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As comunicações das crianças

Nadeia Oliveira*

Introdução das comunicações poderia motivar os pares


para novas descobertas e experiências.
Interessava-me perceber se aprendem, no
N este artigo proponho-me reflectir sobre a
formação deste ano lectivo, integrada no sentido de melhorar as suas produções, através
do que vêem e ouvem e como é que as comu-
projecto de Investigação/Formação no âmbito
do Modelo Pedagógico do Movimento da nicações motivam os pares para novas expe-
Escola Moderna (MEM). riências, como podem melhorar o trabalho au-
Depois da comunicação de um grupo de co- tónomo e enriquecer outras áreas de activi-
legas acerca de um projecto sobre o sistema so- dade, como a escrita e a matemática.
lar, o José disse: “Gostei muito de ter apren- Com esse propósito, utilizarei algumas
dido coisas com eles, acerca dos planetas.” Esta transcrições do relato de práticas do Diário de
frase ficou na minha cabeça desde o ano pas- formação integrado no Programa de Investiga-
sado, pois percebi a importância de partilha- ção/Formação do MEM que tenho vindo a fa-
rem as aprendizagens uns com os outros. zer semanalmente deste Outubro até final do
Assim, surgiu a ideia de investigar/reflectir 2.º período.
acerca dos circuitos de comunicação: formas
de difusão e partilha dos produtos culturais do
trabalho (MEM, sd.). Fundamentação teórica
Visto o educador desempenhar um papel
Ao escolher este tema procurei fazer algu-
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fundamental no grupo, no sentido em que
“alarga as oportunidades educativas, ao favo- mas leituras que servissem de base para funda-
mentar a minha investigação/reflexão. Inicial-
recer uma aprendizagem cooperada em que a
mente foi difícil, por ser um tema ainda pouco
criança se desenvolve e aprende, contribuindo
estudado, no entanto, citando Sérgio Niza
para o desenvolvimento e aprendizagem das
(1998) gostaria de referir que
outras,” (Lopes da Silva, 1997, p. 35) gostava
de perceber quais as aprendizagens que fazem, A comunicação é um dos mecanismos cen-
uns com os outros, e se é possível motivar e di- trais da pedagogia do MEM enquanto factor de
namizar o tempo das comunicações, estabele- desenvolvimento mental e de formação social.
cendo diálogos, com perguntas e troca de opi- Decorre da condição de se aceitar, na escola,
niões entre as crianças. como fundamental, a criação de um clima de li-
vre expressão dos alunos, para que se não sin-
Pretendia investigar como é que o tempo
tam policiados nas suas falas, nos seus escritos
ou nas actividades representativas e artísticas
* Educação Pré-Escolar. em que se envolvem (p. 78).

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Para as crianças esta dimensão social das A informação que se partilha através dos
aprendizagens, feita através das comunica- circuitos de comunicação tem um valor social
ções, da troca de saberes e produções, leva a uma vez que os saberes e as produções que os
uma construção cultural dos saberes e de com- alunos fazem dão sentido à partilha desses sa-
petências, motivando o trabalho de cada um. beres e produções.
De acordo com Sérgio Niza, citado por Fol-
que (1999) a “comunicação e trocas entre o
professor e as crianças e entre as crianças, são Contextualização
uma maneira de construir a aprendizagem
através de processos cooperativos, todos ensi- O Jardim de Infância (JI) de Casais Robus-
nam e todos aprendem” (Niza, 1996). O co- tos que funciona na antiga escola do 1.º Ciclo,
nhecimento nas salas de aula do MEM não é pertence ao concelho de Alcanena e ao agrupa-
visto como propriedade privada. Longe disso, mento de Minde.
a aprendizagem individual é sistematicamente Este trabalho desenvolveu-se numa turma
estendida a todo o grupo onde as crianças são de JI, com um grupo de 10 crianças, uma das
encorajadas a comunicar. quais com Necessidades Educativas Especiais
Assim, a comunicação tem uma dupla fun- (NEE), com idades entre os três e os cinco anos.
ção. Primeiro, a comunicação pode ser vista O espaço está organizado em várias áreas
como activadora de uma função cognitiva que de actividade, consideradas desafiadoras e
ocorre quando se pede às crianças para falarem adequadas às crianças em idade pré-escolar.
sobre as suas acções ou experiências. Neste É o caso da área do faz de conta, da área dos jo-
caso, tem início um processo metacognitivo gos de mesa, da área da expressão plástica, da
que lhes permite perceberem melhor o que área da biblioteca, da área da escrita, da mate-
têm a comunicar (Vigotsky, 1987). Em segundo mática e das ciências, da área das construções
lugar, a comunicação também tem uma função e garagem e da área da reunião (mesa grande),
social quando a informação é partilhada e dis- para o planeamento, comunicações, avaliação
seminada de modo a que possa ser utilizada e discussão.
pela “comunidade” e pelo escrutínio público Foi necessário estabelecer, logo desde o iní-
do conhecimento. cio do ano lectivo, a organização da rotina se-
As perguntas que as crianças fazem sobre as manal, para que o grupo começasse, desde
experiências dos outros podem levar os seus cedo, a interiorizar algumas das rotinas.
autores a questionarem-se e a sentirem a ne- No fim das actividades da manhã e antes do
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cessidade de serem mais explícitos. “O impor- almoço, têm lugar as comunicações, tempo re-
tante papel da linguagem, no desenvolvimento servado para a partilha de saberes e aquisições
cognitivo foi sublinhado por Vigotsky que con- feitas individualmente, a pares ou em grupo.
siderava que o significado social dava sentido a Alguns instrumentos de monitorização e de
esta prática” (Niza, 1995, citado por Folque, regulação implementados (diário, plano do dia,
1999). mapa de presenças, mapa do tempo, mapa de
As comunicações pressupõem a transmis- actividades, mapa de tarefas) também se reve-
são de uma mensagem e de conhecimentos laram de grande importância para a organiza-
que promovem as aprendizagens ao nível do ção do grupo e interiorização de regras.
desenvolvimento cognitivo, relacionado com a Em relação à avaliação do grupo, este revela
área de formação pessoal e social, no sentido algumas dificuldades ao nível da Área de For-
em que aumenta a auto estima das crianças e o mação Pessoal e Social. De forma geral, todo o
pensamento, assim como permite desenvolver grupo precisa de trabalhar as questões relacio-
o domínio da linguagem oral. nadas com o respeito pelo outro e o cumpri-

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mento de algumas regras da sala, nomeada- Ao longo do tempo das comunicações, a


mente arrumar os instrumentos e materiais. metodologia utilizada baseou-se na recolha
Algumas têm pouca capacidade de atenção e diária de notas de campo para numa grelha de
concentração. registo de observação, onde constava, nome e
Neste grupo existem algumas crianças com data, o que cada criança mostrava/dizia/des-
dificuldades ao nível da área de expressão e co- crevia/explicava, quais as questões e comentá-
municação – domínio da linguagem oral. Há rios dos colegas, a avaliação e depois, caso sur-
três crianças com três anos que frequentam gissem, quais a ideias para melhorar.
pela primeira vez o JI, uma com Necessidades Para fazer a análise das notas de campo que
Educativas Especiais, fundamentalmente ao ní- coleccionei, resolvi fazer um gráfico que exem-
vel da linguagem, uma que revela algumas di- plificasse os dados recolhidos nas diversas gre-
ficuldades ao nível na articulação de algumas lhas de observação, relativamente ao tipo de
palavras e construção de frases, e muitas são comunicação e ao número de vezes que cada
ainda tímidas e introvertidas. criança comunicava (ver Gráfico 1).
Ao fazer a análise deste gráfico, podemos
concluir que as áreas que envolveram mais co-
Reflexão sobre as comunicações municações foram: as invenções, a modelagem
e o “aprender a aprender” e a matemática, aparecendo depois as ciências,
a descrição do que fazem no “faz de conta” e
Depois de dois momentos distintos de en- na biblioteca, tendo estas duas surgido porque
trevista às crianças, um em grande grupo logo foram propostas por mim. Se assim não fosse,
no início deste estudo, para saber o que pensa-
também no fim estavam os projectos e a pin-
vam em relação às comunicações (o que são?
tura.
e para que servem?), verifiquei que para eles
Penso que, ao descobrirem a área das in-
comunicar é mostrar para ensinar aos outros,
venções, que consiste num espaço onde as
para explicar aos mais novos. Na segunda
crianças desenvolvem projectos de produção,
recolha, que foi feita no início do segundo
utilizando material de desperdício e de des-
período, desta vez a pares, verifiquei que as
gaste, ficaram motivados por terem a liberdade
opiniões em relação às comunicações se man-
de criarem e de decidirem, levando a que
tiveram.
aquela fosse uma das áreas mais escolhidas pe-
Para a apresentação das comunicações, as
crianças têm folhas de registo nas quais fazem las crianças mais velhas.

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a sua inscrição, escrevem o nome e qual é o Quanto ao facto da modelagem ser também
tipo de trabalho que vão mostrar. Podem apre- uma das áreas mais escolhidas para as crianças
sentar todo o tipo de actividades que fizeram fazerem as suas comunicações, penso que
nas respectivas áreas e no tempo de trabalho deve ter sido por, a certa altura do ano, numa
autónomo, pelo que, normalmente, destina- comunicação, alguém ter perguntado: … e fi-
mos entre quinze a vinte minutos. Numa ma- zeste com quê? … foi modelagem… Chamei a
nhã, podem inscrever-se cinco crianças e, se atenção de que modelagem era o nome da
houver mais inscrições, estas passam para o área, pois podíamos fazer modelagem com
período da tarde ou para o dia seguinte. plasticina, barro, massa… e combinámos, en-
Este tempo aparece na organização da ro- tão, que na semana seguinte iríamos pôr, na
tina semanal. As crianças partilham com a área da modelagem, para além de plasticina,
turma o trabalho realizado, descrevendo ao terracota. Daí em diante, esta área era muitas
grupo aquilo que fizeram, aprenderam ou des- vezes planeada no mapa de actividades e sur-
cobriram. giram por isso muitas comunicações, como re-

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Gráfico 1

firo no Diário de Formação de 19 de Fevereiro houve observações e quais as crianças que co-
2010. municaram mais (ver Gráfico 2).
Em relação aos projectos, do meu ponto de Após a análise de dados, foi interessante
vista, este ano desenvolvemos bastantes, no observar, por um lado, o número de vezes que
entanto, um projecto de investigação demora o cada criança comunicou e, por outro, verificar
seu tempo a ser concretizado, para depois ser que não foram as crianças mais velhas a comu-
comunicado ao grande grupo. nicar mais vezes.
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Normalmente as comunicações são indivi- Em relação ao aumento das comunicações


duais, mesmo as de projecto de investigação. por meses, penso que o grupo começou a ter
No entanto, sempre que as comunicações mais consciência do que eram e para que ser-
eram a pares eram valorizadas e registava-se viam, daí que tenham aumentado à medida
no diário, na coluna do “Gostámos”. que cada mês passava. Também me pude aper-
Neste gráfico podemos observar também, ceber que as comunicações observadas em
que existe uma criança com poucas comunica- cada mês oscilavam de acordo com a avaliação
ções, o que se deve ao facto de esta faltar mui- mensal do mapa de actividades, pois existia
tas vezes, por apresentar um estado de saúde a tendência e a tomada de consciência para pla-
débil e por ser esta a criança com NEE. near as áreas onde tinham estado menos vezes.
Outra das estratégias que utilizei para fazer Para concluir, penso que, das observações
a análise dos dados foi criar um gráfico onde que fiz e dos registos que recolhi, as crianças
pudesse observar se o número de comunica- mais novas aprendem porque tentam copiar,
ções aumentara ao longo dos meses em que indo para as mesmas áreas e apresentando o

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Gráfico 2

que viram aos mais velhos. Os mais velhos são – Leu, Tomás, Mateus, Briana, Paulo, Simão,
mais críticos uns com os outros, no entanto Daniel e uma “casinha”
também se copiam. Todos tiram ideias uns pe- Continuei: Então não tens aí só nomes, pois não?
los outros. – Não tá esta “casinha”
Todos estão muito participativos e comuni- – E também não são só letras, tens aí um nú-
cativos, pelo que aproveitamos as ideias que mero, Sabes qual é? Perguntei
alguns apresentam para desenvolver outras – É o oito… disse ele (mas não pronunciou muito
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actividades e enriquecer outras áreas. bem o número)
Gostaria de destacar uma das comunica- – E porque puseste aí um oito? (notei que ficou
ções que registei no meu diário de formação e
que exemplifica o que disse anteriormente.
Esta comunicação foi importante pelo facto de
esta criança apresentar algumas dificuldades
ao nível da linguagem oral, nomeadamente, ao
nível da articulação das palavras.

O Daniel (4:7) esta semana quis apresentar um


trabalho que tinha feito com as letras e o quadro
magnético na escrita, e começou por dizer:
– São nomes…disse ele. Então e de quem? Per-
guntei eu.

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um bocado atrapalhado) Será que são os anos do bir, dando mesmo a ideia da lava a sair, por ter co-
Tomás? rante alimentar vermelho.
– É (disse ele) (O Tomás é o irmão) Esta comunicação permitiu-me perceber que al-
– Mas, também vejo que leste bem Mateus, mas gumas crianças do grupo têm a noção do som das
falta uma letra. Já viste Mateus, sabes qual é a le- palavras, porque às tantas surgiu o seguinte diá-
tra que falta no teu nome? logo:
– É o “S” – disse o Mateus Júlia – Então o vulcão é a mesma coisa que o fu-
– Daniel, porque não puseste o “S” no nome do ração?
Mateus? Perguntei Ed. – Não, Francisco, sabes explicar à Júlia o
– Já não havia… disse ele que é um furacão?
– Mas tinhas números… porque não puseste Francisco – Então… um furacão é um remoinho
também a idade nos outros nomes, não sabes? de vento…
– Sei, sei, (voltou para si o jogo e pôs os números Júlia – Mas vulcão e furacão têm cão… e fura-
à frente de cada nome) cão também tem fura, de furar…
– Mostra lá… Boa! – Mateus e Daniel ficaram Ed. – Também existe uma coisa na sala que tem
com o 4 no meio, Briana e Paulo com o 5 e o Simão a palavra fura lá dentro. Há pouco, quando eu es-
com o 3 tava com o P., estive a utilizar…
– Gostei muito desse trabalho que comunicaste! Paulo – Foi o furador
Para não te esqueceres, que tal passares para uma Júlia – Mas furador também tem dor…
folha o que descobriste? Ed – Estou a lembrar-me que temos outra coisa
– Aceitou e ficou combinado que no dia seguinte na sala, que está ali, ao pé do furador, que também
ia fazer o registo. tem dor…
Francisco – É o agrafador…”
Sempre que possível aproveitamos as co- Registámos todas estas palavras no quadro preto
municações de projectos de investigação ou para depois vermos o que poderíamos fazer com
outras para enriquecer a área da escrita, acres- elas.
centando palavras no ficheiro das imagens, ou No dia seguinte, conversámos acerca destas pa-
nos cadernos ou no dossiê com listas de pala- lavras e resolvemos fazer o caderno das “palavras
vras. Como, por exemplo, no caso desta co-
municação que passo a descrever retirada do
diário de formação.
O Francisco (4:5) é uma das crianças mais cu-
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riosas da sala, passando a vida a fazer perguntas e


a querer saber coisas. Interessa-se por questões re-
lacionadas com certos fenómenos da natureza.
Como por exemplo, porque saía lava dos vulcões.
Esta foi uma das muitas questões que o Francisco
me colocou, daí eu lhe ter proposto que fizesse um
projecto, para descobrir esse problema.
Propus ao Francisco que planeasse a área das
Ciências para que pudesse fazer com ele a expe-
riência do vulcão.
No fim da manhã, o Francisco quis comunicar ao
grupo a experiência. Foi muito interessante, pois co-
meçámos por dizer o que era preciso, depois fez a
experiência e o grupo pôde observar o vinagre a su-

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dentro de palavras”, tendo surgido mais duas pois, Para o Paulo (5:6) e o Mateus (4:5) apresen-
a propósito do projecto das cobras, o Mateus disse: tarem o projecto dos carros, motas e jipes,
– Serpente acaba como parapente… pedi-lhes para trazerem de casa os brinquedos
Uma outra comunicação que nos permitiu que tivessem e combinámos que iam pô-los
desenvolver outras actividades foi a que o Ma- por tipos de transporte. Havia vários, terres-
teus (4:5) fez, relacionada com a modelagem, tres, aéreos e aquáticos…
e que também descrevi no diário de formação.

Neste dia, no tempo de trabalho curricular com-


participado, dedicado à linguagem oral e aborda-
gem à escrita, aproveitei para propor que fizéssemos
a história com o sol, que o Mateus tinha comunicado
há algum tempo e que tinha feito, na área da mode-
lagem, com plasticina.
Esta actividade decorreu muito bem, pois cada
criança fez uma frase e assim construímos uma pe-
quena história. Propus que cada um ilustrasse, em
plasticina, a frase que tinha dito, e colámos, com
cola branca, cada uma das ilustrações num rectân-
gulo de cartolina, para assim construirmos o nosso li-
vro com a história: “O Sol”.
Esta apresentação correu bem. As outras
Combinei que ia passar o texto no computador e
crianças escreveram no diário que gostaram,
que no dia seguinte colávamos o texto. Houve logo
porque aprenderam coisas e a seguir ao al-
alguém que disse que era preciso paginar, fazer a
moço estiveram a brincar com os brinquedos
lombada, a capa e a contracapa. do Mateus e do Paulo.
Sempre que possível e como era meu objec- A Briana (5:10) já tinha acabado o projecto
tivo neste trabalho de investigação, a comuni- dela sobre as flores e planeámos, entre as duas,
cação dos projectos de investigação foi diversi- como o poderia apresentar aos colegas.
ficada.
E chegou finalmente o dia da Júlia (5:5)
apresentar a seu projecto sobre as cobras e os
caracóis. Este projecto demorou algum tempo

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a ser concluído, por isso a sua apresentação foi
preparada comigo e feita pela primeira vez em
power-point, apenas com as imagens do pro-
jecto.
A Júlia mostrou também as duas palavras
novas (cobra e caracol) que fez para o ficheiro
de imagens da escrita. O Mateus disse que co-
meçavam as duas por “c”.
Também já temos, na área da escrita, um
dossiê, onde estão palavras que começam pela
mesma letra.
No fim desta comunicação, todos fizeram o Fizemos um cartaz com a informação mais
registo pictórico do que aprenderam com este importante e combinámos que na sexta-feira
projecto e registámos algumas observações. seria a apresentação.

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Todas as crianças estavam sentadas nas ca- que já todas as crianças identificam as áreas
deiras, com bostik colámos o cartaz nas costas existentes na sala, descrevem o processo e os
de um armário… materiais utilizados, embora uns com mais fa-
Preparamos um registo, para o resto do cilidade que outros porque explicam logo tudo
grupo, onde teriam de registar com lápis de sem ser preciso perguntar.
carvão o que aprenderam. Depois foi a vez do Também é possível, através do tempo para
resto do grupo comunicar o que tinha apren- Mostrar/Contar/Escrever, desenvolver activi-
dido/registado… dades que depois possam gerar comunicações
De todas as comunicações que foram feitas interessantes, como no caso do Daniel (4:7),
ao longo do tempo gostaria de destacar esta que trouxe dois pedaços de esferovite e disse
que foi feita por uma das crianças mais novas que queria fazer alguma coisa nas invenções…
da sala. Depois de planear as invenções, o Daniel
foi para esta área e fui ter com ele para ver se já
estava a registar na folha o que ia fazer. Como
queria fazer um Ferrari, eu ajudei-o a dar forma
à parte da frente e às rodas, porque era neces-
sário usar o x-acto, mas ele colou e pintou as
restantes partes.
Quando começou a comunicar, disse que
fez um Ferrari, com esferovite (o Daniel tem
alguma dificuldade ao nível da articulação das
palavras).
Perguntaram-lhe onde fez, ao que ele respon-
deu, depois se tinha tido ajuda, ele disse sim…
Também no tempo de Mostrar/Contar/Es-
crever, o Francisco (4:5) levou para mostrar
O Simão (3:1) mostrou um jogo de encaixe uma caixa de comprimidos. Disse que tinha
de letras, que tinha estado a fazer na área da es- seis divisões e o Mateus disse que parecia da-
crita e que considero particularmente difícil para quelas coisas para fazer gelo.
estas idades, no entanto, ele conseguiu fazê-lo. Propus ao Francisco que nos emprestasse a
– Porque estás a mostrar isso? perguntou a Júlia. caixa até ao dia seguinte, para fazermos uma
– Porque fiz sozinho, disse ele. experiência e ele concordou.
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O Paulo perguntou: Então conversei com o grande grupo, para


– Em que área? saber o que eles pensavam que ia acontecer se
– Na escrita, disse o Simão. puséssemos água na caixa e depois pusésse-
– Com quê, legos, madeira… (não respondeu). mos a caixa no congelador. A maioria disse que
Depois de fazer algumas perguntas ao Si- ia fazer gelo.
mão percebi que fez este jogo, não por identi- Então pusemos água na caixa e fechámos,
ficar o som das letras à imagem, mas porque e depois o Francisco foi pôr a caixa no conge-
associou as cores e os furinhos que existem nas lador.
peças com as letras e que têm um sítio certo Continuámos a conversar e estivemos a ver
para encaixarem, na minha opinião uma estra- os estados da água, quando pusemos a água na
tégia utilizada pelo Simão. caixa, estava líquida.
No fim desta comunicação estivemos a fa- No dia seguinte, de manhã, o Francisco
zer a divisão silábica das palavras. lembrou-se da caixa e foi buscá-la ao congela-
Depois de várias comunicações, posso dizer dor. Estivemos a observar o que tinha aconte-

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cido: “– Fez gelo; – A água ficou congelada; – Por- uma criança a melhorar, a evoluir e a crescer
que pusemos no congelador, que é muito frio; enquanto seres humanos.
– A água congelada fica fria.” Estas foram as Tenho vindo a perceber que nem sempre
observações das crianças enquanto a caixa pas- aproveito o tempo das comunicações, para su-
sava de mão em mão. gerir e desenvolver outras actividades e projec-
Tirámos então o gelo da caixa e observá- tos, às vezes, por falta de tempo, outras por
mos que saíram seis quadradinhos de gelo, falta de atenção e concentração do grupo, ou-
mas que, passado algum tempo, começaram a tras por mim, que nem sempre estou desperta
derreter. para agarrar estas oportunidades…
Então conversámos que os quadradinhos Percebi que o registo no diário de formação,
(de gelo) eram água, mas no estado sólido. E dos acontecimentos vividos é a melhor forma
que depois voltavam a ficar no estado líquido. de investigar a nossa prática, pois tomamos
Penso que neste dia o Tempo de Mos- consciência do que fazemos e do que podemos
trar/Contar/Escrever foi bastante útil, para o melhorar…
grupo porque tivemos a oportunidade de fazer Sempre que investigamos e reflectimos es-
esta experiência, que nos permitiu falar da tamos a avaliar, como que se tratasse de uma
água sob formas e estados diferentes. espiral que volta sempre ao princípio. É como
que um ciclo que começa e recomeça sempre
Conclusão que se quer melhorar a aprendizagem para au-
mentar o conhecimento.
Ao fazer a análise dos dados e ao reflectir
sobre este trabalho, percebi melhor como está
tudo encadeado e como as crianças sabem tan- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tas coisas. Elas são, de facto, pequenos investi-
gadores, apenas necessitando de algum es- Avelar Santos, M. (1999). O tempo de comuni-
paço/tempo e pequenas ajudas do adulto na cação dos alunos, Escola Moderna, 7 (5), 16-29.
promoção de “andaimes” para desenvolverem Folque, M. A. (1999). A influência de Vigotsky
as suas capacidades e a sua inteligência. no modelo curricular do Movimento da Es-
Assim, posso pensar que o desenvolvi- cola Moderna para a educação pré-escolar,
mento e a dinamização do tempo das comuni- Escola Moderna, 5 (5), 5-12.
cações, promovendo o diálogo e melhorando, Lopes da Silva, I. (1997). Orientações Curricu-
interactivamente, os tipos de produtos, são lares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa:

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fundamentais para que possam desenvolver o Ministério da Educação.
conhecimento e construir conjuntamente as MEM (s.d.) www.movimentoescolamoderna.pt
suas aprendizagens. MEM (s.d.) Lista de verificação do uso do mo-
O facto de ter feito esta acção de formação delo pedagógico do MEM no desenvolvi-
permitiu-me crescer dentro deste modelo peda- mento do Currículo – www.movimentoes-
gógico. Fazer o diário, semanalmente, levou- colamoderna.pt/documentos
-me a reflectir acerca da minha prática e sobre Niza, S. (1998a). O Modelo Curricular de Edu-
o meu trabalho enquanto elemento do grupo. cação Pré-escolar da Escola Moderna Portu-
Sempre que ouvia as comunicações deles guesa. In J. Oliveira-Formosinho (org.), Mo-
pensava numa forma de levá-los para outras delos Curriculares para a Educação de Infância,
áreas como a escrita e a matemática e isto de- (pp. 137-159). Porto: Porto Editora.
veu-se ao facto de estar atenta aos registos que Niza, S. (1998b). A organização social do tra-
ia fazendo, pois só assim se pode perceber es- balho de aprendizagem no 1.º CEB, Inova-
tas questões e como se pode ajudar/estimular ção, 11 (1), 77-97.

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