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ano 17 -n, 65 | janeiro/marco - 2019 Belo Horizonte | p. 1-268 | ISSN 16787102 R. de Dir. Pablico da Economia — RDPE Revista de Direito PUBLICO DA ECONOMIA RDPE FCRUM (CONHECIMENTO JURIDICO Fundos de Investimento em Direitos Credit6rios — FIDCs e 0 seu papel relevante para o desenvolvimento da infraestrutura pUblica André Castro Carvalho Posdautor no Massechusetts Institute of Technology - MIT (2016) ¢ na Universidade Ge Sao Paulo (2018). Professor de Pésgraduaco e Educacdo Executive em escoles de egécios em $0 Paulo, Otavio Venturini Mestrando em Direito © Deservohimento pete Escola de Diteto da Fundago Getullo. \Vatgas/SP. Graduedo em Dirito pela Universidade Presbiteriane Mackenzie com mobi. lidade académica para @ Universidade de Coimbra (Portugal). Professor em Cursos de Pas-graduiagdo de Dieito Pablica e Complisnee. Resumo: 0 Brasil esté incentivando, cada vez mais, novas ferramentas io mercado fnanceiro para irvestimentos em infreestrutura. Este texto visa analisar brevemente es “debentures incentivedas Dara infreestrutura” e as posteriores alteragdes na Lei n? 12.431/2011, 2 aual previu a inelusao dos Fundos de Investimento em Dirsitos Creditérios (FIDCs) © os Certificados de Recebivels Imobiliérios (CRs) no (ol de benefcios fiscais pera investidores em infreestrutura no meccaco financetr, Palavras-chaver infraestrutura; Fundos de Investimenta em Diretos Crecitérios (FIDC); beneficios ‘iscals; SPE: securtizagao, ‘Sumario: Inrodugdo — 2. Breve histérico da evolucdo fegislatva — 2 Os Fundos de Imestimento em Direltos Crecitérios ~ IDCs — 3 A evolugao normatva na regulamentacdo dos Fundos de investimento em Direitos Crecitros — FIDGs e a prescinclblidade de constitulgdo de SPE ~Conclusdo —Referéncies eee eee Introducao Medidas de fomento a infraestrutura piblica t8m sido uma das principals Preocupacées externadas pelos governos de todas as esferas federativas nos diti- Mos anos, 0 que pode ser constatado pelas constantes alteracdes no ortenamento Juridico pétrio. Depois do uso intensivo de medidas /ato sensude parcerias entre 0 Estado e a iniciativa privada— em geral, mais de cunho administrative (contratos), © no preponderantemente legiferante -, 0 ordenamento juridico vem também tentando conjugar 0 setor de infraestrutura com outra seara de alavancagem de ee Ed de Dc bcos Economia ROPE | elo Heron, ano 27, n 65, p43, n/m, 2089 43 —————"—_~_=S—srs—sG(—aF—efem vont CASTRO CARUALHO, investimentos: 0 meroado inary adveio com a Lei ré 12. investidores tos de beneficios fiscais © ‘tulos mobiliérios, eanalizou esforgos a utilizact strutura palica, Desa forma; © investidor NO teria uma excelente opgeo oe custo tributério seria consideravelmente 1 financeiro para o fomerto & inffee mercado financeiro como “coinvestidor” nesses projetos- © papel relevante por parte das in foi tema de outra abordagern ~ naquele as concessées de services analisada historicamente @ vistumbradas pelo trouxe novamente & balla forma com a discussa0 Creditérios ~ FIDCS ness processo. 4. Breve hist6rico da evolugao Segundo destacado no introito, & froto da Medida Provisoria 547/10, a0 traze' remo escope se veer de ferramentas Tnfraestrutura pablica por melo de investidores: Ak principal preacupacao 6°" 18547/2010, contida n& Exposi¢ao sera MDIG/MC/MCT/MEC/MME/MP (Mensagem ‘construgao de urn mercado privado de fi tacar que embora se]2 pectivas de Hestas perspectives demande & para os projetos de maior maturacao, ipiciative privada como fonte ‘complem Diante dessa avaliacao, ° vefoulo ° em prol da infraestrutura fol & emissao de ds ino mercado financelr, de debentures incentivadas Pare mente denominada, projetos de infraestruture- Frente @ ISS fue uma sociedad de Propest® espe eredade por agoes, posse CADET Tr visando implementar opt = ee 44 "a debe, Pon da anor ceiro, Uma das primeiras iniciatvas nesse sentido 431, de 24 de junho fh Let n® 12.438/2011, embore ‘terha regulado espectficamente os efet pablicos (CARVALHO, diploma normativo mencionado no parégrafe anterior, de incentiv titulos mobilirios ~ € 2 fe0ente incluso, ‘de Motivos Interministeria 19. Jouvével a constatagao de que ‘erescimento econemicd, & necessario re ‘construgao de uma nova ventar de funding”. projetos de investimento 2 avo VENTURI _ de 2011. ‘no mercado financelro em” determinados jo de mecanismos de mercado nvestimento, na qual 0 Seu mruzido para que fosse pOSsIvel atuar stituigdes financeiras n& infraestrutura J “caso, na cessao fiduciétia de recebiveis ‘013a). Neste trabalho, ser8 ‘as ferramentas de estimulo foram o qual is 2 infraestruture por meio de ‘dos Fundos de Investimento em Direitos 10 ess legislative Lei n? 12.431, de 24 de Junho de 2011, + medias de beneticio fiscal, teVe do mercado financelro pare cestimular @ no mercado financelr©. ‘dernada na Medida Provisoria 14/2010 MF/ ne 788), & justamente sviabilizar @ jamerto de fongo prazo. importa des Brasil apresenta boss Pers” conhecer que a convalidacso pase de financiamento pela maior participacae 4 mental ©? inane que perpass@ vislumbrado para operacdes finanoeiras ebéntures, @ qual passou 8 Se° comu- > artigo 22 da Lei né 12.434/2%, prevé SPE, constituida sob a forma de ‘meio de emissao de depentures rea de infraestrutura. cific — SOS POF _ Gore ae Wor an 7, -65,0 4950 A 19 FUNDOS DE INVESTIMENTO EM DREITOS CREDTORICS ~ ADCS EO SEU PAPEL RELEIANTE. Tal debénture seria incentivada, porquanto prevé, consoante os incisos | € Ni do indigitado artigo: i) aliquota zero de Imposto sobre a renda, exclusivamente na fonte, para pessoa fisica, e ii) 15% para pessoa juridica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado, pessoa juridica isenta ou optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadacao de Tributos e ContribuicSes devides pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional). Essas debéntures poderiam também ser emitidas por concessionérias, per- missionérias, autorizatérias ou arrendatérias de servigo ptiblico, constituidas sob a forma de sociedade por ages, podendo, ainda, ser emitidas por sociedades con- troladoras das pessoas juridicas mencionadas, desde que constituidas na forma de sociedade por agdes (§§1%A e 1°8 do art. 2* da Lei). Seria 0 caso de uma holding que deteria, em sua cartela, diversas concessionarias ou permissionérias, de servigos pablicos, quem poderia, igualmente, emitir debentures incentivadas. Um dos conceitos que ficou pendente de regulamentagao mediante lei foi a “rea de infraestrutura” referida pelo comando legal. Para enquadramento dos projetos, 0 artigo 22 exige ainda que eles sejam considerados como prioritérios na forma regulamentada pelo Poder Executivo federal. Por essa razéo, a locugéo “projetos prioritérios de infraestrutura” é 0 que se passa a examinar a seguir. 1.1 Conceito de infraestrutura para fins de enquadramento nos beneficios fiscais Conceituar juridicamente o que vem a ser infraestrutura nunca foi uma tarefa simples para a doutrina e jurisprudéncia brasileira. Embora se prefira sempre definia por meio de uma listagem dos setores que esto englobados (por exem- plo, transportes ou saneamento bésico) — 0 que se denomina de classificagao taxionémica -, sempre houve um esforgo doutrinério em tentar imprimir certa racionalidade juridica nessa definicéo. Uma tentativa, em nossa visdo, é represen- tada pelo excerto abaixo: AAs infraestruturas sao instalagdes essencials artificiais clvis ou mi- litares - mas de uso civil -, com nés e enlaces que acaretam 0 ‘efeito rede’, devidamente dimensionadas no tempo e espaco, ser- Vindo como um instrumento ao desenvolvimento econdmico e social. Sao consideradas como bens mistos sob a dtica dos bens piblices, exibem principios que as caracterizam, e possuem propriedades téc- niicas, econémicas e institucionais que as diferem dos demais inves: timentos, pablicos ou privados. As infraestruturas materials (econdmicas) podem ser locais, regio- nais, nacionais ou transacionais [sic]. Taxonomicamente, a infraestru- ture € um género, subdividinde-se em setores operados por indlstrias, em espécies (subsistemas fisicos) determinadas. Tais setores, dee. Pibico de Eeanomia ROPE Selo Horaante, no 47, 65, p. 4358, jn /rmar 2028 45 ANDRE CASTRO CARVALHO, OTAVO VENTURINE ‘atualmente, so representados por quatro categorias: saneamento bsico, telecomunicagoes, energia e transportes. Como indtistrias, consideram-se aquelas que exploram a prdpria infraestrutura e os servigos piilicos correlatos (como transporte pablioo, distribuigao de 865, energia, agua e esgoto e servicas de telecomunicacdes) nos Subsistemas fisicos (rodovias, ferrovias, dutovias, portos, aeropor tos, hidrovias, antenas de telecomunicagées, torres de transmissao @ postes de energia). (CARVALHO, 2013b, p. 153-54) Um fato que se pode subsumir 2 essa tentativa é que uma definigéio doutri- néria, consequentemente, acaba redundando na classificagao taxionémica, para Que haja um conceito funcional de infraestrutura. Dal que se queda possivel, por conseguinte, identificar o cardter complementar dessa classificago no processo de definicao de infraestrutura para fins juridicos. Embora a importancia em se tragar uma definicdo juridica tenha sido contestada nos meios académicos, a sua Utilidade “prética” provou-se com o advento de necessidade de regulamentacao da Lei n® 12.434/2011, no que se refere & definico de projetos prioritérios de infraestrutura. Foi imprescindivel, a partir de entéo, saber o que é infraestrutura em termos Juridicos — e quais s8o os seus setores prioritarios — para que esses projetos Pudessem ser agraciados com essa modalidade de financiamento. Com vistas a regulamentar as condicdes para aprovacéo dos projetos de investimento conside- rados como prioritérios na area de infraestrutura, 0 Governo Federal editou inicial- mente 0 Decreto n® 7.603/2011, que foi revogado posteriormente pelo Decreto nt 8.874, de 11 de outubro de 2016. Nos termos do artigo 2° do atual Decreto: Art. 2° S20 considerados prioritarios 0s projetos de investimento na rea de infraestruture ou de produgo econdmica intensiva em pes- quisa, desenvolvimento e inovagao: | objeto de processo de concessao, permissao, arrendamento, au- torizagao ou parceria piblicoprivada, nos termos da Lei n? 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e que integrem 0 Programa de Parcerias de Investimentos ~ PPI, de que trata a Lei n® 13.334, de 13 de setem- bro de 2026, ou o programa que venha a sucedélo; ou |N—ndo aleangados pelo disposte no inciso | do caput, mas aprovados elo Ministério setorial responsével e realizados por concessionéria, ermissionéria, autorizataria, arrendatéria ou Sociedade de Propésito Especifico ~ SPE, 812 Os projetos de investimento devem visar & implantagéo, am- pliagao, manutencao, recuperacao, adequagao ou modemizacdo de empreendimentos em infraestrutura, entre outros, dos seguintes setores: | logistica ¢ transporte; 11 mobilidade urbana; 46 A. de Dr. Plc 6 Econemia ROPE! Belo Horton, ano 17, n. 65 p. 4359, jan/mar 2029 NGOS DE IWVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORICS—AOCS € 0 SEU PAPEL RELEVANT. ul energies 1V- telecomunicagées; V- radioditusdo; I~ saneamento basico; € Vil ~irigacao. §2* 0s projetos de produgao econdmica intensiva em pesquisa, de- ‘Senvolvimento € inovagao so aqueles com o propésito de introduzir Processos, produtos ou servigos inovadores, conforme os principios, 08 conceitos ¢ as diretrizes definidas nas politicas de ciéncia, tecno. logia e inovagao e de desenvolvimento industrial §3* As despesas de outorga dos empreendimentos de infraestrutura fazem parte do projeto de investimento. (grifo nosso) Destacamos 0 termo Setores de infraestrutura porque o Decreto correta- mente assim os denominou — diferentemente do comando legal que o fundamen- fou, que trata como areas de infraestrutura-, corrigindo, dessa maneira, a atecnia legislativa veiculada no artigo 2° da Lei n® 12.431/2011. Nao hé como se afirmar, portanto, que tal regulamentagdo define taxiono- Imicamente 0 que vem a ser infraestrutura sob 0 aspecto juridico — 0 que reforca, também, 0 seu caréter complementar na definigéo juridica de infraestrutura, A regulamentagéo infralegal, em termos de ciéncia do direito, é justamente um ato Ge autoridade administrativa de caréter excepcionaf! — 0 que leva a conclusde de gue, na defini¢ao de conceitos juridicos, tal atividade também deva ser conside- ‘ada ad hoc. € sob essa concepeao que esse conceito juridico de infraestrutura deve ser considerado, 2 Os Fundos de Investimento em Direitos Creditérios — IDCs A insereao das debéntures incentivadas para infraestrutura dentro da siste- mética de beneficios fiscais de indugéio econémica, j& em franca utilizagao nas mais diversas atividades econdmicas, acarretou a sua proficua utilizagio pelo mercado de capitais. Com a regulamentacao pelo decreto, havia a necessidade de portarias tragando as regres gerais para a apresentagdo desses Projetos €m cada Ministério, concemente & competéncia da respectiva pasta. Alguns Ministérios editaram a regulamentagdo a respeito, quais sejam: Ministério dos Transportes, Portas ¢ Aviacao Civil, Ministério de Minas e Energia, Ministério da paren, 04 nse, pare ceros casos excepconas, 08 eo govero competéncia pao, no lugar do fais ene odes 88 tormas gerais necessérias ou apenas cea tomas gels As none Ge tos, oug byt ndo do partment, mas de uma autordade administatve, obo designades cone aoe 10s, ave Posem ser decretos reguamentadores ou decretos ei" KELSEN, 198, p. 285, gifos resces) pa pea Ec eee de De. Pien da Enema ROPE! Belo Horzote, no 27,65, p 4968, jn mar 2010 47 NORE CASTRO CARUALHO, CTAVIO VENTURINE Integragaio Nacional, Ministério da Ciéncia, Tecnologia, Inovagdes e Comunicagdes e Ministério das Cidades (ANBIMA, 2013b, p. 2-4 € ANBIMA, 2017, p. 96-123). Além da possibilidade de emissao de debéntures incentivadas, 0 mercado sempre defendeu que era imprescindivel estender os beneficios a outros veiculos de mercado financeiro que, além de segregarem melhor o risco das operagées, possibilitariam malor capacidade de endividamento dos agentes responsavels pela implementacdo e gestao desses projetos. Isso porque quando uma debénture & emitida pela propria SPE que presta o servigo piblico, sem a constituicgo de uma nova SPE “filhote” da anterior (subsididria), a segregacao do risco nao é operada em sua plenitude, além de trazer a diminuigao da capacidade de endividamento da prépria SPE (a que emitiu os titulos) para operagées ulteriores. Dai surgiu a ideia de estender o incentivo também aos Fundos de Investimento em Direitos Creditérios — FIDCs ¢ aos Certificados de Recebiveis Imobi CRs, os quais, embora de estruturacdo mais complexa do que a da emissao de debéntures pela propria SPE responsével pelo servico piblico, permitiriam mitigar 08 riscos envolvidos na operagao. rios ~ 2.1 Debéntures emitidas por SPE, Certificados de Recebiveis Imobiliarios - CRIs e Fundos de Investimento em Direitos Creditérios - FIDCs Apesar de todos serem veiculos de mercado de capitais utilizados para cap- tago de recursos, os trés exibem alguns aspectos especificos que os diferem entre si, Isso tem impacto, por exemplo, no custo da prépria operagao financeira caso seja capitaneada via FIDC, debénture ou CRI. Tanto para a emissao de debéntures incentivadas como para CRIs, a neces- sidade de uma sociedade anénima € imperiosa por determinacao legal. No pr- meiro caso, a emissao se da pela propria empresa, enquanto que, no segundo, @ fim de segregar o risco da operagao, 0s CRIs sao emitides por empresa securitize dora de recebiveis imobilidrios, as quais podem assumir a qualificagao de SPE se estiverem restritas a um projeto especifico. CRI, definido na Lei n? 9514/1997, representa um titulo de crédito nomi- huativo consubstanciado em créditos imobiligrios, de emissao exclusiva de compa- nhias securitizadoras de recebiveis imobiliérios, também constituidas na forma de sociedade por agdes (e desde que seja instituic&o nao financeira). 0 titulo representa uma operagao restrita a securitizagdes no mercado imo- billério, © qual nao é propriamente dito um setor de infraestrutura. Para tanto, na nossa visdo, a regulamentacdo infralegal teria que se restringir a operacdes relacionadas @ infraestrutura urbana — ou Seja, mais préxima do conceito de intra- estrutura social, como urbanizagéo de assentamentos precérios, reconfiguragdes. 48 de Dir, Pobico ds Ezonamia~ ROPE | Belo Herzen, ano 47.65, p. 4358, fn./mex. 2019 FINDOS DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORS - ADCS & 0 SEU PAPEL RELEWNTE ce regides favelizadas ou revitalizagéo de regiées degradadas ~ ou infraestrutura econémica, como operagies urbanas consorciadas. No caso das debéntures, a peculiaridade € que realmente haja, para uma oferta piblica, @ operacionalizagéo mediante uma empresa constituida sob a forma de sociedade anénima para a sua emissao (artigo 52 e seguintes da Lei n? 6.404/1976) ~ muito embora exista entendimento doutrinério que outras formas societérias também tém 0 condo de emitir debéntures, mas que ndo convém ser discutide nesse caso (até porque 0 préprio artigo 28, §12A da Lei, limitou 0 beneficio para sociedade por ages). © FIDC, por sua vez, regulamontado pela Instrugo CVM n? 2356/2004, representa uma comunhdo de recursos que destina parcela preponderante do respectivo patrimdnio liquido para a aplicag8o em direitos creditbrios. Nao detém personalidade Juridica e, por conseguinte, néo hé viabllidade juridice para que seja constituido sob qualquer forma societéria, dado que ele é figura independente da sociedade empresarial/ente piblico que é a originadora dos direitos creditérios. Em suma, 0 FIDC 6 um vefculo de financlamento que independe da estruture- cdo societéria do cedente dos direitos oredit6rlos, @ qual, a principio, poderia ser sociedade por acdes, sociedade em comandita simples ou por agdes, sociedade limitada, ou, até mesmo, pessoa juridica de direito ptblico interno, bem como entidade de direito piblico pertencente & Administracdo Indireta. Esta € @ ideia que a ser sustentada a seguir. Logo, os FIDCs, junto com os CRIs, foram vislumbrados como outra possibi- lidade de segregagao do risco das operagies financelras, dissociando-se a figura do gestor e implementador do projeto do responsével pela operacao financeira de captagao de recursos no mercado. E dizer, no caso de debéntures, a propria pessoa juridica responsével pela coperagao e implementagdo responsavel, no seu processo de endividamento, pela emissao de papéis mobiliérios e captago dos recursos; no caso de FIDCs, a pessoa juridica cedente dos direitos creditérios é a responsavel pela implementa- cdo e gestdo do projeto, enquanto que o FIDC é Inoumbido a ter 0 papel de veiculo para a captaco dos recursos e remuneracéo dos investidores. Com isso, diminul- -se 0 grau de endividamento da pessoa juridica e @ avaliagéo do risco da operagao por meio da segregacdo da figura responsavel pela captagao de recursos junto a0, mercado financeiro. Ao justificer a Inclusdo dos FIDCs nos beneficios tributérios, @ Exposigao de Motivos Interministerial n* 50/2012 MDIC/MF/MCTI (Mensagem n? 617), na Medida Proviséria n? 601/2012, inscreve que “[cJomo instrumento de securitize- cdo altemativo 8 emissao de CRI, porém com custo relativamente menor, devem, ser destacados os fundos de investimento em direitos creditérios (FIDC), os quails podem ser direcionados & aplicagao em recebiveis originarios de operagdes de Ot, Pico de Eeonona ROPE Reo Horn, ano 27, n. 6, p. 4959, on. /ma, 2039, 49 ————————— ee ll Avioné cASTRO CARVALHO, ———————EEe realizadas nos mais diversos setores econémicos, inclusive de projetos de infraes- trutura, com perfil de governanca bastante sélido pelo fato da sua administracco poder Ser exercida somente por instituigdo financelra, que atua em segmento sob forte supervisdo governamental”. 3 Aevolucdo normativa na regulamentagéo dos Fundos de Investimento em Direitos Creditorios ~ FIDCs e a prescindibilidade de constitui ao de SPE A ingerqdo dos FIDCs na Lei né 12.431/2014, por meio da Lei r# 12.844/ 2013, trouxe a balla diversas discussées @ que emergiram com @ sua novel previsdo, talvez até pelo lapso temporal que levou o Poder Executivo federal @ regulamenté-la. ‘A primeira questo é que, com a incluso dos FIDGs, seria prescindivel que uma SPE existisse apenas para gerir e implementar 0 projeto, Dessa forma, 0 setor piblico, sobretudo 0s governos municipais e estaduals, poderlam se utilizar dessas figuras para captar recursos no mercado financelfo, ¢ investir em projetos priortérios de infraestrutura, por meio da securitizagao de recebivels © conse: quente cessao do crédito ao FIDC, que repasseria ao ente pablico © valor auferido ‘em mercado pela respectiva emisséo de cotas. ‘A principal vantagem para governos municipais e estaduais optarem pela antecipagio desses recursos por meio da securitizacao de recebivels, € posterior cessao a um FIDC, 6 que, por vezes, esses projetos de infraestrutura contam ‘com um efeito multiplicador oriundo de agdes integradas federativas de politicas pdblicas, como, p. ex., 0 Programa de Aceleracao do Crescimento ~ PAC, em que se faz necessario que 0 ente federativo beneficiado também injete recursos no projeto para fazer jus ao repasse de verbas federais. Discussao sobre essas operacies estruturadas no setor piblico esta sendo travada no TCU no Processo n# 016.585/2009-0, cuja ditima deciso se deu no Acérdéo n° 772/2016 — Plenario. 0 processo, oriundo de representacao formu lada pela Secretaria de Macroavaliagao Governamental (Semag) daquela Corte de Contas, visa perscrutar a natureza juridica das operagies realizadas por alguns ‘entes da federagao para captar recursos junto ao mercado financeiro, por melo de Fundos de Investimento em Direitos Creditérios No Padronizados (FIDCNP).? A investigacao justificasse porque, se reconhecida a natureza de operacao de crédito, 7 Nos termas do §42 do art. 12 a Instragdo C¥M nt 44/2006, considere-se “Nao Padronizado © FIDG cia rota de rvestimento parmita a realzaco de eplcagfes, em qusisquer percentuals de seu patimanio Felldo cm dretos credtaros:[.1Il= decoentes derecetas pibicas oginsias ou davedas da Unio, roe se go Disito Federale dos Munkpios, bem como de suas autaruies e fundegées [..[ de Dw Pibico da Ezoromla ROPE! Belo Horizonte, ano 47,7. 65, p 4350, Jana 2019 seese-4 necesséria a prévia autorizagao do Ministério da Fazenda, a quem cabe Sscalizar 0 cumprimento dos limites e das condicées relatives ao endividamento ce cada ente da Federago, inclusive das empresas por eles controlades, direta ou indiretamente, nos ditames das regras de endividamento piblico oriundas do Gireito financeiro. (0 que sempre se vislumbra como argumento por parte dos érgaos fazen- cérios, quando o tema gravita em tomo de levantamento de recursos financeiros para projetos governamentais de infraestrutura, é a constante necessidade de controle € rastreabilidede de qualquer recurso que goze de benesse fiscal - mais, do controle real de que os recursos levantados em operagdes dessa natu- reza sejam efetivamente aplicados nos projetos enquadrados. Isso porque os recursos auferidos com a operagéo podem ser tredestina- dos, seja “licitamente” @ outros projetos governamentais, seja licitamente para fins espirios. Ante um volume consideravel de operagdes enquadradas, 6 pos- sivel que 0 6rgdo fazendério federal nao tenha como manter 0 controle do efe- tivo cumprimento da destinacao dos recursos agraciados pelos beneficios da Lei né 12.844/2013. A conclusdo € que tal preocupacao poderia ser atenuada pela constituicio de uma SPE para 0 projeto, na qual tanto 0 fluxo financeiro como a execucdo da aco em Infraestrutura pudessem ser mais eficazmente fiscalizados. Por essa razo, o antigo Decreto n# 7.603/2011, ao regulamentar a emissao de debéntures incentivadas, enfatizou, em excesso, a questo da necessidade de SPEs para gestdo e implementacdo do projeto. O artigo 3* do revogado Decreto, 2.8, prescreve que os projets prioritérios devem ser geridos e implementados por SPE constituida para este fim, cabendo & SPE a submissao do projeto & aprovagao do Ministério responsével (art. 4%). Ocorre que @ necessidade de constituigao de SPE, representaria um empecilho burocratico & propria disseminacdo dessas ope- rages estruturadas via FIDCs por entes piiblicos, 0 que acabaria encarecendo a ‘operacao financeira por meio do custo financeiro e politico de constituicao € manu- tengo de uma SPE. No caso de uma pessoa juridica que jé 6 SPE - por exemplo, uma concessionéria de servigo piblico -, esse custo nao existe; mas para uma prefeitura ou governo estadual que deseje ceder seus direitos creditérios para fomentar obras de infraestrutura, a SPE representaria um importante fator a ser considerado para a viabilidade de uma operacdo financeira nesses moldes. E conveniente reparar, no entanto, que para nenhuma das duas situagbes exigida a figura de uma SPE para a realizagao das operagées. 0 fato de uma SPE ser a propria emissora de debéntures incentivadas em projetos de infreestrutura € uma “feliz coincidéncia” em razao de a Lei de Concessées (Lei n? 8.987/1995) @ a Lei de Parcerias PablicoPrivadas (Lei n* 11.079/2004) exigirem, ao cons6r cio vencedor do certame que sagrou 2 melhor proposta ao poder concedente, de Dr, Ponicn de Ezencmia ROPE Belo Honzont, ano 27.65 p 4359, an /ma. 2019, 54 None CASTRO CARMALHO, OTAVO VENTURI aS ‘a constitulgao de uma empresa especifica a fim de explorar © seniGe piiblico transferido & iniciativa privada. S6 que 0 fato de uma empres® estar envolvida com a exploracdo econémica no setor de infraestrutura N80 significa que ela é, necessariamente, uma SPE—ou que esteja sob 0 regime de concessies. Alinhado # isso, howe @ extensdo no novo Decreto para permissionérias ¢ autorizatérias que podem estar constituidas por melo de outras maneiras ae no uma SPE. Desse modo, outras empresas que estejam envolvidas nos projetos—empre- sas tercelrizadas, por exemplo - nao poderiam emir debértures incentivadas se fgo quisessem constituir uma SPE subsidiara, mas sim consUiuit FIDGs e ceder \do, dessa forma, o custo final da operacdo. E justamente esse 0 propésito para o qual houve @ inserc&o dos FIDCs nos beneficlos tributarios jé existentes as debentures incentivadas. Nessa vereda, a Exposigéo de Motives Interministerial r= 50/2012 destaca que “{..]ascaptacdes por meio de DG tendem a ser mals adequadas &s pessoas juridicas de médio e pequeno porte, pois 0s custos de emisséo de debéntures $80 ‘um importante obstaculo 20 acesso desses atores 20 mercado de capitais. Ainda sobre este ponto, como é ae canhecimento de Vossa Exceléncie, & notério 0 papel desempenhado pelas pequenas e médias empresas 7a execugéo de projetos de vnfraestratura, mesmo nos de major porte, sea via contratagéo direta, $2 Via ter ceirizagdo de partes dos projetos que empresas Ou grupos ‘econdmicos de maior porte repassam as de menor porte” (grifos nesses), Nao fazia sentido a exigencia a uma pessoa juridica de constituicao de uma SPE para a posterior constituigao de um FIDG para fins de enquadramento na Lei 78 12,431/20411. Nessa hipdtese, se fosse 0 caso de constitulr US ‘SPE para um projeto especifico, a operacdo natural seria ume emissao de debéntures incentt vada pela SPE recémconstituida, e nao a constitulggo de um FIDC, sob pena de tal ‘exigéncla acarretar um cost overrun ~ plenamente ‘evitével - na operagéio estrut- rada, Em algumas situagoes, @ constituigéo de uma SPE independent poderia até nesino Inviabilzar 0 uso dessa ferramenta por meio dessas Peduenss e médias empresas, como mencionado na Exposica0 de Motivos- ‘Ademais, cumpre colocar em relevo que SPE nao & uma categor™ emprese ial, mas sim quelificadora de ume sociedede empreséria. 0 Cédigo Civil define, em seu artigo 981, pardgrafo Gnico, que a etividade ‘empresarial pode restringi-se + realizagdo de um ou mais negécios determinados. Portanto, ume SPE é uma sociedade que possul, em seu estatuto social, um propésite bem definido e espe- cificado, sendo vedada a realizagéo de outras atividades. € - repise-se ~ uma qualficadora da sociedade empresarial constitulda, © nao uma espécie auténoma de sociedade empresarial. eventual crédito para a emissao de cotas, red 52 Wau Poca Ga Emoria ROPE Bao Hote, ano 47,6; p A380, Jan/ra 2039 FUNDOS DE IWVESTIVENTO EN CIREITOS CREDTERLOS —ADCS A.utlizagdo disseminada de SPE nessas operagées financeiras é por conta ce ela representar, no Brasil, a estrutura cléssica de trust necesséria para a segre- 2c0 dos riscos da originadora do crédito, Ou seja, @ SPE é, societariamente, um exte isolado do gerador do crédito, fato que sensibiliza positivamente os poten- ais investidores quanto ao grau de risco nas operagées de securitizagio. Um ingrediente adicional & discussao é que, inclusive, o fato de, eventual mente, 0 poder piblico constituir uma SPE para @ operacéo via FIDC nao neces: seriamente iré a0 encontro da finalidade de se ter um ente apartado do cedente dos créditos, pois se poderia constituir uma estatal dependent (artigo 2%, Ill, da Lei de Responsabilidade Fiscal), Formalmente, estaria constituida a SPE -e, pare fans societérios, seria um ente dissociado do cedente dos direitos crediterios: materialmente, entretanto, sua fungdo de trust seria comprometida pela propria cecorréncla da legislagdo de direito financeiro que é aplicével as estatais. isso leva 8 conclusdo de que a SPE nao era uma figura imprescindivel nessas operagdes: deve haver, de fato, uma entidade que tenha efetivamente a fungao de trust, independentemente dessa qualificagdo. 0 FIDC, embora despersonalizado, J carrega consigo essa fungao de trust nas securiizacées, de maneira que a exigencia de constituigéo de uma SPE configurava um bis in idem ao se exigir dois trusts para uma mesma operacdo estruturada, custo inconcebivel para essas operagées financeiras. Foi nessa linha a correcdo trazida pelo Decreto 8.874/16. Dessa manera, inexiste exigéncia legal para que os ADCs - ou mesmo para 08 CRIs — sejam SPEs, 0 que representava, na realidade, um contassenso 3 praxe no mercado financeiro nessas operagées estruturadas. E, igualmente, a propria existéncia de SPE nao é uma regra geral na exploragao dos servigos rela- cionados a infraestruturas publicas: € possivel existir outras pessoas juridieas, que néo a propria SPE, envolvidas em um projeto de infraestrutura, como no caso de subcontratagdo nas concessdes de infraestrutura pelas concessionérias ou permissiondrias — 0 que é permitido pelo ordenamento juridico e pelos contratos administrativos celebrados, conforme ja foi destacado alhures. E por essa razBo que, em nenhum momento, a Exposigéo de Motivos Interministerial ressalta eventual necessidade de constituicao de SPE para a cap- taco de recursos por parte dessas empresas pequenas @ de médio porte para a constituiggo de FIDCs — até porque isso praticamente inviabilizaria qualquer operagéo vislumbrada nesses moldes. S6 a titulo de exemplificagio, a SPE estaria sujeita a maior incidéncia de tributos diretos e indiretos do que 0 FIDC. Ademais, 0 custo de estruturagdo de operagao via FIDC é, geralmente, menor do que por meio de emisséo de debéntu- res: em ambas as operagées, so necessérias as participacdes de (I) um banco ‘coordenador lider, responsével pela formatacdo da operagéo; (i) bancos adminis: tradores e gestores para distribuigao 20 mercado primério; (ll) assessoriajuridieay fa 6 Or. Pic da Economia RDPE| Belo Hotzorte ano 17, n- 6, . 43459, Jon/mar. 2029 53 a ..._.. eee NORE CASTRO CARVALHO, CTAVO VENTURI (v) auditoria; (v) empresa de rating. No caso de debéntures, ha a necessidade adicional de (i) agente fiduciério, que estara envolvido na Escritura de Emissao e retirada dos titulos na CETIP; (i) banco mendatério, responsével pelo servigo de liquidagao das operagées; (ill) banco escriturador, que estara responsavel pela prestacdo de servicos de registro dos ativos. Outro ponto a adicionar é que, dificilmente, uma pequena empresa que exe- cute projetos de infraestrutura estaré constituida sob a forma de SPE, pela prépria natureza de prestagéo dos servicos de forma terceirizada, corolario de sua livre atuacéo no mercado. Como consequéncia, a exigéncia infralegal de haver uma SPE (seja ou nao concessionaria, permissionétia, autorizatéria ou arrendatéria) responsével pela gestdo e implementagdo dos projetos estava causando efeitos contrarios & mens legis registrada na Exposicao de Motivos, sendo possivel afir- mar que a regulamentagao infralegal estava indo além do que Ihe seria permitido pela lei, portanto, ilegal. Ovorre que a inicial preocupacao de érgos fazendérios, consoante jé adian tado, poderia ser oriunda de razdo metajuridica, isto , facilitar a rastreabilidade dos recursos que seriam originados pela operacdo com a formago de uma SPE, a fim de que eles nao fossem tergiversados para fins diversos ao da operacao que originou 0 FIDC. Ou seja, por uma mera questo de simplificacdo na fiscalizaao tributéria, a SPE permitiria que 0 controle do fluxo de recursos restasse clare mente identificével para 0 Fisco, considerando o seu propésito especifico para a atividade em comento. No caso de pessoas juridicas de direito pGblico interno ou entidades depen- dentes da Administragao Indireta (como autarquies ou fundagdes), poder-seia supor que 0 controle fiscal restaria dificultado pela magnitude da propria conta- bilidade pablica do ente ou entidade, bem como pelos mecanismos de controle diferenciados para esses 61g80s — 05 préprios prinofplos da unidade e universal dade orgamentéria poderiam ser invocados nesse caso. Dessa forma, ndo se teria como garantir a efetiva fiscalizacdo da aplicagéo dos recursos auferidos no projeto enquadrado, os quais poderiam ser utilizados em outros projetos de interesse do ente federativo ou da entidade da Administracdo Indireta. Entretanto, seria essa outra rezdo metajuridica, até porque 0 proprio enqua- dramento de um projeto de uma concessionaria de servigo piblico nao permite essa perfeita e ritida identificagao, visto que ela nao € uma SPE para um pro- jeto especificamente enquadrado, mas sim uma SPE para a prestaco do servico piiblico em questéo. Geralmente, os projetos enquadrados recebem recursos de outras fontes (vg, as préprias tarifas auferidas ou financiamento via BNDES ou outras institut Ges financeiras). Também cumpre salientar que, no Pais, os financiamentos de Exon ROPE | Belo Horne, sno 27, 65, p 4955, Jannat. 2089 54 de Ov. Pes INDOS DE INVESTIMENTO EM DIRETOS CREDITORS. projeto esto atrelados a um conjunto de garantias, dada a ndo aceltagae do pro- ject finance non recourse por parte das instituigbes financeiras — 0 proprio BNDES ‘enxerga essa modalidade utilizade internacionalmente com severas restrigies.° E, ao final, a perfetta rastreabilidade dos recursos almejada inicialmente pode também ficar comprometida por meio de mecanismos de contabilidade cria- tiva, no representando uma certeza de que a totalidade dos recursos auferidos foi direcionada para 0 projeto enquadrado, podendo ter sido utlizada para outros fins na concessdo ou por conta de direitos ou obrigagées emergentes desses contratos de financiamento. No setor piiblico, 0 quadro é semelhante: suponhamos que 0 Departamento Necional de Infraestrutura de Transportes — DNIT - queira fazer uma operagao de captagdo de recursos via FIDC para fins de investimento em infraestrutura ferrovidria, chegando & conclusdo que 6 desnecesséria a constituicdo de uma SPE, visto que @ sua propria competéncia legal jé foi concebida para a prestacdo desses servigos de transporte. Novamente, considerando que o DNIT nao é SPE, concessionérla, permissionéria, arrendatéria ou autorizatéria de servigo pablico, ndo seria légico, na presente hipdtese, que 0 6rgéo fazendério exigisse que 0 DNIT constituisse uma SPE para tal fim. 0 risco de que os recursos pudessem ser utilizados pelo DNIT em projetos de infraestrutura rodoviéria, fora do enqua- dramento inicial, 6 de mesmo grau daquele que uma concessionéria de rodovia possa utilizar os recursos auferidos na operagao (que pode para a duplicagao da rodovia) para fins diversos dos enquadrados, como para @ recuperacao das vies sob sua responsabilidade. Aliés, a totalidade dos projets de emissfio de debentures autorizados por outros Ministérios para enquadramento nos beneficlos da Lei n* 12.431/2014, segundo observado anteriormente, néo é de uma SPE stricto sensu com a devida venia para se “criar” duas categorias de SPEs para fins argumentativos -, ou Sela, de uma SPE concebida ad hoc somente para 0 projeto enquadrado. As portarias autorizaram a emissao de debéntures para SPE destinada concessao de servico pdblico como um todo. A “feliz coincidéncia” menctonada é justamente pela natur reza de prestacao de servigos pilblicos sob concessao, permisséo ou autorizagao, do havendo relagao com a operacio financeira no mercado. Portanto, a finalidade teleoldgica da Lei néo € demandar que @ gestao e 4 implementacdo dessas operagdes estruturadas sejam realizadas por uma SPE, mas sim exigir que a gesto € a implementagéo sejam desenvolvidas por parte do responsével pela execuedo do projeto. No caso das debentures incentivadas, esse CE CARVALHO, André Castro: CASTRO, Leonardo Feltas de Moraes e. Invoduco a0 Pojete Finance. rt CAALHO, Andeé Castro: GASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (Coord). Manual de Project Finance no Direlto Brasieiro, So Paulo: Quarter Latin, 2036. p. 31-44 4350, on/mar. 2018 55 de ic bla da Koons ROPE | Bela Horizonte, eno ee non CASTRO CARVALHO, OTAWIO VENTURINT eee ra VENT papel diplice & representado pela PE concessionétia; no caso dos FIDCS, no necessariamente esse papel daplice s° verifica empiricamente. ‘Se no — reforgando—, em qualquer tipo de operagao via FIDC aue seje est pulada por um ente pablico (pessoa, Juridica de diretto pablico interno) Ou entidade ga Administracdo indireta (como autarauies, empresas pil 1a ou sociedade de ‘economia mista) teria que hever a previa constituigdo de uma SPE para gesta0 ¢ implementagéo dos projetos vislumbrados COM og recursos da operacao, acer retando 2 mulfiplicagao de sociedades Por ‘ages sob 0 controle do Estado, !s50 colidira, Indubitavelmente, com qualquer politica fiscal responsével dos entes federatios. © exeraplo hipotético do DNIT vai ao encontro dessa situagao pro bblemética que uma interpretacéo equivocada da lei poderia acerretar erm ume eventual mé-regulamentacao- Conclusao por essas razbes, entendemos que andou bem & Decreto n? 8.874, de 14 de outubro de 2016. Ao revogar 0 Decreto in? 7.603/11, dispos em seu att. 3: nt 39 Caberé &s pessoas jurticas interessadas implementagao dos projetos referidos no art. 2* submetélos 208 Ministérios seto- riais responséveis. 2° 0s projetos deverdo ser geridos & implementados pelas Segui tes pessoas juridicas, as quais deverdo ser cconstituidas sob @ forma de sociedade por agdes: | -concessionarias 1 permissionéria: I autorizatériay Iv arrendataria; ou \V~ SPE constituida para esse fim. 22 A pessoa jurcica titular do projet poderé assumir a forma de Gompanhia aberta, com valores mobil ‘no mercado, frios adrritidos a negociag80 g32 A submiss&o do projeto 20 Ministéi® setorial sera efetuada me srante apresentacao de formulério proprio, disponibilizado no sitio atronigo do referido Ministi, acompannado de: Tr ingorgdo, no registo do comerci, do ato conchae da conces- ‘sionatia, permissionaria, autorizatara, Win ‘soa Juridica CNPI da concessionéria, arrendataria ou SPE: In - identificagdo: ‘arrendataria ou SPE: icagdo do nimero da inserigéo no Cadaste, Nacional da Pes permissionéria, autorizataria, ‘9) das pessoas juridicas que integram aconcessionéria, permission fra, autorizataria,atrendataria ou SPE; ou 56 7a bir, Pics da Ezonari~ ROPE| Bo Horizonte oT po 17,1 85,» 4959, loner 2019 FLNDOS DE IWVESTIMENTO EM DIREITOS CREDTOROS - ADCS OSE) PAPEL RELEVANT b) da sociedade controladora, no caso de pessoa juridica titular do projeto, constituida sob a forma de sociedade por agdesi IV - Certidfio Conjunta Negativa de Débites ou Certidao Conjunta Po- sitiva com Efeitos de Negatia relativas a tributos federais e 8 Divida Ativa da Unio; € \V-— outros documentos ou certiddes exigides em ato do Ministério setorial responsavel. {§42 0 Ministério seterial responsavel deverd editar portaria para dis ciplinar os requisites para @ aprovagao do projeto como priortério € @ forma de acompanhamento de sua implementagao. Portanto, 0 que era anterlormente limitado pelo art. 3° do Decreto n* 7.603/11 as sociedades de propésito especifico - SPEs, constituidas para esse sm, fol ampliado para sociedade por agdes, abarcando, alternativamente, as qua- sicadoras: concessionéria; permissionéria; autorizatéria; arrendatéria; ou mesmo SPE, constituida para esse fim. Ademais, 0 “temor extrajuridico” no sentido de que se perderia a restreabili- cade dos recursos quando a operagao fosse capitaneada pela emissao de cotas de ADCs resta praticamente “blindado” societariamente pelas préprias obrige Ses contidas na Lei n® 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Acdes). A preocupacdo é que empresas de infraestrutura que estivessem cons- situidas sob outras formas societarias ~ como, e.g., Sociedade limitada - néo estariam abarcadas pela legislacdo. O eventual impacto restritive desse tipo de regulamentagao teria que ser aveliado cuidadosamente e demandaria um estudo empirico subsequente para verificar 0 que, dentro do trade-off entre rastreabill dade/fomento @ infraestrutura, deveré nortear @ principal preocupacao na futura regulamentacéo. Tal regra funciona perfeitamente para empresas de infraestrutura, podendo, por vezes, néo ser adequada ao setor piblico - que teria que constituir uma estatal nesse formato, Nessa situagao especifica, outra hipétese € que fundos piblicos fagam as vezes de sociedades anénimas na gestdo e implementagao dos projetos. Embora ndo dotado de personalidade juridica, tais fundos apresentam regras claras de governanga e accountability que permitem a rastreabilidade na aplicagao dos recursos auferidos — em geral, definidas pelo ordenamento juridico ‘municipal ou estadual. Isso porque as normas de direito financeiro e de contabill- dade piblica que regem a maioria desses fundos, além da existéncia de intenso controle da sociedade civil por meio de Comités ou Conselhos Gestores, podem senir a suprir esse risco de “desaparecimento” dos recursos em outros projets que no aqueles enquadrados pelo Ministério respective. 57 2. Dr, Police da Economia ROPE! Belo Horizont, ano 27, n. 6, p. 43 {OR CASTRO CARVALHO, TAN VENTURIM es ei No entanto, hé que existir certa uniformidade e peculiaridades para que ‘esses fundos exibam a figura de trust necesséria para a segregagdo do fluxo financeiro € do risco da operacdo. Nessa esteira, novo decreto regulamentador poderia definir quais caracteristicas esses fundos piblicos deveriam exibir, para que possam ter 0 papel de agente gestor dos projetos, e quedarem protegidos de eventuais ingeréncias do implementador (pessoa Juridica de direito pablico interno ou entidade da Administragao Indireta). Essencialmente, deve haver uma especial autonomia perante as decisdes carreadas pelo fundo pablico (embora seja um ente despersonalizado) face a pessoa juridica de direito pdblico intemo/autarquia ou fundagao, quem serao os cedentes dos direitos creditérios e os responsaveis pela implementacao dos refe- ridos projetos, para que 0 referido controle possa ser, de fato, exercido. De todo modo, também se deve aguardar a definigao do TCU no Processo n#.016.585/20094, ainda pendente de julgamento, para saber a amplitude dessas operagdes para o setor ptiblico, conforme debatido neste artigo. Receivable Investment Funds (FIDCS) and its role forthe development of infrastructure Abstract: Brazil Is increasingly encouraging new tools in the financial market for infrastructure Ivestmert. This paper has 88 purpose to briefly analyze the “special infrastructure bonds” and the amencments to Federal Law No. 12,431/ 2014, which set forth the inclusion of the Receivable Investment Funds (FDCs) and the Real Estate Receivables Certificates (CRIs) inthe list of tax benefits ‘or infrastructure investors inthe financial market. Keywords: Infrastructure; Recelvable Investment Funds (FIDC}; tax benefits; SPV; securitization. Referéncias BRASIL. Lei n? 12.431/14. Portarlas autorizativas dos projetos de investimento (atualizada em 43 de dezembro de 2013). 2013a, Im: ANBIMA. Disponivel em: . Acesso em: 19 dez. 2013, Lei n? 12.431/14. Portarias Ministeriais ~ requisites (atualizada em 26 de agosto de 3013), 20136. In: ANBIMA. Disponivel em: , Acesso em: 19 dez. 2013. Lei nt 42.431/14. Portarias Ministerials ~ requisites (atualizada em 26 de agosto de BOIS). 2017. Im ANBIMA, Disporivel em: . Acesso em: 16 fev. 2013. CARVALHO, André Castro. A relago entre bancos € infraestrutura é promissora. GonsultorJurdico, 130 out. 2043. Disporivel em: . Acesso em: 23 dez. 2043. 58 de Dir. Poco da Ezonora ROPE Bao Horzonte, sno 47, 1.65, p 4359, jn/rmar. 2028 ‘FINDOS DE INVESTIMENTO EM DIRETOS CREDTORCS — ADCS £0 SEU PAPEL RELEANTE ____. infraestrutura sob uma perspectiva plblica: instrumentos para 0 seu desenvolvimento. exe (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de S20 Peulo, 2013b, 608. ; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e. Introdueo a0 Projete Finance. In: CARVALHO, Fnaeé Castro; CASTRO, Leonardo Freitas de Morees e (Coord.). Manual de Project Finance no Decito Brasileiro, S20 Paulo: Quartier Latin, 2046. p. 31-44. FERRAZ JONIOR, Terclo Sampaio. Introdugdo ao estudo do direite: técnica, deciséo, dominagéo. 4.4, Sao Paulo: Atlas, 2008, KELSEN, Hans. Teoria pura do direlto. Tradugée de Jodo Batista Machado. 6. ed. S80 Paulo: Martins Fontes, 1998. y= Informacdo biblogrfica deste texto, conforme a NBR G023:2002 da Associagdo Brasilia de Normas Técnicas (ABNT): CARVALHO, André Castro; VENTURINI, Otavio. Fundos de Investimento em Diretos Crecitries ~ FIDCs e 0 seu pepel relevante para 0 desenvolvimento a infraestrutura plies. Revista de Direito Pablice de Economia~ ROPE. Belo Horizonte, ano 17, n. 65, 8. 4359, jan,/mer. 2019. ‘Aprovado em: 42.02.2019 Fd Dr, Pic da Ezenoma ROPE Belo Horton, ano 7, n. 6, p. 4359, Jon. /mar. 2018

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