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Introdução ao Método da Análise de Conjuntura

Prof: Fábio Bezerra

Ao longo da História da Humanidade encontramos diversas formas de tentar


fundamentar o nosso entendimento sobre a realidade a qual estamos inseridos. As
manifestações mitológicas em suas diversas características certamente foram a primeira
tentativa de representação simbólica sobre as relações que os seres humanos
estabeleciam com a natureza e sobre os diversos fenômenos naturais que encantavam e
assombravam corações e mentes.
A medida que nossos ancestrais motivados por necessidades materiais diversas
(alimentar-se e proteger-se por exemplo) num contínuo processo de sobrevivência,
tiveram no atributo das práticas direcionadas sobre a natureza o elo que possibilitou tanto
o desenvolvimento cognitivo, quanto o desenvolvimento motor e sensorial.
Quando uma determinada prática era eficiente àquilo que se esperava, repetida por
várias vezes até mesmo por várias gerações, ela assumia em um determinado momento
um nível mais avançado de exprimir a existência humana, assumia a condição de
conhecimento técnico.
Nossa relação com o mundo se alterou substantivamente, agregando níveis de
conhecimento primário sobre como usar, quando usar e porquê usar certos materiais e
suas propriedades. Esse conhecimento primário sobre a natureza estabelecido por uma
relação empírica e objetiva, ou seja, pela experiência direta com a natureza, foi a base
fundamental do percurso do desenvolvimento humano.
Inevitavelmente as respostas mais imediatas sobre as causas e os sentidos desses
fenômenos assim como tudo aquilo que estivesse presente ao redor de nossos
antepassados era representado em modelos ideais que enalteciam de modo sobrenatural
os elementos presentes na nossa sobrevivência tais como a água, fogo, terra e ar por
exemplo.
Ou seja, desde os primórdios a humanidade possui uma inevitável necessidade de
dar significados, nomes e em uma etapa mais complexa, de estabelecer uma
conceituação mais ou menos sistemática sobre a origem e o sentido de tudo a sua volta.
Pronto! A problemática do entendimento dessa realidade estaria estabelecida, não
apenas como processo de nossa evolução mediada pelo desenvolvimento prático que

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fomos estabelecendo com a natureza e todos os desdobramentos dessa relação em
nossas vidas, ou seja, uma determinada formação social com divisão de funções a partir
do trabalho, técnicas e projeções idealizadas sobre a própria existência humana; mas
sobretudo como uma necessidade intelectual que evoluiu à medida que aumentamos
nosso domínio sobre a natureza, de modo a pautar a compreensão sobre o mundo ao
qual estamos inseridos, compreender seus fenômenos, as relações de causa e efeito e as
possíveis previsões do que pode ocorrer no futuro para assim se preparar com
antecedência.
Compreender a realidade a nossa volta e também o complexo mecanismo das relações
sociais que interagem com essa realidade é um dos traços da nossa evolução cultural e
demarca por sua vez uma certa esfera de Poder. O poder de compreender e antecipar
situações de modo a ter controle sobre possíveis acontecimentos e assim evitar ou
propiciar que certas condições possam ocorrer de acordo com interesses e perspectivas
desejados.
Desde que os seres humanos compreenderam a importância da avaliação do momento
presente e o conjunto de situações e fatos que podem possuir uma conexão direta com as
possíveis escolhas e as possiblidades possíveis, antecipando dessa forma quais as
melhores situações futuras que podem suceder-se, isso representou aos seres humanos
não apenas processar em seu entendimento a dinâmica dessa realidade, mas também a
sensação de controle sobre o futuro, possibilitando preparar-se ou antecipar possíveis
desdobramentos desejados ou não.
Usualmente chamamos esse mecanismo de: Análise de Conjuntura, ou Análise da
Realidade e esse mecanismo é tão antigo quanto a história das primeiras civilizações.
Do antigo reino da Suméria na Mesopotânea, ao Egito Antigo com seus sacerdotes, do
culto aos oráculos gregos ou as práticas de adivinhação dos xamãs até chegar aos
filósofos da natureza no período pré-socrático a cerCa de 2500 anos.
O que há de comum é a tentativa de compreender e explicar a realidade a nossa
volta e dessa forma, mesmo que consubstanciada em representações míticas de diversos
sentidos até chegar a uma perspectiva racional e sistemática, os seres humanos tentam
fazer esse esforço em compreender e dar sentido à realidade ao qual estão inseridos.
Mas antes de continuar há uma questão que se faz necessária.
O que é então a realidade?
Tradicionalmente classificamos a realidade como tudo aquilo que está presente ao
mundo e não depende de nós para existir, ou seja, tudo o que existe. Os oceanos,

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florestas, animais, montanhas e rios etc,etc, existem em um determinado espaço
independente de nossa vontade ou mesmo de nossa existência.
Mas essa é uma classificação que nem sempre foi aceita e traz outras questões
importantes.
Se a realidade é aquilo que existe de fato, então como classificaríamos a possibilidade da
ilusão? O que seria real pode ser considerado como verdade e a ilusão como falsidade?
Esse aspecto nos leva a uma outra questão. Que é justamente a relação de
conhecimento estabelecida entre Sujeito que pensa e sente (S) e o mundo, enquanto
Objeto (O) a ser apreendido pelas sensações empíricas que são estabelecidas com esse
mundo.
A realidade exterior existe porque o indivíduo existe e sente e reproduz
mentalmente essa realidade. Essa realidade exterior existe independente da existência
humana e nossas faculdades sensoriais e mentais são a expressão da influência dessa
realidade sobre nós.
E há aqueles que avaliavam
A ilusão pode ser entendida como uma forma de percepção da realidade que não
corresponde com a mesma, sobre nossa percepção sensível ou mesmo sobre nossa
capacidade de apreender os fenômenos. São, portanto formas de apreensão da
realidade, seja pelos nossos órgãos sensoriais (tato, olfato, audição, visão e paladar) seja
pela forma como somos acostumados ou induzidos a pensar (ideologia por exemplo
A conjuntura é, portanto, um conjunto de elementos que se inter-relacionam
mutuamente e possibilitam que a realidade possa ser compreendida de modo mais eficaz
e de acordo com o seu processo que é complexo e variado simultaneamente.

Cenários:

O Cenário compreende os aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e


tudo aquilo que possa influenciar nas ações e nas percepções dos indivíduos sobre o
ambiente ao qual estão envolvidas. Por exemplo:
- Um cenário de expansão econômica, mesmo com constantes problemas
ambientais e sociais, poderá ter percepções diferenciadas e por conseguinte, juízos de
valor e opiniões muito distintas de um cenário de crise econômica associada a problemas
ambientais e sociais.

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Na avaliação dos Cenários devemos ter atenção especial em relação a situação da
produção material e seus desdobramentos nas outras esferas da vida social, ou seja, nas
relações políticas locais, nas polêmicas e opiniões que se formam, e a forma como os
atores políticos se movimentam e quais as suas posturas, as tendências em curso e os
possíveis acontecimentos que mais influenciam e determinam as avaliações dos sujeitos.
Os cenários podem variar e dessa forma influenciar a forma como os atores atuam
na conjuntura. Por exemplo, em um cenário de extrema repressão política, como ocorreu
durante a Ditadura Militar, as possiblidades de efetuar a ação política são muito distintas
de um cenário de Democracia. Por isso a avaliação dos cenários é importante pois elas
indicam as possíveis tendências e perspectivas para a ação.

Contextos:
O Contexto geralmente é confundido com os Cenários, mas necessariamente não
são sinônimos.
O Contexto conjuntural deve ressaltar o histórico dos acontecimentos até o
momento presente, a tradição política de determinado ambiente, os aspectos históricos,
políticos, econômicos e as manifestações ideológicas mais recentes.
Esse patamar pode ser compreendido e deve correlacionar aspectos sociais
diversos que nem sempre são combinados mecanicamente.
No plano de conquistas de direitos e espaço político podemos definir em:
A) Expansão, Declínio e Retrocessos.
No plano da produção material podemos definir em:
B) Desenvolvimento, Estagnação ou Recessão.
Mas atenção, podemos ter processos de desenvolvimento da produção material
em uma determinada sociedade onde o contexto aponta por outros fatores, um
declínio ou mesmo retrocessos nas conquistas de direitos e espaço político!
Um processo de expansão da atividade econômica geralmente é acompanhado de
um processo de desenvolvimento de novas técnicas, sistemas de organização e
materiais, ou mesmo novos formas e processos produtivos, mas pode também revelar o
declínio de outras atividades econômicas e até mesmo o fim de postos de trabalho
específicos motivado pela apropriação tecnológica que a indústria capitalista possibilita.
Por isso nem toda sofisticação tecnológica que pode promover um
desenvolvimento que leva a novas formas de relações sociais e mercadorias mais

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sofisticadas, não corresponde, necessariamente, com o desenvolvimento da melhoria da
qualidade de vida das pessoas.
Também é importante frisar que o declínio de um ritmo produtivo levando a
estagnação econômica, não significa que o nível de lucratividade e circulação financeira
possa entrar em colapso imediatamente!
Da mesma forma, os retrocessos nas relações de produção até se chegar a um
quadro de recessão, ampliam e aguçam sobremaneira todas as contradições da
sociedade capitalista, intensificam as lutas, expõem as reais condições de subordinação e
exploração e os interesses das classes sociais e aumentam as tensões sociais, mas isso
por si só, não significa que as possíveis rupturas acontecerão de modo imediato como
condições mecânicas de causa e efeito, aonde uma crise recessiva leva, inevitavelmente,
a uma crise política e social que, por sua vez, inevitavelmente, levará a uma ruptura com
todo o sistema.
Em todo contexto conjuntural é importante ressaltar os costumes e outros aspectos
locais que podem influenciar na tomada de postura e nas atitudes das pessoas. Esses
aspectos podem ser culturais ou religiosos e geralmente condicionam a priori, as
avaliações e os juízos de valor que as pessoas fazem sobre determinados
acontecimentos e estão presentes no senso comum de uma determinada sociedade.

Ator Político.
Um ator político é tudo aquilo que possa representar um poder de influência sobre
o restante da sociedade, em um determinado cenário e contexto.
É importante ressaltar que Poder aqui empregado deve ser entendido como a
capacidade ou a possibilidade de promover uma ação e de produzir efeitos desejados em
uma ou mais pessoas, estabelecendo dessa forma dois polos que se interagem em um
processo , muitas vezes de forma conflituosa, ou seja, o polo de quem exerce o Poder e
aquele sobre o qual o Poder é exercido.
Esse polo que exerce o Poder deve possuir força no sentido de potência. Isso
significa que a força aqui nem sempre deve ser entendida como força física, pode ate sê-
lo, mas nem toda força que possibilita relações de Poder são pautadas apenas pela força
física.

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O ator político pode ser uma instituição política: Câmera dos Deputados ou dos
vereadores, uma instituição religiosa como as Igrejas, um Grupo Financeiro, um programa
de mídia ou de comunicação e entretenimento: TVs, rádios, youtubers, blogs por exemplo,
partidos políticos, sindicatos, associações culturais ou pessoas físicas: lideranças
populares, comunicadores, religiosos, professores(as) etc.

A correlação de forças:
Os atores políticos estão sempre em movimento à medida que novos
acontecimentos e configurações no cenário conjuntural possibilitam oportunidades para
isso. Da mesma forma que esses atores políticos mediante o contexto alteram a
intensidade das relações que estabelecem entre si, podendo ser de cooperação e
pareceria de acordo com os interesses táticos ou estratégicos até de disputa e destruição.
Mas lembre-se que nem toda disputa entre atores políticos independente da esfera
da análise: local, regional, nacional ou internacional, necessariamente irão levar a uma
destruição dos atores envolvidos. Um bom exemplo disso são as disputas entre membros
da classe dominante que quando se sentem ameaçados por outras forças revolucionárias,
esquecem suas desavenças momentaneamente e se unem para lutar e destruir o inimigo
comum.
A correlação de forças nos revela a intensidade e as formas como os atores
políticos se relacionam nos cenários e nos contextos presentes e estipula possíveis
tendências que poderão ocorrer dessas relações estabelecidas. Uma boa forma de avaliar
a correlação de forças é a alteração quantitativa e qualitativa nos acontecimentos, por
exemplo:
Mudanças qualitativas: Intensidade no discurso (conciliador, ponderado,
contestador, colérico e difamatória etc), mudanças nas atitudes, nas ideias, naquilo que se
foca a atenção.
Mudanças quantitativas: A diversificação de instrumentos de ação, a quantidade de
votos em uma eleição, o aumento ou a diminuição de apoio em uma pesquisa de opinião,
aumento de aliados ou de não aliados, por exemplo.
Um dos maiores desafios é conseguir identificar com precisão qual a essência das
contradições entre Atores Políticos de uma mesma classe social ou em um mesmo
segmento de classe por exemplo. Isso possibilita compreender as tensões e suas
variantes e a forma como essa correlação de forças se dá.

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Acontecimentos e Fatos:
Todos os dias acontecem fatos diversos. Uma ponte que cai, um pronunciamento
de uma autoridade, uma greve ou simplesmente um acidente de trânsito. A diferença
entre um fato e um acontecimento está em sua intensidade e desdobramentos na vida
social.
Por exemplo:
-Nesse exato momento uma estrada de terra que liga dois distritos pequenos de
um município qualquer do interior do Brasil pode ter sido interditado pela queda de uma
árvore.
Isso é um fato, mas não corresponde com um acontecimento de grandes
proporções ao patamar de paralisar a circulação das pessoas daquele município ou
interromper a produção de uma região ou de um Estado, pois não afetou
substancialmente a vida das pessoas. Todos os dias temos fatos novos e diversos, mas
nem todos se tornam acontecimentos de relevância a ponto de alterar a rotina e
influenciar na vida das pessoas significativamente.
Um acontecimento é geralmente medido pela sua intensidade e a sua relevância
na dinâmica da vida humana, alterando a rotina, a qualidade de vida, a estrutura
produtiva, as relações sociais e a percepção de um contingente razoável de pessoas
sobre a sua condição e sobre o meio em que estão inseridos.
Os fatos podem variar de importância para cada indivíduo da mesma forma que os
acontecimentos também podem variar e ser percebidos de modo distintos. Por exemplo, o
falecimento de um assalariado em uma família de desempregados torna-se muito
preocupante para os membros dessa família, mas para outras pessoas, em seu entorno,
pode passar por desapercebido.
A análise dos acontecimentos deve ter o cuidado de salientar os possíveis sentidos
e percepções que estes acontecimentos podem enunciar para um grupo social ou uma
classe em relação ao contexto e a identificação de quais são os principais acontecimentos
e sua relevância na vida social é um dos principais elementos para se analisar a
conjuntura.

Alguns cuidados:

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Geralmente as análises de conjuntura mais corriqueiras representam as versões
esquemáticas que a ideologia dominante e conservadora nos faz acreditar corresponder
com a realidade. Além disso é possível fazer análises muito diversas da realidade a partir
de princípios metodológicos e de interpretações idealizadas sobre essa realidade que por
sua vez irão ilustrar cenários e contextos, sem que isso possa de fato corresponder à
realidade concreta.
Por exemplo, um personagem que prefere diluir as relações humanas em
perspectivas místicas ou em ideias conservadoras baseadas em justificativas religiosas,
tenderá a simplificar ou naturalizar e desconsiderar determinadas situações e dessa
forma, acaba correspondendo com os esquemas analíticos tradicionais.
Não se faz uma análise de fato, mas sim uma contemplação ou apenas uma
justificação daquilo que a Ideologia dominante procura através de vários mecanismos nos
fazer crer como uma verdade sobre a realidade.
Conceitos conservadores que tentam justificar as diferenças de classe, de gênero,
as diferenças nas condições de existência entre regiões e povos a partir de teorias
racistas, étnicas ou mesmo pela predileção divina, não ajudam a desvendar os segredos
e as contradições objetivas que existem nas relações sociais e a devida correspondência
dessas contradições com as demais esferas da vida social humana.
Analisar a Conjuntura é ao mesmo tempo decodificar todo o conjunto de elementos
e situações que compõe o cenário que se avalia, buscando correlacionar esses elementos
e situações de modo a buscar compreender não apenas como se estrutura esses
processos, mas também e sobretudo, compreender a sua essência desse processo a
partir, dinâmica e os possíveis sentidos que podem ser derivados.

Um outro exemplo que perpassa por modelos de método de análise, muito comum
em avaliações mais simplistas e conservadoras é não reconhecer a possiblidade da
mudança que as contradições presentes em um determinado contexto, operam no
processo contínuo das relações sociais e que essas contradições influenciam nas
mudanças de cenários e de forças entre os atores políticos possibilitando alterações do
próprio cenário e até na correlação de forças entre os Atores Políticos envolvidos.
Muitas vezes percebemos análises de conjuntura que se esforçam em reduzir o
fato de haver mudanças a meros fenômenos rotineiros da existência humana e que não
alteram em nada a essência das coisas que já estão determinadas pela tradição, pela

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providência de uma força divina, ou pelo “contrato social” ou outra variante que explica as
nossa existência.
Uma boa análise de conjuntura deve levar em conta quais são os parâmetros, as
referências de compreensão da realidade para se evitar avaliações mistificadas ou que
partem de concepções que idealizam a realidade em mecanismos que negam a dinâmica,
a mudança, a transformação.
Duas concepções distintas que norteiam nossa avaliação.
Desde a antiguidade, em especial na Grécia antiga, os filósofos procuraram
tematizar essa constante relação entre sujeito e objeto, consciência que pensa e mundo a
ser compreendido, na tentativa de apresentar um modelo que nos aproximasse de uma
avaliação que fosse verossímil, ou seja, que correspondesse com a verdade.
Podemos destacar dois grandes pensadores que de certa forma demarcaram
decisivamente o campo da Teoria do Conhecimento e influenciaram a tradição filosófica
até nossos dias.
Parmênides de Eleia e Heráclito de Éfeso.
Vejamos as principais teses do filósofo Parmênides:
Para ele a busca sobre o conhecimento do mundo e sobre a realidade esbarrava
na mudança constante do estado das coisas e nos enganos a que os nossos sentidos e
as opiniões mais rasas poderiam nos levar.

Como compreender, segundo Parmênides, um mundo no qual pela manhã um fruto


está verde e à noite está maduro; um homem que queima em febre, mas geme de frio.

Dessa forma Parmênides considerava que para a razão conceber a verdade


sobre a realidade a nossa volta seria necessário se contrapor as mudanças e o
conhecimento vindos de nossas experiências e sensações.
O princípio da verdade para Parmênides está na identidade do ser.
“ (...) o ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de modo algum.
O ser, portanto, é e deve ser afirmado, o não-ser não é e deve ser negado, e está é a
verdade(...)” ( História da Filosofia vol. 1)

Para ele, só através do pensamento é que o homem seria capaz de compreender a


verdade e a essência do mundo, pois as nossas sensações são limitadas e nos levam
com freqüência ao engano.

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Essa “essência”, ao qual Parmênides se referia, deveria ser sempre idêntica a si
mesma, imutável, eterna e ao mesmo tempo invisível e imperceptível aos nossos
sentidos. Só assim, através do pensamento é que teríamos acesso à verdade das coisas.
A realidade para Parmênides não aceita a tese de contraditórios coexistirem
simultaneamente e está marcada pelo princípio da identidade e essa seria a essência de
todo o Ser.

Essa formulação de Parmênides ganhou diversos adeptos, entre eles Platão e


Aristóteles dois dos grandes formuladores da tradição filosófica e da metafísica
antiga. Aristóteles desenvolverá essa formulação a partir do princípio da não-contradição,
em princípio da Lógica antiga que influenciou todo o pensamento lógico ocidental.

I- Princípio da Identidade.

Esse princípio consiste em preferir a imobilidade ao movimento e a


identidade à mudança, deste método resulta toda uma concepção do mundo da
metafísica.

É daí que surgem teorias que afirmam que: “Os homens são sempre os mesmos”,
as sociedades são sempre iguais, pois sempre houve ricos e pobres e sempre haverá
diferenças sociais, homens e mulheres sempre possuíram e possuirão funções distintas.

Estas expressões são o reflexo de uma tradição antiga que expõe um determinado
método de apreensão da realidade procurando conservar determinadas situações.
Essa concepção da identidade sempre procura dispersar a ideia de mudança, de
transformação e de contradição.
É comum dizer que uma casa construída há um ano “continua a mesma” após
alguns anos; que uma pedra colocada para ornamentar um jardim continuará a mesma
daqui a cinco ou dez anos se não a tirarmos do lugar, ou que as coisas continuaram as
mesmas e dessa forma seria perda de tempo esperar mudanças significativas.
Porém, o que se verifica é justamente o contrário: tanto a casa quanto a pedra
sofrem aos poucos mudanças, às vezes pequenas, mas o suficiente para demonstrar que
as coisas estão em constante mudança.

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A partir do momento em que a metafísica só concebe as coisas e a realidade em
sua identidade, isso acaba levando o nosso pensamento a separar tudo aquilo que não
for idêntico e a não relacionar as coisas. Daí resulta a segunda característica do método
metafísico:

II- Isolamento das coisas.

Normalmente, somos levados pelo hábito a classificar as coisas e a isolá-las,


separá-las uma das outras, não vendo nestas, traços em comum ou relações mútuas.
Costumam separar o Estado em geral do tipo de sociedade, a cultura da política ou
da economia.
Esse tipo de procedimento faz-nos ignorar as possíveis relações que as coisas ou
áreas de estudo podem ter umas com as outras.

III- Divisões Eternas e Intransponíveis.

A 3ª característica da metafísica seria: a da divisões eternas e intransponíveis


entre a coisas.
Essa prática consiste em separar e classificar as coisas e não ver a
possibilidade de haver conexões com outras coisas, que possa explicar a sua
existência e sentido.
Por exemplo, ao estudar o Estado enquanto um elemento jurídico isolando-o das
outras relações que determinam a sua existência.
É importante ter claro que não é pelo simples fato de introduzir divisões que
se é metafísico e sim pelo modo como se estabelecem as diferenças, as relações
entre as divisões. É assim que percebemos seu conteúdo metafísico. Vejamos:
Quando um professor demonstra aos alunos que há na sociedade capitalista uma
divisão básica entre duas classes: a dos proprietários (burguesia) e a dos proletários
(detentores da força - de - trabalho) e se explica as relações de dependência econômica
entre estas classes, as quais, por sua vez, podem ser transformadas, produz uma análise
que apresenta a interrelação existente entre partes a priori distintas, mas que estão
ligadas a um mesmo processo de produção econômica.

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Agora, se este mesmo professor ensinasse que, nas sociedades antigas e inclusive
na capitalista, sempre existiram ricos e pobres e sempre existirá essa divisão, que estas
classes são distintas e não se relacionam, refutando qualquer possibilidade de mudança,
aqui se verifica uma típica maneira metafísica de raciocinar. “Classifica-se para sempre as
coisas independentes uma das outras e estabelece-se entre elas divisões, muros
intransponíveis”.
Aristóteles foi discípulo de Platão e organizou o pensamento grego entorno dos
fundamentos da lógica formal. Os princípios da lógica estão na base do raciocínio
metafísico.

IV- Oposição à ideia de relação entre as Forças Contrárias.

Essa é a quarta característica do método metafísico.


Ao estudarmos as três últimas características da metafísica:
a) princípio da identidade.
b) O isolamento das coisas.
c) As divisões externas e intransponíveis.
Chegaremos à conclusão que para o método metafísico as coisas são diferentes
umas das outras e sendo assim diferentes e contrárias.
Sendo assim, para um metafísico, a vida é a vida e a morte é a morte, não se
misturam. É impossível que esteja morto e vivo ao mesmo tempo, pois estes conceitos
são contrários e se excluem.
Buscar uma terceira alternativa, na visão metafísica seria um absurdo lógico, uma
impossibilidade.
Esse raciocínio é justamente a ideia de opor-se a qualquer possibilidade de
relação entre situações contrárias em um mesmo ambiente ou momento histórico.
A análise marxista é completamente diferente.
Para um marxista a ditadura do proletariado é a um tempo a ditadura da classe
trabalhadora, do povo sobre os interesses da burguesia e esta é democrática pois
corresponde com os interesses da maioria da população.
A vida por sua vez contém a morte em si, pois a cada dia milhares de células
morrem para que outras as substituam. Da mesma forma em um cadáver certas células
conseguem sobreviver por algum tempo e novos organismos se desenvolvem da matéria
em decomposição.

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Para o marxista ao contrário dos metafísicos, tudo muda e esta em constante
movimento.
“Para o metafísico, as coisas e os seus reflexos no pensamento são objetos de
estudos isolados, considerando-os um após outro e um sem o outro, fixos e ao mesmo
tempo rígidos; dados de uma vez para sempre. Pensa apenas em antíteses, sem meio
termo. Diz: sim, sim, não, não e o que está para além disso, nada vale. Para ele uma
coisa existe ou não existe; uma coisa não pode ser ao mesmo tempo ela própria e uma
outra. O positivo e o negativo excluem-se absolutamente; a causa e o efeito opõem-se de
maneira completamente rígida.” ( Anti-Duhring).

Heráclito de Éfeso (cerca de 540 a 480 antes de nossa era) afirmava que a
realidade (a natureza) é um perpétuo vir a ser, um constante movimento das coisas que
são ao mesmo tempo elas mesmas e as suas contrárias que se transformam umas nas
outras.
“É uma mesma coisa ser vivo e ser morto, desperto
ou adormecido, jovem e velho, essas coisas se transformam
umas nas outras e são de novo transformadas” (fragmento
88- Coleção Os Pensadores).

Para Heráclito a realidade seria um fluxo permanente de contradições, que


posteriormente passaram a ser tematizadas como concepção dialética. Esse fluxo está na
estrutura contraditória do real.
É célebre a passagem de um fragmento de seu pensamento que diz:
De quem desce ao mesmo rio, vem ao encontro águas sempre
novas.
Não se pode descer duas vezes ao mesmo rio e não se pode tocar
duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, mas por causa da
impetuosidade e da velocidade da mudança, dispersa-se e recolhe-se, vem
e vai. Descemos e não descemos ao mesmo rio, nós mesmos somos e não
somos. (História da Filosofia Antiga, vol.1)

Portanto, nada permanece como está, tudo flui e tudo é um devir e este devir das
coisas, que estão sempre em mudança é justamente a essência da realidade.

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As afirmações de Heráclito, inovadoras e polêmicas para a sua época causaram
variadas manifestações entre os filósofos, pois ele propunha ao mesmo tempo a
mudança e a contradição como a “essência” da natureza e dos homens, negando
as leituras que se baseavam na ideia de imutabilidade, permanência a uma só
identidade.

Os Opostos e a Síntese dos Opostos.

A realidade para Heráclito seria caracterizada por um fluir das coisas de um


contrário ao outro. Aristóteles assim exemplificava o pensamento de Heráclito:
“ As coisas frias se aquecem, as coisas quentes se esfriam, as coisas úmidas
secam, as coisas secas umedecem” ( Aristóteles: Metafísica- História da Filosofia Antiga)
Esse devir é sempre um contínuo conflito dos contrários, uma “perene luta” que por
sua vez nos revelam uma harmonia resultante dos contrastes.
“É por essa superior harmonia que os contrários, embora só podendo existir em
oposição recíproca, dão um ao outro o seu sentido:
A doença torna-se doce a saúde, a fome torna doce a saciedade e a fadiga torna
doce o repouso” ( Fragmentos- Diels-Kranz História da Filosofia Antiga)
É justamente na síntese dos opostos o princípio que explica toda a realidade.

A base das concepções de Heráclito e Parmênides fundamentam as concepções


dialética e metafísica respectivamente ao longo da tradição histórica do pensamento
filosófico ocidental.
A concepção dialética por sua vez, carente de conhecimentos científicos, que só
viriam séculos mais tarde, acabou sendo perpassada pela forma de análise metafísica
que se evidenciou na Idade Média com a apropriação do pensamento platônico e
aristotélico pela Igreja Católica dando assim um arcabouço formal e teórico que
estruturasse e justificasse a teologia cristã à época.
Durante a Idade Média, devido à influência dos estudos dos textos gregos, alguns
teólogos trataram a dialética como um exercício de contraposição de ideias e argumentos
até se chegar a um conceito que fosse irrefutável racionalmente e correspondesse à fé
cristã.
Com a Renascença e a valorização do homem como o centro do universo, através
do movimento Humanista, o pensamento filosófico e especulativo conseguiu se

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desprender da teologia e passou a refletir sobre os fenômenos físicos e sociais e políticos
sem a tutela dos dogmas religiosos.
Pensadores como Galileu Galilei, Giordano Bruno, Maquiavél, Montaigne, entre
outros, contribuíram através de suas análises com a retomada da concepção dialética,
ressaltando elementos típicos da dialética pré-socrática, tais como: as ideias de
contradição, transformação e movimento constante.

Ao longo do tempo, foram produzidas uma variada gama de representações


subjetivas sobre nossa própria natureza, nossos hábitos e costumes individuais e
coletivos e o nosso sentido de viver.
Mas independente das variadas formas de se conceituar a vida cultural, devemos
sempre partir daquilo que é fundamental e é comum a existência de qualquer ser humano
em qualquer época e em qualquer lugar; independente da etnia, da cor da pele, da
religião ou da nacionalidade ,ou seja, esse fundamento é a forma como efetivamos nossa
existência material desde os primórdios até os dias de hoje e como essa forma de
existência material determina nossa sociabilidade em todos os aspectos.

O Trabalho e a Sociedade Humana

Geralmente de modo mais simplificado o


trabalho é compreendido como todo exercício humano
que atua sobre a natureza, possibilitando extrair dela
condições que possam garantir a sobrevivência
humana desde os primórdios até nossos dias.
Mas devemos pensar em processo do trabalho,
pois essa categoria transcende apenas o agir-fazer
sendo a categoria fundamental da existência e da
sociabilidade humana ao longo da História.
Através do trabalho os seres humanos transformam a natureza e também se
humanizam. Isso significa que além de transformar a natureza física obtendo objetos ou
condições para a ampliação da produção de produtos necessários a sua sobrevivência, a
prática do trabalho também possibilita transformar a capacidade de aquisição de
conhecimento dos homens e também determina as suas relações sociais.

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Isso acontece porque através da
prática, os seres humanos tomam contato com
os objetos na natureza, passam a conhecer
melhor suas potencias e também condicionam
melhor a sua capacidade de produção, através
da repetição de gestos e o desenvolvimento
mecânico do domínio da forma como se
exercita. Esse tipo de conhecimento,
quando se aprimora a um ponto em que os
seres humanos são capazes de repetir
inúmeras vezes o mesmo trabalho, com significativa perfeição dando-lhes
condições de até ensinar o manejo das ferramentas e práticas de trabalho a outro,
se chama técnica.

Quando a técnica é empregada na produção, possibilita um aumento do ritmo


produtivo em um menor tempo e isso possibilita ao conjunto dos seres humanos
dividirem seu tempo em outras especialidades que somadas, suprem as necessidades
diversas do coletivo, dando assim condições de manter a existência da comunidade em
melhores condições.

Dessa forma, através do trabalho, os seres humanos promovem uma divisão social
de funções e através dessas divisão de trabalho entre seus membros, se estabelece uma
relação social onde todos passam a ter um reconhecimento como membros da
comunidade, pois todos em alguma medida se incumbem de manter a existência social da
comunidade através de suas funções específicas que são necessárias para suprir as
necessidades do grupo.

À medida que a Técnica se aperfeiçoa e a comunidade


cresce, novas necessidades ocorrem e novas divisões de trabalho
vão ocorrendo também, ampliando mais ainda as especificidades
de funções entre os membros da sociedade. Assim surgem os
especialistas em agricultura, em artesanato, em defesa, em

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construções, em pesca e criação de animais para o abate entre outras atividades.

Todo o excedente da produção (aquilo que é produzido a mais para atender as


necessidades de um grupo) passa a ser comercializado com outros grupos sociais,
correspondendo a um certo tipo de comércio de mercadorias. Nesse sentido o objeto
produzido, que possui um valor de uso específico, inicialmente, torna-se uma mercadoria,
ou seja, um produto que possui um valor de troca. Ou seja, pode ser trocado um quilo de
feijão por dois quilos de peixe por exemplo.
O que vai determinar o valor de troca entre essas mercadorias é o tempo de
trabalho que foi investido em cada uma delas. Dessa forma o trabalho socialmente
empregado, também determina o valor que uma mercadoria irá ter.

Toda essa relação entre seres humanos e natureza através do trabalho, produz
uma vida social intensa, direcionada por habilidades técnicas, que tem como base a
produção de bens e serviços necessários à nossa existência. Esse processo pressupõe
duas condições fundamentais.

Os Meios de Produção e as Forças Produtivas.


Mas o que são Meios de Produção?

-Meios de Produção são os meios pelos quais uma


determinada sociedade consegue produzir todos os
produtos necessários para a sua existência. Por exemplo,
na antiguidade a terra era o principal meio de produção,
pois dela se extraia os produtos agrícolas, a criação de
animais para o abate, e a produção de matérias-primas
para a produção de outros produtos necessários a nossa
existência, por exemplo: madeira para a construção de casas e barcos e ferramentas,
minerais para a produção de ferramentas diversas, argila para a produção de tijolos, etc.

Na idade moderna, principalmente após o século XIX,


as fábricas também passaram a ser outro meio de produção
fundamental, pois nesses espaços diversos produtos que

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antes eram feitos em pequenas oficinas passaram a ser produzidos em larga escala,
passando a serem consumidos cada vez mais e tornando-se presentes cada vez mais em
nossas vidas. Por exemplo: eletrodomésticos, automóveis, máquinas diversas, remédios,
cosméticos, etc.

E o que são as Forças Produtivas?

- Forças Produtivas são a capacidade que uma


sociedade possui para produzir todos os
produtos necessários para a sua existência.

Essas Forças Produtivas são basicamente a


Força de Trabalho Humana (Homens e
Mulheres) aptos a produzirem mercadorias e a
capacidade de desenvolvimento tecnológico
presente nessa produção, ou seja, o grau de conhecimento científico e técnico, o
aperfeiçoamento das técnicas envolvidas, os instrumentos utilizados, o modelo de
organização da produção em série que poderão potencializar o ritmo da produção.

A Relação Social estabelecida a partir dessas


relações de produção desenvolvidas entre os seres
humanos, que parte de uma divisão social do trabalho
específica e a relação com os Meios de Produção, em um
determinado contexto histórico, chamamos de Modo de
Produção. Ou seja, em cada época da sociedade humana,
os indivíduos possuíram um determinado Modo de Produção Social, que variou com o
tempo.
Podemos classificar os seguintes Modos de Produção:

1- Primitivo ( Quando a Terra pertencia a todos na sociedade e a produção dos bens de


consumo era determinada para atender as necessidades básicas, os indivíduos
trabalhavam em conjunto, os frutos do trabalho eram coletivos, não existia propriedade
privada)

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2- Escravista ( A Terra pertence a um determinado grupo social e a produção é baseada
no trabalho forçado. Não há salários Os frutos do trabalho não são divididos de acordo
com as necessidades de cada um).

3- Feudal ( A Terra pertence a um senhor, os agricultores podem cultivá-la mas devem


pagar impostos e outras prestações de serviços como forma de aluguel pela uso da
propriedade. A produção pertence ao senhor e este concede apenas uma parcela para
subsistência ao produtor).

4- Capitalista ( A Terra e as Fábricas pertence a um determinado grupo social (


Burguesia), a produção tem como finalidade a obtenção de lucro através da mercadoria.
Os trabalhadores negociam em condições muito complexas a sua força de trabalho
através de contratos que lhes submetem um salário e condições de trabalho específicos,
sem lhes proporcionar a posse do que produzem. A força de Trabalho também passa a
ser uma mercadoria).

5- Socialista ( Os Meios de Produção ( Terra e Fábricas) passam a ser propriedade do


Estado que representa a maioria da população ( trabalhadores(as) ). A produção é
planejada de acordo com as necessidades sociais e a obtenção da riqueza advinda do
comércio é socializada de modo que se possa garantir uma existência digna)

Um Modo de Produção não pode ser restringindo apenas à produção, circulação e


ao consumo de mercadorias em um determinado momento histórico.
Devemos compreender o Modo de Produção, como um processo mais complexo e
em sua totalidade. Complexo porque esses processos produtivos estabelecem diversas
formas de relações sociais que por sua vez estruturam também diversas expressões e
entendimentos conceituais sobre a existência humana e seu sentido.
Nesse aspecto, as relações sociais de produção também determinam uma
complexa estrutura de simbologias, representações, ideias, costumes, hábitos e outros
parâmetros éticos e jurídicos que normatizam e condicionam a compreensão subjetiva
dos indivíduos sobre si e sobre a realidade, condicionando por sua vez formas de
interação social, atitudes práticas perante problemas sociais e situações da vida privada
que em última instância correspondem com um determinado modelo de sociabilidade que
se espelha na produção material, mas não se resume apenas a isso.

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Esse processo é totalizante porque envolve ao mesmo tempo uma determinada
forma de existência que combina em si dois aspectos que se inter-relacionam, o objetivo e
o subjetivo, que parecem ser distintos, mas na realidade são a expressão de um mesmo
processo.
Os aspectos objetivos desse processo, podem ser compreendidos através da
forma como se estabelecem as relações entre as forças produtivas e os meios de
produção material da vida. Os aspectos subjetivos, por sua vez, compreendem as
manifestações de juízo de valor ético ou estético sobre algo ou alguma situação, as
referências de validade e as formas de consciência.

Consciência, Alienação e Ideologia

A noção de consciência não se pode restringir apenas a ter conhecimento sobre


algo. Quando se diz consciência deve-se pensar no processo de formação da consciência
porque toda consciência sobre a realidade é um processo de formação estabelecido pelas
relações humanas que estão na base material da existência.
Devemos pensar em processo de consciência pois a consciência está sempre em
movimento, apreendendo novos entendimentos, vivenciando contradições e novas
experiências que possibilitam fases distintas e novas de compreensão da realidade.
Essa representação mental (subjetiva) de uma realidade externa (objetiva) se
estabelece pela percepção imediata que o sujeito estabelece com o mundo e não pode
ser restringida apenas a questões fisiológicas como o fato de ter um cérebro que
processa as informações que os sentidos lhe informam.
Os indivíduos inseridos em um determinado contexto histórico com determinadas
relações sociais tendem a abstrair da totalidade da realidade partes decodificadas, ora
pela tradição de costumes estabelecidos, ora pelas experiências estabelecidas com
outras pessoas, dessa forma a tendência é compreender o todo por partes e reproduzir
subjetivamente essas particularidades imediatas como se fossem a correspondência do
todo.
Essa concepção de consciência é aquilo que costumeiramente costuma-se chamar de
senso comum.
O senso comum é um juízo generalizado sobre a realidade, geralmente limitado e
imediatista, ou seja, estabelece correlações simplificadas entre os fenômenos e

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acontecimentos a determinadas ideias pré-estabelecidas e costumes que correspondem a
um padrão de representações generalizado.
O senso comum não é a não consciência como alguns assim o traduzem, mas sim
uma forma alienada de manifestação da consciência, em um estado preliminar.
É importante salientar que esse padrão generalizado e alienado, pode também
sofrer alterações. Mas é um equívoco achar que a partir do senso comum emerge algum
nível de consciência não alienada, pois o senso comum é tipicamente a manifestação de
consciências alienadas.
As informações podem chegar aos indivíduos também por conhecimentos
repassados por determinados modelos educacionais e sobretudo pelas versões que
mecanismos de informação e comunicação nos repassam diariamente.
Mas todo processo de consciência é estabelecido por relações vividas pelos
indivíduos e a primeira forma que se estabelece um processo de consciência é através da
família, evoluindo para etapas que envolvem a vida escolar e a vida produtiva.

Alienação e Ideologia.

A expressão ideologia foi criada pelo francês Destutt de Tracy no início do século
XIX. E de modo geral foi utilizada para designar a formação das ideias, conceitos e visões
de mundo em uma determinada sociedade em um determinado espaço e tempo. Ou seja,
segundo De Tracy a conceituação ideológica pode variar com o tempo.
Para os seguidores de De Tracy, nomeados por Napoleão de ideólogos, a
ideologia seria uma espécie de ciências das ideias e a partir dessa ciência tudo poderia
ser explicado e justificado. Todo o conjunto das manifestações da cultura humana e
também as interpretações diversas sobre a realidade social estariam sobre o domínio da
ciência da ideologia.
Esse conceito foi utilizado por diversos intelectuais, entre eles: Comte, Durkheim,
Weber entre outros. Mas foi com Karl Marx que o conceito de ideologia e o conceito de
alienação foram tratados em conjunto como fenômenos de um mesmo processo de
dominação.
A expressão alienação provém do termo latino: “alienare” que quer dizer “afastar”, “
que pertence a outro”.

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Em seus variados sentidos, a palavra alienação nos traz a ideia de “perda”, de não
“pertencimento” de algo que lhe é estranho.
O processo de alienação, em modo geral, é um processo que corresponde a um
estranhamento que o trabalhador estabelece com o meio em que está inserido, quando
não se reconhece naquilo que desenvolve, tornando-se “alheio”, estranho a si próprio e de
certa forma uma perda de referência sobre o real.
Marx havia identificado, em seus estudos de juventude, três estágios de alienação
no processo social.
“ Assim como o trabalho alienado aliena do homem a natureza e aliena o homem de si
mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, ele o aliena da própria
espécie(...)
Uma consequência direta da alienação do homem com relação ao produto do seu
trabalho, a sua atividade vital e a vida da sua espécie é o fato de que o homem se aliena
dos outros homems(...)”
( Manuscritos Econômicos e Filosóficos)

Uma alienação primária, que é aquela estabelecida inicialmente entre os seres


humanos e a natureza quando através do trabalho há uma negação sobre a própria
natureza em sua forma originária.
Uma alienação secundária, quando através de uma determinada forma de
produção o produto desenvolvido pelo produtor lhe é estranho, pois este não apreende
em sua totalidade o sentido daquilo que produz, que se apresenta de forma segmentada e
que não se reconhece ou sente satisfação ao desempenhá-lo.
E um terceiro nível de alienação, quando os seres humanos submetidos a níveis
diversos de segmentação e intenso ritmo de trabalho, perdem as referências entre as
relações humanas passando a relacionar-se como coisas, como objetos com valores
morais e sentidos existenciais regidos pela lógica mercantil, ou seja, as pessoas se veem
como mercadorias, como instrumentos para aquisição de algo ou bens e meios de
consumo. Não se compreendem mais como seres humanos.
Esses dois últimos níveis de alienação, se associam à ideologia segundo Marx.
Esse processo de alienação está condicionado pela estrutura produtiva, quando os
meios de produção através do surgimento da propriedade privada, estabelece uma nova e
conflituosa relação com as forças produtivas, submetendo-as a um processo de
exploração e subjugação social constante.

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Um dos primeiros traços desse processo é a divisão da sociedade em classes
sociais, com a predominância da separação entre o trabalho manual e o intelectual, onde
os trabalhadores(as) perdem a autonomia e a consciência da totalidade, ou seja, de si e
daquilo que fundamenta a sua existência e das reais condições das suas relações
estabelecidas uns com os outros.
Mas segundo Marx, o processo de alienação só pode se completar em uma
sociedade de classes, regida através da propriedade privada dos meios de produção, em
conexão e sobretudo com a influência cotidiana de mecanismos ideológicos.
Na economia capitalista por exemplo, predomina a lógica do mercado, aonde tudo
é determinado por valores de troca e dessa forma possuem um preço e se tornam
mercadorias.
O trabalho alienado é aquele que priva e condiciona ao trabalhador um duplo
sentido.
Aliena ao trabalhador mediante um salário, um determinado valor de troca,
transformando-o em uma mercadoria e expropriando o excedente da sua produção na
forma de mais-trabalho ou mais-valia e condicionando
Segundo Marx, a ideologia é o conjunto de representações cognitivas, normas de
conduta para a vida privada e a vida pública, valores estéticos e referências jurídicos e
políticos, pelos quais o indivíduo é condicionado a pensar, agir e sentir de acordo com as
ideias que são reflexo dos interesses da classe dominante e que devem reger os
procedimentos existências de modo a garantir a manutenção do “estado de coisas”
vigente, da “normalidade” desejada para a manutenção da ordem da reprodução de um
determinado sistema social e produtivo.
Ou seja, a ideologia funciona como um suporte à manutenção da existência
alienada, naturalizando, justificando e condicionando esse estágio de alienação.
Quando na obra: Ideologia Alemã, Marx e Engels dizem que: “(...) o ser humano é
aquilo que faz e como faz”, isso significa que o ser social que só se efetiva no processo
de existência material, possui um determinado nível de consciência e identidade a partir
das relações sociais estabelecidas.
Por sua vez há um constante mecanismo ideológico que vão moldando os juízos e
as reflexões da existência humana- sempre conflituosa e exposta às contradições dos
processos produtivos- e assim influenciando em decisões e nas condutas práticas dos
indivíduos.

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É importante compreender que a realidade possui um dinâmica de múltiplas
contradições, que se interagem e forçam alterações mais lentas ou mais drásticas a
depender da dinâmica do processo de mudanças e seus impactos na existência humana.
Isso por sua vez, força o próprio Sistema socio-produtivo a desenvolver novas
conceituações e referenciais ideológicos que se adaptem e ou ajustem os necessários
níveis de dominação e controle social.
Marx não separava a produção das ideias das contradições sociais e históricas de
cada tempo. Essa separação é uma das características do pensamento ideológico. Ao
contrário, uma das principais características da análise crítica da realidade para Marx
seria partir das aparências abstratas que se apresentam na realidade sensível e percorrer
de modo crítico as contradições reais que vão condicionando as mediações em relações
que vão ficando cada vez mais complexas até se chegar àquilo que determina todo o
processo. Ou seja, compreender a essência, a estrutura e a dinâmica de um fenômeno
social.

Características e Determinações da Ideologia:

Principais características:
a) Naturalização.
Consiste em aceitar tudo como situações naturais presentes desde sempre na existência
humana, sem se levar em conta que essas situações são o resultado da ação humana ao
longo da História. Por exemplo:
“Desde sempre existiram ricos e pobres e assim irá continuar sendo”.

b) Abstração do Ser social.

As representações se referem à aparência de uma ideia já posta e a partir dessa


ideia se refere a realidade concreta. Por exemplo a mitificação do trabalho como algo que
nos engrandece e “dignifica”.
Essa é uma ideia abstrata que esconde as condições sociais e históricas sobre
como essa categoria traduz também contradições tais como a exploração da mais-valia, o
embrutecimento humano, a alienação, a precarização etc.

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A abstração faz recortes nos processos e separa apenas aquilo que a classe
dominante deseja que se valorize, identificando como elemento central apenas um
aspecto reprodução dessa ideia.

C) Universalização:

Os valores da classe dominante são exaltados como valores universais e assim


todos devem se submeter a esses valores como referência.
Por exemplo:
“O bom funcionário é aquele que coopera e não questiona”.
“A dominação colonial foi importante para desenvolver o espírito da civilização
ocidental aos povos atrasados”.

D) Inversão:

A realidade é sempre apresentada de forma invertida. O efeito é traduzido como


causa e a causa como efeito. Historicamente uma das primeiras manifestações da
inversão ideológica se traduz na hierarquia entre o pensar e o agir.
Valoriza-se o trabalho intelectual como se este antecedesse e fosse independente
da ação, da prática.
A prática é vista como um efeito do pensamento, mas esquece-se que para se
concluir ou refletir algo, a existência material é a condição preliminar e as necessidades
estabelecidas na existência material condicionam a nossa reflexão.

Com a inversão ideológica, por exemplo, se um trabalhador não melhora o seu


desempenho é por responsabilidade única e exclusiva dele, sem contundo, se levar em
conta as péssimas condições de trabalho e os baixos salários e outros fatores que
impactam na qualidade de vida e determinam sua produtividade.

E) O Vazio.

Há um vazio, um hiato, uma lacuna no discurso ideológico que só pode ser


preenchido e devidamente revelado quando se analisa os interesses materiais e as
condições objetivas que determinam certos processos ou fenômenos. Por exemplo é

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muito comum ao se apresentar um conflito armado, a nação beligerante e vitoriosa
justificar a agressão por razões humanitárias e ou pela defesa da “liberdade” como
ocorreu durante a Guerra promovida pelos EUA contra o Iraque que tinha como principal
objetivo a dominação das riquezas petrolíferas da região e a alteração da correlação de
forças na região.

Outro exemplo é quando se justifica um determinado valor salarial pela média da


produtividade ou pelas condições financeiras de uma economia, escondendo o nível de
exploração da mais-valia e as reais taxas de lucro e poder que isso implica para a
dominação de uma classe sobre outra.

Determinações:

A) A Ideologia é o resultado de uma divisão social do trabalho, em especial, do


trabalho manual e do trabalho intelectual, onde um é visto como mais importante e
sobreposto ao outro.
B) O trabalho intelectual aparece autônomo em relação ao trabalho manual;
C) Dessa forma os pensadores, os intelectuais tendem a valorizar-se em relação ao
trabalho manual defendendo uma autonomia e uma hierarquia entre o pensar e o
agir;
D) A valorização dessa hierarquia, valoriza e justifica por sua vez ideias preconcebidas
por uma “elite” que reproduz um modelo idealizado de sociedade, justificando
determinadas situações e relações sociais como naturais, eternas e dessa forma
justas e aceitáveis por todos e para “todos”.
E) A ideologia se manifesta como um instrumento de dominação de classe e deve
exercer mecanismos de dominação e controle da ordem social.
F) A ideologia procura dissimular as contradições objetivas e as divergências de
interesses constante que há entre classes antagônicas na sociedade. Essas
contradições são representadas pela teoria da Luta de Classes. Além de dissimular
os conflitos irreconciliáveis, a ideologia busca camuflar suas causas e justificar a
reação da classe dominante sobre a classe dominada.
G) As ideias ideológicas devem ser universalizadas, abstratas e construir no
imaginário das pessoas relações invertidas e falsas sobre a realidade social, sua
estrutura de dominação, sua dinâmica de exploração e a sua essência de

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desumanização do ser de modo a atender sempre a manutenção de um processo
que garanta o controle sobre a subjetividade de modo a reproduzir a objetividade
do sistema capitalista.

Por essa razão quando se faz análise de conjuntura deve-se ter muita
atenção e compreender a indissociabilidade presente no modo de produção entre
as relações objetivas de produção e as relações subjetivas de dominação.
Ambas são expressões dialéticas de um mesmo processo em constante
contraste e mutabilidade, fruto das contradições diversas que determinam a
totalidade e a dinâmica da existência social.
Podemos considerar um amplo e diversificado arsenal ideológico a serviço
do Sistema.
Entre eles destacam-se todas as expressões culturais que simbolizam
visões de mundo, versões sobre a realidade humana, suas causas e efeitos e os
sentidos e os valores da existência social atendendo aos propósitos ideológicos.

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