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MATERIAL DIDATICO AHISTORIA DA SAUDE AHISTORIA DA SAUDE SUMARIO 1 INTRODUGAO.... 2 CONCEITO DE SAUDE E DOENGA (HISTORICO).... 2.1. Satide no Periodo Colonial. 2.2 Santa Casa de Misericérdia do Rio de Janeiro .. 2.3. Institucionalizagao da Medicina no Brasil Imperial 9 2.4 Novas diretrizes para satide: o governo Vargas (1930-1945)........ 12 3. ARTE DE CURAR NO SECULO XIX 16 3.1 Conflitos entre a Medicina e outras praticas de cura. 18 3.2 Curandeirismos..... 3.3. Barbearias (sangradores).....cc:e-nesensnnstnnnnnsnntnnestnsen 22 4 SAUDE PUBLICA... 2 24 4.1 Atrajetéria do médico dedicado a ciéncia 26 4.2. Epidemias e Saude Publica no século XIX. 29 4.3. Saneando a cidade: politicas sanitarias e controle urbano ....... 35 5 POLITICAS PUBLICAS: EVOLUGAO HISTORICA DA SAUDE PUBLICA E SAUDE COLETIVA. 37 6 REFERENCIAS BILIOGRAFICAS: Scorer see 40 AHISTORIA DA SAUDE 41 INTRODUGAO Prezado (a) aluno (a)! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial, Em uma sala de aula é raro, quase improvavel um aluno se levantar, interromper a exposicao, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma duvida sobre o tema tratado. © comum é que esse aluno faga a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirao a resposta, No espago virtual, é a mesma coisa. Nao hesite em perguntar, as perguntas poderdo ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serao respondidas em tempo habil Os cursos distancia exigem do aluno tempo e organizagao. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horario destinado a leitura do texto base e a execugao das avaliagées propostas. A vantagem é que podera reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organizagao é 0 quesito indispensavel, porque ha uma sequéncia a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! AHISTORIA DA SAUDE 2 CONCEITO DE SAUDE E DOENGA (HISTORICO) Fonte: freepik. comivetores-gratis/mao-desenhada-conceito-de-saude-mental O coneeito de sade reflete o contexto social, econémico, politico e cultural. Em outras palavras, satide no significa a mesma coisa para todos. Vai depender da época, lugar e da classe social. Dependera também de valores pessoais, de coneeitos cientificos, religiosos e filoséficos. O mesmo ocorre ao conceituar doenga © que € considerado uma doenga varia muito (SCLIAR, 2007). Conforme demonstrado em estudos paleontolégicos as doengas especialmente as infecciosas, s4o antigas companheiras da humanidade, Portanto, mumias egipcias apresentam sinais de doenga (por exemplo: variola do Farad Ramsés V). Nao é de admirar que os humanos, desde muito cedo, tenham tentado enfrentar essa ameaga de varias maneiras, com base no conceito de doenga (e satide). Portanto, a ideia magica religiosa originou-se do principio de que a doenga, resulta da ago de forgas introduzidas no organismo, devido ao pecado ou maldicao. AHISTORIA DA SAUDE Segundo Scliar (2007), para os antigos hebreus, a doenga nao era necessariamente causada por deménios ou maus espiritos, mas em qualquer caso, representava um sinal da ira divina diante do pecado humano. Deus também 6 O Grande Médico: “Eu sou 0 Senhor e trago-vos satide” (Exodo 15:26); “Toda a cura vem de Deus” (Eclesiastes, 38, 1-9). ‘A medicina grega representa uma forma importante de lidar com doengas. Na verdade, na mitologia grega, existem varios deuses relacionados a sade. Alem de cultuar a divindade da medicina, Asclepius ou Aesculapius (figura histérica na lliada), os gregos também adoravam duas outras deusas: Higieia, (Saude) e Panacea (Cura). Higieia era uma das manifestacdes de Athena, a deusa da razéo. Como 0 nome sugere, sua adoracdo representava um aprego pelos habitos de higiene. Se Panacea surgiu com a ideia de curar tudo (uma magia basica ou crenga religiosa), deve-se observar que, para os gregos, a cura era alcancada por meio do uso de plantas e métodos naturais, néo apenas por procedimentos rituais (NOVAES, 2016), A palavra satide, em portugués, deriva do latim salus (salutis), que significa salvagao, conservagao da vida, cura, bem-estar. Em francés, santé (sade) provém de sanitas (sanitatis), designando no latim sanus, que significa “so”, o que possui satide. Conforme ja mencionado, na concepeao grega, higiene esta relacionada a deusa Hygea, chamada de Salus pelos romanos, a Deusa da Preservagao da Saiide, Limpeza, Higiene. Ha um plural idiomatico para o termo satide, logo, ele representa a afirmacao positiva da vida, 0 estado positive do viver. esse modo, pode-se dizer que, satide 6, em sua origem etimolégica, um “estado positivo do viver”, cabivel a todos os seres viventes, em especial aos humanos (PEREIRA, 2008). A Constituigao Federal de 1988 em seu artigo 196, evita debater o conceito de satide, porém afirma: "A satide é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante politicas sociais e econémicas que visem a redugo do risco de doenga e de outros agravos e ao acesso universal e igualitario as agdes e servigos para a promogao, protegdio e recuperagao". Este é o principio que norteia o SUS - Sistema AHISTORIA DA SAUDE Unico de Sade. E ¢ 0 principio que contribui para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadaos e como seres. 2.1 Satide no periodo colonial Fonte: todamateria.com A escravidao e as matangas iniciadas com a apreensdo ou desocupagao de terras e seu impacto na histéria, foi menor do que o de doengas estrangeiras para © que 6 chamado de desastre demografico para a populagdo indigena pela historiografia. Os indios foram vitimas de diversas doengas, trazidas pelos colonos europeus, doengas para as quais eles nao tinham defesa genética, como por exemplo segundo Pérto (2006): © Sarampo; © Variola; « Rubéola; « Escarlatina; © Tuberculose; + Febre tifoide © Malaria; * Disenteria e AHISTORIA DA SAUDE © Gripe. A satide da populagdo negra também era muito ruim. Embora existissem diversas situagdes e atividades realizadas pelos escravos africanos, bem como formas de tratamento recebido por parte dos senhores, os cronistas do periodo colonial enfatizam que os negros que trabalhavam na terra quase nao tinham descanso, além de serem bastante agoitados e em sua maioria, mal alimentados. sistema de trabalho nas minas era completamente diferente do trabalho nos engenhos de acticar (EDLER, 2018). De acordo com 0 autor, quanto a satide da populacao branca, é impossivel generalizar, pois se encontravam em situagdes variadas naquele periodo. Nobres ou plebeus, os que viviam nos grandes centros ou refugiados nos engenhos ou fazendas; mercadores, médicos, advogados, pertencentes ao clero regular, vivendo em mosteiros ou aldeias do interior, assentados em areas de mineragao, liderando tropas do gado, todos estes tém o ritmo de vida afetados, quanto aos habitos alimentares e padrées de salubridade, independentemente da classe social que ocupe. Obviamente, as condigdes de vida dos Barnabés, vendedores ambulantes, artesdos, oficiais mecanicos, capatazes, soldados de nivel inferior, mendigos sitiantes pobres, nao viviam em condigées muito melhores do que de algumas categorias de escravos e eram distantes da elite branca (EDLER, 2018). Segundo 0 autor, “A Igreja Catdlica era o suporte da vida cultural da colénia, as ordens religiosas constituiam a ponta de langa da Igreja na propagagao da fé eda cultura crista.” Para os cristéos, o bem-estar fisico era uma prioridade para a salvagdo espiritual. A doenga também era vista como uma expresso do pecado ou da graga de Deus. Os ensinamentos da Biblia e 0 exemplo de Jesus apontam que © amor pelos enfermos era uma bénedo sagrada, e nao se limita a praticantes treinados. A fé cristé destacava que cuidar e curar deveriam ser uma vocacao de todos, como um ato de humildade consciente e, portanto, uma parte importante da Caritas cristas. AHISTORIA DA SAUDE Nas procissées organizadas pela Imandade, nas igrejas ou nos lares, as oragées solicitavam a intervengéio dos santos. Cada santo representando sua especialidade. Sao Sebastido foi chamado para prevenir epidemias. Santa Lucia, contra dor de dente. Contra a peste e quebradura, Santo Adriao. Contra sezées, Santo Alberto (EDLER, 2018). 2.2 Santas Casas de Misericérdia Fonte: pinterest.com Diante das dificuldades e perigos da vida, a igreja incentiva os fiéis brasileiros a formarem irmandades por categorias sociais para encontrar solugdes e abrirem as portas para a vida eterna (salvaco). No Brasil, a irmandade mais velha é a da Misericérdia. Inspirada na promessa do corpo, ela realizava um trabalho visando alimentar os presos e os famintos, redimir os cativos, curar os enfermos, cobrir a nudez, descansar os peregrinos e enterrar os mortos (EDLER, 2018). A ordem era mantida por grandes figuras de alto prestigio social, gragas ao legado de seus membros e a quaisquer recursos diretos da Coroa. Por ordem de ‘So Francisco e do Carmo, foram inaugurados no século XVIII quatro hospitais dedicados ao acolhimento dos confrades. Desde o século XVI, os hospitais da Santa Casa da Misericérdia encontram-se quase todos em nivel médio e em situagao de 8 AHISTORIA DA SAUDE pobreza permanente e desde o século XVI atendiam a populagao de indigentes moribundos em 15 cidades brasileiras. Conforme afirma Edler (2018): Durante todo o periodo colonial, os moradores de cidades e vilas solicitam ‘aos governantes a presenga de médicos. Cartas eram escritas ao rei manifestando @ preocupagao constante com a sade dos sUditos, pela "grande falta que tém de médico e botica para haverem de ser curadas em suas enfermidades”. Mas 0 que imperava era a dificuldade de acharem médicos dispostos a vir para a colénia, A auséncia de uma clientela com recursos que justificassem a saida da metropole condicionava a permanéncia no Brasil a obtengdo de alguma fungao ligada, sobretudo, tropa ou a Camara 2.3 Institucionalizagao da medi Fonte: www.aventurasnahistoria.uol © exercicio da medicina no Brasil, até a criagéo da Junta do Protomedicato no reinado de D. Maria I, em 1782, era facultado apenas a fisicos e cirurgides portando de atestado de habilitagéio, e certificados pelos comissarios das duas autoridades médicas dominantes (0 cirurgiéo-mor e 0 fisico-mor). Os representantes diretos do poder real residiam, de inicio, somente nas povoagdes maiores, mas a partir do séc. XVIII os regimentos sanitatios passaram a receber mais observagées com a presenga de comissdrios em um ntimero maior de cidades e vilas (EDLER, 2018). AHISTORIA DA SAUDE Os fisicos operavam como médicos da Coroa, da Camara e das tropas nas principais cidades e vilas, sendo numericamente pouco expressivos. Ainda no século XVIII em cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, apenas trés ou quatro fisicos desempenhavam suas atividades. Os exames, diagnésticos e 0 receitudrio para os pacientes, eram suas responsabilidades. Os cirurgiées eram responsaveis pelos oficios manuais, e eram considerados socialmente inferiores os que exigiam 0 uso de ferros de lancetas, de tesouras, de escalpelos, de cauterios e de agulhas. A atuagao dos cirurgides estava limitada as sangrias, a cura de feridas @ de fraturas, a aplicagdo de ventosas, sendo-Ihes proibida a administragao de medicagées internas, pois este era um privilégio dos médicos formados em Coimbra (EDLER, 2018). Em 1808 quando criadas as escolas de medicina houve 0 rompimento da pratica de cerceamento feita pela metropole, o que possibilitou a formagao de médicos no pais. Oitenta e nove boticarios prestaram exames no Brasil entre 1707 © 1749. No periodo de d. Maria |, foram registrados quatorze, enquanto no periodo joanino (1808 -1821) cento e quarenta e oito boticarios foram examinados pela Fisicatura-mor. Com a criago da primeira organizacao nacional de satide publica do Brasil (1808), foi instituido 0 cargo de Provedor-Mor de Satide da Corte e do Estado em 27 de fevereiro, embrido do Servico de Satide dos Portos com delegados nos estados. O Alvara sobre regimentos e jurisdigao do Fisico-Mor e Cirurgiao-Mor e seus delegados foi autorizado em 23/11/1808 (MINISTERIO DA SAUDE, 2017). Em 1828 apés a Independéncia foi promulgada a lei de Municipalizago dos Servigos de Saude em 30 de agosto. Foi entdo conferida as Juntas Municipais e criadas as fungdes exercidas anteriormente pelo Fisico-Mor, Cirurgido-Mor e seus Delegados. Foi quando ocorreu a criagao da Inspecao de Satide Publica do Porto do Rio de Janeiro, subordinada ao Senado da Camara, sendo que em 1833, foi duplicado 0 nimero dos integrantes. 10 AHISTORIA DA SAUDE A revolugao industrial teve um impacto profundo na estrutura social humana ena satide publica. Além disso, a revolugdo trouxe graves consequéncias, pois a populagao foi deslocada de pequenas comunidades rurais e levadas em grande escala para os centros urbanos, criando condigées propicias a graves surtos de epidemias. Antes de 1850 a duragao das atividades de sade publica se limitava a + Delegar fungées de satide ao conselho municipal; e + Controlar a satide de navios, portos e autoridades de vacinacao para prevenir a variola A tuberculose com uma histéria de centenas de anos descobriu novas condigées circulatorias aumentando a sua ocorréncia e mortalidade desta forma, tornando-se uma das principais causas de morte, afetando especialmente os jovens em idades mais produtivas. O ano de 1851 foi marcado por uma série de eventos que contribuiram para a satide publica no pais: * Ocorreu a regulamentacao da lei que instituiu a Junta Central de Higiene Publica, submissa ao Ministro do Império * Foi aberto ao Ministério do Império um crédito extraordinario, destinado as despesas com providéncias sanitarias tendentes a impedir 0 progresso da febre amarela, prevenindo o seu reaparecimento, bem como socorrer os enfermos necessitados por meio do Decreto n? 752, de 8/1/1851; * Foi determinado a execugaéo do regulamento do registro dos nascimentos e dbitos por meio do Decreto n° 798, de 18/6/1851; * Foi aberto ao Ministério do Império um crédito extraordinario destinando as despesas com a epidemia de bexigas na provincia do Para e em outras através do Decreto n° 826, de 26/9/1851; «Foi determinado também o regimento da junta de Higiene Publica por meio do Decreto n? 828, de 29/9/1851; "1 AHISTORIA DA SAUDE * Aberto ao Ministério do Império um crédito extraordinario destinando as despesas com a junta de Higiene Publica naquele exercicio através do Decreto n° 835, de 3/10/1851. De acordo com Ministério da Satide (2017), em 1878 foi determinado através do Decreto n.° 7.027 6/9/1878 e a critério das autoridades de sade (sanitarias), que, apés as mortes por doengas infecciosas fossem realizadas a desinfecgao terminal das casas e estabelecimentos, sejam eles publicos ou particulares Em 1897 os servicos de satide publica estavam sob a jurisdigao do Ministério da Justiga e Negécios Interiores abrangidos na Administracéo Geral de Saude Publica. 2.4 Novas diretrizes para satide: 0 governo Vargas (1930-1945) Fonte: cpdoc.fgv.br Hochman descreveu e analisou mudangas na politica de saude durante 0 governo Vargas, principalmente entre 1934 e 1945, durante 0 governo de Gustavo Capanema do Ministério da Educagao e Satide. O autor tentou listar seus permanentes e as mudancas nas reformas da saiide ‘comparando a Republica Velha com a Revolugo de 1930 (HOCHMAN, 2005 apud SILVA, 2018) 12 AHISTORIA DA SAUDE ‘As questées de saiide e trabalho estavam intimamente relacionadas aos ideais psicolégicos da Eugenia da Liga Pré-Saneamento e Liga de Higiene Mental. Faz-se necessario compreender qual era 0 propésito de Gettilio Vargas, apoiando e usando tais medidas em suas politicas de satide e trabalho, como por exemplo, a Lei dos 2/3, relacionada a lei de imigragao e incentivo a educagao que influenciasse na higienizagdo da populacdo em busca de desenvolvimento social no Brasil (SILVA, 2018) Sob a posicéo governamental de Getulio Vargas o Brasil deu inicio a mudangas sociais, trabalhistas e sanitarias: de um lado, a industrializago, a imigragao e a urbanizagao das grandes cidades pintaram um novo quadro para o Brasil. A situagao, por outro lado, devido aos efeitos devastadores da Primeira Guerra Mundial, teve um grande impacto na politica e nas elites intelectuais brasileiras, obrigando-as a se concentrar em seu proprio pais (SOUZA, 2012 apud SILVA, 2018). Conforme relata o autor: Tendo em vista que o Brasil inicia sua transig&o para um modelo urbano industrial, Busca-se uma identidade propria para a nagdo configurando-se ‘a um novo modelo politico e econémico. Com o processo de formagao da nova sociedade brasileira, quest6es a respeito da identidade nacional comegam a ganhar relevancia, bem como a saiide e a higiene comegam ser repensadas e programas’ socials surgem conforme 0 processo de industriaizagdo intensifica-se (ef, ROCHA, 2014: 3), (cf. SOUZA, 2012: 4- 5). Para os sanitaristas, a falta de habitos higiénicos era um dos grandes fatores relacionados a proliferagao de doengas, desta forma, era preciso higienizar, limpar e trtar a populacdo visando um bem maior (ef. PONTE, 2010: 55). Belisario Penna, Arthur Neiva, Miguel Pereira e demais liderancas da Liga Pré — Saneamento do Brasil a qual foi criada em 1918, acreditavam que as condigdes de satide instaveis e o abandono da maioria dos brasileiros devia-se em ultima andlise, a falta e ineficiéncia do poder piblico, que ndo assumia a responsabilidade de zelar pela satide da populago, a qual deveria servir (PONTE, 2010 apud SILVA, 2018). 13 AHISTORIA DA SAUDE Sob a influéncia sanitaristas da Liga Pro-Saneamento do Brasil, Gettilio Vargas determina e estabelece por meio do Decreto n° 19.402, 0 Ministério dos Negocios da Educagao e Satide Publica no ano de 1930. Foi quando a partir de entdo, as politicas de satide para melhorar as condigdes de trabalho e moradia foram reconsideradas para eliminar doengas e epidemias que se propagavam com mais facilidade, especialmente entre os trabalhadores que desempenhavam papel importante no desenvolvimento do pais. Como resultado de uma nova ideia, a Liga Brasileira de Higiene Mental (BHM) foi aprovada pelo Decreto n° 4.778, em 1923, devido a situagao politica surgida apés o fim da Primeira Guerra Mundial. Através da LBHM, um senso de nacionalismo é incorporado, e higienistas e santtaristas, buscavam eliminar os males da nagdo (REIS, 1994 apud SILVA, 2018). Ainda de acordo com o autor “Os sanitaristas, bem como os higienistas e os eugenistas objetivavam pelo progresso da nacdo, buscando melhorias na satide e educagao da populagao brasileira, o que também era o ideal de Vargas.” A gestdo de Gustavo Capanema do Ministério da Educagao Satide Publica, que ocorreu entre os anos de 1934 a 1945, foi fundamental para consolidar as politicas publicas de satide. O nome do ministéro foi alterado ara Ministério da Educago € Slide (MES), e em 1941 foi criado dos Servigos Nacionais, o que ajudou a realizar campanhas contra doengas endémicas, Epidemias e combate a varias doengas (HOCHMAN, 2005 apud SILVA, 2018). Para controlar "problemas sociais" e tratar menores delinquentes, pobres ou portadores de doengas mentais, Vargas usou o poder do Estado e da Eugenia para mudar os componentes da sociedade que impediam o desenvolvimento do pais. Durante sua gestdo, as pessoas se preocupavam com o novo modelo brasileiro, raga e desenvolvimento social, e desta forma, as criangas, tinham um papel fundamental, pois através delas um futuro melhor poderia ser garantido. Fonseca (1993 apud SILVA, 2018) explica: Houve preocupagéo com a formagao de um "novo homem" e de uma "nova raga" que, aliada aos principios da eugenia e ao ideal de valorizacao do trabalho, ido alimentar' a énfase na crianga como futuro cidadéoltrabalhador. Esse conjunto de idéias apresentava como suporte 0 ideal mais amplo do nacionalismo, marcando as propostas do governo no setor de saude. 14 AHISTORIA DA SAUDE Temas como higiene, salubridade e combate as epidemias, foram prioridades, desde o Govemo Provisério. Desta forma, a Eugenia se estabeleceu durante © governo de Gettilio para auxiliar na conscientizagéio da populagdo a respeito de temas como saneamento, higienizacéo e orientagdo sexual e influenciando-as nos beneficios aos trabalhadores e no auxilio maternidade, ainda levando em consideracao o importante papel da crianga para o futuro do pais (SILVA, 2018) Temas como higiene, satide e combate a epidemias eram prioritarios desde © Governo Provisério de Vargas. Desta forma, a Eugenia foi estabelecida para ajudar a aumentar a conscientizagao das pessoas sobre temas como: © Higiene; « Saneamento; + Higiene pessoal e orientagao sexual. ‘Também foi importante na influéncia sobre a populacao no que dizia respeito s modificagbes de seguridade social, beneficios trabalhistas e auxilio matemidade, que como ja citado, considerando o importante papel das criangas no futuro do pais. Desde 0 inicio da Revolugao, Getilio Vargas ja colocava em pauta os seguintes temas: © Protegdo infancia; © Maternidade; ¢ Familia; e © Questées trabalhistas. Dessa forma nao ha como negar que salide e educacao eram essenciais para a consolidagdo de um Estado forte e unificado. Era necessario curar os ‘enfermos e educar as pessoas para se livrarem da degeneracéo e alcangar o progresso desejado. Vargas disse: "O pais deve ser Através do processo eugénico da satide fisica e mental, para isso é necessario a tarefa de proteger e assistir maes, criangas e jovens.” 15 AHISTORIA DA SAUDE Durante a era Vargas, 0 nacionalismo se espalhou no Brasil com o objetivo de criar uma Identidade nacional. Politicas piiblicas influenciadas por ideais eugénicos de satide e higienistas foram implementados para fortalecer a Satide Publica do pais e do Estado. 3. ARTE DE CURAR NO SECULO XIX Fonte: sabedoriapolitica.com A satide publica é um tema mundial. Historicamente seguiu uma trajetoria secular, carregada de contradigdes e muitas vezes, condenada por preconceitos. Os problemas da medicina no Brasil colonial derivaram da quase inexisténcia de profissionais nessa area, do escasso interesse dos médicos portugueses em vir para o Brasil e também da proibigo de se instalar ensino superior na Col6nia. Esses fatores fizeram com que, em muitos casos, a arte de curar exercida pelos curandeiros e pajés fosse a preferéncia dos habitantes do Brasil, Naquele momento historicamente complicado e diversificado os limites entre médico culto e dedicado aos estudos dos livros e cirurgido pratico se davam de forma aberta (MIRANDA, 2017). 16 AHISTORIA DA SAUDE De acordo com Miranda (2017), a reorganizagao do espago hospitalar no Brasil colonial se fez paulatinamente, exclusivamente nos hospitais militares no inicio do século XIX. A reputagdo era péssima devido as condigées precarias de higiene, acomodagées insuficientes (onde os pacientes eram acumulados em enfermarias) e o descaso da administragao publica em proporcionar melhores instalagées fisicas. Fatores que contribuiram para que a organizagao do seu espago interior fosse retardada. Somente na segunda metade do século XIX que houve a reorganizacao do espago hospitalar, iniciando pelo Hospital Pedro II “Associado a doutrina do contagio o animismo criado por Georg Ernst Stahl, exerceu pouca influéncia na medicina portuguesa e brasileira.” Contestando Descartes, que assegurava que as leis da matéria poderiam ser aplicaveis ao corpo humano. Os filésofos espiritualistas anunciavam a alma e 0 espirito como sendo os principios reguladores dos fenémenos do Universo onde a doenga e a satide eram dependentes desse equilibrio (MIRANDA, 2017). Segundo o autor, George Stahl considerava que a ago natural dos érgaos era resultado da agéo reguladora de uma alma sensitiva, responsavel pela distribuigdo igual e bem ordenada do espirito vital sediado no corpo, ou seja, 0 vitalismo. Baseado em bases mecanicistas 0 solidismo de Friedrich Hoffmann considerava, ao mesmo tempo, o corpo humano como sendo uma maquina e o movimento que decorria de seu funcionamento era a expresso da vida. Para Hoffmann, o corpo obedece as leis da hidraulica e tem como base o sistema de movimentos circulatérios dos humores. Esses movimentos sao devidos aos alimentos que assimilados pelo sangue so dirigidos ao cérebro onde um fluido nervoso é secretado a fim de manter o movimento e, por conseguinte, as contragées do coragao. Afirma ainda que as doengas surgiam devido aos humores alterados por uma intervengao anormal que perturbavam os espiritos sutis, causando desarranjos na fluéncia circulatoria do sangue. “Apesar dos erros de sua doutrina, deve-se creditar a Hoffmann um papel importante nos estudos do sistema nervoso e suas fungdes vitais para o organismo.” (MIRANDA, 2017) 7 AHISTORIA DA SAUDE As artes de curar no Brasil, desde o periodo colonial, sao frutos das inimeras experiéncias tradicionais vivenciadas e que foram repassadas para as proximas geragdes por quem as praticavam. A cura era exercida por: * Curandeiros; © Boticarios; + Barbeiros sangradore: + Parteiras; entre outros, Ja no século XIX eram evidenciadas as conservagées de praticas sociais e culturais circunscritas, seja através da tradi¢ao popular, ou através da invengao de novas praticas de administrar a satide, em casos de acometimento por doengas epidémicas ou até mesmo na forma de prevengao como o fez a medicina dita académica (MIRANDA, 2017). 3.1 Conflitos entre a medicina e outras praticas de cura Fonte: povodalua.wordpress.com/2016/07/30/a-curandeira Nos ultimos anos da década de 1880 com a aboligao da escravidao e 0 inicio do processo de Proclamagao da Republica, a Paraiba registra uma interessante histéria na memoravel obra de Coriolano de Medeiros. Segundo o memorial, trata- se do curandeiro Anténio Mao Santa: “afamado e rico” (MEDEIROS, 1994, p. 69 18 AHISTORIA DA SAUDE apud SILVA e MARIANO, 2020). © caso “Mao Santa’ como ficou conhecido o curandeiro em sua popularidade, nos ajuda a entender melhor o prestigio daqueles que exerciam as praticas de cura se relacionadas 4 medicina académica, ao mesmo tempo em que se percebiam a falta de confianga nos métodos de tratamento da medicina. Ao tratar do feitio mais ilustre do famoso curandeiro da Paraiba, o autor nos diz: Poucos dias depois de sua instalagao, foi Mao Santa solicitado para curar © filho do Capitéo do Porto Queiroz, o qual néo obtivera melhoras com as receitas médicas, tendo sido mesmo desenganado. As esperangas dos pais do enfermo se voltaram para o curandeiro e o éxito néo se demorou. Num momento toda a cidade se inteirava do milagre, e o Capitao do Porto no somente deu ao curandeiro sua estima como o acreditou perante varias familias respeltéveis, Desta sorte se fimou © se consolidou o prestigio de Mao Santa na entao cidade da Paraiba. (MEDEIROS, 1994, . 70. Grifos nossos apud SILVA e MARIANO, 2020) De acordo com o autor, no caso de Mao Santa, houve uma inversdo da hierarquia curativa naquela época, 0 que tomnara 0 curandeiro mais prestigioso do que 0 médico gragas ao tratamento dispensado ao filho do capitéo do Porto. A medicina estava no pico da pirémide hierarquica nos casos de tratamentos de doengas em detrimento dos curandeirismos. A situago nesse caso foi invertida em virtude do éxito do curandeiro sobre uma doenga a qual a medicina falhou em curar. 3.2 Curandeirismos 19 AHISTORIA DA SAUDE Fonte: rffrfbr/africa/201308311-dia-afticano-da-medicina-tradicional No ano de 2011 um estudo foi realizado por Ariosvaldo da Silva Diniz e citado por Silva e Mariano (2020), 0 qual abordam temas sobre 0 momento epidémico de Célera na provincia de Pernambuco surgido em 1856. Esse estudo evidencia os multiplos agentes da cura que se fizeram presentes no cenario insalubre em Recife fim de combater a doenga, cujo carater etiolégico e terapéutico era desconhecido naquela época. ‘Ainda de acordo com 0 autor: Emcena a atuagao do curandeiro Pai Manoel e da medicina alopatica, num emaranhado de relagdes que alternava entre o conflito e a admissao do curandeirismo em virtude ndo s6 do fator doenga, mas também do poder exercido em larga escala pela medicina académica, que se encontrava em pleno processo de emancipagao e poder hegeménico, ‘A mengao ao curandeirismo no Brasil Império, sem duvida, nos fara questionar a natureza do termo ndo somente para entendé-lo como um conceito voltado para as pessoas que o exerciam (especialmente o curandeiro), mas também para enfocar a sua gradual ressignificagao na Historia do Brasil Witter (2000 apud SILVA e MARIANO, 2020) afirma que cura é um termo que “abarca em si um niimero de saberes populares e de agentes da cura filiados as mais diversas tradigdes e culturas que tinham 0 seu espaco e sua validade junto aos doentes.” Portanto, a partir dessa assertiva, 0 termo " surandeirismo " nao é mais utilizado no singular, passando a ser denominado no plural " curandeirismos ", para abranger os diversos conhecimentos tradicionais sobre os diferentes métodos de praticas de cura que eram exercidas por varios curadores. ‘A década de 1880 pode ser destacada como um periodo estratégico para tratar do assunto, sobretudo se considerarmos nao somente o crescimento da medicina académica a qual néo sé deu um passo importante no poder do governo provincial, mas também considerarmos os chamados “praticos" que eram todas as pessoas que se envolveram na arte da reabilitagao e cura, mas nao receberam nenhuma formagao académica para tal (MARIANO, 2015 apud SILVA e MARIANO, 2020). 20 AHISTORIA DA SAUDE Numa sociedade marcada pela estrutura do poder médico-higienista em ‘ascensio, a presenga dos praticos certamente causaria desconforto, afinal, desprovidos de formagao académica e do aval das ciéncias ~ parte constitutiva do discurso médico -, pouco ou quase nada poderiam fazer em termos legals. Segundo Tania Salgado Pimenta, dentro da legalidade, 86 poderiam exercer as artes e oficios de curar os praticos que possuissem licengas para tal atividade, cuja prova passaria pelo crivo, desde fins do sséculo XVIII e inicio do XIX, da antiga Real Junta do Protomedicado, 6rg80 Criado por D. Maria | em 1782 e que é substituida em 1808 pela Fisicatura até 0 ano de 1828, quando, apés isso, as praticas de cura passam a ser fiscalizadas pelas Camaras Municipais locais (PIMENTA, 2003, p.307 apud SILVA e MARIANO, 2020). Embora se saiba pelos documentos oficiais das instituigdes médicas citadas que as artes de cura dependiam da legalidade imperial, a maioria das atividades relacionadas aos curandeirismos, continuaram sendo realizadas pelos curandeiros @ seus colegas, em larga escala, ainda que nao possuissem carta oficial ou autorizagao. Esses agentes (curandeiros) continuavam gozando de grande popularidade @ prestigio entre a populacdo, afinal, desde a época colonial era pratica comum buscar ajuda aos curandeiros, em casos de complicagées de sade. A busca era grande e o exercicio era praticado atendendo as pessoas mais pobres até A elite. Esse fato gerou uma verdadeira luta entre o saber médico-cientifico e os curandeirismos, cujas atividades de mercado estavam beneficiando mais aos praticos do que os alopaticos ou homeopaticos. 21 AHISTORIA DA SAUDE 3.3. Barbearias (sangradores) Fonte: seer.unitio.br Se considerarmos 0 oficio dos Barbeiros Sangradores durante o period imperial, veremos o quanto da profissao era estritamente condicionada por condigdes juridicas raciais, a maioria das quais eram pessoas escravizadas, livres ou libertas. Parte disso também foi delegado aos curandeiros como ocorreu no caso de Pai Manoel que era escravizado e foi protagonista da epidemia de Célera no Recife, em 1856. Diante da a hierarquia da cura os barbeiros costumavam estar em posi¢o de baixa credibilidade em relagdo aos médicos ou outros agentes da cura, Sob a manipulago das laminas o proceso alternava: © Sangrias; © Aplicagao de ventosas; + Aplicagao de sanguessugas; * Atuavam como dentistas; ou * Se tomando mais convencional, no campo da estética. 22 AHISTORIA DA SAUDE Em relagdo @ ma reputaeao, e, diante dos confrontos da medicina, os barbeiros sangradores eram os menos hostis, em relagao as disputas por clientes, como mostra o Jomal da época O Popular em 1883 e afirma SILVA e MARIANO, 2020: L.A reparticao de instruceao publica tinha a sua cabeceira um médico, este vendo-se cercado de um doudo e um idiota, chamou para ajuda-lo um dentista barbeiro; com pouco mais estara morta aquela Sr.*, encomendada @ amortalhada pelo bedel que mestre de thesoura, (O POPULAR, 29 de outubro de 1883, p.3) Embora néo houvessem estudado durante anos e Ihes faltassem o conhecimento basico na area da ciéncia, os barbeiros tinham uma certa influéncia junto @ populagdo. Influéncia 4 qual os médicos levaram anos para adquirirem. Dessa forma, os médicos passaram a cobrar das autoridades que providéncias fossem tomadas para que eles pudessem exercer suas praticas de forma hegeménica. Para isso, foi necessdrio criar a categoria charlatéo, a qual envolvia todas as pessoas que trabalham na medicina/cura de forma diferente da medicina cientifica. © termo era hostil em oposigao a identidade do médico detentor do conhecimento cientifico e Unico profissional de confianga para tratar das questées de satide (SAMPAIO, 2001, p.30-53 apud FARIAS, 2012). As atividades de curas ilegais estavam preocupando cada vez mais os doutores, por sentirem sua subsisténcia ameacada, visto que essas atividades eram procuradas por varios setores da populagdo levando a uma grande concorréncia no campo de atuagao na sociedade. Entretanto, conforme descreve ainda o autor: Os médicos nao pretendiam apenas ser mais uma opgao de cura respeitavel e merecedora da confianca das pessoas simplesmente em fungao de seu compromisso com a ciéncia. Seu objetivo era ser a Unica opcao existente, para que conseguissem definitivamente conquistar 0 poder e prestigio que acreditavam merecer como representantes da doutrina cientifica. Para tanto, necessitavam do apoio do poder que legisla, pols s6 com suas armas néo conseguiriam atingir a legitimidade desejada, Os interesses de ambos eram comuns: a sade dos povos deveria ser uma meta perseguida tanto por médicos quanto por autoridades (Pimenta, 2003, p.54-58). 23 AHISTORIA DA SAUDE 4 SAUDE PUBLICA Ce ee eet ete Ce eT | s8fvia de dorritéto 20 dentist em Lassance Grace provavelmente de 1909 -Acervo COC) Fonte: politize.com.bridireito-a-saude-historia-da-saude-publica-no-brasil Faria (1997 apud LIMA; LEMOS, 2020), destaca que o inicio das acdes de Satide Publica relacionadas as questdes sanitarias ocorreram na época da vinda da Familia Real para o Brasil (1808), e foi caracterizada pela importancia em manter a manutengao da mao de obra saudavel que fosse capaz de manter os negécios da realeza. A preocupacao com a Saude Publica residia nas praticas de higiene e na atengao médica basica, atendendo as demandas expostas pela Familia Real, bem como aos demais membros opulentos da sociedade. Naquela época, fazia-se necessario controlar efetivamente as doengas tropicais que acometiam a populagao do pais, doengas essas que eram desconhecidas pelos europeus como por exemplo: * Febre amarela; e © Malaria 24 AHISTORIA DA SAUDE Algumas doengas que assolavam a populagao nos tempos do Brasil col6nia que foram trazidas pelos proprios europeus, como: * Peste bubénica; © Célera; e ¢ = Variola. Essas doengas levaram a situagao 4 qual demandava da construgao de um sistema sanitario eficaz de controle baseado no conhecimento das formas de transmiss4o e também no tratamento das mesmas. Diante da situacao e com o aumento da preocupagaio com as condicdes de vida nas cidades, mais médicos vieram, instalando-se e " lando inicio ao projeto de institucionalizagao do setor satide no Brasil e a regulacdo da pratica médica profissional.” A primeira faculdade de medicina foi inaugurada no mesmo ano da chegada da Familia Real, a Escola Médico-ciruirgica, localizada em Salvador Bahia, visando institucionalizar os programas de ensino e normalizar a pratica médica em conformidade com os modelos europeus. Com o tempo os médicos estrangeiros foram substituidos por médicos brasileiros ou formados no Brasil. Esse period foi marcado pelo “interesse pela saide e pela regulamentacéo da pratica profssional, em face da relago estita com 0 interesse politico © econémico do Estado de garantira sustentabilidade da produgao das riquezas, mediante controle de mao de obra e dos produtos, com agées coletivas visando controle das doengas, disciplina e normatizagao da prética profissional’ (FOUCAULT, 1979 apud LIMA; LEMOS, 2020). As primeiras Politicas de Saude Publica que surgiram no mundo e que, logo seriam colocadas em pratica no Brasil eram voltadas principalmente para: + Protegdo e saneamento das cidades, principalmente as portuarias, responsaveis pela comercializagéo e circulagdo dos produtos exportados; * Controle e observagéo das doengas e doentes, inclusive e principalmente dos ambientes; + Teorizagao acerca das doengas e construgao de conhecimentos para adogao de praticas mais eficazes no controle das moléstias. 25 AHISTORIA DA SAUDE Em 1889 com a proclamagao da Reptiblica um novo ciclo na politica de Estado se iniciava pelo fortalecimento e pela consolidagao econémica, onde as politicas de satide ganharam mais espago nesse contexto, “assumindo um papel importante na construgao do proprio Estado e de sua autoridade sobre o territério na conformagéo de uma ideologia de nacionalidade, configurando um esforgo civilizatério” (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005 apud LIMA; LEMOS, 2020). Ainda segundo 0s autores, foi exatamente nesta ordem que os problemas de satide e saneamento foram marcantes ao longo da histéria da satide no Brasil. A agricultura era a base econémica do Brasil e tinha no café a vinculacao do trabalho assalariado que carecia cada vez de mao de obra e, as epidemias que se propagavam entre os trabalhadores por causa das péssimas condigdes de saneamento afetavam o crescimento econémico. 4.1. Atrajetoria do médico dedicado a ciéncia Fonte: portal locruz.br/trajetéria-do-medico-dedicado-ciéncia © médico e cientista Oswaldo Gongalves Cruz nasceu em Sao Luis do Paraitinga (SP), em 5 de agosto de 1872. Filho de Bento Goncalves Cruz e Amalia Bulhées Cruz. Sua familia se transferiu para 0 Rio de Janeiro em 1877 e na capital estudou no Colégio Laure, no Colégio Sao Pedro de Alcantara e no Externato Dom 26 AHISTORIA DA SAUDE Pedro Il. Graduou-se na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro em 1892, apresentando a tese de doutoramento A vehiculacao microbiana pelas aguas. Antes de conoluir 0 curso ja publicara dois artigos sobre microbiologia na revista Brasil Médico (FIOCRUZ, 2017). Segundo 0 autor, o interesse pela microbiologia levou Oswaldo Cruz, a montar um pequeno laboratério no pordo de sua casa, Contudo, a morte de seu pai no mesmo ano de sua formatura impediu o aprofundamento de seus estudos por um tempo. Dois anos depois a convite de Egydio Salles Guerra que se tornaria seu amigo bidgrafo, trabalhou na Policlinica Geral do Rio de Janeiro onde era responsavel pela montagem e a chefia do laboratério de andlises clinicas. Em 1897 Oswaldo Cruz viajou para Paris, onde permaneceu por dois anos estudando microbiologia, soroterapia imunologia, no Instituto Pasteur, e medicina legal no Instituto de Toxicologia Retornando da capital francesa, o médico reassumiu o cargo na Policlinica Geral e juntou-se a comissdo de Eduardo Chapot-Prévost para estudar a mortandade de ratos que gerou surto de peste bubénica em Santos. De volta ao Rio de Janeiro, assumiu a direcdo técnica do Instituto Soroterdpico Federal, que era construido na Fazenda Manguinhos. A instituico, sob 0 comando do barao de Pedro Affonso, proprietario do Instituto Vacinico Municipal, foi fundada em 1900. Dois anos depois, o jovem bacteriologista assumiu a dirego do Instituto e trabalhou para ampliar suas atividades para além da fabricagao de soro antipestoso, incluindo a pesquisa bésica aplicada e a formagao de recursos humanos. No ano seguinte, chegou ao comando da Diretoria-Geral de Satide Publica (DGSP) (FIOCRUZ, 2017). De acordo com o autor, o jovem médico e cientista teve que empreender uma campanha sanitaria de combate as principais doengas da capital federal: febre amarela, peste bubénica e variola. Para isso, adotou métodos como o isolamento dos doentes, a notificacéio compulséria dos casos positives, a captura dos vetores — mosquitos ¢ ratos -, ¢ a desinfecgao das moradias em areas de focos. Utilizando © Instituto Soroterdpico Federal como base de apoio técnico-cientifico deflagrou 27 AHISTORIA DA SAUDE campanhas de saneamento e em poucos meses a incidéncia de peste bubénica diminuiu com 0 exterminio dos ratos cujas pulgas transmitiam a doenga. ‘Ao combater a febre amarela, na mesma época, Oswaldo Cruz enfrentou varios problemas. Grande parte dos médicos e da populagao acreditava que a doenga se transmitia pelo contato com as roupas, suor, sangue e secregdes de doentes. No entanto, Oswaldo Cruz acreditava em uma nova teoria: o transmissor da febre amarela era um mosquito. Assim, suspendeu as desinfeccdes, os métodos tradicionais no combate a moléstia, e implantou medidas sanitarias com brigadas que percorreram casas, jardins, quintais e ruas, para eliminarem focos de insetos. Sua atuacdo provocou violenta reagao popular (FIOCRUZ, 2017). Em 1904 a oposicéo a Oswaldo Cruz atingiu seu apice. Com o recrudescimento dos surtos de variola o sanitarista tentou promover a vacinagao em massa da populagao. Os jomais langaram uma campanha contra a medida. O congresso protestou e foi organizada a Liga contra a vacinagao obrigatéria. No dia 13 de novembro estourou a rebelido popular e no dia 14 a Escola Militar da Praia Vermelha se levantou. O Governo derrotou a rebelido que durou uma semana, mas suspendeu a obrigatoriedade da vacina, Mesmo assim, em 1907 a febre amarela estava erradicada do Rio de Janeiro. Em 1908 em uma nova epidemia de variola a propria populagaio procurou os postos de vacinagao (FIOCRUZ, 2017). Apesar da crise entre 1905 e 1906 Oswaldo Cruz empreendeu uma expedigao a 30 portos maritimos e fluviais de Norte a Sul do pais para estabelecer um cédigo sanitario com regras internacionais. A luta contra as doengas ganhou reconhecimento internacional em 1907, quando Oswaldo Cruz recebeu a medalha de ouro no 14° Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim, na Alemanha, pelo trabalho de saneamento do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz ainda reformou 0 Cédigo Sanitario e reestruturou todos os érgaos de satide e higiene do pais (FIOCRUZ, 2017). Em 1908 o sanitarista foi recepcionado como herdi nacional e no ano seguinte o instituto passou a levar seu nome. Com a equipe do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) fez 0 levantamento das condigdes sanitarias do interior do pais. Em 1910 combateu a malaria durante @ construgdo da Ferrovia Madeira-Mamoré (viajou a 28 AHISTORIA DA SAUDE Rondénia com Belisario Penna), e a febre amarela, a convite do governo do Para. Em 1909 deixou a Diretoria Geral de Satide Publica passando a se dedicar apenas ao Instituto de Manguinhos que fora rebatizado com 0 seu nome. Do Instituto langou importantes expedigdes cientificas que possibilitaram a ocupagao do interior do pais. Erradicou a febre amarela no Pard e realizou a campanha de saneamento da Amazénia. Permitiu, também, o término das obras da Estrada de Ferro Madeira- Mamoré, cuja construgdo havia sido interrompida pelo grande numero de mortes entre os operarios provocadas pela malaria (FIOCRUZ, 2017). Em 1913 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Em 1915, por motivos de satide, abandonou a diregao do Instituto Oswaldo Cruz e mudou-se para Petrépolis. Eleito prefeito daquela cidade, tragou vasto plano de urbanizacéo, que no pode ver construido. Sofrendo de crise de insuficiéncia renal, morreu a 11 de fevereiro de 1917, com apenas 44 anos (FIOCRUZ, 2017). 4.2 Epidemias e Saude Publica no século XIX Fonte: brasil.elpais.com 29 AHISTORIA DA SAUDE Tradicionalmente as doengas com variagdes espaciais (distribuigao espacial particular, relacionada a processos sociais ou ambientais especificos) séo classificadas como doengas endémicas. Da mesma forma, doengas que mudam ao longo do tempo so classificadas como epidemias, ou seja, apresentam concentragao de casos em um determinado periodo indicando que a estrutura epidemiolégica possui mudangas mais ou menos abruptas (BARATA, 2000) Segundo Franco (1969 apud LIRA; GOMES e SILVA, 2020) até a primeira metade do século XIX, as instituigées médicas consideravam o Brasil um pais relativamente livre de epidemias que assolavam outros paises. Com 0 advento da febre amarela em 1849, essa situagéo mudou e desde endo, a medida que as relagdes comerciais do pais se tornaram cada vez mais proximas, novas epidemias ocorreram (KODAMA et al., 2012 apud LIRA; GOMES e SILVA, 2020). Em 1855 a epidemia de célera foi registrada e é considerada oficialmente a primeira doenga no Brasil que matou cerca de 200.000 pessoas (COOPER, 1987 apud LIRA; GOMES e SILVA, 2020). A doenga surgiu pela primeira vez na provincia do Para em maio de 1855 e depois atingiu o Amazonas e a provincia do Maranhao. ‘A doenga se espalhou também da Bahia para Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraiba, Pernambuco e Rio de Janeiro. Os relatérios médicos sugeriam nas primeiras avaliagdes da epidemia que a célera apesar de atingir todas as classes sociais, acometia principalmente os escravos e a populago mais pobre devido as condigdes sanitarias em que viviam Nesse sentido, era necessério proteger os escravos, pois estes eram legalmente definidos como propriedade privada e moldados de acordo com as ambigbes dos senhores. Portanto, eram essenciais 4 continuidade do sistema de plantagao em expansaio no século XIX (GONGALVES,2007 apud LIRA; GOMES e SILVA, 2020). Alguns portugueses instalados no Brasil ao se verem diante do sofrimento dos recém-chegados procuraram alertar © governo portugués, quanto as medidas repressivas que deveriam ser tomadas para limitar as partidas publicando entéo cartas aos jornais portugueses. Como pratica recorrente muitas dessas cartas explicavam os prés e os contras da emigragao, destacavam os problemas de 30 AHISTORIA DA SAUDE saneamento basico no Brasil e da mortalidade dos jovens emigrantes portugueses ao imigrarem no Brasil (ALVES, 2005). Conforme cita o autor “Observe-se uma delas, publicada no Periédico dos Pobres no Porto, em 30.5.1853, que, lamentando a falta de providéncias oficiais no controle das partidas, apesar dos miiltiplos alertas, aduzia com veeméncia! "Ndo admira que 0 govemo portugués parega ver com indiferenga abandonar os lares patrios milhares de cidadéos que podiam ser dteis 0 Estado, e a si proprios, para virem procurar em terra estranha uma fortuna inteiramente iluséria; o que na verdade custa compreender € que ele, tendo conhecimento de que uma epidemia se manifestava nos principais portos. do Império, continuasse com a mesma indiferenca a ver sair pelas barras, do Reino a mocidade portuguesa em demanda de uma morte quase certal [.Afebre amarela, como se deve saber em Portugal, tomou-se endémica no Brasil. Desde 1849 a 50 nunca ela deixou de aparecer na estacao calmosa, com mais ou menos furia, fazendo sempre vitimas de preferéncia sobre os estrangeiros recém-chegados, e sobretudo nos Portugueses, cujo mero € sempre mais consideravel [1 © governo portugués, que estabelece quarentenas ¢ lazaretos para aqueles que demandam a Patria, nao pode ignorar estes factos, e, ontudo, nao julga dignos de compaixao os infelizes que, deixando a patria, parentes e amigos, vem encontrar a morte em terra estranhal E aqui [Baia] @ no Rio de Janeiro que a febre amarela continua a levar ao timulo um grande numero de vitimas e, todavia (parece incrivel) sao estas as duas Cidades que os emigrados buscam de preferéncial E doloroso, mesmo ara 0s coracdes menos sensiveis, ver jovens de 12 a 24 anos, lutar com uma enfermidade terrivel, que rapidamente hes apaga a luz da inteligéncia @ Ihes extingue a vidi 31 AHISTORIA DA SAUDE Fonte: researchgate.net Nos discursos gerados em toro da emigragao, as demandas das patologias, especificamente as epidémicas, Alves (2005) afirma que o argumento era forte pertinente, de modo que, ainda aqueles que apoiavam a liberdade de emigragao, se incluiam no confronto com o problema, procurando encontrar saidas airosas para compatibilizar apoio a partida e preocupagao social. Ndo era somente a febre amarela que fornecia uma imagem negativa da vida cotidiana no Brasil, irrompendo repetidamente outras epidemias, a que a correspondéncia jornalistica atribuia descrigdes desoladoras e de impoténcia. Ainda de acordo com o autor, “Atente-se na informagéo de um correspondente de Sergipe, datada de 24.3.1863, mas inserta n’ O Comércio do Porto de 20.5.1863:” “O célera aproxima-se da capital, ou antes, podemos dizer que ja o temos: dentro das portas! Por onde vai passando, vai devastando cruelmente. Correndo de norte para o sul, 0 flagelo mostrava-se benigno, mas a0 chegar cidade de Maroim tomou-se intensissimo e viimou grande numero de pessoas. Calcula-se em 400 as que tém sucumbido nestes Liltimos dias somente naquele ponto, cuja populagao nao excede as 4.000 almas. 32 AHISTORIA DA SAUDE Avila do Rosario, que conta 2.000 habitantes, esta desertal Quem nao ™morreu, encontrou na fuga o tnico remédio que Ihe restava para salvar a vida. © infelz vigario, que se conservava no seu posto evangélco, foi, por fim, vitima da sua dedicagao! [...] A cidade de Laranjeiras, uma das mais importantes da provincia, foi ulimamente invadida e eram grandes os estragos. A mortalidade comecou por 12 casos diarios e, marchando sempre numa escala ascendente, chegou ao numero de 60, tanto foram 08 cadaveres que se enterraram onter! © lugar, porém, onde a mortalidade é espantosa em relacao ao niimero de habitantes, é na povoagao do Socorro, lugar de lugar de pouco mais de 200 fogos, distante meia légua de Aracaju. A mortalidade nesse pequeno arrabaide chegou ontem a0 niimero de 28 e, a julgar pelas noticias que chegam hoje, pode-se crer que a infeliz freguesia do Socorro ficaré desertal No Aracajti comegou a desonvolver-se, néo sendo, porém, ainda aterradoro estado sanitario, [..J A escravatura é quem mais tem sofrido. O cblera parece ter um gosto Particular para far 0s ‘paisinhos' e a febre ammarela é com og brancos que be diverte. Temos de tudo no Brasil louvado seja Deus! [..]Etistissima a situagdo atual de Sergipe. Eu estou de malas prontas e esperando o vapor do Sul para ir por esse Norte tranquilizer 0 espirito, que tem softide nao ouco com esta consternagao geral”. “Assim, 0 Brasil pOs-independéncia, pretendendo atrair europeus, estava longe de ser um destino apetecido em fungao de representagdes menos favoraveis entre elas a do seu estado sanitario.” ‘As grandes cidades comegaram a se tomar espagos que ofereciam novas possibilidades de vida, atraindo principalmente imigrantes estrangelros que nao esto satisfeitos com as condigdes de vida e de trabalho das fazendas de café (MARTINS, 1998 apud BARATA, 2000). Ainda segundo o autor, alguns desses trabalhadores migravam para escapar das epidemias de febre amarela e variola que atingiram de forma avassaladora muitas cidades do interior. A ultima década do século XIX e a primeira década do século XX chamaram a atengao das autoridades sanitarias com 0 objetivo de esclarecer 0 mecanismo de transmisséio e os métodos de controle dessas duas doengas ‘A maneira como ocorriam as ocupagées do espago agrario e urbano também contribuiram para determinar condigdes extremamente favoraveis para a ocorréncia de doengas de transmissdo vetorial, hidrica e respiratéria. Dentre as doengas transmitidas por vetores, destacam-se: * Febre amarela; * Peste; 33 AHISTORIA DA SAUDE © Malaria; ‘* Leishmanioses cutaneomucosas; ¢ © Doenga de Chagas. Ao utilizar dados estatisticos como ferramenta para mensurar fenémenos sociais surgiu o desenvolvimento da administragao cientifica. A prevaléncia de doengas infecciosas principalmente a febre amarela e a malaria causaram um grande impacto de mortalidade nas cidades e principais canteiros de obras dos paises periféricos prejudicando 0 comércio e dificultando o desenvolvimento do capitalismo. A solugdo na época era fomecer incentivos publicos para a pesquisa biomédica especialmente a biomedicina voltada para as doencas tropicais e uma equipe de trabalho de estilo militar que pudesse realizar intervengdes disciplinares ¢ eficazes quando necessatio. Foram criados as campanhas sanitarias e o sucesso dessas, fora enfatizado no somente pelos resultados alcangados no proceso de controle das epidemias, mas também pela nitida conexdo entre o conhecimento cientifico, a capacidade técnica e a organizacao dos processos de trabalho em satide. Com A finalidade de fabricar soros e vacinas contra a peste. Foi criado o Instituto Soroterapico Federal, em 25 de maio de 1900 (MINISTERIO DA SAUDE, 2017). 34 AHISTORIA DA SAUDE 4.3. Saneando a cidade: Politicas sanitarias e controle urbano eee Fonte: bbe.com O Rio de Janeiro atravessou o estigma da febre amarela na virada para o século XX mercé do trabalho do sanitarista Oswaldo Cruz. Diretor-geral da Saude Publica, Oswaldo Cruz estabeleceu e preparou uma campanha exclusiva contra a febre amarela e reorganizou a autoridade sanitaria definindo medidas rigorosas contra a insalubridade: © Ordenou a demoligao e a reforma de edificios; * Criou brigadas mata-mosquitos; © Saneou caixas de agua e esgotos; + Expurgou casas, por meio da queima de solugdes a base de enxofre, como forma de acabar com os mosquitos e suas larvas (imitando a campanha norte-americana desenvolvida em Havana com base na teoria de Carlos Finlay de que 0 agente transmissor era um mosquito - Stegomia fasciata, Culex aegypti ou Aedes aegypti) 35 AHISTORIA DA SAUDE ‘A febre-amarela nao foi a tinica campanha de Osvaldo Cruz, conforme cita 0 autor Alves (2008). Outras também foram desenvolvidas, como por exemplo, contra a peste bubénica, como a desratizagao, e a campanha contra a variola tornando como obrigatoriedade a vacinagao. O sanitarista teve muitos inimigos. Mas a imagem da ago em diregdo a transigdo sanitaria foi decisiva para garantir melhores condigées e contribuir para o prestigio internacional: “O Brasil ganhou entao direito a ser um pais salubre no coneeito das organizacées sanitarias internacionais configurando-se mesmo como um modelo exemplar.” Os seus portos vieram a ser considerados limpos, muito em fungao de novos regulamentos sanitarios internacionais que diminuiram os critérios de classificagao e essas novas representagdes designadas pela nova cultura médica foram categéricas para a emergéncia da mitologia que nos alvores do século XX, colocava o Brasil como a futura grande poténcia mundial. No entanto, a década de 1920 foi marcada pela crise do padrao exportador capitalista, uma vez que os paises importadores se tornavam mais exigentes com ‘a qualidade dos produtos surgindo muitas represarias aos produtos brasileiros onde 0s navios e portos ainda mantinham niveis de higiene insalubres exportando doencas. Novas agées foram implementadas no controle das doengas na area da satide publica (COSTA, 1985). Por outro lado, o Estado assume ativamente na década de 1930 o papel de regulador através da elaboragao de projeto econémico baseado na industrializagao em prol da implantagao de infraestrutura produtiva 0 que propiciou o fortalecimento do projeto politico-ideolégico nacional, donde foi criado 0 Mesp - Ministério da Educagao e Satide Publica, e MTIC — Ministerio do Trabalho, Industria e Comercio, medidas que fomentaram o crescimento e a mudanga do sistema econémico e regem a “regulagao da cidadania” pela previsdo de um “direito saude” 36 AHISTORIA DA SAUDE 5 POLITICAS PUBLICAS: EVOLUGAO HISTORICA DA SAUDE PUBLICA E SAUDE COLETIVA Fonte: cursosextensao.usp.br A Satide Coletiva teve inicio no final da década de 1970 no periodo em que © Brasil passava pela ditadura militar e veio vinculada a luta pela democracia e também ao movimento da Reforma Sanitaria. A medicina social e 0 preventivismo também influenciaram para sua constituigao (OSMO; SCHRAIBER, 2015). De acordo com Paim; Almeida Filho (2000 apud OSMO; SCHRAIBER, 2015), a Satide Coletiva é caracterizada como “campo de conhecimento e ambito proprio de praticas’, e esse campo de conhecimento é de natureza interdisciplinar, cujas disciplinas basicas so a epidemiologia, o planejamento e administracao de satide eas ciéncias sociais em salide, Sempre em construgo e muito podendo caminhar na produgao e em termos de reflexao sobre a prépria identidade, a Satide Coletiva como outros constitui um “campo vivo”. Em 1977 a Organizagao Mundial da Satide propés a seguinte meta: “Satide para Todos no ano 2000". Como decorréncia tanto 0 cenario brasileiro quanto o mundial estabeleceram um debate sobre 0 conceito de satide-doenca e a estruturacao dos servigos de satide. Um dos aspectos centrais no encaminhamento dessa meta era o detalhamento e a operacionalizagao do conceito de equidade, 37 AHISTORIA DA SAUDE reconhecendo-se como fundamental a superagao das desigualdades sociais para a melhoria das condigdes de satide das populagdes (RABELLO, 2010). A Satide Coletiva é descrita a partir de uma perspectiva multidisciplinar a qual atua em conjunto com as seguintes disciplinas, conforme descrevem (SILVA et al, 2020): Biomedicina; + Estatistica; * Biologia; e + Ciéncias Humanas. E caracteristica pela historia de lutas para mudar efetivamente a estrutura da ciéncia e da politica social da Satide e Sociedade. Um exemplo foi a Reforma Sanitaria e todo o legado construtivista, Esta area é dividida em trés subdivis6es: © Epidemiologia; * Planejamento / gestdo e Servigos de satide; e * Ciéncias Humanas. Diante desta situacao vale ressaltar que ambas as areas s4o importantes para o planejamento de acdes de satide levando a continua dependéncia em realizar pesquisas destinadas a melhorar 0s métodos nessas areas. Em decorréncia das mudangas no perfil de morbidade da populagao devido A diminuigéo da ocorréncia de doengas transmissiveis e a0 envelhecimento progressivo da populagdo, a epidemiologia comegou a focar suas pesquisas em doengas nao transmissiveis e nao infecciosas e também se preocupando com eventos nao relacionados exclusivamente as doengas como é 0 caso dos estudos sobre violéncia, habitos deletérios e peso ao nascer. Com isso, a concepcao de unicausalidade das doengas foi alterada, paulatinamente dando margem ao pensamento multicausal no qual a interagao entre agente, hospedeiro e meio ambiente € responsavel pelo surgimento das doengas (SILVA et al, 2020), De acordo com os autores, a Epidemiologia e Medicina tem uma raiz em comum: Hipécrates associava 0 aparecimento de doengas a interagao entre 0 individuo e 0 ambiente, mas com o passar do tempo suas teorias foram abandonadas. Foi quando surgiu a teoria dos Miasmas, onde se acreditavam que 38 AHISTORIA DA SAUDE as epidemias eram causadas devido a ma qualidade do ar proveniente da emanagéio de decomposigdes de animais, plantas e pacientes. 39 AHISTORIA DA SAUDE 6 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALVES, J. F. Emigragao e sanitarismo — Porto e Brasil no século XIX. Ler Historia, 48 (2005), pag. 141-156. BARATA, R. B. Cem anos de endemias e epidemias. Ciéncia & Satide Coletiva, ‘Sao Paulo, SP, v. 5, ed. 2%, p. 333-345, 20 ago. 2020. EDLER, F. C. 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