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“O investigador que não lê russo, como é o meu caso, e tomou contato com
os escritos de Bakhtin a partir das traduções em doses homeopáticas,
descobre, num certo ponto desse diálogo, que ‘a conversa é para teias de
aranha’. Um jogo de entonações, propósitos e silêncios chega através de
diferentes assinaturas – Bakhtin, Voloshinov, Medvedev – e do filtro tradutor
que, confinado às especificidades de cada língua, converte-se em coautor,
multiplicando os participantes dessa prosa” “Bakhtin afirma que tudo que é
expresso por um falante, por um enunciador, não pertence só a ele. Em todo
o discurso são percebidas vozes, Às vezes infinitamente distantes, anônimas,
quase impessoais, quase imperceptíveis, assim como as vozes próximas que
ecoam simultaneamente no momento da fala” ( “o escritor como dramaturgo
Para Bakhtin, toda voz autenticamente criadora só pode ser uma segunda voz
dentro do discurso, na medida em que o escritor é alguém capaz de trabalhar a
língua situando-se fora dela, alguém que possui o dom da fala indireta” “a
compreensão de um enunciado é sempre dialógica, por implica a participação
de um terceiro que acaba penetrando o enunciado na medida em que a
compreensão é um momento constitutivo do enunciado, do sistema dialógico
exigido por ele. Isso significa que, de alguma maneira, esse terceiro interfere
no sentido total em que se inseriu. Esse jogo dramático das vozes,
denominado dialogismo ou polifonia, ou mesmo intertextualidade, […] torna
multidimensional a representação e […], sem buscar uma síntese do conjunto,
mas ao contrário uma tensão dialética, configura a arquitetura própria de todo
discurso. ”
“Quando o semanticista russo foi introduzido no Ocidente, provocou vivo
interesse. No entanto, seu pensamento foi um pouco empobrecido. À rica e
multifacetada concepção do dialogismo em Bakhtin se opôs o conceito
redutor, pobre e, ao mesmo tempo, vago e impreciso de intertextualidade. Foi
Kristeva quem, no ambiente do estruturalismo francês dos anos 60, pôs em
voga esse conceito. ” “O conceito de intertextualidade concerne ao processo
de construção, reprodução ou transformação do sentido
“Se distinguimos a noção de discurso da noção de texto, temos que diferençar
interdiscursividade e intertextualidade. Tanto um fenômeno quanto outro
dizem respeito à presença de duas vozes num mesmo segmento discursivo ou
textual. No entanto, eles apresentam também diferenças “A intertextualidade é
o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o
sentido incorporado, seja para transformá-lo. Há de haver três processos de
intertextualidade: a citação, a alusão e a estilização. ”
“O primeiro processo- a citação – pode confirmar ou alterar o sentido do texto
citado. É claro que não nos interessam aqui citações de textos não-artísticos,
que devem ser explícitas, ou seja, em que a fonte aparece ao pé-da-página.
“O outro processo de relação intertextual é a alusão. Neste, não se citam as
palavras […], mas reproduzem-se construções sintáticas em que certas figuras
são substituídas por outras, sendo que todas mantêm relações hiperonímicas
com o mesmo hiperônimo ou são figurativizações do mesmo tema.
Os dois primeiros versos da ‘Canção do Exílio’ de Murilo Mendes aludem aos
dois primeiros versos da ‘Canção do Exílio’ de Gonçalves Dias:
O texto de Murilo faz alusão ao texto de Gonçalves Dias para construir um
sentido oposto ao do poema gonçalvino, para estabelecer uma polêmica com
“A estilização é a reprodução do conjunto dos procedimentos do ‘discurso de
outrem’, isto é, do estilo de outrem. Estilos devem ser entendidos aqui como o
conjunto das recorrências formais tanto no plano da expressão quanto no
plano do conteúdo que produzem um efeito de sentido de individualização.
Também a estilização pode ser polêmica ou contratual.
“A citação ocorre quando um discurso repete ‘ideias’, isto é, percursos
temáticos e/ou figurativos de outros.
Havia, nesse discurso [da situação na ditadura militar], ênfase nos percursos
temáticos da moralização, da modernização, da Ascenção social, da
redistribuição de renda pela ‘mão invisível, da manutenção da ordem. ”
“Todos os discursos que repetem os mesmos percursos temáticos e/ou
figurativos, isto é, os que mantêm uma relação contratual, pertencem a uma
mesma formação discursiva. Cabe lembrar, porém, que também podem existir
relações contratuais, embora bastante tênues, entre formações discursivas
distintas. ”
“O outro processo interdiscursivo é a alusão que ocorre quando se incorporam
temas e/ou figuras de um discurso que vai servir de contexto (unidade maior)
para a compreensão do que foi incorporado.
“A interdiscursividade não implica a intertextualidade, embora o contrário
seja verdadeiro, pois, ao se referir a um texto, o enunciador se refere, também,
ao discurso que ele manifesta”
“O homem está inelutavelmente preso ao outro naquilo que há de mais
caracteristicamente humano, a linguagem. A alteridade é uma dimensão
constitutiva do sentido. Não há identidade discursiva sem a presença do outro.
Poderíamos até constituir o seguinte mote: fora da relação com o outro, não há
sentido. Também nosso mote não escapa ao outro. Nele ressoa a divisa
“As influências extratextuais têm uma importância muito especial nas
primeiras fases do desenvolvimento do homem. Estas influências estão
revestidas de palavras (ou de outros signos) e estas palavras pertencem a
outras pessoas: antes de mais nada, trata-se das palavras da mãe. Depois, estas
‘palavras alheias’ se reelaboram dialogicamente em ‘palavras próprias alheias’
com a ajuda de outras ‘palavras alheias’ (anteriormente ouvidas) e, em
seguida, já em palavras próprias (com a perda das aspas, para falar
metaforicamente) que já possuem um caráter
As palavras alheias se tornam anônimas, se apropriam (de forma reelaborada,
é claro): a consciência se monologiza.
A consciência criativa, ao tornar-se monológica, se completa pelos anônimos.
Este processo de monologização é muito importante. Depois a consciência
monologizada como um todo único inicia um novo diálogo (com novas vozes
“Tudo o que me concerne chega à minha consciência, começando pelo meu
nome, vindo do mundo exterior através das palavras dos outros (a mãe, etc.),
com sua entonação, sua tonalidade emocional e valorativa. Eu me conheço
inicialmente através dos outros: deles recebo palavras, formas, tonalidade,
para formar uma noção inicial de mim mesmo.
Como o corpo se forma inicialmente dentro do seio materno (corpo), assim a
consciência do homem desperta envolvida na consciência alheia.
E mais tarde começa a aplicação sobre si mesmo de palavras e
categorias neutras, isto é, a definição de si mesmo como pessoa sem relação
com o eu e com o outro. “[de uma] tensão entre a autoria como instância
monológica que cria personagens concluídos e a autoria enquanto espaço que
se abre para que o personagem ganhe, como sujeito, a possibilidade de não
coincidir consigo mesmo e de permanecer inconcluso, que emerge no livro
sobre Dostoievski a oposição entre romance monológico e romance
“O texto como elo ‘na cadeia histórica da comunicação discursiva’ supõe
tantas relações dialéticas entre textos e seus sentidos quanto relações
dialógicas entre textos e seus sujeitos, já que ‘os sentidos se distribuem por
diferentes vozes’.
“Dessa elaboração surge a figura do autor [polifônico] como um terceiro,
identificado negativamente por não-assimilável às vozes-sujeitos que se
cruzam no discurso, e que atua como um dramaturgo, ‘no sentido de que
qualquer discurso aparece em sua obra distribuído entre as vozes alheias’,
incluindo-se aí sua própria imagem que, por representada, não coincide com
ele autor, instância de representação.
“[Bakhtin] trata da polifonia caracterizando-a como multiplicidade de vozes e
consciências independentes e distintas que representam pontos de vista sobre
o mundo. O romance polifônico é inteiramente dialógico e a palavra literária
não pode ser tomada isoladamente, mas representa a ‘intersecção de
superfícies textuais’, o diálogo de diversas escrituras, isto é, a do contexto
atual e a de contextos anteriores “A noção de dialogismo – escrita em que se
lê o outro, o discurso do outro – remete a outra, explicitada por Kristeva ao
sugerir que Bakhtin, ao falar de duas vozes coexistindo num texto, isto é, de
um texto como atração e rejeição, resgate e repelência de outros textos, teria
apresentado a ideia de intertextualidade
Horizontal: sujeito da escritura – destinatário -> instaura o diálogo