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ZAPATA, Horacio Miguel Hernán.

Tiene sentido estudiar historia antigua del cercano Oriente


hoy? Revista Brasileira de História, v. 40. n. 84, 2020. Dossiê “A História Antiga entre o local e
o global: integração, conflito e usos do passado”.

TEM SENTIDO ESTUDAR HOJE A HISTÓRIA DO ANTIGO ORIENTE PRÓXIMO?

ANOTAÇÕES E CONSIDERAÇÕES A PARTIR DO TEXTO DE ZAPATA

O estudo da história Antiga Oriental pode ser um campo fértil se evitarmos preconceitos que
ainda existem na academia. O que o autor chama de “clichês” historiográficos. Esses clichês dão
a impressão de uma história imóvel, que nada tem a contribuir para a nossa realidade presente.
Neste sentido, por que não seria mais interessante estudar uma história latino-americana ou
nacional, que teria mais relação com o local?

Zapata também é contrário à ideia de que o passado nos dá lições de “moral”. Para o autor, o
contexto do Oriente Próximo Antigo pode servir como um laboratório com potencialidade
heurística que pode nos proporcionar certas competências, capacitações úteis para a nossa vida
presente e futura.

Qual a função deste laboratório de estudos históricos? Para Zapata, o laboratório serve para
pensarmos e refletirmos acerca da enorme diversidade de formas socioculturais nas quais se
materializam a experiência humana ao longo da história, condições necessárias para o
desenvolvimento da compreensão, da tolerância e do respeito.

Este laboratório permite pensarmos na nossa própria realidade (Marc Bloch).

PRIMEIRA RAZÃO

História do Antigo Oriente Próximo – permite visualizar, ter acesso e conhecimento sobre a
origem de numerosos artefatos, instituições e ideias que ainda existem em nossa vida cotidiana
e integram nosso acervo cultural vigente.

O autor realça que não vê o Oriente Antigo do ponto de vista do lugar onde surgiram as
invenções do mundo – como o Estado, as cidades, a escrita, o direito, a metalurgia, ciências e
artes. Não concorda com a ideia de que dos sumérios veio a escrita, dos fenícios o alfabeto, os
códigos legais aos babilônios, o monoteísmo dos hebreus. Esta ideia sobrevaloriza estes povos
em detrimento de outros, inclusive seus vizinhos. Devemos evitar uma história de viés
eurocêntrico, quadripartite, evolucionista e difusionista. Esta forma de visão histórica Zapata
chama de “colonialismo epistemológico”, que inviabiliza uma visão de história não-ocidental.

É preciso também reformular as periodizações, que começam na Mesopotâmia e no Egito e


seguem numa cadeia evolutiva até a Europa Ocidental. Do Oriente exótico, glorioso e
monumental se chegava ao Ocidente branco, cristão e capitalista.

Nesta perspectiva, as sociedades que não se enquadravam neste modelo eram consideradas
atrasadas na linha da evolução.

Com base nesta ideia, criaram-se estereótipos opondo:


Despotismo oriental x democracia ocidental

Palácio oriental x pólis grega (ou civitas romana)

Imobilismo técnico-cultural do Oriente x progresso acumulativo das civilizações europeias

Sabedoria mística, oculta e mágica do Oriente x reflexão laica, racional e científica do Ocidente.

Zapata também critica a tese difusionista1, segundo a qual as características culturais mais
significativas tiveram origem em um único ponto e lugar e se difundiram para o restante do
mundo.

Neste modelo, a sociedade moderna ocidental e capitalista aparece como o modelo de


sociedade ideal, como a ordem social desejável, como o único modelo civilizatório possível.

Mas o mundo contemporâneo capitalista e as sociedades atuais latino-americanas não surgiram


do nada. Foram múltiplos os passados que construíram o nosso presente e a história do Oriente
Próximo Antigo é um desses passados.

O Laboratório proposto pelo autor serve para estudar o que Zapata chama de formas simples –
porque no seu estado inicial (não que não tenha ocorrido em outras partes do mundo). É um
laboratório para estudo de fenômenos que podem ser observados em estado puro (ele pensa
na observação do surgimento de cidades e da vida urbana na região da Baixa Mesopotâmia, cuja
datação é bem recuada, por volta de 5000 a.C.).

SEGUNDA RAZÃO

Que importância tem estudar processos socioculturais tão remotos? O mundo que conhecemos
hoje em dia começou a gestar-se há milênios, 5 mil anos. Estes processos podem ser analisados
na perspectiva de uma história comparada. É uma forma hermenêutica rica para examinar e ter
contato com uma diversidade de sociedades – do passado e do presente. Múltiplas formas de
organização social e múltiplas cosmovisões em situações distintas com suas semelhanças - e
também - diferenças.

Núcleos urbanos/civilizatórios ocorreram em vários lugares diferentes do mundo, com suas


próprias criações culturais. No Oriente mesmo temos os exemplos do Vale do Indo e o do rio
Amarelo. Na América, temos a Mesoamérica e a região dos Andes.

As sociedades do Antigo Oriente Próximo podem ser comparadas com as do Mediterrâneo,


como a greco-romana e também com sociedades de outros lugares do mundo como as
civilizações pré-colombianas.

Comparar sociedades distantes no passado com a nossa permite perceber continuidades e


mudanças, e podemos entender melhor a natureza humana.

1
Difusionismo e evolucionismo são conceitos derivados das Ciências Sociais. O evolucionismo biológico
deriva das ideias de Charles Darwin. E o evolucionismo social, também chamado de darwinismo social,
sobretudo das ideias de Lewis Morgan e Herbert Spencer. O darwinismo social acreditava que as
sociedades poderiam ser enquadradas em hierarquias, considerando que existiam as superiores e as
inferiores, inclusive em relação à raça de sua população. Enquanto o evolucionismo postula a existência
de etapas de evolução de uma sociedade que, portanto, evolui da barbárie para a civilização, o
difusionismo defende a ideia que a partir de um grande centro cultural se irradiava para outros (menos
desenvolvidos intelectualmente) influências múltiplas (culturais, tecnológicas etc.). Tais conceitos,
próprios do século XIX, ainda foram utilizados no decorrer do século XX.
A história do Oriente Antigo, como qualquer outra, segue sendo história, pois toda história é
“história contemporânea” (referência ao pensamento de Benedetto Croce2).

Saber da vida das pessoas na antiguidade nos traz sensações de afinidade com suas lutas, dores
e conflitos. Estas condutas primárias, própria da humanidade, Gellner chamou de “capital
cognitivo fixo”3. Segundo Barry Kemp4, como pertencemos à mesma espécie (Homo sapiens),
possuímos os mesmos fundamentos psicobiológicos e antropológicos.

Quando falamos do passado, estamos falando de múltiplas vidas vividas, extintas, mas que
persistem enquanto memória coletiva e se expressam através da cultura – conjunto de acervos
materiais e intelectuais criados, compartilhados, transmitidos e modificados.

Zapata acha importante poder observar fenômenos como o das sociedades que saíram da caça
e coleta para o Neolítico (época do desenvolvimento da agricultura e do pastoreio), problemas
próprios da humanidade. Podemos observar correspondências entre os processos antigos e os
atuais.

Pensar também na diferença para não ser anacrônico na interpretação do passado e nem nos
sentirmos superiores a eles. Pode ser que algumas habilidades tenham melhorado no decorrer
do tempo, mas a inteligência é a mesma.

As lógicas sociais eram diferentes da nossa sociedade contemporânea.

Estas sociedades são “alteridades históricas”. Mesma sensação de estranheza do antropólogo


quando faz trabalho de campo o historiador tem quando analisa sociedades antigas.

Não quer dizer que estas sociedades eram ilógicas ou irracionais e sim que devemos tentar
compreendê-las. Para nós, estas sociedades podem parecer “exóticas” e “raras”, mas possuíam
sua razão de ser própria. As sociedades antigas devem ser concebidas como outras culturas,
nem melhores nem piores que a nossa.

Um exemplo da diferença nossa com as sociedades antigas é que na Antiguidade não havia
separação entre economia, política e religião, por exemplo. Separação que adveio com a
modernidade (época moderna, capitalismo).

Zapata fala do perigo em aplicar conceitos da modernidade no mundo antigo, algo bem comum
entre os historiadores da antiguidade.

Ex. uso de palavras como absolutismo, feudalismo, vassalagem, mercado, mercadores,


burguesia, propriedade privada, espaço público, espaço privado, código jurídico etc.

Será preciso calibrar os conceitos históricos conforme as circunstâncias.

2
Benedetto Croce – historiador italiano (1866-1952). Suas teorias geraram o debate sobre a subjetividade
do historiador e as influências do presente na produção historiográfica sobre o passado.
3
Ernest Gellner, filósofo e antropólogo judeu-checo (1925-1995).
4
Barry Kemp, arqueólogo e egiptólogo britânico (1940 - ).
TERCEIRA RAZÃO

O estudo da Antiguidade oriental serve também para incentivar o interesse pelas atuais
realizadas demográficas, políticas, sociais, econômicas e culturais da Ásia e da África.

O estudo do passado destas sociedades nos serve para compreender melhor o que elas são hoje.

Necessário debater a ideia de um Oriente e da África como atrasados que vivem em conflito
permanente. Esta situação deriva de um passado mais recente e não tem relação com a
Antiguidade e nem como a capacidade humana e intelectual dessas populações.

Outra questão – impacto negativo dos conflitos sobre o patrimônio arqueológico e cultural de
países como o Iraque, a Síria, Palestina, Jordânia, Egito...

A guerra não acaba somente com as vidas humanas, mas também com o conhecimento que
pertence a toda a humanidade. Os bens arqueológicos estão sujeitos a saques, roubos de peças
de museus, vandalismo, mutilação de estátuas, destruição de arquivos e bibliotecas...

O acervo cultural é importante para uma comunidade como mantenedor de sua identidade e de
sua memória – os interesses neste sentido são sempre mutáveis, conforme as circunstâncias.

Estes produtos de saque são muitas vezes vendidos no mercado ilícito de objetos arqueológicos
– é o terceiro ramo de negócios que produz riqueza (sendo o primeiro o tráfico de armas e, o
segundo, de drogas).

São vendidas – as peças – para colecionadores particulares ou para o turismo.

A destruição e o tráfico de objetos culturais e arqueológicos constituem crime contra a memória


histórica – estes objetos são testemunhos da História.

Cada material destruído é uma voz silenciada do passado, uma história silenciada.

Zapata cita Liverani5 – além de uma consciência ecológica, devemos ter também uma
consciência histórica, pela necessidade de preservação dos bens arqueológicos e culturais da
humanidade.

O patrimônio deveria ser protegido pela própria comunidade, pois faz parte de seu passado
coletivo e é sua herança cultural. As comunidades deveriam participar da gestão destes
artefatos.

Este passado tem relação também com o nosso latino-americano formado por meio da
mestiçagem e da presença de pessoas que são provenientes de várias localidades, seja da África,
da Ásia, Oriente Médio...cujas experiências e identidades são parte constitutiva da América
Latina.

5
Mario Liverani - historiador italiano (1939 - ).
CONCLUSÃO

Reflexões:

1) Sociedades do antigo Oriente Próximo como laboratório de estudo – portanto, ênfase


numa questão conceitual – a diversidade das formações sociais da região permite esta
ideia de laboratório histórico.
2) Seu estudo permite perceber os diversos elementos socioculturais que contribuíram
para soldar os laços sociais, o que nos leva a perceber a regularidade e também a
diversidade dos processos históricos. Os mesmos problemas existenciais que nos
afligem também os afligiam. Tais problemas os levaram a tentar solucionar conforme
suas próprias lógicas culturais.
3) As sociedades do Oriente Antigo devem ser vistas a partir da alteridade, como
sociedades outras. Este estudo desenvolve a habilidade de sermos pessoas menos
dogmáticas e mais reflexivas em relação à nossa própria realidade. Ajuda-nos a pensar
em um mundo melhor, mais justo e solidário.

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