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Tradução de Introdução ao método psicanalítico, de J.-A.

Miller, em andamento
Subsídio de estudo
Curso de Psicologia/Unisul
Docente: Fred Stapazzoli

I – Método
Sessão 1: Introdução a um discurso do método analítico.
Muitas vezes falei da ética da psicanalise e hoje me centrarei em outra vertente da
experiência – A vertente da técnica, do que fazer. Em verdade, há em nós certa tendência a
falar da ética da psicanalise concernente ao final da análise, e da técnica quando do início da
análise. Me parece que, apesar de existir essas duas vertentes – a da ética e da técnica - não
há nenhum ponto técnico da análise que não se vincule com a questão ética, e é para nossa
comodidade de exposição que distinguimos ética e técnica. Na análise, então, as questões
técnicas são sempre questões éticas, e isto por uma razão muito precisa: porque nos
dirigimos ao sujeito. A categoria do sujeito não é uma categoria técnica. A categoria do
sujeito, como tal, não pode ser colocada sem a dimensão ética. Não há maneiras Lacanianas
de fazer análise que poderiam importar-se de práticas que tenham como perspectivas o eu.
Não há “modo” Lacaniano de fazer análise.
Ao mesmo tempo, posso começar dizendo-lhes que foi uma surpresa encontrar ontem o que
vou chamar, desde meu ponto de vista, “a nova maneira de trabalhar” que se pode
encontrar aqui. É muito agradável, desde o ponto de vista desde quem vem fora, ver a
extrema atenção com que a as pessoas, aqui, seguem o que estamos fazendo em Paris e
que, segundo me parece, podem contribuir a esse trabalho; Essa notável atenção que vi no
trabalho apresentado um pouco antes na biblioteca Freudiana Brasileira. Também foi uma
surpresa para mim que as pontuações feitas em meu seminário em Paris, no ano passado
sobre a retificação subjetiva, tenham encontrado no Brasil interesse tão grande. E, mais que
interesse, um desenvolvimento próprio. Li, ontem a noite, o numero um do correio do
simpósio do campo Freudiano de Belo Horizonte, onde há trabalhos inspirados nessa
direção. Também escutei, com vocês, o trabalho de “clinica Freudiana da Bahia” e devo dizer
que o caso apresentado é, como me disse Antonio Quinet, um caso efetivamente
paradigmático para exemplificar o que esta em questão; é um caso que gostaria de publicar
em Ornicar? Com uma introdução geral do próprio caso, que encaixa perfeitamente na
continuidade transnacional de nosso trabalho. Desta maneira me parece que posso falar
diante de um auditório bem formado e que, efetivamente, trabalha.
O que me preocupa agora é o que fazemos sob o nome de “campo Freudiano”, que tem um
caráter muito visível e que não pode ocultar-se. Porque o que é manifesto é que,
efetivamente, não temos, na orientação Lacaniana, padrões. Praticamos certa
desregularização da pratica quando se compara com o que se pratica principalmente nos
EUA e na Inglaterra, no que se chama IPA. Em comparação com eles, a característica própria
de nossa prática é não ter padrões. Então, devemos indicar que, se na pratica que não temos
padrões, temos princípios. E é necessário tratar de formalizar esses princípios.
A palavra “princípio” é a mesma que Lacan usou no seu artigo, “a direção da cura e os
princípios de seu poder”. É verdade que esses princípios, princípios da prática, se
transmitem sem explicação através a da própria analise. Senão, se transmitem através da
supervisão. Então, isso me preocupa, há uma distância entre o que se pode fazer em análise,
ou na supervisão – nesse encontros singulares, um a um – e com as multidões que se
reúnem sob a insígnia do campo Freudiano. É por essa razão que devemos buscar uma
maneira de transmitir esses princípios também as multidões, apesar de não poder transmiti-
lo todo. E isso nos leva a falar, com muita precisão dos princípios da nossa pratica. É
importante que o analista não se coloque sozinho com sua pratica que também observe a
pratica dos seus colegas. Há coisas que não vemos em Paris porque é nossa pratica em
comum e, de certa maneira, é preciso ir ao exterior, a outro Pais, onde há outros costumes,
outras maneiras de fazer, para que possa parecer, para nós de Paris, o caráter raro do que
fazemos, o caráter raro de nossa pratica comum e que necessita de um fundamento
formalizado. Desta maneira, tratarei de falar do que é, desde o meu ponto de vista, nossa
pratica comum em Paris, justificando o que fazemos a partir do primeiro momento da cura.
De certa maneira, tratarei de fazer um “discurso do método” que podemos fazer em
psicanalise, procurando deixar abertas as questões.
Vemos Lacan em “a direção da cura...” aceitar a ideia de um tratado do método
psicanalitico, por exemplo que os princípios da interpretação poderiam ser enumerados.
Evidentemente não o faz de maneira que cada um pode tentar, já que se trata de uma
orientação muito precisa.
Boas vindas e ato analítico
Tentarei apresentar, da maneira mais simples, como recebemos o paciente. Para lhe dar as
boas-vindas ao novo paciente, tanto em Paris como aqui, posso dizer-lhe “bem vindo!”, seja
por razões de dinheiro, seja por interesse em iniciar uma nova investigação, uma nova cura.
Temos gosto pela novidade e, ao mesmo tempo, uma tendência ao tédio, sendo, as vezes, o
gosto pela novidade mais forte que o gosto pelo tédio. Outras vezes há a necessidade de
encaminhar o paciente a um colega que se sentirá agradecido conosco. Vejam que estou
começando, realmente, pelo nível mais descritivo das coisas e não no nível dos matemas,
que é minha especialidade. Quem vem nos ver como analistas não é um sujeito; é alguém
que gostaria de ser um paciente, coisa muito estranha. É um fato que o paciente, na pratica
psiquiátrica, pode ser designado por outros, pela família, pelo médico, pela sociedade, por
instancias sociais que lhe dizem que há de se tratar. Como vocês sabem, esse não é o caso
da pratica analítica, com exceção das análises de crianças, quando geralmente a análise é
uma eleição – escolha dos pais ou de outros, o que coloca problemas específicos que não
trataremos aqui.
Há uma diferença clara entre o paciente psiquiátrico, designado como paciente pelos outros,
e o paciente a da psicanálise. Não vou desenvolver esse assunto que se pode encontra na
conferência que dei em São Paulo há alguns anos, no hospital do servidor público estadual, e
que se publicou no número 1 de Falo – Revista Brasileira do campo Freudiano.
O que significa, em psicanalise, que o psicanalista se encontre diante de alguém que gostaria
de ser um paciente? Em realidade, na análise, não há paciente em rebeldia consigo mesmo.
Se pode dizer que o primeiro pedido na experiência analítica é a demanda de ser admitido
como paciente. Essa demanda tem uma precedência sobre as demais. Assim, é verdade que
em psicanalise, como foi visto no exemplo de hoje de manhã, a primeira avaliação é feita
pelo paciente, é ele que primeiro avalia seu sintoma. Ele chega no analista na posição de
fazer uma demanda baseada em uma auto avaliação de seus sintomas, e pede um aval do
analista sobre essa auto avaliação. Dizemos que o ato analítico já está presente nessa
demanda de avaliar, no ato de autorizar a auto avaliação de alguém que quer ser um
paciente. Em geral, isso não se manifesta de forma clara na orientação da Internacional, a
não ser quando vem alguém que não quer ser um paciente mas alguém que gostaria de ser
um analista, ou seja, quando alguém chega e diz “gostaria de fazer uma versão”. Quando se
faz um pedido de formação analítica, o analista Internacional o faz entrar em outra
dimensão, considerando que não pode aceitar imediatamente essa demanda, enquanto é
necessário, primeiramente, uma autorização institucional. Aquele que solicita uma formação
analítica é enviado a um colegiado, a um jurado, que o transforma em um “candidato”,
candidato a ser analista. Deste modo, eles distinguem a analise terapêutica da analise
didática.
Ente nós não há distinção entre a demanda terapêutica e a didática. Para nós é natural,
porém, é uma novidade quando alguém chega e diz que gostaria de ser um analista, a
resposta é: pois bem! Anotamos esse desejo, mas esse desejo, essa demanda, pode conter
um desejo escondido que tomará parte no próprio processo analítico. Não vamos autorizar,
no começo, essa demanda de ser formar como analista. Há nesse demanda, um Wunsch, um
voto e não há garantias como isso se transformará durante a análise. Dessa maneira, o fato
básico é que todo paciente tem o desejo de ser nosso paciente, sendo, de certo modo, um
“candidato”. Consideramos que aquele que pede uma análise pode ser autorizado pelo
analista a entrar na experiência. Essa questão aparece no início de cada experiência
analítica, a partir do primeiro minuto, a partir do primeiro encontro, até a primeira chamada
telefônica. A questão é se se vai autorizar o processo analítico, que a partir daí se
desenvolve, com aquele que quer ser seu paciente.
Não podemos simplesmente fechar os olhos. Aceita-lo ou rechaça-lo já é um ato analítico.
Na pratica da Internacional somente é um ato quando se trata de um candidato a analista.
Desta forma se dá um processo judicial quando alguém consulta os diferentes ditadas para
saber se pode iniciar uma análise didática. Na pratica Lacaniana, todo paciente, todo aquele
que quer ser um paciente, é considerado como um candidato, e o analista tem que
responder com um espírito de responsabilidade muito profundo, e é por isso que, a partir
das boas vindas, entra em jogo ato analítico. É por essa razão que as entrevistas preliminares
não são somente um ardil, um truque uma maneira de fazer de Lacan. A pessoas em Paris,
nos EUA, que perguntam se também nós praticamos as entrevistas preliminares. Posso dizer
que se trata de uma pratica comum, nossa, e também de uma ética. A pratica das
entrevistas preliminares não tem sentido algum fora desse contexto, isto é, sem dizer que já
se considera em jogo o ato analítico e a ética da psicanalise no início mesmo da experiência
analítica.
Na realidade, o que significam as entrevistas preliminares? Na pratica Lacaniana – isto é um
princípio, quase um padrão Lacaniano, uma caraterística diferencial – a pratica das
entrevistas preliminares é uma consequência direta de como damos uma estrutura as “boas
vindas”. Isto é o que significa na pratica as entrevistas preliminares. Significa que o começo é
adiado, o analista se demora para iniciar o processo da analise até que esteja satisfeito, no
sentido de poder autorizar a demanda de análise e, consequentemente, avalia-la, segundo
razões que devem ser precisas. Quando essas razões não estão claras, não se deve avaliar tal
demanda. Não é através da apresentação do paciente a outros colegas, tomados como
juízes, que se deve outorgar essa autorização, ou seja, através das reformulações da
demanda do paciente – candidato para diferentes analistas. Tal reformulação, contudo, deve
ter lugar no decurso da própria analise. Isso se pode prolongar por muito tempo. Não há
pratica standard. As entrevistas preliminares pode durar um mês, uma por semana, no total
de quatro entrevistas. Mas também pode durar um ano e, as vezes, o analista permanece
com o paciente durante vários anos em uma situação preliminar, de tal forma que teríamos
ai um “preliminar permanente”. E uma pratica de pertinência analítica que, por razões que
mais adiante veremos, não pode permitir, efetivamente, a análise em seu rigor.
Com isso, tratarei de distinguir as finalidades, os níveis desta pratica. Fiz a distinção em três
níveis, cada nível entra no seguinte, sem haver uma separação completa entre cada um
deles, pois na realidade se superpõem. É uma tentativa recente minha, ainda não apresentei
em Paris. Se trata de uma tentativa das últimas semanas do curso, ou seja, tentar precisar os
princípios práticos que são, ao mesmo tempo, os princípios da supervisão. Quando um
analista traz a questão de como fazer com paciente, sempre voltamos ao início para saber
como foi feita a entrada. Em meu esforço, se trata dos princípios metódicos da análise.
Os três níveis que vou descrever, desenvolver agora para continuar o seminário, são:
Subjetivação 1 avaliação clinica
2 Localização subjetiva
Retificação 3 Introdução ao inconsciente
Como há um vínculo entre estes três níveis, chamaremos o vínculo entre (1) e (2),
“subjetivação”, entre (2) e (3), “retificação, ponto que interessou a tantas pessoas que até
parece haver uma “escola brasileira de retificação subjetiva”.

Avaliação clínica

Começaremos pela “Avaliação Clínica”, tratando de ser simples e decisiva. Não se


trata de coisas difíceis, a dificuldade está na precisão que queremos obter. A precisão,
efetivamente, é um efeito da direção da cura. Apesar de tudo quanto vocês tenham
escutado a respeito da prática libertina dos lacanianos, as entrevistas preliminares, na
realidade, são empregadas como um meio de realizar um diagnóstico preliminar. O analista
deve ser capaz de concluir, de uma maneira prévia, algo a respeito da estrutura clínica da
pessoa que vem consultá-lo. O analista deve responder, a partir das entrevistas preliminares,
as seguintes perguntas: se trata de uma neurose? Se trata de uma psicose? Ou se trata de
uma perversão? E não cabe dizer que há uma certa neurose, com algo de perversão que
pode virar até uma psicose. Do ponto de vista lacaniano não se pode pertencer a duas
estruturas. Do nosso ponto de vista, segundo nossa definição acerca das estruturas clínicas
em Neurose, Psicose e Perversão, não há recobrimento entre duas estruturas. Não estou
dizendo coisas difíceis de entender, mas coisas difíceis de precisar.
Há casos em que a diferenciação das estruturas é difícil. Às vezes, depois de uma
entrevista diagnóstica preliminar, um psicanalista pode duvidar, e isso pode levá-lo a recusar
a demanda, a prolongar o tempo das entrevistas preliminares, mas ainda, a assumir um risco
mais ou menos calculado.
A avaliação clínica, como vocês sabem, tem uma importância vital quando chegamos
a pensar que o paciente pode ser um psicótico. Não é tão difícil quando a psicose está
desencadeada, porque, a partir daí, a questão que se coloca é se o analista pode fazer algo
ou não, se pode “terapeutizar” ou não o paciente. Porém, a questão se torna crucial quando
a psicose ainda não se desencadeou, porque, como vocês sabem, a análise pode
desencadeá-la. Por esta razão é fundamental para o analista saber reconhecer o pré-
psicótico, isto é, um psicótico com uma psicose não desencadeada.
Se pode dizer que é uma regra que, em geral, devemos recusar a demanda de análise
de um paciente pré-psicótico. Ao não recusá-la, deve-se ter o máximo cuidado para não
desencadeá-la através de uma palavra qualquer. Às vezes, a proposta de recostar-se no divã
é suficiente para desencadear uma psicose. Outras, a psicose necessita um ano, cinco anos,
para se desencadear. Por esta razão, na prática lacaniana da psicanálise, é necessário que o
analista possua um saber profundo e extenso da estrutura psicótica. Poderá não fazer sua
prática nesta área, mas dela deverá ter um profundo conhecimento. A semana passada, em
Nova Iorque, escutei um interessante trabalho de um analista norteamericano que
seguramente estará em Buenos Aires no próximo ano. Relatou-nos um longo caso de uma
paciente que ele julgou, inicialmente, que era esquizofrênica e que, depois de um pouco de
leitura de Lacan, revelou-se como uma histérica. Esta excelente pessoa a quem nos
referimos foi aluno de Winnicott e Lacan. Pareceu-lhe maravilhosa a resposta de Winnicott
no último ano de sua vida, a jesuítas ingleses preocupados com a psicanálise, tal como o
relata Masud Khan. Os jesuítas, às vezes, têm um interesse muito agudo pela psicanálise; na
Escola Freudiana, de Lacan teríamos doze deles. Pois bem, eles perguntaram a Winnicott
algo muito simples: quando devemos enviar um paciente ao hospital psiquiátrico e quando
podemos mantê-los? Depois de pensar, Winnicott deu a resposta que pareceu maravilhosa a
nosso amigo de Nova Iorque: “É fácil; se o paciente lhes aborrecem, enviem ao hospital
psiquiátrico; caso contrário, o mantenham.” Isso parece um chiste, mas não é. É a
consequência, digamos, da posição ética, não só de Winnicott mas daqueles que pensam
que a contratransferência deve ser operativa na experiência analítica. Em psicanálise,
segundo Lacan, a contratransferência não significa que o analista tenha alguns sentimentos
em relação a seu paciente, isso já sabemos; a questão é se devemos trabalhar a partir desses
sentimentos, a partir dos preconceitos do analista. Neste caso, se vê que Winnicott se toma
por uma placa sensível e lê, em si mesmo, o que é o paciente. Se o paciente o molesta e o
aborrece, isso significa algo da estrutura clínica do paciente. Nosso amigo de Nova Iorque,
referindo-se a Masud Khan, diz que o analista deve observar suas próprias reações
corporais: se dói a barriga, se dói a cabeça, pois bem, isso está relacionado com a estrutura
clínica do paciente. Esta é a verdadeira prática segundo a contratransferência: convida o
analista a observar suas próprias reações para conhecer a estrutura do paciente. Isso me
assusta, parece-me um escândalo, parece-me que é a porta aberta a todos os erros de
diagnóstico. Quantas jovens internadas em hospitais norteamericanos, categorizadas como
esquizofrênicas, quando na verdade são boas histéricas que se poderiam curar e que irão
passar toda a vida entre os muros de um hospital? Isso é só um exemplo. Uma resposta
como a de Winnicott, com todo o respeito a sua memória, à sua prática, à sua amizade com
Lacan, me soa um crime.
A resposta lacaniana à pergunta dos jesuítas seria que não é por meio do
aborrecimento pessoal que se poderia diferenciar-se o paciente psiquiátrico e o dos jesuítas.
Pode diferenciar-se por meio do saber, do saber clínico, e para isso não há substituto. As
exigências, quanto a nós, analistas lacanianos, são muito maiores que as daqueles
supostamente chamados “analistas ortodoxos”. Qualquer um pode ter dor de cabeça ou
uma dor de barriga, mas isso não é suficiente, com relação ao saber clínico, para pertencer
em maior ou menor grau ao tipo histérico. Não basta possuir certa flexibilidade em relação
ao desejo do Outro para ocupar o lugar de analista; isso pode ajudar, mas não é o bastante.
Nós, para certificarmos que não se trata de um paciente psicótico, quanto existe essa
suspeita, devemos buscar o que chamamos fenômenos elementares. Os fenômenos
elementares são uma categoria da clínica francesa, uma categoria retomada por Lacan e
sempre praticada nas supervisões. Os fenômenos elementares são fenômenos psicóticos
que podem existir antes do delírio, antes do desencadeamento da psicose. Às vezes não
existem, atualmente, no paciente, mas podem ter tido lugar em seu passado e aparecem
somente uma vez em sua recordação. Mas, quando o analista pode assegurar-se disso,
constitui o que vou chamar de “assinatura clínica”. Quando o analista suspeita que há uma
prépsicose, uma estrutura psicótica, é necessário buscar esses fenômenos elementares de
maneira metódica e segura. Em muitas supervisões, inclusive em casos de análises já
iniciadas, há que se perguntar se o analista buscou esses fenômenos.
Os fenômenos elementares são:
1 Fenômenos de automatismo mental. Sem pretender desenvolver essa questão, que
pode ser encontrada em minha conferência “Psicanálise e psiquiatria”, publicada no n. 1 de
Falo, vou dizer somente que são a irrupção de vozes, do discurso de outros, na mais íntima
esfera psíquica. Os fenômenos de automatismo mental são, sem dúvida, muito evidentes
quando a psicose já se desencadeou, mas um automatismo mental pode estar presente,
silenciosamente, durante anos com apenas uma ou duas irrupções na infância ou na
adolescência, sendo mais tarde encoberto. Daí que seja necessário centrar-se nessa
irrupção.
2 Fenômenos concernentes ao corpo. Sigamos do mental ao corporal. Aparecem
então fenômenos de decomposição, de despedaçamento, de separação, de estranheza, com
relação ao próprio corpo. E também distorção corporal, distorção da percepção do tempo ou
do deslocamento espacial.
3 Fenômenos que concernem ao sentido e à verdade, que não são abstrações; são
coisas efetivas da experiência analítica. O testemunho, por exemplo, por parte do paciente
de experiência inefáveis, inexpressáveis, ou experiência de certeza absoluta e, mais ainda,
com respeito à identidade, a hostilidade a um estranho ou, o que se chama na clínica
francesa, expressões de sentido ou significação pessoal. Em outras palavras, é quando o
paciente diz que pode ler, no mundo, signos que lhe estão destinados, e que contêm uma
significação que ele não pode precisar, mas que lhe são dirigidos exclusivamente a ele.
Estes três pontos, que não desenvolvi, mostram que na avaliação clínica há uma
encruzilhada na direção entre psicose e histeria. É verdade que, em nível dos fenômenos, no
caso de fenômenos corporais, por exemplo, pela distância tomada com relação ao corpo, o
sentimento do corpo como outro, é difícil distinguir entre psicose e histeria. Um sujeito
psicótico e um histérico podem, em um momento dado, expressar-se mais ou menos da
mesma maneira. Há que dizer que algumas mulheres têm experiências inexpressíveis. Não é
por nada que Lacan disse que todas as mulheres estão loucas, mas ao mesmo tempo se
corrige, elas não estão de todo, são não-todas loucas. Pode suceder que uma mulher venha
consultar por não ter uma experiência inefável e inexpressível de gozo, ou seja, a loucura é
quando não ocorre o que a mulher busca. Se há de escolher entre psicose e feminilidade, o
que, para a mulher, é muitas vezes um problema – não ser suficientemente feminina. Há nas
mulheres uma certa normalidade em não saber e não poder expressar o que sentem, com o
que gozam. Desta maneira, devido a certa forma de dizer, a mulher pode, durante alguns
minutos, parecer psicótica.
Não somente em nível corporal, mas também em nível mental, certa empatia,
empatia histérica com relação ao desejo do Outro, pode ser confundida com o automatismo
mental. Já, também, uma possibilidade histérica de tomar emprestado os sintomas
psicóticos quando há um psicótico na família ou entre os amigos. Podemos ver também em
um sujeito histérico que nos vem consultar com as características de outro, e aí se situa um
problema nas entrevistas preliminares para distinguir entre o que pertence ao sujeito e o
que pertence ao outro. Há sujeitos que são psicólogos, psiquiatras, e quando começam a
apresentar sintomas psicóticos o saber que têm sobre isso pode fazer-lhes confundir com as
coisas que lhes dizem respeito.
Poderia desenvolver o tema das alucinações, porque o sujeito histérico também tem
direito a ter alucinações, embora nada tenham que ver com as alucinações do psicótico, daí
que seja necessário distingui-las.
Há, igualmente, pontos que parecem comuns entre psicose e neurose obsessiva. É o
que se observa quando o Homem dos Ratos chega até Freud aterrorizado e com um quase
delírio. A história da dúvida, que hoje sabemos que se trata de uma obsessão, encontra-se
na neurose obsessiva. Então, quanto ele se encontra com Freud, isso parece um delírio, um
delírio da dúvida. No obsessivo, que sempre se demora na hora de fazer coisas, é necessário
um estado de urgência e de pânico para a entrada em análise e, muitas vezes, se pode
presenciar traços aparentemente psicóticos. Desta forma, em alguns casos de obsessão é
possível se equivocar e confundir obsessão com automatismo mental.
Se pode também confundir psicose com perversão. Para se assegurar da clínica
perversa basta perguntar ao paciente sobre sua vida sexual. É bom perguntar-lhe sobre isso,
é necessário escutá-lo bem quando fala de suas experiências, por exemplo, quando diz, de
forma evasiva, “Tive algumas experiências homossexuais mas isso já passou...”. Porém, isso
não é suficiente, pois a estrutura perversa não é a mesma coisa que uma conduta perversa,
justamente porque o gozo sexual pode ser perverso e, apesar disso, no sujeito, o desejo
sexual pode ser neurótico.
[...].

Capitulo 2 Diagnóstico psicanalítico localização subjetiva

Continuaremos o que foi iniciado na primeira conferencia, ou seja, o que chamamos de


estrutura das entrevistas preliminares. Mas, apesar da numerosa audiência, não se trata de
uma conferencia mas de um seminário por isso serão bem vindas as perguntas, observações,
notas e contribuições. Vamos reservar um tempo para conversar com a máxima liberdade.
Para mim, trata-se de um trabalho em marcha; algumas coisas sobre as quais trabalhei este
ano em Paris e também em Nova York semana passada, entretanto, modifiquei alguns
pontos.
Nosso tema é o que passa no umbral da analise, no limite, na fronteira a partir da qual
estamos no discurso analítico. Faz um ano e meio, em meu seminário em paris, venho
considerando a questão da entrada em analise do ponto de vista do analista. E a retormo
agora a responder ao interesse assinalado em diversos trabalhos brasileiro sobre a
retificação subjetiva, expressão de Lacan extraída de seu artigo “A direção da cura...”.
Ao mesmo tempo, para começar desenvolver as linhas do que seria um tratado do método
analítico.
Podemos afirmar que a analise não é somente um método. Porem, quando se considera a
experiência analítica do pondo de vista do supervisor, o analista que realiza supervisões,
tem, com certeza, um aspecto de método em jogo. Minha tentativa consiste em considerar o
que existe na pratica comum na rança e começar a formalizar um pouco com elementos
familiares mas tomados de outra maneira.

O diagnostico em psicanalise

Em minha primeira conferencia ressaltei a importância do diagnostico. Essa ênfase no


diagnostico pode contrariar, até ofender sensibilidades ideológicas temos, contudo, algo
que aprender dessa ofensa as sensibilidades em nosso meio, quando se fala de diagnostico
se pensa no diagnóstico psiquiátrico, caracterizado quase sempre por uma suposta
objetividade. O diagnóstico psiquiátrico esta constituído no nível da objetividade, suposta e
pode parecer “mecanicista”.
Nos, no campo analítico, estamos, contrariamente, do lado do sujeito. A questão que se
coloca e se a ou não um diagnostico do sujeito, um diagnostico constituído não só na pura
objetividade mas no nível do sujeito. É compreensivo que o primeiro movimento de um
“Lacaniano” pode ser o de rechaçar a própria ideia de um diagnostico. Tal situação não
encontramos somente aqui mas também em outros lugares, e isso tem haver com os desvios
da psicanalise por parte dos herdeiros freudianos da Internacional, que podemos afirmar,
que mecanizaram o ensino de Freud com uma psicologia do ego. E de maneira coerente de
sua pratica clinica, essa Sociedade Internacional estabeleceu grupos e instituições
psicanalítica caracterizada por uma hierarquia muito rígida.
O desvio histórico da psicanalise é devido entre outras razões a mudança do centro do poder
institucional da velha Europa ao Estados Unidos, produzindo contra efeitos muito forte como
por exemplo, o movimento chamada “ anti psiquiatria”, que foi essencialmente um
movimento de psiquiátrica e psicólogos nas instituições. Lacan chamava a anti psiquiatria de
“movimento de liberação dos psiquiátricas”, não dos pacientes. Dentre esses contra efeitos,
ouve uma desaprovação muito forte da versão da psicanalise segundo a Internacional, i ,com
isso certo rechaço da disciplina como todo na clinica e na pratica analítica.
Exceto que Lacan, a partir de sua posição de exclusão, atraiu uma multidão de pessoas que
rechaçavam tanto a pratica clinica quanto a da Ipa. Durante anos, essas pessoas se reunirão
em torno de Lacan, recordo que em 1964, na fundação da escola Freudiana de Paris, não
éramos mais de 100 membros. E eram 100 porque Lacan havia incluído dentro desse novo
conceito de instituição que era a Escola, seus alunos como membros. Senão houvesse feito
isso não sei quantos havíamos sido talvez 20 ou 25. Quando entrei na Escola Freudiana de
Paris conhecia Lacan fazia somente 6 meses e já fui incluído ali, ou seja, a seleção não era
tão dura.
Lacan desde sua posição de exclusão, tinha algo em comum com todas essa gente, já
descrita, que rechaçava a clinica e pratica instrucional da Ipa. Apesar de haver nascido no
inicio do século, Lacan tinha uma sensibilidade muito moderna quase pós-moderna. O
crescimento extraordinário da Escola Freudiana de Paris ocorreu a partir de maio de 1968,
ampliando-se extraordinariamente na França.
Ao mesmo tempo, houve sempre um mal entendido nisso as pessoas, digamos,
projetávamos uma posição de Lacan que não era de Lacan. Durante toda sua vida, em
principio uma vez por semana, depois quinzenalmente Lacan ia ao Hospital Psiquiátrico
Central de Paris, para apresentar casos de pacientes segundo o enquadre psiquiátrico
clássico anti a indignação daqueles que tinham sensibilidade anti psiquiátrica. Tenho disso
uma recordação pessoal idei, dos anos 60, uma conferencia do que foram para mim o ensino
de apresentação de casos de Lacan, que provocavam tanto escândalo na querida Maud
Mannoni, quem tinha essa sensibilidade psiquiátrica, como foi um congresso que o próprio
Lacan estava presente, disse que, apesar das queixas de Maud Mannoni, continuaria sua
apresentação de casos, considerando exata o que chamou “ a fotografia Lacques Alain” de
sua apresentação.
Ou seja, o mal entendido, as vezes, era publico. Por esse motivo comecei minha conversa
ressaltando a “avaliação clinica”, porque não estou seguro que este mal entendido
desapareceu. Assinalar a importância da avaliação clinica não é voltar a psiquiatria, é dizer,
não é suficiente, para ser Lacaniano, rechaçar a Ipa, como tão pouco basta ser rechaçado
pela Ipa. Não é suficiente, para ser Lacaniano ter como palavra de ordem: “ não tenho
mestre, não tenho Deus’, antiga palavra de ordem da anarquia, fundamento insuficiente
para se dizer Lacaniano. Como não é suficiente, digamos, cultivar a ignorância pura.
Explicitemos isso um pouco mais. Para ser lacaniano é preciso estudar a clinica, o saber
clínico e utiliza-lo na experiência. É verdade que temos certo mal estar do saber clinico
porque, em geral, o saber clínico é de origem psiquiátrica e sua constituição se deu nos anos
30. A partir dai, não há mais elaboração propriamente clinica na psiquiatria. Lacan dizia que,
na verdade, fundado no discurso analítico, só existe o tipo clinico chamado “histeria”, os
outros tipo clínicos que conhecemos vem da psiquiatria, eventualmente, necessitamos um
esforço de reformulação, de formalização de nossa parte. É por essa razão, como vocês
podem observar que nos encontros internacionais, desde alguns anos, retornamos
sistematicamente as categorias clinicas para trata-las, não só importa-las ao discurso
analítico mas inclusive de formaliza-las.
Provoquei risada no auditório com minha alusão “ignorância pura”. Não é para desfavorecer
a função da ignorância; pelo contrario, a ignorância tem uma função operativa na
experiência analítica. Se trata então não da ignorância pura, mas da douta ignorância, da
ignorância de alguém que sabe coisas, mas que voluntariamente ignora até certo ponto seu
saber para dar lugar ao novo que ocorrerá. E aqui uma diferença muito importante para
distinguir a posição do analista antes e depois do umbral da analise, antes e depois da
fronteira do discurso analítico. A função operativa da ignorância é a mesma que a da
transferência, a mesma que a da constituição do Sujeito suposto Saber. O sujeito suposto
saber não se constitui a partir do saber, mas se constitui a partir da ignorância. A partir dessa
posição o analista pode dizer, ou fazer entender, que não sabemos com anterioridade o que
o paciente quer saber, mas supomos que quer dizer outra coisa. Nisso, a suposição de saber
não está vinculada ao saber constituído – porque se há saber constituído, não há nenhuma
necessidade de suposição. Há, porem, uma siposição de ignorância.
Distinguimos três níveis... O nível da avaliação clinica, o nível da localização subjetiva, e o da
introdução ao ICS, vinculando os dois primeiros níveis a subjetivação e os dois últimos a
retificação.

Avaliação clinica
Subjetivação
Localização subjetiva
Retificação
Introdução ao ICS
Da avaliação clinica a avaliação subjetiva: A subjetivação
Há um vetor que suporta tudo isso, o vetor do próprio ato analítico, o vetor do “sim”ou do
“não” do analista avalizando ou rechaçando a demanda do seu paciente de ser paciente de
um analista. É dizer, há um vetor de responsabilidade, um vetor onde o paciente, na
realidade, um candidato e o analista, de certo modo, um jurado.
É certo que a avalição clinica na experiência analítica não esta constituda na subjetividade.
Quando falamos de diagnostico, nessa perspectiva, o sujeito é uma referencia inevitável.
Vimos isso quando falamos da perversão. Podemos diagnosticar facilmente uma conduta
perversa, por exemplo, uma homossexualidade masculina tal, como o faz o próprio paciente,
seu médico, seus amigos e sua família, não sendo necessário um analista para tal coisa.
Então, se trata de uma homossexualidade de fato; é assim que como pode obter seu gozo é
sua maneira de gozar. Devemos respeitas as maneiras de gozar. O que difere o elemento
novo que pode ou deve inserir a experiência analítica, é a posição que o paciente assume em
relação a sua homossexualidade, o que é muito diferente da conduta. Não se trata da
mesma coisa quando essa conduta é realizada por alguém que diz: “faço isso e o confirmo
faço e repito”, ou quando é alguém que diz: “é o que o faço mas estou contra isso”. Não é
mesma coisa apesar de a conduta ser a mesma. Se, para um, esse gozo resolve as questões
do desejo, para o outro, intensifica a questão sobre o desejo.
Tentarei explicar a diferença. Falei sobre a homossexualidade de fato, porem é muito
diferente saber se para o sujeito que vai ao analista se trata de uma homossexualidade de
direito, e aqui utilizo a oposição “defato” de “direito”. Ou seja , trata-se de saber se é uma
homossexualidade confirmada. Há um vinculo entre a homossexualidade masculina e o
direito. Na antiga grecia como é feito, a homossexualidade masculina tinha seu estatuto
privilegiado entre os professores, entre aqueles que detinham o direito. Havia uma
homossexualidade de direito vinculada ao direito porque estava profundamente vinculada
ao falo; quando se trata de direito, a questão fálica não esta muito longe.
Na analise, a questão direito é essencial, muito mais que a questão dos fatos. Em geral, as
pessoas que vem a analise se sentem como “ mal feitores”. Isso é verdade por ser próprio da
condição humana. São os neuróticos que se percebem fundamentalmente como mal
feitores. Os neuróticos, como Lacan destaca, representam a dignidade humana, porque são,
justamente, os que sofrem por ser mal feitores. Quando repetimos a frase de Lacan “ não há
relação sexual”, significa que isso falta, é por isso que somos mal feitores.
Uma questão fundamental do sujeito em analise é: a que coisas tenho direito? Se vê que um
neurótico pode negar-se abandonar as coisas que o impedem de gozar porque,
inconscientemente, não tem direito a isso. Sabemos que direito é sempre uma ficção, uma
ficção simbólica e que, apesar disso, é operativa no mundo, estrutura o mundo. Assim,
quando falamos da castração simbólica, trata-se de direito. Na história da humanidade,
constitui-se como questão: “a quem tem direito uma mulher?Não estando inteiramente
resolvida”. A isso Freud chamou pênis-neid.
A pergunta “a que tem direito uma mulher?” é retomada pelos homens, eventualmente,
para diminuir os direitos do outro lado,privilegiando o direito masculino. Mas, o que aparece
na experiência analítica é que essa pergunta é retomada também pela mulher, o que quer
dizer que igualmente para a mulher essa não é uma questão resolvida. O pênis-neid e a
questão da castração fazem sentir a diferença entre fato e direito, porque existe o fator
biológico da reprodução sexual e, por esse motivo, uma parte da espécie é assim e a outra
de outra maneira. Então , não se trata de fato, e sim de símbolo, ou seja, de direito. Da
mesma forma que há, entorno do falo, o brilho de privilégio, há também a questão da
ausência do direito do lado feminino. Isso não quer dizer que o homem está tão privilegiado
pelo seu privilégio. Como dizia Lacan, esse privilégio é sobretudo um peso. Não te-lo parece
conferir as coisas da vida , e ao próprio desejo, uma perspectiva adequada. o homem fica um
pouco “embarazado” por seu privilégio. As mulheres podem “embarazar-se”, mas o homem
já está “embarazado”.
Trato de retomar esse conceito de sujeito, de impedir que haja entre nós, uma palavra velha
e comum, porque a consideração metódica do sujeito é o que há de novo em Lacan.
Quando disse que realmente começa seu ensino em 1953 com o artigo “função e campo da
palavra e da linguagem psicanalise”, quando se reconsidera esse texto na ocasião da
reedição de seus escritos, quando tem que ratificar esse artigo, faz uma pequena introdução
abaixo do titulo “do sujeito enfim em questão”. Com isso, marca o inicio do seu ensino, não
com a linguística, não com estruturalismo como tal, mas com a consideração do sujeito.
Creio que agora vocês podem ver em que sentido o sujeito na clinica é um sujeito de direito,
um sujeito que estabelece sua posição com relação ao dieito,ou seja, não se trata de um
sujeito de fato. E se alguém “ observar” o sujeito, buscando-o em sua obsjtividade jamais o
encontrará. Encontrará, por exemplo, porcentagens. Há estudos desse tipo na Alemanha,
nos EUA, em que se intenta quantifica toda experiência analítica com questionários dirigidos
aos analistas, em que se pergunta, por exemplo: “quantas curas inconclusas?Quantas mal
concluídas?”, e assim sucessivamente. A dificuldade, então, é que então um analista
considera uma cura bem concluída não é, eventualmente a opinião de outro. Ademias, deve
se verificar qual é a opinião do paciente. A concepção que o paciente pode ter de uma cura
muda durante a experiência analítica. Desta maneira, é justamente o sujeito que impede
quantificar a experiência analítica. Dizer que o sujeito na clinica não é um sujeito de fato,
mas um sujeito de direito, equivale a dizer que não se pode separar a clinica analítica da
ética, a ética da psicanalise. É a ética da pasicanalise que constitui na experiência analítica o
sujeito [...]. a primeira incidência clinica da psicanalise é o próprio sujeito.
Localização subjetiva

Como vemos, o nível descritivo não é de muita valia na experiência analítica. Houve
um tempo em que Freud tratava de verificar os fatos relatados pelo paciente mas eliminou
em seguida essa prática, pois não se trata de verificar os fatos para certificá-los. Há analistas
que pensam que é de suma importância observar o paciente: como se move, como se veste,
como se deita no divã, o que faz com seu corpo durante a sessão, como entra, como sai. Um
analista eminente como Wilhelm Reich, quando ainda era freudiano, em seu tratado do
método analítico, ressaltou a importância para o analista da observação da conduta de uma
maneira um tanto zoológica. Não digo que o analista deva ser cego. É bom ter uma ideia de
se o paciente é uma mulher ou um homem, ainda que não seja fácil diferenciar; mas é
melhor ter em consideração uma mudança de vestimenta na medida em que isso pode
corresponder a uma mudança de posição subjetiva, ou responder a uma interpretação. O
essencial, contudo, não é essa dimensão; o essencial é o que o paciente diz.
Nos deteremos um pouco mais na significação dessa frase: “O essencial é o que o
paciente diz”, o que significa separarmos a dimensão do fato para entrar na dimensão do
dito, que não está muito longe da dimensão do direito.
Em nosso método, devemos passar, inicialmente, da dimensão do fato para a
dimensão do dito, mas isso não basta. Apresentar como se fosse análise o mecanismo dos
ditos é falso lacanismo. O mecanismo dos ditos não valem mais que o mecanismo da
psicologia do eu. É verdade que em Lacan existem algumas coisas que poderiam ser
retomadas de outra maneira para se virar um mecanismo. Por exemplo, a diferença feita por
Lacan, a partir da linguística, entre metáfora e metonímia. Esse binarismo fantástico e
cômodo a partir do que se pode, em cada frase, perguntar se se trata de uma metáfora ou
de uma metonímia, pode constituir um mecanismo pseudo-lacaniano. Alguns alunos de
Lacan se separaram dele por pensar que já haviam entendido tudo com relação à metáfora e
a metonímia, e entraram na IPA para adquirir prestígio através disso. Por esta razão hoje
posso encontrar em Nova Iorque analistas da IPA que dizem: “Pois sim, nós também
trabalhamos com a metáfora e a metonímia. Foi Lacan quem inventou isso? Como
mecanismo é totalmente compatível com tudo o que se pensa.”
Desta maneira, ir dos fatos aos ditos não é suficiente. É essencial um segundo passo.
O passo seguinte é questionar a posição que toma aquele que fala com relação aos seus
próprios ditos. O essencial é, a partir dos ditos, localizar o dizer do sujeito, ou seja, o que
Lacan, retomando uma categoria de Jakobson, chamada enunciação, que significa a posição
que aquele que enuncia toma com relação ao enunciado.
A este respeito há muitas questões. O paciente diz algo, seja metáfora ou metonímia,
mas quando diz isso, é para ele mesmo uma verdade ou uma mentira? Pode ser o mesmo o
dito, mas há uma distância entre o dito e o dizer. Alguém pode dizer alguma coisa sem crer
completamente no que diz. Desta forma trata-se de uma questão entre o dito e o dizer. Há
uma maneira muito simples de entender isso em lógica matemática. Podemos ter uma
proposição e colocar a letra V para dizer “verdadeiro”, ou F para dizer “falso”.
[desenho p. 39]
É a mesma proposição, mas posso ter um valor ou outro, indicando uma posição com
relação ao dito. Este tipo de marca, verdadeiro ou falso, é chamado, classicamente – há
sentidos mais profundos –, nível apofântico.

A modalização do dito

Há outra maneira que permite ver melhor a posição subjetiva, uma segunda maneira
de marcar o valor do dito. Poso dizer, por exemplo: “Venho amanhã”. Esse é o dito, mas se
pode indicar o valor que se dá esse dito de diversas maneiras. Em uma delas se pode dizer:
“Venho amanhã é uma mentira”, mas também se pode dizer “Venho amanhã, talvez”, ou
“Venho amanhã, com certeza”, ou ainda “Venho amanhã, se não vou a outro lugar” ou
“Venho amanhã, seguro que sim” ou “Venho amanhã, seguro que não” ou “Venho amanhã,
dependendo do que você me diga”. Todas essas maneiras são o que, classicamente,
recebem o nome de modalização, porque são uma modalização, no dito, da posição que o
sujeito assume diante dele. Isto deve ser visto como contrário à lógica matemática clássica,
em que há somente dois valores. Se pode colocar, eventualmente, um terceiro ou um quarto
valor, mas no nível da modalização na língua é quase infinito para indicar com sutileza o que
se faz ou o que se diz; o tom de voz também pode ser uma modalização.
Estas são questões que o analista sempre deve situar, e que tem como referência o
próprio sujeito. Alguém pode dizer alguma coisa sem crer no que diz e, por que não dizê-lo,
essa é a regra. Eventualmente, na análise, o sujeito diz algo para verificar se o analista
acredita e, se acredita, o próprio sujeito começa a crer, ou ainda, pelo contrário, se o
analista crê, o sujeito se assegura que o analista é um tonto.
Não se trata de um convite para que o analista seja inteligente, porque às vezes é
necessário, para o sujeito, que o outro seja tonto; com isso o sujeito ganha certa segurança.
Assim, não temos que parecer demasiado inteligentes, pois um certo ar de estupidez pode,
também, fazer maravilhas. De certo modo, alguns analistas têm esse privilégio, faço em tom
de piada, mas esse é um verdadeiro problema: pensar que o outro percebe tudo, que o
outro o vê, de fato, transparente. Para permitir que o próprio desejo se desenvolva é
necessário um lugar obscuro e, também pensar que há algo que o outro não pode perceber.
Temos que permitir ao sujeito alguns enganos e não buscar, imediatamente, o sujeito em
seu fundo para dizer que não é verdade, que há uma contradição. Ao contrário, é preciso
permitir, principalmente, nas entrevistas preliminares, que continue mentindo um pouco em
seus próprios ditos. E isso, de fato, já constitui uma introdução ao inconsciente. A localização
subjetiva introduz o sujeito no inconsciente.
Dizer a verdade – a verdade também é uma modalização. No sentido clássico há dois
níveis, o verdadeiro e o falso, e é possível matematizar o dito nesse nível, mas não em nível
de modalização. Faz pouco tempo sugeriram algumas tentativas de matematizar a lógica
modal, o que faz perder todos os matizes, todas as gradações da modalização. Às vezes, é
fácil dizer a verdade quando a confundimos com a exatidão, mas o verdadeiro e o exato não
são a mesma coisa. É fácil dizer a verdade quando a conhecemos. Porém, justamente na
análise, o esforço é dizer a verdade, a verdade mais aguda que surge é... que não podemos
conhecê-la, e é com a regra analítica de dizer tudo que isso aparece. O primeiro resultado é
que a verdade não pode ser dita porque não a conhecemos e a única coisa que se pode fazer
é dizê-la. Há sujeitos para os quais o esforço de dizer a verdade os leva à impossibilidade de
dizê-la, e isso constitui um sofrimento; são os sujeitos histéricos. É um escândalo tratar a
histeria a partir de conceitos como o teatro, a mitomania; isso é psiquiatria. Quando, ao
contrário, se trata de sujeitos que sofrem, em seu próprio ser, da impossibilidade de uma
autenticidade – a que Freud chamou de Proton Pseudos, a mentira original – algo que indica
a possibilidade subjetiva enquanto tal.

A caixa vazia do sujeito

Tentarei formalizar isso de uma maneira muito simples para introduzir essa
consideração no próprio método analítico. Se trata de distinguir o dito e uma posição com
relação ao dito, sendo essa posição o próprio sujeito. É dizer, teremos sempre que inscrever
algo, em segundo lugar, como um índice subjetivo do dito. Introduziremos hoje um simples
símbolo para fazer isso, o símbolo de uma caixa. Não uma caixa-preta, the black box, mas
uma caixa vazia, onde vamos escrever, justamente, as variações da posição subjetiva.
[desenho da p. 42]
O exemplo freudiano disso é a Verneinung. O paciente diz, a propósito do
personagem de seu sonho, “Não é minha mãe” e Freud afirma com segurança que o fato de
dizer “Não é minha mãe” confirma o personagem do sonho; é a mãe. É difícil entender este
exemplo em termos de objetividade; isso mostra que a psicanálise não tem sentido no nível
da pura objetividade. Se o sujeito diz “É minha mãe”, o analista diz “Sim, é sua mãe”; se o
sujeito diz “Não é minha mãe”, o analista diz: “Sim, é sua mãe”, e desse modo, o analista
sempre tem razão. Quanto diz “sim” ou “não”, o analista faz sua própria ideia disso. Há algo
assim na análise quando se é um pouco imprudente.
O exemplo da Verneinung em Freud é um exemplo de análise da estrutura do dito
com relação ao dizer. O que Freud faz é distinguir, justamente, o dito da modalização da
negação, isto é, a denegação. Quero dizer que há um primeiro “É minha mãe”, seguido da
posição que o sujeito neurótico assume com relação ao seu dito, colocando uma marca de
negação no dito. Os analistas sabem disso porque há um personagem no sonho sobre o qual
o sujeito diz “Não sei quem é” mas, para dizê-lo, seleciona, dentro de todos os seres
humanos, sua mãe, para dizer: “Não é ela”. Dessa forma, o significante mãe – retomemos a
palavra significante, um pouco renovada – está presente no dito do sujeito e, como tal, é
distinto do índice de negação que modifica a relação do sujeito com ele. Como disse Freud, a
negação é como um índice do inconsciente, um “Made in Germany” ou um “Indústria
Brasileira”, uma marca de fábrica. Lacan o designa como colofón [coroar, arrematar,
finalizar, concluir... verificar] no Seminário 2, como índice subjetivo e, neste caso, o índice
subjetivo é a marca negativa. Neste pequeno exemplo, a relação do neurótico com o desejo,
indicando que o neurótico pode aceitar o desejo sem a marca da negação sobre ele.
[desenho da p. 43]
Um paciente neurótico obsessivo, por exemplo, pode desejar uma mulher se este
mulher não tem um defeito. Num primeiro momento, pelo contrário, tenta valorizar esta
mulher, mas a condição indispensável para seu desejo é se focalizar em um pequeno defeito
que não é visível a um simples olhar. Muitas vezes a depreciação dirigida ao objeto de amor,
tal como se encontra na neurose obsessiva, é uma condição própria do desejo. Encarnar este
retrocesso frente ao desejo é parte do desejo neurótico. Vemos, às vezes, matrimônios
sólidos, talvez os mais sólidos, fundados sobre o fato de que a esposa é para o homem uma
mulher depreciada, justamente porque encarna a marca negativa do desejo. Essa mulher
depreciada diariamente com críticas, na experiência analítica, revela o objeto de um amor
louco.
Deste modo, como princípio do método, é imperativo para o analista distinguir
sempre o enunciado da enunciação e, paralelamente, o dito do dizer. Uma coisa é o dito, o
dito como fato, e outro o que o sujeito faz do que diz. Às vezes há uma relação de
instrumentação entre o sujeito e suas palavras, o que é conhecido quando alguém se serve
das palavras para enganar o outro. O que muda na perspectiva analítica é que o sujeito
utiliza a palavra para se enganar por meio de enganar o outro, mas, fundamentalmente,
enganando-se a si mesmo.
Nada se garante a partir de um dito. Muitas vezes um sujeito diz algo, dizendo
somente o que os outros já disseram – refiro-me a nosso uso cotidiano da palavra. Estamos
sempre falando e é tão grande o tempo passamos falando... pensem que agora mesmo
minhas palavras estão se registrando, mas o que não se registra são os intervalos que
também formam parte deste discurso. Seria muito mais interessante estudar o que se diz
nos intervalos, não só para minha informação. Não há uma só frase, um só discurso, uma só
conversação que não suporte o selo da posição do sujeito com relação ao que diz. O sujeito
diz uma frase e logo em seguida sua posição com relação a essa frase. Por exemplo, se
alguém pergunta: “Você crê nisso?”, o sujeito pode responder “Sim, creio” ou “Estou seguro
disso” ou “Fulano me disse”. Todos estes fenômenos se inscrevem na estrutura da posição
subjetiva com relação ao dito. Na língua, no uso das palavras, isso está presente e é objeto
de certas disciplinas linguísticas, como foi observado por Lacan em um texto muito preciso,
que tem importância clínica fundamental e ao qual nos voltaremos mais adiante.
Isso é importante para entender que quando se toma ao pé da letra o que o outro
diz, produz efeitos. Se você diz “Eu não lhe quero mais”, e se a outra pessoa diz “Você é
quem o diz”, o primeiro pode retroceder dizendo “Eu disse não lhe quero mais, quando
você...”. Assim, o simples fato de dizer “Você é quem o diz” já introduz possibilidades de
dizer “Eu disse isso, mas não é o que queria dizer, o que eu queria dizer dizendo ‘Não lhe
quero mais” é que eu lhe adoro”.
Estes são fenômenos da relação entre enunciado e enunciação decisivos para a
interpretação analítica. É o mesmo exemplo da Verneinung: “Não é minha mãe”, donde
Freud responde “É prova de que é”. O próprio fato de dizer “não” é a prova do “sim”. Uma
vez mais, isso não tem sentido no registro da objetividade. Por exemplo, quando um
epistemólogo como Karl Popper toma a psicanálise e diz: “Os analistas não têm provas
científicas; quando é ‘sim’ ou quando é ‘não’ a verdade está sempre do lado do analista”,
Poppder tem razão, pois no registro da objetividade isso não tem sentido se não se introduz
a função do sujeito. Introduzi a função do sujeito justamente para dar conta do que falamos
agora, por isso a interpretação analítica mínima é: “É isso” ou, como também formula
Lacan, “Você o disse, eu não lhe digo”. É apresentar ao sujeito seu próprio dito, o que de
certo modo significa “Coma o que você disse”, pois não se comem só livros, como no
Apocalipse de São João, também se comem palavras na análise, e muitas vezes não é um
preto saboroso para o sujeito comer suas palavras.

Dito e citação

A interpretação analítica, que o analista saiba ou não, está fundada nesta estrutura.
[desenho p. 46]
É por isso que em todo discurso há uma suspensão. Posso, por exemplo, explicar
coisas de uma maneira esclarecedora, o que é minha especialidade, dizendo: “Pois bem, este
é o primeiro passo, porém há um segundo”, e ao dizer isso, tomo uma posição modalizando
minha própria posição com relação ao que disse antes. Assim, não há discurso que não
coloque, continuamente, o dito anterior entre aspas tal qual fosse uma citação. Sempre que
se constitui uma sequência significante o dito anterior cai em certa objetividade e então
posso dizer: “Isso é o que eu disse antes, mas agora direi outra coisa”.
Um paciente, por exemplo, diz “Sou um ninguém”. Isso é um dito, mas o sujeito pode
dizer, imediatamente depois “É o que meu pai sempre dizia” e, com isso, o valor da primeira
frase muda com a segunda e, assim mesmo, esta situação produz certa ambiguidade, pois se
deve verificar se o pai dizia isso a respeito do paciente ou se o dizia de si mesmo. Isso
responde à estrutura significante mínima, segundo a qual o significante, neste caso, uma
frase, toma seu sentido somente a partir da retroação de um segundo significante. Neste
caso, a primeira frase muda de sentido quando a segunda é formulada. A linguagem segue
desse modo, digamos, sempre em retroação.
[desenho p. 47]
Isso implica um contínuo processo de citações na palavra. Em geral, ninguém pode
falar sem citar. No exemplo de antes, o paciente tem a boa fé, ou a ideia de dizer: “Sou um
ninguém”, mas entre aspas, e agrega, “É uma frase de meu pai”. Mas frequentemente o
sujeito não sabe que o que diz é uma citação do discurso do Outro, e que introduz essa
excisão, essa ruptura, entre o dito e o dizer, introduzindo um elemento fundamental.
Essa dimensão da citação está presente, por exemplo, em um provérbio quando se
diz “Tal pai, tal filho”, uma citação do discurso, da voz anônima do saber popular. Seguindo a
análise de Freud, cada vez que se utiliza a negação, neste sentido, já é uma citação pois
implica um primeiro enunciado que é sempre uma afirmação e, em segundo lugar, a posição
do sujeito que pode negar ou confirmar a afirmação. Isso fica claro no que desenvolvi em um
momento para responder ao pedido de repetição. Dizer uma vez é uma coisa, mas repeti-la
é outra coisa, muito perigosa. Há coisas que é melhor dizer somente uma vez e depois
adicionar: “Jamais disse isso”. Repetir é um ato fundamental da vida e, mais precisamente,
do Direito. Para marcar a posição subjetiva, que não deve mudar o Direito, existe a
instituição da escrita porque é sempre possível fazer um contrato e, no dia seguinte, chegar
dizendo, por exemplo: “A causa de minha análise, minha posição subjetiva mudou”. Seria
renunciar ao negócio, daí a obrigação de assinar para garantir que a posição subjetiva não
mude; isso em termos de Direito. Aquele que assinou não pode, no dia seguinte, correr para
tentar recuperar o papel assinado. O sujeito do Direito social tem suas próprias leis em
contraposição do sujeito do direito analítico.
Assim, utilizemos o símbolo de Frege, um lógico que era consciente de que,
fundamentalmente, o primeiro enunciado é sempre uma afirmação e que, depois dessa
afirmação primeira, a negação da afirmação está em segundo lugar. Para escrever a
afirmação primeira Frege utilizou um símbolo muito simples (um traço vertical que toca um
horizontal, mas sem se cruzarem), antes de escrever a proposição, por exemplo, para
escrever a oposição: “Digo e repito”. Para repetir, contudo, temos que colocar uma segunda
barra para confirmar.
[desenho p. 48]
Na língua espanhola, “confirmar” e “firmar” derivam de “dizer”, para fazer que o dito
seja firme. No é raro encontrar um obsessivo com o sintoma mais evidente e misterioso para
si mesmo que o de não poder firmar, assinar seu nome, seja num cheque ou numa ficha de
hotel. Encontrei um que tinha uma dificuldade presente em sua vida: não podia assinar em
presença de outros. A firma ou a repetição são atos simbólicos. Não é a mesma coisa dizer:
“Você não gosta de mim” e ante a resposta do outro, dizer: “Digo e repito”, o dizer: “Digo,
mas nego”. O que Freud chamou de Verneinung é, justamente, dizer e negar, e não dizer e
repetir, ou dizer e confirmar.
Isso nos leva, imediatamente, à questão de saber em que sentido o sujeito fala em
seu próprio nome. O sujeito pode vir, por exemplo, falando em nome de sua parceria, em
nome de sua família, a quem atribui o dito de que seus sintomas já não são suportáveis. Um
paciente chegou a meu consultório para pedir uma análise, vinha com sua esposa e somente
ela era que falava; enquanto o futuro paciente estava mudo, ela falava por ele. Se tratava de
um histérico que precisava, de fato, fazer-se representar por uma mulher em sua demanda
de análise. Essa demanda, estranha na forma de manifestar-se, conduziu posteriormente a
mulher a também pedir análise, mas depois de alguns momentos se descobre que a
demanda era realmente sua e do filho que estava ali como substituto para uma demanda
que o sujeito não podia assumir.

Atribuição subjetiva

Um analista jamais sabe o que o outro realmente lhe demanda. Se pode fazer uma
demanda de análise através de uma medicação; uma demanda de supervisão pode ser uma
demanda de análise, isso é bastante conhecido. Um convite para o analista falar, dar uma
conferência, pode ocultar uma demanda de análise e, se um analista leva sua vida por aí,
não poderá fazer muitas coisas.
Isso tem um sentido muito preciso. Eu o formularei em temos de Lacan, a partir de
um parágrafo essencial do texto sobre as psicoses, em gera pouco trabalhado, em “Uma
questão preliminar...”: “Em cada cadeia significante se situa a questão da atribuição
subjetiva”. Com essas palavras, que podem parecer misteriosas, seguro que vocês já podem
entender do que se trata: não há uma só cadeia significante sem que se coloque a questão
do sujeito, de quem fala, e desde que posição fala. Em toda cadeia significante a questão é
de atribuição ao sujeito, ao sujeito do dito. Lacan aponta essas coisas, que tenho discutido
em meu Seminário este ano, com as pessoas mais informadas sobre sua obra, o que não
deixou de constituir certas dificuldades. Lacan disse: “A estrutura própria da cadeia
significante é determinante na atribuição subjetiva, que, por regra, é distributiva, é dizer
com várias vozes...”. Esta frase é um axioma que não vale somente para as psicose mas para
toda cadeia significante. Lacan afirma que essa estrutura, para cada cadeia significante, situa
a questão em termos de citações.
Em geral, não há uma unidade da cadeia significante do ponto de vista da
enunciação. Uma palavra é, na realidade, a repetição do discurso do Outro, é uma citação. É
a voz do pai quando o sujeito diz, por exemplo, “Sou um ninguém”. Até certo ponto, é outra
voz que, deste modo, implica essa análise.
Fundamentalmente, a cadeia significante é polifônica, ou seja, falamos a várias vozes,
falamos modificando continuamente a posição de sujeito; muitas vezes estamos sérias,
pouco depois saltando, ameaçando, é o teatro da palavra. É por isso que existe o teatro, é
um fato humano fundamental porque no teatro as diferentes vozes são encarnadas.
Este é um ponto-chave tanto para a doutrina das neuroses como das psicoses. Aí está
também a importância da pontuação como método analítico; a pontuação justa depende de
como o analista fixa a posição subjetiva. Não há palavra mais especial que a que diz ao
analista para fixar a posição subjetiva. Se pode, neste ponto, reconhecer uma palavra de
verdade.
Por exemplo, as alucinações. O sujeito histérico tem direito a ter alucinações, mas de
nenhum modo são as mesmas alucinações psicóticas. A posição subjetiva da histeria frente a
suas alucinações é totalmente diferente a da psicose frente a sua. Para um psicótico, apesar
de não conhecer todos os detalhes de suas alucinações, a alucinação é um ponto de certeza,
todo ao seu redor pode ser confuso, mas não a alucinação: ele escutou uma voz em sua
cabeça.
O sujeito histérico pode esforçar-se para isso. Porém, se não o fazemos falar
podemos escutar que a terrível alucinação não tem para o sujeito nenhum ponto de certeza.
É mais importante para o analista, desde o primeiro momento, ao tratar um sujeito
histérico, não alimentar esse discurso sobre as alucinações. Encontrei, em um momento
dado, uma jovem histérica que, ao atravessar os Jardins de Luxemburgo para vir até meu
consultório, contou-me ao chegar que lhe parecia que todo mundo ao seu redor falava em
sua cabeça e que houve transmissão de pensamento com uma pessoa no Jardim. Depois de
alguns minutos desse relato, com o qual queria passar por uma louca, foi necessário cortar
dizendo-lhe: “Você se quer apresentar como uma louca”, com o que eu pontuava,
justamente, a posição em relação com o dito, indicando-lhe que todos seus ditos não iam ser
tomados a sério. Nada é mais importante na análise que isso. Isso é a direção da cura: saber
o que deve e o que não deve ser tomado a sério. É possível que o analista se interesse pela
alucinação histérica, mas se manifesta interesse, essa alucinação pode durar meses porque,
para satisfazer ou frustrar seu desejo, manifestado pelas alucinações, o sujeito histérico
pode produzir isso ao longo de muito tempo. Não é que seja teatro, trata-se de responder ao
desejo do Outro. Há casos em que o analista produziu todos os efeitos que mais tarde trata
de descrever.
Uma depressão, por exemplo, deve ser seriamente considerada no caso de tratar-se
de uma depressão psicótica, ou ainda nos preâmbulos de uma passagem ao ato bem-
sucedida: o suicídio. A um depressivo devemos questioná-lo com surpresa, não com uma
participação emocional em sua depressão. Antes de vir aqui, atendi uma mulher – era a
primeira entrevista – com uma ansiedade terrível. Era uma pessoa que sabia que eu estava a
ponto de partir de viagem e que, apesar disso, ou talvez precisamente por isso, veio me ver
dizendo que seus filhos iriam no fim de semana sem ela e que, por essa razão, teria ideias de
morte, chorando continuamente. Devo dizer que a essa pessoa que se apresentava
chorando, eu a questionei com um sorriso visível, não de ironia, espero, mas de gentileza. A
segundo vez, essa pessoa havia esquecido sua depressão que, dois dias antes, parecia
anunciar o fim do mundo. Isso quer dizer que a decisão do analista de viajar igualmente, é
um ato simbólico. Na análise não se trata de participar emocionalmente das situações
afetivas do paciente demonstrando compreensão ou ternura. A demonstração de
incompreensão frente aos afetos do outro é uma posição sumamente importante. Essa
demonstração de incompreensão por parte do analista provoca, em geral, todas as
reprovações de desumanização. Pode suceder que não valoremos um estado e, de repente,
no dia seguinte, o paciente se suicide. Ou seja, quando falamos da responsabilidade do
analista, isso não é uma palavra vazia. Todos os analistas sabem que uma palavra infeliz,
quando a experiência é conduzida com intensidade, pode matar alguém. Se a experiência
analítica é conduzida como um tipo de assistência social personalizada, os riscos são
menores. Antes de introduzir alguém na experiência analítica, com todo seu rigor, temos
que ver se, eventualmente, não há outros meios.

Evolução da modalização do dito

O dito pode modalizar-se de tal modo que uma demanda de mudar, “Quero mudar”,
pode se revelar como uma demanda de não mudar. Posso dar um exemplo disso com uma
recente demanda de nalise em pParis. Um homem chega sem sua sua mulher, mas se
apresentando como “Marido”, alguém que tem uma esposa que iniciou uma analise e a
quém depois de uns meses, já não pode reconhecer como sua esposa. A analise mudou sua
mulher e, por outra parte, ele tão pouco é tão na dimensão analítica pois já se analisou
durante muito tempo. Essa é uma forma de demanda de analise. Depois de alguns minutos
surge no relato que, durante anos, esse marido manteve sua mulher bastante atada e se
considerva como referencia fixa de sua mulher, seu ponto de referencia. Na medida que ela
precisa disso, ele se constitiu nessa função. Parece que essa foi também a posição do pai, do
paciente com relação a sua mulher sua mãe, louca, mas não propriamente psicótica. Seu pai
se conderava o chefe da casa e o paciente acreditava que essa posição era exatamente a que
a sua mulher necessitava. Agora, através de sua analise, ela havia tomado ceta distancia com
relação a sua posição anterior, passando a queixar-se das observações depreciativas que seu
marido lhe dirigia. Agora ela dizia: “tu sempre me fazes sentir inferior diante dos outros”.
Quando lhe perguntei se isso era verdade, ele respondeu: “sim, ela não sabe o que fazer e
necessita de alguém que lhe dirija”. É claro que sua demanda de analise era no sentido de
não mudar, ou seja, ele preferia aceitar sua perda a mudar qualquer coisa de si mesmo,
mantendo-si na mesma posição, e isso apesar de perder a sua mulher. Sua demanda era:
“ajuda-me a perde-la”- como se ela fosse nada-, é dizer confirmar sua posição inicial de
sujeito.
Minha primeira frase foi: “você não quer mudar”. Evidentemente, esta lhe parecia ser a
melhor posição do mundo porque era a posição paterna. Mostra ser um neurótico obsessivo
muito decidido e a inferioridade suposta de sua mulher era, para ele, uma condição de seu
desejo. Depois de alguns minutos, minha frase foi: “para você as mulheres são seres
inferiores”. Isso me levou a não aceitar, a não avalizar, essa demanda de analise assim
formulada. Aceita-la desse modo impediria, desde o primeiro momento, a localização
subjetiva. Minhas ultimas palavras foram que me parecia que ele necessitava de um
aggionarmento, como se diz em italiano, ou atualização em português, e que poderia voltar
a velo na semana seguinte.
O que vemos como uma posição neutoica de sua parte, foi possível antes, porque a posição
de homem, como chefe da casa, é praticada em muitos países de diversas maneiras. Foi uma
possibilidade de elaboração da relação sexual em uma época em que as mulheres não
podiam fazer analise. Agora, a esposa vai analista e, semanas depois, um senhor se encontra
sem seu servo. A questão da localização subjetiva neste caso era como inverter a demanda,
como transformar a demanda de não mudar para uma de mudar [...]. não rechacei o sujeito
mas reformulação de sua demanda. [...] .
Assim, a localização subjetiva consiste em fazer aparecer a caixa, essa caixa vazia onde se
inscrevem a variações da posição subjetiva é como tomar entre parênteses o que o sujeito
disse e lhe fazer perceber eu toma diferentes posições modalizadas com relação ao seu dito.
[...].
O que é sujeito? O sujeito é essa caixa vazia, é o lugar vazio onde se inscrevem as
modalizações. Esse vazio encarna o lugar de sua própria ignorância, encarna o fato de que a
modalidade fundamental que se deve fazer surgir *...+ é a seguinte: “eu (o paciente), não sei
o que digo”. E, nesse sentido, o lugar da enunciação é o lugar do próprio inconsciente.

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