Você está na página 1de 47

Diagramação e Ilustração

Henrique André
Revisão
Amanda Bitisururu Dayo
substantivo feminino

1.
convulsão forte, agitação convulsiva.
“debater-se na v. da dor”
2.
ânsia que precede os últimos momentos;
estertor, agonia.
“na v. da morte, perdoou o filho”
3.
FIGURADO (SENTIDO)•FIGURADAMENTE
momento extremo; fim, final, limite.
“as v. da resistência”
4.
POR EXTENSÃO
careta, trejeito, macacada.
5.
ânsia de vômito, náusea, enjoo.
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

A noite cai na pauliceia, chuva fina, frio de cortar a pele,


guarda chuvas se esbarram num frenético vai e vem em meio
ao caos e a buzinas, uma sinfonia ensurdecedora que dita o
ritmo das loucuras que estão ali.
No Centro da cidade, Benício caminhava passos firmes,
atravessava a praça da República, perdido em seus pensamen-
tos, não se conectava com nada e nem com ninguém, nada via,
só sentia a lâmina fria de vento corta seu rosto e o desejo de
continuar a caminhar sem destino, ele só queria andar, fugir de
algo que continuava ali a o perseguir.
Tomado por uma angustia sufocante, Benicio para num
bar, entra olha ao redor e também é observado, difícil aquele
homem todo não ser notado – 1,90m, negro de Black Power
armado, barba de revolucionário e de olhar gentil, apesar da
forma bruta de ocupar o lugar, também era brutal sua capa-
cidade de cativar por contas dos bons tratos que dele eram
característicos. Pede uma cerveja no balcão, toma o primeiro
copo num gole só, na tentativa de afogar os pensamentos,
sentimentos e mágoas que ele não sabia nem nomear. Tira do
bolso o Celular, passa o dedo rápido por imagens das redes
sociais, de forma automática sem muita atenção, distribui likes
a tudo e a todos, sem saber muito bem o que está curtindo, sem
processar o que vê, como um protocolo social fugaz e vazio de
seguir para ser seguido, curtir para ser curtido num ritual oco
de sociabilização efêmera.

4
4
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Envolto no seu transe tecnológico, mergulhou sem suas


lembranças, viajou ate a conversa que teve com sua compa-
nheira naquela manhã:
Benício: - Preta tô com medo, muito medo mesmo...
Luiza: - Calma Preto, respira, tá com medo de que?
Benício: - Sei Lá... medo de morrer, medo de matar
alguém... Porra essa angustia vem tomando conta de mim desde
quando eu vi a possibilidade do Sier ganhar as eleições.
- Não é nada partidário, pelo contrário, minhas convic-
ções políticas em relação à esquerda estão bem abaladas... é
uma questão de sobrevivência!!
Luiza: - Preto bem vindo ao nosso mundo, mundo de
medo constante! Ser mulher nessa sociedade que estamos é
isso: ter medo de pegar condução depois de certo horário, ter
medo de reagir aos assédios diários, desde o pedreiro da obra

5
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

ao patrão, ter seu espaço violado, ter medo de entrar num ôni-
bus lotado, medo de denunciar agressão, nós mulheres temos,
vivemos esses medos...
Benício: - Me desculpa... Ser empático com essa dor
não é senti-la...
Chorou na sua lembrança e chorou a se lembrar...
Benício: - Estou com medo da polícia, medo dessa tal
ordem de primeiro atirar para depois perguntar...
Luiza: - Não tenha medo preto, não tenha medo do Sier!
Benício: - Meu medo não é dele, meu medo é dessa
legião que ele inflamou e que está descontrolada. São os fis-
cais do “diferente”, querem armas e licença para exterminar
pretos, gays, lésbicas, trans... Estou com medo do meu instinto
de sobrevivência e como o monstro que dorme em mim pode
reagir numa situação extrema...
Luiza se aproximou e abraçou Benício, que sentiu o
acolhimento de imediato, mas não sabia como retribuir aquele
afeto, se mantendo blindado a saraivada de amor, que aquela
mulher despejava sobre ele...
Cai um copo, o estilhaçar de vidros no chão o traz de
volta...
Mensagens no whats, depois do veredito das eleições
ela saiu de todos os grupos, desiludido das pessoas e de suas
crenças, triste por pessoas que ele ama o terem colocado na
alça de mira dos que querem o exterminar, resolveu se isolar,
ficando apenas em dois grupos: um do trabalho, que só tra-
tava de assuntos profissionais e outro de pessoas que dividiam
as mesmas angústias e sentiam as mesmas dores que a sua,
saborearam o mesmo amargor por tudo que acontecia no país
e sentias cada um a sua forma o impacto do acontecido no
país. Nesse grupo estavam Raoni e Ricardo, amigos, artistas...
Raoni é um ítalo brasileiro, nascido no Brasil e adotado por um

6
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

casal italiano, estudou artes em Milão e melhorou seu portu-


guês estudando em Portugal, voltou ao Brasil para se conectar
com sua ancestralidade e não saiu mais daqui, hoje é produtor
musical de celebridades do mundo da música underground,
Ricardo é parceiro de criação de Raoni e também trabalha numa
produtora fazendo jingles comerciais e locução, dois gênios
incompreendidos pelo mainstream e consagrados pelos que
vivem a arte de verdade.
Benício conheceu Raoni ao fazer uma matéria sobre
músicas remixadas para seu blog, amor à primeira vista entre
aqueles que descobriram tanto em comum em seus mundos tão
distintos, Ricardo foi apresentado a Benício por Raoni, produzi-
ram juntos um EP de poesias escritas e recitadas por Benício,
almas que se reencontraram e não se largaram mais.
Ricardo via Whats: E ai seus putos?! Qual a boa?
Raoni: To terminado de gravar voz da Lohanne Vienna
e depois to de boa!
Benicio: Preciso falar com vc´s... Mano ta foda!
Ricardo: Que foi mano? É a eleição? Velho te entendo...
Raoni: Onde você está? Vamo se trombar...
Benicio: To no centro, tomando uma... Quem se anima!
Ricardo: Opa, 30 min chego no Bambolina, firmou?!
Raoni: Demorou terminando aqui desço para Roosvelt,
fechado!
Benicio: Fechado...
O home Studio de Raoni fica próximo da lanchonete
Estadão, Ricardo estava na produtora que trabalha, chegaria
bem rápido ao ponto de encontro, Benicio nem degustou o
último gole da cerveja que pediu no boteco sujo na praça da
República, apesar de estar bem perto da Praça Roosevelt a
anciã de externar tudo aquilo que o sufocava era maior que

7
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

o seu prazer em tomar uma cerveja gelada. Pagou a conta e


seguiu para o Bambolina.
Benício acelerou o passo para evitar a chuva, foi o pri-
meiro dos amigos a chegar, pediu um cardápio e uma cerveja,
na sequência chegou Raoni e não demorou muito Ricardo se
juntou:
Ricardo: - Salve manos!
Se cumprimentaram com uma abraço terno e demo-
rado, como que soubessem, antes mesmo de trocar palavras
que o acolhimento se fazia necessário
Ricardo: - Como cê ta mano?? O que tá acontecendo? –
Perguntou aflito para Benício, que estava com um olhar perdido.
Raoni: - Mano é essa porra de eleição... Tá foda!
Benício: - Mano to com medo de morrer, tô com medo
de matar alguém, mano tô com medo de mim...
Benício começou a relatar... Mano já tomei vários
enquadros da polícia, alguns truculentos, outros amenos, alguns
até gentis! Armas de fogo sempre me causaram insegurança...
Uma vez estava andando de bicicleta e dois PM ‘s de moto
apontaram a arma para mim, me fizeram parar, dava pra ver o
nervosismo daqueles homens que não sabiam se paravam suas
motos se me abordavam... O suor em seus rostos, mão trêmulas,
aquelas armas apontadas para mim, eu só estava andando de
bicicleta, não oferecia perigo a sociedade e nem estava em
atitude suspeita, nada justificava aquelas armas apontadas
para mim...
Policial: - Qual seu nome? O que ta fazendo aqui?
Benício: - Moro aqui perto... e estou andando de bici-
cleta, me exercitando
Polícia: - Sei... Sabe o número de documento?
Benício: - Sim! – Falou o número do Rg

8
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

9
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Um dos policiais continuou com a arma apontada


enquanto o outro levantava informações na central.
Policial: - Tem passagem?? Já foi na delegacia?
Benício: - Só para fazer B. O. quando tive meu aparta-
mento roubado...
Policial: - Tem certeza???
Benício: - O Sr já está com meu documento, seu colega
vai poder confirmar...
Policial: - Sei...
O segundo policial verificou que estava tudo em ordem
com a Documentação de Benício e falou:
Policial 2: - Tudo em ordem cidadão! Pode baixar a arma
aí... Desculpa, sabe como é, recebemos uma denuncia de um
homem com suas características de bicicleta... Só estamos
fazendo nosso trabalho!
Benício: - Policial, mas eu agi de alguma forma desde o
início da abordagem que justificasse essa arma apontada para
mim?
Os policiais subiram em suas motos, e sem explicação
seguiram seu caminho!
Benício subiu em sua bicicleta e não conseguia conter
o choro, em choque sabia o real motivo daquela abordagem e
não conseguia conceder aquela situação, não conseguia aceitar
aquela arma apontada para ele sem motivo, se sentia impotente
e violentado...
Benício: Mano, se essa situação acontecer hoje, eu vou
morrer! O Governador eleito José Árido e o Sier estão bancando
e prometem fazer valer a ideia de abordagem a suspeitos “Atire
primeiro e pergunta depois”!
Manos eu sou um suspeito em condicional, preto,

10
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

1,90m, cabelos e barba longos, roupas folgadas ... Eu sou o


suspeito que eles querem matar! – Argumenta Benício com os
olhos marejados.
Raoni: - Que foda mano! Tava conversando com a
Lohanne Vienna sobre isso – Falou com seu charmoso sota-
que europeu.
Raoni: - A reação da Lohanne para mim foi surpreen-
dente, ela disse que pra ela não muda muito coisa,mulher trans
na quebrada é alvo o tempo todo... Os caras de dia discriminam,
xingam e desrespeitam, a noite dão ideia chamam para sair e
tentam seduzir, tem bunda e peito os caras querem meter...
Pobre das trans e travestis que caem nessa lábia, os caras
gozam, e quando a volúpia passa se desesperam e com medo
do julgamento da sociedade ou até mesmo com medo de suas
esposas, familiares e amigos saberem das sua taras, matam seu
objeto de desejo e jogam na “vala”. Bem vindo ao meu mundo...
essa foi a frase de Lohanne para mim, homem, cis e cheio de
privilégios sociais...
Benício: - Caralho... Tenho pedido desculpas para
todas as mulheres! Uma coisa é ser empático a uma situação,
outra é viver sob constante medo! Ser mulher nessa sociedade
machista não é fácil...
Ricardo: - Porra eu também me vi numa dessas neuras...
Porra tava numa loja de conveniências, procurando nem lembro
o que, de repente comecei a olhar para os lados e imaginar:
Mano esse cara deve ter votado no Sier! Nossa esse também,
nesse naipe bombadinho, branco, tatuagem no pescoço... Ah!
Com certeza votou no Coiso! Esse casal aí, vixe, esses que tão
fudendo o país votando nesse disseminador de ódio... Velho
quando dei por mim eu estava no meio da loja, de punhos cer-
rados, base armada, pronto para distribuir todo boxe chinês que
tenho treinado... Respirou arrependido e continuou... Mano nos
atraímos o que a gente emana! – Ricardo tem se dedicado ao
estudo de bioenergia e física quântica – essa porra toda estava

11
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

em mim, aquela pessoas nem estava olhando para mim, estava


cagando para quem sou eu!
É assim que tenho levado a parada, cuidando do que
depende de mim, a preocupação existe, mas só posso cuidar
do que está comigo, o outro não tenho como atuar...
Os três se olharam com ar de conforto e consideração,
brindaram e deram aquele toque na garrafa para que a cerveja
nunca falte antes de tomar o gole.
Benício se sentiu compreendido, e passou a se com-
preender um pouco mais também, as palavras da e atitudes
de sua companheira e daqueles amigos que ele tanto ama
aquecem seu coração e amenizaram o desvalor que ele teima
em potencializar em sua vida. Mais relaxados por conseguir
o desabafo, os sorrisos deram o ar da graça, os assuntos se
diversificaram e a angústia deu trégua.
Benício pagou sua parte da conta e foi encontrar Luiza
na estação de metro para seguirem para casa, Raoni fez jus a
sua solteirice e alma boêmia e convenceu Ricardo, que estava
sem os filhos e não iria encontrar sua namorada Saori, a tomar
mais algumas e seguiram na prosa musical.
Benício enquanto andava para o metrô sentia que tinha
tirado 1 tonelada de suas costas, saiu dali com a sensação de ter
com quem contar e a frase “Ninguém solta a mão de ninguém”
passo a fazer sentido para ele, e ao repetir essa frase entre os
lábios a imagem da Luiza vinha de imediato na sua cabeça...
Seguiu ao encontro da amada na estação Pinheiros da linha
amarela, que fica perto do trabalho de Luiza, que estava exausta
por trabalhar muito naquele dia.
Luiza: - Olá
Benicio: - Oi pretinha! Dia puxado hoje?
Luiza: - Porra, dia foda, trabalhei pra caralho, to cansada,
to com fome...

12
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Benício: - Quer ir pra casa ou comer na rua?


Luiza: - Ah meu bem, decide aí vai? Temos algo pronto
em casa?
Benicio: - Beleza, vamos no Primata, comemos um ham-
búrguer e não agilizamos nosso processo de descanso.
Luiza: - Tá bom! Como você está? Como foi com os
meninos?
Benício relatou suas angústias, sua conversa com os
amigos, as conclusões que chegou, a moça colocou seus con-
trapontos, reforçou alguns pontos e a conversa fluiu, fortale-
cendo o casal e a sinergia entre o par se confirmando.
Comeram, riram, Benício adora as gargalhadas de Luiza
e não mede esforços para fazer a menina sorrir, chegaram em
casa, se prepararam para o descanso e o fizeram, se aninharam
e dormiram.
Despertador toca, Benício levanta cedo, senta no vaso
para sua primeira urina do dia, levanta preguiçoso, escova os
dentes, alimenta os cachorros, prepara o café da manhã...
Acorda carinhosamente Luisa, fazem a refeição juntos como
todos os dias, Luiza agradece ao marido o carinho, ele sorri,
enquanto ela se prepara para sair ele se prepara para trabalhar,
liga o computador pois tem prazo apertado para entregar a
nova história que a editora pediu. Liga o computador, inicia o
editor de texto e inicia mais uma história, dando sequência a
sua vida, revigorado...

Texto no computador: “...A noite cai na pauliceia, chuva


fina, frio de cortar a pele, guarda chuvas se esbarram num fre-
nético vai e vem em meio ao caos e a buzinas, uma sinfonia
ensurdecedora que dita o ritmo das loucuras que estão ali...”

13
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Fim

14
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

15
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Domingo de sol, o passeio é inevitável. No carro, o


casal faz planos (planos de comprar um veículo elétrico,
um patinete com selim) Benício no banco do passageiro
via se as seguradoras aceitavam o veículo para cobertura
e Luiza, sempre muito atenta, conversava com Benício e
via tudo ao seu redor. Estava na faixa da direita e percebeu
quando outro carro ia em direção ao veículo deles. Luiza
mostrou que os reflexos estavam em dia e evitou o aci-
dente, porém nem um “muito obrigado” do outro condutor
recebeu. Benício perdeu o controle:

Benício: - Caralho, não tá vendo, não?! olha o tamanho


desse carro... Como não ver?!

Luiza: - É foda, estava a mais de meio carro a frente


dele.

Benício: - Só a necessidade dele de entrar na rua e


mudar de faixa que importa, só a vontade dele que inte-
ressa; nós somos inexistentes, invisíveis.

Luiza: - Calma, passou!

16
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Benício: - A vontade que me dá é de ir atrás e falar: “ei,


eu existo! Eu estou aqui!”

Luiza: - Não dá esse poder para esse cara, não o deixe


estragar seu dia!

Tarde demais, o dia de Benício já estava perdido.


Emburrado estava, emburrado ficou. Reflexivo e pensativo,
aquela situação reverberava dentro dele de forma intensa
e com volume alto.

Percepção. Em tempos de produção artística cultural


intensa e de qualidade, uma questão é levantada: Por que
tantos artistas qualificados e talentosos não são vistos?
Por que vivemos uma “invisibilidade”, não só do público
desejado, mas também dos pares, artistas do mesmo seg-
mento contemporâneo? Por que não nos consumimos, não
nos conectamos?

Tecnologias de sobrevivência foram se perdendo


com o passar dos tempos pelo desuso. Falando especifi-
camente de São Paulo nos últimos anos, a sociedade tem
se voltado mais às próprias vivências, deixando a comu-
nidade para segundo plano: há uma preocupação maior
com as questões individuais do que com as coletivas. Esse
fato não exclui a existência e a criação de vários nichos e
tribos com suas próprias pautas e causas, porém quando
aparecem causas comuns, essas várias tribos não se unem
em prol de um bem maior para todos: continuam individua-
lizadas em suas pautas coletivas próprias.

Fazendo um recorte racial, a estrutura racista que toma

17
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

conta do país cria mecanismos que promovem essa segre-


gação entre artistas pretos e ainda fomentam uma disputa
que enfraquece o mercado e nos afasta das tecnologias
que nos trouxeram até aqui.

Um desses mecanismos eu chamo de “Negro da vez”,


ou, como ouvi Ana (Segunda Preta) “Negro Único”: artis-
tas negros que estão em destaque em seu seguimento
de trabalho e são colocados como exemplo de sucesso –
exemplo de que não há racismo estrutural afinal, o sistema
permitiu que esses negros tenham sucesso e estejam sob
a luz dos holofotes, ganhando bem e vivendo confortavel-
mente de sua arte. Esse processo, além de dar poder ape-
nas a um percentual mínimo da comunidade artística negra
atuante no país, gera uma disputa gigantesca entre aqueles
que querem chegar nesse lugar de destaque, enfraque-
cendo a conexão entre artistas, a empatia entre pessoas
com mesmos objetivos, com mesmos sonhos e que, se
trabalhassem em rede consumindo e fomentando a arte
de seus pares, poderiam gerar uma potência jamais vista.

As disputas fazem com que nós não nos enxergue-


mos – nem socialmente, nem artisticamente –, nas grandes
metrópoles. Somos ilhas e com os avanços dos aparelhos
tecnológicos de comunicação e redes sociais, nos isola-
mos cada dia mais; quando percebemos o outro, nos preo-
cupamos em apontar as diferenças, ao invés de abraçar
as semelhanças. Não gosto de usar a luta racial norte-a-
mericana como exemplo por diversos fatores, mas abro
exceção: Malcolm-x, Luther King e Baldwin tinham ações
e pensamentos distintos na luta pelas causas dos afrodes-
cendentes norte-americanos, divergiam e discordavam

18
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

publicamente em debates, mesas de discussão. Porém,


a luta pelo povo preto sempre foi maior e quando a estru-
tura racista branca partia para cima de um deles, qualquer
diferença era esquecida e a causa maior era colocada à
frente. A luta era travada, cada um com suas armas, estra-
tégias e ações.

Temos que nos conectar, retomar as rodas de con-


versa, escutar os mais velhos, olhar e planejar o futuro, tra-
balhar no presente, parar de disputar, de nos enfraquecer;
temos que criar redes fortes, genuínas, nos fortalecer como
comunidade, nos olhar, nos ver, nos perceber, nos consumir,
nos conectar, gerar potência. Podemos virar esse jogo!

Tem comunidades que funcionam, que atravessam e


vencem adversidades, se protegem, exercitam o autocui-
dado e os cuidados com outros membros da comunidade;
educam os mais novos para que essa tradição de afeto e
de sobrevivência perdure, cuidam dos mais velhos pois
sabem que eles são registros vivos da história, exercitam
uma espécie de mutualismo entre os membros da comu-
nidade e com o passar dos tempos aprendem (até como
ratificação do mecanismos de sobrevivência) a negociar
com outras comunidades se mantendo vivo, existindo.

Mais que uma cena, precisamos democratizar os pro-


tagonismos, aumentar o alcance dos holofotes, organizar
repasses de produção e o mais importante: viabilizar for-
mas para que todos os envolvidos nos processos consigam
tirar seu sustento da arte que frutificará em outras novas
ações.

20
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

O perigo é que a sombra do racismo nos cobre de


forma tão sorrateira, e a estrutura é tão introjetada na nossa
criação e rotina que, mesmo no microcosmo, na tentativa
de mudança de quebrar dogmas do sistema, ainda o repro-
duzimos sem nem nos dar conta e, quando menos espe-
ramos, temos uma boa justificativa para ocupar a posição
de Negro da vez. Então, olhos atentos, sentidos apurados
e coração aberto e armado de muito afeto para crescer e
fortalecer.

Benício condensou toda aquela reflexão e aplicou na


vida, recebeu a ligação da Editora que ele era parceiro de
trabalho:

Benício: - Fala, Amo, tudo bem com você?

Amom: - Fala, vida boa, tudo bem! E você, como está?

Benício: - Tirando o que tá ruim, tá tudo bom!

Amom: - Mano, é o seguinte: tô ligando pra saber se


você já definiu a capa do livro. Te mandamos três opções e
você tem que escolher. Nós já sabemos que a que tem sua
foto na aba você não vai querer, mas tá aí como sugestão.

Benício: - Amom, pode colocar essa, a que tem minha


foto na mini bio, essa é a escolhida.

Amom ficou surpreso pois em diversos trabalhos,


Benício sempre fazia a exigência que sua foto não fosse
divulgada, nem usada em nenhuma ação de marketing ou
propaganda.

21
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Amom: - Sério isso? Tu nunca quis aparecer, o que


mudou?

Benício: - Me dei conta que não é só uma questão de


aparecer ou vaidade. Para nós, pretos, mostrar nossa cara
numa produção artística intelectual é uma questão política.
É necessário nos mostrarmos vivos e producentes!
Amom: - É isso, pode crer! Você tá certo!

Benício fez Amom pensar como homem preto tam-


bém. Amom lembrou de quantas vezes deixou de mostrar
seu rosto, de aparecer, de ser exemplo para outros pretos e
inspirar crianças a fazerem diferente, seguirem outro cami-
nho. Quantas vezes ele deixou de se acolher e de se amar!

Amom: - Boa escolha, irmão! Vamos seguir na produ-


ção aqui e na sequência nos falamos!

Benício: - Conta comigo, mano! Estamos juntos!

Fim

22
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Raoni encontra Lohanne em algum lugar do centro


da cidade.

Raoni: - Olá Diva, como está?

Lohanne vinha sorridente, esbanjando energia boa,


muita luz e alegria.

Lohanne: - Ahhhhh!!! Producer, tô plena, meu bem,


linda e leve! Mas isso hoje, né?!

Quando Lohanne colocava esses complementos,


Raoni sabia que era uma deixa para falar algo mais.

Raoni: - O que houve, Diva? Tem alguma coisa para


me contar?

Lohanne: - Babado, amor, fui obrigada a resolver


um Arerê! Um boy atravessou as ideias, fui obrigada a
revelar o macho que habita em mim.

Raoni: - Como assim? O que aconteceu?

24
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

25
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Lohanne: - Ah, meu amor, a minha agente, a Carla,


entrou em contato falando que tinha fechado um teste,
vocal e dança, aqui perto inclusive. Lá fui eu toda traba-
lhada no Glitter, linda, bela e inspirada. Tô precisando
trabalhar né, producer?! Grana não cai de árvore, Raoni.
As aulas de dança deram uma parada e com poucos
shows, uma grana de trampo publicitário sempre soma!

Lá fui eu. Na real, fiquei tão empolgada com a possibili-


dade de teste que nem perguntei muitos detalhes para Carla.
Ela falou pra eu ir no modelito clipe de hip Hop e foi o que
fiz: meti meu look Miss Eliott, uma make impecável e fui.

Cheguei no prédio sem atraso e me apresen-


tei na portaria. Um senhor me olhou de cima para
baixo, pediu meu RG. Aí já veio o constrangimento...

Porteiro: - Mas aqui tá escrito Rodrigo Alves Santos.

Lohanne: - Pois é, querido. Eu fui Rodrigo, agora


sou Lohanne. Estou em processo para mudança
de nome social. Sou mulher trans, meu senhor!
– Fui bem firme, fiz a artista rica e empoderada.

O tiozinho novamente me olhou de ponta a ponta,


balançou a cabeça com uma negativa e me devolveu o
documento. Fez uma ligação, resmungou algo e disse:

Porteiro: - Pode subir, 11° andar, sala 1102.

Lohanne: - Obrigada! – Bem debochada…


Entrei no elevador, dei aquela última conferida no

26
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

look e na make, eu tava arrasany! O elevador abriu


as portas, caminhei num corredor e logo cheguei
na sala. Uma recepcionista bafo me atendeu. Achei
estranho, mas não tinha a famosa fila de candidatas.

Lohanne: - Olá, tudo bem, Bi? A Carla me mandou


aqui para fazer um teste de voz e dança para um comer-
cial. Me pediu para procurar o Serginho!

Recepcionista: - Claro, o Serginho tá te esperando.


Vou te levar até o estúdio dele!

Lohanne: - E cadê o povo para esse teste? Cheguei


muito cedo? Ai ai…

Recepcionista: - O Serginho reservou o dia para você!


– Ela, super elegante e direta. A sala principal estava
muito bem decorada e tinham outras salas que pareciam
de reunião. Fomos em direção a uma porta de madeira
trabalhada, no final de um corredor cheio de quadros uó.

Recepcionista: - É aqui. Pode se sentar que ele já te chama.

Lohanne: - Tá bom!! Ah, amei a sombra no olho!

Sentei num sofá bafônico e fiquei bem plena


esperando. Não demorou muito, a porta abriu.

S erginho: - Olá, tudo bem? Pode entrar.


Lohanne, né? A Carla falou que você viria.

E l e t av a b e m v e s t i d o, v o z c a l m a , n ã o

27
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

tinha pegada de artista, mas até aí eu que-


ria era o trabalho, na verdade, queria o acué.

Entrei na sala, uma janela enorme, uma visão mara


da cidade.

Lohanne: - Você quer que eu cante a capela? Eu trouxe


um pen drive com as bases, mas não vi microfone, Aloca!

S e r g i n h o : - C a l m a , s e nt a . Q u e ro f a z e r
u ma e nt re v ist a ante s . Q u e r tomar a l g u ma
cois a? Suco, água, um vin ho p ara relaxar.

Ah meu amor, ali eu já ganhei o lance, mas mantive a pose.

L ohanne: - Não quero b eb er nada, não!


– S entei cruzei minhas pernas, cruzei bem
os braços e fiquei olhany para a cara dele.
Serginho: - Você está tensa? Relaxa, linda.

Lohanne: - Eu tô bem! Vamos começar a entrevista?

Ele então veio em minha dire-


ção e colo cou a mão no meu ombro.

Serginho: - Você está aqui só para eu te conhecer. O


papel já é seu, só preciso saber se você está apta para ele.

Lohanne: - Vou ter que cantar, dançar? Qual é o trabalho?


– Já estava me faltando paciência para aquele lesco lesco.

Não me senti bem com aquela mão em mim e

28
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

levantei. Minhas suspeitas foram se confirmando.

Serginho: - Calma, linda! – Ele falou e passou a mão


no pau.

Ahhhh, aí foi a gota!

Lohanne: - Você tá me tirando? Você tá pensando o que?


S e r g i n h o : - A h , v a i m e d i z e r qu e n ã o
sabia que o teste que veio fazer é o do sofá?

Raoni meu amor, virei uma onça dentro daquela sala.

Lohanne: - Não sou puta não, meu filho.


Sou artista, sou profissional. Você tá louco?

Ele veio de forma mais incisiva me pegar. Não


tive dúvida: arrebentei o maluco. Bati mesmo.
Ele apanhou que nem gente grande, zuei o
maluco. Sai de lá esbaforida, sem olhar pra trás.

Passei por aquela portaria como um raio, adrena-


lina a mil. Saí meio atordoada, esbarrando nas pessoas e
entrei no Sesc da 24 de Maio. Sentei num banco e chorei,
chorei, chorei… me senti um lixo, um pedaço de carne.

Raoni: - Caralho, que merda.

Poi s é , pro du c e r, f oi f o d a , s a b e ? Vo c ê
sair para trabalhar e ser objetificada desse
jeito é muita falta de respeito. Nossa, foi uó.

29
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

30
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Só parei de chorar quando uma senhorinha pre-


tinha, sentou do meu lado, me deu um abraço e falou:

Senhorinha: - Oh minha filha, você é muito linda para


estar sofrendo assim, se acalme, tome um gole de água.

Tomei a água e aquele acolhimento começou a me acalmar.

Senhorinha: - Você é linda, é forte, não deixa nada te


abalar assim não!

Lohanne: - Muito obrigada, viu?! – Comecei a secar


as lágrimas e me recompor (a essa altura, eu já tava toda
cagada)

Senhorinha: - Você precisa de alguma coisa?

Lorraine: - Não senhora, tô precisando de nada, não.


Preciso só ir pra casa. Brigada, viu?!

Tava com tanta vergonha que nem perguntei o nome


da mulher. Queria sair dali logo, mas a senhorinha
seguiu falando antes que eu levantasse.

Senhorinha: - Você me lembra do meu neto, queria ter


o abraçado mais, mas ele foi assassinado. Ele estava tão
feliz que tinha feito a transição. Mas te abraçar me trouxe
uma sensação boa, como se fosse ele que estivesse aqui!

Aí foi minha vez de abraçar a senhorinha que falava


com olhos marejados.

31
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Lohanne: - Meus sentimentos, viu, e muito obrigada!


A senhora me ajudou muito, viu?!

Senhorinha: - Vai, minha filha, e não deixe ninguém


te fazer chorar não, você é bem mais forte que imagina!
Vai com Deus.

Fui pra casa mais leve, producer. De certa forma,


dentro de mim, sinto que fui instrumento para aquela
senhora se conectar com o neto dela e aquele acolhi-
mento foi providencial naquele momento.

Raoni: - Tento imaginar, mas não chego nem perto de


saber o que é ser você, Lohanne, te admiro muito, irmã.

Lohanne: - Awn, que fofo! meu produtor musical


favorito!

Lohanne pegou no braço de Raoni e seguiram em


caminhada.

Lohanne: - O produtor mais lindo e fofo de toda São


Paulo, e é todo meu!

Seguiu feliz, linda e dando pinta!

Fim

32
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

33
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Eloá toma uma cerveja em casa depois de um dia can-


sativo de trabalho na secretaria municipal de assistência
à mulher.
Viu uma foto de quando era criança na parede e sentiu
saudades da sua prima Luiza, pegou o telefone e ligou
para a prima:
Eloá: - Oiê, tudo bem, priminha?
Luiza: - Oi, Elo, como você está? Como estão as
crianças?
Eloá: - Por aqui tudo bem! Um tanto cansada, trabalho
puxado e a dupla jornada em casa também não tá fácil,
mas tirando o que tá ruim, tá tudo bem!
Elas seguiram conversando. Uma relação boa.
Não eram de se falar todos os dias, mas quando

34
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

se falavam sempre tinham assunto. Uma troca


genuína que enchia o coração de ambas de afeto.
Eloá desligou o telefone, deu um gole gostoso
na cerveja gelada, aproveitou a solitude e o silên-
cio que a ausência dos filhos em casa proporciona
e começou a lembrar da vida. Repassando sua his-
tória, as lembranças a levaram aos seus 14 anos.
Lembrou dos seus pais cristãos, das ami-
zades, do c u lto, dos si lêncios d a c as a
pequena de periferia e lembrou de Armando.
Armando foi o primeiro amor de Eloá. Jovem de
16 anos, bonito, esperto, cheio de charme, popular
entre meninas e meninos, ia ao culto sem muita fé,
mais por insistência dos pais e pela possibilidade de
conhecer e se relacionar com as menininhas da igreja.
Armando: - Oi, Elô, tudo bem? Faz tempo que não te
vejo, tá bonita hein?!
Eloá tinha uma natureza retraída, nem ela conse-
gue identificar se pelo medo que era alimentado a todo
momento por seus pais, pela sociedade e pela igreja
ou se de fato era só uma menina tímida. Passava des-
percebida, mas, do dia pra noite, como em um passe
de mágica, passou a ser notada. Quando completou 14
anos, seu corpo mudou: seios, bunda, tudo se desen-
volveu. Sempre teve um rosto lindo e agora era um
mulherão que chamava a atenção de todos, desper-
tando o desejo dos homens e o alerta das mulheres.
Eloá: - Estive sempre aqui! Não vou a outro lugar que não
aqui, na igreja! – Falou em baixo tom e muito encabulada.
Armando: - Depois do culto vai uma turma

35
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

na sorveteria da esquina. Quer vir com a gente?


Surpresa, a moça não sabia nem o que responder, mas
disse sim ao convite aparentemente despretensioso do rapaz.
Aquela foi a primeira de muitas idas à sorveteria.
Logo estavam andando de mãos dadas, sendo pre-
sença constante um na vida do outro e, assim como o
sentimento crescia, as dúvidas e inseguranças tam-
bém cresciam na mesma proporção para ambos.
O diálogo sobre meninos, relacionamento, sexo era
inexistente na casa dos dois. O “pecado” não pode ser
citado num lar cristão, então as dúvidas mais simples e
as mais complexas eram sanadas na rua, na escola, com
amigos mais velhos ou aqueles que já tinham vivido
alguma experiência, seja lá que tipo de experiência for.
Eloá: - E como devo beijar? Só encosto os lábios, enfio a
língua na boca dele ou o deixo colocar a língua dele na minha
boca? – questionava em meio a uma reunião de amigas.
Amiga: - Ah, quando beijei o Kauan ele que fazia
tudo eu só acompanhava! Fiz como minha irmã me
falou e acho que deu certo! – todas riram e a irmã
mais velha que estava presente repetiu a orientação.
Irmã da amiga: - É fácil! Primeiro, encosta os lábios;
depois, deixa ele tomar a iniciativa, colocar a lín-
gua dele na sua boca, em seguida você retribui, colo-
cando sua língua na boca dele, simples! Treina com
uma metade de laranja que não tem erro, é sucesso!
As meninas todas ficaram atentas à expli-
cação e partiram para o treino com a laranja.
Já Armando buscava informações com os amigos da rua

36
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

e da escola e todos faziam a mesma indicação: a pornografia.


Armando: - Nossa, eu não sei o que fazer na hora do
“vamo ver”!
Amigo: - Ah, tome essa revistinha aqui, tem uma foto-
novela que vai te ensinar passo a passo o “bate estaca”. Entra
também no site de vídeos pornô que você vai ver de tudo.
Armando: - Aí sim!
A educação sexual masculina por meio da pornografia
é um desserviço tanto para homens quanto para as mulhe-
res. Para homens, o distanciamento da parceira, a falta
de entrega afetiva e o foco na ejaculação faz com que a
experiência sexual não seja plena para o ser masculino. As
mulheres são vistas como coadjuvantes na relação, como
meras proporcionadoras de prazer, e o prazer das parceiras
não tem importância.
Armando de fato tinha sentimentos reais por Eloá,
mas seus hormônios gritavam mais alto, assim como na
menina. O amor juvenil aliado a uma ebulição de hor-
mônios fazia a interação deles ser intensa. Apesar da
inexperiência, como não havia diálogo em nenhuma
das residências sobre métodos contraceptivos, sempre
escutavam dos amigos falas ilusórias sobre preservativo,
por exemplo, os meninos falavam que era como “chupar
bala com papel” e as meninas falavam que eles “nunca
vão querer nada com elas se falassem de camisinha”.
Enfim, o desejo e a oportunidade se alinharam. O jovem
casal se encontrava na casa de Armando quando os pais
deles não estavam. Eloá falou para os pais que estaria na
casa de uma amiga e ambos se entregaram ao sentimento.
Chegaram tímidos. Apesar de já terem se

37
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

beijado várias vezes, estavam cheios de inseguranças.


Armando não teve nem a delicadeza de prepa-
rar o ambiente, não teve a sensibilidade de pensar
que aquele era um momento especial para Eloá. Um
misto de medo, ansiedade, tesão e aflição tomava
conta do ambiente. Levou a moça para seu quarto
e começou a beijá-la, enquanto suas mãos tateavam
todo o corpo da menina, como um cego lendo braille.
Eloá: - Calma, calma.
Armando: - “Calma”, por que?
Eloá: - Eu não sei se quero assim. – falou a moça,
insegura.
Armando: - Tá bom! Mas você não me ama? Confia
em mim. – Falou o rapaz, traçando estratégias para saciar
o seu desejo.
Eloá: - Estou com medo!
Armando respirou fundo, tentou ser mais carinhoso e
passar confiança para sua namorada.
Armando: - É a nossa primeira vez, eu te amo! Vai dar
tudo certo, não vou fazer nada que você não queira, juro
que vou devagar.
A esta altura, a moça já estava envolvida e não que-
ria decepcionar o namorado naquele momento tão
importante.
Tiraram a roupa, voltaram a se beijar, Armando nem
queria saber se Eloá estava lubrificada ou não; como via
nos filmes pornôs, foi logo enfiando o dedo na menina e
tentando penetrá-la.

38
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

Eloá: - Tá doendo.
Armando: - Calma amor, tá rolando.
Eloá: - É melhor parar que está doendo.
Armando: - Só a cabecinha, amor.
O rapaz sem prática e de tanto insistir, conseguiu
penetrar. A ansiedade era tanta que com duas bombadas,
gozou.
Eloá: - Você gozou dentro?
Armando: - Go-gozei…
O coito consumado, a menina constrangida se cobriu
e se virou; o rapaz extasiado, só pensava que enfim tinha
perdido a virgindade, sem pensar nas consequências.
Essa lembrança de Eloá trazia a ela um misto de sen-
timentos e sensações. De fora, ela via uma menina apai-
xonada e um rapaz inexperiente; um casal de namorados
que, logo na primeira vez, por falta de orientação, de diá-
logo e acolhimento, geraram uma criança. Uma criança
que foi muito amada, mas que trouxe a Eloá um amadure-
cimento precoce e responsabilidades que uma menina de
14 anos não deveria ter. A sociedade abrandou a parcela de
responsabilidade de Armando, – que não foi companheiro,
mas foi provedor. Continuaram juntos por um tempo, mas
logo o jovem espanou de suas responsabilidades paternas,
exercendo seu papel de pai apenas de 15 em 15 dias. Ao
lembrar do bebê, vinha um sorriso nos lábios de Eloá,
mas ao pensar nela e na sua trajetória, era tomada por
uma melancolia. Só chegou a um orgasmo anos depois
de perder a virgindade, conseguiu estudar depois do seu
filho grande, atrasou planos, antecipou responsabilidades,

39
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

mas hoje, ao se olhar, ela se vê uma mulher jovem, linda,


militante, independente, potente, realizada e muito feliz.

Se serviu mais um copo de cerveja com satisfação e


tomou plena, com lembranças e sem arrependimen-
tos. Uma mãe comunicativa e aberta ao diálogo com o
filho, que orienta, educa e que não romantiza seu lugar
de mãe. Ciente que seu filho tem o livre arbítrio e que
fará suas escolhas, ela é uma mãe que muni seu filho de
informações para que o aprendizado seja o mais leve e
proveitoso possível, com afeto e muito acolhimento.

E l o á : - Ti m Ti m , u m br i nd e pr a m i m !

Fim

40
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

41
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

GALERIA

42
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

43
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

44
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

45
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

46
CO N TO S U R B A N O S - VA S C A

47

Você também pode gostar