de
absurdo em pensar que “pudesse ter sido assim”... Mas estabelecer
que “é impossível que tenha acontecido de outro modo que não o
que estamos apresentando” já seria falta de espírito científico, uma
impostura intelectual. Porque nada do que se fala pode ser
submetido à prova definitiva da práxis hoje, logo, como poderia
ser considerado “verdade”, dentro dos parâmetros do conceito de
verdade de Marx, por exemplo38.
Mas, não desejamos ficar acima dos que se iludem estar acima de
nós. Apenas nos cabe destacar, para o momento, que não nos cai
bem o espírito positivista de que a verdade sobre as coisas evolui
por um “progresso” da ciência, ao mostrar cada vez mais erros de
cientistas anteriores. Diferente disso, entendemos que preexiste
sempre uma luta acirrada se travando no interior das versões
contrárias do que venha a ser o mais “plausível” em historiografia.
Aquelas versões estabelecidas pela tradição, não por serem
tradicionais eram as mais verdadeiras. Todos sabemos, desde
adolescentes, que a história das guerras tem sido contada
predominantemente pelos vencedores das mesmas. E que versões
e evidências das atrocidades que cometeram os vencedores são
ocultadas, omitidas ou destruídas para sempre 39 . E quando
38“A questão se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é teórica, mas
prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, a saber, a efetividade e o
poder, a citerioridade do pensamento. A disputa sobre a efetividade ou não-efetividade
do pensamento isolado da práxis – é uma questão meramente escolástica” (Marx,
1845/1978, p. 51, itálicos na fonte).
39No Brasil na última década do século passado, todos pudemos assistir no cinema o
documentário “Guerra do Brasil” de Silvio Back (cf. https://youtu.be/gGcMuGxTf_A)
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assumimos que a história toda tem sido a da luta de classes, a classe
que produz valor a ser expropriado também tem sua versão das
batalhas perdidas bastante censuradas pelos vencedores, as classes
que expropriam o valor produzido pelas primeiras. Nisso
redizemos a origem fundamental dos dois “mitos” de que tratamos
anteriormente: o de que tudo surge de “fundações”, e o correlato
de que tudo advém da ação isolada de “grandes homens”. Aqui,
igualmente, a luta por quem tem a versão mais verdadeira da
história também é inerente à luta mais profunda e estruturante de
toda a vida social – que é a luta de classes.
Sendo este uma versão diferente e oposta à relatada para nós em bancos escolares como
sendo a “Guerra do Paraguai”, com o “grande” Duque de Caxias liderando a vitória
sobre o inimigo. O filme, em tom de denúncia póstuma, tenta desmontar uma série de
visões romantizadas sobre o que teria sido, mais precisamente, uma ação militar de
interesse do imperialismo internacional, sobretudo inglês. A qual se valeu de práticas
militares das mais covardes, convocação compulsória de escravos para combater, etc.
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de “livros”, também não traz avanço. Porque não muda o
conteúdo poético, mítico-literário das obras que se atribui ao
suposto “Homero”. Só cria discussão periférica à riqueza das obras
que estão vivas até hoje. Periférica, porque o autor, sendo um ou
vários, com tal nome ou outro, não pode ser recriado de modo
concreto, nas múltiplas determinações de sua existência social.
Gera-se debates sobre “o sexo dos anjos”, que podem render teses
imponentes, ou livros de grande tiragem, mas não transformam
qualquer realidade, além da carreira do autor (sendo “ele” ou “ela”
quem escreve, sejam seus estagiários).
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acabada, inquestionável (cf. Bakhtin, idem). Certamente alguém
poderá talvez no futuro, se é que já não o fez, questionar se existiu
algum Platão, ou tudo foi inventado bem depois por quem, dentro
de algum mosteiro, veio a dar a forma de seus textos que
conhecemos hoje. Para nós é irrelevante.
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emocionais por escrito, análise de DNA nos vestígios de células
sobre os documentos, etc.
40Basta alguém tentar comparar algumas das mais diferentes biografias de Ernesto
Guevara, por exemplo, para notar claramente, que nem todas falam, exatamente, sobre
“a mesma pessoa”.
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A necessidade de evitar o mito da história como “ciência exata” de
cunho “forense”, que forja a “última palavra sobre os fatos”, com
finalidade de julgar e proferir sentenças, é urgente no campo da
história da psicologia soviética. No qual se inscreve a história do
trabalho social de Vigotski. Porque muitas narrativas podem se
avolumar em torno de tentar validar ou desqualificar conceitos
teóricos de determinados autores, procurando antes apresentar
traços pessoais deles, ora de modo demasiado heroico ora
demasiado covarde ou sórdido. Forçando a pesquisa histórica a
criar bases para se argumentar “ad hominem” (desqualificar a
pessoa, para proclamar que seus conceitos estão errados; enaltecê-
la para proclamar que seus conceitos são corretos). Por exemplo:
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pleno regime estalinista. Inclusive, sendo genial, nada o impediria
de saber dizer o que os editores gostariam de ouvir, em dada parte
do texto publicado, e noutros momentos do mesmo texto,
desenvolver conceitos convergentes com sua própria concepção
marxista de ciência. Habilidades retóricas desenvolvidas no curso
de Direito e em juris simulados sobre personagens literários com
os amigos 41 , atestariam tal capacidade, aliás não restrita aos
“gênios”.
41Semion Dobkin (1982/2009) relata que seu amigo Vigotski, nas férias de 1915 ou 1916,
participou de um “júri simulado”, no qual se julgou personagem de Vsevolod M. Garshin
(1855-1888). Quando lhe perguntaram se preferia representar o papel de advogado ou
de promotor, teria dito não se importar, pois estava preparado para defender os dois
pontos de vista. Teria “adquirido esta abordagem à análise dos casos como estudante de
Direito” (Dobkin, 1982/2009, p.21)
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político, bem após Kornílov ter caído em desgraça, lemos
claramente: “a psicologia marxista ainda não existe, há que
compreendê-la como uma tarefa histórica, não como algo dado”
(Vygotski, 1927-27/1991, p. 402). Ora, para quem argumenta “ad
hominem”, isso suspenderia sua capacidade de discernir entre o
correto e o incorreto. Pois poderia ser este autor “oportunista” e
“genial”, que diz coisas de maneiras bem diferentes conforme a
ocasião lhe convém. Logo: não se pode confiar do que diz, não se
sabe qual é seu “verdadeiro pensamento” sobre o ponto.
43 É com semelhante causalidade linear e psicologismo, que opera, e.g., Anton Yasnitsky:
“a mais inesperada, proeminente e sensacional descoberta feita neste estudo [o dele
mesmo - CED] é a conclusão de que [...] trabalhos de Vigotski como ‘A história do
desenvolvimento das funções mentais superiores’ e ‘Instrumento e signo no
desenvolvimento da criança’, de fato, não foram considerados como trabalhos seminais
pelo seu autor, que nem os incluiu em suas bibliografias de trabalhos publicados e
manuscritos não publicados (cf.: Murchison, 1932; Vygodskaya, 1996) nem tampouco
tentou publicá-los” (Yasnitsky, 2011, p. 62 – grifos nossos) A ausência de “tentativa de
publicar” seria atribuída à inexistência, nos documentos restantes de quando Vigotski era
vivo, de papeletas de envio de tais materiais a editoras soviéticas. Nessa lógica, em pleno
estalinismo, tudo que Vigotski considerava importante enviava para qualquer editora sem
nada temer. Tudo que não “tentou publicar” seria menos importante. Que “máquina do
tempo” o dono da “sensacional descoberta” usa para retornar aos anos 1930, interrogar
Vigotski e saber seus reais desejos? Ninguém diz. Mas, como argumenta ad hominem,
uma mente ingênua pode acatar a falácia: “Não vimos qualquer papeleta de envio disso
a editoras, logo: Vigotski não deu valor”. Ou pior: “Vigotski não quis publicar, logo: não
precisamos ler”. Parece inconcebível que tal ranço de pensamento escolástico permaneça
entre nós tanto tempo após o fim da Idade Média. Mas permanece vivo, e alguns acatam
sustentando mitos, criados justo por quem se arroga derrubá-los (os que lhe convém).
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público por esta razão, por motivo misterioso não o teria
simplesmente destruído. Seria um apelo máximo à suposta lei da
honra como critério de verdade científica. Mas quem pode arbitrar
quanto a não ser mais honrado guardar justamente o mais crítico,
para esperar o momento político mais propício para dá-lo a
público? Já que editores burocratas talvez não alcançassem a
totalidade da elaboração teórica que leva a negar a existência de
“psicologia marxista”, até aquele momento.
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formulou e exaltar outros com base supostas virtudes talvez da
mesma pessoa. Entendemos que é a realidade humana, histórica e
social que deve cobrar verdade dos conceitos científicos,
independente de quem os tenha sistematizado. Os predicados dos
diferentes autores, em diferentes momentos de suas vidas,
deixamos para algum tipo psicologia da personalidade dos que já
não estão aqui para contestar ou atestar rótulos que lhes tenham
sido dados por quem com eles conviveu, ou porque quem nasceu
bem depois de sua morte. O que também não passaria de uma
forma de psicologismo, em nosso entendimento.
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4 Considerações para a continuidade dos estudos
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próprias obras de Vigotski e daqueles que fizeram avançar
aspectos de seu projeto por ele mesmo nunca desenvolvidos.
Ficando assim, para nós um desafio de retomarmos, talvez em
curso “intermediário” ou “avançado”, problemas que aqui foram
apenas postos em pauta. Na melhor das hipóteses.
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