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Discurso de Péricles Diário de leitura 16/09/2011

Gustavo Javier Figliolo

O discurso de Péricles pode ser lido como um exemplo do funcionamento do


poder de um Estado, um dos mecanismos que este utiliza como forma de contenção
social e de regulação entre seus habitantes.
O discurso é citado por Tucídides em “História da Guerra do Peloponeso”, e
constitui uma oração fúnebre aos mortos do primeiro ano da guerra, em 430 a. C.;
embora seja plausível pensar que sua narrativa foi adaptada por Tucídides, a julgar pelo
estilo que também se manifesta em outras obras do historiador grego, provavelmente a
ideia central do discurso foi mantida, com prováveis passagens literalmente citadas.
É possível pensar assim porque todo Estado, isto é, toda forma de poder, precisa
da veiculação de seu ideário que se dá por meio da palavra escrita, a Lei ou a voz do
Estado; encontramos ao longo da história vários exemplos de discursos que visam
determinar a posição do Estado, diante dos quais os cidadãos somente podem obedecer,
uma espécie de acordo tácito entre o Estado e seus membros que corre em uma única
direção, de cima para baixo.
Péricles atenta uma extraordinária defesa política do regime político ateniense,
comparando-o aos de seus rivais, principalmente a Esparta; dentre as benesses que tal
sistema ofereceria, contamos a de ser um sistema democrático 1 e exemplar, a de
favorecer a maioria, a preocupação com uma justiça igualitária, a proliferação da ideia
de liberdade. A seguinte passagem do discurso ilustra os tópicos referidos:

[...] Nossa constituição não copia as leis dos vizinhos; damos antes
modelo a alguns do que imitamos a outros. Chamamo-nos uma
democracia, porque a cidade é administrada, não por poucos, mas pela
maioria. Mas, se de acordo com a lei, todos são iguais em suas
relações privadas, contudo, o homem que, de algum modo se
distingue, recebe a preferência na vida pública, não como um
privilégio, mas por causa de seus méritos; e, se um homem pode servir
ao seu país, a pobreza e a obscuridade não lhe valerão como
obstáculos. A liberdade é o princípio de nossa vida pública, e na nossa
vida quotidiana não vivemos mutuamente desconfiados, e não nos
irritamos com nosso vizinho porque vive a seu modo, nem o olhamos
com este ar de desaprovação que, por ser inofensivo, não deixa de ser
incômodo. (TUCÍDIDES, p.37).

1
O conceito de democracia, na Grécia do século V a.C., alcançava somente aos cidadão homens e
atenienses; as mulheres e os estrangeiros não tinham direitos civis.
Mas este regime político superior exige o sacrifício dos seus cidadãos, e a
ocasião encontrada para assim fazê-lo saber é uma convocação em praça pública onde
todos ouvem ao chefe do Estado proferir seu discurso, lamentar os mortos e advertir, de
maneira elíptica, a conduta que os cidadãos deverão observar diante dos sucessos
ocorridos:
[...] Aqueles entre vós ainda em idade de procriar devem suavizar a
tristeza com a esperança de ter outros filhos. [...] Se tenho de falar
também das virtudes femininas, dirigindo-me às mulheres agora
viúvas, resumirei tudo num breve conselho: será grande a vossa glória
se vos mantiverdes fiéis à vossa própria natureza, e grande também
será a glória daquelas de quem menos se falar, seja pelas virtudes, seja
pelos defeitos. (TUCÍDIDES, p.44-45).

Assim, deixa-se claro que qualquer coisa, inclusive a morte, deve servir aos
interesses do Estado, e a mensagem subliminar que se pretende fique no imaginário do
povo ateniense é a do autoreconhecimento de um povo moralmente superior que se
sacrifica por isso.
A oração fúnebre de Péricles constitui assim o momento em que as pessoas, o
mundo dos vivos, reúnem-se para dar a saudação de partida áqueles que já não mais
estarão, os mortos; o ritual contém a condolência, a admiração, o reconhecimento, o
sofrimento, e também contém a esperança, a renovação, a grandeza.

BIBLIOGRAFIA

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Livro Segundo 35-46 Oração fúnebre


pronunciada por Péricles. 430 a. C.

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