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1. Reconhecimentos © prologo pacifico dessa guerra de imagens, desde o inicio situado sob o signo do olhar e do visual, é tao imprevisto como desnorteante, pois teriamos a impressio de estar seguindo um roteiro diferente, que nao acabaria inelutavelmente na tragédia das ilhas ¢ do continente, nos massacres, na deportagao das po- pulagdes indligenas, na destruigao dos {dolos.' Delineiam-se in- tuigdes, entreabrem-se pistas, intensificam-se perspectivas como em filigrana, as quais, séculos mais tarde, a etnografia voltars, Curta pausa antes que um trabalho de reconhecimento mais con- vvencional, lastreado de categorias ¢ esterestipos da idolatria clés- sica, recupere seus direitos e se abata sobre as novidades da Amé- tica* Mas por ora predominam a observagao e a interrogaga0. © OLHAR DO ALMIRANTE Segunda-feira,29 de outubro de 1492. Ha duas semanas Cris- 6va0 Colombo saltou em terra. O Almirante do mar oceano ex- 3 coromno* OVKO DAS ANTILHAS MAR “Segundo S, E. Morison, plora as Grandes Antilhas. A beleza da ilha de Cuba 0 maravilha. Seu olhar se demora nas praias, nos rios, nas casas, nos bancos de pérolas. O Al Asia — esta proximo. A palavra hermosura irante exulta ¢ imagina que 0 continente—a rge.a todo instante, a ponto de virar 0 leitmotiv do Descobrimento, O olhar do Almi- rante pousa em Cuba, a tempo de fazer uma reflexao: “Encontra- ‘mos muitas(éstatuas que tinham a figura de mulheres e muitas cabecas em forma de méscaras muito bem trabalhadas; nao sei se essa gente as tem por causa de sua beleza ou se elas recebem sua adorag Os primeiros contatos com os povoados das ilhas pu: ‘0s descobridores em presenga de criaturas e coisas das quais tudo eram ignoravam e que 0s haviam surpreendido. Cristovao Colombo procurava um caminho para as Indias e seu ouro. Preparava-se para atracar na ilha de Cipango (Japao) ou na China do grao-ci e pensava em converter povos que, sabia-se, eram civilizados. Mas no houve nada disso. Em ver de “gente policiada e conhecendo ‘o mundo”, em vez das “grandes naus e dos mercadores” que a to- do instante ele esperava cruzar, o Almirante descobre homens de corpos nus e pintados, que acreditam que os espanhéis slo cria- turas vindas do céu.' Saindo dos sonhos e das lendas que povoa- vam sua imaginacao, Colombo e seus companheiros se encon- tram diante de “gente muito pobre de tudo”, Entretanto, aquela gente possui alguns objetos que atraem o olhar do Almirante. Bas- ta isso para que se inicie uma outra descoberta, por onde se em- brenha a sensibilidade de um genovés do século xv, como se 0 oho do Quatrocentos fosse o primeiro a pousar sobre a América. Entre as coisas que os indigenas tinham — azagaias, nove- los de algodao, canoas, jéias de ouro, redes —, Colombo perce- beu o que chamariamos hoje de “objetos figurativos” Sua curio- Sidade nao se fixa nas tatuagens corporais — assinaladas | descritas, porém, ja no dia 12 de outubro de 1492 — nem nos 5 cestos suspensos nas vigas das cabanas, que segundo ele escon- diam os cranios dos ancestrais da linhagem.’ Outros objetos sus- citaram durante pelo menos dois anos a mesma interrogagao: as estétuas com figura de mulher e “cabecas em forma de méscaras Tearatonas| muito bem lavradas” eram objetos de culto ou Pesas decorativast “Nao sei se as tém por causa da beleza delas ou se ‘las recebem sua adoragéo.” Portanto, a pergunta era: para que serviam?, endo: o que representavant? — como se parecesse mais \ urgente identificar a fungao do que a natureza da representado Mesma preocupacio no ano seguinte, nas Pequenas Antlhas: Depois de terem visto duas estituas grosseiras de madeira sobre cada uma das quais achava-se uma serpente enrolada, os expanheis jpensaram se tratar de imagens adoradas pelos indigenas: mas pos: ‘eriormente souberam que estavam colocadas ali como ornamen= to, pois, como se indicon mais acima, os nossos eréem que eles 59 rendem culto 20 numen celeste, ‘A descrigao 6 sumiéria: nota o material das estituas, suas for- mas grosseiras, ¢s6. Observadores perplexos, de inicio propen~ sos a localizar imagens de culto, os descobridores rendem-se & evidéncia de... seu proprio sentimento (creen los nuestros. ..) ow 20 que imaginam captar das explicagdes dos nativos. Quando, ‘em dezembro de 1492, Colombo investiga em Cuba aquilo que Ihe parece ser um templo indigena, 0 processo ¢ andlogo: "Pensei que era um templo e chamei os indigenas; perguntei-Ihes Po virco de sinais se al faziam suas oragbes; disseram-me que m0" Era o mesmo abandono de uma interpretagao inicialmente rel giosa para se ater ao que dizem os aut6ctones, ser a menor PEM upagao com 0s imprevistos da comunicagao verbal e gestuah 6O- ‘mo se aqueles indigenas jogassem to facilmente como Colombe com o8 registros do religioso, do profano e do estéticot 6 Tal exercicio estava, porém, ao alcance de um genovés oriun- do de umalltélia renascentist2 onde fazia quase um século que os artistas multiplicavam os “objetos de civilizagao”, figurativos e profanos, sem parar de produzir um leque consideravel de repre- sentagbes religiosas.* Nao surpreende que um italiano do Qua- trocentos dispusesse de critérios iconogrificos, dei e fu car fcios visuais. jonais que o ajudassem a ordenar 0s registros e a diferen- profano do sagrado, Era mais delicado situar-se fora de sua prépria cultura, por mais que ela se estendesse ao Mediterraneo ocidental ¢ estivesse enriquecida com a experiéncia dos negros da Guinée dos indigenas das Canérias. A perplexidade de Colom- bo, a hesitagdo de suas interpretagdes também se explicam pelas decepcoes da Descoberta. Certo de ter tocado as costas da Asia, convencido de que o Japao, a China e suas cidades estavam pré- ximos, o genoves se preparava para encontrar povos idélatras ou! “seitas®, isto é muculmanos e judeus. Mas a realidade foi total- mente diferente. J4 no dia 12 de outubro de 1492 ele observou que 05 insulares nao tinham “seita” (religiao) e, um pouco mais tarde, que nao eram idélatras: portanto, nao possuiam idolos." Depois seré preciso matizar essa constatagao inevitavel. A DESCOBERTA Dos “CEMiES” ‘Com a experiéncia ¢ com o tempo, os recém-chegados aca- baram se dando conta de que os indigenas de fato reverenciavam ee objetos,figurativos ou nao. Por volta de 1496, Colombo eo Bs catalao Ramén Pané (a quem o Almirante confiara uma in- stigaco sobre as “antiguidades” dos indios)!* nde 3 ig jos indios)" dispunham de questao iniciale 0 inicial:'em vez de procurarem esclarecer se certos obje- 7 mente mais informagoes sobre a8 thas, Reformularam a> wW = tos figurativos eram objetos de culto, Colombo e Pané dirigiram sua atenco para 0 conjunto de coisas que os indios adoravam. Em taino, a lingua das ilhas, essas coisas sao designadas pe~ 179 recebem o nome de um ancestral. Mu- Jo termo genérico cemie nidos de funcdes politicas, de propriedades terapéuticas e climé- ticas, os cemies sio sexuados, falam, se locomover. Objetos de jnegavel, mas desigual, Yeneragio,” sio tao preciosos que osin- digenas 0s roubam uns dos outros , depois do Descobrimento, ‘os escondem dos espanhdis. Cada cemfé dotado de uma origem singular "Alguns contém of 0830s do pai, da mae, dos parentese dos ances- inais, so feitos de pedra ou de madeira; eles tem muitos, dos dois tipos. Alguns falar, outros fazem chover, outros fazer soprar Os ventos.* Portanto,os cernies das ilhas apresentam-se sob as aparéncias mais tum receptéculo que contém os ossos dos mortos, heterogeneas tum pedaco de madeira, um tronco, um cemf de madeira “com quatro patas como as de um cao", uma raiz“parecida com o r4- pbano”“uma forma de grande nabo com as folhas estendidas na terra ¢ longas como as das aleaparreiras”.” Essas “imagens de pedra esculpidas em relevo"," essas obras (hechuras) de madeira nao representam nada, ou melhor, rePFe= sentam coisas demais. Nao sio apenas mdscaras ou estétuas: & pista seguida durante os primeiros meses estava errada, ou ef jnexata. Na verdade, tudo nos afasta do mundo da figuracéo an tropomérfica. As tnicas silhuetas humanas que 0 relato de Pané evoca s20 as dos mortos, que se manifestam aos vivos “na forma de pais de mae, de irmao e de irmai de parente ou de outras fo ‘ix? Ao contrério dos {dolos que representam o diabo ou f= ana deuses, os cemiessio basicamente coisas, dotadas ou nao de 8 uma existéncia: “coisas mortas formadas de pedra ou feitas de ‘madeira?,“um pedaco de pau que parecia uma coisa viva’, coisas que lembram a meméria dos ancestrais;"* pedras que favorecem 6s partos, servem para se conseguir a chuva, 0 sol ou as boas co- Iheitas, e semelhantes aquelas que Colombo envia ao rei Fernan- do de Aragio; ou parecidas também com aqueles seixos que 0s insulares conserva envolvidos em algodao dentro de cestinhas ea quem “eles dao de comer aquilo que eles comem”” Colom- 'bo, que sabe disso, evita empregar a palavra “fdolo” e nega a ido- latria, mas é para melhor denunciar a trapaca dos caciques que manipulam os cemies. O catalao Pané confirma: se fala de idolo, éobviamente por preguiga verbal e por comodidade, mas logo depois se corige e refere-se a “deménio” — “para falar mais pro- priamente” — ow diferencia 0 cem# do fdolo: um cemi que fala “se torna” um {dolo.” Por outro lado, no texto de Pané nao hé re- feréncias @idolatria nem a idélatras. Ora, na mesma época os Bortuguesesesbogam em suas fei- torias da Guiné a nogdo de fetiche. Em virios aspectos, o fetiche também é uma coisa-deus, singular em sua origem, forma, sexo © composicao. Mas os portugueses se limitam a aplicar 0 termo vernacular e medieval de feitico a praticas e crengas que os intri- ‘gam, ¢ que alids rivaliza com a palavra “idolatria”." Colombo e Pané agem de outra forma, ¢ af justamente situa-se a moderni- dade de ambos. Em vez de seguirem o exemplo portugués ou re- correrem & categoria de idolo que lhes ¢ oferecida pela tradigao Classica, desde o Antigo Testamento até santo Tomés de Aquino, buscam nas culturas das ilhas 0 termo autéctone de(cemi-£ ver- dade que os empréstimos lingiisticos dos descobridores sao mul- Aiplos (cacique, mais...), € que as ilhas falam “uma s6 lingua’, a0 asso que “na Guiné ha mil espécies de linguas e que ninguém se fentende de uma para outra’2” Mas a escolha do termo cemi ex- Pressa mais do que uma fantéstica receptividade lingtistica. Ela 29 trai uma sensibilidade etnogratfica que, aliés, aflora em cada pé- Explorando temas gina da relagao do frade catalao Ramén Pan 140 cruciais como 0 corpo, os mortos,as visdes, os estados de pos- sesso, os mitos de origem, sem que a observacio jamais caia no esteredtipo e no preconceito, Pané abriu caminho para uma lei- tura das culturas amerindias atenta & especificidade delas. (© que reter dessa fase de reconhecimento? Que a questo das imagens do Outro, de suas fungdes ¢ caracteristicas se colo- ‘cou de imediato aos descobridores e que de inicio ela deu a im- pressio de derivar para uma resposta original. Mas isso foi apenas ‘um paréntese logo fechado. Nem Colombo, nem seus compa- mheiros, nem os poderosos que comandavam a empreitada pen- savam em se entregar as delicias da etnografia, e 0 parafso das ithas logo se tornou um inferno onde grassaram a exploragio brutal, a fome ¢ 0 choque microbiano.” Por sinal, qualquer que tenha sido a curiosidade dos primeiros observadores, foi em mao “nica: era impensdvel que os indigenas praticassem uma “etno- ‘rafia as avessas” e que, por sua ve7, interpretassem as imagens dos brancos. No entanto, jé no final do ano de 1496 produziu-se 0 irre- parivel. Foi sem diivida o pFimeiro conflitoamericano dessa guer- ra de imagens. Alguns indigenas tinham apanhado imagens cris 125 que os espanhéis haviam confiado & guarda de ne6fitos: Saindo aqueles do adoratério, jogaram as imagens no cobriram de terrae depois urinaram em cima, dizendo: “Agora {eus frutos serio bons e grandes” E isso porque as enterraram num campo cultivado, dizendo que seria bom o fruto que ali tinh se plantado: e tudo isso por vitupério. Quando isso foi visto pelos rapazes que guardavam 0 adoratério, por ordem dos menciona= dos cateciimenos correram para perto de seus maiores, qué ¢*1° 30 ‘vam em suas herdades¢ hes disseram que a gente de Guarionex tinha destrogado e escarnecido das imagens.” O sacrilégio foi castigado pelo irmao de Colombo, que man- dou queimar vivos os culpados. A brutalidade da repressio espa- hola — exercida por leigos — expressa a inviolabilidade de um terreno que mescla de forma inextricével a politica ¢ 0 religioso: as imagens dos brancos ¢ tao intangfvel quanto a sub- \ missao devida aos colonizadores. Mas a profanacao foi acompa- nhada de um ritual de fertilidade que, tudo indica, atribuia a imagens uma eficacia vizinha daquela de certos cemies. Nesse sen- tido 0 “sacrilégio” revela que oy indigenas pressentiram uma re- Jagao entre as imagens dos crstio5 €05cemfeslocais, da qual apropriaghes, deformacbes e mal-entendidos com que fi tecida ahist6ria cultural da América Latina. Nessas circunstancias, o que iria acontecer com oem? Nem representacao figurativa, nem idolo, ¢, a bem da verdade, osci lando entre varios estatutos (objeto, coisa, imagem, {dolo), nao Setia ee’ fruto notavel de uma tentativa de interpretacao que virava as costas aos modelos preconcebidos para registrar, sem oculté-lo, 0 inesperado e 0 desconcertante? Caos de formas, de valor irris6rio, de aspecto grotesco, despertando as cobicas, coisa que se mexe, objeto vivo, instrumento de dominagao em maos de caciques trapaceiros, mas também desafio constante a razo: © cei é tudo isso. A brutalidade da colonizagao iria varrer essa se levar em conta o nunca visto? Ou outras ameaqas ais distantes pesavam sobre essa visio original das coisas, iéts0 a da mancira como hoje pensamos o feitigo, essa “totali- ue pedagos inteiros de descontinuidades tanto tem- Potais como morfologicas sao absorvidos e intensificados”?* 2 os ESPECTROS DE PEDRO MARTIR ‘Um milanes se encarregou de desvendar 0 mistério daque les objetos estranhos: Pedro Martir, que munca pasos pés na Amé- _rica, Homem do Renascimento, discipulo ‘de Pomponio Leto,” Fncansavelmente A procura de informagoes, jornalista avant it Tarie__- de quem tem os defeitos eas qualidades — répide a pon: to de ser superficial, ligacdo obrigatoria entre 0 Novo Mundo, a ‘Fspanha e a Europa, o personagem fascina. Nascido em 1457 as argens do lago Maior, Pedro Marti d'Anghiera entra Piss © servigo do cardeal Ascanio Sforza, vai para Roma € ¢m 1487, pax raa Espanha, onde serve & corte dos Reis Catélicos, Recebe as or- “Tens em 1492, mesmo ano em que Granada cai nas maos dos tis thos em que se encerra a reconquista da Espanha mugulmans- ‘A rainba Isabel escolhe-o como capelio, A partir dah ele passa ® set teatemiunha privilegiada dos descobrimentos — assim como da ocupagio do réino de Granada —, interroga o$ viajantes, en- contra Colombo, Américo Vespucio, Sebastido Cabot, recolhe suas cartas, diseca seus relatos. Até morrer em Granade, em 1526, é ele quem, por suas cartas —as famosas Décadas—, repercute hos quatro cantos da Europa as noticias do Novo Mundo forja imagem, Suas fungdes na Junta das Indias (1518) ¢ depois M Conselho das Indias (1524), seu titulo de “cronista de Castela” The conferem 0 acesso as melhores fontes. Finalmente, sev lagos com os bolonheses, venezianos € florentinos que passam pela Es- panba, alm de sua correspondéncia com 0s PaPas de Roma, c0- ren edo x, sio fatores que o colocam no centro de uma rede IS; liana de letrados curiosos pelas coisas das Indias.” Os cemies —o italiano prefere a grafia zemes, que adO}F mos de agora em diante — intrigam Pedro Martir. Sua curl i: dade nfo € apenas livresca, ja que néo s6 recebe alguns exemplt= res das ilhas, mas também trata de envid-los a seu protetor ©) cardeal Luis de Aragao, sobrinho do rei de Népoles, para que ele julgue com os préprios olhos, “melhor do que uma descrigao” antes de mostré-los ao tio. E no livro 1x de sua “Primeira Déc da" escrito por volta de 1500-1, que Martir introduz 0 termo zeme, Tado indica que o pegou na obra de Ram6n Pang. Mas ja em abril de 1494, baseando-se numa informagao colhida depois da segunda viagem de Crist6vao Colombo, 0 milanés se inters0- ga sobre os objetos figurativos. Nota que os indigenas confeecio- nam “miscaras de algodao tecido imitando os espectros pintados que eles afirmam ver durante a noite’.” Ao associat as méscaras com 0s espectros noturnos, Pedro Mértir pega umm caminho no qual ndo para de se enredar. Ignora a funcao delas, mas destaca seu cardter figurativo e descobre, se néo um sentido, pelo menos uma identidade para elas. E um processo inverso ao de Pané € Colombo, que, por sua vez, preocupavam-se mais com 0 uso do que com a coisa representada. Em 1501, Mértir retoma essa apro- ximagio:"Eles confeccionam com algodio tecido e metido dentro das imagens humanas sentadas, parecidas com os espectros no- turnos que nossos artistas pintam nas paredes™ (figura 1). Dessa ver, 0 objeto & catalogado logo de saida como um si- mulacrums, uma representacio figurada. Salta aos olhos que € pela imagem antropomérfica que Martir se interessa, e que € 20 figurativo que retorna o debate. O zeme de Martir ¢ identificado evisualizado a partir de um modelo iconogréfico ocidental — eespcctros que nossos artistas pintam” —,embora de modo gens ‘A aproximagiio surge no espirito de Martin, que teve nte dos olhos virios desses zemes, ou emana originalmente ee indigenas? Se o testemunho de 1494 — retomado vinte anos pois, em 1514”— dé a entender que os indigenes reproduzem, “imitam” os espectros que vé i aoe eects gue veen de noite para fazer suas masca- aede alg ai Pass Atolio.o exo de 1501 é muito menos explicito. Ele nos 4 atribuir essa associagio as especulagées do milanés ou de do ou iD 8 dhe. seus informantes. Outra anotagdo vai no mesmo sentido: “Gra- ‘sas a certos simulacros que eles veneram em pttblico, se conhece abertamente que durante a noite aparecem-lIhes fantasmas que ‘0s induzem a erros vaios".” Tudo se passa como se Pedro Martir e seus informantes as- similassem 0s zemes a imagens de fantasmas, ¢ daf deduzissem, sem mais investigar —“se conoce abiertamente” —, a apari¢ao lo- cal de espectros noturnos. Assim, Martir domestica essa coisa sin: gular transformando-a na réplica de um espectro, consegue vi sualizd-la para ele e para seus leitores — tarefa essencial de um escritor cujo objetivo & mostrar o desconhecido — e doté-la de um quadro. Pois o espectro supe um contexto determinado, quadro pict6rico ou espago noturno. Martir segue aqui a tradi- ‘sao medieval de que “a imagem esta sempre ligada a seu espa- 0" enquanto 0 zeme de Colombo ou de Pané paira sem amar- ras ¢ gravita nos contextos mais diversos. O cardeal Luis de Aragio, correspondente de Pedro Martin, também ¢ convidado a verificar a semejanza que une os zemes aos espectros dos pintores." Um comentario feito bem mais tar- de, em 1520, confirma essa impressao: os zemes sao “semelhan- tes” & imagem que fazemos dos espectros noturnos.”* A bem da verdade, isso nao implica de modo algum que os indios tenham compartilhado a interpretagao do milanés. Porém, ao longo de toda a sua obra, Martir agarra-se a essa visio das coisas, que no encontra sustentagao nos textos de Pané nem nos de Colombo, e relega a0 éiltimo plano todos os zemes cuja forma se afasta da- = quela dos objetos conhecidos do cronista. Vinte e trés anos de- pois, na “Sétima Década’, dedicada ao duque de Milio (1524), ‘Miartir insiste em definir os zemes como “simulacros que eles pin- tam parecidos com os manes infernais’.” (© zeme seria, portanto, a imagem, ou mais exatamente 0 “si- mulacro”, de um espectro. A Gnica tentativa sistematica de ins- 4 crever ou recuperar esse objeto no campo figurativo conclui-se com a idéia de Ihe atribuir os contornos de umtfantasma. No es- pirito de um italiano do Quatrocentos, isso significava evocar uma criatura apavorante dotada de uma aparéncia — € por isso mesmo representvel —, mas totalmente desprovida de existén- ia fisica. E ndo era um espectro qualquer: o mundo dos. mortos de Mirtir esta repleto de reminiscéncias antigas, Lémures (espec- tros), larvae (mascaras, duendes), simulacra (na acepao de fan- tasmas) permitiam ao aluno de Pompénio Leto instalar os obje~_ 10 de estilo, que se ) aproveitava do humanismo paganizante dos anos romanos ¢ Pro Jongava essa busca apaixonada pelo antigo, que animara os dé bates da academia. Também é certo que a relacéo dePané hi mava a atengio para os mortos, pois descrevia as aparigoes 5) tos das ilhas num quadro latino. Belo exeré noturnas como errancias dos defuntos e demorava-se nos inter © rogatérios a que os indigenas do Haiti submetiam os cadaveres. ‘Mas daf a transformar os zemes, indistintamente, em imagens de assombragdes havia um passo que o cataldo nao dera. Por sua vez, Pedro Marti, obcecado por suas proprias interpretacoes, conta, ainda em 1501, que certos zemes sio fabricados a conse- Iho das “sombras noturnas”.* Também por volta de 1515-6, na ‘mesma linha de idéias e como para dar razao a si mesmo, Pedro \ ‘Mértir anota satisfeito que a supressio dos zemes na ilha de Hai- ti foi acompanhada pela interrupgao-das aparigdes noturnss.” Por outro lado, ele nao explora a pista que podia levar os zemes ancestralidade, detectada por Pané, Atém-se exclusivamente a um enfoque formal, aproveitando, de sua prépria cultura, uma interpretagdo apta a satisfazé-lo. Os espectros de Pedro Martir nada tém de americanos ou tém muito pouco.* Evidentemente, sob o verniz de Antiguidade letrados da Ilia do século xv. Nessa época, muitos livros abor- 3 dam o tema, quer tratem do purgat6rio, quer das almas penadas. Os espectros nada tém de imaginarios. Nesse momento acredi- ta-se em geral que os espiritos podem infestar as casas e que a pessoa se protege deles cercando-se de precaucoes estipuladas pe- lo direito romano; acredita-se que os falecidos e as sombras ¢s- palham doengas e semeiam a morte;" coletam-se os relatos de aparigdes que despertam pavor." Pois a Igreja nao admite que os espfritos aparecem em “casas, cemitérios, igrejas, mosteiros”?® E 08 letrados, como Jacopus de Clusa, nao consideram até mesmo licito interrogar os mortos, com a condigao de faze-Io por moti- vos pios, ad pias causas? Sem diivida, & bem ténue a fronteira en- tre o que a Igreja tolera e autoriza e as crengas que resvalam para ‘a magia se as assombracdes podem ser almas do purgatério em Busca de preces (suffragi), como a Igreja ensina, se as aparigoes demoniacas esto longe de ser excluidas, deve-se ter em conta, igualmente, o fundo turvo e movedigo das crendices e dos ter- rores populares que podem se cristalizar de repente: as batalhas de espectros travadas nas paragens de Bergamo em dezembro de 1517 apaixonaram toda a Europa, ¢ Pedro Mértir nao deixou de registré-las em sua correspondéncia." Por tiltimo, néo esquesa- ‘mos a literatura medieval e 0 estatuto ambiguo que ela reserva ao simulacro, repleto de dimensto magica, coragao de um mun- do sedutor de imagens, espethos e duplos, talvez mais perigoso Pela ilusio que provoca e o poder de enfeiticamento que carrega do que pela heresia diabélica ow a idolatria que contém.® ‘Tudo leva a crer que na mente de Pedro Mértir superpdem- se o que ele capta das crengas insulares, o que cle sabe sobre 0 urgat6rio, 0 que ele compartilha a respeito dos medos italianos. A descricao do retorno dos mortos e de aparigdes maléficas* nas_ ithas distantes trai igualmente a influéncia de uma cultura hu- manista que faz alternar as sombras dos Antigos ¢ a lembranca 36 de “driades, sitiros, pas e nereidas” da Antiguidade. Martir € lei- tor tanto de Luciano como de Colombo e Pané Mas, ao fazer alusdo aos “espectros que nossos artistas pin- tam’, Pedro Mértir se refere a uma crenga difusa e também evo- ca abertamente uma forma e um tipo fixados pela arte de seu tempo. Dessa vez, a referencia vem mais da experiéncia comum eerudita do que de um modelo pictérico de duas dimens6es, Se- 14 que estaremos vendo agir o olho do Quatrocentos, a seguran- sa de um olhar formado pelos pintores ¢ pela pintura italiana do século xv?" Ou seria mais 0 caso de reconhecer, nos modelos evo- cados pelo milanés, os cadaveres vivos de Griinewald, 0s mortos estabelecidos em torno do tema do memento mori e das dangas macabras multiplicadas naquele século, salvo talvez na Espanhat® ‘Um olhar provavelmente mais gético que renascentista, familiar das colegées flamengas dos Reis Catdlicos. O fato é que Pedro Martir dé a si mesmo —e a0 leitor — os meios de imaginar e ver aquele objeto exdtico que lhe chega das ilhas. Confere-Ihe uma configuracao, empresta-Ihe uma identi- dade e extrapola as crengas em torno dele, Mas, sobretudo, langa uma imagem, o zeme-espectro, capaz de produzir efeitos de sen- tidos que acabam tornando opaco o elemento etnogrifico e se Sibstituindo a ele, Processo habitual de um pensamento conquis-. tador e redutor? Reflexo obrigatério de todo pensamento domi- ~ nante? Provavelmente. Mas por que associar a imagem autdcto- ne & sombra inquietante e fugaz, A aparigao aterrorizante, ao espectral? Essas representacdes que ele contempla sem destrui- las, essas “imagens humanas sentadas” em que acredita reconhe- cer os manes do Hades, elas nao despertam um misto de atragao, curiosidade e repulsa? Como se reunissem 0 fascinio pelo exotis- mo e a marca horripilante de uma presenga incbmoda? Assim sendo, tranquilizava saber que as aparigdes noturnas tinham desaparecido com a eliminagao dos zemes, no momento a” em que, nas ilhas, o mundo dos mortos se avolumava com as po- pulagdes dizimadas pela fome, pelo trabalho e pela doensa. Do ano de 1494 a0 de 1508 — isto é, em catorze anos — mais de 3 milhoes de almas que ld estavam [em So Domingos) pereceram 1nas guerras, nos envios de escravos para Castela e nas minas e em ‘outros softimentos."* Em 1508 restavam 60 mil indios em So Domingos e, no entan- to, 0 tempo das deportagdes macigas apenas comegava.” DOS ESPECTROS AO DEMONIO A interpretagdo espectral — jé em segundo plano em rela- «40, interpretacao proposta por Colombo — iria se esfumar com ‘0 tempo, & medida que Pedro Martir conferia a seus zemes a apa- réncia de deménios. A metamorfose se opera por volta de 1514, quando ele relata, ao falar da ilha de Cuba, a horrenda agressio. do *deménio We um zeme de rabo comprido, dentes enormes, chifrudo, parecido com aquele que esti representado em efigie feita & mao” Dez anos depois, em 1524, ele assimila 03 espectros — que jé aproximou sistematicamente dos manes e dos génios infernais — ao deménio e aos diabos, que se manifestavam para os indigenas antes da cristianizagdo.* Mértir oferece entéo uma ‘nova referéncia pict6rica: 0s zemes lembram “as criaturas mons- truosas que os pintores desenham nas paredes a fim de afasté-los \por causa do medo pinico que suas més ages espalham”=* (O zeme resvala para o demoniaco e 0 monstruoso, dissolve- sena figura do diabo, como se o autor cedesse facilidade do cli- ché e renunciasse a captar a especificidade do objeto. A demoni zagdo — que aqui na verdade tem a aparéncia de uma espécie de 3 neutralizagao cultural — termina por fazer do zeme.um idolo, deidade em madeira ou em algodao “acolchoado”®* A guinada em diregao a0 idolo nao é acidental: posterior & descoberta do México idélatra, ela corresponde, para Pedro Martin, a descrigao dos Fitos nunca vistos do Dariém e de seus idolos.” Mas sera um acaso que Martir tenha demorado tanto a identificar o zeme a0 idolo? Podemos apostar que, melhor que qualquer um na E: nha, Pedro Mértir era capaz de diferenciar os zemes das ilhas e (0s idolos dos farads. Nao tinha ele ido a0 Egito em 1501, por oca Fido de uma embaixada? Nao tinha ele feito uma descrigio das antiguidades desse pais na sua Legatio Babylonica™ ‘Zeme-espectro, zeme-diabo, zeme-{dolo: por mudangas su- cessivas, o objeto afunda sob etiquetas familiares, desaparece sob -s convencionais. A reviravolta progressiva de Pedro Martir 2 0 fim de uma época, de uma geragéo, de um olhar ¢ de uma curiosidade. Foi-se o tempo da descricao atenta ou da in- terpretacao original que corresponde ao quarto de século trans- cortido desde a descoberta de Colombo, Nao que essas'tentati- vas tenham sido isentas de distorgdes ou de preconceitos. Ao contrério. Ainda assim tiveram 0 mérito de tentar desvendar 0 x mistério daquilo que ninguém conhecia. Paradoxalmente, quanto mais abundantes as informagies, mais todos se contentam com a etiqueta estereotipada de fdolo ¢ de idolatria, Basta ler 0 cronista das Indias Fernandez de Ovie- do, que descreve em 1535 “as idolatrias e as ceriménias abomi- ndveis e diab6licas” das ilhas. © procedimento é sistemstico: pa- ra Oviedo, que no entanto conhece a América desde 1514, 08 (zemes sao pura e simplesmente “imagens do diabo” que os indi- xgenas consideram seu deus, ¢ esse diabo é “tao feio e tio pavoro- so como o pintam de ordinario os cat6licos ao pé do arcanjo 40 Miguel ou do apéstolo sio Bartolomeu”” Portanto, em 1535 a >referéncia iconografica ficou mais precisa ainda. As descrigoes de 9 primeira mao de Panée aos espectros dos pintores de Martir, ago- ra se sucedem as diabruras espanholas e flamengas do gético tar- dio sugeridas pela abundancia de detalhes que a pena afiada de Oviedo desfia: A figura abominavel do diabo pintado e talhado de intimeras e di- ‘yersas maneiras com intimeras cabegas e intimeras coisas, com ca~ ninos disformes e pavorosos, dentes ferozes dotados de grandes garras, orelhas des yedidas, olhos inflamados de dragito e de ser- pente feroz." ‘Mesmo se voltam a nos dizer que o cemi se manifesta a noi- tena forma de um fantasma,a imagem demoniaca inunda 0s re~ latos oculares de Pané e as primeiras interpretagoes de Martir. Confirmado em seu estatuto de representacao figurativa, 0 cemi perde toda a sua singularidade. £ reduzido 20 conhecido e a0 fa- miliar, ao balaio das imagens diabdlicas. Nao se olha mais para 0 objeto, e de antemio ja se possui sua chave, sua identidade. Ele € o sinal esperado, inevitavel da idolatria e da presenga do diabo. Dos moradores da ilha de Cuba, nada mais resta sendo declarar de forma lapidar que “a religido deles consiste em adorar o dia- bo"! Mas encontramos em Oviedo mais que isso. A imagem in- digena o obceca a tal ponto que o titulo de um de seus capitulos “As imagens do diabo que tinham os indios’ e 0 bordao das, “imagens infernais” serve de trama ao seu relato. O que o impres- siona é a proliferagdo da “imagem infernal’, e ndo o que ela repre- senta: “Na Terra Firme nao s6 eles se divertem em por essas imagens téo diabélicas e tao perversas em seus idolos de ouro, de pedra, de madeira e de barro’, como os reproduzem na forma de ta- ‘tuagens corporais"* em jéias, enxota-moscas, méveis, casas, em qual- quer lugar. Essa distorgdo do olhar num homem de agdo talvez se expli- 0 que em parte pela divulgagao das espetaculares “idolatrias” do M ‘pessoas muito distantes de querer compreender a fé catolica[..]-“ Ninguém ou muito poucos entre eles sto cristaos"* Funcionério da coroa, artesio direto da colonizagio, Oviedo se impregna de uma visio negra que rompe com 0 otimismo dos primeiros tem- ico e pelos desapontamentos da evangelizacao das ih pos. Seu engajamento “colonial” e antiindio o incita a fixareste- reétipos e clichés, enquanto em outros campos — sua Historia natural — revela-se um observador atento. Mas se 0s clichés vém a calhar para legitimar a colonizagao, essa‘“cegueira” se desdobra numa consciéncia aguda dos recur- «08 miiltiplos oferecidos pela imagem a transmissio,a fixacdo, a aber) Ele exprime isso maravilhosamente visualizagao de um saber) bem quando se inquieta com a proliferagio das representacoes & com sua pregndncia: “a efigie maldita™ nao seria 0 “selo [do dia- bo] impresso na pele e nos coragoes”” dos indigenas cuja resis~ téncia ao cristianismo Oviedo denuncia no mesmo impulso? ‘Alids, ele sabe diferenciar a imagem indigena do objeto e do ido- lo, Essa sensibilidade & imagem talvez esteja longinquamente l- jgada aos anos de adolescéncia passados na Toscana, em Roma, fem Napoles e na Sicilia, quando 0 autor descobria Mantegna ¢ Leonardo, O olhar pré-etnogrifico de Colombo ¢ Pané é substi- tuido por uma cultura da imagem repleta de calculos politicos ¢ ideoldgicos.” De Colombo a Pané, de Martir a Oviedo, o olhar ocidental f pousado nos objetos das ilhas foi se imobilizando aos poucos na ° dupa certeza de reconhecer uma imagem e nelaidentificar 0 dia bo, Passados 0 choque do desconhecido e a primeira interpreta- ‘gio colombiana, hesitante e maledvel, dé-se 0 enquadramento 10 se estiliza ese dramatiza, até (Mértir), 0 campo encolhe, a vira tona a“visio americana’,na verdade uma réplica pura esim- ples de um déja-vu europeu. O olhar do colonizador fixa no in- 4 digena a grade redutora, mas téo eficaz e cOmoda, do demonia- co. O cédigo & estabelecido de uma vez por todas, a sorte esti lancada. Obliteragio do singular, salto da descoberta a0 reconhe- cimento,a recusa de ver no é uma falha do olhar mas um impe- rativo duplicado de uma maldigio langada contra “imagens mal- ditas e perversas” Zeme:a categoria ¢ 0 termo conhecem, pois, uma carreira relativamente curta, 0 espago de uma geragio. O termo era bas- ‘ante vago para que permitisse descrever a maior parte dos obje- tos de culto e as “imagens” da “Terra Firme” (0 continente) ex- plorada depois das ilhas. Em 1520, Pedro Mértir ainda aplica a terminologia taina, associada a sua velha interpretagio “espec- tral’, as “imagens” mexicanas, aquelas que Cortés tinha observa~ do na iha de Cozumel dois anos antes: “Verificou-se que eles eram idélatras, circuncisados, e que imolavam garotinhos e ga~ rotinhas aos zemes ou as imagens de seus espectros noturnos a quem rendem culto”.® Pedro Martir lew Cortés, portanto sabe que aqueles indios possuem idolos. Mas, pelo visto, 0 objeto que teve em maos vin- te anos antes continua a obcecar seu imaginario. E esse justamen- te 0 peso daquilo que, com o tempo, torna-se um cliché, uma convengdo de linguagem. Nosso milanés nao ignora tampouco que 0s zemes mexicanos pertencem a um mundo diferente do mundo das has, a uma terra onde existem templos de verdade, prticas sacrificiaise até mesmo “livros” cujos“caracteres io qua~ se parecidos com os da escrita egipcia” ” — uma escrita que ele tivera tempo de sobra para observar durante a embaixada ao Eg! to, Apesar disso, levado pelo costume, nao hesita em pér a pala~ vyra Yeme™na boca do cacique de Cempoala, que tinha ofereci do sua alianga a Cortés: “Furiosos pela auséncia de sacrificios, nossos zemes deixarao os vermes devorarem nossas sementes” Efeitos das distancias, da idade talvez, inércia da lembranga, 2 facilidade de escrita e provavelmente habitus perceptual ‘a0. Também podemos imaginar que Martir — mas isso é ainda mais delicado de detectar —tivesse a consciéncia obscura de uma inredutibilidade americana que se expressasse através do zeme. Mas nem a observacio direta suficiente para fazé-lo mudar. Quando examina os objetos mexicanos enviadosa corteespanhola, ‘o milanés ainda encontra um jeito de identificar numa das rodas: arecendo um rei sentado em seu trono, uma imagem de um cb: vado, vestida até o tornozelo, semelhante a um zeme e com um rosto parecido com o que serve entre nés para representar 0s es- pe ‘ros noturnos.* Ble distingue, amarrada num escudo de pele tecido de plumas, ‘uma placa de ouro com a “efigie de um zeme”? Pedro Martir ndo desiste, como se s6 conseguisse enxergar aquilo que acreditava ter identificado e observado durante um quarto de século: a ré- plice, repetida por todo lado, dos espectros da noite. Em compen- sa¢2o, outro italiano, o ndincio Giovanni Ruffo)identifica nesses objetos apenas um rosto semelhante ao dos diabos dos pintores, “com a boca aberta e as faces muito inchadas’”* Ainda nao é um idolo. Pedro Mértir nao foi o tinico a vincular os zemes as repre- sentagées figurativas dos indios do México, Em 1518, um ano an- tes da chegada de Cortés, 0 capelao da segunda expedicdo que partira para explorar as costas mexicanas observou na ilha de Co- zumel zemes no alto de uma “torre”, ou seja, de uma pirdmide: “figuras, 0330s e cemies de idolos’:” Mas foi para acrescentar logo em seguida: “A julgar por suas maneiras, presume-se que [esas pessoas] slo idélatras”. Na passagem dos zemes aos idolos, ainda existe alguma precau¢ao (“se presume”), como se os indios do ‘México deixassem subitamente de ser associados 20 universo ex6- ae tico, desconcertante, estranho dos zemes para ser relacionados a uma sociedade mais familiar, que mais facilmente se pode no- rear ¢ localizar, com suas les, seus templos e sua “policia’® O termo‘emt (zeme) se dilui no restante do relato, sendo substi- tuido por “idolo”. De agora em diante, o olhar desliza sobre 0 ob- jeto, sobrevoa o idolo e vai mergulhar no mundo policiado que co cerca, Impressio de déjd-vie os ipotos DE corTés Em muitos aspectos os anos 1517-20 marcam uma guina- da, Se é em{1520 que Pedro Martir-adota.o.termo “idolo” em seu relato sobre a descoberta do México, tudo indica que a palavra pairava no ar das ilhas desde 1517. Jé nesse ano, quando os euro- ppeus voltaram da primeira expedigao as costas do México, os ob- jetos de culto, os “idolos de terra-cozida” que de lé trouxeram de- ram o que falar, embora o olhar ainda fosse hesitante, Aqueles {dolos intrigaram e fascinaram os espanhis das ilhas, como mais tarde os da peninsula: Alguns [eram] como cabecas de deménios, outros como cabegas de parecia que eram indios praticando atos sodomitas uns com os rs, outros mais tinham outas figuras to viciosas que outros’ ‘Asse crer no cronista Bernal Diaz del Castillo, que relata 0 epis6- dio quase quarenta anos depois, aquelas figurinhas alimentaram as especulagdes: Como eles viram idolos de terra-cozida e tantas espécies de figu- ras, diziam que elas vinham dos pagios. Outros diziam que elas ” g 8 a 8 $ (Sitar) TFICO OCEANO PAC vinham dos judeus que Tito e Vespasiano tinham expulsado de Je- rusalém e que jogaram no mar dentro de navios que haviam abor- dado aquela paragem.” Em 1518, durante a segunda viagem, deu-se um passo suplemen- tar: foram identificados “idolos de terra, de madeira e de pedra’, “figuras de deuses” e “do que parecia ser suas mulheres”? gy ( Portanto, é a abundancia de “figuras”, tanto quanto as ana- ~ > _ (Jogias visuais (mulheres, deménios) por elas inspiradas, que su- S<__ | gereapresenca de idolos antes que os vestigios de culto, a exis- téncia de oratrios e de sacerdotes, claramente comprovadas pela segunda expedigao, venham corrorobar as especulagées. Poucos anos terio sido suficientes para que 0 vocabulério se adapte aos novos elementos revelados pela aventura mexicana e para que ! seu uso conquiste 0 Ocidente. Mas, longe de corresponder a uma ercepcao mais fina, 0 ajuste provoca o obscurecimentde a pa- ralisia do olhar. Pelas reacoes manifestadas desde 1517 pode-se >) avaliar a opacidade da tela idolétrica imposta entre conquistado- res ¢ indios, Uma tela cuja robustez é a um s6 tempo intelectual ¢ passional: se as conotagdes negativas — demoniaca e sodomita —revelam entre os espectadores um primeiro gesto de repulsa | com toques de voyeurismo, a presenca multiplicada do idolo cons- titui um poderoso marcador cultural e histérico, uma referencia que logo se desdobra em outras, distantes, mas prestigiosas, a0 4 / mesmo tempo antigas ¢ familiares. A medida que o objeto figu- rativo ind{gena perde sua estranheza, abandona seu exotismo pa- 4) Tase tornar o equivalente da imagem falsa adorada pelos pagios, as terras descobertas entram sem maiores problemas num pas- ,_ Sado e num universo aparentemente comuns aos conquistadores © a0s indios: 0 dos adoradores de imagens. Desde a primeira expedigao, as sociedades mexicanas do gol- fo do México emergem do anonimato hist6rico-cultural das ilhas. 46 {dolos, ligam-se a historia antiga, que ¢ também his- toria das civilizagdes. Para alguns, tornam-se até mesmo terra «8 depois da destruigao do Templo de Jerusalém. Em 1518, menos-F peremptério, mas igualmente desejando fazer aproximagdes, 0 Gapelao Ua segunda expedigao imaginou detectar na prética da. Gircuncisio = ou daquilo que ele julgava ser uma circuncisio — © vestigio ¢, por conseguinte, a vizinhanga de mouros e judeu: Bis-nos longe dos paraisos estranhos e fabulosos que, um apés outro, fascinam e decepcionam os descobridores, longe também do Japo ou daquela China do grao-ca que Colombo procurava. ‘A idolatria dos mexicanos um fato bem estabelecido na véspera da partida deCorte ‘gio que resolver ir com ele sabem idolos por toda parte, Tudo se passa como se a pergunta inicial de Colombo — eles adoram imagens? — tivesse enfim encontra- do uma resposta afirmativa, O fato é que Cortés, e s6 ele, € quem explora a fundo essa “descoberta’ a0 decidir fazer do idolo algo muito diferente de um rétulo ou de uma referéncia comoda, ¢ inscrevé-lo no centro de sua estratégia pessoal. Essa estratégia de- manda, diante dos objetos figurativos mexicanos, uma atitude ambivalente que abre uma fase de transigao entre 0 tempo dos s €0 da caga aos idolos. Na carta de 1519 em que descreve os ritos da ilha de Cozu- » antemao que encontrario_“ zemé mel, Cortés evoca pela primeira vez os fdolos mexicanos, mas 0’ leitor fica insatisfeito em termos visuais. As roupas das efigies sto, registradas muito de passagem os sacrificios e as “ceriménias” a\ elas destinadas sio descritas; a afeigao (“a devogao, a fé ea espe- J ranga”) que lhes € dedicada'' espanta os espanhéis. Mas ele faz) logo é entendido « apenas anotagdes em relaga0 4 matéria. ‘m6 idolo, 6 objeto figurativo se torna mudo, opaco. Ao se imo- bilizar,o olhar se encobre, se ofusca. “Idolo”: basta a palavra. Jac. a ida dos judeus dispersados por Tito ¢ Vespasiano logo 9 \s membros da segunda expedi- J nao 6 preciso descrever a coisa, circunscrever sua origem, enun- | ciar suas propriedades."" No maximo, Pedro Martir sente a ne- cessidade de indicar que esses idolos sao imagens dos “man dos deménios funestos” dos indigenas."* £ © mesmo que nao di zer nada, exceto aquilo que o termo “idolo” pressupée. £ assim que toda uma gama de objetos figurativos cai na armadilha dos clichés e recebe de uma vez por todas sua destinacao, a idolatria, ¢ uma identidade preestabelecida, 0 fdolo. Outras pecas, porém, que sao claramente objetos figurati- ‘os cetimoniais, despertam mais curiosidade. A descrigao delas Edemorada, a apreciagao estética e mercantil as vale cara de madeira dourada,a mascara de ouro — considerada “mui- to bonita” —, “um homenzinho de ouro” que também usa masca- ra de ouro chamama atengdo do capelao da segunda expedicio."* A primeira carta de Cortés termina com o inventério dos obje- tos preciosos enviados ao rei sem que a palavra “ido- lo” aparega, quando & evidente que as “figuras de monstros” na “roda de ouro” ou na “mitra de pedra azul”, a “grande cabeca de jacaré de ouro” poderiam receber facilmente esse rétulo. Silencio tanto mais surpreendente porque em 1520, pelo que diz o nén- cio Giovanni Rutffo, os indios que acompanharam o envio das pegas confessaram “fazer suas preces diante da figura’ que orna- mentava as rodas de ouro e de prata. Mas 0 niincio também evi- taa palavra “idolo”* Idolo ou curiosidade preciosa? Antes de tudo, chama a aten- ‘lo que nos dois casos a exegese do objeto seja abandonada. Jé nninguém se pergunta o que ele representa nem ao que se refere, pois no caso do idolo é demasiado evidente, e no caso do objeto de valor € totalmente supérfluo. Essa indiferenca pela identidade e pela funcao especificas, essa relacao de superficie — estimula- da pela ignorancia que existe na época quanto as culturas mexi- canas — sfo o resultado de uma escolha, ¢ nao de uma incapaci- 8 dade qualquer de identificar 0 objeto; explicam provavelmente que um mesmo tipo de representacao possa passar de um regis- tro a outro segundo a matéria (madeira, terracota, pedra ou ou- ro, prata, gemas), ¢, portanto, que, em relagdo ao valor merca til, possa passar do nao-valor A avaliagiio monetéria, ¢, em termos de raridade, que possa evoluir do idolo maldito ao estatuto de curiosidade rara e estimada, Nao é de estranhar que nos digam ‘quanto pesa em ouro a grande “roda de ouro” decorada com a fi- gura dos monstros, bem como todas as pegas despachadas para a Espanha. Essas reagoes se repetem em marco de 1520, em Valladolid) durante a apresentagao dos objetos ao corpo diplomatico. Em- bora o niincio Ruffo se alongue mais nos detalhes das represen- tagdes e na fungao ritual de certas pegas, nao se esquece de con- tabilizar cuidadosamente o valor dos itens mais notéveis. O olhar de Pedro Martir nao se diferencia: o relato do milanés da a im- pressao de que ali existe um bazar de curiosidades desembaladas diante dos olhos perplexos dos cortesdos, sem que a observagio ultrapasse a descrigao superficial, 0 grito de admiragao ou a ava- liagao mezcantil, quando o objeto merece. Na confustio, sucedem- se calendéios de ouro e de prata (as “rodas”), objetos de plumas, armas, esctudos, cabegas e peles de animais, pepitas de ouro € co- lares de pedras, tiaras e mitras, ‘peles de panteras’, penas de pa- pagaio essa “infinidade de figuras e de rostos” cuja beleza e qua- lidade embasbacam e fascinam Pedro Mértir: “Parece-me nunca \ ter visto nada que possa por sta beleza atrair com tanta forga 0s / olhares humanos”.*” Em sua época, Colombo também ficara ex- tasiado com a “beleza” das ilhas. ‘Como nao salientar 0 duplo olhar dos europeus? Um nas 5, Gerras descobertas, nos perigos da conquista, prejudicado pelo prisma demoniaco que confere ao objeto figurativo um estatuto “9 ou destinado a Espanha —, diletante, curioso, que nao interpre- ta, nao se preocupa com o significado, mal se interessa pela fun~ ‘go, atendo-se a consideragdes externas, materiais e “estéticas” Evidentemente, essa contradigdo € 56 aparente. Ela decorre da ambivaléncia da propria nocao de idolatria que é tanto o sinal incontestével da presenga do diabo como o sintoma visivel e pal- pavel,a marca manifesta de sociedades civilizadas a partir do mo- delo da Antiguidadé*Jsso explica que, dependendo do.contexto edo valor intrinseco, um dos enfoques passe na frente do outro, No México, a imagem ¢ um {dolo; arrancada de seu espaco, por pouco que valha a pena envié-la & Espanha, a mesma imagem se torna uma curiosidade inofensiva, bela e sedutora, prova ¢ lem- y brete de que a neutralizagao das agens do adversirio deve pas- ‘ sar sistematicamente por sua descontextualizagao. ‘Atitude andloga prevalece em relagdo aos “livros” dos mexi- ‘canos, isto €, aos famosos Cédices pictograficosdos quais alguns também esto na corte, Hernan Cortés cita dois livros “do gene- 10 desses que tém os indios daqui’y* e acrescenta “seis peas de pintura a pincel”,” sem aliés se preocupar em indicar 0 que elas representam. Os desenhos que Pedro Martir observa Ihe sugerem um paralelo audacioso com os livros impressos e ilustrados de seu tempo, Embora o milanés saiba perfeitamente que algumas dessas obras contém “a ordem de seus sacrificios e de suas ceri- ‘ménias’, recebe-as com o interesse e a curiosidade que devia ter manifestado no Egito diante dos hieréglifos. Como no caso dos Idolos, 0 fato de extrair o objeto de seu contexto escamoteia sua “natureza idolétrica e demoniaca, a ‘Ainda assim, tem-se a sensagao de que, em torno de 1520, passa-se por uma fase transitoria, entre a sensibilidade renascen- tista ea curiosidade assombrada dos primeiros anos, que se fixa- vam nas pecas desprovidas de qualquer valor comercial, ¢ a ce- gueira que esta por vir, quando surgird a sanha destruidora dos 50 idoloclastas. A distancia oceénicaintroduz defasagens inevitives ‘&significativo que, na Europa, Pedro Martir ainda “veja” zemes" ali onde Cortés denuncia idolos. Mas 0 processo est bem inicia- do. A observacio “etnografica” e a acuidade do olhar sairdo per- dendo. Os sintomas esse desinteresse sio abundantes. O termo amerindio cemi— ou sua transcrigao zene — jé esté sendo der- rubado, sem que as linguas do México fornecam palavras mais bem adaptadas aos objetos que os conquistadores descobriram: a0 com s6 restou concluir lentamente na Europa ena América uma carteira literdria sem esperanea de recuperacao ou de pro- mogao. No Mercurio composto por Arias de Villalobos no inicio do século xvtt, Quetzalcoatl aparece como um zeme, mas Tlaloc 60 “deus” do Jago.” Alids, nos primeiros tempos ndo se faré ne- nhuma pesquisa sobre as efigies mexicanas. Tampouco haveré qualquer outra referéncia a pintura e aos pintores europeus para explicar e descrever os idolos indigenas: quanto a esse ponto, Cor- tés nao tem 0 olho do Quatrocentos. Nem mesmo 0 olho gético. Finalmente, prevalece a obsessio com o valor que os primeiros ‘zemes enviados & Europa ndo tinham suscitado, de tal forma nao passavam de pobres objetos de madeira e de peda. Bssa mudanga de apreciacao e de perspectiva nao ¢ fruto do caso. Na Europa, vai ficando para tris o primeiro Renascimen- tose vai se esfumando o intérprete italiano dos Descobrimentos: Colombo, o genovés, morre em Valladolid em 1506, Américo Ves- piicio, o florentino, falece em Sevilla em 1512, Mértir, o milanés, expira em 1526. Com a eclosio da Reforma, a questao das idola- trias — as da Roma catélica — passa 4 ordem do dia. A coloni- zacao dacAmérica & medida que se torna um negécio quase ex- clusivamente dos castelhanos, andaluzes ¢ estremenhos, choca-se com sociedades complexas, policiadas, dotadas de leis, mercado- res, templos ¢ religides,” que exigem estratégias de dominacao mais elaboradas. A guerra das imagens esté prestes a eclodir. 2 interpr Em outras palavras, se Cortés nao enxerga o que tem diante dos olhos, é sobretudo porque sabe de antemao que deve en- 10 México para justificar sua conquista: idolos. De Co- iombo a Pang, de Pané a Martir, de Martir a Cortés, ao sabor de todos esses relés o Ocidente pousa olhares sucessivos sobre 0 ob- jeto, figurativo ou nao, da América. A imagem que os europeus perseguem ¢ que os obceca aparece a partir de entdo como uma ogdo que eles cartegam consigo, uma categoria que fixam nas coisas e cujos contornos emergem ao longo de suas ages de ob- servadores ¢ descobridores. Tanto quanto uma representacao fi- gurativa (espectro, homem, mulher..), a imagem é uma referén= cia, um marcador cultural,a0 mesmo tempo que um instrumento — para Oviedo, o do diabo. Pressente-se também que € indisso- cidvel de um conjunto complexo ¢ mével de atitudes, sensagoes € interpretagdes, de um imagindrio cujas modulagdes incessan- tes adivinhamos, mesmo se dele ainda s6 captemos pouca coisa, De 1492 a 1520, o maximo que acontece é que as fases e 0s ele- _mentos esparsos se perfilam, sucedem e conjugam; sao eles: a ana- logia visual e superficial a que recorrem os olhares desavisados, a “especulagao sobre a fuli¢ao, baseada na pesquisa de campo ou extrapolada, a atribuigao de uma identidade implacavelmente re- dutora, o maravilhamento diante da “beleza” que se empresta a0 objeto,” a curiosidade do descobridor ou do colecionador euro- eu,” tentativa de captar o estranho e o singular num impeto “pré-etnografico”. O nivel de receptividade, as expectativas, as, grades perceptuais e conceituais mobilizados por esse imagind- rio modificam-se ao sabor dos meios, dos tempos ¢ das terras descobertas. Por exemplo, a obsessao da idolatria nao para de do- minar a visto do idolo, (Zeme, diabo, idolo ¢ imagem nao séo apenas nomes postos nos objetos novos; eles traduzem e sintetizam no registro do.ima- gindrio a evolugao das relagdes entre os europeus e os indigenas. 2 Balizam um pensamento figurativo que aqui nao se expressa pe- las eriagbes plasticas, mas encadeia interpretagdes que se revelam cada vez menos sensiveis & especificidade dos mundos encontra~ dos. No final das contas, mesmo se nao_véem as mesmas coisas, todos eles — Colombo e Pané ao chegarem, os espanhéis insta- Tados nas ilhas, os letrados de Granada, 0s italianos da Espanha —espreitam nos indigenas a presenca da imagem de cult, sinal de uma religido e de uma sociedade complexa, indicio de uma r ‘queza cobicada e a ser apropriada, Desde Colombo, a expectati- va € constante. Uma vez concretizada, gracas a0 México, resta re- das imagens do adversério. Cortés se encarregard Go Pra Copytight © 1990 by Librairie Arthime Fayard Cet ourage, publié danse cadre programe ded a publication, ‘oii soutien da Ministre fangs ds Aires Eeangeres. te iv, publicado no ambito do programa de partcipagio& publicagio, contou com o apoio do Ministero frances dis Relates Fxerores. Til original La guerre des images — De Christophe Colomb al Rurner (1492 capa Ettore Bottiat Foto de capa ‘Sergio Dorantss/CorbisStock Photos Prepare lane de Abreu Santoro Revisoo {Carmen Sd Costa Oca Nanes Dao Irion de aga ma Pb (ci) (Clnus ae do Lives bal “gers as imagens: de Crtoni Caen «Blade anne psn) ge Grain eda Ren ee (Eng in aco Copia do Ltn Ss “icra csiags de Chine Cole nade tan) meget" Ndaes 4 Mose Cigars Intcepun caogocmenive {2006} “Todos os direitos desta ego reservados Rua Bandeira Polit, 7026-32 ‘432-000 — So Paulo — 9? Telefone: (u) 3707-3500 Fax (3) 707-3501 wo-companiadaetrascom.br A membria de meu pai

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