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O PROCESSO PENAL DO ESPETÁCULO E OS SEUS IMPACTOS NA

PENALIZAÇÃO DA CRIMINALIDADE ECONÔMICA NO ÂMBITO DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. INTRODUÇÃO

A espetacularização das etapas do processo penal é uma realidade nos meios


midiáticos. Tornou-se comum a midiatização de processos judiciais envolvendo os
criminosos de “colarinho branco”. Esse comportamento pode ser explicado como um
reflexo da própria sociedade, que, descrita por Guy Debord (1997), se configuraria
como a “Sociedade do Espetáculo” definida por ele, como “se anuncia como uma
imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se afastou
numa representação” (DEBORD, 1997), ou seja, nessa visão, a sociedade se
pautaria em grandes encenações, buscando a catarse pública.

Dentro do processo penal, com enfoque na administração pública e no âmbito


jurídico, essa encenação em busca pela catarse, ultrapassa o prazer social cotidiano
e causa danos irreversíveis: a segurança jurídica; aos princípios do devido processo
legal e da dignidade da pessoa humana; a eticidade das instituições públicas e
jurídicas e, ao Estado Democrático de Direito.

Em meio aos vários espetáculos que se acumulam na atual


conjuntura histórica, estão em cartaz, os “Julgamentos penais”, a
celeuma presente nessa relação se inicia a partir do momento em
que o Processo Penal, Instrumento de racionalização do poder penal,
para atender a perspectiva do entretenimento, sofre alterações e
ultrapassa os limites éticos e legais. Pautado pela opinião pública,
criada através da espetacularização midiática, o Processo Penal do
espetáculo consiste em uma construção hiperbólica no tratamento de
um caso, que pelo seu alcance popular já possui um julgamento
socialmente pré-estabelecido. Assim dentro do processo penal, o juiz
profere uma sentença que atenda ao desejo social e estabelecido
pela mídia, sem que haja um julgamento justo, uma ampla defesa e a
mínima chance de que o réu possa provar a sua inocência,
assumindo assim uma perspectiva de justiça paranoica, em que o
Processo Penal assume o papel de mercadoria e apenas a opinião
estabelecida majoritariamente (mesmo que equivocada) vale. É
nessa perspectiva de justiça paranoica, que a mídia encontra um
espaço amplo para divulgação de manchetes sensacionalistas que
trazem e impulsionam o desejo punitivista presente na sociedade,
disfarçado de desejo de “democracia” e “Justiça“, o corpo social
destila o seu desejo de audiência pública e dramática. Traçado em
um enredo criado pela perspectiva de uma mentalidade Inquisitória, o
punitivismo assume um papel protagonista na exacerbação dos
limites legais sob a justificativa de Resposta ao desejo social de
audiência. No processo penal do espetáculo, o desejo de democracia
é substituído pelo “desejo de audiência” (NETA, 2020)
Dessa forma, se faz necessário o estudo de como o direito penal econômico,
principalmente pautado dentro da administração pública, atrelado ao processo penal,
pode sofrer interferências na sua efetiva aplicação e na proteção do seu bem
jurídico: a economia, por meio da midiatização e espetacularização da persecução
penal que envolve agentes públicos, tornando o processo um verdadeiro palco em
que a opinião leiga popular se envolve com os fatos jurídicos do processo.

Nesse diapasão, é indispensável que se evite a ocorrência de interferências


externas estimuladas pela mídia no que concerne o processo penal, especialmente
em que envolvam matéria de direito penal econômico e que tenham como réus
agentes públicos, isso, porque, essas ações envolvem a segurança da democracia,
e, tal interferência pode ferir os princípios supracitados, auxiliando, ainda mais, a
insegurança jurídica.

Logo, como não abalar uma das bases do Estado democrático: o princípio
constitucional da publicidade nas investigações criminais e no processo penal, e, ao
mesmo tempo, como não propagar um processo penal do espetáculo? Gerando na
sociedade, a sensação de imputabilidade nos crimes de colarinho branco, que,
sofrem influência direta dos meios de comunicação que por vezes, interferem na
efetividade do processo penal.

2. OBJETIVOS

O presente trabalho tem por objetivo geral estudar as interferências e as


consequências que o processo penal do espetáculo faz aos crimes de colarinho
branco e em como esses fenômenos podem afetar o Estado democrático de Direito
e as Instituições Jurídicas.

Por objetivos específicos, a presente pesquisa tem a intenção de: descobrir o


modus operandi do processo penal do espetáculo nos crimes do colarinho branco;
identificar a atuação da mídia dentro de decisões judiciais que envolvam crimes de
colarinho branco; caracterizar o perfil da sociedade midiática brasileira atrelada a
mídia do País e a forma em que vê o direito penal econômico; determinar estratégias
para o judiciário, em que haja equilíbrio entre a concretização do princípio da
publicidade nas investigações criminais e no processo penal e na persecução penal
livre e pautada no devido processo legal; avaliar como magistrados se dão com a
espetacularização de processos judiciais que envolvem crimes econômicos e,
explicar o comportamento social frente a sensação de impunibilidade de crimes de
colarinho branco.

3. METODOLOGIA

O tipo de pesquisa que será realizada no projeto é uma revisão bibliográfica pois
teve como base a leitura de livros e artigos científicos, o método científico utilizado é
o dialético, pois esta tem como objetivo realizar uma interpretação dinâmica e
totalizante da realidade, analisando os aspectos sociedade-direito-agentes públicos-
crime. Tem como objetivo de estudo o caráter exploratório, de modo que serão
construídas hipóteses sobre o problema.

4. PROBLEMÁTICA

A sociedade brasileira surfa na crescente onda punitiva que invade o seio social,
a procura incessante pela punição severíssima de supostos autores de crimes é
característica, ora social, ora da mídia, que busca pelo “culpado”, da forma mais
célere possível, nem que para isso, precise ferir todo processo legal e um conjunto
principiológico que garante direitos fundamentais aos cidadãos.

Esse cenário influencia de forma direta na concepção do sistema penal pela


população, interferindo na forma em que a sociedade ver a justiça e na forma em
que esta espera (e na maioria das vezes, se decepciona) que aquela “resolva” os
casos, tratando, todo processo legal como uma série televisiva.

Nessa linha, quando se afunila esta problemática aos crimes econômicos que
envolvem agentes públicos, o fervor social é ainda mais aguçado, e a justiça é
taxada como lenta e impune. Gerando um caos social, ora na incredibilidade das
entidades públicas, ora numa possível desordem social que fira direitos e garantias
fundamentais:

O discurso de emergência, recorrente instrumento de legitimação do


poder punitivo, é um dos principais ensejadores do crescimento dos
arbítrios perpetrados no âmbito do sistema penal, que se desvela
tanto em codificações de caráter repressivo e que necessitam de
imperiosas leituras constitucionalizadas, como na mitigação dos mais
comezinhos direitos do cidadão submetido à investigação criminal.
(RABELO, 2018)
Dentro de uma sociedade voltada ao consumo exacerbado, não
apenas de bens, mas sim de mercadorias, a espetacularização surge
como uma espécie de meio de propagação da mercantilização da
realidade e das instituições sociais. Nessa perspectiva, a realidade
não possui o atrativo e a força existencial necessária para ser
adotada como verdadeira, na sociedade pós-moderna a
representação tornou-se uma preferida e divulgada, cujo símbolos
têm mais força do que a própria realidade. Desse fenômeno surgem
os simulacros, simulações feitas do real que possuem maior
atratividade ao espectador do que a própria realidade simulada.
Destarte, os simulacros possuem um caráter mercadológico,
tratando-se assim de uma comercialização do
que é a verdade. No espetáculo a qual a sociedade está imersa, os
papéis sociais de encenação encontram-se definidos pela posição
social a qual os atores estão destinados e pela construção da opinião
pública, fator altamente decisivo no julgamento social, e infelizmente
muitas vezes, âmbito jurídico. (NETA, 2020)

Dessa forma, é inocente pensar que o discurso da grande massa, de


insegurança e alarde social é apenas voltado aos crimes de violência e grave
ameaça, ou até mesmo ao tráfico de drogas, que tem como autores os que se
amontoam nos presídios brasileiros e que tem classe social e cor bem definidas.
Esse alarde e clamor urgente por uma “justiça” também alcança a criminalidade
dourada e os criminosos de colarinho branco (RABELO, 2018), lógico, que com
todas as regalias que estes últimos têm no sistema penal brasileiro.

Sob a égide da criminologia crítica pode-se dizer que há sustentação


de teorias de etiquetamento e rotulação que são amplamente
divulgadas pela mídia de forma velada e apoiadas pelos mecanismos
legais do processo do espetáculo. Assim dentro do processo penal
espetacularizado, o réu “inimigo” sofre com a forte estigmatização e
desvalorização humana, sendo reduzido a uma figura quase
animalesca, a qual são associados os mais diversos males e
intensificam e espetacularizam qualquer desvio de ação. Por tratar-
se de pessoas desvaloradas, é possível associar-lhes todas as
cargas negativas existentes na sociedade sob forma de preconceitos,
o que resulta em fixar uma imagem pública do delinquente com
componentes de classe social, étnicos, etários, de gênero e
estéticos. (NETA, 2020)
5. CONCLUSÃO

Assim sendo, a pesquisa aqui pautada busca compreender os impactos sociais


jurídicos, econômicos e constitucionais, ora aos réus, ora a estabilidade do sistema
jurídico brasileiro, ora a sociedade, esta, que é diariamente bombardeada pela mídia
por diversas manchetes de escândalos envolvendo crimes econômicos com
participação de agentes públicos. E em como tais impactos podem ferir princípios
constitucionais basilares ao Estado Democrático de Direito, ao funcionamento da
Instituição Penal no País e as garantias fundamentais atreladas aos réus.

A partir dessa compreensão, o estudo busca contribuir com medidas que


auxiliem na melhoria da percepção e entendimento dos crimes econômicos
cometidos por agentes públicos, pela sociedade, de forma que esta não seja mais
um reflexo de espetacularização, assim, refletindo na grande mídia, auxiliando na
concretização dos princípios constitucionais pelo sistema jurídico penal brasileiro,
firmando ainda mais o Estado Democrático de Direito e a segurança jurídica dentro
do devido processo legal.

6. REFERÊNCIAS

CALLEGARI, André Luiz; DIAS, Paulo Thiago Fernandes; ZAGHLOUT, Sara


Alacoque Guerra. As Operações de Combate à Corrupção no Brasil e o Impacto nas
Ciências Criminais. Revista Síntese: Direito Penal e Processual Penal, Porto
Alegre, v. 17, n. 93, p. 265-291, maio/jun. 2020.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
GOMES, Jefferson de Carvalho. A Criminalização na Sociedade do Espetáculo:
aportes hermenêuticos para a contenção do ativismo judicial, Petrópolis. 2018.
NETA, Maria Josina Costa Barreto. Processo Penal do Espetáculo: Uma análise
sociológica jurídica-penal acerca da espetacularização jurídica e seus efeitos.
Dimensões Jurídicas dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro, v. 3, p. 440-452.
2020.
RABELO, Ítalo Menezes. A evasão de divisas e a guerra contra a criminalidade
dourada: apontamentos sobre o delito de manutenção no exterior de depósitos não
declarados e a instrumentalidade constitucional do processo penal. Revista do
instituto brasileiro de direito penal econômico, Curitiba, V. 2, Jan./Dez.
Publicação anual. Edição do Kindle. 2018.

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