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ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS: DA TEORIA À PRÁTICA


TRANSFORMADORA.

Book · April 2019

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Edson Grandisoli
University of São Paulo
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PROGRAMA BRASIL PROFISSIONALIZADO
EDSON GRANDISOLI

ENSINAR E
APRENDER
POR PROJETOS:
DA TEORIA
À PRÁTICA
TRANSFORMADORA
TEMAS TRANSVERSAIS
A expansão do Ensino Técnico no Brasil, fator importante para melhoria
de nossos recursos humanos, é um dos pilares do desenvolvimento
do País. Esse objetivo, dos governos estaduais e federal, visa à melhoria da
competitividade de nossos produtos e serviços, vis-à-vis com os dos países com
os quais mantemos relações comerciais.

Em São Paulo, nos últimos anos, o governo estadual tem investido de forma
contínua na ampliação e melhoria da sua rede de escolas técnicas - Etecs e Classes
Descentralizadas (fruto de parcerias com a Secretaria Estadual de Educação e com
Prefeituras). Esse esforço fez com que, de agosto de 2008 a 2011, as matrículas
do Ensino Técnico (concomitante, subsequente e integrado, presencial e a distância)
evoluíssem de 92.578 para 162.105. Em 2017, no segundo semestre, somam 186.564.

A garantia da boa qualidade da educação profissional desses milhares de jovens


e de trabalhadores requer investimentos em reformas, instalações, laboratórios,
material didático e, principalmente, atualização técnica e pedagógica de
professores e gestores escolares.

A parceria do Governo Federal com o Estado de São Paulo, firmada por


intermédio do Programa Brasil Profissionalizado, é um apoio significativo para
que a oferta pública de Ensino Técnico em São Paulo cresça com a qualidade
atual e possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Estado e,
consequentemente, do País.

Almério Melquíades de Araújo


Coordenador do Ensino Médio e Técnico
CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PAULA SOUZA

Diretora Superintendente
Laura Laganá

Vice-Diretor Superintendente
Emilena Josimari Lorenzon Bianco

Chefe de Gabinete da Superintendência


Armando Natal Maurício, respondendo pelo expediente

REALIZAÇÃO
Unidade do Ensino Médio e Técnico

Coordenador
Almério Melquíades de Araújo

Centro de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão - Cetec Capacitações


Responsável
Lucília dos Anjos Felgueiras Guerra

Responsável Brasil Profissionalizado


Silvana Maria Brenha Ribeiro

Professora Coordenadora de Projetos


Juliana Nazaré Alves Souza

Parecer Técnico
Sheila Marques Marrinhas

Revisão de Texto
Fernando de Oliveira Souza

Projeto Gráfico e diagramação


Diego Santos

Projeto de formação continuada de professores da educação profissional do


Programa Brasil Profissionalizado - Centro Paula Souza - Setec/MEC
A sala de aula, assim como nosso cotidiano, não é algo rotineiro e previsível ou
pelo menos não deveria ser, se a reflexão acompanhasse o processo de ensino-
-aprendizagem. A educação, de maneira geral, carece de mudanças efetivas para
que objetivos de tornar nossa sociedade mais igualitária e justa não fossem uto-
pias. Para isso, o conhecimento não deve ser absorvido pelo aluno, e sim, cons-
truído por ele. O professor não deve transmitir conhecimento, mas sim possibili-
tar que seu aluno tenha condições de relacionar e aplicar novos conhecimentos.
É claro que tudo isso não muda rapidamente, mudanças são desafios difíceis e
com muitas variáveis. Oferecer oportunidades e ferramentas para provocar re-
flexões é um grande investimento na formação tanto inicial quanto continuada
dos professores.

Esse é objetivo dessa capacitação: proporcionar aos participantes a oportuni-


dade de expandir e aprofundar seu repertório metodológico por meio do en-
sino que valorize o contexto ligando às pessoas ao seu mundo e buscando, por
meio dele, despertar a curiosidade, o protagonismo e a motivação do aluno
para aprender e do professor para ensinar, utilizando Metodologias Ativas de
Ensino-Aprendizagem.

(....) a educação ambiental na escola ou fora dela continuará a ser uma concepção
radical de educação, não porque prefere ser a Tendência rebelde do pensamento
educacional contemporâneo, Mas sim porque nossa época e nossa herança históri-
ca e Ecológica exigem alternativas radicais justas e pacificas.” (REIGOTA, 1998).

Prof. Dra. Juliana Nazaré Alves Souza


Coordenadora de Projetos - Biologia
CENTRO PAULA SOUZA
“Devemos compreender de modo dialético a relação entre a educação sistemá-
tica e a mudança social, a transformação política da sociedade. Os problemas da
escola estão profundamente enraizados nas condições globais da sociedade...”

Paulo Freire

(Medo e ousadia - o cotidiano do professor, 1986)


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

CAPÍTULO 1 – UM POUCO SOBRE SUSTENTABILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . 12

CAPÍTULO 2 – UM NOVO OLHAR PARA O PAPEL DA ESCOLA . . . . . . . . . . 15


Aprendizagem e ação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

CAPÍTULO 3 – A APRENDIZAGEM BASEADA EM DESAFIOS . . . . . . . . . . . . 19


ABD e seus caminhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

CAPÍTULO 4 – GERANDO TRANSFORMAÇÃO:


PASSO A PASSO DA ABD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Primeiro momento: diagnóstico participativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Segundo momento: pesquisa e criação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Terceiro momento: monitoramento participativo e avaliação. . . . 28
Momento extra: comunicando objetivos e resultados. . . . . . . . . . . 33
Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Para ir além . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
INTRODUÇÃO
A escola tem sido considerada um dos principais centros de transformação so-
cial, tendo a fundamental (e monumental) tarefa de formar os cidadãos do pre-
sente e do futuro portadores de habilidades e competências para compreender
e intervir no mundo de forma responsável, a fim de torná-lo um melhor lugar
para todos e todas vivermos.

Considerando que questões de ética, justiça e igualdade são parte indissociável


desse processo de formação (o qual, na verdade, deve durar por toda a vida), os
temas que dizem respeito às nossas relações com o ambiente devem permear
todo processo de ensino-aprendizagem, uma vez que dizem respeito àquilo que
é comum a todos nós.

O ar, a água, o solo, a biodiversidade, e todos os componentes bióticos e abióticos


não podem simplesmente ser tratados como recursos dentro de uma visão utili-
tarista e imediatista, mas sim como bens comuns a todos e que, por isso, devem
ser aproveitados como um privilégio dentro de uma racionalidade humanista.

Dentro do dia a dia da escola, esses temas podem ser trabalhados considerando-
-se diferentes estratégias e metodologias, graças à sua riqueza natural de inter-
conexões entre diversas áreas do conhecimento.

Esse curso de capacitação tem como objetivo dar destaque a diferentes meto-
dologias de ensino-aprendizagem ligadas ao mundo das metodologias ativas 11
como, por exemplo, a aprendizagem baseada em projetos e/ou a aprendizagem
baseada em problemas. Nesta instância, utilizaremos um termo que parece mais
proativo: a aprendizagem baseada em desafios.

ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:


DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
No final dessa trajetória, deseja-se que vocês, educador e educadora, sintam-se
potentes na proposição e organização de projetos verdadeiramente transforma-
dores do espaço e das pessoas, lembrando que os estudantes nesse cenário são
sempre protagonistas, e não meros expectadores.

Boa jornada!
CAPÍTULO 1

UM POUCO SOBRE
SUSTENTABILIDADE

A ideia de sustentabilidade tem permeado o imaginário e a vida das pessoas,


em especial, a partir das décadas finais do século XX. Ser sustentável ou buscar
a construção de sociedades sustentáveis, como tem sido defendido dentro da
esfera da Educação Ambiental na América Latina, abre um leque quase infinito
de possibilidades e, apesar disso, pode-se afirmar que ainda caminhamos pouco
(ou mais lentamente que o necessário) na direção de sermos efetivamente mais
sustentáveis. Antes de dar prosseguimento a esse raciocínio, faça o seguinte
exercício de reflexão.

Sem ter acesso às suas anotações anteriores, é razoável imaginar que muitas das
visões sobre sustentabilidade possuam relação com:
12 1. Conservação ou preservação da natureza;
2. Uso racional de recursos naturais;
ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:
DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

3. Tecnologias que colaboram com a sustentabilidade;

A conexão entre sustentabilidade e ambiente é a mais correntemente observa-


da e, apesar de ser quase regra, ela não está errada ou equivocada em nenhum
sentido. Pode-se, entretanto, afirmar que ela seja incompleta ou superficial, o
que tem limitado nossa capacidade de articular de forma complexa as ativida-
des humanas e seus desdobramentos dentro de uma óptica mais abrangente e
sistêmica.

O economista Ignacy Sachs propôs em sua obra Caminhos para o Desenvolvimento


Sustentável (2002) que a visão sobre sustentabilidade encerraria, pelo menos,
sete critérios (ou dimensões) de sustentabilidade que dialogam e, portanto, pos-
suem influência mútua uma sobre as outras (Tabela 1).
Tabela 1. Descrição resumida e adaptada dos critérios de Sachs (2002).
Critérios Descrição/Associações

Propõe a preservação do capital natural e a limitação no uso


Ecológico desses recursos e, dessa forma, engloba o critério ambiental, pois
considera também o respeito aos ecossistemas naturais.

Tem relação com distribuição de renda, qualidade de


Social
vida, igualdade social e acesso aos recursos.

Aborda o equilíbrio do desenvolvimento econômico intersetorial


com segurança alimentar, capacidade de modernização
Econômico
contínua da produção, realização de pesquisas científicas e
tecnológicas e inserção na economia internacional.

Sugere equilíbrio entre tradição e inovação, autonomia na


Cultural elaboração de projetos nacionais integrados e a combinação
entre confiança e abertura para o mundo.

Trata do equilíbrio entre o urbano e rural, a melhoria do ambiente


Territorial
urbano e das estratégias de desenvolvimento de regiões.

Político Envolve a democracia, os direitos humanos, a participação e a


implantação de projetos nacionais em parceria com os empreendedores;
(nacional e a promoção da paz e da cooperação internacional, da gestão da
internacional) diversidade natural e cultural e da cooperação científica e tecnológica.

Dessa forma, e se considerando o ponto de vista de Sachs, a busca pela susten-


tabilidade depende da busca de uma “harmonia” entre esses diferentes critérios,
uma vez que todos atuam de forma integrada e complementar. 13
Dentro da esfera educacional, o desafio de se educar para a sustentabilidade
deve se ocupar, em diferentes níveis, da compreensão dessas interrelações, ou

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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
seja, é fundamental que aconteça um trabalho competente de formação de in-
divíduos capazes de lidar com a complexidade e com as incertezas do mundo
contemporâneo. Para isso, é vital a compreensão de que, no fundo, o que há em
comum entre todos os critérios são pessoas, as quais carregam consigo seus
valores, sua cultura, suas crenças, seus desejos e sua visão de futuro.

A construção de sociedades sustentáveis depende, em última instância, do esta-


belecimento de redes de colaboração e participação, nas quais devem existir es-
paço para diálogo, concordâncias e discordâncias na busca de consensos sobre
o que é bom, ruim, adequado ou inadequado, levando-se em conta a qualidade
de vida de todos e todas.

Dentro desse panorama democrático, as educações formal, não-formal e infor-


mal desempenham – e sempre desempenharão – papel central na formação dos
presentes e futuros cidadãos, considerando-se os ideais e valores da sustentabi-
lidade, o empoderamento e a transformação do humano como estratégia-chave
dessa trajetória de aprendizado e construção que deve durar a vida toda.

Talvez esse enfoque para as questões relativas à sustentabilidade tenha sido


novo para você. Nesse ponto, gostaria de convidá-lo(a) novamente a realizar o
mesmo exercício de reflexão anterior:

Após essa etapa, compare ambos os resultados e reflita como eles podem ser
trabalhados de forma complementar com seus estudantes e com sua comuni-
dade. O aumento da complexidade e da visão sistêmica de mundo, mesmo que
seja somente dentro de sua instituição de ensino, pode descortinar uma série de
possibilidades de planos de aulas, sequências didáticas, projetos e programas
em educação para a sustentabilidade, os quais devem proporcionar desafios re-
ais de seu território, contribuindo com a melhoria da qualidade de vida de toda
comunidade.

14
ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:
DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
CAPÍTULO 2

UM NOVO OLHAR PARA


O PAPEL DA ESCOLA

Há cada vez mais evidências de que a atividade humana tem causado sérios
desequilíbrios considerando-se diferentes dimensões planetárias. O artigo de
Steffenet al. (2015), publicado na Revista Science, apresenta uma contribuição
extremamente significativa dentro desse olhar voltado à compreensão dos im-
pactos humanos globais. O trabalho aponta que já atingimos níveis críticos de
risco em diferentes parâmetros planetários. (Figura 1)

Figura 1. Status recente dos limites planetários para sete variáveis monitoradas.
(Steffenet al., 2015)

15

ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:


DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

Os indicadores dos limites planetários são, em geral, analisados isoladamente,


uma vez que as conexões entre eles são extremamente complexas. O ciclo da
água, citando somente um exemplo, é fortemente afetado pelas mudanças cli-
máticas por meio do aumento da temperatura das águas, redução dos níveis
de gás oxigênio dissolvido e aumento da toxicidade de poluentes (Rolandet al.,
2012), ainda que a pressão humana de uso é agora considerada a principal for-
ça que determina o funcionamento e distribuição global dos sistemas de água
doce.

Apesar de seu status seguro (safe), como apresentado pela Figura 1, a água tem
se tornado cada vez mais escassa. No ano 2050, calcula-se que meio bilhão de
pessoas estarão sujeitas a um estresse hídrico, o que aumentará a pressão de
intervenções sobre os sistemas hídricos. (Stockholm resilience Center1)

Especificamente no Brasil, e em especial em inúmeros municípios do Estado


de São Paulo, a complexidade e as incertezas relacionadas à disponibilidade de
água se manifestaram com intensidade entre os anos de 2013 e 2015, apesar
de inúmeros trabalhos apontarem para o eventual colapso do sistema de abas-
tecimento. Afinal, trata-se de uma parcela do território com elevada densidade
demográfica, inúmeras indústrias e grandes empreendimentos de serviços que
consomem muita água. (Buckeridgee Ribeiro, 2018)

No exemplo anterior, a complexidade das relações que se estabelecem ao redor


da disponibilidade e escassez hídrica mostra apenas a ponta de um iceberg de
relações que ficam sobre a superfície da água, e que influenciam direta ou indi-
retamente espaços e pessoas.

Como colocado no capítulo anterior, a escola e seus diferentes atores devem se


tornar centro da busca por soluções para desafios da comunidade e território,
transformando-se em polo de participação e criatividade na busca por novas
práticas pedagógicas que estimulem a interdisciplinaridade e a transversalidade
e que, além disso, possuam o fantástico potencial estimular um novo olhar para
as incertezas. Trata-se da importância de se compreender a complexidade envol-
vida nos processos socioambientais
“[...] e o desafio de ter uma atitude mais reflexiva e atuante, por conse-
16 guinte, tornando os envolvidos mais responsáveis, cuidadosos e en-
gajados em processos colaborativos com o meio ambiente.” (Jacobi e
Grandisoli, 2017)
ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:
DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

Promover a participação cidadã proativa por meio da Educação é caminho fun-


damental, a fim de garantir uma atitude de engajamento e corresponsabilização
na prevenção e na gestão dos inúmeros desafios socioambientais.

Deseja-se e é necessário, portanto, que estudantes, professores e comunidades


associadas passem a atuar como protagonistas na identificação e instalação das
mudanças necessárias, tanto pessoais quanto coletivas, na direção de sociedades
mais sustentáveis. Somado a esse protagonismo e a autonomia de estudantes,
professores e comunidade, Silva (2015) também indica e valoriza a necessidade
do desenvolvimento de um trabalho educacional
“[...] na perspectiva da responsabilidade compartilhada, consubstan-
ciado em teorias educacionais, pedagógicas e psicológicas históricos-
-críticas, que compreendem o fenômeno educativo e a especificidade da
educação como mediadora da prática social global.”

APRENDIZAGEM E AÇÃO.

Muitas experiências têm sido realizadas na direção de mudar diferentes paradig-


mas relacionados ao papel da escola e de seus atores, em particular, de professo-
res e estudantes. As metodologias ativas de aprendizagem têm se mostrado
particularmente efetivas na direção de contextualizar e ressignificar o conheci-
mento e sua real conexão com a realidade dos estudantes.

1-https://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries/planetary-boundaries/about-the-research/the-nine-
-planetary-boundaries.html. Acesso em 21 de janeiro de 2018.
A aprendizagem pode ser considerada ativa quando
“[...] avançamos em espiral, de níveis mais simples para mais complexos
de conhecimento e competência em todas as dimensões da vida. [...] exi-
ge do aprendiz e do docente formas diferentes de movimentação interna
e externa, de motivação, seleção, interpretação, comparação, avaliação,
aplicação.” (Moran, 2018)

Aprender e ensinar por meios de metodologias ativas colocam estudantes e pro-


fessores em posicionamentos e posturas distintos daqueles comumente vistos
quando são utilizadas metodologias mais passivas de aprendizagem como, por
exemplo, aulas expositivas com foco na transmissão de informações, as quais de-
vem ser, em última análise, memorizadas e aferidas por métodos tradicionais de
avaliação como provas escritas ou em forma de testes.

No caso do ensino-aprendizado ativo, os estudantes são responsáveis diretos


pelo seu próprio aprendizado e pela construção de seu próprio conhecimento,
o que valoriza seu papel protagonista e os conhecimentos compartilhados local
e regionalmente. Ao mesmo tempo, o professor se coloca como um “caminho
para a aprendizagem”, operando como tutor e parceiro dos estudantes. Dentro
desse modelo, o fluxo de ensino-aprendizagem passa a respeitar um sentido de
mão-dupla, pelo qual estudantes e professores são capazes de aprender, criar e
compartilhar momentos de criatividade juntos.

Dentro desse novo paradigma, a educação e o processo de aprendizagem (adap-


tado de Wals, 2017): 17
1. passam a ser importantes para desenvolver as pessoas e a sociedade
como um todo e, ao mesmo tempo, prevenir e responder a diferentes

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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
desafios socioambientais;
2. contribuem no desenvolvimento da capacidade cognitiva e analítica dos
estudantes, colaborando em ampliar sua visão e compreensão do mundo
atual e as relações entre fatos e fenômenos;
3. colaboram no desenvolvimento das habilidades emocionais, morais e
criativas, bem como sua capacidade de estabelecer relações e conexões
de interdependência.

Existe na literatura uma ampla gama de metodologias consideradas ativas em


educação. A tabela 2 procura resumir um pouco das principais ideias e correntes
metodológicas atuais.
Tabela 2. Descrição de algumas metodologias ativas de ensino-aprendizagem.
(adaptado de Moran, 2018)
Tipo de metodologia Breve descrição

Possui relação com os preceitos da escola ativa com


foco no método científico, que visa integrar conteúdos e
Aprendizagem baseada
tornar-se interdisciplinar. Por ele, estudantes aprendem a
em problemas
aprender através da busca por soluções a problemas reais
relacionados a suas futuras atuações profissionais.

Os estudantes identificam e buscam soluções viáveis a desafios


Aprendizagem
para resolver um problema ou desenvolver um projeto que
baseada em projetos
possuem conexão com suas vidas na escola e/ou território.

Metodologia comumente associada e utilizada pelos dois


caminhos de aprendizagem descritos anteriormente. Sua
Design thinking estrutura lógica facilita a compreensão do imaginário e da
inteligência coletiva do grupo, colaborando na busca de
soluções por meio da criação de protótipos (prototipação).

Dentro desse panorama de construção coletiva de um trabalho integrado e co-


nectado à realidade da escola, dos estudantes, professores e demais atores da
comunidade, a utilização de diferentes metodologias ativas vão diretamente ao
encontro do ensino de diferentes competências, como preconizado pela nova
Base Nacional Comum Curricular (Figura 2). Dessa forma, o foco do processo de
ensino-aprendizagem se desloca do currículo tradicional conteudista e se volta
para as necessidades reais dos estudantes e comunidade, que passam a ser o
18 centro das escolhas pedagógicas.

Figura 2: Infográfico a partir da leitura crítica das 10 competências gerais


presentes na BNCC (2018). Disponível em: https: //www.tuneduc.com.br/
ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:
DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

competencias-gerais-da-bncc/

Ao mesmo tempo, pode-se considerar que as metodologias ativas valorizam as-


pectos relacionados ao pensamento sistêmico e complexo, colaborando direta-
mente para formar cidadãos capazes de se posicionar pessoal, coletiva e politica-
mente frente aos desafios do mundo moderno.

Desse ponto em diante, trataremos mais detidamente de apenas uma das meto-
dologias ativas de aprendizagem apresentadas: a metodologia de aprendizagem
baseada em projetos, que chamaremos de aprendizagem baseada em desa-
fios, a qual pode ser considerada uma das mais ricas e apropriadas para o traba-
lho com foco nos desafios socioambientais locais, regionais e globais.
CAPÍTULO 3

A APRENDIZAGEM
BASEADA EM DESAFIOS

Inicialmente, vale a pena esclarecer que a opções pela palavra “desafios” no lugar
de “problemas” ou “projetos” tem como objetivo uma unificação de duas meto-
dologias muito similares do ponto de vista teórico e prático. Dessa forma, “desa-
fios”, além de ser uma palavra que remete à necessidade de análise e ação, busca
criar um caminho mais claro e simplificado para outras já citadas anteriormente.

Sendo assim, de maneira mais detalhada e aprofundada, a metodologia de


aprendizagem baseada em desafios
“foca em resolver questões ou solucionar desafios, os quais podem ser re-
ais ou simulados, permitindo melhor compreensão destes. Muitas vezes,
essa metodologia colabora para que as pessoas realmente encontrem
caminhos para melhorar suas vidas. A determinação dos desafios a se-
rem trabalhados pode ser realizada pelos próprios estudantes, bem como 19
outros membros de sua escola/comunidade (por exemplo, professores,
peritos, cientistas, etc.).” (adaptado de Wals, 2017)

ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:


DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
O foco da aprendizagem baseada em desafios (doravante, ABD) é centrada no
estudante, a fim de desenvolver habilidades, competências e valores ligados à
prática cidadã. A tabela 3, a seguir, traz características importantes da aprendiza-
gem centrada no estudante e na aprendizagem centrada no docente.

Tabela 3. Diferenças principais da aprendizagem centrada no estudante e no


docente (adaptado de Siqueira-Batista e Siqueira-Batista, 2009, baseados em
Venturelli, 2003)

Estudante Docente

Autônoma, desencadeada por desejos Heterônoma, motivada por fatores externos


pessoais e/ou coletivos (provas, notas, currículo, títulos, entre outros)

Gera desejo de participação e proatividade Promove isolamento e passividade

Aprendizado se torna contextualizado e com Aprendizado como obrigação imposta, podendo


sentido gerar sofrimento

Docente se torna um tutor e facilitador do Docente assume papel superior de detentor


processo de aprendizagem incontestável do conhecimento

Desperta a imaginação e criatividade Causa dependência

Apesar de parecer natural a busca por soluções aos problemas cotidianos, essa
realidade, quando transportada para a sala de aula enquanto metodologia de
trabalho, gera, em muitos casos, desconfortos tanto por parte dos professores
quanto dos estudantes. É importante reconhecer a importância dessa metodolo-
gia de trabalho, uma vez que ela pode, entre outros:
• mobilizar conhecimentos prévios;
• estimular o desejo por atividades mais coletivas;
• gerar movimentos que valorizam o diálogo e a empatia;
• despertar a curiosidade e a criatividade;
• criar redes de trabalho e ação;
• deslocar a escola e comunidade de seu papel passivo frente a seus pró-
prios desafios.

Dessa forma, talvez seja desejável e necessário considerar-se etapas de transição


entre modelos passivos e ativos de aprendizagem, permitindo que ocorram de
forma mais orgânica mudanças nas estruturas das aulas, do currículo e mesmo
na própria distribuição das cargas horárias dedicadas a projetos extracurricula-
res, os quais normalmente são oferecidos no contraturno.

Vale o adendo de que esse modelo de trabalho dialoga diretamente com a cria-
ção dos chamados itinerários formativos propostos na nova BNCC do Ensino
Médio, homologada em 2018, mas que também dialoga com o ensino de com-
petências gerais que norteia todo o ensino básico.

Por fim, outro ponto que merece destaque diz respeito à estrutura da ABD, ou
seja, quais são as etapas que devem ser seguidas e respeitadas para que estudan-
tes e professores estejam realmente percorrendo trilhas de aprendizagem ativa,
caraterística que foge do escopo de um simples trabalho em equipe. Apesar dis-
20 so, não existe um “manual” ou uma rigidez nas etapas a serem seguidas. Uma
vez dentro de um cenário ideal, a busca por soluções a desafios reais da escola e
comunidade deve assumir um caráter circular, ou seja, muitas vezes será neces-
sário regressar a etapas de trabalho anteriores para a realização de ajustes e, ao
ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:
DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

mesmo tempo, o foco em determinada desafio pode abrir possibilidades para o


início de atividades com outros que surgem nessa trajetória.

Dessa forma, o item seguinte traz apenas uma sugestão de trabalho dentro da
ABD, a qual parte, grosso modo, da importância da observação, contextualização
e do método científico.

ABD E SEUS CAMINHOS.


Como colocado anteriormente, a ABD pode possuir diferentes etapas com di-
versos objetivos e resultados (produtos) a serem gerados em cada uma delas.
Vale lembrar que é desejável que etapas posteriores de trabalho sejam realizadas
somente quando as anteriores possuam sua realização efetivada. Isso não é, en-
tretanto, obrigatório, dependendo da dinâmica adotada.

Antes de detalharmos as etapas sugeridas para o desenvolvimento de uma boa


proposta de ABD, vale, nesse ponto, voltarmos o olhar para o SEU conhecimento
sobre o assunto. Para isso, segue a sugestão de reflexão a seguir.
Na sua prática e/ou na sua compreensão
sobre uma metodologia ativa ligada
a projetos, quais são as principais
etapas a serem seguidas?
Anote seus pensamentos em um folha à parte e descreva
brevemente o que deve ser realizado em cada uma dessas etapas.

Por meio das experiências que tenho tido como formador de professores na área
de projetos para a sustentabilidade, é muito comum constatar a frustração dos
professores, diretores, coordenadores e estudantes relacionada à pouca perma-
nência e engajamento da comunidade de propostas relacionadas à coleta sele-
tiva, economia de água, energia, papel, mobilidade, entre outros temas comu-
mente associados à ideia de sustentabilidade.

Os motivos que levam ao abandono das iniciativas são muitos e vão desde a
falta de verba, tempo e estrutura para realização das atividades até a marcada
indiferença da comunidade relacionada a esses temas. É comum no último caso
ouvir-se a frase: “o que isso tem a ver comigo?”

Independente dos motivos, eles precisam ser compreendidos e trabalhados da


melhor forma possível, a fim de garantir um mínimo de estrutura e motivação 21
para que as ações prossigam e prosperem no tempo e no espaço escolar e, num
plano ideal, no território como um todo.

ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:


DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
Em um episódio recente, fui abordado por algumas professoras em uma capa-
citação, as quais possuíam a queixa comum de que não conseguiam, de forma
alguma, manter a horta da escola viva, uma vez que o engajamento dos estu-
dantes era baixíssimo. Simpatizo-me com a situação porque também já passei
por essa dificuldade e a pergunta que fiz para elas foi: “Você perguntou aos seus
estudantes se eles queriam fazer uma horta?”. Por mais óbvio que possa parecer,
tudo começa pelo diálogo e busca por consenso.

O capítulo a seguir descreve algumas das etapas sugeridas de trabalho com a


ABD. Espero que você e seus estudantes se inspirem com as possibilidades e tam-
bém com a tirinha do Armandinho.

Fonte: www.tirasarmandinho.tumblr.com
CAPÍTULO 4

GERANDO TRANSFORMAÇÃO:
PASSO A PASSO DA ABD

Como colocado anteriormente, não existe apenas um único caminho para o tra-
balho com a ABD. É possível encontrar na literatura a menção a mais ou menos
etapas, de maneira razoavelmente detalhada, considerando-se os requisitos a se-
rem cumpridos em cada uma delas. Apesar disso, é importante destacar que os
resultados (ou produtos) a serem atingidos em cada etapa possibilitam o desdo-
bramento das demais, bem como as caraterísticas de cada uma delas que devem
dialogar e seguir certas premissas dessa metodologia.

Dessa forma, as etapas apresentadas a seguir devem ser encaradas como um


guia inicial para a ação e que, por isso, pode ser adaptado e ampliado de acordo
com as características e demandas do desafio a ser trabalhado por estudantes,
professores e demais atores da comunidade.
22
Nesse momento, opta-se como caminho-base as etapas de aprendizagem pro-
postas por Pierini (2015) e apresentadas, a seguir, na figura 3.
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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

Figura 3. Principais etapas a serem trabalhadas dentro da ABD

(adaptado de Pierini, 2015).


Note que o quadro processual sugerido pelo autor divide-se em 3 momentos
distintos, os quais abordaremos dentro dos seguintes grandes grupos:
1. Primeiro momento: Diagnóstico participativo;
2. Segundo momento: Pesquisa e criação;
3. Terceiro momento: Monitoramento participativo e avaliação.

PRIMEIRO MOMENTO: DIAGNÓSTICO


PARTICIPATIVO

A definição do desafio a ser enfrentado pela escola e comunidade é uma das eta-
pas mais importantes da ABD. Desta definição, devem emergir objetivos claros,
assertivos, factíveis e mensuráveis (quali ou quantitativamente).

Ainda existe uma prática muito comum nas escolas de a definição de temas e
desafios a serem trabalhados por projetos serem determinados por um ou dois
professores, sem a preocupação da realização de um diagnóstico mais amplo
que pode levar em conta olhares e desejos da comunidade escolar e do território
de forma mais ampla.

Esse tipo de diagnóstico mais abrangente e que possui a preocupação de levan-


tar e conhecer a opinião de diferentes atores é chamado de diagnóstico parti- 23
cipativo. Tal diagnóstico pode ser realizado por meio de diferentes técnicas e
metodologias. Algumas delas estão disponíveis gratuitamente na internet. No
anexo desta publicação, disponibilizamos parte do material que foi produzido

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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
nesta direção por Jacobi e Grandisoli (2018).

Note que realizar um diagnóstico participativo é diferente de realizar uma sim-


ples pesquisa de opinião, uma vez que esse tem como base a participação e a
colaboração entre diferentes atores da escola e comunidade que, por meio do
diálogo, buscam identificar quais os desafios mais importantes e urgentes que
podem ser disparadores de ações pedagógicas conectadas diretamente ao mun-
do real dos estudantes.

A definição coletiva de um desafio pode parecer uma etapa dispensável em


muitos casos, mas vale ressaltar que desafios determinados coletivamente têm
maior chance de serem reconhecidos como importantes pela comunidade e,
dessa forma, engajarem um maior número de participantes.

É interessante destacar também que a ideia da realização de atividades coletivas


vai ao encontro de um importante conceito ligado à Ciência Ambiental e Social
e que vale a pena conhecer graças ao seu poder de mobilização e engajamento:
a aprendizagem social.

A aprendizagem social está relacionada ao “aprender no e a partir do ambiente”,


mediante a reflexão crítica acerca dos desafios comuns e da mobilização dos co-
nhecimentos de que dispomos para resolvê-los,
“[...] bem como a reflexão sobre nós mesmos e sobre nossas relações com os
outros, a fim de negociar interesses para seu uso democrático e sustentável.
Ademais, implica, essencialmente, (re)conhecer o lugar/ambiente em que se
vive com o emprego de metodologias participativas.” (Santos e Jacobi, 2017)
Dessa forma, pode-se destacar pelo menos três pontos-chave da aprendizagem
social (Wals, 2017) ligada a ABD e à criação de sociedades mais sustentáveis. São
eles:
1. A valorização da diversidade e das diferenças entre as pessoas, introdu-
zindo dissonância e fomentando criatividade;
2. O poder da coesão social e do capital humano em criar mudanças em
situações complexas e cheias de incertezas;
3. A força da ação colaborativa que unifica as qualidades de cada indivíduo.

Entretanto, o processo de aprendizagem social não dá conta dentro de um plano


educacional, por si só, para garantir o aprendizado e a geração das mudanças
necessárias e desejadas na direção da sustentabilidade.

A ABD dialoga e depende diretamente de processos ligados a uma aprendiza-


gem social, no sentido de que grupos de múltiplos atores (multi-stakeholders)
buscam soluções para os desafios reais de sua comunidade como forma de me-
lhorar a qualidade de vida de todos.

Ambos os processos em sinergia – aprendizagem social e baseada em desafios–


reduzem os limites entre os ensinos formal, não-formal e informal, e têm sido
considerados pré-condição para garantir envolvimento e bons resultados em
direção a um desenvolvimento mais sustentável (Wals, 2017).
24
De maneira geral, a etapa de diagnóstico pode gerar um ou mais resultados de-
pendendo da dinâmica do grupo participante. Entretanto, o produto essencial
dessa fase é a identificação de um desafio a ser solucionado e qual será o objeti-
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vo a ser conquistado por meio das intervenções que serão ainda criadas.

Do ponto de vista prático, sugere-se que se identifique, a princípio, apenas um


único desafio, de maneira que a atenção de todos os atores envolvidos direta ou
indiretamente esteja voltada para ele. Note que nada impede que dois ou três
desafios sejam trabalhados ao mesmo tempo, especialmente se eles possuem
conexões de dependência, mas o grau de complexidade e gerenciamento pode
aumentar a ponto de inviabilizar todas as propostas.

Uma vez identificado o desafio, é fundamental que se determine o objetivo (ou


objetivos) a ser perseguido. Dentro da mesma lógica anterior, o ideal é que se
determine apenas um único objetivo em conjunto com seus indicadores de su-
cesso. Nesse ponto, vale uma reflexão vinculada à prática.

Observe a figura 4, a seguir:


Figura 4: Escola Estadual Jerônimo Vingt-Rosado, em Mossoró,
foi atacada por vândalos; pátio ficou repleto de lixo

(Foto: Thiago Roberto/G1).

A imagem traz um desafio ainda – e infelizmente – bastante comum a diferen-


tes instituições de ensino. A partir da observação dessa realidade, é possível
identificarem-se imediatamente possibilidades de ação para tentar mudar essa
realidade.
25
Do ponto de vista da ABD, a partir da identificação de um desafio comum às pes-
soas, é importante definir-se o objetivo da intervenção a ser realizada e, como
colocado, possíveis indicadores de sucesso da ação.

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Qual o objetivo da intervenção a
ser realizada na escola, a fim de
tentar solucionar esse desafio?
Quais os possíveis indicadores de
sucesso dessa empreitada?
Antes de prosseguir, anote seus
pensamentos em uma folha à parte.
Note que apesar de aparentemente simples, esse exercício é fundamental para
se compreender a importância da assertividade e da praticidade na determina-
ção do objetivo de um projeto voltado à solução de desafios reais.

Muitos objetivos diferentes podem ser traçados a partir da imagem sugerida. O


ponto central do enunciado de um objetivo é o verbo. Ele determina o que deve-
rá ser feito e influenciará os tipos de indicadores utilizados.

Qual é o principal verbo de seu objetivo?


Ele realmente colabora na compreensão
dos resultados a serem atingidos?
Conscientizar, sensibilizar, empoderar, entender, entre outros, são verbos cheios
de significado dentro da Educação e da Educação Ambiental, mas, do ponto de
vista prático, pode-se dizer que colaboram muito pouco na aferição do sucesso
de uma proposta real de intervenção.

Dentro de um ponto de vista que considera, entre outros aspectos, o dia a dia da
atividade pedagógica, um objetivo claro, conciso, assertivo e factível poderia ser
redigido da seguinte forma:

O objetivo do projeto é reduzir a quantidade


de resíduos descartados no pátio da escola.
O verbo “reduzir” indica claramente que resultados esperamos do processo.
“Eliminar” também poderia ser utilizado, mas é um verbo mais definitivo e radical
considerando-se que buscamos mudanças de cultura e comportamentos.

Ao mesmo tempo, “reduzir” colabora na busca por indicadores de sucesso para


o projeto.

No caso de projetos educacionais vinculados à ABD, indicadores podem ser de-


finidos como métricas qualitativas ou quantitativas que medem a efetividade do
processo de intervenção de acordo com determinado(s) objetivo(s). No exercício
anterior, quais os indicadores listados considerando-se o objetivo determinado?

O verbo presente no objetivo colabora diretamente com a determinação dos in-


26 dicadores a serem utilizados. No caso do exemplo do pátio, é possível verificar se
houve ou não redução dos resíduos no pátio, por exemplo:
1. Coletando os resíduos e pesando-os. Nesse caso a massa (em kg) seria o
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indicador;
2. Coletando os resíduos e considerando o volume que ocupam. Nesse caso,
o volume (em L) dos sacos de lixo podem servir como indicador;
3. Coletando os resíduos e contando o número de sacos de lixo preenchi-
dos. Nesse caso falamos de número absoluto de sacos;
4. Medindo a área do pátio coberta por resíduos. Nesse caso, a área (em m2)
pode ser o indicador.

Note que nos quatro casos, os indicadores são numéricos, portanto, quantitati-
vos. Entretanto, vale a pena considerar que outra forma de aferir os resultados
poderia ser, por exemplo, por meio de fotos do pátio, as quais poderiam ser com-
paradas dia a dia ou semana a semana. Nesse caso, entretanto, o resultado não
é numérico (quantitativo), mas sim baseado em uma observação. Nesse caso, a
aferição do resultado é qualitativa.

Os indicadores quantitativos, em geral, demonstram melhor os resultados atin-


gidos, mas é importante lembrar que indicadores qualitativos, se bem estrutura-
dos, geram também ótimos retratos da realidade.

É muito comum que a fase de diagnóstico se misture com o levantamento de


ideias e sugestões dos tipos de intervenções a serem realizadas. Entretanto,
sugere-se que o foco se concentre em apenas uma tarefa de cada vez. A etapa
seguinte de execução de uma metodologia da ABD é, justamente, a de criação
de intervenções.
SEGUNDO MOMENTO: PESQUISA E CRIAÇÃO.
A partir da determinação do objetivo do projeto de intervenção a ser desenvol-
vido, ingressa-se na etapa de pesquisa e criação, que é uma das mais intensas do
ponto de vista de pesquisa e levantamento de possibilidades. Vale ressaltar que,
apesar do termo pesquisa surgir agora no segundo momento, ela faz parte de
todo processo da ABD, desde o diagnóstico até a avaliação.

Nessa etapa, todas as ideias iniciais são bem-vindas. É importante que o profes-
sor colabore como catalisador das ideias, estimulando a participação e a criativi-
dade. Nenhuma ideia é melhor ou pior inicialmente. Todas devem ser acolhidas
e consideradas. Entretanto, do ponto de vista prático, somente algumas serão
efetivamente colocadas em prática e as demais podem compor um banco cole-
tivo de ideias.

Nesse momento, vale a pena entrar em contato com as principais etapas de uma
metodologia de criação que vem sendo amplamente utilizada na educação: o
design thinking. (Figura 5)

Figura 5. Principais etapas da metodologia de design thinking.

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Fonte: http://blog.apponte.me

As duas primeiras etapas do design thinking comportam a fase de diagnóstico.


Vale observar que as primeiras etapas do processo participativo devem expandir,
de acordo com as visões de diferentes atores, as possibilidades de ação e resolu-
ção de desafios. Na segunda etapa, entretanto, é importante a definição de um
único desafio e um único objetivo (idealmente) a ser trabalhado.

A terceira etapa envolve novamente o processo de expansão de possibilidades,


de chuva de ideias, na busca por soluções criativas ao desafio identificado e, por
fim, a quarta etapa, que restringe novamente as possibilidades, testa e monitora
os resultados. Novamente vale afirmar que as etapas se sobrepõem consideran-
do-se o tempo.

O relevante aqui é compreender que fases de expansão e focalização são con-


tíguas e complementares.

O produto desejado nesse segundo momento da ABD, além do aprendizado de no-


vos conceitos e desenvolvimento de novas competências, valores e habilidades, é a
criação de um protótipo e/ou plano de ação voltados à resolução do desafio.
No caso da prototipação ou prototipagem (Figura 6), estamos falando de um
produto real testável como um app, por exemplo. O termo tem origem no grego,
protos (inicial) e typos (tipo), significando o primeiro modelo a ser concebido. A
prototipagem tem como visão concretizar ideias, testá-las, melhorá-las ou aban-
doná-las, dando novo início ao processo de criação.

Figura 6. Exemplos de protótipos: carro, turbina eólica sem pás e filtro de água.

28 Imagens disponíveis em: www.creaform3d.com/pt/aplicacoes/bens-de-consumo/geracao-rapida-de-


prototipos; ciclovivo.com.br/inovacao/tecnologia/turbina_eolica_sem_helice_aproveita_80_mais_energia/
e ciclovivo.com.br/mao-na-massa/faca-voce-mesmo/monte-um-filtro-de-agua-com-garrafa-pet/
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A experiência de prototipar deve possuir planejamento, intencionalidade e re-


lação com os desafios do mundo real. A experiência deve, portanto, fomentar a
curiosidade e o desejo de ir além, refletindo um processo educacional integral de
permanente. (Dewey, 2010)
“Os erros, as dúvidas e as incertezas fazem parte desse processo e podem
ser intencionalmente provocados, pois representam as situações de dese-
quilíbrio que promovem a construção do conhecimento.” (Borges, 2016)

Talvez essa seja a etapa mais prazerosa e desafiadora da ABD, uma vez que fo-
menta o pensamento “fora da caixa” e desafia a construção de uma nova visão
de mundo e de uma nova realidade que deve ter como caraterística a busca, não
somente da superação de um desafio, mas de mais qualidade de vida para todos.

TERCEIRO MOMENTO: MONITORAMENTO


PARTICIPATIVO E AVALIAÇÃO.

O monitoramento participativo e a avaliação dizem respeito, em especial, à últi-


ma etapa da metodologia do design thinking, na qual, munidos de um protótipo
e/ou de um plano de trabalho, entra-se no plano da testagem.

O monitoramento participativo, como o próprio nome indica, também pode


(e deve) ser realizado por diferentes atores da comunidade e território, uma vez
que muitas intervenções acontecem fora do espaço escolar. Essa é uma etapa,
a exemplo do diagnóstico participativo, frequentemente negligenciada durante
as etapas de planejamento e realização de um projeto. De modo geral, aquilo
que foi construído na etapa de criação é considerado o principal resultado do
processo de realização do projeto quando, na verdade, ele é somente um pro-
duto do processo.

Como exemplo, podemos considerar uma atividade bastante comum a muitas


escolas brasileiras: a construção de uma horta. (Figura 7)

A horta é um espaço que fornece a possibilidade de uma ampla gama de vivên-


cias e aprendizados relacionados ao cuidado com a terra, à saúde, a uma alimen-
tação mais saudável, aos impactos dos agrotóxicos, à fisiologia dos vegetais, ao
funcionamento do corpo humano, entre tantos outros. Apesar disso, muitos pro-
jetos de horta nascem com pouco ou nenhum planejamento do ponto de vista
de sua intencionalidade pedagógica, tornando-se um espaço voltado somente à
produção e consumo, refletindo um status quo civilizatório que precisa ser traba-
lhado de forma mais crítica e complexa.

Figura 7. Horta em uma escola do interior de São Paulo.

29

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Fonte: http://www.girlfashionpink2.blogspot.com

Dessa forma, a horta em si torna-se o resultado final de um processo educativo,


limitando-o ao fazer, fato que impede ou dificulta o monitoramento e real dimen-
são da transformação causada pela horta no espaço e nas pessoas envolvidas.

A etapa de monitoramento participativo forma um subciclo dentro do ciclo do


design thinking. Suas principais etapas são:

seleção dos indicadores

escolha das ferramentas de monitoramento

sistematização dos dados coletados


A sistematização e análise dos dados coletados podem dar indicativos da ne-
cessidade de novas definições quanto às ferramentas de monitoramento e, em
alguns casos, da definição de novos indicadores, daí a visão da formação de um
subciclo.

A etapa de avaliação, apesar de fundamental, ainda é considerada por diferen-


tes autores uma grande barreira do ponto de vista metodológico (Monroe, 2010;
Mattos e Loureiro, 2011; Aguiar e Farias, 2015).

A falta de planejamento adequado dos mecanismos de avaliação (incluindo, em


especial, a pobre determinação dos principais indicadores de sucesso), dificulta
a compreensão dos reais resultados das intervenções realizadas e, dessa forma,
impede a readequação de atividades, desde as mais simples e pontuais até a de
programas e projetos de longo prazo. “A avaliação ainda é um marco conceitual
pouco esclarecido, temido nas bases educacionais e profissionais, mal compre-
endido e utilizado equivocadamente.” (Layrargues, 2000)

Os mecanismos de avaliação de ações dentro de uma verdadeira abordagem de


ABD pode ser extremamente variado, utilizando-se de instrumentos como ques-
tionários estruturados, semiestruturados ou não-estruturados, entrevistas, cole-
tas de depoimentos, registros fotográficos, observações, entre outros. Diferentes
instrumentos possuem capacidades diferentes de avaliação, e é necessário que
exista clareza na determinação das melhores opções.

30 Os instrumentos de avaliação podem fornecer dados do tipo quantitativo ou


qualitativo. Cada um deles apresenta vantagens e desvantagens (Tabela 4).

Tabela 4. Comparação entre métodos quantitativos e qualitativos. Adaptado de


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Lenoyr (2006).
Quantitativos Qualitativos

Objetivos Subjetivos

Fornece dados numéricos precisos, que Fornece informações nominais baseadas


podem ser rapidamente coletados e em depoimentos, os quais levam mais
analisados por meio de testes estatísticos. tempo para serem analisados.

Permite generalização dos resultados Fornecem informações mais aprofundadas


dependendo da amostragem. considerando-se mesmo amostras reduzidas.

Facilita a compreensão de fenômenos


Facilita a realização de predições.
complexos e padrões sistêmicos.

Fornece dados independentes Fornece dados que devem ser


do olhar do pesquisador. interpretados pelo pesquisador.

Boa credibilidade, dependendo do nível de


Alta credibilidade dos resultados.
análise realizado e prática do educador.

Depende, em geral, de uma


Pode ser realizado com amostras reduzidas.
larga amostragem.

Note que métodos quantitativos e qualitativos são complementares. Sendo as-


sim, por exemplo, a avaliação dos estudantes participantes de uma ação baseada
na ABD pode combinar ambos os métodos de avaliação, fornecendo dados mais
pragmáticos e fáceis de compreender, associados à uma maior profundidade ad-
vinda dos métodos qualitativos.
Considere o seguinte exemplo:

Estudantes do Ensino Médio, participantes de um projeto com foco socioam-


biental na escola, são convidados a escrever em um pedaço de papel 3 palavras
que lhes vêm à cabeça quando ouvem falar em sustentabilidade2.

Após a realização da atividade, as palavras foram contadas e forneceram o resul-


tado a seguir:

Palavra Número absoluto e porcentagem de citação

Reciclagem 12 (39%)

Planeta 7 (22%)

Consumo 5 (16%)

Bicicleta 4 (13%)

Conservação 2 (7%)

Recurso natural 1 (3%)

TOTAL 31 (100%)

Os dados numéricos revelam informações muito interessantes e importantes


que podem guiar o planejamento de ações educacionais. Fica claro pelo levan-
tamento realizado que os estudantes consideram que reciclagem e planeta pos-
suem forte relação com a ideia de sustentabilidade. 31
A interpretação desse resultado, entretanto, pode variar de observador para
observador.

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1. Alguns educadores podem achar o resultado importante para iniciar uma
campanha de reciclagem na escola;
2. Outros podem achar que a visão de sustentabilidade é superficial, e se
dedicarão ao trabalho da construção de uma ideia de sustentabilidade
mais sistêmica e complexa;
3. Outros ainda podem considerar que trabalhar com mobilidade pode ser
prioridade, já que é um tema pouco presente no imaginário dos estudan-
tes entrevistados.

Nesse caso, os dados quantitativos são muito importantes, mas sua compreen-
são pode ser aumentada por meio, por exemplo, de uma roda de conversa, ou
mesmo uma entrevista pessoal, com os estudantes, a fim de esclarecer suas op-
ções, pensamentos e compreensões de sustentabilidade.

Por meio desse segundo momento, que se configura como uma análise quali-
tativa, haverá um aprofundamento dos olhares dos participantes, o que pode
ajudar a nortear com mais precisão os resultados do trabalho realizado. Note
que essas etapas também podem ser utilizadas na realização dos diagnósticos
participativos.

Outra forma desejável de avaliação é saber como (e se) os participantes de deter-


minada experiência de ABD mudaram seus pontos de vista com relação a certas

2-Essa atividade pode ser facilmente realizada por meio de duas ferramentas gratuitas online: o Google Forms ou o Mentimeter.
ideias e conceitos. Um dos caminhos para essa análise é a utilização da Escala de
Likert que pode ser aplicada antes e depois da vivência proposta.

Você certamente já entrou em contato em algum momento com esse tipo de


escala social. Ela é muito utilizada também em pesquisas de opinião e usa como
base afirmações, e não questões. Veja o exemplo a seguir, considerando ainda o
mote da sustentabilidade.

Questão 1. A busca pela sustentabilidade está vinculada unicamente à conserva-


ção da natureza e seus recursos.
( ) Discordo totalmente

( ) Discordo em parte

( ) Não concordo, nem discordo

( ) Concordo em parte

( ) Discordo totalmente

Cada resposta deve possuir um valor associado:


( ) Discordo totalmente à +2

( ) Discordo em parte à +1
32
( ) Não concordo, nem discordo à 0

( ) Concordo em parte à -1
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( ) Concordo totalmente à -2

Nesse exemplo, avalia-se o conhecimento e a capacidade de associação da ideia


de sustentabilidade com dimensões para além da ecológica/ambiental. Dessa
forma, quanto mais complexa for a compreensão do tema, maior o valor da res-
posta (+2).

Essa mesma questão pode ser utilizada antes e depois de uma atividade envol-
vendo o tema, por exemplo, avaliando como (e se) a visão do participante mu-
dou. A avaliação pode ser individual (participante a participante) ou do grupo.
Nesse caso, soma-se o valor das respostas de todos, tira-se uma média e compa-
ra-se os valores antes e depois.

A Escala de Likert, portanto, é uma escala que gera resultados quantitativos, os


quais podem ser complementados por instrumentos qualitativos.

Existem muitas outras formas de avaliar mudanças individuais ou coletivas. O


importante é que a intencionalidade de avaliar exista desde o início (Primeiro
momento), e que os métodos sejam coerentes e condizentes com os objetivos e,
como consequência, daquilo que se pretende avaliar.
MOMENTO EXTRA: COMUNICANDO
OBJETIVOS E RESULTADOS.

A escola é um local onde, naturalmente, alunos, direção, coordenação, secreta-


ria, entre outros atores, produzem diferentes formas de comunicação, tanto para
assuntos internos da escola, quanto para o contato com a comunidade externa e
território. É interessante notar que esse processo normalmente é descentralizado
e, via de regra, democrático, fatos que colaboram e espelham a diversidade das
pessoas e, consequentemente, da instituição. (Figura 8)

Figura 8. Exemplo de comunicação, via quadro de avisos, em


escola pública de Educação Infantil em São Paulo.

33

Imagem disponível em: http://crecheepreescolamundofeliz.blogspot.com/2013/03/cartazes-quadro-de-avisos-e.html e

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Como vimos nos itens anteriores, as iniciativas baseadas na ABD geram diferen-
tes resultados, efeitos e impactos refletindo as intervenções realizadas pelos es-
tudantes em parceria com seus professores.

Uma vez que esses resultados, efeitos e impactos dizem respeito diretamente a
mudanças no espaço escolar, no território, consequentemente, nas pessoas que
frequentam esses espaços, pode-se considerar muito importante que essas mes-
mas pessoas tenham ciência do andamento, das dificuldades, das conquistas e
das barreiras relacionadas ao andamento das ações.

Dessa forma, a comunicação, além de ser uma ação que se apoia no respeito e na
democratização das informações, busca um ponto ainda mais fundamental que
é o procurar envolver diferentes atores da comunidade em diferentes níveis. A
ausência de mecanismos de comunicação tende, com o tempo, a isolar as ações
e levar à indiferença da comunidade, fatos que estão diretamente relacionados
às baixas taxas de permanência e continuidade de projetos socioambientais (e
outros) na escola.

Existem diversas formas de comunicar objetivos e resultados de intervenções


com foco na ABD, desde os mais tradicionais como o uso do quadro de avisos,
cartazes, panfletos, jornal comunitário, entre outros, até aqueles que se apoiam
na tecnologia como SMS, páginas na internet e redes sociais. Todas as formas de
comunicação são válidas, desde que realmente atinjam de forma assertiva seu
público, garantindo a divulgação da mensagem de forma simples, clara e direta.
É importante ressaltar que simplesmente comunicar objetivos e resultados pos-
sui efetividade limitada. A mensagem deve trazer, em conjunto, sugestões de
ação, canais de participação e outras formas que podem gerar interesse e envol-
vimento. É muito comum nas comunicações ligadas ao mercado, por exemplo,
que exista um canal voltado a escutar o consumidor, o que é positivo para ambos
os lados, ou seja, quem vende pode conhecer melhor seu publico e quem com-
pra se sente escutado, valorizado e respeitado enquanto consumidor.

Outra estratégia de comunicação possui relação com o chamado marketing so-


cial, que trabalha por meio de uma metodologia que busca, inicialmente, com-
preender as motivações, percepções e barreiras de um público-alvo a determi-
nados temas e, a partir delas, criar um tipo de comunicação dirigida e persuasiva,
ou seja, que estimula os indivíduos a se comportarem de forma diferente da que
se comportam habitualmente (Jacobson, McDuff e Monroe, 2006). Existem mui-
tos exemplos de estratégias ligadas ao marketing social na rede mundial de com-
putadores. (Figura 9)

Figura 9. Exemplos de peças ligadas ao marketing social. A primeira estimula as


pessoas a utilizarem o cinto de segurança. A segunda mostra a relação do abuso do
papel e a perda de áreas naturais na América Latina.

34
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Imagens disponíveis em: persuasion-and-influence.blogspot.com/2013/01/wwf_30.html e imgur.com/gallery/bUpaN


A comunicação é uma etapa do trabalho com a ABD geralmente negligenciada
pelos educadores e estudantes. Apesar disso, ela é fundamental para o sucesso
do processo e pode ser extremamente divertida do ponto de vista de criação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Após a leitura desse material, a impressão que pode ficar é de que trabalhar a
ABD nas escolas é um grande desafio, uma vez que envolve uma grande mu-
dança de mindset (mentalidade) por parte de todos os envolvidos. Além disso, a
carência de verba, estrutura física e tempo parecem não comportar esse tipo de
trabalho.

Apesar disso, deixo meu depoimento como educador que nenhuma barreira é
maior do que o desejo de transformar. A informação está disponível em todos os
lugares e, além disso, as pessoas desejam e projetam, sempre, um futuro melhor
para si e para sua comunidade.

Se eu fosse destacar um ponto principal de toda a metodologia ligada a ABD,


destacaria a aprendizagem social, que estimula a formação de redes de trabalho,
cooperação, confiança e corresponsabilidade.
Sendo assim, espero que essa leitura lhe anime a observar, pensar e fazer de for-
ma diferente, mas nunca sozinho.

PS. Como leitura síntese, convido o educador(a) a ler o Texto 4 disponibilizado


no anexo.

PARA IR ALÉM
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Conselho Nacional de Educação, Câmara
Nacional de Educação Básica. Brasília, 2013.

BRASIL. Educação na diversidade: o que fazem as escolas que dizem que fazem
educação ambiental. Organização: Rachel Trajber, Patrícia Ramos Mendonça. –
Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007a.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Formando Com-vida, Comissão de Meio
Ambiente e Qualidade de Vida na Escola: construindo Agenda 21 na escola.
Ministério da Educação, Ministério do Meio Ambiente - 2. ed. rev. e ampliada.
Brasília: MEC, Coordenação-Geral de Educação Ambiental, 2007b.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, 35


Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Formando Com-vida, Comissão deMeio
Ambiente e Qualidade de Vida na Escola: construindo Agenda 21 naescola /
Ministério da Educação, Ministério do Meio Ambiente. - 3. ed., rev. e ampl. –

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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
Brasília : MEC, Coordenação Geral de Educação Ambiental, 2012.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais (Ensino Médio). Parte I – Bases Legais.


109p. Brasília, 2000.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais/Secretaria de
Educação Fundamental. 436 p. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3


ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

FADEL, C.; BIALIK, M; TRILLING, B. Educação em Quatro Dimensões: As


competências que os estudantes devem ter para atingir o sucesso. Center for
Curriculum Redesign; Instituto Península; Instituto Ayrton Senna. Boston, 2015.

GRANDISOLI, E., TELLES, R., MATTOS ASSUMPÇÃO, C.; CURI, D. The concept of
sustainability among elementary students in Brazil. LiteracyInformationand
Computer EducationJournal (LICEJ) 2(1): 310–316, 2011.

JACOBI, P. R. Educação Ambiental: o desafio da construção de um pensamento


crítico, complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 233-
250, maio/ago. 2005.
JACOBI, P. R.; GRANJA, S. I. B.; FRANCO, M. I. Aprendizagem social: práticas
educativas e participação da sociedade civil como estratégias de aprimoramento
para a gestão compartilhada em bacias hidrográficas. São Paulo em Perspectiva, v.
20, n. 2, p. 5-18, abr./jun., 2006.

LAYRARGUES, P. P. Apresentação: (Re)Conhecendo a educação ambiental


brasileira. In: MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Identidades da educação ambiental
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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

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38
ENSINAR E APRENDER POR PROJETOS:
DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
ANEXO
TEXTO 1

SUSTENTABILIDADE: O QUE É, O QUE NÃO É?


Disponível em: http://autossustentavel.com/2014/03/sustentabilidade-o-que-e-o-que-nao-e.html

Nesses anos trabalhando com o tema da sustentabilidade tenho ouvido de for-


ma bastante recorrente a seguinte questão: “Você trabalha com sustentabilidade.
Que bom… Mas o que é sustentabilidade?”Confesso que a pergunta me perturba
até hoje, porém um pouco menos que antigamente.

O termo sustentabilidade nasceu da adjetivação do conceito original de “desen-


volvimento sustentável”, que tem sido historicamente muito criticado, pois asso-
cia ao termo “sustentável” um modelo de desenvolvimento pautado na competi-
ção, na exploração desenfreada de recursos e das pessoas, na acumulação e que
não se preocupa com o presente e, muito menos, com o futuro. Nesse caso, ainda
permanecemos apoiados no velho modelo de crescimento.

“Sustentabilidade”, somente, tem relação com o verbo “sustentar” (do latim sus-
tentare) que, no dicionário Michaelis, está relacionado com manutenção, ampa-
ro, equilíbrio, conservação da vida, etc.

Minha busca em diversas fontes sobre o que é “sustentabilidade” tem demonstra-


do que a resposta mais comum é que não existe uma única definição para o con- 39
ceito. John Huckle e Stephen Sterling em seu clássico Education for Sustainability
(1996)[1], já diziam que:

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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
“Like liberty, justice and democracy,
sustainability has no single and agreed meaning”

Para algumas pessoas, entretanto, a ausência de definição parece constituir uma


barreira, que impede que o tema seja trabalhado ou discutido em qualquer nível.
Vejo isso acontecer com frequência com alguns educadores, os quais conside-
ram o tema relevante, mas não têm conseguido caminhar na discussão do tema
com seus estudantes. Nesse caso, sugiro que a necessidade por uma definição
de “sustentabilidade” seja substituída por uma pergunta: “A que você e seus estu-
dantes associam o conceito de sustentabilidade?”

Pessoalmente e, apesar da meramente teórica, nunca deixei de acreditar que


“sustentabilidade” está associada algo positivo, que permite a construção de uma
visão mais integrada e íntegra sobre o planeta, a sociedade e suas interações
complexas, e que ela (sustentabilidade) deve garantir a criação de um modelo de
perpetuação, não somente da nossa espécie, mas de toda a biodiversidade, do
planeta e todos os seus processos.

Atribuir um significado, uma conexão, é muito mais relevante que a busca por uma
definição. Para alguns, essa conexão está no ato de economizar água e energia; para
outros ela está na preservação da cultura de povos tradicionais e na busca por mo-
delos econômicos mais justos e inclusivos; para outros ainda ela reside em um plano
espiritual, de autoconhecimento e busca da felicidade. Tudo bem, seja qual for a as-
sociação, o importante é que ela descortine um caminho que leve a ação, ao pensar
e fazer diferente, e que esse pensar e fazer gere o bem para muitos.
Sendo assim, mãos à obra. Mais importante que teorizar é buscar a sustentabili-
dade, seja ela o que for para você.

TEXTO 2
MAS AFINAL DE CONTAS, O QUE É SUSTENTABILIDADE?
Disponível em: http://autossustentavel.com/2017/08/o-que-e-sustentabilidade-2.html

Tenho atuado como formador de professores dos Ensinos Básico e Universitário


em Educação para a Sustentabilidade há um tempinho. Uma das questões recor-
rentes durante esse período é: “o que é sustentabilidade?”.

Já tive a oportunidade de escrever aqui no Autossustentável sobre a importância


de não permitir que a busca de uma definição formal seja imobilizadora. De um
jeito ou de outro, temos nossas visões do que é ou não sustentável. No fundo, é
isso que importa.

Mas enfim, se a definição se faz tão necessária, acho que eu definiria sustentabili-
dade como “a busca permanente da manutenção dos processos tipicamente hu-
manos (culturais, políticos, econômicos, sociais, etc.) sem que estes prejudiquem
e, idealmente, melhorem, os processos biogeoquímicos, garantindo a manuten-
ção e aumento da diversidade e da biodiversidade”.

40 Toda definição, por definição, engessa as possibilidades, por isso, tenho seguido
a linha de que sustentabilidade é um valor, e não um conceito.

Ao ler essa definição, a contra argumentação lógica está ligada à utopia. Ou seja,
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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA

não conseguiremos manter os processos humanos e, ao mesmo tempo, melho-


rar, os demais ligados a terra e manutenção da vida em todas as suas formas. Pelo
menos não dentro do modelo civilizatório em curso.

Se considerarmos essa visão de sustentabilidade utópica, o que estamos buscan-


do, afinal? Muitos autores têm sugerido a substituição de sustentabilidade por
resiliência, por ser um conceito mais bem compreendido e advinda da reconhe-
cida Ecologia, ou das Ciências Biológicas, de maneira mais ampla.

A ideia parece boa a princípio, mas autores conceituados como ArjenWals, só


para citar um, tem criticado duramente essa substituição, afinal, ser resiliente
diz respeito, grosso modo, à capacidade de restauração frente a um impacto.
Entretanto, o ideal é que o impacto não ocorra. Resiliência, portanto, abre a por-
ta para uma possibilidade que não gostaríamos de considerar em sociedades
realmente sustentáveis.

Para continuar, e finalizar a lista de jargões e conceitos, apresento um que me


agrada: regeneração. Estamos vivendo um momento de transição, que gera con-
flitos e, ao mesmo tempo, alternativas.

Talvez precisemos primeiro buscar a regeneração daquilo que já está prejudi-


cado, incluindo o ambiente e muitos de seus processos biogeoquímicos e, para
além do exterior, regenerar a nós mesmos, nossos laços de confiança e coopera-
ção na busca por um novo sentido à existência.
As inúmeras crises são humanas, nascem conosco e precisam ser regeneradas
antes de evoluírem e gerarem um novo estado mais equilibrado, equitativo e
harmônico. Talvez nesse momento poderemos, sem culpa ou dúvida, falar em
sustentabilidade.

TEXTO 3
APRENDER JUNTO: PRÁTICAS COLABORATIVAS
E APRENDIZAGEM SOCIAL.
Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1218251/mod_resource/content/1/
bacci%20Aprendizagem%20social%20e%20práticas%20colaborativas.pdf

Os processos de troca e criação coletivos, entretanto, dependem de relações ho-


rizontais e transparentes. Muitas vezes, a aprendizagem social ativa não atinge
seus objetivos pela falta de conhecimento sobre as formas de facilitar a exposi-
ção de ideias, o diálogo e a criação de soluções viáveis e benéficas para todos. Por
esse motivo, apresentamos a seguir alguns métodos e ferramentas que podem
colaborar neste sentido.

Há uma grande variedade de ferramentas, métodos e técnicas que facilitam a


participação na busca por soluções consensuadas. Assim, reunimos e apresen-
tamos algumas delas, com o objetivo inspirar a troca e a construção de saberes.
São elas: grupo focal, linha do tempo, mapa falante e mapa mental.
41
As ferramentas participativas têm como objetivo a proposição de ideias e o estí-
mulo ao comportamento solidário e proativo. É importante que os desafios se-
jam trabalhados no plano das ideias, mas que essas se transformem em ações

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concretas.

GRUPO FOCAL

O grupo focal é muito utilizado para explorar os olhares e as opiniões das pes-
soas sobre diferentes assuntos. É útil para colher informações que ampliem as
percepções, crenças e atitudes sobre um tema, produto ou serviço.

Existem diferentes formas de realizar um grupo focal, mas a diretriz principal


deve ser que os participantes estejam abertos a novas opiniões e pontos de vista.
A fala e a escuta de qualidade são fundamentais para bons resultados, por isso a
seleção dos participantes para um grupo focal é um passo de extrema importân-
cia e que pode ser responsável pelo sucesso ou fracasso do momento.

Como fazer?
Número de participantes: 6-15

Material: local tranquilo, papel, caneta, gravador ou filmadora.

Tempo: Não há tempo-limite, tudo depende da dinâmica em progresso.

• Organize um breve roteiro com questões, que guiarão, de forma geral, a


conversa dentro do grupo.
• Selecione criteriosamente os participantes de acordo com os objetivos e
resultados esperados.
• Escolha um moderador (ou mais) para ficar responsável por lançar ques-
tões para o grupo. O moderador não deve proferir opiniões e pontos de
vista. Seu papel é provocar e questionar, buscando profundidade nos
sentidos. Ele deve ter sensibilidade e atenção para que as intervenções
não sejam invasivas ou cortem o fluxo das ideias em diálogo.
• Registre o diálogo: pode ser por escrito, entretanto sugerimos que seja
filmado e/ou gravado.

LINHA DO TEMPO

A construção de uma linha do tempo permite resgatar a história oral de um


bairro, região, praça, entre outros, por meio das memórias das pessoas de uma
comunidade. No caso dos desastres, a linha do tempo pode facilitar a compreen-
são dos padrões espaciais, temporais e de organização da comunidade diante de
eventos, o que pode favorecer a criação de estratégias de mitigação e prevenção.

Como fazer?
Número de participantes: 10-20

Material: local tranquilo, papéis de diferentes tipos, fita crepe, cola branca,
régua, tesoura, cartolinas ou papel kraft, canetinhas, giz de cera, Post-its,
fotos antigas da região.

42 • Peça que cada participante se apresente, conte há quanto tempo vive no


lugar e fale sobre as principais mudanças ou eventos que aconteceram
no local.
• Estimule o diálogo, para que todos exponham seus olhares e opiniões.
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Procure colocar em evidência pontos comuns e divergentes sobre a mes-


ma comunidade.
• Decida junto ao grupo qual o ano de início e fim da linha do tempo.
• Construa a linha do tempo com todos os presentes, representando dife-
rentes olhares sobre os principais eventos e mudanças que ocorreram no
período.
• Não há regras para a construção da linha do tempo. Permita que a criativi-
dade flua e que o máximo de informações esteja presente.
• Caso a temática a ser trabalhada esteja vinculada aos desastres, procure
dar destaque a elas na linha do tempo, explorando as relações de causa
e efeito.
• Compartilhe os resultados com toda a comunidade.

MAPA FALANTE

O mapa falante é uma representação gráfica da realidade a partir da leitura dos


participantes. Ele combina conhecimento popular e informações técnicas. A
partir do mapa, são identificados pontos importantes para a atuação coletiva.
A atividade permite definir locais prioritários para a intervenção, bem como as
ações mais urgentes, facilitando a elaboração de um cronograma de ações e
responsáveis.
Como fazer?
Número de participantes: 5-10

Material: local tranquilo, fita crepe, cartolinas ou rolos de papel kraft, ca-
netinhas e giz de cera de diferentes cores.

• Determine coletivamente o local e a escala da análise para o mapa. Pode


ser representada desde uma sala de aula até uma região. Quanto mais
ampla a escala, mais atores envolvidos e maior a complexidade.
• Desenhe coletivamente a região em análise, mapeando os pontos positi-
vos e negativos que tenham relação com situações de vulnerabilidade e
exposição a desastres.
• Garanta que todos os participantes tenham “voz” e que vejam suas ideias
e pontos de vista representados no mapa (daí vem o nome: mapa falante).
• Ao longo da construção do mapa, chame a atenção dos participantes
para as responsabilidades individuais e coletivas (população e/ou poder
público) na busca por soluções para os diferentes desafios.
• Se houver muitos desafios, recomenda-se a construção de um gráfico
(plano cartesiano), no qual o eixo X representa “urgência” e o eixo Y, a “im-
portância”. A urgência tem relação com o tempo de resposta: quanto mais
urgente, mais rápida deve ser a solução. A importância tem relação com
a prioridade, do ponto de vista dos beneficiados. Classifique os desafios
como: pouco urgentes e pouco importantes; pouco urgentes e muito
importantes; muito urgentes e pouco importantes; e muito urgentes e
muito importantes. 43

MAPA MENTAL

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O mapa mental é uma ferramenta poderosa para apresentar visualmente o co-
nhecimento e o olhar dos participantes, além de estabelecer relações entre eles.
Essa representação facilita a compreensão dos deveres e direitos de diferentes
atores da comunidade, das causas e efeitos de ações públicas e particulares, per-
mitindo identificar pontos necessários de intervenção.

Como fazer?
Número de participantes: 5-10

Material: fita-crepe, cartolinas ou rolos de papel kraft, canetinhas e giz de


cera de diferentes cores.

• Defina coletivamente o tema ou desafio a ser explorado. Se estiverem


trabalhando desastres podem ser: enchentes, deslizamentos de terra ou
enxurradas, por exemplo.
• Em seguida o tema central deve ser relacionado a outras ideias ou con-
ceitos, criando ramificações. Devem existir linhas ou setas e palavras de
ligação que indiquem as conexões.
• Cada tema pode ter várias ramificações que o conectem com outros
temas.
• Utilize cores e desenhos para dar destaque a pontos de importância no
seu mapa mental.
Todas essas atividades colaboram – de forma lúdica, participativa, dialógica e
reflexiva – para processos de diagnóstico, criação de propostas de intervenção e
para o compartilhamento de responsabilidades.

TEXTO 4
APRENDIZAGEM POR DESAFIOS: CONECTADO
PESSOAS E CONTEXTOS.
Disponível em: https://respostasparaoamanha.com.br/noticias/categoria/4/tudo-sobre-o-premio/
noticia/25/aprendizagem-por-desafios-conectando-pessoas-e-contextos/

Antes de entrarmos no tema deste texto, gostaria de propor a você leitor um


exercício. Pegue um papel e uma caneta e escreva três palavras que lhe vêm à
cabeça quando você ouve falar em sustentabilidade.

Escreveu?

Apesar de não podermos nesse momento dialogar, eu apostaria que algumas


delas (talvez duas ou três) possuem relação direta com algum tipo de desafio
ambiental como economizar água, energia, realizar descarte seletivo, reciclar, re-
aproveitar, enfim, ações do dia a dia que podem colaborar na preservação dos
recursos e do meio ambiente. Será que eu acertei?

44 A conexão entre sustentabilidade e os desafios ambientais está presente no ima-


ginário da maioria das pessoas, incluindo nós, educadores e educadoras e, como
resultado, ela influencia diretamente nos tipos de atividades e abordagens didá-
ticas que desenvolvemos na escola com nossos estudantes.
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Só para dar um exemplo, foi publicado recentemente um artigo3 que apresentou


uma análise muito interessante e importante sobre os trabalhos apresentados
durante o XVI Encontro Paranaense de Educação Ambiental. Um dos resultados
que chama a atenção é que mais de 27% dos trabalhos foram classificados como
Conservacionistas4, ou seja, que possuem vinculação à chamada “pauta verde”.

Apesar do foco no meio ambiente ser natural entre os educadores (e não há nada
de errado nisso) é fundamental lembrar que a busca pela sustentabilidade não
passa somente pela conservação. Meio ambiente, sociedade, política, economia,
cultura são elementos, ou critérios como tratado pelo economista Ignacy Sachs5,
formam um conjunto interligado e complexo, o qual deve caminhar sempre na
direção da construção de sociedades mais sustentáveis.

Quanto e como nossos projetos consideram as interações entre essas dimensões?

Será que estamos formando cidadãos do presente e do futuro críticos e capazes


de lidar com as incertezas?

Certamente essas são questões que fazem parte da vida e do dia a dia dos edu-
cadores e, muitas vezes, nos vemos impotentes frente a elas. E vale lembrar que
não há caminho único ou resposta pronta para enfrentar esse desafio.

3-Disponível em https://periodicos.furg.br/remea/article/view/7143
4- Vale destacar que não foi possível classificar 40% dos trabalhos apresentados.
5-SACHS, I. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro:Garamond, 2002.
Da mesma forma que a vida imita a arte, a escola deve imitar a vida e um dos
possíveis caminhos para isso é ensinar e aprender por projetos.

Há muito tempo se fala sobre diferentes metodologias de aprendizagem ativa


baseadas em problemas ou em projetos. Há um extenso corpo de publicações
que tratam das desvantagens e das muitas vantagens de se ensinar e aprender
por projetos.

Apesar disso, gostaria de dar destaque a algumas qualidades dessas metodolo-


gias que são menos óbvias e, consequentemente, menos citadas.
1. Aprender e agir com (e no) contexto: muitos projetos de sustentabilida-
de, em diversos casos, partem do olhar e do desejo de um único professor
mais engajado com o tema. A escolha de um desafio deve ser coletiva, e
não individual. A falta de reconhecimento com o desafio escolhido por
parte da comunidade é o primeiro passo para o insucesso do projeto.
Contexto e contextualização6 são vitais na permanência e continuidade
das ações.
2. Envolver, engajar e responsabilizar: os projetos em sustentabilidade
devem levar a comunidade desde um envolvimento passivo, passando
por um engajamento que é eventual até a responsabilização, no qual to-
dos conhecem, acreditam no propósito das ações realizadas e se respon-
sabilizam coletivamente por sua execução.
3. Aprender, ensinar e agir em rede: a responsabilização só é atingida
quando as pessoas se reconhecem como parte de uma rede e uma de 45
suas características vitais é a confiança. A sustentabilidade só existe se
cada membro da rede sabe que os demais são tão responsáveis quanto

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DA TEORIA À PRÁTICA TRANSFORMADORA
ele/ela próprio(a). A criação de uma rede de confiança é base do trabalho
com projetos em sustentabilidade e ela depende diretamente do próxi-
mo item.
4. Comunicar, comunicar e comunicar: para ser sustentável é preciso que
todos saibam o que está sendo feito e quais os resultados atingidos. Sem
informação, o projeto e suas ações se isolam da comunidade e passam a
ser um processo de um pequeno grupo que, mesmo sem intenção, acaba
impondo sua visão de mundo aos demais.
5. Horizontalizar e democratizar: a Aprendizagem Baseada em Desafios
(ABD, como prefiro tratar), sendo contextualizada e, portanto, coletiva,
deve promover uma maior horizontalização na relação entre os estudan-
tes, professores, gestão e demais atores da comunidade escolar. Dessa
forma, exercita-se diariamente a prática democrática, talvez uma das
habilidades mais centrais a todas as sociedades que buscam ser mais
sustentáveis.

Além dessas 5 qualidades, a ABD vai diretamente ao encontro do desenvolvi-


mento das diferentes competências específicas para o século XXI7, as quais são
divididas em 3 grandes domínios: cognição, intrapessoal e interpessoal. Nessa
direção, é muito interessante também conhecer uma releitura mais recente reali-
zada pela UNESCO Brasil (2015) que traz o tema das competências e habilidades

6-Para ir além: https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/contextualizacao.htm


7-Para ir além: http://porvir.org/conheca-competencias-para-seculo-21/
dentro da perspectiva da construção de uma Educação para a Cidadania Global8.

Talvez nesse ponto você esteja se perguntando: e quando eu dou aula?

Trabalhar por desafios de forma alguma abre mão do conhecimento que, em


última instância, está resumido no currículo que devemos cumprir anualmente.

Não deixamos de ensinar, mas passamos a selecionar de forma mais assertiva o


que realmente importa em uma educação voltada para a vida e que faça sentido
para nossos alunos e para nossa comunidade. A escola deve ser parte da comu-
nidade, interagir com ela, aprender e ensinar na mesma medida.

Se você concorda com alguns desses pontos de vista, é preciso buscar parceiros
de sonhos e realizações. Ousar dentro do possível (ou do impossível) e ressignifi-
car nossa atuação não somente como educadores, mas como cidadãos.

PS. Se desejar, repita o exercício sugerido no início do texto e compare suas


respostas...

46
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8-Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002343/234311por.pdf


EDSON GRANDISOLI
Doutor em Ciências pelo PROCAM (2018), Mestre em Ecologia pelo IB (1997), Bacharel
e Licenciado em Ciências Biológicas pelo IB (1994) da Universidade de São Paulo.
Professor do ensino básico há 25 anos e formador de professores pelas Secretarias
de Educação do Estado e Município de São Paulo e Secretaria de Meio Ambiente
de Barueri. Sua pesquisa de doutoramento sistematizou e analisou as principais
transformações ocorridas no espaço escolar, bem como os efeitos e impactos
em alunos do Ensino Médio, de um projeto de educação para a sustentabilidade,
desenvolvido ao longo de sete anos em uma escola paulistana. Atualmente possui
vínculo com o Instituto de Estudos Avançados da USP e colabora como consultor
com diferentes instituições de ensino e empresas no desenvolvimento de programas,
projetos e currículos voltados à Educação para o Desenvolvimento Sustentável.

2019

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