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Nadeia Oliveira*
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Para as crianças esta dimensão social das A informação que se partilha através dos
aprendizagens, feita através das comunica- circuitos de comunicação tem um valor social
ções, da troca de saberes e produções, leva a uma vez que os saberes e as produções que os
uma construção cultural dos saberes e de com- alunos fazem dão sentido à partilha desses sa-
petências, motivando o trabalho de cada um. beres e produções.
De acordo com Sérgio Niza, citado por Fol-
que (1999) a “comunicação e trocas entre o
professor e as crianças e entre as crianças, são Contextualização
uma maneira de construir a aprendizagem
através de processos cooperativos, todos ensi- O Jardim de Infância (JI) de Casais Robus-
nam e todos aprendem” (Niza, 1996). O co- tos que funciona na antiga escola do 1.º Ciclo,
nhecimento nas salas de aula do MEM não é pertence ao concelho de Alcanena e ao agrupa-
visto como propriedade privada. Longe disso, mento de Minde.
a aprendizagem individual é sistematicamente Este trabalho desenvolveu-se numa turma
estendida a todo o grupo onde as crianças são de JI, com um grupo de 10 crianças, uma das
encorajadas a comunicar. quais com Necessidades Educativas Especiais
Assim, a comunicação tem uma dupla fun- (NEE), com idades entre os três e os cinco anos.
ção. Primeiro, a comunicação pode ser vista O espaço está organizado em várias áreas
como activadora de uma função cognitiva que de actividade, consideradas desafiadoras e
ocorre quando se pede às crianças para falarem adequadas às crianças em idade pré-escolar.
sobre as suas acções ou experiências. Neste É o caso da área do faz de conta, da área dos jo-
caso, tem início um processo metacognitivo gos de mesa, da área da expressão plástica, da
que lhes permite perceberem melhor o que área da biblioteca, da área da escrita, da mate-
têm a comunicar (Vigotsky, 1987). Em segundo mática e das ciências, da área das construções
lugar, a comunicação também tem uma função e garagem e da área da reunião (mesa grande),
social quando a informação é partilhada e dis- para o planeamento, comunicações, avaliação
seminada de modo a que possa ser utilizada e discussão.
pela “comunidade” e pelo escrutínio público Foi necessário estabelecer, logo desde o iní-
do conhecimento. cio do ano lectivo, a organização da rotina se-
As perguntas que as crianças fazem sobre as manal, para que o grupo começasse, desde
experiências dos outros podem levar os seus cedo, a interiorizar algumas das rotinas.
autores a questionarem-se e a sentirem a ne- No fim das actividades da manhã e antes do
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cessidade de serem mais explícitos. “O impor- almoço, têm lugar as comunicações, tempo re-
tante papel da linguagem, no desenvolvimento servado para a partilha de saberes e aquisições
cognitivo foi sublinhado por Vigotsky que con- feitas individualmente, a pares ou em grupo.
siderava que o significado social dava sentido a Alguns instrumentos de monitorização e de
esta prática” (Niza, 1995, citado por Folque, regulação implementados (diário, plano do dia,
1999). mapa de presenças, mapa do tempo, mapa de
As comunicações pressupõem a transmis- actividades, mapa de tarefas) também se reve-
são de uma mensagem e de conhecimentos laram de grande importância para a organiza-
que promovem as aprendizagens ao nível do ção do grupo e interiorização de regras.
desenvolvimento cognitivo, relacionado com a Em relação à avaliação do grupo, este revela
área de formação pessoal e social, no sentido algumas dificuldades ao nível da Área de For-
em que aumenta a auto estima das crianças e o mação Pessoal e Social. De forma geral, todo o
pensamento, assim como permite desenvolver grupo precisa de trabalhar as questões relacio-
o domínio da linguagem oral. nadas com o respeito pelo outro e o cumpri-
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Gráfico 1
firo no Diário de Formação de 19 de Fevereiro houve observações e quais as crianças que co-
2010. municaram mais (ver Gráfico 2).
Em relação aos projectos, do meu ponto de Após a análise de dados, foi interessante
vista, este ano desenvolvemos bastantes, no observar, por um lado, o número de vezes que
entanto, um projecto de investigação demora o cada criança comunicou e, por outro, verificar
seu tempo a ser concretizado, para depois ser que não foram as crianças mais velhas a comu-
comunicado ao grande grupo. nicar mais vezes.
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Gráfico 2
que viram aos mais velhos. Os mais velhos são – Leu, Tomás, Mateus, Briana, Paulo, Simão,
mais críticos uns com os outros, no entanto Daniel e uma “casinha”
também se copiam. Todos tiram ideias uns pe- Continuei: Então não tens aí só nomes, pois não?
los outros. – Não tá esta “casinha”
Todos estão muito participativos e comuni- – E também não são só letras, tens aí um nú-
cativos, pelo que aproveitamos as ideias que mero, Sabes qual é? Perguntei
alguns apresentam para desenvolver outras – É o oito… disse ele (mas não pronunciou muito
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actividades e enriquecer outras áreas. bem o número)
Gostaria de destacar uma das comunica- – E porque puseste aí um oito? (notei que ficou
ções que registei no meu diário de formação e
que exemplifica o que disse anteriormente.
Esta comunicação foi importante pelo facto de
esta criança apresentar algumas dificuldades
ao nível da linguagem oral, nomeadamente, ao
nível da articulação das palavras.
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um bocado atrapalhado) Será que são os anos do bir, dando mesmo a ideia da lava a sair, por ter co-
Tomás? rante alimentar vermelho.
– É (disse ele) (O Tomás é o irmão) Esta comunicação permitiu-me perceber que al-
– Mas, também vejo que leste bem Mateus, mas gumas crianças do grupo têm a noção do som das
falta uma letra. Já viste Mateus, sabes qual é a le- palavras, porque às tantas surgiu o seguinte diá-
tra que falta no teu nome? logo:
– É o “S” – disse o Mateus Júlia – Então o vulcão é a mesma coisa que o fu-
– Daniel, porque não puseste o “S” no nome do ração?
Mateus? Perguntei Ed. – Não, Francisco, sabes explicar à Júlia o
– Já não havia… disse ele que é um furacão?
– Mas tinhas números… porque não puseste Francisco – Então… um furacão é um remoinho
também a idade nos outros nomes, não sabes? de vento…
– Sei, sei, (voltou para si o jogo e pôs os números Júlia – Mas vulcão e furacão têm cão… e fura-
à frente de cada nome) cão também tem fura, de furar…
– Mostra lá… Boa! – Mateus e Daniel ficaram Ed. – Também existe uma coisa na sala que tem
com o 4 no meio, Briana e Paulo com o 5 e o Simão a palavra fura lá dentro. Há pouco, quando eu es-
com o 3 tava com o P., estive a utilizar…
– Gostei muito desse trabalho que comunicaste! Paulo – Foi o furador
Para não te esqueceres, que tal passares para uma Júlia – Mas furador também tem dor…
folha o que descobriste? Ed – Estou a lembrar-me que temos outra coisa
– Aceitou e ficou combinado que no dia seguinte na sala, que está ali, ao pé do furador, que também
ia fazer o registo. tem dor…
Francisco – É o agrafador…”
Sempre que possível aproveitamos as co- Registámos todas estas palavras no quadro preto
municações de projectos de investigação ou para depois vermos o que poderíamos fazer com
outras para enriquecer a área da escrita, acres- elas.
centando palavras no ficheiro das imagens, ou No dia seguinte, conversámos acerca destas pa-
nos cadernos ou no dossiê com listas de pala- lavras e resolvemos fazer o caderno das “palavras
vras. Como, por exemplo, no caso desta co-
municação que passo a descrever retirada do
diário de formação.
O Francisco (4:5) é uma das crianças mais cu-
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dentro de palavras”, tendo surgido mais duas pois, Para o Paulo (5:6) e o Mateus (4:5) apresen-
a propósito do projecto das cobras, o Mateus disse: tarem o projecto dos carros, motas e jipes,
– Serpente acaba como parapente… pedi-lhes para trazerem de casa os brinquedos
Uma outra comunicação que nos permitiu que tivessem e combinámos que iam pô-los
desenvolver outras actividades foi a que o Ma- por tipos de transporte. Havia vários, terres-
teus (4:5) fez, relacionada com a modelagem, tres, aéreos e aquáticos…
e que também descrevi no diário de formação.
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Todas as crianças estavam sentadas nas ca- que já todas as crianças identificam as áreas
deiras, com bostik colámos o cartaz nas costas existentes na sala, descrevem o processo e os
de um armário… materiais utilizados, embora uns com mais fa-
Preparamos um registo, para o resto do cilidade que outros porque explicam logo tudo
grupo, onde teriam de registar com lápis de sem ser preciso perguntar.
carvão o que aprenderam. Depois foi a vez do Também é possível, através do tempo para
resto do grupo comunicar o que tinha apren- Mostrar/Contar/Escrever, desenvolver activi-
dido/registado… dades que depois possam gerar comunicações
De todas as comunicações que foram feitas interessantes, como no caso do Daniel (4:7),
ao longo do tempo gostaria de destacar esta que trouxe dois pedaços de esferovite e disse
que foi feita por uma das crianças mais novas que queria fazer alguma coisa nas invenções…
da sala. Depois de planear as invenções, o Daniel
foi para esta área e fui ter com ele para ver se já
estava a registar na folha o que ia fazer. Como
queria fazer um Ferrari, eu ajudei-o a dar forma
à parte da frente e às rodas, porque era neces-
sário usar o x-acto, mas ele colou e pintou as
restantes partes.
Quando começou a comunicar, disse que
fez um Ferrari, com esferovite (o Daniel tem
alguma dificuldade ao nível da articulação das
palavras).
Perguntaram-lhe onde fez, ao que ele respon-
deu, depois se tinha tido ajuda, ele disse sim…
Também no tempo de Mostrar/Contar/Es-
crever, o Francisco (4:5) levou para mostrar
O Simão (3:1) mostrou um jogo de encaixe uma caixa de comprimidos. Disse que tinha
de letras, que tinha estado a fazer na área da es- seis divisões e o Mateus disse que parecia da-
crita e que considero particularmente difícil para quelas coisas para fazer gelo.
estas idades, no entanto, ele conseguiu fazê-lo. Propus ao Francisco que nos emprestasse a
– Porque estás a mostrar isso? perguntou a Júlia. caixa até ao dia seguinte, para fazermos uma
– Porque fiz sozinho, disse ele. experiência e ele concordou.
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cido: “– Fez gelo; – A água ficou congelada; – Por- uma criança a melhorar, a evoluir e a crescer
que pusemos no congelador, que é muito frio; enquanto seres humanos.
– A água congelada fica fria.” Estas foram as Tenho vindo a perceber que nem sempre
observações das crianças enquanto a caixa pas- aproveito o tempo das comunicações, para su-
sava de mão em mão. gerir e desenvolver outras actividades e projec-
Tirámos então o gelo da caixa e observá- tos, às vezes, por falta de tempo, outras por
mos que saíram seis quadradinhos de gelo, falta de atenção e concentração do grupo, ou-
mas que, passado algum tempo, começaram a tras por mim, que nem sempre estou desperta
derreter. para agarrar estas oportunidades…
Então conversámos que os quadradinhos Percebi que o registo no diário de formação,
(de gelo) eram água, mas no estado sólido. E dos acontecimentos vividos é a melhor forma
que depois voltavam a ficar no estado líquido. de investigar a nossa prática, pois tomamos
Penso que neste dia o Tempo de Mos- consciência do que fazemos e do que podemos
trar/Contar/Escrever foi bastante útil, para o melhorar…
grupo porque tivemos a oportunidade de fazer Sempre que investigamos e reflectimos es-
esta experiência, que nos permitiu falar da tamos a avaliar, como que se tratasse de uma
água sob formas e estados diferentes. espiral que volta sempre ao princípio. É como
que um ciclo que começa e recomeça sempre
Conclusão que se quer melhorar a aprendizagem para au-
mentar o conhecimento.
Ao fazer a análise dos dados e ao reflectir
sobre este trabalho, percebi melhor como está
tudo encadeado e como as crianças sabem tan- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tas coisas. Elas são, de facto, pequenos investi-
gadores, apenas necessitando de algum es- Avelar Santos, M. (1999). O tempo de comuni-
paço/tempo e pequenas ajudas do adulto na cação dos alunos, Escola Moderna, 7 (5), 16-29.
promoção de “andaimes” para desenvolverem Folque, M. A. (1999). A influência de Vigotsky
as suas capacidades e a sua inteligência. no modelo curricular do Movimento da Es-
Assim, posso pensar que o desenvolvi- cola Moderna para a educação pré-escolar,
mento e a dinamização do tempo das comuni- Escola Moderna, 5 (5), 5-12.
cações, promovendo o diálogo e melhorando, Lopes da Silva, I. (1997). Orientações Curricu-
interactivamente, os tipos de produtos, são lares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa:
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