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25/09/2022 06:33 Processo Judicial Eletrônico: 

PROCESSO Nº: 0819894-44.2021.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL


AUTOR: MAURICIO ADOUR CORREIA LIMA
ADVOGADO: Andre Luiz Lima De Carvalho e outro
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
7ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

SENTENÇA

I. Relatório

Trata-se de ação pelo procedimento comum proposta por MAURICIO ADOUR CORREIA LIMA
em face do INSS, objetivando, em sede de tutela de urgência, a imediata concessão do benefício
assistencial em favor do autor.

No mérito, além da confirmação da tutela, pugna para que julgada totalmente procedente a ação
para condenar o INSS ao pagamento retroativo à data da suspensão administrativa, ou seja, abril
de 2021, bem como suspender a cobrança do valor de R$ 64.718,51 (sessenta e quatro mil
setecentos e dezoito reais e cinquenta e um centavos) do Autor, referente ao benefício NB
528.861.816-6, não o incluindo em cadastro de Dívida Ativa nem a executando.

Narra, em síntese, que: a) teve seu benefício assistencial de prestação continuada à Pessoa com
Deficiência concedido administrativamente em 27/10/2010; b) em suposta apuração de indícios
de irregularidade, o benefício foi suspenso em 01/04/2021 conforme comunicação em anexo, a
Autarquia Previdenciária teria identificado contrariedade ao disposto no artigo 20, §3ª, da Lei nº
8.742/1993, no que tange à satisfação do requisito socioeconômico; c) apresenta graves
patologias, de distintas áreas médicas, as quais lhe impõem diversas limitações e impedimentos,
de forma que a suposta irregularidade fora constatada apenas no que consiste a renda superior
aos critérios, assim, o requisito deficiência se torna incontroverso; d) Não somente a parte Autora
apresente grave patologia, também vive em uma situação de vulnerabilidade social, onde a
renda total não é capaz de prover as necessidades mais elementares da rotina diária; e) Por esses
motivos, os argumentos da Autarquia Previdenciária, no sentido da suspensão do benefício, não
merecem prosperar, ensejando o presente processo.

Concedido o benefício da justiça gratuita e indeferida a antecipação de tutela (decisão de id.


20605471), sem prejuízo de uma nova apreciação por ocasião do julgamento.

O INSS apresentou contestação, suscitando o não preenchimento dos requisitos legais para a
obtenção do benefício.

Réplica apresentada (id: 21448900), requerendo a realização de perícia social.

Realizada perícia (laudo de id. 22640586).

As partes se manifestaram a favor do laudo social.

Vieram-me os autos conclusos para sentença.

II. Fundamentação

No mérito, busca a parte autora, em síntese, o restabelecimento do benefício previsto no art. 20


da Lei n.º 8.742/93.

A Constituição Federal, em seu art. 203, V, garante "um salário mínimo mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei".
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Os beneficiários são, conforme previsão constitucional e do art. 20 da Lei n.º 8.742/93, os idosos e
deficientes que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem tê-la
provida por sua família.

Conforme previsto no §1º do referido dispositivo, com redação dada pela Lei n.º 12.435/2011, "a
família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto".

Para a concessão, exige-se a presença de dois requisitos: condição pessoal do requerente


caracterizada pela idade avançada ou deficiência e a miserabilidade do núcleo familiar (renda
per capta inferior a um quarto do salário mínimo).

Na previsão do art. 20, §2º, da Lei n.º 8.742/93, com redação dada pela Lei n.º 13.146/2015, para
efeito da concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência "aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas".

Entenda-se como impedimentos de longo prazo, nos termos da lei, "aquele que produza efeitos pelo
prazo mínimo de 2 (dois) anos".

Anoto que a incapacidade não deve ser aferida pelo julgador tão somente do ponto de vista
médico, sendo necessária, ainda, a análise do contexto sócio-econômico em que está inserido o
postulante.

Circunstâncias como o grau de instrução, região em que inserido, atividade econômica que
exerce, situação financeira própria e da família, são fatores que necessariamente devem ser
levados em consideração, por ocasião da apreciação do quesito incapacidade.

De acordo com o entendimento consagrado na Súmula n.º 29, da Turma Nacional de


Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, "para os efeitos do art. 20, § 2º,
da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades
mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento".

O outro requisito para o deferimento do benefício assistencial diz respeito à renda familiar, ao
exigir, o art. 20, §3º, da Lei n.º 8.742/93, que a renda per capita da família do beneficiário seja
inferior a um quarto do salário mínimo.

Anote-se que "o benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um)
salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência
não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa
com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo" (Incluído pela
Lei nº 13.982, de 2020).

Pois bem.

Trata-se de pedido de restabelecimento de benefício assistencial cessado sob a alegação de que o


grupo familiar do autor teria ultrapassado a renda máxima para gozo do benefício.

No caso dos autos, não há controvérsia quanto ao impedimento de longo prazo do demandante,
uma vez que possui deficiência física e vem sofrendo de diabetes e início de mal de alzeimer.

Portanto, o ponto controvertido cinge-se quanto ao atendimento ao pressuposto da renda


familiar mínima e do estado de miserabilidade da parte.

Passo, então, a examinar o atendimento ao pressuposto da renda familiar mínima.

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Exige o art. 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93 que a renda  per capita  da família do beneficiário seja
inferior a um quarto do salário mínimo.

O grupo familiar do demandante é formado por ele e sua esposa.

In casu,  é de se destacar que o requerente reside em casa em parte própria, uma vez que
pertencente a seis irmãos herdeiros.

O autor e sua esposa sobrevivem de doação dos familiares que se cotizam para arcar com as
despesas da família, uma vez que não possuem qualquer renda.

Em face do estado de saúde delicado do autor, os gastos mensais são elevados: com
medicamentos/saúde, alimentação/higiene e gás.

Observo que a autarquia suspendeu o pagamento do benefício em abril de 2021, levando em


consideração suposta irregularidade na renda per capita do grupo familiar.

Dessa forma, a renda auferida pelo grupo familiar do autor, no momento atual, seria inexistente.

Entendo que deve ser levado em consideração a situação do grupo familiar na atualidade, uma
vez que o próprio autor, em face de seu frágil estado de sáude, demanda gastos elevados
específicos com medicações, itens de higiene e não recebe nenhuma renda.

Corroborando a humilde situação autoral, o laudo social mostra que a parte demandante reside
em imóvel em condições básicas, contando apenas com o mobiliário essencial para uma
subsistência digna, não sendo a residência guarnecida de qualquer adorno suntuoso ou bens
supérfluos.

Ademais, na ocasião da perícia, a esposa do autor alegou que o casal vem enfrentando
dificuldades financeiras e, inclusive, insistiu para que fosse registrada a imagem do interior de
sua geladeira, enfatizando o quanto estão desabastecidos de alimentos.

À propósito, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional o trecho da


Lei Orgânica da Assistência Social (Loas - Lei 8.742, de 1993) que define como critério para
concessão do BPC a renda média familiar de 1/4 do salário mínimo, considerando que "o critério
está defasado para caracterizar a condição de miserabilidade".

O STF afirmou (RE 567985/MT e RE 580963/PR) que, para aferir que o idoso ou deficiente não
tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando
vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art.
20.

Esse foi também o entendimento do STJ: 

(...) A Terceira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, submetido à sistemática do art. 543-C do
CPC/1973, firmou a compreensão de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a 1/4 (um
quarto) do salário mínimo - previsto no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 - não é o único parâmetro para aferir
hipossuficiência, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova.  (STJ. 2ª Turma. REsp
1797465/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/03/2019)

Assim, da análise dos elementos aqui já mencionados, observa-se que o requisito da


hipossuficiência econômica, na atualidade, foi preenchido.

Ademais, o próprio INSS, ao se manifestar nos autos acerca do laudo pericial apresentado,
concordou com a situação então narrada, favorável à concessão do benefício (id. 23079113).

Atendidos os requisitos legais, deve ser acolhido o pedido para o restabelecimento do almejado
benefício assistencial a partir da data em que foi constatada a situação de miserabilidade da parte
autora com a realização da perícia social (29/04/2022).
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Por todo o exposto, forçoso concluir pela ilegalidade dos descontos ou cobrança de valores
anteriormente pagos a título do benefício assistencial, razão pela qual esses devem ser
cancelados, restituindo-se ao autor os valores eventualmente pagos. 

III.      Dispositivo

Pelo exposto, julgo procedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar o
INSS a conceder benefício assistencial (LOAS), no valor mensal de 01 (um) salário-mínimo, bem
como determinar o cancelamento de qualquer cobrança referente a valores anteriormente pagos
a título do benefício assistencial, restituindo-se ao autor os valores eventualmente pagos. 

Condeno, ainda, o réu a pagar as parcelas vencidas a partir de 29/04/2022, data da realização da
perícia social, as quais deverão ser atualizadas de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça
Federal.

Haja vista o direito já ter sido certificado e por se tratar de verba alimentar, destinada ao sustento
da autora, ANTECIPO A TUTELA, para determinar a concessão do benefício no prazo de 15
(quinze) dias.

Considerando que o local de prestação de serviços apresenta custo de vida inferior ao dos
grandes centros urbanos do país, que o grau de zelo do patrono se mostra dentro da
normalidade, que a causa não apresenta grande complexidade e que o valor da causa se mostra
capaz de servir como base de cálculo adequada para as verbas sucumbenciais, reputo
desnecessária a metodologia descrita no art. 85, § 4º, II do CPC e de logo fixo os honorários
advocatícios, em relação ao INSS, aplicando-se as menores alíquotas previstas no art. 85, § 3º, I
do CPC, a incidirem sobre o valor da condenação (art. 85, § 5º do CPC), observando-se a súmula
111 do STJ.

Sentença não sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição, em face do montante da


condenação (art. 496, §3º, I CPC).

Intimem-se.

Processo: 0819894-44.2021.4.05.8300
Assinado eletronicamente por: 22082316043981100000023983796
ARA CARITA MUNIZ DA SILVA - Magistrado
Data e hora da assinatura: 22/09/2022 13:01:31
Identificador: 4058300.23915545

Para conferência da autenticidade do documento:


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