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A Psicologia em memes e
campanhas políticas: o caso
Marisa Lobo não está
encerrado

Por Escrito em POLÍTICA em 19/9/2016 · 14:52 hs

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"Não é incompreensível que eu seja objeto de difamação por parte daquelas


pessoas e grupos que se auto-intitulam anti-feministas, mas é no mínimo
curioso que a difamação não cesse de gerar novos conteúdos associados
sempre à minha pessoa. Desta vez, além de voltar a veicular um meme antigo
criado por uma organização de defesa da heterossexualidade me comparando
à Marisa Lobo, uma pessoa polêmica que se afirma “ex-feminista”, Sara
Winter, veicula um novo meme de comparação entre eu e a missionária que
esteve prestes a perder o título de psicóloga devido a violações éticas no
exercício da profissão". Confira o artigo de Tatiana Lionço Por Tatiana Lionço*
Não é incompreensível que eu seja objeto de difamação por parte daquelas
pessoas e grupos que se auto-intitulam anti-feministas, mas é no mínimo curioso
que a difamação não cesse de gerar novos conteúdos associados sempre à minha
pessoa. Desta vez, além de voltar a veicular um meme antigo criado por uma
organização de defesa da heterossexualidade me comparando à Marisa Lobo, uma
pessoa polêmica que se afirma “ex-feminista”, Sara Winter, veicula um novo meme
de comparação entre eu e a missionária que esteve prestes a perder o título de
psicóloga devido a violações éticas no exercício da profissão. O meme foi replicado
pela própria Marisa Lobo em sua conta de Facebook no afã de sua campanha
política. Ideias como ex-feminista e ex-psicóloga são intrigantes. Há quem diga
que se você é ex-alguma coisa é porque de fato nunca o foi e eu tenho neste
momento uma concordância emocional com a ideia, ainda que não esteja me
entregando à disponibilidade de pensar sobre o assunto de modo mais
fundamentado pois estou decidindo refletir sobre outro aspecto da questão das
difamações. [caption id="attachment_90286" align="aligncenter" width="399"]

Foto: Reprodução[/caption] Não


me deterei hoje sobre a condição esdrúxula de ex-feminista de uma pessoa que
jamais foi feminista, mas no fato de Marisa Lobo permanecer sendo reconhecida
como psicóloga dado que já existem inúmeras evidências de que não o é. A
evidência mais explícita de que ela pode deixar de ser entendida como psicóloga
consiste no fato de que ela não faz questão de o ser. Para ainda afirmar que seria
uma psicóloga, Marisa Lobo precisa distorcer a Psicologia de acordo com seus
preceitos religiosos de missionária a ponto de usar da manutenção pública de
violação de preceitos éticos fundamentais da profissão para afirmar em que
condições se afirmaria psicóloga: ela se afirma psicóloga negando a Psicologia, ou
seja, sua condição para se afirmar psicóloga é não ser psicóloga senão como uma
expressão de sua identidade missionária. Para isso, inventa um título que não
existe: “Psicóloga Cristã”. Como se não bastasse, o usa em campanha política para
vereadora. Essa ideia só faz sentido na mesma medida em que eu poderia me
afirmar, analogamente, como “psicóloga transviada”. O título que vale, no entanto,
é o de psicóloga para ela, e o de Doutora em Psicologia, para mim. Todo o resto é
distorção e uso de informação privada e pessoal como cortina de fumaça. Se ela é
cristã e se eu sou transviada, isso apenas revela diferenças pessoais sobre as quais,
inclusive, a Psicologia como ciência e como profissão afirmaria reconhecer e
valorizar ambas como expressão singular da condição humana em sua diversidade
social, cultural e moral. Nosso código de ética profissional afirma ser um dever
proteger a diversidade subjetiva e social. Podemos, ambas, ser o que somos, o que
não podemos, no exercício da profissão, é violar os preceitos éticos do que
consiste fundamento da identidade profissional na Psicologia. É importante notar
ainda o contexto em que os memes que me comparam à missionária Marisa Lobo
foram veiculados na última semana. A comparação entre nós se deu no seio da
campanha política de Marisa Lobo a vereadora na cidade de Curitiba. Nos memes,
eu seria a imoral e ela o exemplo de moralidade. Eu, associada a degradação de
valores morais tais como aborto, drogas, pornografia, ateísmo; ela, associada à
moralidade inquestionável da guerra às drogas, da família e dos bons costumes
cristãos. Ela usa da comparação para afirmar que eu seria protegida pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP) enquanto ela seria perseguida pelo conselho. Talvez
Marisa Lobo tenha alguma dificuldade para aceitar cumprir preceitos democráticos
e normas coletivas. A suprema corte já afirmou entender que não houve
perseguição do CFP contra ela mas a mesma continua afirmando isso para fins
políticos em benefício próprio. Marisa Lobo não foi perseguida, mas sim
interpelada pelo sistema conselhos de Psicologia sobre violação de preceitos éticos
praticados pela mesma. O conselho regional em que está inscrita entendeu que as
violações seriam graves o suficiente inclusive para cassar seu título de psicóloga,
enquanto o conselho federal entendeu que não seria prudente aplicar a sanção
máxima diante de um primeiro processo ético tramitado e julgado no sistema.
Gostaria de me deter um pouco mais sobre esta questão e de veicular
publicamente uma opinião bastante pessoal sobre o tema. Há muitos outros
elementos a serem considerados no caso. Um deles, e talvez o mais importante,
seja que o caso serviu para demarcar divergências políticas entre diferentes
movimentos que disputam gestão no sistema conselhos de Psicologia. Uma
tendência política na Psicologia clamou pela cassação, outra tendência política na
Psicologia justificou sua discordância acusando a primeira de tribunal de exceção e
propondo uma sanção mais branda, a censura pública. É bom lembrar, no entanto,
que o que justifica a aplicabilidade da sanção mais branda não é a relativização da
violação ética, pois todas as tendências políticas na Psicologia entendem os termos
em que houve violação ética, mas sim a ideia de que foi a primeira representação
sofrida pela missionária. Isso significa que a reincidência pode ser entendida,
inclusive pela tendência política da Psicologia que decidiu pela aplicabilidade da
sanção mais branda, como um agravante que pode vir a justificar uma sanção mais
incisiva futuramente: a cassação do título. Isso depende de novas representações
serem apresentadas e nova tramitação de processo ético ocorrer. Espero que as
representações se multipliquem pois as violações éticas permanecem públicas. Do
meu ponto de vista pessoal, considero que a desconsideração da censura pública,
o não atendimento a solicitações de retratação em relação a conteúdos de
violação ética e a auto-promoção política em torno da própria violação ética do
princípio da laicidade e não discriminação na profissão configuram ainda, outra
violação ética: o aviltamento da Psicologia. Por analogia, imaginemos por alguns
segundos um profissional de Medicina que propusesse o retorno à lógica das
internações de pessoas homossexuais em hospitais psiquiátricos, desconsiderando
a resolução do conselho de classe e mesmo os manuais diagnósticos que
excluíram homossexualismo dentre as doenças mentais. Imaginemos um médico
que usasse deste pleito para campanha política de candidatura em nome próprio a
cargo público no poder legislativo e que, a despeito das determinações do
conselho de medicina, decidisse ainda usar da ideia de “Medicina Cristã”, que não
existe nem descrita na ciência médica e nem nas normativas da profissão médica,
para se eleger vereador. Seria a Medicina conivente com tal profissional? Seria a
cassação do título legítima? Por fim, gostaria de dizer, sobre a insistência das
difamações em relação ao meu rosto e nome próprio, que penso que talvez a
repetição decorra do fato de eu ser, no caso, uma pessoa sem vergonha. No
entanto, o sentido de minha sem-vergonhice tal como expresso pelas minhas
opositoras não é o mesmo que eu mesma sustento para ao fato de eu ser, no caso,
uma sem vergonha. Não me omitiria, por exemplo, de vir a público compartilhar o
que penso a respeito da situação e o faço sem vergonha alguma. Entendo que tais
pessoas buscam me recobrir de vergonha, visam me impor o jugo da vergonha. A
vergonha, no entanto, é sempre relativa, sempre decorre do elo entre um sujeito e
aquele que o vê como vergonhoso. No meu caso, não sinto vergonha alguma de
ser menosprezada por pessoas das quais eu mesma discordo em princípios morais.
De minha parte, de acordo com meus próprios princípios, me sentiria equivocada
moralmente caso precisasse difamar outra pessoa para me auto-afirmar superior
moralmente. Percebam que não é isso que estou a fazer neste momento. Estou
simplesmente me revelando como pessoa, um sujeito não redutível à objetificação
e abuso instrumental que outras pessoas, das quais discordo em princípios,
buscam realizar ao me construírem personagem. Eu não sou redutível a
personagem dos projetos alheios, eu sou pessoa. Eu, como pessoa, não escolheria
criar meme de comparação entre mim e outras pessoas das quais discordo e
considero abusivo que assim façam comigo. Prefiro, portanto, vir a público
explicitar meus pensamentos a respeito do dissenso. Assim como o meme, esta
declaração também permanecerá pública na internet e as pessoas poderão tirar
suas próprias conclusões sobre a situação. Por fim vale notar, ainda, que difamar
alguém em campanha política é crime previsto no Código Eleitoral, sendo as
penalidades aumentadas em casos de difamação em meio que favoreça a
divulgação da ofensa. *Professora de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB)
TEMAS

feminista Tatiana Lionço heterossexualidade meme Marisa Lobo

campanha política anti-feminista

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