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cinema
As adaptações de livros para o cinema tiveram o seu começo entre finais do século XIX
e inícios do século XX. Não existe um consenso em qual terá sido a primeira adaptação
feita – uma das primeiras adaptações conhecidas datam de 1899, uma do conto
Cinderella dos Irmãos Grimn e outra da peça King John de Shakespeare, ambas feitas
por Georges Méliès. Ambas estas adaptações estão inseridas no género do cinema
mudo, onde ainda não existia tecnologia para combinar a imagem e com som, fosse ele
de fala, música ou efeitos sonoros.
É logo aqui que se começam a ver as grandes diferenças entre os dois meios de
representação. O formato fílmico requere, para além de imaginação, uma grande base
tecnológica sem a qual não é possível a sua execução; já para um livro, a parte
tecnológica não é vital à sua execução, uma vez que é possível escrever um livro sem o
auxílio de tecnologias, onde a base se torna o pensamento e imaginação (sem esquecer a
técnica, claro, que também é importante). Quando se dá a junção destes dois mundos de
representação, e tendo-se dado numa época em que a tecnologia estava apenas a
florescer, é normal que existam alguns problemas, como já referi anteriormente, a
questão do som. Enquanto não foi possível adicionar som a um filme, por exemplo as
falas das personagens, existiam cortes das sequências em que as personagens deveriam
estar a falar e era colocado uma imagem com a fala da personagem escrita, para que o
espectador pudesse ter acesso às falas. A introdução do som, em 1927, com o musical
The Jazz Singer”, veio revolucionar o cinema, uma vez que veio dar uma maior
profundidade ao cinema, acrescentando uma maior sensação de realismo por parte dos
espectadores. Problemas como este foram ultrapassados, no entanto continuam a existir
diferenças entre os dois, diferenças essas que por vezes levam a alterações quando se
adapta um livro ao cinema; irei falar delas mais à frente.
As adaptações cinematográficas são tanto amadas como odiadas – tanto o público como
o próprio escritor da obra que serviu de base para o filme são os primeiros a fazer
críticas sobre as adaptações, justificando o porquê de ser uma ótima adaptação ou um
total fracasso, nas suas opiniões. No entanto, é importante lembrar que, na realidade,
não é tão simples como copiar todo o livro e adaptá-lo a um roteiro – isso resultaria em
filmes intermináveis com dezenas de personagens e por vezes demasiadas linhas de
pensamento dentro da história que tornariam o filme numa tremenda confusão. É
necessário fazer uma escolha sobre quais as partes cruciais que não podem ser
dispensadas, quais as personagens necessárias para fazer essas partes, qual o seu papel,
etc.
Considerando a altura em que o filme foi dirigido, e apesar de se manter fiel o suficiente
ao livro, não penso que isso tenha sido o suficiente para tornar o filme algo mais do que
banal – acaba por estar centralizado na personagem feminina e na tal femme fatale de tal
forma que se torna como muitos outros filmes realizados na altura, com a mesma
tipologia de personagem feminina. O filme acaba por não fazer jus a toda a polémica
que se sentiu em relação ao livro, e ainda que Kubrick tenha tentado usar alternativas
criativas de modo a retratar a história fielmente, isso acabou por fazer com que a
essência da história que Nabokov escreveu acabasse perdida. O mesmo aconteceu com a
adaptação de Adrian Lyne – apesar das filmagens visualmente apelativas e da adição de
cenas de cariz sexual entre as duas personagens principais, tal como no livro, o
conteúdo da história parece ter sido completamente perdido, tornando o filme numa
tragédia pura, esquecendo por completo a essência da história.
Agora vejamos outra adaptação – Clockwork Orange foi originalmente escrito por
Anthony Burgess, em 1962. Trata-se de um romance distópico com bastante humor
negro, passado numa possível futura sociedade inglesa onde existia extrema violência
por parte das camadas mais jovens. O personagem principal, Alex, relata as suas
histórias de violência com o seu gangue e relata também a sua participação numa
experiência do governo com o intuito de reformular o seu comportamento. É
considerado um dos melhores romances do século XX e é participante em diversas listas
e tops de melhores livros escritos. A adaptação surgiu em 1971 e é da autoria de Stanley
Kubrick, tal como o filme que analisei anteriormente.
É interessante notar que o tipo de alterações que o realizar faz é semelhante entre os
dois filmes – são realizados com apenas aproximadamente 10 anos de diferença, o que
leva a crer que muitas das exigências e regras da indústria fílmica não se alteraram
significativamente. Por exemplo, existe uma parte no livro em que Alex, o protagonista,
encontra duas jovens de 10 anos, leva-as para a sua casa, embebeda-as e acaba por
violá-las. No filme, Alex conhece duas raparigas que aparentam ter mais ou menos a sua
idade e, consensualmente, leva-as para a sua casa e tem relações sexuais com elas. Esta
alteração pode estar relacionada com a questão da censura, uma vez que as jovens do
livro são significativamente mais novas que Alex, não sendo sequer consideradas
sexualmente maduras, e até mesmo porque acabam por ser embebedadas e violadas,
estando Alex a cometer um crime. Para além disso, o facto de Kubrick ter colocado
Alex e as raparigas no mesmo nível em relação à sua idade e ter tornado a relação
sexual consensual, faz com que o público se torne mais empático em relação a Alex,
que não passa de um rebelde que falta às aulas e namorisca com raparigas, algo que
qualquer adolescente faria. Outro aspeto que difere em relação ao livro, é a maneira
como Alex é escolhi para fazer parte do programa Ludovico, o programa do estado que
tem como objetivo alterar o comportamento de uma pessoa. No livro, Alex é escolhido
porque é acusado de matar outro prisioneiro – o facto de matar, mesmo dentro da
cadeia, só prova que ele será sempre um assassino, não importa o ambiente em que seja
inserido; no filme, Alex é escolhido para fazer parte deste programa simplesmente
porque se oferece para ser o sujeito da experiência.
Para finalizar, é importante referir que não é possível determinar o que é melhor: se um
livro ou a sua adaptação. Estamos a falar de dois meios completamente distintos, que
dependem de diferentes formas para vingar nas suas respetivas áreas (como por
exemplo a dependência que a indústria cinematográfica tem em relação à tecnologia), e
que portanto não podem ser comparados como sendo melhores ou piores. Cada um
deles tem de ser analisado considerando as suas características, considerando as alturas
em que foram escritos e realizados (livros e filmes, respetivamente), considerando as
características próprias quer do autor do livro quer do realizador da sua adaptação, etc.
Vão existir sempre adaptações de maior agrado do público, e outras que vão ser
arduamente criticadas pelos autores, por exemplo, mas adaptações literárias nunca vão
deixar de existir; se uma adaptação para um filme não for bem recebida, permanecem
ainda oportunidades de realizar um musical, ou uma peça de teatro, ou uma ópera, ou
até mesmo um espetáculo de ballet (como foi o caso de Lolita), e eventualmente uma
delas irá agradar a todos de igual maneira e passará a ser conhecida pela “melhor
adaptação”, ainda que isso seja simplesmente uma questão de preferência de cada um de
nós.