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RESUMO

O presente trabalho consiste em verificar a natureza jurídica do instituto da


multipropriedade no ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, na elaboração da
pesquisa, utiliza-se o método de abordagem dedutivo, com método de procedimento
monográfico e a técnica de pesquisa bibliográfica e documental, com intuito de
abordar os aspectos inerentes ao tema por meio da extração e interpretação do
entendimento da doutrina pátria e estrangeira da área correlata. São tratados assuntos
como a teoria geral dos direitos reais e obrigacionais, seus principais conceitos,
elementos, características e traços distintivos. Também é abordado o direito real de
propriedade, seus conceitos, características, função social e o instituto do condomínio
e suas espécies. Além disso, o trabalho discorre sobre o instituto da multipropriedade
no ordenamento jurídico brasileiro, contemplando sua origem, evolução e
denominação adotada no Brasil. Expõe-se os principais conceitos doutrinários,
características e espécies do instituto. Apresenta- se também os contornos e soluções
que foram adotadas para a inserção e operacionalização da multipropriedade no
ordenamento jurídico de países considerados referências pela doutrina especializada.
Por fim, o trabalho apresenta os entendimentos doutrinários, jurisprudenciais e legais
relacionados à discussão da natureza jurídica do instituto, que amadureceram,
especialmente, após a promulgação da Lei nº 13.777, de 20 dezembro de 2018, norma
esta que contribuiu sobremaneira para a consolidação da multipropriedade no Brasil.
Verificou-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, a natureza jurídica da
multipropriedade para bens imóveis é legalmente definida como de direito real,
implementada sob regime de condomínio espaço- temporal. No tocante à
multipropriedade de bens móveis, a natureza jurídica afigura-se como direito
obrigacional, diante da impossibilidade de aplicação por analogia da Lei nº 13.777, de
20 de dezembro de 2018 e da inexistência de previsão legal específica.

Palavras-chave: Propriedade. Natureza Jurídica. Multipropriedade.

QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA MULTIPROPRIEDADE?

Uma das principais indagações a se fazer no estudo de determinado instituto é


descobrir qual a sua natureza jurídica. No caso da multipropriedade, a atenção
do leitor deve ser redobrada, pois existe mais de um entendimento sobre o
assunto: uma corrente majoritária que tinha força antes do advento da Lei n.º
13.777/2018 e outra nova corrente de peso que surge após a edição da
referida lei.

Neste sentido, antes do advento do diploma legal, o Superior Tribunal de


Justiça (STJ), no âmbito do REsp 1.546.165/SP, chegou a reconhecer a
multipropriedade como direito real, em flagrante ampliação do rol dos direitos
reais constante do art. 1.225 do Código Civil (CC). É importante ressaltar que o
referido artigo lista o que seria direito real, e é visto por muitos civilistas como
rol sacro e inviolável, principalmente pela alegação de que a listagem é a
melhor opção para garantir maior segurança jurídica (sob o aspecto material e
registral) diante das condições brasileiras.

O decisum provocou celeuma, mas foi defendido por vários doutrinadores de


peso, que explicam que as partes, por meio da liberdade negocial, podem criar
direito real entre si. Nas palavras de CAVALCANTE (2019, p. 13), por criar
direito real entre as partes, “o participante detém as faculdades de uso, gozo e
disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento
pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo”[7]. Na mesma
corrente, CHAVES e ROSENVALD (2017, p. 280) defendiam[8], em obra
anterior a lei n.º 13.777/2018, que:

A multipropriedade imobiliária é direito real. Alguns


poderiam insinuar que a legislação é silente nesse
particular. Porém, sabemos que o atributo da taxatividade
dos direitos reais não lhes insere na redoma da tipicidade.
Assim, é plenamente possível o exercício de um espaço
de autonomia negocial para que os particulares possam
ajustar diferentes contornos ao direito de propriedade
conforme as variações e demandas do tráfico jurídico.
Ademais, no câmbio do direito de propriedade para os
“direitos de propriedades”, veicula-se a noção de que a
propriedade é dotada de plasticidade, podendo transitar
entre um conteúdo jurídico máximo e um mínimo,
traduzido este como o essencial para que o conteúdo do
domínio se mantenha com o seu titular.

Este entendimento, apesar de filiar nomes de peso como o próprio TEPEDINO,


foi muito contestado à época e continua sendo até hoje. Mas essa boa “luta
doutrinária” tende a acabar com o que dispõe a nova lei, que trouxe a
multipropriedade não como direito real de propriedade em si, mas sim como
regime jurídico pertencente à seara condominial.

Conforme esclarece OLIVEIRA, era compreensível a lógica jurídica adotada


pelo STJ, veementemente protetiva e garantidora de segurança jurídica para
um instituto que, até então, era vulnerável. A multipropriedade, àquela época,
se revestia por meio de contratos atípicos. Segundo o autor, a questão
encontra-se vencida pois, por força dos artigos acrescidos ao CC, a
multipropriedade assumiu a forma de condomínio[9].
Dessa forma, este último raciocínio possui corpo para se tornar a pedra-mestra
da nova posição doutrinária e jurisprudencial, principalmente pelo fato de que o
já mencionado art. 1.358-C do CC é expresso em afirmar a multipropriedade
como regime (e não como direito real em si) de condomínio.

Trazer a multipropriedade como regime de condomínio tem repercussões


práticas imediatas no tocante à aplicação de sistemas normativos e sua
harmonização com os demais diplomas. Dessa forma, é importante
compreender que há aplicação subsidiária de todas as regras de condomínio,
tanto aquelas que constam do Código Civil quanto as que estão em legislações
esparsas. Ainda, há quem advogue pela aplicação do Código de Defesa do
Consumidor (CDC) em determinadas relações jurídicas[10].

O operador do Direito que busca lidar com o instituto da multipropriedade deve


buscar visão ampla das disposições civilistas, não restringindo sua análise ao
que foi adicionado pela lei n.º 13.777/2018. A perspectiva ampla é fundamental
para contextualizar o instituto da maior e melhor forma possível, sabendo
aplicar as disposições principais e subsidiárias da forma correta.

Assim, após analisada a natureza jurídica do instituto, é necessário começar a


dissecar seus pontos mais importantes

 INSTITUIÇÃO DA MULTIPROPRIEDADE

A multipropriedade pode ser instituída de duas maneiras, ambas trazidos pelo


Código Civil em seu art. 1.358-F: por ato entre vivos ou fruto de testamento.
Independente de como tenha sido, este ato necessariamente será registrado
no cartório de Registro de Imóveis competente, e nele deverá conter algumas
das características essenciais para a existência e funcionamento da
multipropriedade, como a pormenorização de cada fração de tempo, com suas
respectivas durações.

No primeiro caso disposto em lei, ela é instituída por ato entre vivos, ou seja,
pode tanto nascer da liberdade volitiva de uma pessoa que é proprietária do
imóvel-base e deseja instituir o regime de multipropriedade como meio de
auferir pecúnia, bem como da vontade de duas ou mais pessoas, que veem
neste regime jurídico uma forma melhor de conciliar seus interesses
econômicos e/ou de lazer.

Dessa forma, quando a multipropriedade é feita por ato entre vivos, é


necessário considerar o que a lei exige quanto à formalidade do ato instituidor
e dos respectivos atos de transmissão da propriedade. Isto porque, conforme
sinaliza grande parte dos doutrinadores, seria imperiosa a aplicação do art. 108
do Código Civil, de forma que o instrumento instituidor, para imóveis cujo valor
supere a 30 salários-mínimos, deve ser público[16]. Outros autores alertam,
contudo, que para alguns atos, a exemplo da transmissão do direito de
propriedade, não haveria exigência restrita da forma, sendo de faculdade das
partes, nos termos do inciso XI, do art. 1.358-Q do Código Civil, como
explica[17] BLASKESI:

Na dicção do citado artigo, “a transferência do direito de


multipropriedade e a sua produção de efeitos perante
terceiros dar-se-ão na forma da lei civil”, deixando
entrever a dúvida: A forma do instrumento de transmissão
dessa copropriedade se dará por instrumento público ou,
como no caso desse instituto, a lei não determinou a
forma específica, dar-se-á também por instrumento
particular?

O art. 109 do Código Civil preconiza que “o negócio


jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem
instrumento público, este é da substância do ato”.

A previsão da exigibilidade da forma pública é encontrada


no art. 108, ao rezar que, “não dispondo a lei em
contrário, a escritura pública é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis
de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País”.

Entretanto, a dúvida se instala no momento em que o


legislador, na própria Lei do Condomínio em
Multipropriedade, optou por determinar, expressamente,
quando tratou do regimento interno, que “o regimento
interno poderá ser instituído por escritura pública ou por
instrumento particular (parágrafo único, XI, art. 1.358-Q)”.
O fato de ter facultado a forma (particular ou pública) em
um dos instrumentos que integrarão o condomínio em
multipropriedade, leva a presumir que, não tendo exigido
ou estipulado para os demais, será à escolha dos
contratantes.

Dentre os dois posicionamentos, contudo, parece ser mais cauteloso e


prudente prezar por aquele que segue a regra geral do sistema civilista, e isto é
claro no art. 108 do CC. A segurança jurídica e registral trazida pela confecção
do instrumento instituidor ou transmissor na forma pública favorece para que
não haja máculas na lógica de oponibilidade erga omnes que é inerente ao
sistema de direitos reais.

É importante, ainda, verificar o caso da instituição via testamento. Isso porque


nem sempre o testamento foi feito com a consultoria de alguém especializado
no assunto (diferentemente de quando a multipropriedade é feita por ato entre
vivos, onde os mesmos geralmente buscam a assessoria adequada para criar
o regime), de forma que poderia se alegar que a instituição da multipropriedade
pela via testamentária, caso não feita necessariamente nos termos da lei civil,
estaria inviabilizada.
Adotando, contudo, uma interpretação finalística, o bom-senso e a
razoabilidade, pode-se inferir que, no caso de instituição via testamento, certos
requisitos podem ser preenchidos pelos sucessores, principalmente no tocante
ao preenchimento dos atos formais e procedimentais necessários para a
existência da multipropriedade.

Pensar de forma diferente poderia ofender duplamente ao que prevê a lei, haja
vista que, por um lado, se desrespeita a expressão de vontade estabelecida na
via testamentária (que, por sua vez, deve ao menos ser clara, se propondo
estabelecer um regime de multipropriedade, indicando ao menos as unidades
periódicas), e por outro, ainda, se desrespeita completamente a finalidade
jurídica do instituto da multipropriedade.

Assim, bastando que o testamento traga as linhas gerais da intenção de


existência da multipropriedade, traçando ao menos algum esboço de como
seria a divisão das unidades periódicas, não se vê óbice para que os
sucessores suplementem e concretizem a vontade externada na via
testamentária.

O instrumento que institui a multipropriedade poderá conter várias disposições


fruto da liberdade negocial entre as partes, mas algumas delas deverão
necessariamente constar por expressa determinação legal, conforme explicitam
os arts. 1.358-G e 1.358-H do CC. Recomenda-se ao leitor o conhecimento do
teor dos artigos, que são de fácil entendimento e autoexplicativos.

É de se notar, contudo, que para o operador do Direito ou conhecedor do teor


das convenções condominiais, muitas das exigências feitas pelos citados
artigos são análogas ou extremamente semelhantes ao que já se tem na
prática. E não poderia ser diferente, haja vista se estar tratando de regime
jurídico pertencente ao sistema de condomínios. Assim, trará em seu bojo
disposições gerais sobre deveres e obrigações, limites de pessoas, regras de
acesso, fundos de reserva e disposições para imprevisibilidades, bem como
possíveis multas.

Por fim, é importante ressaltar que a instituição da multipropriedade pode ser


vedada em condomínios edilícios. Para tanto, basta que a convenção do
condomínio edilício ou seus instrumentos instituidores congêneres traga
proibição expressa. Outra forma, ainda, é pela deliberação da maioria absoluta
dos condôminos (que também têm poder para, posteriormente, passar a
permitir o regime da multipropriedade).

5. QUAIS SÃO OS DIREITOS E AS OBRIGAÇÕES DO


MULTIPROPRIETÁRIO?

Antes de iniciar a discussão sobre os direitos e obrigações do multiproprietário,


é importante ressaltar que os arts. 1.358-I e 1.358-J do CC trazem rol mínimo
do referido tema, ou seja, as partes possuem liberdade negocial para criar
outros direitos e obrigações, desde que respeitem a harmonização com a
legislação constitucional e civilista aplicável ao regime da multipropriedade.
Assim, as obrigações e direitos contidos nos artigos são objetos que deverão
ser observados pelas partes, sem prejuízo das demais que elas
convencionarem.

Ainda, recomenda-se que o leitor faça análise atenta dos dispositivos, que
terão seus pontos principais abordados, sem a pretensão exaustiva,
principalmente para não tornar o estudo cansativo.

Quanto aos direitos, os primeiros três incisos do art. 1.358-I dão alguns fatores
importantes para a existência da propriedade plena, a saber: uso, gozo, cessão
e alienação.

Em relação ao uso e gozo, serão limitados à fração de tempo, e abarcam não


só a estrutura física do imóvel-base em si, como quaisquer mobiliários que dela
façam parte. É salutar notar os principais traços sobre estes direitos, pois
podem ser a razão pela qual o multiproprietário adquiriu sua unidade periódica.
Assim, comunicam-se com este direito algumas obrigações impostas aos
demais multiproprietários e à administração do condomínio em
multipropriedade, pois se não houver o cuidado e cautela para a preservação
de toda a estrutura, resta flagrantemente atingido um direito basilar do
multiproprietário.

Neste diapasão, outro direito de exercício sobre a multipropriedade é o da


cessão da fração, seja por locação, seja por comodato. Isso decorre do fato de
que nem sempre o sujeito que possui a unidade periódica tem o desejo de
utilizá-la para seu lazer. Poderá o multiproprietário, portanto, quando bem
entender, deixar de usar de sua fração em determinado momento para locá-la
a outra pessoa, também pelo tempo que julgar necessário.

Assim, permite o dispositivo que haja a alienação do direito real de propriedade


do multiproprietário sobre sua unidade[18]. Esta alienação pode se dar por ato
entre vivos ou por causa de morte, a título gratuito ou oneroso. Ainda, permite-
se que a unidade seja onerada. O multiproprietário, contudo, por expressa
previsão legal, deve comunicar ao administrador sobre a alienação ou
oneração que foi feita sobre a unidade periódica.

É fundamental abrir um parêntese para tratar do que o §2º do art. 1.358-L traz,
pois ele torna o adquirente solidariamente responsável com o alienante por
certas obrigações não cumpridas (constando do §5º do art. 1.358-J, estas
obrigações foram vedadas pelo Presidente da República, mas não impedem
interpretações abertas tendentes a prejudicar o adquirente). A única forma do
adquirente não ser solidariamente responsável com débitos existentes pelo
alienante é se aquele exigir deste uma declaração de inexistência de débitos.
Por conta disso, recomenda-se esta cautela aos operadores do direito que
forem auxiliar procedimentos de compra e venda de unidades periódicas em
multipropriedade.

Dessa forma, com o exercício do direito de venda ou utilização da unidade


periódica como objeto de direitos reais sobre a coisa alheia (a exemplo da
alienação fiduciária), há o dever de comunicação pelo multiproprietário ao
administrador, que deverá tomar as providências administrativas cabíveis.
O referido artigo trata, ainda, de outro direito básico para qualquer regime
condominial, que é o de participação nas deliberações feitas por todos os
multiproprietários. Para tanto, poderá votar pessoalmente ou por procurador, e
o artigo põe como condição essencial o adimplemento do sujeito com as
obrigações condominiais. Assim, a princípio, se não estiver pagando aquilo que
o condomínio o impõe, perderá sua prerrogativa de votar.

O peso do voto, contudo, levará em conta à quota de sua fração de tempo.


Assim, por exemplo, caso o mesmo imóvel-base possua quatro
multiproprietários com igual fração temporal, cada voto equivalerá a 25% ou ¼
do total.

Todavia, caso a multipropriedade faça parte de condomínio edilício, a dinâmica


de votação deverá ser vista com cautela. Isto porque, no âmbito de
multipropriedade que funcione em regime edilício existirão duas deliberações:
aquelas feitas para o próprio condomínio edilício em si, e aquelas feitas
somente para a unidade que está em multipropriedade.

Para não confundir o leitor, eis um exemplo: imagine que a Torre Celeste, no
Rio de Janeiro, é prédio residencial que funcione em regime de condomínio
edilício, e possua 10 andares. Em cada andar, um apartamento. Após obter
aprovação dos demais condôminos, o proprietário do apartamento do 1º andar
resolve por instituir, em sua unidade, o regime de multipropriedade. Digamos,
ainda, que a unidade foi virtualmente fracionada em três unidades periódicas,
que de pronto foram adquiridas por três pessoas.

Assim, estas três pessoas, enquanto multiproprietários da unidade do 1º andar,


podem decidir por realizar uma assembleia interna para deliberar sobre a
aquisição de novo mobiliário para unidade. Nesta assembleia, como somente é
de interesse dos três sujeitos, cada voto equivalerá a 33%, ou 1/3
(considerando que suas frações sejam iguais).

Mas não se pode esquecer, contudo, que existem as assembleias que dizem
respeito a toda Torre Celeste. Neste caso, pelo prédio possuir 10 apartamentos
de iguais proporções, cada voto equivalerá a 1/10 do total. Com o apartamento
do 1º andar, contudo, não funcionará desta forma. O voto desta unidade
poderá ser menor do que 1/10, pois ele terá seu peso repartido entre os três
multiproprietários, respeitando proporcionalmente sua quota de fração de
tempo. Assim, caso os três votem em consenso, o peso será 1/10. Contudo,
caso um deles não vote com os outros dois, este 1/10 perderá 33% em seu
peso (neste ponto, não se exige do leitor a habilidade matemática, mas
somente a noção de que existe uma dinâmica diferente dentro das unidades
que possuem o regime de multipropriedade em âmbito de condomínio edilício).

Evitando-se o aprofundamento matemático, razão pela qual muitos resolveram


por adentrar na seara do Direito, segue-se para os estudos das obrigações do
multiproprietário.

O art. 1.358-J traz como primeiro inciso a obrigação corriqueira e básica de


qualquer relação negocial: o pagamento[19]. Neste caso, o multiproprietário
deve pagar não só a contribuição condominial da multipropriedade (útil para
conservação e manutenção), como também, caso seja aplicável, a do
condomínio edilício. Ainda, o inciso se previne e diz que não adianta o
multiproprietário fazer renúncia do uso ou gozo de determinado mobiliário ou
instalação, sendo obrigado a pagar da mesma forma.

Assim, não pode o sujeito alegar que não usou o home theater  de sua unidade,
requerendo um possível desconto proporcional. Não poderá, tampouco, alegar
que sempre usa as escadas e dispensa o elevador. Somente pela
disponibilização das instalações e do mobiliário, já será o multiproprietário
obrigado a adimplir com as contribuições, sob pena, inclusive, de não poder
deliberar nas convenções, conforme foi visto anteriormente.

Em seguida, obriga o artigo que o multiproprietário responda pelos danos que


causar ao imóvel, suas instalações, equipamentos e mobiliário. Ainda, amplia o
inciso a responsabilidade do multiproprietário, tornando-o responsável pelos
danos que seus acompanhantes, convidados ou autorizados causarem. A
responsabilidade aqui é objetiva, respondendo ainda que o dano tenha sido
causado com culpa. Escusa-se, contudo, caso o dano seja oriundo do desgaste
natural das coisas, em decorrência do uso recorrente. Neste caso, não há
dever de indenizar. Dessa forma, deve o multiproprietário prezar pela
responsabilidade e consciência no uso da estrutura principal do imóvel-base,
bem como do mobiliário que dela faz parte.

Ainda na seara da conservação e preservação da estrutura física e do


mobiliário, o inciso II do art. 1.358-J dá ao multiproprietário o dever de
comunicar ao administrador quaisquer defeitos, avarias e vícios dos quais tiver
conhecimento durante sua utilização. Esta obrigação é fundamental,
primeiramente porque permite que o condomínio comece a prever possíveis
gastos com consertos, bem como cria um histórico de deterioração de certo
bem. Desprezar esse dever pode gerar gastos imprevisíveis, e a depender do
problema (a exemplo de um defeito hidráulico), pode fazer com que o prejuízo
tome proporções maiores.

Assim, caso a despesa decorra do uso normal e do desgaste natural do bem


ou do imóvel, será de responsabilidade de todos os multiproprietários. Contudo,
será de responsabilidade exclusiva do multiproprietário caso tenha havido uso
anormal por parte dele ou de quem ele tenha autorizado, sem prejuízo de
multa.

Os demais deveres muito dizem a ver com o uso consciente, responsável e


zeloso da unidade, devendo o multiproprietário manter o imóvel em boas
condições, e utilizá-lo para seu destino e natureza (a título de exemplo, não
poderia o multiproprietário que tem como sustento a pintura de telas, utilizar de
sua fração em unidade periódica residencial para transformar o ambiente em
uma galeria, onde venderia suas pinturas).

Sobre o uso consciente, o multiproprietário deve respeitar também o prazo de


estadia, de entrada e de saída, cooperando inclusive para possíveis períodos
de manutenção que possam acontecer durante sua fração (permitindo, caso
necessário, obras urgentes). Caso não desocupe o imóvel a tempo, poderá ser
penalizado com multa diária (e aí reside, mais uma vez, a importância da
convenção do condomínio em multipropriedade conter, em seu bojo,
disposições expressas sobre as multas, inclusive sobre sua progressividade).

Para finalizar as disposições sobre obrigações e direitos, é importante ressaltar


que o art. 1.358-K do CC equipara à condição de multiproprietário os
promitentes compradores e cessionários de direitos relativos a cada fração de
tempo.

6. COMO A MULTIPROPRIEDADE É ADMINISTRADA?

A multipropriedade, como já se viu, não é tão simples como muitos pensam


ser. Uma figura apta a administrar é necessária, principalmente para mediar
tantos interesses, muitas vezes exercidos por diversas pessoas. Assim, o
instrumento de instituição ou a convenção do condomínio em multipropriedade
(ou, na falta disto, assembleia geral dos condôminos) deve indicar um
administrador. Não há, contudo, vedação para que o condomínio em
multipropriedade adote, em conjunto com o administrador, um síndico, desde
que suas funções sejam repartidas.

Recomendo ao leitor a leitura do art. 1.358-M do Código Civil, que trata das
principais funções do administrador, que giram em torno da gestão e
coordenação das unidades periódicas, de seus usuários e de seus mobiliários.

Caso o condomínio em multipropriedade tenha existência no âmbito de


condomínio edilício, o art. 1.358-R do CC faz exigência expressa de que haja,
necessariamente, um administrador profissional, que cuidará de todas as
disposições internas e administrativas referentes às unidades em
multipropriedade, tendo o poder, inclusive, de fazer pequenas alterações
regimentais.

Neste caso, o administrador profissional deve coexistir com o síndico do


condomínio edilício. Em verdade, com as devidas alterações no regimento
interno e nas convenções condominiais, não há motivo para choque entre as
duas figuras, haja vista restar ao administrador a gestão das unidades em
multipropriedade, no que tange ao respeito dos direitos e obrigações dos
multiproprietários (bem como das atividades administrativas acessórias
inerentes ao sistema).

Muito se discute sobre o termo “administrador profissional”. Seria, de fato,


alguém com qualificação técnica e inscrição no órgão de classe? Em lúcida
argumentação, OLIVEIRA esclarece[20] que:

E mais: esse administrador terá de ser um administrador


profissional, assim entendido aquele com inscrição no
pertinente Conselho Regional de Administração (art.
1.358-R, CC). Entendemos que o administrador pode ser
também uma pessoa jurídica dedicada a essa atividade,
pois a lei não obriga que se trate de uma pessoa natural.
Ademais, o administrador pode ou não ser um prestador
de serviço de hospedagem (art. 1.358-R, § 5º, CC).

O mesmo autor, ainda, já se pronunciou por entender inconstitucional essa


disposição, conforme expressa: “De qualquer forma, entendemos pela
inconstitucionalidade do dispositivo ao exigir um administrador profissional por
ofensa à liberdade profissional e à livre iniciativa”[21].

Nada melhor, portanto, do que esperar a movimentação jurisprudencial com o


tema, que certamente suscitará dúvidas. Adotando-se, contudo, o pressuposto
de que ser “profissional” em algo não necessariamente implica na formação
técnica, e sim na aptidão prática, a visão de ofensa à livre iniciativa pode tomar
corpo.

Por fim, cabe esclarecer que em caso de demandas judiciais, o condomínio em


multipropriedade poderá ser representado em juízo por seu administrador. Ao
administrador, portanto, são dadas as atribuições de gestão da
multipropriedade e das pessoas que dela fazem parte.

7. CONCLUSÃO

Com base em tudo que foi visto, onde se tentou abordar os principais pontos
trazidos pela lei n.º 13.            777/2018, o regime do condomínio em
multipropriedade possui certas peculiaridades, principalmente sobre a forma
pela qual se exerce a propriedade. É inevitável, contudo, dissociar este regime
de seu “irmão” jurídico, que é o condomínio edilício, razão pela qual muitos
institutos são assemelhados entre si, inclusive com a aplicação subsidiária e
harmonização das mesmas normas civilistas.

Dessa forma, levando em consideração que o tema ainda é extremamente


novo para o Direito, ainda se espera as primeiras impressões, decisões e
entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, que serão essenciais para que a
doutrina e o próprio instituto do condomínio em multipropriedade possa
encontrar sua melhor aplicação no seio social.

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