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‘0 d técnica de s [.k mas um nnele acumulado, Jjustamente pare » de tradigaes omo foi visio. itexto romano 'S, 0S museus » estritamente delimitadora nem ilustre”) al desafio dos varte dos seus “AVOROADEE a0 OE AUTOR NA ALORNO DE OTS SIONS. CAO B LDR BE MARLADE DCE 04S AMES DAFORCABE HADES © Brasil para os brasileiros. Fotografias, Marcos Felipe de Brum Lopes* Fotografia espago, Para favorecer a evolugao da argumentagao, sera util separar algumas nogdes norteadoras do texto, para uni-las posteriormente. Uso a palavra “fotografia” de forma provocativa, Ela 4 esté tio consolidada em nossa cultura, tanto contemporanea quanto de geragdes passadas, que muitas vezes no problematizamos seu uso no singular no ambito académico, da histéria da fotografia e da cultura visual. Durante muito tempo 0 neologismo foi atribuido ao filésofo britnico John Herschel, que teria cunhado o termo photography em 1839. Cinco anos antes, Hercule Florance, o inventor da fotografia no exilio, utilizou a mesma palavra para descrever as imagens que produzia precariamente no interior do Brasil, em 1834. Seja como for, 0 neologismo concorria com termos como heliografia, works of light, pictures of light, calétipo (ou talbétipo), daguerreétipo, entre outros.’ Uma vez que a vitéria de “fotografia” € irreversivel, devemos ao menos empregé-la no plural, forografias, ¢ isso nfo apenas devido aos processos fotogrificos, plurais desde a sua invengao oficial, na primeira metade do século XIX, mas também pela multiplicidade dos seus " Bocharel em Historia pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Hstra Social pelo PPGH-UFF. Doworanda em Histre So's pelo PPGH-UFF.Bolsista do CNPq Contato: marcostblopesagmailcom "MILES. M. The burning minor: photography in an ambivalent light. Journal af viswal ear. SAGE Publications (London, Tho (Oaks, CA and New Delhi) Vol 43): 329-349 Museu STOIC NACIONAL 24 MARCOS FEUFE DE BRUM LOPES Uusos e fungdes ao longo do tempo. Assim, concordamos com a sugesto de Sabine Kriebel, pars quem a solueao da pergunta “o que ¢ uma fotografia”, cuja resposta esté no fim de todo esforss por uma teoria da fotografia, deverd ser, necessariamente, plural, em fungdo do petiodo histérico do qual se fala.* No caso em questo neste texto, trata-se de Fotografias de imprensa, produzides ‘nos anos 1950, tempo em que o instantineo jé predominava na linguagem fotojoralistice. incorporando as ideias de imediatismo e verossimilhanga em relago a0 mundo. Podemos identificar nos textos de Philippe Dubois uma das tentativas de descrever 2 fotografia como uma agao baseada num saber fazer. Como tal, Dubois investiu na descrig20 do ato fotogrifico ¢, necessariamente, no papel do fotégrafo ou fotdgrafa na confecgio ds imagem. A abordagem do filésofo francés é marcada pelo discurso da referéncia e do trago, da contiguidade fisica da imagem com seu referente, por meio da transmissao de matéria luminosa para a superficie sensivel do papel fotogréfico. Dubois chama a atengo para o fato de que 2 relagio fisica nao exclui do ato fotogréfico sua dimensao sociocultural, jé que a tecnologia, 0 aparato fotografico, ¢ resultado da cultura humana.’ De acordo com Dubois, (Lud €evidente que toda imagem, mesmo a mais arcaica, requer uma tecnologia, ao menos de rodugio, em certos casos de recepedo, ja que pressupde um gesto de fabricaglo de artefatos que recorrem a instrumentos, regras, condigdes de eficacia, bem como um saber. Originalmente, «tecnologia € simplesmente,¢ literalmente, um savoir-faire.* O ato fotogrifico ¢ uma etapa, entre outras, daquilo que alguns historiadores chamam de experiéneia fotogrifica. “Experiéncia” oferece a possibilidade de um olhar sobre o ato de fotografar, ler, editar e circular uma fotografia entre diversos campos discursivos e de poder. além de trazer para a discussio ideias de tradugio e mediagaio cultural Experiéncia e prética: mediagéo cultural entre mundo e nove mundo “Experiéncia” é um termo polémico, com interpretagées ¢ significados histéricos ¢ filoséficos conflitantes. © historiador Martin Jay, em seu livro sobre 0 assunto, alerta para 0 ® KRIEBEL, §.7. Theories of photography: shot history. : ELKINS, J. (Ed) Photography Theory. New YorkLondon: Roledge 2007. pa ? Segundo Vilem Fluser, & resultado a euluraesevita. FLUSSER, V. Filosofia do cua prea. Ensios Para Uma Futura Flosfie da Fotografia, Rio de Janeiro: Relume-Dumars, 2008, “DUBOIS, PA lin gra (as miquina.imagens).Cadernas de Antropologiae Imagem. Rio de Janet. v9, 2, 1999, p65 useu HsTONCO NACIONAL fato exist que « é ne foto; eme foto: Nao foto, dos dest no f reali dof ater exp proc am briti ‘co TRO wit RAIL PARA OS GEASLEROS FOTOGRAEAS,ESPAGO, LUGAR PAA. el, pare asforgo stérico luzid listica. ever & serigao glo de 0. ninose que a agia, 0 anos de ‘tefatos mente amam ato de poder, cos € vara 0 fato de que nao se pode falar de experiéncia de forma unissona, uma vez que 0 conceito nao existe fora dos seus usos historicos. Entre tantas possibilidades de interpretagdo, Jay defende que qualquer experiéncia é sempre algo que transforma, media, produz um novo (¢ 0 novo nao 6, necessariamente, melhor). ‘Ao se propor uma experiéncia fotografica, de que novo se esta falando? Uma determinada fotografia é uma experiéncia para quem a produz, mas também para quem a Ié, admira, guarda ‘e mesmo para aqueles que a rejeitam, resistem e se recusam a “aparecer” nela, Uma experiéneia fotogrifica pode consolidar prestigios dos notaveis e também produzir andnimos, invisiver ‘Nao é impossivel que uma mesma fotografia faga as duas coisas. Da perspectiva da experiéncia fotografica como construgo do novo num campo de miiltiplas possibilidades, a experiéncia dos fotografos é um interessante campo de estudo histérico, no qual hé uma necessidade de deslocar 0 ato fotogrifico (ou seja, a técnica em si mesma) de sua centralidade, reinseri-lo no fenémeno histérico da experiéncia fotogréfica de modo a permitir que 0 ato em si seja a realizagdo fisica de uma pratica social. A pritica é social porque envolve competéncia técnica do fotégrafo e 0 reconhecimento de que essa competéncia o credencia socialmente a dar a ver a terceiros um novo mundo em forma de imagem, produzir experiéneias visuais através da sua experiéneia de fazer fotografias: uma mediagdo entre mundo ¢ novo mundo. Investindo na dimensdo ao mesmo tempo material e simbélica dos sujeitos, todos os produtos resultados de praticas sociais podem ser abordados como cultura, na medida em que a mediagdo dos sujeitos agrega as formas simbélicas da cultura a sua produgio. O historiador briténico Raymond Williams define o processo desta forma: [0 processo de mediagio consiste em] descrever essa interago como substancial, com formas proprias, de modo que ndo seja um processo neutro de interagao de formas separadas, mas um processo ativo no qual a forma de medigao altera as coisas mediadas, ou indica a natureza delas por sua propria natureza.(..] Todas as “coisas”, € nesse contexto, todas as obras de arte, io ‘mediadas por relagbes sociais especificas ‘As “relagdes sociais especificas” consistem na experiéncia histérica dos sujeitos ¢ as “coisas” e “obras de arte” silo mediadas no interior desta experiéncia. No que toca ao tema deste TROUILLE, A.A forografia, entre documento «arte contemporinea. Sto Palo: Eltara SENAC, 2009, WILLIAMS, R. Paoraschave: wm vacablrio de cultura esaciedade. S80 Paul: Botempo, 2007. p274275, useu asronico NACIONAL trabalho, nd somente as fotografias dos fotégrafos, mas também o valor de suas experiéneias éagregado as suas imagens e representado nos produtos de seu trabalho,’ Assim, a’experiéncia me fotogrifica pode ser abordada como pritica social, composta pelas formas simbélicas da cultura ter e pelas produgdes materiais dos sujeitos fotdgrafos, dos leitores de imagens na imprensa, das vi | instituigdes agenciadoras de fotografias, das familias que produzem meméria na forma de fo | ‘Albuns, etc. da Reinhart Koselleck, em “Transformations of experience and methodological change” lembra que experiéneia teve uma dimensio pritica que foi esvaziada no principio da M modemidade. Antes, experiéncia significava aquisigdo de conhecimento pela investigagzo ~confuindia-se com a Erfahrung -, depois passando a corresponder ao registro sensorial dz realidade externa, ou a experiéncia de vida ~ Erlebnis. A investigagao pratica que gerava at experiéncia foi substituida pela experiéncia passiva. Para utilizar 0 conceito de experiéncia ct fotogrifica no sentido proposto, devemos recuperar a dimensio da investigagao ativa apontada jo por Koselleck, especialmente no caso de fotégrafos que esto sempre investigando o mundo ¢ nm dando-o a ler a terceiros, em forma de imagem. re Portanto, articulando a mediagao cultural de Williams, experiéncia historicamente definids = dv de Jay, ea dimensao da investigacao pritica de Koselleck, o conceito de experiéncia fotografia tem aplicabilidade numa abordagem histérica da imagem, se consistir de uma pratica social de s mediagao cultural, cujo resultado é uma transformagao das formas mediadas. fe Na tentativa de delinear ¢ explorar essas experiéneias fotogrificas de mediagao cultural, se durante o século XX, Ana Maria Mauad inscreve sua proposta [...] no mareo da hist6ria da meméria de um grupo de individuos ~ os fot6grafos de imprenss. Por um lado, valorizo 0 eircuito social de suas fotografias e sua situagio no regime visual do século XX, historicamente definido pelos processos de produgao, circulagio ¢ consumo de imagens téenicas. Por outro, busco a recomposicdo das trajetérias dos principais fot6grafos que » atuaram na imprensa, prineipalmente a partir da segunda metade do século XX, por meio de ’ entrevistas com aqueles ainda vivos, no sentido de compreender as elagdes ent ashistériss d d seat de vida (estratégias profissionais ¢ escolhas pessoais), medi¢ao cultural e a produgao visual da historia’ ile *MAUAD, A.M. Ootharengajado: orjomalisms eos emfides da Histria na contemporameidade Nite: Laboraéro de Hiss Ors Imagem, 2009. Mime, a *MAUAD, A.M. Pose ¢ lagrantes, Ensaas sobre hstra fotografia. Nita: EDUFF, 2008, p.172 ‘ 246 MUSEU HISTORCO NACIONAL , riéncias srigneia cultura 1sa, das rma de lange”. pio da igagao vial da gerava ‘iéncia ontada indo e finida rifica ial de tural ASI PAA OS SEASILEROS, FOTOGRAFUS,EPACO. LUGAR Pusat No caso do fotégrafo austriaco Mario Baldi, que venho estudando desde 2006, a metodologia de entrevistas € bastante til, pois & possivel entender a identidade que Bal ‘entou construir para si mesmo, inscrevendo-a na meméria de terceiros, amigos que ainda ivem, dos quis pude ouvir as narrativas. As fontes orais sfo, ent, trabalhadas junto com Fotografias ¢ textos autobiograficos do fotdgrafo, de modo que & possivel, hoje, a representacio das suas experiéncias, Mario Baldi Nascido em 1896, em Salzburg, Austria, Baldi chegou ao Brasil em 1921, depois de ter atuado na | Guerra Mundial como reconhecedor de campo e fotdgrafo. Desde 0 ano de sua chegada, escrevia relatérios de viagem pelo Estado do Rio de Janeiro e os enviava para os Jomais de sua terra natal. 0 interesse pelo cotidiano das sociedades pelas quais passava, a natureza ¢ @ fauna marcavam 0s textos, publicados em alemao. Baldi cultivou desde cedo a Fet6rica da aventura, que caracterizava a maiotia dos relatos de viagem aos “lugares remotos” do planeta. Estreando a imprensa brasileira em 1927, com a reportagem ilustrada na Revista da Semana, de 2 de abril de 1927, Baldi apresentava 13 fotografias e texto sobre viagens que fazia com Pedro de Orleans e Braganca, flho da princesa Isabel, Voltando para a Europa com Seu mecenas real, em 1928, o fotdgrafo publicou algumas reportagens que contavam, em tom sensacional, a travessia da Bolivia até o Rio de Janeiro de carro, através de pantanos ¢ estradas ¢sburacadas, Na construgo de uma imagem narrada do Brasil, Baldi proferiu palestras em cidades como Viena e Berlim, ilustradas com fotografias e diapositivos. A relagdo mais estreita com a imprensa brasileira se deu no final dos anos 1930, quando Mario Baldi ja havia voltado ao Brasil ¢ feito trabalhos para o Jornal A Noite para as revistas A Noite Thistrada, Espelho, lustragao Brasileira © Rio Mlustrado, todos da entao Capital da Repiblica, Seu contrato oficial como fotdgrafo de A Noite data de 1938, depois da cobertura da filmagem da cinematégrafa e fotdgrafa Doralice Avellar, entre os indios Carajés, A Noite destacou Baldi para acompanhar as expedigdes Brasil-Central, que tinha como objetivo a TPT ae meant stats basics, Rei da Semana, Rio de Jair. 2 de bri de 1927.5 MLCT. Colegdo Mato Bae MB-P-PC-CU2| ‘museu HastoRcO NACIONAL pacificagao de povos nativos. Neste perfodo, amadurecia um processo iniciado hé décadas, com a Repiiblica e o marechal Rondon: a Marcha para o Oeste. Até 1957, Baldi se dedicou a viagens com 0 Servigo de Protegio ao indio (SPI), Fundagao Brasil Central (FBC) e Forea Aérea Brasileira (FAB), fazendo também “expedi¢des” auténomas, sempre publicando na imprensa seus textos e fotografias. Entre tantas atividades, Mario Baldi valorizou algumas para que ficassem inscritas na meméria que construia para si mesmo, Na sua narrativa de vida, as dificuldades por que passou foram todas vencidas, como € comum nos testemunhos de imigrantes, As atividades expedicionarias eram sempre apresentadas ao leitor de seus artigos como drduas e espinhosas, porém sempre com um fim satisfatério. A propria nogdo de “expedigdo” implicava numa série de fatores e imagens mentais trabalhadas nos leitores, incentivados a pictorializar os lugares distantes, isolados ¢ vazios, atribuindo praticas e dinamicas a esses lugares e transformando-os em espacos.”” MARIO BALDI “=== 0 PHOTOREPORTER DO BRASIL == Figura 1. Cobecaiho da fol brad do escrito extiio de Mario Bal, em Botafogo, Rio de Janeiro. 5M.C.1. Coleco Mari Bold Stommbaum Para reproduzir a identidade que alimentou durante anos, Mario Baldi assumiu o titulo de “Photoreporter do Brasil”, com o qual se apresentava ao publico. Pademos considerar 0 comportamento do fotdgrafo como estratégico, um projeto que visava um lugar social no interior do jomalismo: esse lugar era a fotografia e seu campo era todo 0 pais. Esses contratos ¢ nomeagdes garantiram ao fotégrafo o transito pelo territ6rio brasileiro, a passagem pelas dreas que a grande maioria de seus leitores no conhecia, contribuindo cada vez mais para a imagem ‘MITCHELL, W.1T Preface othe scond ein of Landscape and Power: space, place and lndssape, Landscape and Power. Chicago and London: University of Chicago Press, 2002, ‘musEu STONCO NACIONAL wb i las antic ee hanna niadn NSN tulo ose veas em BRASIL TARA OS EASES FOTOGRAMASESPACO, LUGAR E PSA que cultivava de um fot6grafo. Na visio do protagonista da narrativa de vida, tais elementos Justificavam 0 titulo de Photoreporter do Brasil. Outros titulos e adjetivos foram utilizados Pela imprensa para definir 0 fotdgrafo: “o forégrafo que varou o Brasil”, “espirito arguio”, “artista da fotografia”, “fotégrafo eximio” so alguns deles, O pintor Ginter Werner produziu uma sintese de todas essas imagens construidas, em seu desenho intitulado Der perfekte Reporter, feito em homenagem a Baldi. Para definiro repérter Perfeito, Wemer trabalhou nesta composigao alegérica com aspectos da fotografia de seu fempo e que ficaram eternizados nas atividades de outros fotojomalistas como Solomon, Capa ¢ Cartier-Bresson: a) a necessidade de estar in loco documentando os fatos; b) a capacidade de ‘manejar diversos meios de comunicagdo, como a oratéria, a escrita e a cinematografia; c)ideia de distanciamento ¢ proximidade: a cena se desenrola sem sua intervengao, porém ele esti perto o suficiente para o registro. O tempo e a proximidade da cena enquanto esta se desenrola constituem 0 cere do fazer fotografico, no dizer de varios fotégrafos, como na relagao direta entre qualidade © proximidade (Capa); na metéfora da cabega, olho © coragdo (Bresson); ¢ também para Solomon, como segue: [.-] a atividade de um fotégrafo de imprensa que quer ser mais que um artesao é uma luta continua pela sua imagem. Tal como 0 cagador esté obcecado pela sua paixio de cacar, também 6 fotdgrafo esta obcecado pela fotografia nica que quer obter[..]E preciso tar contra [.] a administragto, os empregados,apolicia, os guardas ..]E preciso apanh-is [as pessoas] no ‘momento preciso em que elas estdo imoveis, Chapeed: Grits, Floriandplis: Letras Contemporineas, 2000. pre Ustu STONES NACIONAL 29 suacos re DM ORS Ateaaatvaniengac! Mario fala ni sertie, her Menke gerinesnt on es e of s = ati Figure 2: WERNER, Ginter. Der perete 2 Rovorer SM.C.T Colecoo Mario Bod ao art passaros, locais de dificil acesso, grupos humanos desconhecidos, tudo pelo registro da cena, A énfase na fotografia aventureira que marcou suas narrativas e construgdes de identidade, dando um contorno a sua trajet6ria, desde os tempos de guerra e posteriormente nas viagens dos anos 1920, até sua entrada na imprensa, sera o tom das praticas de outros profissionais como Jean Adaptando para o caso de Baldi, é preciso lutar contra uma natureza hostil: cobras, Manzon e David Nasser nos tempo de O Cruzeiro, como nos lembra Helouise Costa: {AJ natureza desconhecida encontra-se no proprio interior do pats, o que fazia da realizagio de ‘muitas das reportagens uma tarefa exaustiva e perigosa, em funglo das dificuldades de acesso 2 locas pouco explorados. Assim a propria realizagSo das reportagens era transformada em parte fundamental do fato jornalistico."® COSTA, H Palco para uma histriadesjado seta do fs por Jean Manzon. In; Revista do Parimno Histrico e Artstco Nacionel 127, 1998. p.187-138. Cito por MAUAD, Ana Maria. O olbo da Histra:fotojomalisso ea invengbo do Brasil contemporneo, I: NEVES, MOREL, FERREIRA. Hisrta ¢ mprensa: rpreentacdes cultura eprticas de poder. Rio de Janeio: DP&A Ediora, 2006, p37, Fa 250 seu MsTONCO NACIONAL il: cobras, da cena, A de, dando dos anos omo Jean lizagao de eacessoa sem parte > Nacional, ne. te tor, 2006, [Photojoumalists] have provided us witha visual history unduplicated by images from any comparable period of human existence, Whereas once we relied on eave paintings or artists ina Drsations of events, photographic images have become transcendent. The camera, in the hands of welleducated and well-informed photographers, provides us with images of Unprecedented power and indisputable information about the world in which we live ~ its Struggles and its accomplishments, It is the tool that gives us Photographs, the ultimate in : Anthropological and historical documents of our ime. To ignore photojoualisns to ignore j history. (] Photojournalists are nomads; their arena isthe worl. [ J Photojoumalists need i boundless energy, unflagging enthusiasm, a spiit of adventure, the ability to survive under difficult conditions, andthe courage to confront the danger" Além de desenhos, as fotografias guardadas pelo austriaco tém entre s ‘exemplares em que 0 fotGerafo é fotografado, Essas imagens nunca sto ingénuas, pois todas os relacionam a suas atividades. Mostram o fotgrafo em seu escritério, lendo, analisando ‘mapas, organizando seus ‘ecortes de publicagdes. Sua residéncia que foi comparada a um muses possuia intimeros Artefatos indigenas, os quais aparecem frequentemente nas fotografias do ae wren meee CRT Bald. Mero Bold no excitio do Figure 4. BALD! Mari, lobortis =v #s- Bah eats fe de Jone, décado de 1940. Teresdpole SMCT Coleen Bold no 10.000 5.M.C.T. Colecée Mario Bale PCHAPNICK, Tou ned no alls side phorofonrnali, Columbia: University oF Missouri Press, 98 =~ MUSEU HIsTéaIca NACIONAL {SSS Todos esses indicios de uma identidade cuidadosamente construida podem ser articulados com as mem6rias de terceiros sobre Baldi: Ele viajava muito, né? [..] Porque quando ele veio pro Brasil, foi depois da I Guerra Mundia entendeu? Entao eram dois irmfos, era elec... Herbert. [..] Mas eles vieram e fizeram amizace muito grande com minha av6. [..] E toda vez que ele vinha, chegava lé em casa contands aquelas historias, mostrando fotografia, eu ficava doida... eu era menina de uns 10, 11 anos tinha loucura pra ir com ele! E ele dizia assim, —“Como é, vai comigo agora?” Eu digo, ~ “Ex vou!” Mas ninguém deixava.[risos] Eu queria ia pro meio do mato! [risos] [..] Euachave ele ‘uma criatura espetacular, muito delicado, muito educado. [..] Ele ia sempre na casa da minhs ‘av6, ¢eu Ki doida pelo servigo dele. [..] Mas ele era uma figura, né?!" E de se notar que até no relato de Laura Muniz, colhido em 2006, a entrevistada marque a trajetéria de Baldi através da 1 Guerra Mundial e da imigragao. O antes e depois abre 2 narrativa para a caracteristica que ela se lembra como mais notéria: as viagens, as historias © as fotografias, na mesma ordem utilizada pelo fotdgrafo em sua autobiografia, Justficar 0 fato pela cronologia dos acontecimentos seria empobrecer uma série de estratégias narrativas de Mario Baldi 3 Joo Américo Peret, jomalista e indigenista, também se lembra de Baldi. O que chamou aatengo no seu relato foi o desejo de Baldi, confessado ao amigo: Dizia que queria morrer entre os indios...* 3 Em 1955, o fotografo se casou pela segunda vez, com a holandesa Ruth Yvonne Fimmen (Ruth Baldi), jornalista e estudiosa de povos africanos, membro da resisténcia holandes Le durante a II Guerra Mundial. O casamento originou a MARUBA (Mario e Ruth Baldi), ums P. espécie de sociedade expedicionaria que algumas vezes assinava os artigos publicados nos a jjornais e revistas, Na trigica viagem de 1957 a Mato Grosso, Ruth Baldi foi morta devido = sc ‘uma picada de cobra, vindo a ser enterrada pelo marido na aldeia dos indios Tapirapés. Na tarde deste mesmo dia, o desejo confessado a Joo Américo Peret realizou-se: enquanto descansava numa rede indigena apés o sepultamento de Ruth, Mario Baldi sofreu um ataque cardiaco fatal Peret velou o amigo. Os indios Tapirapés enterraram-no junto da esposa, em sua aldeia. ‘= MUNIZ, L, Envi sobre Maio Baldi concede ao autor em 2006, '°PERET, JA. Entrevista concede a autor por e-mail 252 MUSEU STON NACIONAL |RASIL Pata05BRASKEMOS. FOTOGRAFIA ESPACO, LIGAR EPASAGEM, iculados Mundial vamizade contando TI anos, 20,— “Ew chavaele da minha marque 8 abre a storias € aro fato tivas de chamou * morrer Fimmen slandesa fi), uma dos nos levido a Na tarde cansava 20 fatal u Figura 5. STUCKENBRUCK, Rubens Sepuluro de Morio Baldi © senhora, 0 aldeio do Topirané. Mato Grosso, 1968. SMCT. Coleco fotogratica Doogic de Laure Muniz. Espaco, lugar e paisagem: imaginacées geograficas No preficio a uma nova edigiio de seu livro, W. J. T. Mitchell, editor da famosa coletnea Landscape and Power, afirma que, se fosse dar um novo titulo para a obra, o chamaria Space, Place and Landscape. Segundo 0 autor, a mudanga resolveria 0 problema da datago do titulo original e da crescente contestagao da possibilidade de exercicio do poder que a paisagem teria sobre as pessoas: I one wanted to continue to insist on power asthe Key to the significance of landscape, one would have to acknowledge that itis a relatively weak power compared to that of armies, police forces, governments, and corporations. Landscape exerts a subtle power over people, eliciting a broad range of emotions and meanings that may be difficult to specify.” "MITCHELL, W.1-T: Proface tothe second edition of Londape and Power opt MITCHELL, W.3.. opcit vi SEU MSTORCO HACIONAL 254 A forga da paisagem esté, continua Mitchell, em ser um chamado a olhar para um nada, ot: mais precisamente, “to look at looking itself”. Na linguagem verndcula, nio dizemos “olhe para a montanha” ou “olhe para o mar”, e sim “olhe a paisagem”. Nesse sentido, “the invitation to look ata landscape is an invitation not to look at any specific thing, but to ignore all particulars in favor of an appreciation of a total gestalt, a vista or scene that may be dominated by some specific feature, but is not simply reducible to that feature”. Olhar uma paisagem seria, entdo. ‘uma percepgiio conseiente de um espago que se descortina num determinado lugar.” A proposta de Mitchell é uma abordagem triangular entre espago, lugar paisagem Partindo de David Harvey, Michel de Certeau e Henri Lefebvre, a proposta consiste em explorar as potencialidades que os trés pontos do tridngulo t&m quando séo pensados juntos Uma possibilidade € entender o lugar como um ponto especifico, cuja dindmica espacial seja constantemente ressignificada através da produgio de sua paisagem.” A triade nao corresponde a etapas cronolégicas, mas a uma perspectiva processual, na qual a propria experiéneia social dos sujeitos envolvidos faz e refaz, define e redefine os sentidos culturais de lugares, espagos ¢ paisagens. Desta forma, paisagem nao corresponde a uma tipologia especifica de representagao. como a pintura holandesa do século XVII. Uma fotografia pode ser uma paisagem, bem como ‘uma aquarela ou o cinema com suas imagens em movimento, Em determinados casos, como o tratado neste texto, espago, lugar e paisagem compéem aquilo que chamamos imaginaga0 geogréfica. Na obra Picturing Place: photography and the geographical imagination, dedicada a relagao entre fotografia e a geografia imaginativa. 08 geégrafos Joan Schwartz e James Ryan se aproximam do modo como historiadores vem desenvolvendo suas andlises iconogrificas e de cultura visual, assumindo a fotografia “as a socially constructed, culturally constituted and historically situated practice, and photographs as visual images, historical documents and material objects...”." SMMITCHELL, WIT opie vil MITCHELL, W.I. Topi vi ® MITCHELL, W.3.T: opt vl Mitel anioula «dingo dnimica de espog como umn lugar peaticado, de de Ceres (sem ullizar seu pensamento binirio), com tue de Lefebvre: espago peesbidoespago coneebidolespogo vivo, SCHWARTZ, J. Mand RYAN, 1. R, Picturing place: photography and the geographical imagination. London/New York: 18:Taurs 2006. p+ no asp ar pre cic int va os sé ur ci 4 um nada, ou zemos “olhe he invitation Iparticulars ted by some seria, entio, Paisagem. onsiste em dos juntos, Pacial seja otesponde reia social espagos e -sentagao, ‘em como, ‘ompdem phy and ginativa, res vém fa “asa ographs oh com ¢ Betas {RASH PARA. OS BRASIEHOS. FOTOGRAFIA, ESCO, GARE aA Espaco ¢ imaginaglo geogréfica estio intimamente relacionados na medida em que a imaginagdo geogréfica (IG), como um modo de pensamento,articula oespago, higar¢ paisagem no fazer esignificar da vida sociocultural, considerando a signifidncia do espacial em todos oc aspectos da existéncia social. Como afirmam Schwartz e Ryan: {--] we have interpreted the geographical imagination broadly tobe the mechanisin by which People come to know the world and situate themselves in space and time. I consists in essence, ofa chain of practices and processes by which geographical facts are ordered and imaginative eographies are constructed, Photography is one of these practices.” Na medida em que a consciéncia do tempo e do espago ¢ historicamente definida ¢ que & narrativa é © meio de organizagdo desta consciéncia* pode-se afirmar a narratividade das Pritieas ¢ processos sociais que Schwartz e Ryan destacam como essenciais aos mecanismos Ga IG. O sert2o brasileiro, como um espago geogrifico, nfo dependeu apenas de mensuragbes cientficas, mas também teve sua imagem eonstruida a partir da IG, pois esta possui um interessante aspecto narrativo, dependendo de construgdes visuais e verbais, bem como de valores etogrificos e antropol6gicos que redefinem o desconhecido com algo apreensivel Pela racionalidade ocidental. Neste processo, 0 visual desempenha um papel importante, desde 08 desenhos, grafites e aquarelas dos viajantes até a fotografia, a partir da segunda metade do século XIX. Na primeira metade do século XX, quando o repérter fotogrifico aparece como uma figura piiblica, a produgdo de imagens se tomou cada vez mais proficua, bem como a circulagao delas nas revistas ilustradas. Mario Baldi surgiu na histéria da fotografia brasileira antes do periodo considerado revolucionatio para as publicagdes ilustradas, ou seja, antes da criagao de O Cruzeiro, em 1928, e, sobretudo, da virada técnica dos anos 1940, quando a revista incorpora as formas do {otejomalismo norte americano. Em outra oportunidade, apontei o perigo desta periodizagao, uma vez que pode obscurecer aquilo que se chamava reportagem fotogrifica antes desta revolugdo. Minha proposta € que a atuagtio destes sujeitos fotégrafos, no Brasil e em outras Partes do mundo, consistiu numa lutae defesa dos seus direitos sobre as imagens e negativos, 0 ® SCHWARTZ, J. M. and RYAN, James R, Opt 6 *RICOUER, P Tempo e Narrtiva~ Tomo I. 2 ed. S80 Paulo: Pairs Editor, 1997, pp.1 73-415 FLORES, MF. 8: Mara Bair experts oozes e a trajtiri do rpdrter pret. Nitti: UF. Disease de merada em Histvia Soci, 2010 p.125, MUSEU HasTOMICO NACIONAL MARCOS FELFE OE BRUM LOPES Que veio a resultar, entre outros ganhos, nos créditos pelas fotografias publicadas na imprensa. autc Mario Baldi foi um pioneiro neste campo no Brasil. No ano de 1936, a empresa A Noite or Se tornou a instituigao de referéncia para Mario Baldi, para a qual fez alguns trabalhos como Jreelance. Naquele mesmo ano, o mecenas que lhe garantiu bons anos de estabilidade retornara non a0 Brasil ¢, em nova viagem com d. Pedro, Baldi visitou novamente a missio salesiana em que: Meruri e, também, os indios Carajés, na Tha do Bananal. Agora o principe trazia consigo a familia. Novas cagadas, novos encontros, novas fotografias. E um novo contrato editorial agora com A Noite Illustrada, a verso modema e visual de A Noite, que, segundo o fotégrafo. era uma das maiores ¢ mais lidas folhas do periodo. Os 21 nimeros de A Noite Ilustrada Gue receberam a colaborardo do austriaco, alguns dos quais traziam a chamada para suas reportagens na capa, apresentavam ao leitor “texto e photographias de Mario Baldi”. 0 Primeiro ntimero com sua colaboragao é de 17 de novemibro de 1936 e enfatiza 0 engajamento 2 revista em trazer ao piblico noticias exclusivas. Comenta a revista que, in loco, o fotéerafo “pode observar directamente” os fatos e produzir a “chronica e documentagdo visual [..] através [das] quaes Mario Baldi accentua suas impresses da custosa e formosa travessia Fica clara ideia de ineditismo e de aspectos “singulares” das fotografias, A construgao de uma imagem aventureira traduz-se no “espirito arguto” do fotégrato. “de A imprensa nfo mais dispensava a presenga do fot6grafo nos eventos, viagens ¢ alu acontecimentos “importantes”, uma vez que a imagem j possuia seu caréter narrative de Teconhecido, sua prépria historia a ser contada, Como relata Espelho, como “revista ilustrada’, ane nio poderia deixar de dar “o methor agasalho ds [..] mais legitimas manifestagdes [da arte alu da photographia [que] vem cada dia mais se aperfeigoando”” Desta maneira, esses tradutores an do mundo em imagens eram enviados para cobrir os fatos, ou melhor, produzi-los. Os de {otografos iam construindo seu espago como detentores de técnica informativa indispensdvel et & Sobrevivencia ¢ aceitagao da imprensa junto ao pilblico. Nao se pode coneeber a producdo rm visual de Mario Baldi deslocada de tal processo, jd que seu lugar s fotogrifica brasileira deu-se exatamente por esses termos, como expressa este outro trecho da ce 2spelho: “Das viagens constantes do Sr. Mario Baldi, por um entendimento prévio como seu a {BALD M.A Familia Imperial do Brasil nos sertbes do Araguaye. 4 Noite thao n°. 380, cial no interior da experiéncia 17 de novembro de 1936, Colegto Mario ; * Baldi SM.CLT. MB-P-PC-€2/60 Boy ‘upelio~A revsa da vida moderna. n° 12, Margo de 1936, S.M.C.T. Coleto Mati Bali, MB-P-PC-C2H9 Mai 258 USEU HSTORICO NACIONAL prensa ANoite 38 como tomara ana em msigo Jitorial, Ografo. strada "2 suas a”. O mento Sgrafo W fo] sia’ >uma mse ative da’ are ores Os ave Igae rei se BRASIL PARA OS SEALERS, FOTOGEAFUS,ESPAGO, LUGAR Psacton autor, ESPELHO teré d’aqui por diante as primicias photographicas, com exchusividade para 0 Brasil”. [grifos meus] Deste periodo até os anos 1950, Baldi produziu o que chamou de fotografia mopical, A nomenclatura nfo era um dado de geografi fisica, mas uma série de experiéncias e préticas que envolviam um fazer num espago simbélico, como o representado por Giinter Werner tovariably I develop my films “at home” at the end of my journey. During my frst journeys in 1921 until 1925, I used to develop my films on the spot, oF as soon after exposing as an opportunity arose. This practice was dictated by the then less reliable keeping power of the negative material. However, there was rarely an occasion on which I did not encounter difficulties of all kinds, including a few unexpected trials. Almost always sand could be found ineven the most carefully filtered water, greatly to the detriment ofthe gelatin layer. Sometimes the water contained algae, invisible to the eye but, nevertheless, quite visible on the dried film on which they seem to thrive, Once I was lucky enough to develop my films under almost ideal conditions. At three o’elock in the moming, the coolest time for this work, when [slipped out of my hammock to have a quick glance at my films hung upto dry, when I discovered an army of insects of all kinds feeding happily and ravenously on the moist emulsion, Tals dificuldades somavam-se & umidade, chuvas tropicas e poeira, fazenclo com que Baldi “desobedecesse” is instrugdes do fabricante ¢ devolvesse os filmes expostos is embalagens de aluminio, embrulhando tudo em jomais ¢ depois em cobertores, pois eram maus condutores de calor ¢ evitavam a umidade. Garantia o autor aos interessados e amadores da fotografia que “‘ropical photography [...] has now become much easier, and well closed and secured aluminium [sic] containers are almost foo! proof, moreover, ropically packed negative material ‘Snow available for the asking”. No entanto, todo cuidadlo era pouco com essa nova categoria - de fotografia tropical. Mesmo com as embalagens seguras, certa vez formigas penetraram e morreram no filme. O fot6grafo lamenta com humor: “Their white silhouettes showed on the negatives after developing were not at all pleasing” A fotografia tropical era muitas vezes vista como jomalismo de risco em fungao de todas essas condigdes adversas. A postura de Mario Baldi quanto a linguagem visual era interessante, como se vé no trecho seguinte: > Bspelho~A revista da vida moder, 12. Margo de 1936, $.M.C.T Colegdo Mario Ba, MB-P-PC-C249 a A.sameranan incon! Braz In: Phowo Mogi (Engh vson tx) Muniq: Out de 1956, SMLCT. Coleg Maro Bali, MB-P-PC-C3I36, IMISEU WSTERCO NACIONAL 258 | ~_—Cc rii ‘aRCOSFEUFE OF aun toes For the best part ofthe last thy years Ihave wandered through the most “forbidding” pars of Cental Brazil; sometimes as a photographer attached to various expeditions and sometimes Just by myself. When working to make documentaries of ethnological, zoological, botanic= Fie tPtical interest, faithful documentation is, ofcourse, my frst consideration and the Pictorial point of view has very often to be discarded, documentagao e onde comega a construgio estética das Fotografias. No arquivo do fotdgraio achamos diversas fotografias de paisagem entre aquelas Que retratam a cultura material de Povos indigenas, por exemplo, ou que representam alguma atividade dos expedicionatios, as uais podem ser incluidas na tipologia do documentirio, Nos anos 1950, depois da virada tematica do fotégrafo (Baldi se especializava cade no Pard, nas margens do rio Liberdade, afluente do rio Xingu. O titulo enfitico diz: “Arranca-se come O¥a Pists de avi6es nas matas do Xingu”. A reportagem é construida em toro do serio Some um vazio: “Em muitas regides, que a aviagdo sobrevoa, encontramos airs florestas Nigens, terras selvagens que o homem ainda no conquistou". Um misto de cientificis om imaginagZo geogréfica, as imagens apresentam mapas, avides, medidores topogrificos. Tanchas, rédios, florestas e indios. Um aspecto interessante é a presenga de trés “ragas” humanas trabathando em conjunto &m prol do avango do Brasil em ditegdo ao Oeste. As fotografias Tepresentam brancos, negros USED MsTOMCO NACIONAL RAS. PARA OS BEASUENOS, FOTOGRAFIA, EPACO, LUGAR PSAGEA ¢ Indios em condigdes de trabalho, com destaque para “o pequeno indio Cajabi, mascote da Expedieo, conhecido com Piumim, [que] trabalhou com sua faca de escoteiro”. Uma das alterativas para demonstrar a civilidade que os indios iam, aos poucos, adquirindo, era 0 ‘manejo de instrumentos cortantes como facas e facies. Havia também os mestigos sertanejos, ung mistura rude ¢ tipicamente interiorana do Brasil. Nas palavras de Baldi, “todos 2 entendiam como numa grande familia”. Peers see ne Figura 6, Mario Bold, Fotografia publicada em Monchete, P1311 de Outubro de 1954, S.M.CT. Colecdo Marie Boldt. MiB-P-PC.C3/131 Uma fotografia ¢ representativa do teor da reportagem. Nela vé-se o operador de ridio da expedigdo, Euclides Vaz, manejando sua aparethagem. Ao fundo, as barracas do ‘acampamento, No canto esquerdo da imagem, vé-se um chapéu sombreiro ¢ a bandeira do Brasil, na qual se Ie apenas a palavra PROGRESSO. A narrativa do progresso que chega aos cantBes do Brasil § traduzida visualmente nesta imagem, na qual © pequeno indio encontra-se junto 4 bandeira nacional. Hé apenas uma fotografia que representa a paisagem natural sem tragos do homem Branco. Todas as outas 13 imagens representam a naturezajuntamente com avides, instrumentos cientificos, lanchas e automéveis. Eo Brasil modero: colonizando e dominandoo Brasil sertanejo. © Brasil que alga voo ¢ pousa, pela primeira vez, em regides que ainda estio por abrasleinn cg Ml Bai a ate en np davies ns mats do Nigh Manche 9131 | de aude 1984 $ M7 Colegio Mario Ball. MB-P-PC-C3/191 MUSEU MSTORCO HACIONAL maacos Faure De aku Los Fou Eipe ae eee perenne are reaneeeee tno Figuo 7. Merio Baldi. Fotegrtio publcado em Manchele, 1131. 1 de Outubro de 1954. S.M.C.T. Colecéo Morio Bold MB-P#C-C3/131 % ‘Na retérica da modemizagao e do progress, as maquinas sempre tiveram destaque como instrumentos transformadores. A mudanga nas paisagens urbanas tem no trem e no automével seu corolario, como apontam diversos cronistas da virada do século XIX e primeiras décadas do século XX. Quando se trata de regides nao urbanas, como era comum em dreas de imperialismo colonial ou 0 “sertio” brasileiro, essas maquinas se revestem de uma retorica modema de forma que redefinem os espagos, lugares e paisagens por onde passam, 3 Mario Baldi cultivou 0 tema desde cedo, com as travessias automobilisticas com d. Pedro. No periodo das viagens com a FAB, representadas por essas fotografias, 0 avido eraa maquina do momento em dois sentidos principais. O primeiro vem de encontro a relagao feita rat por Mitchell entre paisagem, vigiléncia e controle. Estudando as paisagens sagradas de Israel, Gr Palestina e EUA, o autor afirma: “High places’ as sites of strategic surveillance, aesthetic es contemplation, and prophetic vision, are specially crucial in a contested landscape”. Mitchell unifica numa s6 construgao de paisagem os dois aspectos apontados por Baldi como distintos: i a contemplagao estética e a documentacao. A visio profética de um Brasil moderno deve dit controlar essas paisagens contestadas por brancos, caboclos, mineradores e indios. ar a0 "MITCHELL, W. J. T. Holy landscape: Israel, Palestine and the American Wildemess. Landscape and Power Chicago and Lonéox de Universi of Cheag Press, 2002 p.281 4 260 musty rasvouco NACIONAL RSI PAR OS BEASIEROS.FOTOGRAFAS, E460, LUGAR PSHE Figura 8. BALDI, Morio. sl. Boldin. 14774 Expedigao com a FAB. 1954, Colagao do Museu de Ennologie de Viena ei den Stunmen dos Mato Grosso ove! Sree asdo poe eee smo = Figure 9. BALDI, Morio. s/l. Baldi a. 14752 Expedigao com a FAB. 1954, Colegio do Museu de Emnologie de Vieno ade nd. waa feit. Figura 11. BALDI, Moro. “ Figuia 10. "Bei den Stummen des Mato sf. Boldin, | 14750. rae! Grosso" [No siléncio do Mato Grosso") Expedigoo com a FAB, Dusseldor: Deutsche lustrerte, 1955. 1954. Colecéa do Museu Colegio Merio Baldi MB-P-PC-C3/167 de Einologia de Viena tos O segundo aspecto das paisagens tomadas do aviso ¢ que obedecem a perspectivas e diferenciadas, Angulos inusitados e “desorientadores”. Assim, em duas publicagdes germanicas, a mesma fotografia aparece. No ntimero 38 da Deutsche Jilustrierte, de 1955, Baldi publicou a reportagem “Bei den Stummen des Mato Grosso” ("No siléncio do Mato Grosso”). Além de aludir aos indios mudos (botocudos), o titulo ecoa um imaginério antigo e justificador da : unas FEU OE sum LES ocupagdo do Oeste brasileiro: 0 vazio. Como é comum em artigos sobre o Brasil na Europa, um hes mapa localiza o leitor no lugar da narrativa. O mapa estilizado ¢ seguido por uma fotografia d= ‘ cauda de um avidio que j4 pousou. Materiais s&io descarregados do seu interior, Fa chegada no ae vazio que sera preenchido. ‘A imagem a0 lado recorta um trecho do rio e da selva. A tomada “chapada” néo oferece muita possibilidade de perspectiva ou senso de diregio. A mesma fotografia aparece em “Rast der Urwaldhélle - Die ersten Bilder von den ‘Stummen’ Indianern des Mato Grosso” (“Mistério do inferno da selva ~ As primeiras fotos dos indios “mudos” de Mato Grosso”), artigo da Wiener Jllustrierte, de 5 de janeiro de 1955. Nesta publicago, a imagem esta espelhada. O interessante | & que, como nao ha referencial com o qual articular a tomada, o espelhamento no prejudic= | a leitura, mas tem o mesmo efeito: tansformar o lugar em espaco, através de uma paisagem aérea. i 4 pn yo = a ° pt ia Figuro 12. *Réstel der Unwoldhalle ~ Die ersten Bilder von den ‘Slumen’ Indianem des Mato s ? Grosso" Viena: Wiener _Jlustiene, 1955. Coleco Morio Boldi MB-P.PC-C3/172 ‘A imaginagao geogréfica tem liberdade para “corromper” dados cientificos de geografis fisica, mensuragdes mapeamento. Comparando com nosso tempo presente, nfo se trata de locatizar um lugar no mundo aos modos do Google Earth, por satélites ¢ imagens supostamente 22 MUSEU HSTORCO NACIONAL RSI PAA OS BESIERS. FOTOGRANAS, ESA, LAR E Patan a, ur: vafia de ada ne ferece Rate istéric Viener ssante dice ager: fidedignas. A imaginacao geogritica tem outras liberdades visuais, No caso em questi, isso se denatravés de fotografas de sujeitoshistricos que insereviam suas experiéncias no movimenta do progresso brasileiro, tais como Mario Baldi. Figura 13. Mario Boldi. “Brevemente: 0 Brosil para os Brosilos”. Décado de 1930. Arauivo Mario Bold Secretoria Municipal de Cultura de Teresépolis. Desde 0s anos 1930, 0 fotégrafo Mario Baldi assumia-se como um protagonista deste Proceso, Pensava-se um tradutor e mediador de uma realidade geogréfica, fazendo com que © invisualizavel se tornasse visivel nas paginas das revistas ilustradas, permitindo ao leitor construir, partindo de matéria prima cothida in foco—as Fotografias ~, sua imaginagdo geogtifica do que fossem as reas que o homem branco colonizava para, entdo, tomar brasileiras, “Oeste © Brasil para os Brasileiros” era o titulo de uma revista, uma formula funcional e sintética do rocesso que se queria promover. Mas de quaisbrasileiros se est falando? E as populagdes que 44 ccupavam, ha muito tempo, essas regides vazias? Na fotografia acima, vé-se com clareza qual regio do pais correspondia ao vazio narrado pelos discursos de ocupagao. Nos anos 1930, 9 mapa brasileiro estava ainda mutilado de sua maior part © Oeste ainda precisava ser conquistado para que, “brevemente”, fosse também brasileiro, A seografia imaginada foi criativa e eficaz ao ponto de alegorizar a cartografia do pais. Durante todos esses anos, Mario Baldi atuou no fotojomalismo brasileiro e europeu e, através de sua experiéncia fotogrifica, fez essa mediagdo entre mundos diferentes, aticulando fotografia, espago, lugar e paisagem. litoral correspondia ao Brasil e MUSEU STON NACIONAL

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