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O planejamento

socialmente necessário
Fernando Pedrão*

Resumo Abstract

Numa visão em retrospectiva da experiência do planejamento, Looking backwards to the experience with planning, some
ressaltam alterações na relação entre a percepção de proble- changes stand out as far as the relationship with problem percep-
mas, a linguagem das políticas e a capacidade de lidar com in- tion, policy language and the ability to deal with uncertainty and
certeza e autodeterminação. O significado histórico das institui- self-determination are concerned. The historical meaning of insti-
ções situa as experiências específicas do planejamento no tempo tutions places specific planning experiences in time and space,
e no espaço, mostrando como se combinam os aspectos tecno- showing how the technological and ideological aspects of a theory
lógicos e ideológicos de uma teoria da ação que se reporta às of action can be matched, regarding the specific planning conditions.
condições específicas em que se planeja. No Brasil, vimos como In Brazil, we see how the outcome of positive and negative as-
surgiram aspectos positivos e negativos das tentativas de con- pects of the attempts of carrying out public interests according to
duzir os interesses públicos segundo padrões de racionalidade patterns of rationality that are different from the ones that control
diferentes daqueles regem a reprodução do sistema político. the political system reproduction.

Palavras-Chave: Planejamento, Estado, política econômica, equilí- Key words: Planning, State, economic policy, balance, accumu-
brio, acumulação. lation.

A EXPERIÊNCIA E A TEORIA Por isso, o planejamento é, essencialmente,


uma questão de interesses. Não pela simples des-
O ponto de partida destas reflexões é que a tinação de recursos escassos, senão porque as
gestão do capital requer seqüências e conjuntos de decisões que são progressivamente tomadas alte-
decisões racionais e interdependentes, que corres- ram a capacidade de atender a interesses atuais ou
pondem ao que, geralmente, se entende por plane- de prever soluções futuras.
jamento. Assim, em qualquer circunstância, há pla- Esses problemas de gestão aparecem sob no-
nejamento, seja ele realizado pelo Estado ou por vas formas, porque alargou-se o controle monopo-
empresas; e o planejamento efetivamente realizado lístico da economia mundial. As modificações na es-
sempre é o resultado de uma composição de poder truturação mundial do poder econômico nas últi-
que aparece, simultaneamente, no plano político e no mas décadas impõem a retomada de alguns
econômico. A falta de planejamento significaria a au- aspectos de um estilo de trabalho que se desenvol-
sência de conjuntos de decisões significativas fren- veu nas décadas de 40 e 50 do Século XX, cujos
te a problemas essenciais, podendo resultar na fundamentos vêm das duas décadas anteriores.
perda do capital acumulado e na desvalorização do Trata-se de desenhar e realizar políticas públicas
trabalho que hoje se realiza. capazes de superar tendências seculares de atra-
so, pobreza crônica e crítica e desigualdade, por-
* Livre docente da Universidade Federal da Bahia, Diretor do Instituto de tanto, de trabalhar com objetivos globais das eco-
Pesquisas Sociais. fcpedrao@terra.com.br nomias nacionais.

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O PLANEJAMENTO SOCIALMENTE NECESSÁRIO

O planejamento moderno surgiu na década de ca a produzir um corpo doutrinário integrado, que


1920, como uma intervenção sistemática na eco- se renovou durante algum tempo1.
nomia e na tecnologia, alcançando o campo social O debate entre os defensores de políticas de
em geral. Essa atividade exprime uma perspectiva desenvolvimento equilibrado e não-equilibrado já
moderna, ao identificar bem-estar com prosperida- prenunciava a maré conservadora da década de 70
de material e com elevação tecnológica. Assim, o do Século XX, mas então a prioridade concedida às
planejamento promoveu uma industrialização ho- transformações econômicas modernizadoras, ge-
mogeneizadora, cujo sentido de finalidade é muito ralmente identificadas como desenvolvimento, favo-
mais amplo que o captado pela organização fordis- recia as opções de desenvolvimento não-equilibra-
ta. O planejamento supõe uma teoria da ação social do, fazendo-se uso do conhecimento da engrena-
e uma compreensão crítica do contexto em que ela gem da produção como base para a transformação
se dá. É um modo de realizar políticas sociais e um e não como um fim em si mesmo. A insistência de
modo de trabalhar em geral. Há um aspecto práti- Prebisch em encontrar soluções de desenvolvimento
co, relativo às experiências que sustentaram a con- sem inflação, bem como o entendimento generali-
cepção de planejamento; e um aspecto teórico, re- zado de que os países latino-americanos deveriam
lativo aos fundamentos doutrinários do planeja- encontrar um caminho próprio de desenvolvimento,
mento, compreendendo sua base em Economia, representava um descolamento do pressuposto or-
Sociologia, Demografia, Geologia, com sua funda- todoxo de que, finalmente, a economia mundial de-
mentação lógica e matemática. Trata-se do projeto veria seguir um mesmo padrão, que seria o dos
de autodeterminação surgido na Europa no perío- países hegemônicos.
do entre as duas guerras mundiais, desenvolvido A partir da década de 1970, o planejamento pra-
principalmente na esfera da União Soviética e, de- ticamente deixou de ser discutido nos meios aca-
pois, esposado pelas políticas de Lord Beveridge dêmicos, como resultado da hegemonia da combina-
de combate ao desemprego. Diversas outras ex- ção análise neoclássica com políticas neoliberais.
periências de planejamento, na França, nos Paí- Passou a ser visto unicamente por suas versões
ses Baixos, nos países nórdicos, na Índia, consti- simplificadas ou como uma disciplina que interessa
tuem um notável acervo de experiência que não primordialmente às empresas. O fundamento desse
pode ser descuidado, tendo, de algum modo, in- descrédito foi inegavelmente político, ao mesmo as-
fluído no que em algum momento se fez na Amé- sociando-se os preconceitos difundidos pela Guer-
rica Latina. ra Fria. Nos meios acadêmicos o fundamento para
Depois da Segunda Guerra Mundial houve um esse descrédito está associado à sua suposta fun-
apoio generalizado das potências ocidentais ao damentação keynesiana, que é uma contradição
planejamento, principalmente para a reconstrução mais que um equívoco. O planejamento depende de
da Europa e para controlar os movimentos de inde- uma visão dinâmica do processo econômico, que
pendência na Ásia. Os planos qüinqüenais da Índia
tornaram-se uma referência. Nesse campo, a ex- 1
Nos últimos anos voltou-se a escrever sobre a CEPAL, geralmente foca-
lizando-se a doutrina centro-periferia e a ênfase da CEPAL na industriali-
periência latino-americana foi bem mais complexa zação. Passaram-se por alto as contribuições da CEPAL em estudos do
que parece hoje, porque envolveu tentativas de comércio internacional, da agricultura e do planejamento rural, dos trans-
portes, do planejamento regional, do planejamento do setor público e da
restauração da riqueza já alcançada, principalmen- educação, além de no apoio aos países latino-americanos em seus esfor-
te nos países do Cone Sul, e tentativas de transfor- ços próprios de planejamento. Atribuiu-se indevidamente à CEPAL a polí-
tica de substituição de importações do Brasil, que de fato se iniciou antes
mação, tal como no Brasil e no México. No entanto, da criação daquele órgão. Mitificou-se o desenvolvimentismo da CEPAL,
as primeiras iniciativas de planejamento surgiram que, em grande parte, foi um esforço de recuperação da prosperidade
que os países do Cone Sul desfrutaram entre 1890 e 1914. Ao mesmo
na década de 1930, antecedendo as européias na tempo, deixou-se de registrar o enorme esforço despendido nas décadas
criação de instituições especializadas para financia- de 1950 e 1960 para criar um corpo de conhecimento consistente e com-
parável dos países latino-americanos. Finalmente, subestimou-se a con-
mento do desenvolvimento, tais como a Corpora- tribuição de diversos intelectuais, espanhóis e hispano-americanos na
formação do pensamento da CEPAL, destacando-se, dentre muitos, os
ção de Fomento, no Chile e a Nacional Financeira, nomes de José Medina Echevarria, Carlos Oyarzún. Jorge Ahumada, Ju-
no México. A experiência latino-americana foi a úni- lio Melnick e Aníbal Pinto.

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só se foi encontrar em Harrod (1961, 1972), justa- as com planejamento mostra que todas essas ques-
mente num ponto em que se distancia da estrutura tões sempre estiveram presentes, que não podem
keynesiana básica de equilíbrio instantâneo. A par- ser ignoradas, sob pena de reduzir-se o planeja-
ticipação dessa corrente de pensamento refere-se mento a suas formas operacionais. Planejamento
a uma atividade pública compensatória, que, leva- não é uma simples técnica, que pode ser aplicada,
da a suas últimas conseqüências, resulta numa indistintamente, em qualquer circunstância e por
doutrina de economia do setor público, mas não qualquer sujeito social, nas esferas macro ou micro,
responde pela complexidade das propostas de pla- a longo ou a curto prazo. Pelo contrário, pressupõe
nejamento, que pertencem a outras matrizes con- condições históricas concretas e uma visão de tota-
ceituais anteriores e essencialmen- lidade, que compreende os planos
te diferentes da dos seguidores de Não há planejamento macro e microeconômico, bem como
Keynes2. sem ideologia, porque uma visão das inter-relações en-
Hoje, só podemos reconstituir todo planejamento tre o curto e o longo prazo com um
uma visão geral do problema, re- envolve seqüências sentido dos espaços envolvidos nas
vendo os fundamentos teóricos da de escolhas, que, decisões do planejamento. Também
década de 1940. Como sabemos, em seu conjunto, há relativo consenso quanto a que
o Equilíbrio monetário de Myrdal põem a sociedade se trata de uma atividade contí-
(1932) foi o documento que que- frente a questões nua, com efeitos progressivamen-
brou o preceito de análise instan- tais como a distribuição te mais consistentes, segundo se
tânea do marginalismo, que pros- da renda e o uso de criam seqüências de atividades.
seguiu com Keynes, mas nenhum recursos naturais As sociedades desenvolvem a ca-
desses movimentos pôr-se-ia à al- pacidade de planejar à medida
tura do trabalho em marcha desde a década de que planejam. Por isso, o planejamento é uma ati-
1920 na União Soviética, representado pelas con- vidade do possível, que se desenvolve entre o limi-
tribuições de Fel’dman, com o desenvolvimento das te da simples repetição do que já existe e a mudan-
técnicas de balanço de materiais e com a criação ça utópica, que não se pode realizar procurando
de complexos industriais3. A tentativa de equacio- uma trajetória previsível. Todo o uso das técnicas
nar o planejamento em termos da análise keynesiana de projeção depende desse princípio, de identificar
resultaria em reduzi-lo às determinações do mundo rotas previsíveis e margens de erro controláveis.
saxão, que seria uma contradição de termos. Igualmente, não há planejamento sem ideolo-
Há uma diferença inicial entre a concepção de gia, porque todo planejamento envolve seqüências
planejamento como atividade do Estado ou como de escolhas, que, em seu conjunto, põem a socie-
atividade social, isto é, cuja realização depende de dade frente a questões tais como a distribuição da
participação social, que, finalmente, levanta uma renda e o uso de recursos naturais, resumindo o
questão decisiva sobre a representatividade social esforço que a sociedade se decide a empreender,
do Estado. Uma visão retrospectiva das experiênci- que vem a ser a imagem objetivo do planejamento
(ILPES, 1972).
Em sua essência, o planejamento procede de
2
Nesse ponto, são de especial interesse os ensaios de Maurice Dobb
reunidos em Capitalism, development and planning (1968), que exami- uma matriz militar de modo de agir e corresponde a
nam a experiência soviética à luz da perspectiva ocidental.
um modo de funcionamento do Estado moderno da
3
Os balanços de materiais foram posteriormente desenvolvidos por Wasily
Leontieff na forma da análise de relações inter-industriais – o quadro de industrialização, que pretende combinar resultados
insumo-produto – que foi, primeiro, utilizado para fins militares, e, depois, de eficiência e de desenho social com uma concep-
incorporado à análise de sustentação do planejamento. O sistema de
análise usado pela CEPAL consistia na combinação do esquema de aná- ção de poder. Planejamento e estratégia são ter-
lise representado pelo modelo Harrod/Domar com o quadro de relações mos que se referem à identificação de objetivos e
interindustriais e, mais tarde, com a programação linear e com análises
de sensibilidade. Dependia, portanto, de um conhecimento direto do fun- ao modo de realizar atividades bélicas. O planeja-
cionamento dos setores da produção, o que em parte deve explicar a forte
tendência de pesquisas setoriais de apoio ao planejamento, tanto no âm-
mento é o modo de alcançar a melhor mobilização
bito nacional como no estadual. de recursos e a estratégia é o modo de usar esses

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recursos frente aos usos de recursos de algum No conjunto, é preciso ver quais são os elemen-
oponente. A relação umbilical entre planejamento e tos principais e quais são os secundários. No es-
estratégia jamais pôde ser negada. Desde Sun Tzu sencial, o planejamento como sistema e os planos
até von Manstein, o planejamento é o modo de exe- como estruturas são modelos lógicos, que só ofe-
cutar as estratégias. O aspecto econômico da ques- recem os resultados inerentes a suas premissas. O
tão também sempre esteve presente, desde Napo- planejamento baseado em modelos econométricos
leão às atuais guerras do petróleo. A diferença é que simplificados – que são sempre complicados e
nos tempos da economia industrial a estratégia en- comportam margens de erro e incerteza de difícil
volve o planejamento da totalidade dos recursos hu- controle – representa uma margem de risco adicio-
manos e materiais (LIDDELL HART, 1963). nal, conseqüente da falsa certeza que sugere4.
Assim, para entender o significado e os resulta- O planejamento ou planificação, que foi seu
dos do planejamento, é preciso referir-se ao campo nome moderno original, envolve um compromisso
de problemas que ele enfrentou – e que, aparente- da sociedade, isto é, significa compromissos, que
mente, continua enfrentando – e às leituras que são assumidos ou aceitos para realizar o que se
dele foram feitas, por homens de Estado e por insti- pretende. Assim, é uma atividade que tem que ser
tuições públicas e pela academia e por empresas, socializada de algum modo, isto é, tem que envol-
ao longo do século XX. No sentido hoje dado a pla- ver margens de compromisso dos diversos grupos
nejamento, trata-se de uma atividade do Estado in- constitutivos da sociedade. Tal acordo pode ser mais
dustrial na condução de homens e recursos para ou menos espontâneo ou realizar-se sob pressão
finalidades nacionalmente escolhidas. A industriali- de uma dada concentração de poder. Num extremo
zação da produção acentuou a relação entre as es- ou no outro, pode significar maior confiabilidade das
colhas do planejamento e o tempo em que elas ações e menor capacidade de refletir os interesses
devem ser adotadas, em grande parte porque o dos grupos.
atraso ou o desvio de decisões geram custos, que
não necessariamente o sistema de produção pode O ATUAL CAMPO DE PROBLEMAS
absorver. Os exemplos dos programas de financia-
mento agrícola e do calendário de obras em trans- O planejamento surgiu, como atividade reitora do
portes e energia são reveladores das margens de Estado, no Século XX, nos países que pretende-
flexibilidade com que a economia nacional opera. ram conduzir a modernização fundamentando-se
Decisões executadas fora de prazo podem ser inú- em certas interpretações que deveriam embasar o
teis ou prejudiciais. estabelecimento dos rumos da sociedade. Em to-
Subjacente em toda a literatura sobre planeja- dos os casos, esteve ligado a uma compreensão
mento, teórica e desenvolvida a partir de experiên- do papel do Estado na transformação da sociedade
cias práticas, a questão do tempo é fundamental. burguesa, entendendo que aí se encontrem alguns
Tempo no sentido da duração das ações e de seus problemas que não podem ser ignorados. O plane-
efeitos e tempo no relativo ao momento em que es- jamento seria uma modalidade, tecnicamente me-
sas ações podem ser empreendidas ou em que le- lhor articulada, para realizar políticas públicas – eco-
vam ao alcance dos resultados pretendidos. Daí, a nômicas, sociais, ambientais – analisando explicita-
noção de que deve haver planos com duração defi- mente a estruturação política em que opera ou que
nida, ajustada aos tempos das principais variáveis. representa. Mas não substitui nem restringe o cam-
Os períodos das colheitas, as taxas de crescimen- po das políticas públicas, no qual se definem diretri-
to da população, a duração prevista dos bens de zes e na qual se trata, explicitamente, da articulação
capital, os períodos orçamentários, os tempos da entre a esfera política e a da administração.
dívida externa, são referências necessárias. Esses
são os tempos em que o planejamento se insere, 4
Uma visão geral ordenada das referências e das limitações da elabora-
ção de modelos para planejamento foi-nos dada por Jan Tinbergen, em
que se completam com os tempos das iniciativas seu Política econômica (1961), em que trabalha com a relação entre os
constitutivas dos planos. tipos de modelos e seus usos previstos.

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Nesse sentido, o planejamento trata justamente Sinteticamente, o campo de problemas do pla-


das questões inevitáveis e inadiáveis que a socie- nejamento pode ser colocado em três grandes tópi-
dade enfrenta. Não porque os recursos sempre se- cos: a necessidade de políticas públicas e a impos-
jam escassos, mas porque se tornam escassos em sibilidade de substituí-las por qualquer outro tipo de
certos momentos, em certos lugares, para certos ação; as contradições da racionalidade na esfera
grupos e para certas finalidades; e porque há pro- pública, que neutralizam decisões adotadas ou anu-
blemas de escassez absoluta de recursos insubsti- lam decisões por sua não-realização em tempo útil;
tuíveis. O Brasil não pode prescindir de um planeja- e o referencial político, cultural e técnico da ação
mento energético nem dos transportes e, como a do Estado, que pré-determina suas relações com
experiência vem demonstrando, as empresas e com a cidadania.
esses temas não podem ser dei- Decidir pelo planejamento Todos esses elementos requerem
xados por conta de um mercado pressupõe que se uma ampla e fluida comunicação
progressivamente monopolístico, reconhece que os custos na sociedade, que é o ambiente da
no qual simplesmente se substitu- de não planejar serão ação dialógica proposta por Ha-
em os interesses da sociedade maiores que os de bermas em sua Teoria da ação co-
pelos de algumas empresas. planejar, assim como municativa (1987). As condições
Planejar significa fazer esco- se reconhece históricas – reais – de diálogo em
lhas entre rumos de ação, isto é, que as decisões cada sociedade indicam as possi-
distribuir prioridades no tempo. A imediatas afetarão as bilidades de progredir na direção
rigor, é possível pensar em termos decisões futuras de soluções socialmente adequa-
de um planejamento propositivo e das.
de um planejamento defensivo, em que o primeiro O tratamento desses temas no plano econômi-
procure formular planos que ampliassem a capaci- co propriamente dito envolve alguns problemas
dade de decidir e o segundo procure remover obs- operacionais, pelo menos em três aspectos, que são
táculos ou estrangulamentos. Em ambos os casos, os de determinação de preços, conversibilidade da
olhando a experiência brasileira, pode-se concluir moeda e política tecnológica (DOBB, 1960)5. En-
que tanto o planejamento propositivo como o de- contrar um conjunto de preços representativo da
fensivo enfrentaram um problema central de mu- demanda é um problema quando se trabalha com
dança, representado pelas transformações do am- os valores insumidos na produção dos bens e dos
biente econômico mundial, que obrigam a pensar serviços, ou seja, quando se tem por diante um
em termos de mudança bem como de distingui-las problema de conversão de valor em preços. De
e de verificar suas velocidades. qualquer modo, é uma questão que só se coloca
Por isso, planejar significa adiar ou negar reivin- plenamente quando se considera que se trata de
dicações de alguns grupos sociais, parcial ou inte- situações em que há transformações do mercado.
gralmente, implicando, portanto, que os planejadores No essencial, há um problema de determinação de
incorram em impopularidade. Toda política social preços que não pode ser tratado sem se reconhe-
envolve custos. Decidir pelo planejamento pressu- cer o problema técnico de, por sua vez, reconhecer
põe que se reconhece que os custos de não plane- os sinais de mercado em função da quantidade de
jar serão maiores que os de planejar, assim como bens e serviços que serão produzidos e não em
se reconhece que as decisões imediatas afetarão função dos que estão hoje disponíveis. Esse pro-
as decisões futuras. Há nisso uma teoria da ação blema se complica seriamente quando se trata de
social, que envolve as intervenções dos diversos bens e serviços cuja produção depende de compo-
participantes no processo social e que, muitas ve-
zes, tem sido confundida com uma teoria das deci-
5
Na realidade esses problemas atingem as políticas econômicas de to-
dos os países industrializados, mesmo aqueles que aparentemente rejei-
sões, a qual pressuporia se tratar de decisões uni- tam integralmente o planejamento, tal como os EEUU e a Grã-Bretanha,
laterais do Estado, que ignoram as margens de que, na realidade, praticam políticas de preços direta ou indiretamente e
conduzem políticas tecnológicas e educacionais e de pesquisa, as quais
poder dos participantes da sociedade. conduzem o perfil dos investimentos ao longo do tempo.

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nente importado e, portanto, requer referências in- foi um dos pontos mais delicados das políticas de
ternacionais de mercado. desenvolvimento na América Latina, em que essas
O mesmo problema se apresenta a seguir, rela- deveram se distanciar mais das européias, por sua
tivamente à seleção de bens e serviços que garan- necessidade de conhecer melhor sua fundamenta-
tirão a conversibilidade da moeda. O planejamento ção cultural americana e africana. As polêmicas em
da economia nacional não pode se propor um estilo torno dos aspectos etnoculturais e dos segmentos
de desenvolvimento autárcico, dependendo, por- marginalizados e excluídos das sociedades ameri-
tanto, de encontrar um estilo de desenvolvimento canas foram fundamentais para a construção de
que reduza obstáculos num mundo de relações de- uma abordagem relevante para produzir políticas
siguais. O planejamento sempre pressupôs a pos- sociais compatíveis com a situação dos países lati-
sibilidade de antecipar, no todo ou em parte, o perfil no-americanos.
da demanda, bem como pressupôs que num ambi- Finalmente, a questão da conversibilidade da
ente monopólico e subdesenvolvido nunca houve moeda envolve a capacidade dos países para sus-
uma verdadeira soberania do consumidor. O princí- tentar suas moedas, algo que, como se sabe, na
pio marginalista de soberania do consumidor pres- prática costuma variar. Os atuais problemas da Ar-
supõe que o consumo é realizado por consumido- gentina testemunham essa limitação, mostrando,
res individuais que têm rendas suficientes para de modo mais dramático, problemas que o Brasil
escolher e definir seu consumo. Esses dois pressu- enfrentou na década de 1980. Reconhecendo-se
postos não são válidos, dado que a maior parte do que as moedas plenamente conversíveis são apenas
consumo é feita por coletivos – famílias e comuni- aquelas dos países mais ricos, é preciso trabalhar-
dades de diversos tipos – e que a maioria da popu- se com as condições concretas de conversibilidade
lação não tem renda suficiente para realizar atos com que se conta. A composição do financiamento
significativos de consumo. da economia nacional, nela incluídos o peso da dí-
Assim, planejar a partir de previsões de deman- vida externa e o da saída de capitais, a médio pra-
da seria perfeitamente válido, porque simplesmente zo, resulta em deslocamentos de posição na dire-
pressupõe que se reconhece o consumo provável ção de maior ou de menor conversibilidade.
com a renda disponível provável. Além disso, signi- Nas condições objetivas em que se realizam as
fica que se reconhece o papel dos coletivos na so- políticas econômicas e sociais, as referências con-
ciedade de hoje, como consumidores, como inves- ceituais do planejamento podem ser apresentadas
tidores e como formadores de opinião. Esse, aliás, tal como no diagrama a seguir.

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No conjunto, trabalha-se com previsões, quanti- uma referência fundamental, em que se consideram
ficadas ou não, cuja seleção e cuja representativi- ações e seqüências de ações com variada duração,
dade devem ser objeto de avaliações progressivas as quais se conjugam em determinados momentos
que permitam tomar decisões sensatas e oportu- de sua trajetória. Esses elementos podem ser resu-
nas, e com revisões do corpo de conhecimento in- midos tal como no Diagrama n. 2, a seguir.
tegrado, que ganham novo significado à medida que Manter a sensibilidade a esse conjunto de refe-
se amplia o conhecimento disponível. rências é uma tarefa que demanda uma visão de
Os ajustes entre previsões e verificações, bem conjunto do processo que, por definição, é antagô-
como entre intenções iniciais e perspectivas prová- nica da separação entre os planos macro e micro-
veis, exigem uma prática constante, que já foi colo- econômico. Pelo contrário, trata-se de produzir meios
cada como um problema de relação entre o escritó- de articular os aspectos macro com os micro, de-
rio e o campo, mas que, na verdade, significa a senvolvendo mecanismos de trabalho adequados
necessidade de fluxos constantes de comunicação para acompanhar a relação entre a adoção de de-
entre os diversos participantes do processo, segun- cisões e sua realização. A estruturação dos planos
do desempenhem as mesmas funções ou ganhem em setores revelou uma tendenciosidade do modo
ou percam mobilidade, portanto, mudem de fun- de pensar dos planejadores, que, na prática, incli-
ções no decorrer do processo. O planejamento nam-se a preferir se apoiar nos campos em que dis-
sempre trabalhou com referências estáveis e refe- põem de mais informações ou naqueles onde su-
rências incertas, que se combinam de modo variá- postamente há mais conhecimento controlado e tes-
vel ao longo do processo de trabalho. O sentido tado, frente aos campos onde se reconhece que as
prático de planejar dependeu sempre do controle intervenções têm maior impacto estratégico
dessa relação entre o universo externo de incerte- Tal capacidade de realizar planos e programas
za (a incerteza da natureza) e o universo interno que se propõem sempre foi escassa, especialmente
dos riscos (riscos dos empreendimentos e do em- no planejamento autoritário, mesmo em suas ver-
prego), entendendo-se que há uma passagem de sões aparentemente democráticas, porque nele ten-
incerteza aos riscos e que o capital age sempre no de-se a perder o sentido crítico da realidade e a
sentido de controlar os riscos com que trabalha. substituir o bom senso por obediência.
Posta essa mesma questão em termos da exe-
qüibilidade das políticas, o principal problema opera- O CONTEXTO DA POLÍTICA ECONÔMICA
tivo sempre foi compatibilizar intenções e possibili-
dades, levando-se em conta que umas e outras As últimas guinadas das decisões de política
variam ao longo do tempo. O horizonte de tempo é econômica dos países mais ricos sinalizam novos

Diagrama 2
Referências Gerais do Planejamento

Referências estáveis Referências incertas

Interdependência entre setor externo, Mobilidade social, positiva e negativa


Setor público e área monetária e financeira
• Equilíbrio entre contas correntes e de capital
• Relação entre coeficiente de exportação
e de importação
Renovação tecnológica
Horizonte de visibilidade Limites da moeda
• Visibilidade de médio prazo
• Visibilidade de longo prazo
• Problemas imediatos de visibilidade

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limites das doutrinas que propugnam um Estado tro de decisões do governo para a administração
mínimo, isto é, insuficiente para conduzir os inte- financeira significou que a política econômica em
resses de sua sociedade, assim como mostram seu conjunto fica subordinada às restrições mone-
que os países mais ricos não têm dificuldade algu- tárias e financeiras, relegando a um segundo plano
ma em agir de modo diferente do que recomen- o tratamento dos meios que geram esses recursos
dam. O Brasil aparece hoje como uma das poucas financeiros.
economias que alcançaram um elevado nível de in- Dificilmente questiona-se que a gestão do inte-
dustrialização, mas que não alcançaram condições resse público não pode ser realizada em condições
de reproduzir por conta própria seus setores mais de tecnologia e de organização social inferiores às
dinâmicos. O tipo de crescimento necessárias para sua reprodução,
econômico da década de 1990, com Os limites e contradições em seus níveis atuais de comple-
desnacionalização dos investimen- da política energética xidade. Isso significa que há requi-
tos em setores reconhecidos como brasileira de hoje sitos de escala, competência e al-
estratégicos – tais como energia, simplesmente confirmam cance no tempo da reprodução do
água, transportes, comunicações que o Estado nacional não capital, que devem ser alcançados
– significa maior sensibilidade a pode se retirar de suas independentemente de opções polí-
decisões externas; portanto, um obrigações estratégicas ticas imediatas. Como colocou Adam
condicionamento que terá que ser sem incorrer em custos Smith, os capitalistas têm sempre
avaliado em termos da capacida- sociais que não podem ser que decidir sobre a aplicação da
de de garantir a sustentabilidade cobertos nas condições totalidade do capital e não só so-
da taxa de crescimento do produ- atuais de mercado bre a parte do capital que se defi-
to social6. ne como investimentos. Omitir-se
Os limites e contradições da política energética de decidir significa apenas decidir negativamente,
brasileira de hoje simplesmente confirmam que o que é um modo de aumentar os riscos de destrui-
Estado nacional não pode se retirar de suas obriga- ção do capital.
ções estratégicas sem incorrer em custos sociais que Impõe-se, portanto, rever o contexto ideológico
não podem ser cobertos nas condições atuais de e operacional das políticas públicas. Nesse sentido,
mercado. O cerne do problema não está em nenhum cabe observar que o discurso externo e as declara-
setor em particular, senão na falta de uma compati- ções de princípios de um Estado mínimo, impren-
bilização sistemática entre as metas necessárias e sado entre restrições internacionais de sua política
as restrições de recursos. O deslocamento do cen- econômica e comercial e pressões de interesses
internos sobre suas ações diretas no mercado, têm
levado a uma falsa leitura da realidade da presença
6
A noção de uma taxa sustentada – ou probabilisticamente garantida – de
crescimento do produto social é um ponto fulcral da teoria econômica que do Estado na economia. Isso ocorre especialmente
sustenta o planejamento, sendo a adotada no esquema de planejamento no Brasil, onde o refluxo do Estado, eximindo-se de
proposto pela CEPAL. Entrou com a denominação de modelo Harrod/Domar,
quando, na verdade, foi descoberta independentemente por esses autores, suas responsabilidades assumidas entre 1940 e
em diferentes contextos de análise: o primeiro, keynesiano, e o segundo,
mais próximo da análise marxista. Citamos Joan Robinson a esse respei-
1980, não necessariamente significa uma diminui-
to: “A famosa fórmula g=s/v a porcentagem de crescimento da renda total ção de poder, senão um realinhamento formal em
anual é igual à proporção poupada, dividida pela razão capital/renda anual,
exprime a noção de que o produto por unidade de capital pode ser toma-
seu poder real. Obviamente, o governo jamais tem
do como constante enquanto o stock de capital aumenta, quando o em- liberdade total para decidir sobre o papel do Esta-
prego de trabalho não cresce à mesma taxa, significando que o produto
por homem ocupado aumenta tão rápido quanto a densidade capital por do, porque representa uma situação atual de con-
homem. Em diferentes versões, a fórmula do crescimento sustentado foi centração e composição de forças que, por sua
colocada, aparentemente de modo independente, por Harrod, Domar e
Mahalanobis; e eles tiveram um antecessor até então desconhecido, o vez, é parte de um processo histórico de formação
economista soviético Fel’dman” (JOAN ROBINSON, Economic Philoso- de forças econômicas e políticas. Nesse processo,
phy, 1962) O grande ponto frágil dessa argumentação continuou sendo
tratar o capital como quantidade homogênea, isto, é, desconhecer o as- os deslocamentos de posição representam sempre
pecto de composição do capital. Noutros momentos Joan Robinson vol-
tou à questão da composição, sem, entretanto, refletir seu pleno significa-
combinações de conflito e consenso, que fortale-
do, tal como expresso por Marx. cem ou debilitam o bloco de poder, mas que tam-

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FERNANDO PEDRÃO

bém espelham a dinâmica das transformações sa troca, tornaram-se decisivos o pagamento da dí-
desse bloco de poder na economia (PORTELLI, vida externa e a perda de liberdade de decisão so-
1986). bre a composição e os destinos da formação de
Uma tese a ser considerada é que, nas condi- capital. A acumulação de pressões limitativas do cres-
ções hoje prevalecentes na economia e na política cimento representa um agravamento da incerteza
no Brasil, a presença do Estado na economia é maior relativa à continuidade do crescimento ou às possi-
que antes, não tendo cessado de aumentar desde bilidades de alcançar um crescimento com melhor
a década de 1930, apesar de sua retirada em diver- distribuição da renda.
sas de suas linhas de participação e da venda de Na realidade, não há um equilíbrio macroeconô-
grande parte de seu patrimônio. Mas o significado mico a curto prazo que não seja parte de um equilí-
do poder econômico do Estado tem que ser revisto. brio dinâmico, isto é, de um ajuste de variáveis ao
Que significa como poder econômico efetivo, hoje, longo do tempo. Por isso, não tem muito sentido
ter um grande patrimônio e não ter liquidez para prático tratar em separado o equilíbrio de contas fi-
gerir esse patrimônio, ou defender perfis de mono- nanceiras e monetárias a curto prazo e o equilíbrio
pólio que favorecem setores tradicionais do bloco operacional da economia a médio e longo prazo.
de poder? Quais os efeitos desses realinhamentos Na prática, na vida econômica, é preciso esclarecer
do poder econômico na distribuição da renda e na em quais condições e a qual custo se alcança o
mobilidade social? Há uma questão de eficiência e equilíbrio macroeconômico. O modo como ele é al-
de sentido de finalidade das ações do governo que cançado torna-se uma referência decisiva na estru-
ultrapassa as condições operacionais imediatas do turação do sistema produtivo e, por extensão, no
Estado e que corresponde a sua legitimidade e so- perfil regional do crescimento econômico. Aumen-
brevivência. tam as referências externas e diminuem as mar-
Na realidade, as ações da esfera pública – es- gens de autonomia da política econômica. As pres-
porádicas ou sistemáticas – respondem a determi- sões representadas pelas restrições de equilíbrio
nadas necessidades de reprodução do sistema pro- macroeconômico, organizadas e transferidas desde
dutivo e do sistema de poder, que envolvem as o nível federal, especialmente o controle dos finan-
diferentes esferas de governo, com sua represen- ciamentos públicos, determinam posições relativas
tatividade e legitimidade. Por isso, no contexto bra- das regiões e dos estados nos movimentos de cir-
sileiro, a presença do Estado tem que ser vista em culação de dinheiro.
termos de convergência e dispersão e contradições Isso significa que, na prática, há uma troca entre
de interesses e de objetivos, entre os níveis de go- o equilíbrio macroeconômico imediato e o paga-
verno7. Assim, as observações oferecidas pela análi- mento da dívida de um lado, e a acumulação ou di-
se econômica formal padecem da limitação de ten- luição de pressões sobre o futuro de outro lado. Em
tarem refletir o ambiente dos interesses mediante jogo, está a capacidade de crescer. É um equacio-
cifras representativas de transações, que não iden- namento que relaciona o quadro interno com o ex-
tificam os protagonistas da vida econômica; portan- terno (NURKSE, 1964). O custo social do equilíbrio
to, que se abstêm de considerar os interesses en- a curto prazo é a inibição das taxas de crescimento
volvidos. futuro, que também podem ser neutralizadas pela
Isso significa que, no cotidiano da economia, há perda de controle do equilíbrio a curto prazo. As-
uma troca contínua entre a preservação do equilí- sim, é difícil pensar que o equilíbrio seja um fim le-
brio a curto prazo e a diluição ou o adensamento de gítimo da política econômica, senão um objetivo
pressões em torno da capacidade de crescer. Nes- instrumental, sobre a base do qual se possam al-
cançar resultados substantivos.
7
As condições específicas da convergência e da dispersão ou, mesmo, O ajuste ou a compatibilização entre o curto, o
da contradição entre objetivos e interesses representados pela esfera fe-
deral e pelas estaduais já foram estudadas em pesquisas acadêmicas, médio e o longo prazo é uma das principais tarefas
inclusive na Bahia, no relativo a experiências com linhas de crédito e com
assistência técnica. Basta assinalar que a convergência entre os níveis
do planejamento. Em torno disso situam-se dois
de governo é o produto de um acordo que pode variar ao longo do tempo. problemas fundamentais: a questão das variações

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O PLANEJAMENTO SOCIALMENTE NECESSÁRIO

cíclicas e a do ajuste entre saldos externos, equilí- A questão energética é a mais importante de to-
brio monetário e financeiro e equilíbrio de contas das, porque não pode ser transferida nem diluída, e
públicas. Planejar significa trabalhar com prazos e condiciona todas as demais. Por isso, alguns de
durações, pelo que esse tratamento de equilíbrio cor- seus aspectos devem ser examinados. Há um pro-
responde a ajustes de saldos em determinados pe- blema de garantir uma oferta suficiente e oportuna
ríodos historicamente situados, que a análise eco- de energia, que envolve a produção e a distribui-
nômica marginalista sempre teve dificuldade de captar. ção, compreendendo os sistemas integrados e a
Os ajustes pertencem a determinados momentos produção local, e configura um problema estratégi-
da trajetória da economia dos países, que corres- co fundamental da economia. Além disso, há um
pondem à composição de seu capital. problema de conseguir que a produção seja reali-
Esse tema de equilíbrio dinâmico macroeconô- zada usando energéticos compatíveis com uma ex-
mico geralmente é apresentado somente pelo lado pansão da demanda a longo prazo, com maior com-
do custo social da perda de controle do equilíbrio, petência tecnológica9.
mas a inibição das taxas de crescimento futuro não Assim, há restrições fundamentais de composi-
se resume em estagnação. Significa o deteriora- ção da oferta e de distribuição territorial da deman-
mento do sistema produtivo, com perda da capaci- da, que só podem ser compatibilizadas numa pers-
dade de crescer. Nesse contexto caem, lado a lado, pectiva a longo prazo e num sistema integrado de
o envelhecimento dos equipamentos e a emigração usos e fontes. A compatibilização entre o curto, o
dos quadros mais qualificados dos recursos huma- médio e o longo prazo faz-se em função de variá-
nos. Superar movimentos negativos significa um veis estratégicas, que devem ter um tratamento es-
esforço maior que o indicado por variações genéri- pecial no planejamento. Diante disso, não há como
cas da taxa de crescimento do produto social. A no- duvidar que a política de privatização e fragmenta-
ção de progresso identifica-se com a de variações ção do sistema tende a definir uma crise energética
positivas, mas as variações negativas significam maior que a capacidade do sistema produtivo para
defasagem e não só falta de crescimento. A falta de reajustar o sistema energético.
progresso significa perda de capacidade de progre-
dir. PECULIARIDADES DO PLANEJAMENTO
O atraso dos programas de investimento signi- NO BRASIL
fica um retrocesso a posições cuja superação re-
quer esforço maior que antes. Como o sistema pro- Geralmente se situa o aparecimento do planeja-
dutivo em seu conjunto se desloca, um atraso é mento no Brasil na experiência do Plano SALTE.
sempre um atraso em relação com o deslocamen- Mas ninguém questiona que a política econômica
to do sistema, isto é, significa um movimento dinâ- do governo Epitácio Pessoa foi precursora da polí-
mico negativo. Assim, os diversos tipos de atraso, tica keynesiana10 nem que as políticas do Estado
que afetam diferentes partes do sistema produti- Novo o foram do planejamento – se bem que refe-
vo, têm diferentes efeitos na heterogeneidade do renciadas no planejamento autoritário da Itália fas-
capital e no estilo de funcionamento da economia cista –, do mesmo modo que a formação de com-
nacional8. plexos industriais na década de 1970 reteve traços
inconfundíveis da Alemanha da década de 1930.
8
A noção de estilos de desenvolvimento, que se tornou operacionalmente
útil, reflete os padrões de acumulação, que são bem conhecidos há mais
de um século na análise marxista, mas têm algumas conotações adicio-
nais, porque refletem a suposição de que certos tipos de países ou certos
9
A sociedade industrial tem usado quantidades crescentes de energia. Há
tipos de experiências de desenvolvimento representam variantes que não um problema de como suprir essas quantidades crescentes e outro pro-
podem ser adequadamente explicadas pela análise genérica do capitalis- blema de alcançar maior eficiência nos usos de energia, tanto diversifi-
mo moderno. No contexto geral do desenvolvimento do capitalismo, en- cando fontes energéticas como reduzindo o componente de energia na
contram-se as experiências coloniais, as industriais etc., com diferentes produção. Trata-se, na verdade, de integrar o planejamento da energia
efeitos finais no perfil da ocupação e no modo de afetar o meio ambiente. como um componente central da economia política do planejamento
Há uma literatura significativa sobre esse tema, que começou com os tra- (PEDRÃO, 1998).
balhos de Oscar Varsavsky e que é bem exemplificada em Anibal Pinto, 10
Uma análise perspicaz desse período se encontra em Winston Frisch,
Estilos de desarrollo: conceptos, opciones, viabilidad(1978). Apogeu e crise na Primeira República, em A ordem do progresso, 1990.

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FERNANDO PEDRÃO

No Brasil praticou-se planejamento para resolver o capital total e a proporção dos custos acumula-
problemas ou para remover obstáculos à moderni- dos de reprodução do capital sobre a reprodução
zação e, assim, não surpreende a ênfase de Cam- do capital total.
pos (1980, 2) no estilo “remover pontos de estrangu- Um dado fundamental da economia brasileira é
lamento”. Foi sempre uma atividade de autoridade. que ela tem funcionado com um atraso crescente
Salvo poucas exceções, pouco duradouras, não con- relacionado à formação do capital necessário para
tou com mecanismos relevantes de consulta, fican- manter sua capacidade de crescer, frente aos pro-
do por conta da máquina do serviço público11. gressos tecnológicos das economias líderes mun-
Do Plano de Metas de 1955 ao Plano de Desen- diais12. Alguns progressos importantes, que foram
volvimento da Nova República em 1985, passando alcançados entre 1950 e 1980, em aspectos tais
pelo Plano Trienal de 1959, o país passou por uma como a expansão agrícola, a formação do sistema
complexa e variada experiência, em que o PAEG de produção de energia, comparam-se com pro-
(1965) procurou criar bases estáveis para um cresci- gressos na indústria cuja sustentação se faz a
mento convencional acelerado e em que os dois custos sociais crescentes, e com perdas significa-
PNDs tentaram conduzir a um perfil de potência eco- tivas em partes da indústria e em envelhecimento
nômica em ritmo acelerado. O crescimento acelerado e deterioramento de grandes componentes do sis-
do endividamento externo e o recrudescimento da in- tema de transportes, como o sistema rodoviário, e
flação esvaziaram a capacidade do Estado brasileiro em virtual destruição do sistema ferroviário. A revi-
de conduzir políticas econômicas autônomas. O Pla- são da literatura brasileira sobre o tema mostra
no Collor representou a capitulação da política econô- um quadro sumamente contraditório, em que se
mica às pressões do contexto externo. encontram diferenças substantivas entre o discur-
Nesse trajeto, o aperfeiçoamento das técnicas so e a prática (BIELSCHOWSKY, 2000) e em que
de gestão e acompanhamento e a quantificação da alguns princípios básicos da continuidade da ação
análise e das projeções não ocultaram uma cres- pública e da consolidação multissetorial foram pra-
cente falta de integração entre o comando macroe- ticados por críticos do planejamento (CAMPOS,
conômico da política pública e a elaboração e exe- 1980).
cução de políticas setoriais e regionais. A hegemo- Os rumos seguidos pela economia brasileira
nização da temática do equilíbrio macroeconômico desde a década de 1980 mostraram um aumento
frente à temática da reprodução e da moderniza- da vulnerabilidade ao ciclo, que pode ser visto
ção dos setores de produção traduziu-se num pre- como o fim da tentativa de um “controle autônomo
domínio da simplificação e da homogeneização do processo” (LORENZO-FERNÁNDEZ, 1980) ou
das políticas, que atingiu seu ponto culminante na como o perfil cíclico da industrialização no Brasil,
política econômica do período Collor. O planeja- que reflete a pressão da monopolização da eco-
mento passou a ser uma tarefa de compatibilização nomia mundial (TAVARES, 1998). O modo de par-
orçamentária, separada da identificação de priori- ticipar do ciclo muda, segundo se altera a composi-
dades e da definição de metas. O quadro geral re- ção do capital e mudam as velocidades de circulação.
velou uma perda de substância do processo de pla-
nejamento, cada vez mais distanciado da experiên- 12
Isso não necessariamente significa que a economia brasileira não for-
ma capital suficiente para garantir sua capacidade de crescer, senão que
cia acumulada em cada um dos diversos setores, o ela não fixa o capital que forma, que se transfere para o exterior, seja na
qual se tornou mais vulnerável aos perigos implíci- forma de remessas de lucros, seja na de emigração de capitais brasilei-
ros, que passam a países mais ricos ou a centros financeiros internacio-
tos nas duas razões básicas do crescimento sus- nais. Comparam-se aqui economias nacionais que atraem capital com
tentado: a proporção da formação de capital sobre economias que repelem capital. Há movimentos positivos e negativos de
mobilidade do capital bem como de mobilidade dos trabalhadores. As
economias que atraem capital também atraem os trabalhadores mais
qualificados, na prática fazendo com que as economias periféricas funcio-
11
Experiências como as das câmaras setoriais de indústria chegaram a nem preparando trabalho qualificado para as mais avançadas. A econo-
ter um papel significativo na coordenação do setor, mas não tiveram peso mia norte-americana sempre se beneficiou desse movimento, que para lá
algum na previsão nem nas decisões de investimento. Mecanismos de levou quadros especializados dos países europeus e que, hoje, represen-
consulta foram desenvolvidos no planejamento em alguns estados, mas ta uma migração qualificada dos países latino-americanos, especialmente
não no planejamento nacional. do Brasil, da Argentina, do Chile.

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O PLANEJAMENTO SOCIALMENTE NECESSÁRIO

Mas há componentes quase invariantes, que são os custos sociais dos limites da moeda15. O planeja-
dados pela dificuldade de modificar a composi- mento tem que encontrar referências aceitáveis da re-
ção das exportações, ao lado de outros compo- lação valor-preços, com as quais expurgar as
nentes que são completamente determinados de distorções inerentes das tendências de monopoli-
fora, que são aqueles do mercado financeiro mun- zação (BETTELHEIM, 1951). Para que o sistema
dializado. produtivo não retroceda ao aumentar a escala de
Em todo caso, trata-se de uma mudança do pa- tamanho da economia brasileira, sua receita líquida
drão de acumulação, em que há uma perda de do exterior teria que aumentar em proporção com
controle da política econômica nacional conduzida seus requisitos de formação de capital, especial-
pela financeirização e pela mundialização do capi- mente pela rigidez do componente importado. Por
tal, na qual, ainda, se precipitou um descolamento certo, assim não acontece sobretudo porque a inci-
dos interesses financeiros dos interesses industri- dência de juros na dívida externa absorve a forma-
ais. A acumulação de custos de manutenção tor- ção de capital. Outra razão para que isso não acon-
na-se uma sobrecarga13 que o governo tenta desviar teça é o fato de a entrada de capitais para o
mediante terceirização e privatização. Com isso, sistema produtivo já vir marcada, como parte de
incorre numa contradição, já que os custos finais determinados investimentos. Daí, o sistema opera
se tornam mais elevados pela inclusão de uma em crescente dependência do afluxo de capitais do
taxa de lucro das empresas empreiteiras, a qual exterior. Além da razão entre capital especulativo e
recai sobre os consumidores, resultando em con- capital produtivo, há um problema relacionado à
centração de renda ou em redução da renda nacio- composição de um e do outro, primeiro, ligado à
nal disponível. Esse fenômeno, tal como acontece preferência do capital especulativo por determina-
com o sistema rodoviário, implica custos de re- das aplicações, geralmente do grande capital; e,
construção e não só de reparação, comprometen- segundo, na composição do novo capital produtivo,
do a própria existência do sistema. Os requisitos que teria que ser portador de tecnologias superio-
de investimento aumentam, independentemente res às existentes. Na prática, o sistema funciona
de que a economia cresça, além de aumentarem com crescentes margens de risco derivadas de suas
mais quando ela cresce. Pesam, ainda, as pres- relações com o exterior.
sões na despesa pública, conseqüentes da urba-
nização rápida e concentrada entre cidades e AS BIFURCAÇÕES DO PROCESSO
entre regiões14.
Encontra-se aqui uma questão crucial da políti- O Brasil tornou-se uma economia extremamen-
ca econômica. O país precisa de uma formação de te desigual e complexa, evoluindo ao longo de situ-
capital suficiente e com composição adequada à ações também crescentemente complexas. As po-
reposição do capital atual. Sob a pressão de uma líticas econômicas e sociais tiveram que evoluir de
renovação tecnológica externamente determinada, a modo concomitante e, em todo caso, passaram a
economia brasileira mostra os sinais da necessida- ter que atender a uma maior variedade de restri-
de de reposição do capital constante, enfrentando ções, bem como a conviver com a monopolização
do mercado nacional. Tornou-se indispensável ter
13
O aumento mais que proporcional dos custos sociais de manutenção do
capital social básico reflete-se nos efeitos distributivos das políticas públi-
cas, que de algum modo direcionam o pagamento desses custos pelos 15
Nesta reflexão, torna-se necessário explorar, mesmo que sucintamente,
grupos integrantes da sociedade. Na realidade, esse problema constitui um
o conceito de limites da moeda. Usa-se aqui esta expressão para repre-
segundo momento da questão representada pela taxa de crescimento
sentar o conjunto de restrições ao uso da moeda nacional, dadas pela
sustentado, já que envolve um esforço crescente – irredutível – para man-
quantidade de moeda que o país pode manter, considerada a relação en-
ter o crescimento. É um tema inseparável do planejamento, porque envol-
tre capacidade de representação de valor e necessidade de dinheiro para
ve decisões, inevitáveis e inadiáveis, sobre a composição da formação de
realizar a intermediação necessária de mercadorias. A capacidade de
capital.
manter moeda é limitada e varia segundo a capacidade da economia na-
14
Observe-se que no planejamento praticado nas décadas após a Segun- cional de atrair capital, pois, se a economia não dispõe da mesma não
da Guerra Mundial a questão urbana foi praticamente ignorada e que o consegue fixar sua própria formação de capital. Os limites da moeda indi-
tratamento econômico dos custos da urbanização só ganhou consistência cam qual a capacidade de cada país para emitir moeda sem incorrer em
a partir da década de 1970. desvalorização que anule o efeito da emissão.

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FERNANDO PEDRÃO

políticas para os segmentos mais sensíveis do sis- sinal negativo da década. Trata-se de falta de den-
tema produtivo, porém o sistema de decisão per- sidade política para adotar novas políticas ou da
deu capacidade de influir nos processos nos moldes concentração de restrições externas? Qual o peso
em que o conseguiu enquanto foram válidas as dos interesses externos que entraram, via privati-
premissas de uma economia semi-industrializada e zações, no perfil da política monetária e financeira
presa aos condicionamentos da segunda revolu- do país? A discussão do planejamento incita a consi-
ção industrial. As transformações do sistema de- derar os problemas principais de política econômica,
mandariam maior agilidade e competência prática que se situam em torno de opções de crescimento
do sistema de decisões, mas esse ficou preso às e de capacidade de desenvolver progressivamente
restrições do sistema político. As- novas opções de política.
sim, tornou-se necessária uma vi- Junto com a Surge daí uma noção revisada
são crítica do sistema de política transformação do de equilíbrio, que transcende o pro-
econômica, principalmente na re- ambiente de financiamento palado equilíbrio macroeconômico,
lação entre seus componentes e do ambiente tecnológico, e que se refere ao ajuste entre o
mais genéricos – basicamente fi- mudam os temas e as quadro econômico, o político e o
nanceiros – e seus componentes prioridades do social, e que trata da exeqüibili-
específicos, próprios dos setores planejamento. No Brasil, a dade das políticas econômicas e
de produção. política econômica tem do esforço que se espera da soci-
A dissociação entre o nível ma- estado condicionada por edade para realizar políticas es-
croeconômico e o setorial fez com uma pressão constante, pecíficas.
que os planos econômicos e soci- para uma expansão dos Está claro que houve mudan-
ais, definidos ou não como planos sistemas de infra-estrutura ças profundas no país, com a en-
de desenvolvimento, tendessem a muito maior que o trada em cena de maior número
ser mais enunciações de intenções crescimento da população de participantes, mas também com
de obras públicas que resultados e mesmo que da o aumento do poder da mídia. Há
de ajustes entre intenções e pro- urbanização hoje margens de diálogo que se
babilidades. Nesse sentido, pode- tornaram inevitáveis. A formulação
se argumentar que tem havido uma perda de ren- de propostas com as dos eixos regionais não des-
dimentos do sistema de decisões, que prejudica mente, senão confirma essa observação, já que se
principalmente os segmentos setoriais. trata de mero enunciado de intenções que não tem
Junto com a transformação do ambiente de fi- relação orgânica alguma com a condução das polí-
nanciamento e do ambiente tecnológico, mudam os ticas a curto prazo. Há um problema técnico mais
temas e as prioridades do planejamento. No Brasil, profundo, que reside em gerar e situar propostas
a política econômica tem estado condicionada por no quadro internacional e em definir propostas sufi-
uma pressão constante, para uma expansão dos cientes para evitar movimentos reversivos da eco-
sistemas de infra-estrutura muito maior que o cres- nomia nacional.
cimento da população e mesmo que da urbaniza- A questão não se resume, portanto, aos aspec-
ção. Quais as margens de liberdade do país para tos quantitativos de concentração ou dispersão de
escolher entre estilos de desenvolvimento e entre recursos e de responsabilidades e decisões, mas
perfis de política de desenvolvimento? Em que pese aos aspectos de composição do capital e de ade-
a guinada de alinhamento neoliberal, o dado predo- quação do trabalho. É mais importante adequar o
minante da economia nacional brasileira é que a sistema de produção em sua totalidade que avan-
política econômica tem sido defensiva e tem de- çar temporariamente mais depressa num setor de-
pendido quase por completo de elementos inerciais, terminado.
isto é, tem dado poucos sinais de buscar outras A composição do capital torna-se uma referên-
opções estratégicas. Essa falta de iniciativa sugere cia indispensável, para entender como operam os
uma indecisão estratégica, que pode ser o principal capitais envolvidos nos movimentos de concentra-

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O PLANEJAMENTO SOCIALMENTE NECESSÁRIO

ção e nos de dispersão do sistema de produção, CAMPOS, Roberto. A evolução da economia brasileira. O S
Lorenzo-Fernandez. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. Prefácio
segundo a amplitude, os níveis de tecnologia e os
momentos em que eles acontecem, e ainda, o modo DOBB, Maurice. An essay on economic growth and planning.
como eles são parte de processos em curso16. As New York: Modern Reader, 1969.

políticas econômicas são as expressões de ambi- _______. Papers on capitalism, development and planning. Lon-
entes sociais, com sua representação política. Não dres: Routledge & Kegan Paul, 1968.
se pode esquecer que uma regra básica do plane- FRISCH, Winston. Apogeu e crise na Primeira República. In: A
jamento é que os efeitos das políticas variam, se- ordem do progresso. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
gundo o momento e a circunstância em que elas são
FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio
aplicadas. Mas o Estado não pode se omitir de atu- de Janeiro: Cultura, 1961.
ar como Estado, sob pena de perder sua legitimida-
HABERMAS, Jurgen. Teoria de la acción comunicativa. Taurus:
de (BOBBIO, 1986). A proposta de realizar políticas
Madrid, 1987. 2 v.
econômicas racionais significa, de fato, uma visão
de modernidade, que não pode escapar de crítica. HARROD, Roy. Towards a dynamic economics. Londres: Mac-
millan, 1960.
Com esses elementos de juízo, não há remédio
senão considerar que os movimentos de centrali- ______. Economic essays. Londres: Macmillan, 1972.
zação e descentralização da esfera pública afetam
______. Second essay in dynamic economics. The Economic
apenas a superfície do problema de reprodução do Journal, Londres, jun. 1960.
capital, que só pode ser plenamente apreciado con-
ILPES. Dos polémicas sobre el desarrollo de América Latina.
siderando-se suas diversas implicações em termos México: Siglo XXI, 1970.
de composição do capital e de organização política
dos interesses econômicos. A produção do sistema ______. Discusiones sobre planificación. México: Siglo XXI, 1972.

produtivo é também a do sistema de relações políti- KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. Rio
cas e o verdadeiro equilíbrio macro acontece entre de Janeiro: Campus, 1989.
essas duas esferas. LANGE, Oskar. Tres ensayos sobre planeación económica. El
Trimestre Económico. México, out./ dez. 1959.

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ponto, 2000. Adolfo Gurrieri. México: Fondo de Cultura Económica, 1982, 2 v.

ROBINSON, Joan. Economic philosophy. Londres: C. A. Watts,


16
Os dois pontos mais frágeis do planejamento praticado na América Lati-
na foram a falta de uma análise satisfatória da estruturação social e de uma
1962.
compreensão da composição do capital. Jamais se conseguiu articular so-
lidamente a análise etnocultural com a da formação de classes, isto é, o TAVARES, Maria da Conceição. Ciclo e crise, o movimento recen-
planejamento jamais foi capaz de absorver conceitualmente a composição te da industrialização brasileira. Campinas: IE/UNICAMP, 1998.
dos modos de organização pré-industriais com os da sociedade industriali-
zada. Tampouco foi capaz de operacionalizar o conceito de composição do TINBERGEN, Jan. Política económica. México: Fondo de Cultu-
capital, por isso deixando de registrar o aparecimento de novos desajustes ra Económica, 1961.
entre os componentes do capital fixo, que viu apenas como o capital inte-
grado em cada setor. A questão da composição do capital ressurge hoje,
quando se torna necessário tratar com setores que operam com conjuntos
de capital que pertencem a diferentes momentos da formação desse e com
empresas que operam com diversos estabelecimentos.

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