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ABORDAGEM DOS PACIENTES


PORTADORES DE HEPATITES B E C

Natasha Silva Constâncio


Marcelo Mazza do Nascimento
Dirceu Reis da Silva
Cinthia Vieira

VÍRUS DA HEPATITE C

INTRODUÇÃO
Desde sua identificação em 19891, o vírus da hepatite C vem gerando preo-
cupação na comunidade científica pelo desenvolvimento de doença hepáti-
ca tanto aguda quanto crônica, elevando de forma significativa o risco de cir-
rose e carcinoma hepatocelular. Dados epidemiológicos apontam que cerca
de 170 milhões de pessoas são portadoras de infecção crônica por vírus C
(HCV)2-4. Independentemente do país de origem, a prevalência da hepatite C
é maior em pacientes em hemodiálise (HD)5-7 e pode variar muito em diferen-
tes regiões geográficas. Conforme dados do último censo da SBN de 2017,
a prevalência no Brasil é de 3,3%. De acordo com dados norte-americanos
do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), mais da metade dos
surtos de hepatite C, de 2008 a 2015, ocorreram em ambientes de HD8.
Diferente da hepatite B, ainda não foi possível o desenvolvimento da va-
cina para hepatite C em virtude da variabilidade de genótipos3. O desafio
é ainda maior para muitos nefrologistas pela dificuldade no diagnóstico da
infecção crônica pelo vírus C nos pacientes em diálise, devido à baixa sen-
sibilidade dos testes diagnósticos nessa população5. Progressos significa-
tivos foram feitos na última década e culminaram em notável melhora no
tratamento da infecção pelo HCV nos últimos anos. Níveis acima de 90%
de resposta virológica sustentada foram atingidos9, inclusive na população
portadora de doença renal crônica (DRC)10.

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60  SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS

TESTES DIAGNÓSTICOS
Testes Sorológicos
O vírus da hepatite C é um RNA vírus que possui seis genótipos isolados
e múltiplos subtipos. Após a clonagem do genoma do HCV, determinadas
regiões antigênicas e epítopos foram identificados. Proteínas recombinantes
e peptídeos sintéticos contendo esses epítopos dominantes foram utilizados
no desenvolvimento dos imunoensaios que permitem a detecção da imuno-
globulina IgG anti-HCV. Porém, esses testes não permitem a diferenciação
entre infecção ativa ou resolvida. Os ensaios de primeira geração são basea-
dos na expressão do epítopo da região NS4 do genoma do HCV, que detecta
a IgG anti-HCV em 80% dos pacientes. Os ensaios de segunda e terceira
gerações utilizam um formato multiantigênico que inclui antígenos do núcleo
e regiões NS3 e NSA4. Nos ensaios de terceira geração, a região NS5B é
incluída, determinando especificidade de até 99% e redução na janela imu-
nológica em aproximadamente cinco semanas se comparados com ensaios
de primeira geração11.
Os ensaios por RIBA surgiram como alternativas mais específicas para
detecção do anti-HCV IgG do que os imunoensaios, baseando-se em peptí-
deos recombinantes de regiões antigênicas específicas. Não são entretanto
utilizados na prática clínica rotineira, posto que, assim como os ensaios por
ELISA, não permitem a diferenciação entre infecção ativa e resolvida e seu
custo é elevado.

Análise de RNA
Mesmo utilizando testes de terceira geração, os imunoensaios podem ter
falso-negativos em pacientes imunocomprometidos e em HD11. A detecção
dos ácidos nucleicos do RNA HCV segue como padrão ouro no diagnóstico
de infecção ativa, com limites de detecção de até 10-20 UI/ml de soro do
paciente. Apesar das excelentes sensibilidade e especificidade, é um exame
que requer equipe especializada, além de equipamentos e reagentes caros,
o que deve ser levado em consideração pela custo-efetividade em países em
desenvolvimento como o Brasil.
A detecção do HCV RNA por teste de ácido nucleico (NAT), pelo mé-
todo de reação em cadeia da polimerase (PCR) ou amplificação mediada
por transcrição (TMA), pode reconhecer rapidamente a infecção pelo HCV,
cerca de uma semana após a exposição, em comparação com 10 semanas
dos EIA de terceira geração. Todos os testes baseados em NAT aprovados
para uso clínico têm especificidade acima de 99% para os seis genótipos,
e níveis de detecção de carga viral de até 50 UI/ml e 10 UI/ml para PCR e
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TMA respectivamente. Durante as sessões de hemodiálise, o nível sérico do


HCV RNA pode reduzir significativamente, e portanto a coleta da amostra
de sangue deve sempre ser realizada pré-diálise12,13. Em comparação com
pacientes não portadores de DRC, os níveis das transaminases e HCV-RNA
são mais baixos, o que dificulta o diagnóstico nessa população.

RASTREAMENTO DO HCV NA SALA DE DIÁLISE


O screening para hepatite C deve ser realizado em todos os pacientes que
iniciam o programa dialítico ou são transferidos de outros centros, inicial-
mente com imunoensaio e, se positivo, confirmados por detecção HCV-
-RNA. O diagnóstico da hepatite C nos pacientes com DRC é dificultado pelo
quadro clínico inespecífico, sendo em muitas ocasiões assintomático, pelos
níveis normais ou flutuantes de TGP em praticamente metade dos pacientes
com infecção pelo HCV, pelas sorologias falso-negativas e pela baixa viremia
observada15. Os níveis de transaminase glutâmico pirúvica (TGP) devem ser
checados na admissão na unidade de diálise e mensalmente em pacientes
susceptíveis. Na maioria dos casos de novas infecções, a elevação da TGP
ocorre antes da soroconversão, o que justifica a monitorização dos seus
níveis. Pacientes com alteração não justificada de TGP devem ser investiga-
dos para hepatite C14,15.
Estudos demonstram que pacientes dialíticos podem ter níveis de tran-
saminases menores do que controles com função renal normal, porém as
razões para explicar esse fato seguem incertas. As principais hipóteses para
essa redução são a hemodiluição e os níveis reduzidos de piridoxina ou ele-
vados de homocisteína. Os pacientes com DRC avançada têm sua resposta
imune comprometida, tanto pela uremia quanto pelas comorbidades asso-
ciadas, produzindo um nível menor de anticorpos contra antígenos de super-
fície, o que pode explicar resultados de exames soronegativos16,17.
Atualmente, o Ministério da Saúde recomenda que todo paciente que
inicie HD deve ser submetido de forma rotineira à análise mensal de enzi-
mas hepáticas (TGP) e à análise do perfil sorológico por meio da realização
do anti-HCV ao iniciar o tratamento dialítico e a seguir semestralmente. O
Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) publicou em 2008 as
recomendações referentes ao manejo do HCV em pacientes com DRC em
diálise12, sugerindo que todos os pacientes não infectados pelo HCV de-
vem ser monitorados a cada seis meses em relação ao seu perfil sorológico,
isso inclui: pacientes anti-HCV negativos ou RNA HCV negativos e anti-HCV
positivos e RNA HCV negativo (infecção resolvida, porém com risco de re-
-infecção­)5,18.
62  SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS

A infecção aguda por HCV deve ser reportada à Vigilância Epidemiológi-


ca. São considerados casos agudos aqueles com sorologia anti-HCV ou RNA
HCV negativos seguidos de exame sorológico positivo subsequentemente.
Um novo caso em uma unidade de diálise deve imediatamente desencadear
ações para identificar casos adicionais, com reavaliação sorológica de todos
os não infectados. A frequência de screening nessa unidade também deve
ser alterada por tempo determinado17,18.

MANEJO NA SALA DE DIÁLISE


Medidas Preventivas
Como citado anteriormente, segundo dados do CDC, mais de 50% dos sur-
tos de hepatite C nos Estados Unidos entre 2008 e 2015 foram relacionados
a unidades de HD8. Estudos publicados no início dos anos 2000 demonstram
quedas significativas na incidência de transmissão horizontal de infecção por
HCV por meio somente da adoção de medidas universais, em muitas clínicas
europeias de diálise que não realizavam o isolamento do paciente portador
de hepatite C15,20. A maioria das ocorrências de surto aponta para quebras
de protocolo de controle de infecção como preparo de medicação em local
contaminado, reúso de medicação para múltiplos pacientes, desinfecção
inadequada de superfície e falha na troca de luvas entre os pacientes. Lava-
gem inadequada de mãos, tempo curto de troca de turno e número reduzido
de técnicos por paciente também aumentam o risco de transmissão15,21,22.
Além disso, estudos demonstram que surtos de soroconversão ocorreram
em pacientes que dividiam o mesmo ambiente e não necessariamente a
mesma máquina de hemodiálise, enfatizando a possibilidade de transmissão
pelos profissionais de saúde19. É importante frisar que mesmo que não haja
sangue visível na superfície o vírus HCV pode permanecer potencialmente
infeccioso em superfície por no mínimo 16 horas. Estudos que analisaram a
presença de sangue não visível e RNA-HCV em superfícies mostram índices
elevados em diversos equipamentos como as máquinas de HD, conectores,
bandejas dos pacientes e pias para lavagem das fístulas19. O CDC divulga
em seu site diversas listas de checagem de práticas de controle de infecção,
todas importantes na redução da transmissão do HCV. Essas medidas estão
resumidas no quadro 8.123.

Isolamento
O isolamento de paciente com infecção pelo HCV surgiu como extensão das
medidas adotadas para o isolamento dos pacientes infectados pelo HBV,
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C   63

Quadro 8.1  Medidas universais de precaução para segurança em diálise (adaptado


do CDC23).
• Antes e após tocar o paciente: manipular o acesso vascular,
retirar agulhas, aferir dados vitais, terminar atendimento, re-
tirar luvas
• Antes de procedimentos assépticos: manipulação do cateter,
cuidados com óstio do cateter, preparo ou administração de
medicações por via endovenosa
Higiene de mãos
• Após exposição a fluidos corporais: exposição a sangue, con-
tatos com fluidos contaminados, manipulação de capilares,
sistemas, bandejas
• Após tocar superfícies próximas ao paciente: após tocar a
máquina de hemodiálise/itens relacionados, utilizar compu-
tadores, retirar as luvas

• Local adequado para preparo da medicação: limpo e separa-


do da área de tratamento do paciente
• Preparação: higiene de mãos e colocação de novas luvas,
limpar a tampa de borracha com antisséptico, utilizar novas
Preparo e administração seringas e agulhas
de medicamentos • Administração: desinfecção com antisséptico da porta de
injeção, anexar a seringa de forma asséptica, descartar a
seringa
• Antissépticos adequados: clorexidina, iodopovidina, álcool a
70%

• Desinfecção do local de hemodiálise: antes do início da ses-


são, após a saída do paciente, aguardar tempo necessário
para a ação do desinfectante
• Rotina de desinfecção de nível baixo; em locais com sangue
ou fluidos visíveis, desinfecção de nível intermediário; dilui-
Desinfecção ção correta dos produtos
• Determinação de rotinas de desinfecção nas trocas de turnos
e funcionários responsáveis, assegurar treinamento e mate-
rial para a equipe
• Separação adequada de materiais limpos e contaminados

o que, considerando as características das duas doenças, não tem funda-


mento clínico. No KDIGO de 2008, o isolamento não era recomendado como
medida alternativa à adesão estrita das medidas universais de controle de
infecção24 (Quadro 8.2).

Quadro 8.2  Isolamento dos pacientes portadores de HCV.


ISOLAMENTO
NÃO: SE MEDIDAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO SÃO TOMADAS

• Falsa segurança: relaxamento em relação a precauções universais


• Questão logística: quatro grupos (baseados no HBV)
• Risco de infecção com um segundo genótipo
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A estratégia de otimizar e reforçar os cuidados universais parece bas-


tante eficaz em controlar a infecção pelo HCV e, portanto, é a sugestão de
muitos especialistas na área como medida primordial, sendo o isolamen-
to necessário quando essas práticas são falhas. Estudos observacionais
mostram que o isolamento não protegeu contra a infecção pelo HCV e nos
últimos guidelines do CDC essa atitude não é recomendada12. O uso de
máquinas isoladas também não se mostra eficaz já que vários estudos com
análise filogenética mostraram que o maior risco de adquirir o HCV ocorre
nos pacientes que dialisam próximos ao paciente infectado e não na mes-
ma máquina, ressaltando a importância dos cuidados de higiene entre as
trocas de turno, já que o mecanismo de transmissão pelos equipamentos
de hemodiálise single pass tornam remota, senão teórica, a possibilidade
de transmissão do vírus por caminhos internos, pois não é possível sua
passagem através da membrana intacta do dialisador. Sendo assim, as su-
perfícies contaminadas são as prováveis responsáveis pela transmissão,
por isso as desinfecções incompletas da máquina e demais superfícies são
fatores frequentemente identificados nas análises de surtos de HCV nas
unidades de diálise5,25.

Vírus DA HEPATITE B

INTRODUÇÃO
Da mesma forma que o HCV, os pacientes em HD estão em maior risco de
contrair hepatite B devido à transmissão nosocomial. Dados recentes do
Censo de Diálise de 2017 da Sociedade Brasileira de Nefrologia mostram
que a prevalência de pacientes portadores do vírus da hepatite B (HBV)
nas salas de HD vem em queda e encontra-se ao redor de 0,8%. Dados do
DOPPS dão conta de que as taxas de soroconversão oscilaram entre 0,4 e
1,8/100 pacientes/ano26-28.

DIAGNÓSTICO
A prevenção da infecção pelo HBV por meio de precauções universais e
vacinação é de importância crítica. A infecção por HBV nos pacientes em
diálise apresenta um problema clínico distinto, tendo em conta o efeito imu-
nossupressor da insuficiência renal, a susceptibilidade para a infecção de
novo e a transmissão nosocomial, com implicações no longo prazo sobre a
morbidade e a mortalidade, e a mudança no curso clínico após transplante­
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C   65

renal29. A história natural da infecção pelo HBV em pacientes em diálise


também pode variar de acordo com o tempo de infecção e o genótipo. Na
maioria­dos pacientes­em HD, o teste para o antígeno de superfície da he-
patite B (HBsAg) é suficiente para o diagnóstico da infecção pelo HBV. No
entanto, um teste HBsAg negativo não impede absolutamente a presença de
infecção por HBV oculta29,30 (Quadro 8.3).

Quadro 8.3  Marcadores virais para hepatite B em hemodiálise e diagnóstico soro­


lógico.
Aparecimento no sangue Não aparece no sangue Na hepatite crônica
Marcador
após exposição após a recuperação

HBsAg 10 semanas Após 4 a 6 meses Permanece positivo

Diagnóstico da Forma Aguda


Nos pacientes dialíticos, as manifestações da infecção aguda pelo HBV são
variáveis, sendo a positivação do HbsAg o selo diagnóstico dessa fase da
doença (Fig. 8.131). O antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) é a marca
sorológica da infecção pelo HBV32. No quadro agudo, o desaparecimento do
HBsAg é seguido pelo aparecimento do anticorpo (Anti-HBs), que confere
imunidade ao indivíduo. A infecção aguda, em pacientes em HD, é mais pro-
vável que resulte em infecções crônicas em comparação com indivíduos não
imunossuprimidos33. Em alguns pacientes, o Anti-HBs pode não ser detec-

Figura 8.1  Marcadores sorológicos na fase aguda da hepatite B (adaptado de Yim


e Lok31).
66  SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS

Alteração de TGP na unidade de diálise (UD) em pacientes susceptíveis:


diferentes cenários sorológicos

TGP mensal acima dos valores de referência/dobro do basal

Solicitar:
HBsAg | Anti-HBs | Anti-HBc IgM | Anti-HCV | RNA HCV *

HEPATITE B HEPATITE C

HBsAg – HBsAg – Anti-HCV + Cura:


Anti-HBs + Anti-HBs + RNA-HCV – Baixa viremia?
Anti-HBc IgM – Anti-HBc IgM –

Anti-HBc total + Anti-HBc total – Repetir


RNA-HCV
IMUNE IMUNE 12 semanas

Screening de rotina
Anti-HCV –
RNA-HCV +
HBsAg + HBsAg – + + Infecção
ativa
Anti-HBs – Anti-HBs – – + Anti-HCV +
Anti-HBc IgM + Anti-HBc + – + RNA-HCV +

Triagem de susceptíveis na UD: solicitar


Infecção Sorologias Anti-HCV MENSAL por 3 meses >
ativa atípicas TRIMESTRAL > SEMESTRAL (rotina)

Isolamento paciente, Não reúso. Manter sala branca. Não reúso.

HBeAg Avaliação hepática completa para


Solicitar Anti-HBe tratamento HCV
HBV-DNA

Susceptível?
Anti-HCV – Janela
Hemodiálise sala exclusiva RNA-HCV – imunológica
Isolamento capilar
Não reúso

Reavaliar sorologias em 12 semanas


HBsAg – Susceptível? Se negativas, buscar outras causas para
Anti-HBs – Janela elevação de TGP
Anti-HBc IgM – imunológica

* RNA-HCV não está incluído no PDCT do Ministério da Saúde para


DRC, porém o KDIGO sugere sua realização nas alterações de TGP

Figura 8.2  Alteração de TGP mensal na unidade de diálise em pacientes com soro­
logias negativas para HCV-HBV.
ABORDAGEM DOS PACIENTES PORTADORES DE HEPATITES B E C   67

tável, delimitando uma janela imunológica (HBsAg e Anti-HBs indetectáveis)­


que pode durar semanas a meses; nesse caso, o diagnóstico pode ser feito
pela detecção dos anticorpos IgM contra o antígeno do “core”, que é o Anti-
-HBc IgM. O antígeno do núcleo da hepatite B (HBcAg) é um antígeno intra-
celular que é expresso em hepatócitos infectados33,34.
Na fase aguda, os níveis de aminotransferases precisam ser interpretados
de acordo com a faixa normal ajustada, que é reconhecidamente menor em
pacientes em mais tempo em diálise13. Nível de transaminase baixo é uma
característica bem conhecida em pacientes nessa população, com ou sem
doença hepática. Consequentemente, o valor normal de transaminase deve
ser ajustado para baixo; caso contrário, a incidência ou gravidade da doença
hepática pode ser subestimada. Os níveis de 24 e 17 UI/L foram recomen-
dados como os limites superiores do normal para transaminase glutâmico
oxalacética (TGO) e TGP, respectivamente, em pacientes em HD. A aborda-
gem da elevação das transaminases nos indivíduos em diálise encontra-se
na figura 8.213,35.

Diagnóstico da Forma Crônica


Na maioria dos pacientes em hemodiálise, o teste de HBsAg é suficiente para
o diagnóstico de infecção pelo HBV. O diagnóstico de infecção crônica pelo
vírus B se dá pela persistência da detecção do vírus B por mais de seis me-
ses (Fig. 8.3). A infecção prévia pelo HBV é caracterizada pela presença­de

Figura 8.3  Marcadores sorológicos na fase crônica da hepatite B (adaptada de Yim


e Lok31).
68  SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS

anti-HBs e Anti-HBc IgG32-34. Em contraste com os níveis séricos­de enzimas­


hepáticas, que refletem a lise do hepatócito, a medição do DNA HBV no
soro fornece informações qualitativas ou quantitativas diretas sobre viremia.
A reação em cadeia da polimerase quantitativa em tempo real (PCR), para
avaliação da carga viral aumentou a sensibilidade diagnóstica, com limiar
da detecção entre 10 e 20 UI/ml/soro. A imunidade à infecção HBV após
a vacinação é indicada pela presença isolada de Anti-HBs, com Anti-HBc
negativo36-38.

Infecção Oculta
A infecção HBV oculta é definida como a presença do DNA HBV detectável
pela reação em cadeia da polimerase (PCR) nos pacientes que são negativos
para o HbsAg, e usualmente com resultado positivo para Anti-HBc IgG39-41.
Esses pacientes são subclassificados como “soropositivos” ou “soronega-
tivos” para HBV, dependendo da presença de outros marcadores do HBV,
mais comumente Anti-HBc total. A maioria desses pacientes (Anti-HBc total
positivos) têm níveis muito baixos ou indetectáveis do DNA viral que expli-
cam a falha em detectar o HBsAg e, consequentemente, um risco muito
baixo de transmissão nosocomial. Em todo caso, a solicitação do DNA HBV
(PCR) é util para avaliar a carga viral e é recomendável.

Interpretando os Marcadores de Hepatite B (Sorologia)


Na maioria das vezes, os pacientes chegam às unidades de diálise trazendo
seus marcadores sorológicos básicos, cabendo à equipe assistencial a in-
terpretação. Nos casos não adequadamente avaliados, pode-se contar com
marcadores virais adicionais que são extremamente úteis para diagnóstico e
confirmação da infecção pelo vírus B43. Alguns exemplos de sorologia e sua
interpretação encontram-se no quadro 8.4.

Quadro 8.4 Interpretação sorológica dos marcadores da hepatite B (adaptado de


LeFevre38).
HBsAg anti-HBc Anti-HBs HBeAg Anti-Hbe

Susceptível (–) (–) (–) (–) (–)

Imune (–) (+) IgG (+) (–) (+)

Vacinado (–) (–) (+) (–) (–)

Infecção aguda (+) (+) IgM (–) (+) (–) (–) (+)

Infecção crônica (+) (+) (–) (+) (–) (–) (+)


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PREVENÇÃO DA INFECÇÃO PELO HBV


EM UNIDADES DE DIÁLISE
Em contraste com outras infecções transmitidas pelo sangue, nos pacientes
com HBsAg (+), a carga circulante de HBV pode ser elevada, e o vírus pode
sobreviver por muitos dias em superfícies ambientais. Consequentemente,
os pacientes em programa de hemodiálise são um grupo de risco para in-
fecção nosocomial pelo HBV, que ocorre na maioria das vezes em razão
de medidas inadequadas de controle de infecção ou de quebra de rotinas
técnicas. Para evitar a transmissão nosocomial, as medidas de precaução
padrão devem ser rigorosamente seguidas42, particularmente os chamados
procedimentos de barreira.
Além dessas precauções padrão, medidas específicas para as unida-
des de HD também são importantes para evitar a infecção nosocomial pelo
HBV43, e incluem:
• Uso de luvas antes do contato com pacientes ou equipamento da diálise.
• Procedimentos de limpeza e desinfecção de rotina.
• Proibição de partilha de instrumentos ou medicamentos entre os doentes.
• Preparação e distribuição de medicamentos de uma área centralizada,
sem o emprego de carrinhos que, como fonte da medicação, circulem
pela unidade distribuindo doses.
• Rastreio regular do estado HBsAg (pelo menos anualmente) em indiví-
duos não imunes.
• Vacinação contra a hepatite B de pacientes e funcionários; recomenda-
-se manter apenas funcionários com Anti-HBs (+) atendendo a pacien-
tes com HBsAg (+).

Vacinação
A vacinação para hepatite B é recomendada a todos os pacientes suscep-
tíveis em HD crônica, como também àqueles em tratamento conservador,
pois neles a resposta vacinal é maior e mais duradoura. Na população renal
crônica, adotam-se quatro aplicações (0,1, 2, e 6 meses) de dose dobrada,
posto que verificou-se melhor resultado imunizador. Naqueles indivíduos não
respondedores (que não formaram Anti-HBs), pode-se repetir o esquema va-
cinal uma vez, e testar um a dois meses após a última dose com seguimen-
to anual. Naqueles que mais uma vez não produzem Anti-HBs, assumidos
como susceptíveis (ou não imunes), faz-se rastreio regular de HBsAg. Na-
queles que respondem ao primeiro ou segundo esquema, procura-se moni-
torar o Anti-HBs e adotar reforço vacinal (uma dose dupla de vacina) quando
70  SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇOS DE DIÁLISE – ROTINAS E PRÁTICAS

o Anti-HBs passa a apresentar títulos < 10 UI/ml. É importante lembrar ainda


que, após a vacinação, o paciente pode apresentar níveis circulantes detec-
táveis de HBsAg por até duas semanas42,43.

Conduta Quanto à Continuada Segregação de Pacientes


em que o HBsAg se Torna Negativo
Pacientes com infecção aguda ou crônica pelo HBV podem evoluir para a
resolução da infecção, com o surgimento de Anti-HBs reagente, o que esta-
belece o diagnóstico de cura da infecção e o paciente deve ser retirado da
sala dedicada aos HBsAg positivos.
Pacientes que, por outro lado, deixem de ter HBsAg positivo mas que
não mantêm Anti-HBs negativo devem ser mais bem estudados com outros
marcadores virais, inclusive o PCR HBV.

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