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nem pode ser aceita de como objetiva e imparcial. Pesquisas apontam que as
concepções de historiografia vêm passando por profundas alterações desde a década
de 1970 (CHARTIER, 2009; HUTCHEON, 1991). Mais interessante que analisar
como os próprios historiadores percebem e se posicionam diante dessas mudanças, é
abordar como se manifestam outras formas de relação com o passado, como a
memória e a ficção.
Neste sentido, passo agora a abordar a metaficção de Valêncio Xavier, autor
que possui uma obra polivalente, composta por filmes, narrativas ficcionais, crônicas,
críticas literárias e de cinema e textos de caráter historiográfico.
Numa entrevista, quando perguntado sobre seu lugar na literatura brasileira, o
autor declarou: “A única coisa que sei é que nunca coloquei barreiras ou regras
naquilo que me vinha na cabeça para escrever. Talvez a palavra certa não seja
experimental ou vanguardista, e sim libertário. Talvez” (ALEIXO, 1998, p. 3). A
liberdade de que Valêncio fala permitiu que construísse uma relação peculiar com o
passado, na qual o ficcional se soma ao factual. O autor não se ateve a regras
dicotômicas entre ficção e fato para sua produção. De modo geral, mesmo seus
trabalhos de caráter predominantemente ficcional possuem embasamento em
pesquisas e levantamentos historiográficos (BORBA, 2005, p. 12-13). Por exemplo,
em O mistério da prostituta japonesa & Mimi-Nashi-Oishi (1986), livreto composto
por dois contos nos quais um homem se relaciona com uma prostituta e uma fábula
ambientada no Japão, respectivamente, o autor apresenta, no final dos textos, uma
série de livros nos quais pesquisou para criar os contos (XAVIER, 1986, p. 18).
Ao lermos seus livros, ou assistirmos aos seus filmes, percebemos que a ficção
para Valêncio, muito além de contar uma boa história, cria um tipo relação com o
passado, seja ao rememorar episódios históricos ou ao utilizar colagens de imagens e
textos antigos.
O autor foi um expoente no cinema e na literatura paranaense, apesar disso é
pouco conhecido mesmo entre os pesquisadores de literatura. No conjunto de sua
obra, há uma grande preocupação com a memória do Paraná. Seus livros e filmes são
contribuições à história do estado, com temas ainda hoje pouco abordados pela
historiografia. Percebemos o diálogo com a história mesmo em suas obras
predominantemente ficcionais, principalmente em O mez da grippe (1981), livro mais
conhecido de Xavier, tratando dos desdobramentos da gripe espanhola na capital
paranaense em 1918.
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Entretanto, há que se lembrar que o livro não narra somente esta história, há
mais dois grandes eixos narrativos, o fim da Primeira Guerra Mundial e o
desdobramento da gripe espanhola, além de outras narrativas entrelaçadas, como os
depoimentos de Dona Lúcia, que tenta rememorar a epidemia. Sanches Neto atribui
uma importância muito elevada para uma única narrativa, dentro de um livro
composto por uma diversidade de histórias independentes e entrecruzadas, que se
complementam através do dialogismo.
Ao ler os livros de Valêncio, o leitor se depara com o estranhamento, seja
pela utilização do recurso de montagem, pelas temáticas geralmente ligadas ao sexo e
à morte, e ainda a linguagem que não é a contemporânea, mas busca reproduzir os
códigos linguísticos do período em que as narrativas se passam. Para Regina
Chicoski, o uso que Valêncio faz da linguagem desatualizada é um recurso que situa
historicamente o leitor, e confere maior veracidade à narrativa. “Isso transporta o
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leitor também devido ao inedistimo do tema, já que não se tem notícia de estudos
sobre a gripe espanhola em Curitiba, não havendo, até os dias atuais, trabalhos que
contraponham os sentidos criados pelo livro de Valêncio.
Os exemplos da narrativa de Valêncio certamente não resolverão a questão do
quanto a historiografia dialoga com recursos narrativos ficcionais, mas ilustram em
que medida a discussão pode ser profícua. São casos em que a representação do
passado não é apresentada como acabada, mas sim como um problema a ser
construído, os questionamentos de seus livros são os mesmos da historiografia
contemporânea. Além disso, podem ser bastante úteis ao historiador para se pensar a
diversidade de formas narrativas, da qual a historiografia vem se mostrando omissa.
O questionamento da objetividade nas obras de Valêncio, mais do que atacar a
historiografia, permite que esta seja reavaliada e reinterpretada enquanto um discurso
e não como produtora de verdade. A análise de seus livros pode contribuir para
pensarmos em que medida o estatuto do conhecimento histórico é entendido como
subjetivo, não só pelos historiadores, mas também fora dos núcleos acadêmicos. Ao
se valer dos mesmos recursos narrativos que a historiografia o novo romance histórico
Não (...) fez com que a história ficasse obsoleta; no entanto, ela está sendo
repensada – como uma criação humana. E ao afirmar que a história não
existe a não ser como texto, o pós-modernismo não nega, estúpida e
“euforicamente”, que o passado existiu, mas apenas afirma que agora, para
nós, seu acesso está totalmente condicionado pela textualidade
(HUTCHEON, 1991, p. 34).
Referências
BARTHES, Roland. Da história ao real. In: ______. O rumor da língua. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1988. p. 143-171.
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______. O mez da grippe e outros livros. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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Estas são as datas de publicação original dos três livros, no Brasil foram publicados em 1982, 1995 e
1982, respectivamente.
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