Você está na página 1de 2

NA TRILHA SONORA DA VIDA1

Elisabete Maria Garbin


PPGEDU/UFRGS

Meu objetivo nesse artigo é tecer alguns comentários sobre a música na escola e
as culturas musicais que se fazem presentes nas salas de aula, fazendo tal discussão na
perspectiva dos Estudos Culturais, que vêem o conhecimento e o currículo como
campos culturais.
Hoje em dia raros são os ambientes nos quais não se ouça música de qualquer
estilo, ou como pano de fundo, ou protagonizando algum evento. Por outro lado, o
surgimento de inúmeros grupos jovens urbanos e sua música na mídia, associados a
expressões como heavy metal, funk, rap, hip-hop, pop, pagode, na maioria das vezes
denuncia tensões e conflitos sociais vividos no cotidiano destes mesmos jovens. A
maioria dos textos dessas canções constitui expressões culturais juvenis, verdadeiros
‘espelhos de seu tempo’ e enfatizam a presença da música como a trilha sonora da vida
cotidiana, inevitável em elevadores, aeroportos, bares, danceterias, restaurantes, ruas e
shopping centers, quadras e gramados esportivos, escolas, nas aulas de música (dentro e
fora das salas), etc.
Nossos alunos e alunas ‘levam’ suas músicas para a sala de aula de alguma
maneira. Ou através de seus walkman – parte de uma cultura universal -, CDs player, ou
através da memória dos filmes que assistem, dos vídeos, dos videoclipes, das fitas
cassete, enfim, dos artefatos culturais de sua rotina. O que estou querendo dizer é que a
cultura popular, também através da música, está na sala de aula e por meio dela os
alunos e alunas vão forjando as identidades.
A música é uma das principais formas pela qual os adolescentes se apropriam das
imagens sociais seja de etnia, de gênero, de classes sociais, de estilos, ainda que pouco
falem sobre essas diferenças. As músicas que eles consomem é que falam sobre tais
diferenças e, às vezes, falam por eles/as. Por outro lado, os adolescentes falam muito
sobre os estilos das músicas que ouvem. Para comprovar isso, basta acessar uma sala de
bate papo sobre música da Internet, em que eles falam sobre as músicas que ouvem,
seus gostos, suas preferências por uma ou outra aquela banda, sobre sua sonoridade, etc.
Não quero aqui entrar na discussão sobre as divisões entre música de mercado e música
erudita, composições masculinas e/ou femininas, música urbana e música de grosso,
música européia e música americana, sobre música sertaneja, nordestina, nativista... Não
se pode esquecer que somos e sempre seremos híbridos, misturados em nossas
preferências de consumo cultural. Apesar das diferenças entre os vários estilos de
música veiculados pela mídia, todos contribuem na formação e fortalecimento de
identidades; a música passa a ser uma espécie de fio, de eixo, que vai de casa para a
escola e para onde quer que os/as adolescentes forem. É necessário que nos
familiarizemos com as formas culturais nas quais os jovens estão envolvidos para tentar
fazer a crítica a tais artefatos. Quando falo em crítica, não estou me referindo ao
menosprezo comum que os adultos dedicam às preferências musicais dos adolescentes,
mas sim penso numa análise dos significados e calores que tais produções têm e
representam para eles.
Precisamos entender que os signos da cultura popular, as imagens e sons da
mídia dominam cada vez mais nosso senso de realidade e a maneira como definimos a
nós mesmos e o mundo ao nosso redor; vivemos numa sociedade saturada pela mídia.
Os processos cotidianos de fragmentação somados ao poder da cultura da massa,
1
Texto publicado no Jornal NH, suplemento NH na escola. Novo Hamburgo, 11 de setembro de 1999.
inscrita em códigos e estilos, gestos e performances, têm nas cenas juvenis um terreno
próprio para a formação de identidades. Para Simon Frith, nós absorvemos a música em
nossa vida, em nosso ritmo, em nossos corpos e esta é uma experiência de identidade –
não algo que se adquira de forma acabada e pontual, mas sim um processo gradual.
Nesse sentido seria importante que no ambiente da sala de aula, nós, professores e
professoras, nos despojássemos das concepções tradicionais dos limites entre alta e
baixa cultura (arte das massas e alta arte), entre música digna do currículo escolar e
indigna desse lugar, e trabalhássemos com a riqueza e a complexidade de sinais e ruídos
dos movimentos urbanos, cores, sons dos pedaços do dia-a-dia que alunos e alunas
trazem para as aulas e que também permeiam nossos discursos. Estaremos nós
preocupados com as experiências, preferências e interesses dos alunos e alunas e
abertos/as ao compartilhamento de tais experiências? Como? Quais os conhecimentos
musicais que são considerados pela escola e o que dizem para nossos alunos e alunas?
Que experiência tão profunda é aquela que faz nossos/as alunos/as sacudirem seus
corpos ao ritmo de uma música que só chega individualmente a eles/elas através dos
fones do walkman? Quais as nossas próprias experiências e memória musicais e como
as trazemos (ou não) para a sala de aula? Somos nós, professores/as e alunos/as
beneficiados/as com todas estas experiências?
Acredito que o grande desafio consiste em a escola trabalhar com as diferenças
para que elas propiciem novas temáticas com significado para nossas alunas e alunos.
Trabalhar com a música, seu impacto e influência na comunidade, na escola, é um
desafio legítimo e sedutor, já que a música cruza fronteiras, especificidades e
bairrismos, construindo novos grupos identitários.
Para finalizar, vou deixá-los com um diálogo entre uma professora e um aluno
ao final de uma aula de música, cujo tema fora a trilha sonora de um filme. Perguntou a
professora: Qual é a parte favorita da aula de música para ti? Ele respondeu: Quando
entro. E talvez vocês possam imaginar a resposta à outra pergunta: E qual é a parte
menos agradável da aula música para ti? A resposta: É quando saio dela.

Na trilha sonora da vida


GARBIN, Elisabete Maria. Texto publicado no Jornal NH, suplemento NH na escola.
Novo Hamburgo, 11 de setembro de 1999. Disponível em: www.ufrgs.br/neccso e
www.ufrgs.br/neccso/gjovem

Você também pode gostar