Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
VÍRUS DA HEPATITE C
INTRODUÇÃO
Desde sua identificação em 19891, o vírus da hepatite C vem gerando preo-
cupação na comunidade científica pelo desenvolvimento de doença hepáti-
ca tanto aguda quanto crônica, elevando de forma significativa o risco de cir-
rose e carcinoma hepatocelular. Dados epidemiológicos apontam que cerca
de 170 milhões de pessoas são portadoras de infecção crônica por vírus C
(HCV)2-4. Independentemente do país de origem, a prevalência da hepatite C
é maior em pacientes em hemodiálise (HD)5-7 e pode variar muito em diferen-
tes regiões geográficas. Conforme dados do último censo da SBN de 2017,
a prevalência no Brasil é de 3,3%. De acordo com dados norte-americanos
do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), mais da metade dos
surtos de hepatite C, de 2008 a 2015, ocorreram em ambientes de HD8.
Diferente da hepatite B, ainda não foi possível o desenvolvimento da va-
cina para hepatite C em virtude da variabilidade de genótipos3. O desafio
é ainda maior para muitos nefrologistas pela dificuldade no diagnóstico da
infecção crônica pelo vírus C nos pacientes em diálise, devido à baixa sen-
sibilidade dos testes diagnósticos nessa população5. Progressos significa-
tivos foram feitos na última década e culminaram em notável melhora no
tratamento da infecção pelo HCV nos últimos anos. Níveis acima de 90%
de resposta virológica sustentada foram atingidos9, inclusive na população
portadora de doença renal crônica (DRC)10.
59
60 SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS
TESTES DIAGNÓSTICOS
Testes Sorológicos
O vírus da hepatite C é um RNA vírus que possui seis genótipos isolados
e múltiplos subtipos. Após a clonagem do genoma do HCV, determinadas
regiões antigênicas e epítopos foram identificados. Proteínas recombinantes
e peptídeos sintéticos contendo esses epítopos dominantes foram utilizados
no desenvolvimento dos imunoensaios que permitem a detecção da imuno-
globulina IgG anti-HCV. Porém, esses testes não permitem a diferenciação
entre infecção ativa ou resolvida. Os ensaios de primeira geração são basea-
dos na expressão do epítopo da região NS4 do genoma do HCV, que detecta
a IgG anti-HCV em 80% dos pacientes. Os ensaios de segunda e terceira
gerações utilizam um formato multiantigênico que inclui antígenos do núcleo
e regiões NS3 e NSA4. Nos ensaios de terceira geração, a região NS5B é
incluída, determinando especificidade de até 99% e redução na janela imu-
nológica em aproximadamente cinco semanas se comparados com ensaios
de primeira geração11.
Os ensaios por RIBA surgiram como alternativas mais específicas para
detecção do anti-HCV IgG do que os imunoensaios, baseando-se em peptí-
deos recombinantes de regiões antigênicas específicas. Não são entretanto
utilizados na prática clínica rotineira, posto que, assim como os ensaios por
ELISA, não permitem a diferenciação entre infecção ativa e resolvida e seu
custo é elevado.
Análise de RNA
Mesmo utilizando testes de terceira geração, os imunoensaios podem ter
falso-negativos em pacientes imunocomprometidos e em HD11. A detecção
dos ácidos nucleicos do RNA HCV segue como padrão ouro no diagnóstico
de infecção ativa, com limites de detecção de até 10-20 UI/ml de soro do
paciente. Apesar das excelentes sensibilidade e especificidade, é um exame
que requer equipe especializada, além de equipamentos e reagentes caros,
o que deve ser levado em consideração pela custo-efetividade em países em
desenvolvimento como o Brasil.
A detecção do HCV RNA por teste de ácido nucleico (NAT), pelo mé-
todo de reação em cadeia da polimerase (PCR) ou amplificação mediada
por transcrição (TMA), pode reconhecer rapidamente a infecção pelo HCV,
cerca de uma semana após a exposição, em comparação com 10 semanas
dos EIA de terceira geração. Todos os testes baseados em NAT aprovados
para uso clínico têm especificidade acima de 99% para os seis genótipos,
e níveis de detecção de carga viral de até 50 UI/ml e 10 UI/ml para PCR e
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C 61
Isolamento
O isolamento de paciente com infecção pelo HCV surgiu como extensão das
medidas adotadas para o isolamento dos pacientes infectados pelo HBV,
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C 63
Vírus DA HEPATITE B
INTRODUÇÃO
Da mesma forma que o HCV, os pacientes em HD estão em maior risco de
contrair hepatite B devido à transmissão nosocomial. Dados recentes do
Censo de Diálise de 2017 da Sociedade Brasileira de Nefrologia mostram
que a prevalência de pacientes portadores do vírus da hepatite B (HBV)
nas salas de HD vem em queda e encontra-se ao redor de 0,8%. Dados do
DOPPS dão conta de que as taxas de soroconversão oscilaram entre 0,4 e
1,8/100 pacientes/ano26-28.
DIAGNÓSTICO
A prevenção da infecção pelo HBV por meio de precauções universais e
vacinação é de importância crítica. A infecção por HBV nos pacientes em
diálise apresenta um problema clínico distinto, tendo em conta o efeito imu-
nossupressor da insuficiência renal, a susceptibilidade para a infecção de
novo e a transmissão nosocomial, com implicações no longo prazo sobre a
morbidade e a mortalidade, e a mudança no curso clínico após transplante
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C 65
Solicitar:
HBsAg | Anti-HBs | Anti-HBc IgM | Anti-HCV | RNA HCV *
HEPATITE B HEPATITE C
Screening de rotina
Anti-HCV –
RNA-HCV +
HBsAg + HBsAg – + + Infecção
ativa
Anti-HBs – Anti-HBs – – + Anti-HCV +
Anti-HBc IgM + Anti-HBc + – + RNA-HCV +
Susceptível?
Anti-HCV – Janela
Hemodiálise sala exclusiva RNA-HCV – imunológica
Isolamento capilar
Não reúso
Figura 8.2 Alteração de TGP mensal na unidade de diálise em pacientes com soro
logias negativas para HCV-HBV.
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C 67
Infecção Oculta
A infecção HBV oculta é definida como a presença do DNA HBV detectável
pela reação em cadeia da polimerase (PCR) nos pacientes que são negativos
para o HbsAg, e usualmente com resultado positivo para Anti-HBc IgG39-41.
Esses pacientes são subclassificados como “soropositivos” ou “soronega-
tivos” para HBV, dependendo da presença de outros marcadores do HBV,
mais comumente Anti-HBc total. A maioria desses pacientes (Anti-HBc total
positivos) têm níveis muito baixos ou indetectáveis do DNA viral que expli-
cam a falha em detectar o HBsAg e, consequentemente, um risco muito
baixo de transmissão nosocomial. Em todo caso, a solicitação do DNA HBV
(PCR) é util para avaliar a carga viral e é recomendável.
Infecção aguda (+) (+) IgM (–) (+) (–) (–) (+)
Vacinação
A vacinação para hepatite B é recomendada a todos os pacientes suscep-
tíveis em HD crônica, como também àqueles em tratamento conservador,
pois neles a resposta vacinal é maior e mais duradoura. Na população renal
crônica, adotam-se quatro aplicações (0,1, 2, e 6 meses) de dose dobrada,
posto que verificou-se melhor resultado imunizador. Naqueles indivíduos não
respondedores (que não formaram Anti-HBs), pode-se repetir o esquema va-
cinal uma vez, e testar um a dois meses após a última dose com seguimen-
to anual. Naqueles que mais uma vez não produzem Anti-HBs, assumidos
como susceptíveis (ou não imunes), faz-se rastreio regular de HBsAg. Na-
queles que respondem ao primeiro ou segundo esquema, procura-se moni-
torar o Anti-HBs e adotar reforço vacinal (uma dose dupla de vacina) quando
70 SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Choo QL, Kuo G, Weiner AJ, Oberby LR, Bradley DW, Houghton M. Isolation of a cDNA clone
derived from a blood-borne non-A, non-B viral hepatitis genome. Science 1989; 244(4902):
359-62.
2. Gower E, Estes C, Blach S, Razavi-Shearer K, RazaviH. Global epidemiology and genotype
distribution of the hepatitis C virus infection. J Hepatol 2014; 61(1Suppl): 45-57.
3. Lee MH, Yang HI, Yuan Y, L’Italien G, Chen Cj. Epidemiology and natural history of hepatitis
C virus infection. World J Gastroenterol 2014; 20(28): 9270-80.
4. Mohd Hanafiah K, Groeger J, Flaxman AD, Wiersma ST. Global epidemiology of hepatitis C
virus infection: new estimates of age‐specific antibody to HCV seroprevalence. Hepatology
2013; 57(4): 1333-42.
5. Bernieh B. Viral hepatitis in hemodialysis: An update. J Transl Int Med 2015; 3(3): 93-105.
6. Fabrizi F, Martin P, Dixit V, Messa P. Hepatitis C virus infection and kidney disease: a meta-
-analysis. Clin J Am Soc Nephrol 2012; 7(4): 549-57.
7. Fissell RB, Bragg-Gresham JL, Woods JD, Jadoul M, Gillespie B, Hedderwick SA, Rayner
HC, Greenwood RN, Akiba T, Young EW. Patterns of hepatitis C prevalence and seroconver-
sion in hemodialysis units from three continents: the DOPPS. Kidney Int 2004; 65(6): 2335-
42.
8. Centers for Disease Control and Prevention. Healthcare-associated Hepatitis B and C Out-
breaks Reported to the Centers for Disease Control and Prevention (CDC) in 2008. CDC,
Atlanta, 2012.
9. Lanini S, Easterbrook PJ, Zumla A, Ippolito G. Hepatitis C: global epidemiology and strate-
gies for control. Clin Microbiol Infect 2016; 22(10): 833-8.
10. Fabrizi F, Messa P. Treatment choices for hepatitis C in patients with kidney disease. Clin J
Am Soc Nephrol 2018; 13(5): 793-5.
11. Kamili S, Drobeniuc J, Araujo AC, Hayden TM. Laboratory diagnostics for hepatitis C virus
infection. Clin Infect Dis 2012; 55(Suppl 1): 43-8.
12. Alpers C, Bloom RD, Fabrizi F e cols. KDIGO clinical practice guidelines for the prevention,
diagnosis, evaluation, and treatment of hepatitis C in chronic kidney disease – Introduction.
Kidney Int 2008; 73(Suppl. 109): 6-99.
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C 71
13. Sette LHBC, de Almeida Lopes EP. Liver enzymes serum levels in patients with chronic kidney
disease on hemodialysis: a comprehensive review. Clinics (São Paulo) 2014; 69(4): 271-8.
14. Bastos DO, Perez RM, Silva IS, Simonetti JP, Medina-Pestana JO, Silva AE, Ferraz
ML.Transcription‐mediated amplification (TMA) for the assessment of viremia in hemodialy-
sis patients with hepatitis C. J Med Virol 2012; 84(4): 596-600.
15. Mbaeyi C, ThompsonND. Hepatitis C virus screening and management of seroconversions
in hemodialysis facilities. Semin Dial 2013; 26(4): 439-46.
16. Alves da Silva R, de Souza Todão J, Kamitani FL, Silva AEB, de Carvalho Filho RJ, Ferraz
MLCG, de Carvalho IMVG. Molecular characterization of hepatitis C virus in end‐stage renal
disease patients under hemodialysis. J Med Virol 2018; 90(3): 537-44.
17. Midgard H, Weir A, Palmateer N, Lo Re 3rd V, Pineda JA, Macías J, Dalgard O. HCV epide-
miology in high-risk groups and the risk of reinfection. J Hepatol 2016; 65(1 Suppl): 33-45.
18. Ghany MG, Strader DB, Thomas DL, Seeff LB; American Association for the Study of Liver
Diseases. Diagnosis, management, and treatment of hepatitis C: an update. Hepatology
2009; 49(4): 1335-74.
19. Sauné K, Kamar N, Miédougé M, Weclawiak H, Dubois M, Izopet J, Rostaing L. Decreased
prevalence and incidence of HCV markers in haemodialysis units: a multicentric French sur-
vey. Nephrol Dial Transplant 2010; 26(7): 2309-16.
20. Pereira LM, Martelli CM, Moreira RC, Merchan-Hamman E, Stein AT, Cardoso MR, Figuei-
redo GM, Montarroyos UR, Braga C, Turchi MD, Coral G, Crespo D, Lima ML, Alencar LC,
Costa M, dos Santos AA, Ximenes RA. Prevalence and risk factors of Hepatitis C virus infec-
tion in Brazil, 2005 through 2009: a cross-sectional study. BMC infectious diseases, 2013.
13(1): 60.
21. Allander T, Medin C, Jacobson SH, Grillner L, Persson MA. Hepatitis C transmission in a
hemodialysis unit: molecular evidence for spread of virus among patients not sharing equip-
ment. J Med Virol 1994; 43(4): 415-9.
22. Leão JR, Pace FH, Chebli JM. Infecção pelo vírus da hepatite C em pacientes em hemodiá-
lise: prevalência e fatores de risco. Arq Gastroenterol 2010; 47(1): 28-34.
23. Centers for Disease Control and Prevention. Dialysis Safety: Audit Tools, Protocols & Check-
lists. CDC, 2013.
24. Arenas MD, Sánchez-Payá J, Barril G, García-Valdecasas J, Gorriz JL, Soriano A, Antolin
A, Lacueva J, García S, Sirvent A, Espinosa M, Angoso M. A multicentric survey of the
practice of hand hygiene in haemodialysis units: factors affecting compliance. Nephrol Dial
Transplant 2005; 20(6): 1164-71.
25. Jadoul M. Transmission routes of HCV infection in dialysis. Nephrol Dial Transplant 1996;
11(Suppl 4): 36-8.
26. Sesso RC. Lopes AA Thomé FS, Lugon JR, Martins CT. Inquérito Brasileiro de Diálise Crôni-
ca 2016. J Bras Nefrol 2017;39(3): 261-266.
27. Sociedade Brasileira de Nefrologia- Censo Brasileiro 2016. www sbn.org.br.
28. Burdick RA, Bragg-Gresham JL, Woods JD, Hedderwick SA, Kurosawa K, Combe C, Saito
A, Labrecque J, Port FK, Young EW. Patterns of hepatitis B prevalence and seroconversion
in hemodialysis units from three continents: The DOPPS. Kidney Int 2003; (63(6): 2222-9.
29. Chou R, Dana T, Bougatsos C, Blazina I, Khangura J, Zakher B. Screening for hepatitis B
virus infection in adolescents and adults: a systematic review to update the U.S. Preventive
Services Task Force recommendation. Ann Intern Med 2014; 161: 31-45.
30. Hoofnagle JH, Dusheiko GM, Seef L, Jones A, Waggoner JG, Bales ZB. Seroconversion from
hepatitis B e antigen to antibody in chronic type B hepatitis. Ann Intern Med 1981; 94: 744-8.
31. Yim HJ, Lok AS-F.Natural history of chronic hepatitis B virus infection: what we knew in 1981
and what we know in 2005. Hepatology 2006; 43 (2Suppl 1).
72 SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS
32. Tassopoulos NC, Papaevangelou GJ, Sjogren MH, Roumeliotou-Karayannis A, Gerin
JL, Purcell RH. Natural history of acute hepatitis B surface antigen-positive hepatitis in Greek
adults. Gastroenterology 1987; 92:1844-50.
33. Centers for Disease Control. Control measures for hepatitis B in dialysis centers. Virus hepa-
titis investigations and control series, CDC, Atlanta, 1977.
34. Cornberg M, Wong VW, Locarnini S, Brunetto M, Janssen HA, Chan HL.The role of quantita-
tive hepatitis B surf; ace antigen revisited. J Hepatol 2017; 66: 398-411.
35. Fabrizi F, Lung G, Finazzi S, Colucci P, Pagano A, Ponticelli C, Locatelli F. Decreased serum
aminotransferase activity in patients with chronic renal failure: impact on the detection of
viral hepatitis. Am J Kidney Dis. 2001; 38(5): 1009-15.
36. Michalak TI, Pasquinelli C, Guilhot S, Chisari FV. Hepatitis B virus persistence after recovery
from acute viral hepatitis. J Clin Invest 1994; 93: 230-9.
37. Lok AS, McMahon BJ. Chronic hepatitis B. Hepatology 2007; 45: 507-39.
38. LeFevre ML, U.S. Preventive Services Task Force. Screening for hepatitis B virus infection in
nonpregnant adolescents and adults: U.S. Preventive Services Task Force Recommendation
Statement. Ann Intern Med 2014; 161: 58-66.
39. Conjeevaram HS, Lok AS. Occult hepatitis B virus infection: a hidden menace? Hepatology
2001; 34: 204-6.
40. Bréchot C, Thiers V, Kremsdorf D, Nalpas B, Pol S, Paterlini-Bréchot P. Persistent hepatitis B
virus infection in subjects without hepatitis B surface antigen: clinically significant or purely
“occult”? Hepatology 2001; 34: 194-203.
41. Koshino Y, Shinozaki Y, Wada T. Occult hepatitis B virus infection with increased virus dna
levels in a chronic hemodialysis patient. Ther Apher Dial 2018; 22(1): 91-2.
42. Cordova E, Miglia I, Festuccia F, Sarlo Mg, Scornavacca G, Punzo G, Mené P, Fofi C. Hepati-
tis B vaccination in haemodialysis patients: an underestimated problem. Factors influencing
immune responses in ten years of observation in an Italian haemodialysis centre and litera-
ture review. Ann Ig 2017; 29(1): 27-37.
43. Ayub MA, Bacci MR, Fonseca FL, Chehter EZ. Hemodialysis and hepatitis B vaccination: a
challenge physician. Int J Gen Med 2014; 7: 109-14.