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A MUDANÇA DE ÉPOCA E O CONTEXTO GLOBAL CAMBIANTE

IMPLICAÇÕES PARA A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM ORGANIZAÇÕES DE DESENVOLVIMENTO1


José de Souza Silva2
Pesquisador da EMBRAPA Algodão
souza@cnpa@embrapa.br

Gerente da Rede Novo Paradigma para a inovação institucional na América Latina


josedesouzasilva@gmail.com

(2003)

1
Citação correta: De Souza Silva, José. (2004b). “A mudança de Época e o Contexto Global Cambiante:
Implicações para a mudança institucional em organizações de desenvolvimento”, pp. 65-110, em Suzana Valle
Lima (Ed) Mudança Organizacional: Teoria e Gestão. Brasília, Brasil: Fundação Getúlio Vargas (FGV).
2
Engenheiro Agrônomo de Areia, Paraíba. Trabalhou na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da
Paraíba (EMATER-PB) entre 1975 e 1978, na Secretaria de Agricultura da Paraíba (SEAGRI-PB) entre 1978 e
1979, e no Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semi-Árido (CPATSA), da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), entre 1979 e 1984, em Petrolina, Pernambuco. Fez curso de Mestrado em Sociologia
da Agricultura, e Ph.D. em Sociologia da Ciência e Tecnologia, na University of Kentucky, EUA. Foi Gerente da
Secretaria de Gestão Estratégica da EMBRAPA entre 1990 e 1993, em Brasília, Brasil, Superintendente da
Secretaria de Apoio aos Sistemas Estaduais de Pesquisa Agropecuária (SSE) da EMBRAPA entre 1993 e 1994, em
Brasília, Brasil, Oficial Superior da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) entre
1994 e 1995, em Roma, Itália, e Gerente do Projeto de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação do
International Service for National Agricultural Research (ISNAR) entre 1995 e 2004, na Haia, Paises Baixos.
Atualmente é Pesquisador da EMBRAPA sobre as relações Ciência-Tecnologia-Sociedade-Inovação (CTSI), desde
Setembro de 2006, em Campina Grande, Paraíba, e Gerente da Rede Novo Paradigma para a inovação
institucional na América Latina, em Campina Grande, Paraíba.
De Souza Silva, José A mudança de época

INTRODUCAO
“Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas”
(Indígenas Aymara, Região Andina)

Nunca tantos líderes e gerentes estiveram tão pressionados para mudar, sem entender “por
que” devem mudar, o “que” deve ser mudado e para benefício de “quem” a mudança deve ocorrer.
Perplexos, muitos se refugiam nas perguntas do tipo “como” mudar, transformando-se em reféns de
propostas instrumentais, como planejamento estratégico, qualidade total e reengenharia. Suas
organizações realizam mudanças em busca de sustentabilidade , sem compreender a gênese de sua
vulnerabilidade nem como esta se manifesta. A maioria se satisfaz com um novo documento, sem
construir um novo comportamento a partir de uma visão de mundo inspiradora de novos modos de
interpretação e de intervenção. Tudo por apoiarem-se numa falsa premissa - “a organização vai mal,
precisa mudar”, que gera falsas promessas e soluções inadequadas.

Para inspirar e orientar a mudança institucional, a Rede “Novo Paradigma”, do International


Service for National Agricultural Research (ISNAR), interpreta que a humanidade experimenta
uma mudança de época (De Souza Silva et al. 2001a). Sob esta premissa, as atuais mudanças
globais não pertencem à época do industrialismo; elas forjam uma nova época. Os efeitos cruzados de
três revoluções—tecnológica, econômica e sociocultural—estão criando um mundo qualitativamente
diferente, mas não necessariamente melhor. Por isso, estamos todos vulneráveis: do cidadão ao
Planeta. Varia apenas o grau de vulnerabilidade entre diferentes continentes, nações, setores,
organizações, comunidades, grupos sociais e indivíduos.

O fenômeno da mudança de época explica a crise de percepção que fragmenta a consistência


interna—coerência—de modos de interpretação e a gênese da vulnerabilidade institucional que
fragmenta a consistência externa—correspondência—entre modos de intervenção e o contexto de
sua aplicação e implicações. A vulnerabilidade institucional—crise de legitimidade das “regras do jogo”
do desenvolvimento—é um problema social porque afeta todas as organizações que interessam à
sociedade. A premissa da mudança de época inspira e orienta processos de mudança institucional,
porque exerce uma pressão criativa para mudar nossa forma de interpretar a realidade para
compreendê-la e de intervir para transformá-la. Uma mudança de época também muda a natureza de
nossas perguntas, problemas e respostas.

Este relatório: (i) chama atenção para a relevância dos conceitos de coerência e
correspondência nos processos de mudança institucional; (ii) interpreta a gênese da atual mudança
de época; (iii) identifica os processos globais de mudança que são os epicentros da atual
vulnerabilidade institucional; e (iv) articula três conjuntos de premissas para a construção de cenários
orientadores da mudança institucional, a partir das visões de mundo em conflito—mecânica,
econômica e contextual—que competem para influenciar a dimensão institucional (“regras do jogo”)
do desenvolvimento da época emergente. O capítulo conclui que, no contexto das contradições da
atual mudança de época e das características da época emergente, os processos de mudança
institucional devem necessariamente construir novos modos de interpretação—nova coerência —e
novos modos de intervenção—nova correspondência .

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De Souza Silva, José A mudança de época

MUDANÇA INSTITUCIONAL
A ETERNA BUSCA POR COERÊNCIA E CORRESPONDÊNCIA

Quando poucas organizações estão vulneráveis, este é seu problema particular; quando a
maioria das organizações está vulnerável, este é um problema social—de interesse geral da
sociedade. Numa mudança de época, todos estamos vulneráveis: do cidadão ao Planeta. Hoje, esta
vulnerabilidade generalizada emerge como um problema social global, porque fragmenta a
consistência interna dos modos de interpretação e a consistência externa dos modos de intervenção,
reduzindo, respectivamente, a coerência das “regras do jogo” das organizações e a correspondência
entre estas regras e as “regras do jogo” do desenvolvimento vigentes no contexto onde atuam.

A dimensão institucional do desenvolvimento corresponde às suas “regras do jogo” (De Souza


Silva et al. 2001a). Assim, a vulnerabilidade institucional ocorre quando o conjunto dominante de
“regras do jogo” do desenvolvimento (visão de mundo, valores, crenças, premissas, conceitos,
enfoques, teorias, modelos, paradigmas, objetivos, políticas, prioridades, estratégias, etc.) entra numa
crise de legitimidade , perdendo sua vigência por causa das conseqüências negativas do
desenvolvimento praticado sob sua influência.

Estas “regras do jogo” constroem uma coerência contextual que serve de referência para as
organizações, cuja coerência organizacional deve estar em correspondência com a coerência de seu
contexto relevante. Assim, a coerência diz respeito ao grau de consistência (interna) de um conjunto
de regras; enquanto a correspondência diz respeito ao grau de consistência (externa) entre dois
conjuntos de regras. Por exemplo, as “regras do jogo” de uma organização de desenvolvimento
podem alcançar um alto grau de coerência (consistência interna) e apresentar um baixo grau de
correspondência (consistência externa) com o conjunto das “regras do jogo” do desenvolvimento do
contexto onde atua. Cabe aos líderes, gerentes, estrategistas e facilitadores da mudança institucional
construir uma coerência gerencial—conjunto de “regras do jogo” da gestão—que lhes permita
participar de forma relevante na interpretação e transformação da coerência organizacional e da
coerência contextual, para aumentar a correspondência entre ambas.

Ironicamente, a maioria das mudanças se fundamenta na premissa do mau desempenho das


organizações, levando os gerentes a dar mais importância aos diagnósticos internos do que às
interpretações do contexto cambiante. Nada mais equivocado3 no contexto atual. Uma premissa
introspectiva revela a organização como o único (ou mais importante) epicentro dos problemas e
desafios que molda o seu desempenho. Isso negligencia “por que” e “como” o contexto cambiante
afeta o desempenho de todas as organizações. Uma premissa interna para orientar a mudança não
nos permite compreender por que tantas organizações estão vulneráveis, e não apenas a nossa.
Numa mudança de época , a premissa para a mudança institucional deve ser externa—derivada do
contexto cambiante—pois, neste caso, as causas inspiradoras e as referências orientadoras mais

3 O desempenho das organizações é uma propriedade sistêmica, que emerge da interação entre os diferentes subsistemas da
organização, e das relações deste conjunto com o contexto relevante (suprasistema) onde a organização (sistema) atua, não
podendo ser deduzido a partir da análise de qualquer destas partes isoladamente.

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relevantes para a iniciativa estão fora e não dentro das organizações. Isso não significa que os
diagnósticos internos não são importantes, senão que, em termos de anterioridade, as interpretações
do contexto cambiante devem vir primeiro, pois daí se deriva à correspondência que necessitamos
construir entre a coerência contextual de nosso entorno relevante e nossa coerência organizacional.

As “regras do jogo” de uma organização necessitam estar conectadas a um conjunto relevante


de “regras do jogo” do desenvolvimento do contexto onde atua. Quanto maior é o número de
conexões relevantes entre a coerência organizacional e a coerência contextual, maior é o grau de
correspondência entre ambos. Quando o contexto muda a ponto de transformar suas “regras do
jogo”, as regras das organizações perdem seu potencial para orientar aos atores sociais, econômicos,
políticos e institucionais do desenvolvimento. Isso representa uma crise de legitimidade que, se é
irreversível, determina a obsolescência das “regras do jogo” das organizações. Isso é o que vem
ocorrendo globalmente desde a década de 60. Por isso, as organizações devem assumir uma premissa
externa para a mudança interna; primeiro interpretando as mudanças do contexto, cujas “regras do
jogo” estão sendo transformadas. Sob esta nova compreensão, deve-se negociar um novo conjunto
de regras internas em correspondência com um ou mais subconjuntos de regras do conjunto geral
das novas “regras do jogo” do desenvolvimento do contexto relevante.

Segundo estudos realizados pela Rede “Novo Paradigma”4, do Serviço Internacional para a
Pesquisa Agrícola Nacional (ISNAR) (De Souza Silva et al. 2001a;), a humanidade está
experimentando uma mudança de época que fragmenta modos de interpretação e de intervenção
(Castro et al. 2001; De Souza Silva et al. 2001b; Lima et al. 2001; Mato et al. 2001; Salazar et al.
2001). Isso exige mudança institucional—mudanças nas “regras do jogo” —em todas as nações e
organizações. Por isso, os conceitos de coerência e correspondência são muito relevantes neste
momento. É que a mudança institucional implica a busca de uma nova coerência para nossos modos
de interpretação e de uma nova correspondência para nossos modos de intervenção.

UMA ÉPOCA DE MUDANÇAS OU UMA MUDANÇA DE ÉPOCA?


A HORA NÃO É DE LIMPAR SENÃO DE MUDAR DE LENTES

Toda época histórica constrói uma espécie de lentes culturais através das quais os atores sociais
interpretam a realidade para compreendê-la e intervêm sobre ela para transformá-la. Neste sentido, a
realidade é aquilo que nosso método de observação—visão de mundo5—nos permite perceber. Em si
mesmas, as lentes (uma espécie de óculos) não determinam tudo que se pode ver; os diferentes
contextos históricos, materiais e sociais dos usuários se combinam para definir a textura final de suas
lentes individuais e coletivas. As crenças—premissas—que articulam os ingredientes das lentes
influenciam onde olhar, o que indagar, como buscar, o que valorizar, com que comprometer-se, etc. O
resultado é uma visão de mundo cuja prevalência impõe um alto grau de convergência às

4 A Rede “Novo Paradigma” visa contribuir à construção de uma nova coerência institucional para orientar esforços de pesquisa
e de desenvolvimento rural na América Latina, facilitando a construção de capacidades conceituais, metodológicas e culturais
para a gestão da inovação institucional.
5 Uma revisão extensiva sobre a função de uma visão de mundo pode ser encontrada em Aerts et al. (1994).

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De Souza Silva, José A mudança de época

características dos modos de interpretação e de intervenção de uma época, o que também se reflete
na maioria dos processos de mudança institucional das organizações.

Dentro do horizonte temporal de uma época histórica, a natureza das mudanças institucionais é
influenciada principalmente por uma visão de mundo dominante. Se esta visão é questionada, e chega
a se transformar rápida e profundamente, a humanidade enfrenta uma crise de percepção, porque
seu método de observação dominante se torna obsoleto. Na prática, uma época histórica gera um
conjunto de “artefatos” (valores, crenças, conceitos, premissas, teorias, modelos, paradigmas, etc.)
para “limpar” as lentes, sempre que algumas manchas (dúvidas, problemas, desafios, etc.) limitam
nossa compreensão da realidade. Numa mudança de época, estes artefatos perdem sua capacidade
de limpar as manchas emergentes, que vão se acumulando até o ponto de impedir uma leitura
satisfatória da realidade cambiante.

Assim, numa mudança de época, tanto nossos modos de interpretação quanto nossos modos de
intervenção têm reduzido drasticamente seu grau de coerência interna, perdendo com isso sua
correspondência com as novas realidades do contexto cambiante, que emergem sob novas “regras do
jogo” para o desenvolvimento. Atualmente, muitos atores sociais continuam tentando “limpar as
lentes”, com os artefatos da época ainda vigente—a época do industrialismo—mas já em declínio
irreversível, quando uma mudança de época implica em “mudar de lentes”. Mas, como saber que
estamos numa mudança de época?

Gênese da atual mudança de época

Uma época histórica se caracteriza principalmente por um sistema de idéias, sistema de


técnicas e sistema de poder—institucionalidade: conjunto de “regras do jogo” e de mecanismos
institucionais para sua implementação, que são dominantes sobre outros sistemas de idéias, sistemas
de técnicas e institucionalidades (Ellul 1964; Hobsbawm 1969; Castells 1996). Por exemplo, a época
histórica do industrialismo caracteriza-se por um sistema de idéias de natureza racionalista, que
está sintetizado na metáfora de uma máquina para interpretar o mundo e atuar sobre ele. Seu
sistema de técnicas é integrado pelas tecnologias materiais—mecânicas, químicas e elétricas—do
paradigma tecnológico do desenvolvimento industrial. E sua institucionalidade está estabelecida em
torno ao Estado-nação, cujo grau de soberania e de autonomia lhe permite a criação e gestão das
‘regras nacionais’ do jogo de acumulação de capital, derivadas da Revolução Industrial (Hobsbawm
1984), e do jogo da democracia política, derivadas da Revolução Francesa (Hobsbawm 1962).

As épocas históricas não são eternas. A partir de certas condições históricas, o sistema de
idéias, sistema de técnicas e institucionalidade dominantes são questionados por causa das
conseqüências negativas do desenvolvimento praticado sob sua influência, e terminam por enfrentar
uma crise de legitimidade que determina o ocaso de uma época e o alvorecer de outra 6. Quando e por
que isso ocorre? De acordo com o Sociólogo Espanhol Manuel Castells, uma época histórica muda

6 Esta é a argumentação essencial do movimento do posmodernismo, que reivindica o fim da época histórica do modernismo e
o início de uma nova época que, por falta de outro nome, está sendo chamada de época posmoderna (ver, por exemplo,
Rosenau 1992).

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De Souza Silva, José A mudança de época

quando se transformam de forma qualitativa e simultânea as relações de produção, relações de


poder, experiência humana e cultura dominantes (Castells 1996, 1997, 1998). No século XVIII, a
racionalidade orgânica-espiritual da época do agrarianismo foi subordinada à racionalidade
instrumental da época do industrialismo. Desde a década de 60, as “regras do jogo” da época do
industrialismo estão sendo questionadas de forma inexorável, pela vulnerabilidade gerada como
conseqüência de sua prática. Neste sentido, as mudanças globais em marcha não pertencem à época
do industrialismo; elas estão forjando uma nova época 7. Quais são os epicentros destas
transformações globais? São estas transformações convergentes entre si, ou existem divergências e
contradições? Como estas mudanças afetam nossos modos de interpretação e intervenção?

A revolução tecnológica, a mudança de época e a visão cibernética de mundo

A partir da metade dos anos 70, uma revolução em torno à tecnologia da informação
(principalmente a partir da invenção do microchip) passou a influenciar outras revoluções tecnológicas
(engenharia genética, nanotecnologia, robótica, novos materiais, etc.) e a penetrar formas e meios de
comunicação. A dimensão microeletrônica e a natureza digital desta revolução comprimem o tempo
histórico e desmaterializam o espaço geográfico. Pela primeira vez na história, a informação passa a
ser simultaneamente insumo e produto, e se transformou numa mercadoria, dando origem à indústria
da informação. Para os privilegiados que têm acesso a esta tecnologia 8, a facilidade de acesso e para
o intercâmbio de informação é sem precedentes.

As mudanças derivadas desta revolução—a formação de redes virtuais, a integração eletrônica


de formas (texto, som e imagem) e meios de comunicação, a proposta de uma agricultura de
precisão, a invenção de espaços inteligentes (edifícios, fábricas, residências e escritórios cujas funções
básicas são gerenciadas por computadores independentes de operadores humanos), a invenção de
“armas inteligentes”, o livro virtual e o “terrorismo cibernético” —não pertencem à época do
industrialismo. Estas mudanças estão forjando uma nova época, a partir de uma visão cibernética
de mundo (herdada da visão mecânica da época industrial), agora mais sofisticada pelos aportes da
tecnologia da informação, Teoria do Caos, Geometria Fractal, etc. A racionalidade instrumental dessa
visão de mundo não reconhece a relevância—e eventualmente a existência—das dimensões humana,
social e ecológica da realidade (Miller 1985; Joy 2000; De Souza Silva et al. 2001a). Sob esta visão:

• O mundo é percebido como uma máquina (cibernética) complexa—sistema de informação


auto-regulado—sem sentimentos, onde a razão mecânica prevalece sobre a emoção humana.
Sem espaço para valores morais nem princípios éticos, este reinado da racionalização é
constituído por “peças” da engrenagem que permite funcionar a máquina, para a qual a
história não é relevante, porque o futuro está associado à idéia de progresso, que se baseia
na crença de um crescimento linear, gradual, cumulativo, ilimitado e bom para todos.
• O contexto corresponde a uma “realidade objetiva”, que existe independente da nossa
percepção, decisões e ações; nos resta apenas descobrir e controlar esta realidade, para
melhor explorá-la em benefício de todos.

7 El Sociólogo Espanhol Manuel Castells denomina a época emergente de “época do informacionalismo”, porque agora a
informação é simultaneamente insumo e produto, dando origem inclusive à indústria da informação (Castells 1996).
8 No presente, somente 3% da humanidade tem acesso à rede INTERNET.

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De Souza Silva, José A mudança de época

• O objetivo superior do desenvolvimento é a máxima eficiência produtiva, onde os modos de


intervenção, incluindo o modo de geração de conhecimento, são centrados na oferta, sem
compromisso com a história nem com o contexto.
• Os problemas e desafios são reduzidos à sua dimensão técnica de tal forma que sua solução
requer apenas responder a perguntas do tipo “como fazer” e “que pode” ser feito, sem incluir
questões éticas nem políticas sobre o “por que” fazer, “que deve” ser feito e “para quem”
fazer.
• As organizações são percebidas como “máquinas” de produzir bens e serviços, onde todos os
insumos são considerados apenas como “recursos” (recursos naturais, recursos financeiros,
etc.), e tudo que dela sai é considerado como “produto”.
• Assim, os seres humanos são reduzidos à mera condição de “recursos humanos”, verdadeiros
robôs biológicos capazes de executar tarefas, onde replicam receitas e seguem fórmulas
previamente fabricadas.
• A tecnociência —resultado da fusão entre a ciência moderna e a tecnologia moderna—se rege
pelos ditames da racionalização, que inclui uma busca frenética por quantificação, precisão,
controle e predição: ciência para a eficiência.

A revolução econômica, a mudança de época e a visão mercadológica de mundo

A partir do final da década dos 70 e início dos anos 80, teve início uma revolução econômica
que revelou o esgotamento do regime de acumulação de capital da época do industrialismo. A
economia produtiva, dependente de fatores tangíveis—terra, capital e trabalho—e praticada sob as
“regras nacionais” do Estado-nação, entrou em crise generalizada por perder sua vitalidade como
fonte de criação de riqueza para satisfazer a tendência expansionista do sistema capitalista. Os
ideólogos, filósofos e estrategistas do sistema capitalista olharam ao seu redor e encontraram
condições favoráveis para estabelecer um novo regime de acumulação de capital, que agora assume
uma natureza corporativa, transnacional, global e “informacional” (Castells 1996).

As mudanças derivadas desta revolução, que integram a hoje chamada globalização econômica,
tais como liberalização, privatização, desregulamentação, ajuste estrutural, reforma econômica,
revisão do papel do Estado, modernização do setor público, reconversão produtiva, flexibilidade
laboral, dolarização, tratados de livre comércio e fundos competitivos não pertencem à época do
industrialismo. Estas mudanças forjam uma nova época, a partir de uma visão mercadológica de
mundo (inspirada no Darwinismo), agora mais sofisticada pelos aportes da tecnologia da informação,
Teoria do Caos, Geometria Fractal, etc. A racionalidade econômica dessa visão de mundo faz
prevalecer as transações comerciais sobre as relações humanas, sociais e ambientais (Röling e
Maarleveld 1999; De Souza Silva et al. 2001a). Sob esta visão:

• O mundo é percebido como um mercado, sem sociedades nem cidadãos, onde os seres
humanos cumprem apenas papéis econômicos: provedores, produtores, processadores,
vendedores, clientes, consumidores, competidores, investidores, comerciantes, etc.
• A história não é relevante, porque o passado não volta e o futuro ainda não chegou. Nesta
realidade não se fala de sociedades, apenas de economias; os espaços públicos são recriados
em espaços privados (dentro de centros comerciais) para domesticar potenciais
consumidores.
• O contexto relevante é o representado pelo mercado, que é assumido como uma “realidade
objetiva” e independente de nossa percepção, já que é regida por suas próprias leis “naturais”
—oferta e demanda.

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De Souza Silva, José A mudança de época

• O desenvolvimento é reduzido ao crescimento econômico e ao desenvolvimento tecnológico;


a dimensão distributiva de seus benefícios é uma função do mercado, o juiz que premia os
competitivos e condena os não competitivos, pois o objetivo é a acumulação e o critério crítico
é o lucro máximo.
• Os modos de intervenção, incluindo o de geração de conhecimento, são centrados na
demanda, comprometidos apenas com sinais emitidos pelo mercado, que são suficientes para
representar todos os anseios da sociedade, que é constituída de indivíduos egoístas tentando
apenas maximizar seus interesses particulares.
• A existência é uma luta pela sobrevivência, onde os vencedores são os competidores-
gladiadores; a solidariedade é uma característica dos débeis.
• As organizações são percebidas como “provedores” de bens e serviços, onde tudo que é
consumido é percebido como “capital” (capital natural, capital financeiro, capital social, etc.),
e tudo que dela sai é transformado numa mercadoria.
• Assim, os seres humanos são reduzidos à mera condição de “capital” humano, ou intelectual,
uma “coisa” mais no mundo das mercadorias.
• A tecnociência é praticada sob os conceitos de qualidade e de competitividade, pois sua
função superior é contribuir para a acumulação: ciência para o lucro.

A revolução cultural, a mudança de época e a visão contextual de mundo

A partir dos anos 60, vários movimentos sociais e culturais passaram a desafiar os pilares da
civilização ocidental e os valores da sociedade industrial de consumo. Na prática, cada movimento
questionou alguma dimensão da realidade, que é relevante para o futuro da humanidade (Castells
1996, 1997, 1998). De diferentes formas, os movimentos feministas, indigenistas, ambientalistas e
pelos direitos humanos, justiça étnica, equidade social, participação da sociedade civil, etc.,
denunciaram: (i) a inconsistência do desenvolvimento derivado das “regras do jogo” do industrialismo;
(ii) a conseqüente vulnerabilidade da humanidade e das demais formas de vida no Planeta; e, (iii) a
necessidade de novas premissas para a prática sistêmica de um desenvolvimento que seja apropriado
no presente e sustentável com relação ao compromisso com as gerações futuras.

As mudanças globais que têm origem nesta revolução, como as questões associadas às
dimensões humana, social e ecológica do desenvolvimento, não pertencem à época do industrialismo;
elas estão forjando uma nova época, a partir de uma visão contextual de mundo, que se fortalece
com os avanços do pensamento complexo (Morin 1984) e da ecologia profunda (Capra 1982, 1996).
A racionalidade ecológica (Röling 2001), é inclusiva do bem-estar (inclusive well-being) de todas as
formas e modos de vida na Terra (Bawden 2001), o que estabelece a cultura do cuidado (culture of
care) (Busch 2001), a cultura do importar-se com a existência de “outros” Sob esta visão:
• O mundo é percebido como uma trama de relações e significados entre diferentes formas e
modos de vida—um sistema dinâmico e com múltiplas dimensões (espacial, histórica,
ecológica, social, econômica, política, institucional, cultural, etc.), funções e contradições.
• A história é relevante para compreender a realidade cambiante, porque passado, presente e
futuro estão inevitavelmente interconectados.
• O contexto inclui, mas transcende o mercado, pois é constituído pela diversidade biológica,
socioeconômica y cultural do Planeta. A realidade é socialmente construída e pode ser
socialmente transformada pela percepção e ação coletivas.
• A prática sistêmica do desenvolvimento não assume a forma de um modelo universal, pois
contextos particulares requerem modos de intervenção que incorporem como referência uma
parte substantiva das realidades, necessidades e aspirações locais.

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De Souza Silva, José A mudança de época

• A contextualização dos modos de intervenção é uma premissa da sustentabilidade, enquanto


sua universalização é uma regra da vulnerabilidade.
• O desenvolvimento é concebido como um espaço para o encontro entre sociedade, natureza e
cultura, uma espécie de Ágora 9 grega—um espaço público onde diferentes atores com
diferentes valores, interesses e compromissos debatem e negociam critérios/regras para a
gestão democrática das transformações necessárias para o seu desenvolvimento e dos
conflitos próprios deste tipo de processo.
• As organizações são sistemas sociotécnicos complexos, dinâmicos e com múltiplas dimensões,
funções e contradições, e são mais bem compreendidas e gerenciadas como facilitadores de
mudança e desenvolvimento.
• Os seres humanos são cidadãs e cidadãos, cuja imaginação os transforma em “talentos
humanos” capazes de criar mais além de suas experiências e “conhecimentos” prévios.
• A tecnociência combina os critérios de eficiência, competitividade e qualidade com os critérios
de equidade e de sustentabilidade, solidarizando-se e comprometendo-se com a existência de
todas as formas de vida na Terra: ciência com consciência.

Estas revoluções revelam conjuntos de premissas, interesses e compromissos, que moldam


diferentes visões de mundo, cuja adoção sugere cenários futuros absolutamente diferentes entre si.
Inclusive, entender estas revoluções e suas respectivas visões de mundo, como fontes distintas de
mudanças globais, nem sempre compatíveis entre si, permite compreender as ações e reações de
certos atores globais e locais. Por exemplo, fica mais fácil compreender porque os Estados Unidos se
contradizem quando tentam promover o desenvolvimento sustentável, mas não assinam a Convenção
da Biodiversidade nem concordam com o Protocolo de Kioto. Ambos tratados multilaterais têm sua
origem nas premissas, interesses e compromissos associados à visão contextual de mundo, que
emerge da revolução sociocultural. A posição de não adotá-los, por parte dos Estados Unidos, resulta
da pressão de suas corporações transnacionais, cujos interesses e compromissos globais estão
associados ao novo regime de acumulação de capital, que se origina na revolução econômica e
propõe uma visão econômica de mundo onde a metáfora do mercado nos revela um mundo como um
mercado, onde as dimensões humanas, sociais e ambientais são inconveniências para a tendência
expansionista do capitalismo, cujo objetivo superior—acumular—não inclui essas dimensões.

As visões de mundo que competem entre si para prevalecer na época emergente não existem
em seu estado puro, nem haverá uma única visão de mundo dominando completamente o processo
de desenvolvimento. O que ocorrerá será a prevalência do conjunto de premissas de uma delas, que
influenciará a co-existência das demais visões de mundo, cujas contribuições estarão limitadas por sua
posição subordinada nesta hierarquia de valores, que determina uma trama complexa de relações de
poder. A tensão gerada pelas relações assimétricas de poder resultantes de tal esquema de
dominação e subordinação de valores, interesses e compromissos será a principal fonte de
contradições da época emergente e, portanto, do seu futuro declínio.

9 Na Grécia antiga, a Ágora era o espaço público onde muitos dos temas de interesse da sociedade eram debatidos e
resolvidos. Apesar de não ser um espaço democrático para a maioria (por exemplo, as mulheres não eram permitidas
participar), a Ágora pode ser reeditada de forma diferente para incluir os excluídos pela atual democracia representativa, que
na verdade já não representa os interesses da maioria, porque na nova ordem política mundial os eleitos não decidem e os que
decidem não são eleitos.

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De Souza Silva, José A mudança de época

Evidências da atual mudança de época

Se a humanidade experimenta uma mudança de época, é possível identificar transformações


qualitativas e simultâneas nas relações de produção, relações de poder, modos de vida e cultura
dominantes da época do industrialismo10. São estas transformações que estão fraturando a
dominação do sistema de idéias, sistema de técnicas e sistema de poder da época do industrialismo e
forjando uma nova época—informacionalismo, segundo Castells (1996), cujo sistema de idéias,
sistema de técnicas e sistema de poder dominantes estão sendo forjados em meio às contradições
(De Souza Silva et al. 2001) próprias deste momento histórico.

Mudanças qualitativas na dimensão produtiva

A economia emergente é comandada pela produtividade e a competitividade; a produtividade


será derivada da inovação tecnológica, enquanto a competitividade será derivada da inovação
institucional. No futuro, os produtos, processos e serviços mais relevantes serão os intensivos de
conhecimento, aumentando a necessidade de criar uma maior capacidade cultural para usar a
tecnologia da informação. Todavia, é preciso distinguir a economia produtiva da época do
industrialismo da economia imaterial da época emergente. Por exemplo, para a economia produtiva, a
infra-estrutura mais importante é o transporte , enquanto para a economia digital emergente a infra-
estrutura mais relevante é a da comunicação (Castells 1996; Bell 1999).

A revolução em torno à tecnologia da informação altera de forma estrutural as relações de


produção: (i) a economia produtiva do industrialismo é dependente de fatores tangíveis—terra, capital
e trabalho, enquanto a economia imaterial emergente depende de um fator intangível—informação;
(ii) o trabalhador manual da economia produtiva tem sido excessivamente explorado, inspirando a
utopia marxista, enquanto o trabalhador do conhecimento—analista simbólico—da economia virtual é
bem pago, porque o conhecimento é a nova fonte de poder e riqueza (Reich 1993); (iii) os capitalistas
da economia produtiva são pessoas com uma Pátria e se guiam pelas ‘regras nacionais’ do seu
Estado-nação, enquanto os capitalistas da economia emergente são corporações impessoais, com
interesses globais e ambições expansionistas, que não conseguem ser leais nem mesmo a seu país de
origem, porque são apátridas; e, (iv) o contrato social entre o capital e o trabalho foi desfeito (Rifkin
1996), para permitir a mobilidade global do capital e estabelecer a vulnerabilidade local do trabalho
(Forrester 1997), sob o eufemismo de flexibilidade laboral. Até a agricultura está sendo reestruturada
(Bonnano et al. 1994); para refletir o caráter corporativo e transnacional da nova ordem econômica
mundial, onde as cadeias produtivas estão sendo transnacionalizadas tanto quanto possível. No futuro
próximo será difícil falar de “economia nacional” e de produtos made in... qualquer país.

Pela primeira vez na história da humanidade, está sendo criada uma economia onde o rico não
necessita do pobre (Galeano 1998). Está em formação o Quarto Mundo: o mundo dos desnecessários,
nos países desenvolvidos e em desenvolvimento (De Souza Silva et al. 2001a), que são os

10 Sobre diferentes aspectos da última mudança de época, quando a época histórica do agrarianismo foi superada pela época
histórica do industrialismo, a partir do século XVIII, ver, por exemplo, Hill (1969), Hobsbawm (1969) e Ewen (1977).

08.10.07 10
De Souza Silva, José A mudança de época

desconectados da era do acesso (Rifkin 2000). Obviamente, esta mudança de época ainda não
representa a ruptura do sistema capitalista. A nova ordem econômica mundial mantém o caráter
capitalista, apesar de que o capitalismo já não será o mesmo. Antes acusado de exploração excessiva
da mão-de-obra, o capitalismo emergente já está sendo acusado de exclusão social (Dupas 1998). O
capitalismo emergente é de natureza corporativa, transnacional, global e “informacional” (Castells
1996).

Finalmente, é importante compreender que o capitalismo global está penetrando novas esferas
da existência humana. No princípio o capitalismo controlava os meios de produção; depois passou a
controlar a oferta dos produtos comerciais; e agora está controlando a demanda: os consumidores. A
humanidade está assistindo uma das incursões mais assustadoras do capitalismo, cujas prioridades
mais recentes inclui a mercantilização das emoções e experiências humanas, onde os bens culturais
assumem uma relevância sem precedentes para a acumulação de capital. Por isso as antigas leis de
propriedade industrial estão sendo atualizadas e transcendidas pelo esforço para o estabelecimento da
propriedade intelectual, gerando pálidas discussões éticas, que fracassam frente ao eclipse da
moralidade determinado pela ascensão da ideologia do mercado (Busch 2001). Com isso, o
capitalismo determina o fim da era da posse e o início da era do acesso (Rifkin 2000).

Mudanças qualitativas na dimensão do poder

O exemplo mais impressionante de mudanças qualitativas nas relações de poder é o caso do


Estado-nação, cuja soberania e autonomia estão sendo reduzidas em termos quantitativos e
principalmente estão sendo qualitativamente alteradas para viabilizar politicamente a nova ordem
econômica mundial11. As políticas e as decisões mais relevantes para o futuro das sociedades
nacionais não são formuladas nem tomadas por autoridades nacionais dentro do seu próprio território
geográfico. Agora estes processos ocorrem nos espaços transnacionais de mecanismos supra-
nacionais, suas conseqüências são materializadas em acordos multilaterais e suas regras são
implementadas por agencias multilaterais e organizações internacionais. Neste contexto, as ‘regras
nacionais’ do Estado-nação foram (re)definidas como “barreiras”, cujo significado simbólico negativo é
usado para convencer-nos que é preciso derrubá-las. Por isso, as condições locais que privilegiam as
‘regras nacionais’ do desenvolvimento da época do industrialismo estão sendo debilitadas ou
destruídas, ao mesmo tempo em que as condições nacionais para a penetração e estabelecimento das
‘regras transnacionais’ do desenvolvimento da época emergente estão sendo construídas.

A crise do Estado-nação representa também a crise da democracia representativa, pois sua


prática assume a existência de uma entidade soberana e autônoma para gerenciá-la. Por isso, a
democracia representativa já não consegue representar a maioria da sociedade, e está se
transformando velozmente na arte de enganar o povo: os eleitos não decidem e os que decidem
não são eleitos. O povo nunca elegeu os que dirigem as corporações transnacionais, Organização

11 Ver, por exemplo, Barnet e Cavanagh (1995); Held (1995); Horsman e Marshall (1995); Korten (1996); Held e McGrew
(2000).

08.10.07 11
De Souza Silva, José A mudança de época

Mundial do Comércio, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial da


Propriedade Intelectual (OMPI), etc., cujo funcionamento ocorre longe do escrutínio público e sem a
participação da cidadania. Mas aí se formulam as políticas e se tomam as decisões que já estão
transformando em maior ou menor grau o futuro das sociedades.

O “voto” como símbolo da democracia representativa já está desmoralizado, porque agora


simboliza apenas uma “democracia de um dia” —dia da eleição, que permite aos políticos dizer tudo o
que a maioria quer ouvir, mas sem a obrigação de cumprir nenhuma das promessas feitas, já que o
futuro é decidido principalmente fora e não dentro do País. É lógico que isso não seria possível sem a
conivência interna de parte das elites nacionais, que assim procede para ter acesso a benefícios e
privilégios que são negados à maioria. Como conseqüência, a sociedade civil está reagindo, de formas
e em graus variados, em diferentes países do mundo. Mas suas redes de democracia (Busch 2000)
ainda não logram competir com as redes autocráticas do poder corporativo transnacional, por onde
fluem capital, informação e decisões que estão forjando a nova ordem econômica e política mundial
(Korten 1996).

As redes do poder corporativo global são as redes da indiferença ao sofrimento humano, às


desigualdades sociais e ao desafio ecológico que ameaça a extinção da humanidade e do Planeta.
Nestas redes de poder e riqueza, o individualismo exacerbado, o egoísmo insensível e a agressividade
competitiva são os valores privilegiados pela “arena” econômica e tecnológica global. A solidariedade
é um atributo dos débeis.

Hoje, já não são os exércitos estrangeiros que invadem e subordinam nações e organizações.
Na atual mudança de época, este papel cabe ao Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e seus
congêneres regionais e contrapartes nacionais. Basta ler os jornais diários da maioria dos países em
desenvolvimento, para encontrar manchetes sobre como estes agentes internacionais das mudanças
nacionais estão exigindo a destruição das “regras nacionais” que privilegiam o regime de acumulação
da época do industrialismo e impondo as novas condições que privilegiam o estabelecimento das
novas “regras transnacionais” para a penetração dos interesses das corporações e investidores globais
(Barnet e Cavanagh 1995). E o fazem sem o menor constrangimento, reorganizando os sistemas
produtivo, econômico, financeiro e institucional desses países de tal forma que a nova ordem
econômica e política mundial possa ser estabelecida e legitimada. Obviamente, isso não ocorre sem
contradições nem oposição (Mander e Goldsmith 1996).

Mudanças qualitativas nos modos de vida

As diferentes formas através das quais vivemos a experiência humana—a família, sexualidade,
relações interpessoais e sociais, relações com a natureza, etc. — estão se transformando numa
velocidade vertiginosa, com implicações inclusive psíquicas para os indivíduos, grupos sociais e até
sociedades inteiras (Lash 1986).

Por um lado, com os avanços revolucionários na tecnologia da informação, o tempo histórico


está sendo comprimido e vários tipos de fronteiras—incluindo as geográficas, políticas, ideológicas e

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De Souza Silva, José A mudança de época

administrativas—estão sendo extintas. O ser humano está perplexo com a redução drástica da
importância da relação tempo-espaço, alterando qualitativamente nossa compreensão e uso de
conceitos como distância, fronteira, tempo, controle, etc.

Este eclipse eletrônico da dimensão tempo-espaço cria o Oitavo Continente 12 do Planeta: um


continente digital, onde INTERNET é o seu principal porto virtual na era do acesso. Neste continente
virtual o tempo mecânico não conta, o espaço geográfico desaparece e as relações sociais perdem sua
relevância para as relações cibernéticas, onde as pessoas se relacionam mais com as máquinas do
que consigo e com “outros”. Por isso, o conceito de rede assume conseqüências práticas para a nova
morfologia social das sociedades do futuro (Castells 1996).
Por outro lado, cada movimento social e cultural, dos iniciados nos anos 60, gerou mudanças
que podem alterar vários aspectos relevantes da experiência humana. Por exemplo, o movimento
feminista questionou a visão masculina do desenvolvimento e desafiou a autoridade Patriarcal
dominante, abrindo um espaço para a questão de gênero, cujo avanço transformará vários aspectos
de nossa experiência humana. Quanto mais avançam os esforços rumo à prática de um
desenvolvimento sistêmico, mais mudarão nossos modos de produção, padrões de consumo e estilos
de vida, porque os atuais não são sustentáveis. Por causa de nosso modelo de desenvolvimento, a
natureza já não é natural, da água que poluímos ao clima que alteramos e às espécies que
extinguimos, todo o Planeta é hoje dependente da percepção, decisões e ações da espécie humana;
por isso, estes são problemas antropogênicos (Roling 2000).

A heterossexualidade não será o único tipo de relação socialmente e legalmente aceitável, como
indicam as sociedades que aceitam socialmente e reconhecem legalmente o casamento entre
representantes do mesmo sexo biológico. O conceito de família também está sob diferentes tipos de
pressão: (i) em alguns países o número de divórcios anuais começa a superar o número de
casamentos; (ii) cresce o número de jovens que têm dúvida se devem casar e se devem ter filhos; (iii)
ao contrário dos hippies, que propuseram fazer amor sem ter filhos, a engenharia genética agora nos
promete a possibilidade de ter filhos sem fazer amor; e, (iv) muitos pais separam seus filhos em
quartos individuais, equipados com televisores, equipamentos de som, computadores e jogos
eletrônicos, que lhes permitem atuar como unidades independentes de consumo, mas que reduzem
os espaços e momentos para a socialização familiar.

Finalmente, as denúncias sobre as diferentes formas de vulnerabilidade do Planeta atingiram


também à participação da ciência no processo de desenvolvimento. O questionamento crescente e
generalizado à ciência, praticada sob a influência da tradição filosófica conhecida como Positivismo,
está estimulando o desenvolvimento de novos paradigmas que mudarão nossa percepção de nós
mesmos e a forma como nos relacionamos com o restante da natureza. O século XXI será pródigo na
geração de novos conceitos, teorias, enfoques, modelos e paradigmas, que transformarão nossos
modos de interpretação e intervenção.

12 Os sete continentes reconhecidos atualmente são: América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia, África, Austrália e
Antártida. As ilhas do Pacífico, conhecidas como Oceania, não são consideradas como um continente (The TIME Almanac
2000:484).

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De Souza Silva, José A mudança de época

Mudanças qualitativas na dimensão cultural

As mudanças em marcha na dimensão cultural são diversas e controvertidas, podendo dissolver


fronteiras e divisões entre diferentes culturas, promover o encontro enriquecedor entre várias culturas
e até criar uma rejeição cultural pelos aspectos da atual globalização que tenta homogeneizar certas
culturas (Rifkin 2000; Warnier 2000). Por restrições de espaço, destacamos apenas a dimensão que
cruza estas possibilidades, que é a formação de uma cultura da realidade virtual, em torno à qual
nasce a geração ponto-com.

Sob a invasão da lógica digital, feita possível pela penetração da tecnologia da informação em
todos os meios e formas de comunicação, deixa de ter importância o fato de que a Terra já foi
considerada plana (percepção antiga) e que passou a ser percebida como redonda (percepção
vigente); para a geração ponto-com, o mundo está se transformando numa tela gigante (percepção
programada). Paulatinamente, a humanidade está sendo culturalmente induzida a acreditar que o
real é aquilo que chega através dos vários tipos de telas, já existentes e a inventar. Os pais, os
mestres e os anciões estão sendo substituídos como os intermediários desejáveis entre a realidade
real e as crianças e os adolescentes. Agora, o computador, a televisão e outros meios de comunicação
são os intermediários quase-oficiais, livres para destruir antigos e criar novos símbolos e identidades.
As crianças da geração ponto-com estão sendo introduzidas à realidade virtual antes de “debutar” de
forma apropriada na realidade real. Seu mundo está sendo perigosamente reduzido a uma tela
gigante e mágica da qual é difícil desconectar-se. Em síntese, o que não se manifeste em alguma tela
não existe, não é verdade ou não é importante.

A humanidade experimenta a formação de uma cultura visual global, onde tudo se transforma
em mercadoria cultural, das viagens do papa às campanhas eleitorais, viagens turísticas, esportes
extremos e invasões militares dos Estados Unidos. Tudo é vendido, comprado e assistido como
espetáculo: a religião-espetáculo, a política-espetáculo, o turismo-espetáculo, o esporte-espetáculo e
a guerra-espetáculo. Se Karl Marx fosse vivo, ele diria que a televisão substituiu a igreja como o
espaço onde os ideólogos do capitalismo transnacional ministram o novo ópio do povo. Com a
penetração irreversível da tecnologia da informação nas diferentes formas e meios de comunicação,
não se pode evitar a sensação de impotência da maioria, que em nossa sociedade está perdendo o
controle sobre os eventos que lhe interessa ver ou conhecer.

Neste contexto, será difícil distinguir se a realidade real é a que nos deparamos diariamente nos
campos e cidades, ou se é a hyper reality que nos sufoca nas inúmeras telas que já congestionam os
espaços de nossas casas, escritórios, restaurantes, centros comerciais, bares etc. A geração ponto-
com emergente corre o risco de pensar que já não será necessário caminhar para conhecer o mundo
e transformá-lo. Estes integrantes da espécie Homo informaticus correm o risco de concluir que é
possível mudar o mundo apenas com mensagens eletrônicas, o que será conveniente para os
poderosos, que já não necessitariam enfrentar as forças vivas da sociedade, apenas mensagens
eletrônicas às quais não têm a obrigação de reagir.

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De Souza Silva, José A mudança de época

Está em franca expansão uma massiva série de canais virtuais de comunicação global, que
fundem e codificam imagens, sons e símbolos escritos. Sua abrangência e penetração ignoram
eletronicamente os mais diferentes tipos de fronteiras. Assumindo propósitos geralmente comerciais, a
globalização da mídia apresenta uma tendência à desregulamentação, onde as mega-fusões
consolidam uma ordem mundial comercial de comunicação, que reduz a esfera pública e cria uma
cultura da diversão que não é necessariamente compatível com a ordem democrática.

A minoria mundial que tem acesso à INTERNET e ao World Wide Web (www) pode ter acesso a
incontáveis bases de dados e integrar-se a certos grupos de usuários globais. Isso tanto cria
possibilidades como dilemas. Por um lado, não se pode negar a facilidade de acesso à informação e
de expressão cultural, que cresce e deve ser aproveitada. Mas isso é apenas para uma minoria, pois
mais de 2/3 da humanidade 13 já integra a classe dos desconectados da era do acesso (Rifkin 2000).

Por outro lado, não se pode evitar a sensação de que o crescimento da mídia global é
exagerado e indesejável. A expansão deste poder virtual ocorre mais para satisfazer os interesses
comerciais de corporações transnacionais do que para integrar sociedades locais. Neste sentido, a
humanidade caminha rumo à cultura da realidade virtual, onde os donos dos meios de comunicação
por onde fluem as imagens globalizadas, definirão os símbolos e identidades que prevalecerão. Para
os donos desse tipo de poder, algumas realidades serão mais relevantes do que outras, e as imagens
desta realidade constituirão uma realidade virtual que pode prevalecer sobre a realidade real dos
menos poderosos e dos excluídos.

Apesar de todas as resistências à transnacionalização da realidade virtual, a globalização digital


continuará. A humanidade tem experimentado várias ondas de globalização através de sua história
(Held et al. 1999) onde, por exemplo, as grandes religiões do mundo demonstraram sua força através
das idéias e crenças que cruzaram continentes e transformaram sociedades. Mas algumas tendências
não desejadas da globalização podem ser revertidas. Se uma tendência é socialmente construída pela
percepção, decisões e ações de certos atores reais, qualquer tendência pode ser socialmente
transformada pela ação coletiva dos atores sociais insatisfeitos com suas características e impactos.

Assim, a fragmentação de nossos modos de interpretação e intervenção não é uma surpresa. As


mudanças globais em curso estão transformando o sistema de idéias, sistema de técnicas e
institucionalidade da época do industrialismo, ao mesmo tempo em que forjam uma nova época,
gerando convergências, divergências, conflitos e contradições, cujos efeitos combinados resultam
numa crise de legitimidade das “regras do jogo” do desenvolvimento sob o paradigma do
industrialismo. Daí surge a vulnerabilidade institucional que nos pressiona a realizar mudanças em
busca de sustentabilidade. Por isso, a mudança institucional é necessária para construir uma nova

13 Aqui nos referimos aos desconectados dos meios que lhes dariam acesso a diferentes tipos de benefícios gerados pelo
crescimento econômico e pelo desenvolvimento tecnológico, e não apenas aos desconectados da revolução digital. Isso inclui,
por exemplo, os desconectados dos diferentes tipos de políticas, tanto econômicas como sociais (Dupas 2000); Rifkin 2000; De
Souza Silva et al. 2001). Inclusive nos Estados Unidos, em 1989, 1% da população possuía cerca de 40% da riqueza dessa
nação, e os 20% mais ricos possuíam mais de 80% da riqueza total. Igualmente chocante é o fato de que cerca de 70% da
humanidade jamais fez uma chamada telefônica (71% das linhas telefônicas existentes pertencem aos 24 países mais ricos do
mundo, que representam apenas 15% da população mundial. Com relação ao acesso à rede INTERNET, a estimativa é que
apenas entre 3-6% da humanidade tem acesso. Em 1998, 80% dos usuários de INTERNET procediam dos 24 países mais ricos;
em contraste, na Ásia, com 20% da população mundial, somente 1% da população tem acesso à INTERNET.

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De Souza Silva, José A mudança de época

coerência e uma nova correspondência. Mas devemos considerar os processos globais de mudança
que emanam dos diferentes epicentros da vulnerabilidade global representados pelas três revoluções
discutidas aqui—tecnológica, econômica e sociocultural. Estes processos não representam um
conjunto harmonioso de tendências rumo a um futuro um melhor, pois eles refletem valores,
interesses e compromissos convergentes, divergentes e contraditórios. Os líderes, gerentes,
estrategistas e facilitadores da mudança institucional devem negociar decisões políticas e éticas, antes
das técnicas, sobre que coerência organizacional construir em correspondência com qual coerência
contextual.

PROCESSOS GLOBAIS DE MUDANÇA


QUE LANCE A PRIMEIRA PEDRA, AQUELE QUE NÃO ESTIVER VULNERÁVEL

Imaginemos um cego que se movimenta com o apoio de um guia confiável. Neste caso, o guia
sintetiza e traduz um conjunto de referências que permitem ao cego interpretar sua realidade para
atuar sobre ela. Que tal se um dia o guia surpreende ao cego, soltando sua mão, pedindo-lhe
desculpas e avisando-lhe que não pode continuar sendo o seu guia? Que aconteceria com o cego cujo
antigo guia se foi e o próximo ainda não chegou? E se isso ocorresse quando o contexto onde o cego
vive estivesse mudando? Primeiro o cego ficaria aturdido com esta situação totalmente nova—estaria
perplexo. Depois ele se sentiria angustiado pela ausência de seu sistema de referência—estaria
inseguro. Em seguida, ele se surpreenderia encontrando novos sinais no lugar de antigas
referências—estaria desorientado. A partir daí, ele se encontraria exposto a um mundo totalmente
novo, que ele não entende e para o qual não estaria necessariamente preparado—estaria vulnerável.
Esta é precisamente a situação da humanidade no contexto da atual mudança de época.

Os guias confiáveis da época do industrialismo estão soltando nossas mãos em velocidade tão
vertiginosa que nem conseguem nos informar que já não podem continuar sendo nossos guias. Por
isso, estamos todos vulneráveis, do cidadão ao Planeta. Aqui, identificamos quatro dos processos
globais de mudanças que estão emitindo novos sinais, nem todos coerentes entre si, no lugar de
nossas antigas referências: a formação de um novo regime de acumulação de capital, o
estabelecimento de um Estado-rede supranacional, a criação de uma sociedade civil global e a
construção de um novo modo de geração de conhecimento.

Emergência de um novo regime de acumulação de capital

A atual revolução econômica representa uma iniciativa semi-estruturada do sistema capitalista


para superar a crise do regime de acumulação de capital da época do industrialismo14. Frente à
impossibilidade do sistema continuar saciando sua fome insaciável de acumular de forma crescente e
permanente, seus guardiões—o Grupo dos sete (G-7), seus filósofos, ideólogos e estrategistas e suas
instituições internacionais e nacionais associadas—começaram um diagnóstico da crise do sistema,
analisaram as possibilidades concretas disponíveis para propor um novo regime de acumulação de

14 Ver, por exemplo, Castells (1996); Hoogvelt (1997); Arrighi e Silver (1999); Held e McGrew (2000).

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De Souza Silva, José A mudança de época

capital e passaram a tomar decisões e a realizar ações para estabelecê-lo. Uma forma de reconhecer
o regime de acumulação do capitalismo global emergente é comparar suas características com as do
antigo regime do capitalismo industrial:

• O antigo regime tem como base a economia produtiva, cujo desempenho é dependente de
fatores tangíveis—terra, capital e trabalho. Em contraste, o regime emergente acumula
principalmente a partir de uma economia imaterial que se consolida de forma descentralizada
em torno a um fator intangível—informação.
• A infra-estrutura importante para a economia produtiva da época histórica do industrialismo é
o transporte. Para a economia virtual do regime de acumulação da época emergente, o mais
relevante é a infra-estrutura de comunicação por onde fluem capital, decisões e informação,
superando barreiras geográficas, comprimindo a dimensão temporal e conectando em tempo
real a atores e localidades distantes.
• Os capitalistas importantes para o capitalismo da época industrial são indivíduos com uma
Pátria definida. Os capitalistas da economia digital emergente são corporações transnacionais,
impessoais e apátridas, que não conseguem ser leais nem mesmo a seus países de origem,
porque seus interesses e ambições são globais e podem ser vinculados a qualquer lugar.
• As “regras do jogo” da acumulação do capitalismo industrial são organizadas em torno ao
Estado-nação, que assume a responsabilidade de implementá-las, aperfeiçoá-las e protegê-
las. As “regras do jogo” da acumulação do capitalismo informacional emergente são de
caráter transnacional, e sua implementação, aperfeiçoamento e proteção ficam a cargo de
mecanismos supranacionais e acordos e agências multilaterais. Por isso, as “regras nacionais”
estão sendo redefinidas como “barreiras”, que têm um significado negativo, para justificar sua
derrubada através de políticas e estratégias de liberalização, desregulamentação, privatização,
fundos competitivos, tratados de livre comércio (TLCs), etc.
• No regime de acumulação do industrialismo, existe um contrato social entre o capital e o
trabalho que os vincula inexoravelmente. O regime de acumulação emergente requer a
mobilidade do capital e a vulnerabilidade do trabalho. O eufemismo da flexibilidade laboral
está sendo institucionalizado para permitir ao empregador contratar e despedir quando e na
forma que quiser. Com isso, o capital passa a ser livre para voar e pousar apenas onde
houver mercados cativos, matéria prima abundante, mão de obra barata, mentes obedientes
e corpos disciplinados. Os novos capitalistas corporativos globais querem ter seus direitos
assegurados em qualquer parte do globo, mas sem compromisso ou responsabilidade para
com as dimensões humana, social, cultural, ecológica e ética15.
• O regime de acumulação do industrialismo foi acusado de explorar em excesso ao trabalho,
enquanto o regime emergente está sendo acusado de exclusão social. Por suas características
construídas a partir da mais sofisticada tecnologia da informação, a nova economia imaterial
ignora a existência de todos os atores, organizações, nações e continentes (África) que não
participam de suas redes virtuais de poder por onde fluem capital, informação e decisões. Nos
países ricos e pobres, muitos estão desconectados do futuro na era do acesso. Eles integram
o Quarto Mundo—o mundo dos desnecessários.

A emergência deste regime, cuja fonte de acumulação é a economia imaterial baseada na


tecnologia da informação explica porque atores com interesses globais e ambições expansionistas
estão estabelecendo uma ordem econômica e política de natureza corporativa, transnacional e
informacional. Eles usam poder econômico, tecnológico, político, diplomático e (eventualmente) militar
para criar novos valores, símbolos e identidades que desqualificam, debilitam e (eventualmente)

15 Isso ficou claro quando o mundo tomou conhecimento de que o documento do Acordo Multilateral sobre Inversões
(AMI) estava sendo formulado em segredo nos países da Organização Econômica para a Cooperação e o Desenvolvimento
(OECD), com a participação protagônica dos Estados Unidos, Japão e suas respectivas corporações transnacionais. Nas palavras
de seus autores, eles estavam formulando a constituição corporativa do mundo. Depois que uma ONG internacional fez a
denúncia, o AMI passou a ser discutido no âmbito da OMC, e posteriormente foi abortado, mas suas cláusulas estão sendo
discretamente introduzidas na maioria dos Tratados de Livre Comercio (TLCs) bi e multi-laterais.

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De Souza Silva, José A mudança de época

destroem os fatores, aspectos e condições que privilegiam nossas “regras nacionais”. Seu objetivo é
estabelecer e legitimar os fatores, aspectos e condições que viabilizam as “regras transnacionais” que
atendem seus interesses corporativos globais.

A formação de blocos econômicos regionais é uma estratégia para aumentar a capacidade de


competir de alguns atores que reconhecem sua debilidade individual para sobreviver na nova “arena”
econômica e tecnológica global. Uma das realidades emergentes é a penetração excessiva e deletéria
de interesses privados particulares no setor público, que já não representa um espaço
verdadeiramente público. Muitas privatizações estão ocorrendo como uma forma de desnacionalização
que mais parece (re)colonização por outros meios, como foi o caso da (pseudo)privatização da
TELEBRAS no Brasil, que não pode ser estatal brasileira, mas pode ser comprada por estatais de ex-
colonizadores da América Latina (Espanha e Portugal): (re)colonização por outros meios.

Emergência de um Estado-rede supranacional para gerenciar a nova ordem mundial

Um regime de acumulação de capital não se auto-implementa. Faz-se necessário estabelecer


um conjunto de arranjos institucionais para legitimar as “regras do jogo” que o constituem e um
conjunto de atores institucionais para executar sua implementação. Além disso, todo regime de
acumulação de capital tem uma institucionalidade (sistema de poder) que lhe corresponde. No caso
do regime da época do industrialismo, o Estado-nação é o ator institucional em função do qual sua
institucionalidade foi construída e funciona. No contexto da atual mudança de época, o Estado-nação
está sendo debilitado em muitas de suas antigas funções vinculadas ao regime de acumulação do
industrialismo. Simultaneamente, este ator está sendo fortalecido para cumprir novas funções
associadas ao estabelecimento e legitimação de uma nova ordem mundial que, com a fragmentação
da União Soviética e o desmoronamento do bloco Socialista do Leste Europeu, assumiu não apenas
um caráter corporativo, transnacional e informacional, mas também uma abrangência global.

O sistema de poder (institucionalidade) emergente para viabilizar o regime de acumulação de


capital da nova época histórica está assumindo a configuração de um Estado-rede supranacional (Held
1995; Castells 1996). É uma espécie de governo mundial sem presidente nem eleições, onde os que aí
decidem não são eleitos para que nossos eleitos não decidam. Nesta contradição emergente, continua
necessário manter o discurso da democracia representativa, enquanto as corporações transnacionais
estabelecem uma das estruturas de poder mais anti-democráticas da história da humanidade.

Segundo Busch (2000), uma corporação transnacional é hoje a versão moderna da Monarquia
absolutista, cuja estrutura impessoal não consegue mais do que ser indiferente à dimensão humana,
social, cultural, ecológica e ética. À semelhança do que acontece quando uma pedra é lançada na
água, este Estado-rede supranacional configura um conjunto de círculos concêntricos de poder com
funções interdependentes. O cerne é constituído pelo G-7 (agora G-8), cujos governos representam
mais os interesses corporativos de suas respectivas corporações transnacionais do que os de suas
sociedades. Eles são os guardiões e maiores beneficiários do sistema capitalista global, cujo objetivo

08.10.07 18
De Souza Silva, José A mudança de época

superior—a acumulação do capital—não inclui gente. Este objetivo é mantido a qualquer custo, apesar
da insatisfação crescente dentro das sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento.

Um dos círculos de poder da nova institucionalidade é o círculo das regras do jogo. Este é
constituído por acordos multilaterais como a União Européia e o NAFTA, e por arranjos institucionais
supranacionais como a Organização Mundial de Comércio (OMC) e a Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI), que articulam o maior conjunto das novas “regras do jogo” para a
acumulação e o “desenvolvimento”.

Também existe o círculo do poder financeiro, constituído por agências multilaterais como o
Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e os bancos regionais de
desenvolvimento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o caso das Américas,
que se conectam diretamente com suas contrapartes nacionais: Ministérios de Fazenda, Conselhos
Monetários Nacionais e Bancos Centrais dos países.

O círculo do poder institucional inclui as agências que integram as Nações Unidas, organizações
similares regionais, como as vinculadas à Organização dos Estados Americanos (OEA), e organizações
de cooperação de determinados países como a Agência Internacional de Desenvolvimento dos
Estados Unidos.

Um dos círculos mais discretos, mas não menos importante, é o círculo do poder científico,
constituído por organizações científicas internacionais e muitas universidades de países mais
avançados.

O círculo do poder ideológico, constituído por verdadeiros impérios de comunicação como a


CNN nos Estados Unidos e a Rede Globo no Brasil, é capaz de destruir antigas identidades, criar novos
símbolos e moldar percepções, decisões, ações e até juízos de valor. Os atores que mais se
beneficiam dos círculos de poder da nova ordem mundial são as corporações transnacionais, que
integram o círculo do poder econômico, razão pela qual as novas “regras do jogo” do regime de
acumulação da época histórica emergente estão sendo estabelecidas.

Emergência de uma sociedade civil global para gerenciar o desenvolvimento sustentável?

Esforços da magnitude das tentativas de estabelecer o novo regime de acumulação de capital e


o Estado-rede supranacional ocorrem necessariamente em meio a muitas contradições, que inspiram
outras iniciativas que visam interpretá-las e reduzir suas conseqüências, quando não é possível
eliminá-las. Por isso, hoje também se percebe o início, ainda que tímido, da formação de uma
sociedade civil global (Walzer 1995), que surge dentro de um novo tipo de espaço público, uma
espécie de Ágora Grega moderna (Baugarten 2001), onde até a ciência é alvo de um controle social
ampliado (Nowotny et al. (2001:201-214).

Muitas das tendências da chamada globalização estão inspirando reações contrárias a sua
consolidação (Mander e Goldsmith 1996). Tais reações têm origem principalmente na revolução
sociocultural iniciada nos anos 60, que agora se materializa através de organizações como a Anistia

08.10.07 19
De Souza Silva, José A mudança de época

Internacional, mecanismos como a Convenção da Biodiversidade e o Protocolo de Kioto, centros de


monitoramento global como o World Watch Institute (WWI) e um alto número de diferentes tipos de
organizações não-governamentais (ONGs) internacionais.

É neste contexto que o conceito de sustentabilidade está sendo institucionalizado para permear
iniciativas nacionais, regionais e globais de desenvolvimento. A preocupação da sociedade civil
emergente inclui todas as formas e modos de vida na Terra. O desafio ecológico (Lubchenco 1998)
atual emerge de uma trama de relações antropogênicas que só nossa ação coletiva e solidária (Röling
2001), sob a influência de uma cultura do cuidado (Busch 2001), do preocupar-se com “o outro”
(Bawden 2001), pode transformar nossa vulnerabilidade atual em sustentabilidade futura. A sociedade
civil está assumindo o desafio ecológico como uma preocupação central da sua intenção de influenciar
o futuro do Planeta.

Para enfrentar e superar as conseqüências da perda de legitimidade da democracia


representativa, que se debilita cada vez mais com a “redução seletiva” da soberania e autonomia do
Estado-nação, a sociedade civil global emergente tende a consolidar-se como um conjunto semi-
estruturado de redes de democracia participativa (Busch 2000). Estas redes monitoram o Estado-rede
capitalista supranacional, promovem a justiça social, geram bens públicos internacionais, criam
mecanismos institucionais para proteger os mais débeis e tentam democratizar tanto o Estado
moderno como os mecanismos supranacionais da nova ordem corporativa transnacional, entre outras
funções. Seu desempenho, todavia é muito variado, e está muito longe de reduzir as angústias e
atender às aspirações da maioria das sociedades perplexas e vulneráveis.

Estas redes de democracia participativa em formação ainda não se consolidaram realmente


como redes. A maioria dos movimentos sociais e culturais que as originaram se configuram
geralmente de forma temática e territorialista: as mulheres promovendo apenas a questão de gênero,
os defensores dos direitos humanos satisfeitos apenas em denunciar os abusos a estes direitos, os
ambientalistas intervindo apenas para salvar a fauna e a flora, etc. Todavia, estas iniciativas
absolutamente imprescindíveis não estão conectadas entre si. A humanidade está se acomodando
quanto à sua jornada rumo ao futuro, sob a falsa premissa (crença, verdade) de que existe apenas
um trem para chegar lá: o trem da globalização neoliberal, que se dirige a uma catástrofe anunciada.

A sociedade civil global emergente critica certas características e tendências do processo de


globalização, mas geralmente não questiona o rumo do trem. Limita-se a reivindicar a inclusão de
mulheres nos vagões, a introdução de plantas e animais para serem reproduzidas no futuro e
condições humanas aceitáveis para a viagem, parecendo que é suficiente apenas imprimir uma face
feminina à jornada, uma cor verde ao trem e bancos confortáveis para os passageiros. O conjunto dos
movimentos sociais não se preocupou em negociar e propor uma racionalidade ecológica, contrária às
racionalidades instrumental e econômica prevalecentes, para transformar as relações assimétricas que
há tempo determinam a lógica do processo de criação, distribuição e apropriação d e informação,
riqueza e poder. Uma das evidências mais preocupantes e assustadoras da continuidade deste estado
de coisas é o crescente número de programas de “combate à pobreza” que se baseiam na mesma

08.10.07 20
De Souza Silva, José A mudança de época

falsa premissa de que para extinguir o fenômeno é suficiente trabalhar apenas com os que já são
pobres, sem desafiar nem alterar a atual forma de geração, acesso, distribuição e apropriação da
riqueza. Obviamente, uma falsa premissa leva a falsas promessas e soluções inadequadas.

Considerando que a economia emergente se alimenta do modelo de crescimento econômico


com exclusão social (Dupas 2000), o trem da história está rodando rumo a um abismo global, que só
a sociedade civil global pode evitar, se for capaz de imaginar e propor outro trem rumo a um futuro
diferente e mais relevante do oferecido pelo trem da exclusão criado para atender aos interesses das
corporações transnacionais e elites nacionais.

Emergência de um novo modo de geração de conhecimento

Uma nova época estabelece um sistema de idéias, que geralmente exige um modo particular de
geração de conhecimento. Durante a época histórica do industrialismo, o sistema de idéias criado sob
a influência de a visão mecânica de mundo forjou o modo clássico de geração de conhecimento. As
características deste modo clássico e as conseqüências negativas para o desenvolvimento praticado
sob sua influência estão sob questionamento inexorável desde a década de 6016. Isso ocorre no
contexto da revolução sociocultural, que no nível macro criticou os pilares da civilização ocidental e
desafiou os valores da sociedade industrial de consumo, questionando também as formas dominantes
de geração, distribuição e apropriação da riqueza.

No conjunto das análises críticas realizadas a partir da década de 60, a ciência emergiu como
fator tanto de desenvolvimento como de desigualdade. As características do modo clássico de geração
de conhecimento passaram a ser examinadas para revelar os seus limites e distorções. De fato, a
segunda metade do século XX assistiu a queda de vários paradigmas científicos e de desenvolvimento,
e o surgimento de iniciativas para construir novos modos de interpretação e de intervenção, inclusive
para a geração de conhecimento.

Agora, a ciência praticada sob a tradição filosófica do Positivismo perde seu monopólio frente
a emergência de novas premissas ontológicas (sobre a natureza da realidade), epistemológicas (sobre
a natureza do conhecimento e do processo para sua geração), metodológicas (sobre o método e a
natureza do indagar) e axiológicas (sobre os valores éticos e estéticos e a natureza da intervenção). O
construtivismo, em sua versão associada à teoria crítica, é uma das alternativas emergentes que
ganha cada vez mais legitimidade 17, por seu potencial para a participação da sociedade em geral e os
atores do desenvolvimento em particular, com profundas e positivas implicações para iniciativas de
mudança institucional18.

No futuro próximo, a humanidade contará com o modo clássico e o modo contextual de geração
de conhecimento, que ocupará os espaços que o primeiro não consegue, pois as características que

16 Ver Capra (1982, 1996); Astley (1985); Miller (1985); Harding (1991); Díaz (1992); Tetenbaum (1998); Wallerstein (1999)..
17 Ver Berger e Luckmann (1966); Knorr-Cetina (1981); Kloppenburg (1992); Dickens e Fontana (1994); Bentz e Shapiro
(1998); Baldwin (2000); Gibbons (2000); Woolgar (2000).
18 Ver Smircich e Stubbart (1985); Prahalad e Hamel (1994); Chia (1995); Boje et al. (1996); Gergen e Thatchenkery (1996);
Kay e Bawden (1996); Hatch (1997); Hussey (1997a, 1997b); Escobar (1998); Franklin (1998a, 1998b); Tasaka (1999); Watson
(2000).

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De Souza Silva, José A mudança de época

são responsáveis pela contribuição do modo clássico limitam suas incursões na complexidade da
realidade. As diferenças e complementaridades de ambos podem ser deduzidas a partir das premissas
de cada um nas dimensões ontológica, epistemológica, metodológica e axiológica associadas ao
esforço de geração e apropriação de conhecimento. Apesar de construída originalmente para o caso
dos paradigmas científicos, a presente síntese é também válida para inspirar e orientar diferentes
modos de interpretação e intervenção:

1. Em sua dimensão ontológica, o modo clássico (positivista) assume que a realidade existe
de forma objetiva, independente de nossa percepção, e que a missão da ciência é descobrir
esta realidade como ela “realmente” é, para que sejamos capazes de descrevê-la, predizê-la,
controlá-la e explorá-la. Sob estas premissas, a realidade é apenas aquela que pode ser vista,
pesada, medida e contada; enfim, traduzida à linguagem matemática.

• Diferente do objetivismo do modo clássico, o modo contextual (construtivista) assume um


contextualismo onde não existe uma senão múltiplas realidades, todas dependentes das
diferentes percepções dos diferentes grupos de atores sociais. Não nega a existência do
que chamamos de “concreto”, mas revela que nosso acesso ao “concreto” ocorre de forma
intermediada pelos significados que lhe atribuímos culturalmente. Também assume que se
a realidade é socialmente construída pode ser socialmente transformada. Sob este conjunto
de premissas, além da “realidade dura” (hard reality) dos “fatos concretos” ( hard facts)
existe uma “realidade branda” ( soft reality) constituída pela trama de relações, interações,
conexões, impactos e implicações, que são inclusive fontes de significado para os “fatos
concretos” da referida “realidade dura”
• Em síntese, o modo clássico é apropriado para identificar e descrever os fatores
responsáveis pelas regularidades dos fenômenos físicos, químicos e biológicos que existem
independentes da percepção humana. Já o modo contextual é relevante para identificar e
interpretar as diferentes realidades construídas pelas diferentes percepções dos diferentes
grupos de atores sociais, incluindo os fenômenos “concretos” cuja compreensão dependa
dos significados culturais a eles atribuídos.

2. Em sua dimensão epistemológica, o modo clássico assume que o importante é conhecer


as “leis naturais” que regem o funcionamento da realidade, na natureza e na sociedade.
Também assume que o todo está contido nas partes, o que permite dividir o todo em suas
partes constituintes para conhecer cada uma em seus mínimos detalhes, o que torna possível
explicar o todo a partir de sua menor parte19. No entanto, o pesquisador deve agir de forma
objetiva e distante do “objeto” e do “contexto” de sua pesquisa para assegurar que seus
resultados são a expressão da “verdade” que necessitamos conhecer.

• Diferente do reducionismo do modo clássico, o modo contextual assume um holismo onde


o relevante é conhecer os processos de interação através dos quais os diferentes grupos
de atores sociais do desenvolvimento constroem suas diferentes percepções da realidade.
De igual forma sistêmica, também assume que o conhecimento das partes é insuficiente
para compreender a dinâmica do todo, o que exige conhecer as relações entre as partes,
entre estas e o todo e entre o todo e as partes. O todo não está contido nas partes; sua
dinâmica é uma propriedade emergente : surge da interação entre as partes, não se
reproduzindo de forma isolada em nenhuma delas.
• Em resumo, o modo clássico é imprescindível para gerar conhecimento especializado sobre
diferentes partes específicas da realidade, mas é o modo contextual que identificará e

19 Amparados pelo reducionismo da Física Mecânica, os Físicos prometeram explicar o Universo a partir da conhecimento do
átomo, da mesma forma que agora os biólogos moleculares estão prometendo explicar tudo a partir do conhecimento do gene.

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De Souza Silva, José A mudança de época

explicará a trama de relações entre as partes do todo, responsáveis por sua dinâmica
geral, seus paradoxos e suas contradições.

3. Em sua dimensão metodológica, o modo clássico assume que o método apropriado é o


que realiza uma assepsia ideológica dos valores, interesses e compromissos do pesquisador e
dos atores do contexto da pesquisa. Por isso, o método experimental, as técnicas estatísticas
e qualquer estratégia que permite traduzir a realidade à linguagem matemática são ideais
para gerar conhecimento objetivo e, portanto, verdades científicas válidas.

• Diferente do modo clássico, o modo contextual assume como apropriados os métodos


interativos que permitem ao pesquisador incorporar o contexto e seus atores como parte
integral da pesquisa. Com isso, a geração de compreensão inclui o entendimento de certos
processos, relações, e significados que ocorrem no contexto da pesquisa, que só o
conhecimento tácito dos atores locais pode complementar o esforço de pesquisa e
aumentar o grau de validez de seus resultados e o grau de relevância de seus impactos.
• Em resumo, o modo clássico é imprescindível para identificar e descrever fenômenos que
independem da história e do contexto, onde sua contribuição não exige interpretações
associadas à intervenção humana, enquanto o modo contextual é indispensável para
penetrar o mundo dos fenômenos que envolvem gente, onde a interação do pesquisador
com os atores do contexto da pesquisa é obrigatória, para a participação destes na
interpretação de sua realidade.

4. Em sua dimensão axiológica, o modo clássico assume a neutralidade da prática científica.


Sob esta premissa, o método científico (positivista) é suficiente para impedir a penetração de
valores, interesses e compromissos do pesquisador e dos atores do contexto, porque nada
consegue romper sua barreira de imunidade ideológica. Não há necessidade de negociação
associada a valores, porque só o uso dos resultados científicos podem ser manipulados
ideologicamente, a prática científica é metodologicamente imune a esta manipulação.

• Ao contrário do neutralismo do modo clássico, o modo contextual assume o ativismo frente


à necessidade da interação humana para criar consenso sobre a realidade que se quer
interpretar, as mudanças que devem transformar a realidade, o conhecimento para
interpretar e intervir na realidade e os valores, interesses e compromissos que devem
prevalecer no processo. Um paradigma científico gera implicações mais além de sua
dimensão técnico-científica, incluindo aspectos políticos, éticos, institucionais, etc. Até a
escolha de uma teoria é um processo político, porque toda teoria reflete uma visão de
mundo que influencia modos de interpretação e intervenção.
• Em síntese, o modo clássico é mais apropriado para intervenções onde os humanos não
participam, enquanto o modo contextual assume importância crítica em todos os
processos onde valores e interesses humanos estão necessariamente presentes.

Pode-se deduzir, desta comparação, que o modo contextual de geração de conhecimento


assume um novo contrato social para a ciência , que a compromete mais com a maioria da sociedade,
uma ciência com consciência , comprometida com as dimensões humana, social, cultural, ecológica e
ética, que subordinam o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico. Suas características
essenciais (ver Morin 1984; Gibbons et al. 1994; Nowotny et al. 2001) são:

• Conhecimento gerado no contexto de sua aplicação e implicações. Para o modo


clássico, o contexto é uma inconveniência, porque inclui mais variáveis do que o pesquisador
necessita para trabalhar de forma controlada, razão porque foi inventado o laboratório, para
permitir o controle das variáveis escolhidas pelo cientista. Para o modo contextual, o contexto

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De Souza Silva, José A mudança de época

é uma fonte de compreensão insubstituível. Só o contexto pode ajudar ao pesquisador


compreender porque o problema existe e porque o mesmo se manifesta na forma como
ocorre. Mais além de ajudar no diagnóstico, o contexto oferece também muitas “dicas” para
compreender quais das alternativas possíveis para interpretar e gerenciar o problema é a mais
apropriada em cada caso particular onde o problema ocorre. O contexto é a chave .
• Conhecimento inspirado em problemas complexos. O modo clássico trabalha apenas
com problemas simples de pesquisa , enquanto o modo contextual inicia primeiro identificando
problemas complexos para a ciência . A complexidade da realidade é a razão da emergência
do modo constextual, enquanto o modo clássico se satisfaz em estudar os problemas de
pesquisa isolados da complexidade do contexto de sua ocorrência. Um problema complexo
para a ciência pode revelar um grande número de problemas de pesquisa. Trabalhando com
problemas simples de pesquisa, o modo clássico realiza uma extraordinária contribuição
através de esforços disciplinares, o que não é a fortaleza do modo contextual. Neste enfoque,
a monocausalidade e a linearidade assumidas pelo modo clássico são substituídas pela
multicausalidade e a não-linearidade típicas dos sistemas complexos e dinâmicos com
múltiplas dimensões e funções, que são interdependentes e às vezes contraditórias. A
complexidade é a chave .
• Esforço transdisciplinar. A complexidade do contexto requer uma compreensão ampla,
profunda e sistêmica, impossível de ser gerada com um esforço monodisciplinar, como é típico
da atuação do modo clássico. O modo contextual inclui mas transcende às disciplinas
disponíveis para incorporar o conhecimento tácito dos atores locais, que conhecem certas
interações que ocorrem no contexto e que nem todas as disciplinas juntas são capazes de
percebê-las e muito menos de compreender seu múltiplos significados locais. Só a
interpenetração dos “saberes” dos especialistas e dos atores locais permite uma interpretação
mais próxima da complexidade da realidade. O diálogo é a chave.
• Apropriação social do conhecimento. O contexto não é um vazio social, pois é constituído
por muitos atores e suas formas de organização. Enquanto o modo clássico exclui a
participação destes atores e de suas organizações, o modo contextual emergente os inclui,
aumentando o grau de correspondência entre as iniciativas planejadas e o contexto de sua
aplicação e implicações. A seqüência mecânica e linear do modo clássico—uns geram, outros
transferem e muitos adotam—é substituída pela apropriação social do conhecimento, que
ocorre por parte dos atores interessados durante o próprio processo de sua geração. O modo
contextual assume o desenvolvimento como um processo complexo de transformação onde
interagem (se encontram de forma convergente, divergente e contraditória) sociedade,
cultura e natureza. A interação é a chave .
• Reflexividade e compromisso sociais. Enquanto o modo clássico não faz autocrítica,
porque se crê neutro, o modo contextual se auto-analisa de forma permanente, além de exigir
dos participantes a habilidade de “colocar-se nos sapatos dos outros” para entender sus
razões e suas aspirações. Finalmente, conscientes da não-neutralidade das intervenções, os
praticantes do modo contextual assumem que o conhecimento gerado contextualmente é um
conhecimento socialmente comprometido com o contexto de sua aplicação (dimensão prática)
e implicações (dimensão ética). O compromisso é a chave.
• Controle social ampliado. No modo clássico, a avaliação técnico-científica dos “pares” é
suficiente para definir a qualidade dos resultados, numa análise da prática científica que não
inclui seus impactos no contexto de sua aplicação e implicações. No modo contextual os
critérios técnico-científicos são imprescindíveis mas insuficientes para definir a validez dos
impactos do conhecimento gerado e aplicado. Se para cada modo de intervenção corresponde
um modelo de avaliação, a emergência do modo contextual requer a criação de modelos sui
generis de avaliação, que reconheçam suas características e valorizem sua contribuição
diferente. Como resultado, outros atores do contexto serão também avaliadores, e a matriz de
avaliação incluirá outros tipos de critérios—ambientais, econômicos, políticos, sociais,
institucionais, éticos, etc.—que interessam à sociedade em geral e aos atores locais em
particular. Ao contrário da indiferença do modo clássico, causada por sua falsa neutralidade
frente aos valores e interesses humanos, o modo contextual é deliberadamente inclusivo do
bem-estar da maioria. A sociedade é a chave .

08.10.07 24
De Souza Silva, José A mudança de época

Que lance a primeira pedra, aquele que não estiver vulnerável frente a estes processos globais
de mudança. Estamos todos vulneráveis; o que varia entre todos é o grau de vulnerabilidade, porque
varia a capacidade de interpretar a gênese de sua vulnerabilidade e a forma como ela se manifesta, o
acesso a diferentes tipos de recursos, a capacidade para conceituar sustentabilidade, a capacidade
para desenvolver estratégias, a capacidade para gerenciar a incerteza e a instabilidade, etc.

Por isso, mais de 70% de todos os processos de mudança realizados no mundo, nas últimas
duas décadas, usando reengenharia, planejamento estratégico e qualidade total fracassaram (Hussey
1997a, 1997b). Estes modelos instrumentais de mudança carecem de uma dimensão epistemológica
que lhes permita teorizar sobre o momento histórico do mundo. Os mais bem sucedidos foram
aqueles que pelo menos construíram cenários alternativos sobre o futuro.

QUO VADIS MUDANÇA INSTITUCIONAL?


PREMISSAS PARA A NEGOCIAÇÃO DE CENÁRIOS PARA A CONSTRUÇÃO DO FUTURO

Um dos sonhos da humanidade é voltar ao passado para mudar certos fatos históricos de tal
forma que o presente fosse diferente e melhor. Embora isso seja impossível com relação ao presente,
o sonho é totalmente possível com relação ao futuro, porque este está sendo construído hoje. O
presente é o passado do futuro. É possível mudar o futuro.

A melhor forma de controlar o futuro é inventando-o. O futuro não existe, pronto e melhor,
esperando por nós numa esquina do tempo. Nosso futuro é construído, diariamente, pelas
percepções, decisões e ações que prevalecem na trama das relações que influenciam o
desenvolvimento mundial. Não existindo, o futuro não pode ser previsto. Mas é possível compreender
a gênese, natureza e implicações das tendências que estão moldando o futuro. Com isso é possível,
coletivamente, fortalecê-las, transformá-las ou abortá-las, já que estas são socialmente construídas
pelos valores, interesses e compromissos de atores humanos. Para lidar com a incerteza do futuro, a
técnica de construção de cenários é uma das mais indicadas (Van der Heijden 1996), e pode ser
aplicada para os mais variados setores, temas e atividades (Castro et al. 2001). Embora seja fácil o
acesso a esta técnica, não é fácil imaginar as premissas que permeiam as iniciativas de construção de
cenários. Raramente estamos conscientes dos paradigmas e teorias que influenciam a coerência e
correspondência de nossos modos de interpretação e intervenção.

Aqui são compartilhadas algumas premissas derivadas das três visões de mundo em conflito no
contexto da mudança de época—cibernética, mercadológica e contextual. Elas estão inspirando e
orientando as mudanças globais que estão forjando a nova época. Sob o enfoque teórico da mudança
de época, qualquer mudança institucional pode ter pelo menos três cenários possíveis, aqueles
moldados por cada uma das três visões de mundo que estão influenciando nossas percepções,
decisões e ações. Cada uma das visões de mundo tem origem numa das revoluções—tecnológica,
econômica e cultural—que estão gerando as mudanças globais atuais. Como as mudanças
institucionais realizadas sob a influência de cada uma delas apontam a futuros completamente
diferentes, isso torna apropriado tomar em consideração estas visões de mundo nos esforços de

08.10.07 25
De Souza Silva, José A mudança de época

construção de cenários. O uso de premissas derivadas de cada uma das visões de mundo tem a
propriedade de aportar coerência às propostas de mudança institucional, que estarão em
correspondência com determinadas realidades emergentes, igualmente influenciadas pela mesma
visão de mundo. A seleção de premissas orientadoras é um processo ético e político, porque implica
tomar decisões associadas a valores, interesses e compromissos. Mas isso é inevitável, pois se trata
da construção do futuro, que não é uma questão apenas técnica senão principalmente política e ética.

Todo gerente atua sob a influência de uma visão de mundo, que molda uma imagem de
organização (Morgan 1986) que, por sua vez, forja sua visão do que é a mudança institucional e para
que serve. Tudo isso se reflete no modelo de gestão da mudança institucional. Mas geralmente, nada
disso está explícito nos processos de mudança, porque nem sempre existe um esforço intelectual
sobre a natureza, rumo e prioridades do processo. A maioria se limita a seguir as fórmulas e receitas
instrumentais famosas do momento. Todavia, seria ético e conseqüente negociar premissas para
inspirar e orientar o processo.

Cenário-1: As máquinas no comando ( coerência e correspondência para a eficiência)


• O mundo é uma máquina — um sistema de informação auto-regulado (metáfora-guia).
• A organização é uma máquina de produzir bens e serviços.
• A mudança institucional é um instrumento para fazer ajustes e resolver problemas de
eficiência.
• A realidade é “objetiva” e existe de forma independente de nossa percepção.
• Na mudança, a realidade da organização deve ser conhecida para ser melhor controlada.
• A intervenção é um processo técnico e racional e, portanto, neutro.
• O futuro é uma extensão do presente e é, portanto, único, previsível e certo.
• A realidade deve ser compartimentalizada para ser compreendida através da análise de suas
partes.
• Tudo que é importante pode ser quantificado—traduzido para a linguagem matemática.
• Os seres humanos são “racionalistas” e decidem com a razão, não com o coração.
• Existe sempre “a melhor forma” de resolver qualquer problema ou de realizar uma tarefa.
• Existe sempre “a resposta correta” para qualquer pergunta.
• Para cada efeito existe apenas uma causa.
• Para a máquina, todos os insumos são “recursos”: naturais, financeiros, materiais, humanos,
etc.
• A estabilidade do contexto é a base do planejamento e da gestão.
• Os fatores de aumento da eficiência são predição, controle, precisão, disciplina e
quantificação.
• Os modelos de intervenção mais eficientes são os modelos de oferta que permitem o controle
total.
• A racionalidade instrumental prevalece nos processos de mudança institucional bem
sucedidos.
• Os engenheiros são os melhores gerentes, estrategistas e facilitadores da mudança
institucional.
• O gerente da organização deve ser o único estrategista da mudança institucional.
• O objetivo superior da mudança é a eficiência máxima e no curto prazo é atingir objetivos e
metas.
• Toda mudança visa construir uma nova coerência para a eficiência em correspondência com a
lógica formal.
• A globalização é o novo “trem do progresso”; adaptemo-nos a suas tendências sem
questioná-las.
• No desenvolvimento, o Estado prevalece sobre o mercado e o setor público sobre o privado.

08.10.07 26
De Souza Silva, José A mudança de época

• A tecnociência é um instrumento para aumentar a eficiência produtiva: ciência para a


eficiência .
• O conhecimento é “algo objetivo” que pode ser produzido, transferido, adquirido e absorvido.
• O fator chave da aprendizagem é a repetição.
• Os pobres são pobres porque não são eficientes; os excluídos são os ineficientes da
sociedade.
• A organização sustentável é a organização eficiente.

Cenário-2: O mercado no comando (coerência e correspondência para a competitividade)


• O mundo é um mercado (metáfora-guia).
• A organização é um provedor de bens e serviços.
• A mudança institucional é um instrumento para resolver problemas de qualidade e
competitividade.
• A realidade é “objetiva” e evolui de acordo com as “leis” da natureza e do mercado.
• Na mudança, as realidades do mercado e da organização devem ser conhecidas para ser
melhor previstas.
• O futuro emerge da interação entre a oferta e a demanda e pode ser previsto pelas leis do
mercado.
• A existência é uma luta pela sobrevivência através da competição, numa arena onde vence o
que elimina seus competidores
• Na lógica da sobrevivência a competição é a chave do sucesso: mais egoísmo e menos
solidariedade.
• Os seres humanos são egoístas e decidem de forma utilitária e pragmática para levar
vantagem em tudo.
• Na realidade do mercado as transações comerciais prevalecem sobre as relações sociais.
• O mercado é a fonte mais importante de sinais sobre o futuro para orientar decisões no
presente.
• O mercado é o melhor árbitro do processo de produção, distribuição e apropriação da riqueza.
• A economia é independente da política; suas decisões técnicas prescindem da intervenção do
Estado.
• Para o mercado todos os insumos são formas de “capital”: natural, social, humano,
intelectual, etc.
• A racionalidade econômica prevalece nos processos de mudança institucional bem sucedidos.
• Os modelos de intervenção mais competitivos são aqueles centrados na demanda e nos
clientes.
• Os economistas são os melhores gerentes, estrategistas e facilitadores da mudança
institucional.
• Os analistas da organização devem ser os únicos estrategistas da mudança institucional.
• O crescimento econômico é o objetivo do desenvolvimento.
• O objetivo superior de longo prazo da mudança é a acumulação e o de curto prazo é o lucro
máximo.
• Toda mudança visa construir uma nova coerência em correspondência com o mercado.
• A globalização é o único caminho para o futuro; adaptemo-nos a suas tendências sem
questioná-las.
• As “regras transnacionais” do jogo do desenvolvimento são mais relevantes do que as “regras
nacionais”.
• O “livre” mercado e a “livre” competição solucionam os graves problemas da sociedade e do
Planeta.
• Os pobres são os mais beneficiados com a liberalização, desregulamentação e privatização.
• A desigualdade social é “funcional” para o desenvolvimento das sociedades.
• Na mudança, o mercado prevalece sobre o Estado; o setor público é o problema e o privado é
a solução.
• A gestão pública competitiva é aquela que imita a gestão das empresas privadas.
• A tecnociência é um instrumento para aumentar a competitividade/qualidade: ciência para o
lucro.
• O conhecimento é “algo objetivo” que pode ser produzido, processado, comprado, vendido,
etc.

08.10.07 27
De Souza Silva, José A mudança de época

• O fator chave da aprendizagem é a imitação (benchmarking das “melhores práticas”).


• Os pobres são pobres porque não são competitivos; os excluídos são os não-competitivos da
sociedade.
• A organização sustentável é a organização competitiva.

Cenário-3: A sociedade responsável ( coerência e correspondência para a sustentabilidade)


• O mundo é uma trama de relações e significados entre diferentes formas e modos de vida
(metáfora-guia).
• A organização é um sistema complexo e dinâmico que inclui conflitos e contradições.
• Uma organização é um facilitador de mudança e desenvolvimento.
• A mudança é um processo complexo de aprendizagem por descobrimento onde a organização
se transforma para transformar.
• A realidade é socialmente construída, porque é dependente de nossa percepção, decisões e
ações.
• Se é socialmente construída, a realidade pode ser socialmente transformada.
• Nosso acesso ao “concreto” ocorre de forma intermediada pelos significados culturais que lhe
atribuímos.
• A realidade inclui mas transcende o mercado, incluindo todas as formas de vida no Planeta e
suas interações.
• A realidade é o que nosso método de observação—visão de mundo—nos permite perceber.
• O objetivo da mudança é compreender para transformar sob o poder do argumento não o
argumento do poder.
• Na mudança, primeiro os fins depois os meios.
• Um problema complexo não é superado sob a mesma percepção e com os mesmos métodos
que o geraram.
• O futuro não existe; é construído diariamente a partir de nossa percepção, decisões e ações
compartilhadas.
• A melhor forma de controlar o futuro é inventando-o.
• O crescimento econômico é possível com individualismo egoísta; o desenvolvimento só com
solidariedade.
• Os humanos são cidadãos, talentos humanos com imaginação e criam além de seu
conhecimento prévio.
• A racionalidade ecológica prevalece nos processos de mudança bem sucedidos.
• Os modelos de intervenção para a sustentabilidade são sistêmicos e centrados no contexto.
• A liderança, gestão e facilitação da mudança institucional são desafios para equipes, não para
indivíduos.
• O objetivo superior da mudança é a melhoria das condições/nível/qualidade de vida de todas
as formas de vida.
• Toda mudança visa construir uma nova coerência em correspondência com a dinâmica do
contexto.
• As tendências da globalização são construídas por diferentes percepções, decisões e ações.
• Nenhuma tendência é irreversível, e pode ser socialmente transformada.
• A inovação emerge da interação social.
• O global e o local são faces diferentes da mesma moeda; cada uma é definida em relação à
outra.
• A realidade é complexa, e não pode ser reduzida a falsas dicotomias (Estado vs. mercado;
público vs. privado).
• A complexidade, a incerteza e a instabilidade são as premissas do planejamento e da gestão
contextuais.
• A tecnociência é praticada por humanos, e a sociedade deve controlar sua natureza, rumo e
prioridades.
• Dados são símbolos carentes de significado.
• Quando são articulados e ganham significado, os dados se transformam em informação.

08.10.07 28
De Souza Silva, José A mudança de época

• O Conhecimento é um estado cambiante de compreensão que emerge da experiência e da


abstração.
• A sabedoria é traduzida pelas decisões políticas e éticas tomadas a partir da compreensão
existente.
• Aprende-se melhor fazendo, indagando, buscando, debatendo, interagindo e sendo.
• Os pobres são um indicador vivo de que existe o fenômeno da pobreza.
• A pobreza é um subproduto da lógica do processo de produção, distribuição e apropriação da
riqueza.
• A desigualdade emerge de relações assimétricas de poder institucionalizadas em favor dos
mais poderosos.
• O desenvolvimento como transformação emerge de uma rede de relações entre sociedade,
cultura e natureza.
• A organização sustentável é a organização cambiante (porque o contexto é cambiante).

Estas listas são necessariamente genéricas, incompletas, imperfeitas e provisórias. Ainda assim
elas podem ser extremamente úteis, pois elas estimulam os atores interessados a negociar e construir
suas listas de premissas específicas. Na construção de cenários, é relevante perceber que uma visão
de mundo gera uma coerência institucional muito diferente da coerência criada sob outra visão de
mundo. Se o esforço é feito de forma participativa, isto pressiona os líderes, gerentes, estrategistas e
facilitadores para negociar uma visão de mundo, cujas premissas vão articular os valores, interesses e
compromissos da mudança institucional.

Os protagonistas da construção de cenários devem perguntar: quais seriam as premissas mais


inspiradoras para orientar suas iniciativas de mudança, se cada um dos cenários fosse influenciado
por uma das visões de mundo em conflito no contexto da atual mudança de época. A partir daí,
qualquer que seja o setor, tema ou atividade sob análise prospectiva deve ser submetido à aplicação
das premissas correspondentes a cada uma das visões de mundo, o que resultará em cenários
diferentes e eventualmente incompatíveis entre si. A consciência ética gerada no exercício é tão
poderosa que a natureza, rumo e prioridades do próprio processo de mudança serão influenciados
pelas premissas que o fundamentam. Cedo ou tarde, a percepção, decisões e ações dos que
participam diretamente do processo de mudança institucional refletirão em maior ou menor grau as
premissas que o orientam, dando-lhe uma coerência difícil de ser obtida de outra forma, com o
mesmo grau de legitimidade possível desta maneira. Estas mesmas premissas servem para gerenciar
muitos dos conflitos que emergem nos processos de mudança institucional, porque assumem a função
de critérios para a negociação.

Finalmente, é importante perceber que as visões de mundo que são pluralistas permitem
importar daquelas que são reducionistas alguns de seus elementos orientadores, exceto suas
premissas. Por exemplo, a visão contextual de mundo é inclusiva das diferentes dimensões da
realidade, enquanto as outras duas visões são unidimensionais, porque a mecânica privilegia apenas a
dimensão de eficiência e a visão econômica promover apenas a importância do mercado.
Considerando que as visões mecânica e econômica têm em comum a ênfase nos meios, enquanto a
visão contextual enfatiza primeiro os fins, esta última permite importar o conceito de eficiência da
visão mecânica e os conceitos de competitividade e qualidade da visão econômica mas, numa

08.10.07 29
De Souza Silva, José A mudança de época

hierarquia de objetivos, estes conceitos são subordinados a objetivos-fins superiores. Além disso, a
visão contextual adiciona os conceitos de sustentabilidade e equidade para promover um maior
equilíbrio na matriz de critérios para avaliar o desempenho das organizações e suas iniciativas de
mudança institucional.

CONCLUSÃO
E AGORA JOSÉ: MÁQUINA, ARENA OU ÁGORA ?

Antes era o caos. (Depois) No princípio, Deus criou o ser humano e o colocou no Jardim do Éden, sem
acesso à Árvore do Conhecimento; mas ele rompeu o monopólio da informação estabelecido por Deus,
que o castigou com a pena de morte, tornando-o mortal e obrigando-o a caçar, pescar e coletar alimentos
para viver. Depois ele descobriu o fogo, a pedra e o ferro, construiu armas de guerra e criou o conceito de
arena para lutar contra si mesmo. Então, ele inventou a agricultura e a irrigação, descobriu o excedente
da produção e o comercializou para aumentar sua riqueza e poder. Um dia, um egoísta ergueu uma cerca,
e muitos, ingênuos e inocentes acreditaram na propriedade privada—a fonte da desigualdade que nos
dividiu entre os que têm e os que não têm. Nasceu então a civilização do ter, não do ser.
Assustado, Deus enviou o seu filho predileto—Jesus Cristo—para salvar seu experimento terrenal, mas
sua intervenção não teve um final feliz. A desordem continuou e aumentou. Preocupados com a desordem
social global, Francis Bacon, Thomas Hobbes e Adam Smith propuseram, respectivamente, sem sucesso, a
ciência, o Estado e o mercado, como guardiões— Leviatãs—da ordem social. Mas Charles Darwin ficou
famoso criando a Teoria da Evolução das Espécies, onde o evolucionismo supera o criacionismo, matando
a Deus. Num mundo sem Deus, governado sob a ditadura da Razão, o ser humano inventou o capital, a
mercadoria, o lucro e a acumulação, consolidando o capitalismo durante o industrialismo e forjando o
nascimento da corporação transnacional. Porém nasceu Karl Marx, que criticou o capitalismo, inventou o
socialismo sonhou com o comunismo e morreu por sua causa, que não chegou a ser realizada.
Mas a época do industrialismo está morta; o computador já substituiu a chaminé das fábricas, e a
realidade virtual já supera a realidade real com o apoio da tecnologia digital. Então, Thomas Kuhn propôs
a teoria da ascensão e queda dos paradigmas, Francis Fukuyama proclamou o fim da história, Daniel Bell
anunciou o declínio da sociedade industrial e Manuel Castells revelou a emergência da sociedade-rede. Por
isso, as corporações transnacionais debilitaram o Estado-nação e agora querem uma ordem mundial só
para elas, onde o mercado comande a ciência, o Estado, a sociedade civil e o Planeta, um mundo onde
elas tenham só direitos e nenhuma obrigação.
Deus está aflito. Ele quer enviar seu filho outra vez, mas tem uma dúvida; antes considerado um
subversivo, ele seria hoje acusado de terrorista. Jesus Cristo enfrentaria as corporações transnacionais, a
versão moderna da Monarquia absolutista que exerce a forma mais autocrática de poder no evoluído
experimento de seu Pai. A humanidade precisa de Ágoras (antiga forma de Assembléia Grega) para a
prática da democracia participativa, pois a democracia representativa está forjando um governo mundial
sem Presidente nem eleições, onde os que decidem não são eleitos e os que são eleitos não decidem. Mas
a globalização neoliberal fragmentou o mundo em arenas comerciais e tecnológicas, onde prevalece a lei
do cada um por si, Deus por ninguém e o Diabo contra todos . Agora, sem fé, sem espírito nem sabedoria,
o ser humano criou os problemas antropogênicos que ameaçam a vida no Planeta, o que a sociedade civil,
de forma ainda atomizada, assistemática, territorialista e ingênua luta para evitar.
Voltaremos ao princípio de tudo? Talvez. A menos que sigamos o conselho de Dom Hélder Câmara, o
já falecido Bispo de Olinda, Pernambuco, e sonhemos, o mesmo sonho, juntos: o início de uma nova
realidade baseada na solidariedade. Do contrário, uma catástrofe anunciada. Será o caos? Pequenos
grupos de excluídos já se integram para excluir os que os excluem, sem coordenação entre grupos, de
forma caótica, até que a minoria sobrevivente decida abandonar a lógica da acumulação e construí outra
humanidade. Depois, não se sabe. Haverá um “depois”?

A história da humanidade, em qualquer de suas versões—filosófica, religiosa, material, etc. —é


uma história de construção, fragmentação e reconstrução de coerências e correspondências, que
ficam obsoletas a cada época histórica. Diferentes modos de interpretação e de intervenção coexistem
em cada época, mas uns dominam e muitos são subordinados, dentro de uma hierarquia estabelecida
por relações assimétricas de poder, que são geralmente institucionalizadas em favor dos mais
poderosos em seu intercâmbio com os mais débeis. Como concluiu Rousseau, em seus estudos para

08.10.07 30
De Souza Silva, José A mudança de época

escrever O Contrato Social: o mais forte não o será sempre para continuar sendo amo e senhor, se
não transforma sua força em direito e a obediência em dever.

Numa mudança de época, antigas relações assimétricas de poder são destruídas e novas são
criadas. Com sua marca registrada—incerteza, instabilidade, descontinuidade, desorientação,
fragmentação, insegurança, perplexidade e vulnerabilidade, esta mudança de época está gerando as
doenças do Século XXI—estresse e depressão (Lash 1986), ambas originadas pelo contexto
cambiante. Nações e organizações estão entrando numa busca frenética por um futuro diferente e
melhor, mas são reféns da competição entre diferentes visões de mundo que apontam a realidades
diferentes e nem sempre favoráveis para a maioria. A Terra e seus frágeis habitantes são hoje reféns
da falta de sabedoria da espécie humana. Nós conseguimos avanços tecnológicos impressionantes,
mas quanto mais avançamos nesta área menos conseguimos ser o que mais falta nos faz: ser mais
humanos. Tudo isso pode se refletir numa mudança institucional, considerando que as organizações
refletem em maior ou menor grau as principais características da organização política, socioeconômica
e institucional da sociedade que as cria, financia, muda e eventualmente extingue.

Nunca antes na história da humanidade, tantos estiveram tão perplexos e vulneráveis. A razão é
que outra vez estamos experimentando uma mudança de época. Neste momento, a sociedade deve
impedir que “os que sabem fazer” —cientistas, consultores, especialistas, etc. —sejam os únicos
decidindo “o que deve ser feito”. O mesmo é verdade dentro das organizações, num processo de
mudança institucional. Em termos de anterioridade, o primeiro momento da mudança deve
concentrar-se nos fins, e deve envolver todos os que integram à organização, assim como seus
usuários e parceiros. Assim, a premissa orientadora da mudança institucional deve ser externa,
centrada no contexto cambiante. A sustentabilidade não existe; ela emerge, ascende, declina e
eventualmente se extingue num processo de negociação permanente com os atores do
desenvolvimento. O que existe é uma busca permanente por coerência e correspondência.

As organizações sustentáveis serão as organizações cambiantes, capazes de monitorar e


interpretar de forma permanente as mudanças que transformam seu contexto relevante e de renovar
sempre que necessário seus modos de interpretação e de intervenção. O contrário já é bastante
conhecido: o mimetismo institucional onde a moda é imitar, é proibido criar. A maioria das mudanças
realizadas na América Latina são centradas mais na forma (mudança na estrutura) do que na
substância (mudança nas “regras do jogo”). Na eterna guerra entre a aparência e a essência, a
aparência continua ganhando a maioria das batalhas.

Historicamente, nos deparamos com três visões de mundo em conflito (Anexo-1), que oferecem
três coerências para construir paradigmas de desenvolvimento (Anexo-2), três cenários possíveis, três
futuros diferentes, três referências para a mudança institucional. Qual delas prevalecerá nas iniciativas
de mudanças? Espera-se que prevaleça a visão contextual, onde a racionalidade comunicativa constrói
uma correspondência com a sustentabilidade de do Planeta. Esta visão de mundo nos pressiona para
o ‘modo contextual’ de inovação (Anexo-3) onde se pratica o enfoque do desenvolvimento de (um
país, comunidade, organização, país), que inclui o desenvolvimento humano e social dos atores locais,

08.10.07 31
De Souza Silva, José A mudança de época

ao contrário do enfoque do desenvolvimento em, cuja fonte de inspiração, o ‘modo clássico’ (Anexo-3)
não inclui estas dimensões senão apenas a exploração de variáveis eco-agro-ambientais favoráveis.

Se prevalecem referências associadas à visão cibernética, a racionalidade instrumental dominará


a mudança, gerando uma cultura indiferente à história e ao contexto, comprometida apenas com a
coerência para a eficiência. Se prevalece a visão mercadológica, a racionalidade econômica formará
gladiadores indiferentes à miséria humana, ávidos para lutar nas arenas onde vencem os que
eliminam o maior número de competidores usando o argumento do poder e não o poder do
argumento. Mas, um futuro melhor virá através da construção de arenas ou Ágoras?

Um futuro relevante só pode emergir com a proliferação de Ágoras e a globalização da


solidariedade, pois no desenvolvimento somos todos anjos de uma asa só, que não conseguem voar
se não o fazem abraçados. Isso foi vaticinado por Oliveira de Panelas, repentista popular e filósofo
social que anuncia: ou se salva todo mundo ou não escapa ninguém.

Na globalização neoliberal, a metáfora da arena não constrói a propalada ‘aldeia global’, pois
não gera integração. A globalização neoliberal só cria convergência tecnológica, interdependência
econômica, fragmentação política e desintegração social. Até quando? A que custo?

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De Souza Silva, José A mudança de época

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Anexo-1: Visões de mundo em conflito no contexto da mudança de época


José de Souza Silva, E-mail: josedesouzasilva@gmail.com
Visão cibernética Visão mercadológica Visão contextual
Metáfora guia: o mundo é uma Metáfora guia: o mundo é um Metáfora guia: o mundo é uma trama
máquina [uma máquina cibernética mercado [um agregado de arenas de relações e significados entre
que funciona como um sistema de comerciais e tecnológicas onde a diferentes formas e modos de vida
informação auto-regulado; um mundo importância de tudo é reduzida a sua [realidade caórdica (caos + ordem),
constituído de redes cibernéticas, função econômica. Nós não somos hoje ameaçados por problemas
onde tudo é reduzido a informação e cidadãos senão provedores, clientes, antropogênicos—criados pela ação
todos são percebidos como produtores, processadores, humana—, cuja solução depende de
consumidores, processadores e competidores, investidores, que a sustentabilidade seja percebida
“produtores” de informação, que é o consumidores, exportadores, etc. Até como uma propriedade emergente da
fator estratégico mais crítico para a a natureza—a vida—é passível de ser a interação humana para superar
criação de riqueza e poder] vendida e comprada] nossa vulnerabilidade]
Os seres humanos são “recursos Os seres humanos são “capital Os seres humanos são “talentos
humanos”, peças da engrenagem, humano” ou “capital intelectual”, humanos”; o mundo tem
porque tudo que entra na máquina é porque tudo que entra no mercado é potencialidades naturais, humanas,
percebido como “recurso”: recursos percebido como “capital”: capital etc. Nossa imaginação nos permite
naturais, recursos financeiros, natural, capital financeiro, capital criar mais além da experiência atual e
recursos humanos, etc. social, capital humano, etc. do conhecimento prévio.
As organizações são “máquinas” As organizações são “provedores” de As organizações são “facilitadores de
inovadoras: consomem, processam e bens e serviços demandados pelo mudança”, inspiradas nos desafios
produzem informação, que é mercado, que é a principal fonte de (necessidades, realidades e
transformada em bens e serviços a referência para a inovação. A aspirações) do contexto onde ocorre a
ser ofertados. A organização organização sustentável é a aplicação e implicações de suas
sustentável é a organização eficiente; organização competitiva; quanto contribuições. A organização
quanto maior seu grau de eficiência maior seu grau de competitividade sustentável é a organização
maior seu grau de sustentabilidade. A maior seu grau de sustentabilidade. A cambiante, que inova e muda junto
eficiência produtiva é seu objetivo. maior competitividade é seu objetivo. com seu contexto cambiante.
As inovações importantes são As inovações importantes são As inovações relevantes “emergem”
“produzidas” por organizações de “providas” por organizações de ciência de processos de interação social, com
ciência e tecnologia que dependem da e tecnologia, que interpretam os sinais a participação dos atores que as
inteligência e sensibilidade pessoal de do mercado como a melhor fonte de necessitam e que são impactados por
seus cientistas. Para a “máquina de inspiração. O “provedor de inovações” seu uso. A interação social é
inovar”, a interação é desnecessária interage com os “clientes” para imprescindível: os “expertos” que
(e, às vezes, uma inconveniência); os conhecer suas “demandas”, pois estes sabem “como fazer” não têm o direito
cientistas sabem o que é melhor para são os únicos atores relevantes. de definir sozinhos o “que deve ser
a sociedade e o planeta. feito”.
A “gerência da eficiência” é restringida A “gerência da competitividade” é A “gerência na turbulência” exige que
ao mundo dos meios, e se move sob restringida ao mundo do mercado, e fins e meios sejam negociados juntos,
os ditames da racionalização: a busca assume (i) a oferta e a demanda para que os fins sirvam de critério
da eficiência, predição, precisão, como suas leis, (ii) o lucro máximo para subordinar a contribuição dos
controle, quantificação, etc. O Estado como seu critério, e (iii) a acumulação meios. Os excluídos emergem de
trata “a questão social” com políticas como seu objetivo. O mercado é o juiz relações assimétricas que forjam o
sociais compensatórias: os excluídos que premia aos bons e castiga aos processo desigual de criação, acesso,
são os ineficientes da sociedade. maus: os excluídos são os não- apropriação e uso de informação,
competitivos da sociedade. riqueza e poder.
O desempenho da “organização- O desempenho da “organização- O desempenho da “organização-
máquina” é dependente da provedora” é dependente do grau de facilitadora de mudança” emerge da
quantidade dos meios disponíveis, da sua conectividade com as demandas interação de seus subsistemas
eficiente gestão destes meios e da de seus clientes, de seu conhecimento internos, e da interação entre estes e
alta produtividade na transformação das tendências do mercado e do valor seu contexto relevante. Isso implica
destes meios em bens e serviços a ser econômico agregado a seus produtos em coerência (interna) para uma
ofertados no contexto. A organização y/o serviços. A organização é melhor melhor eficiência, e correspondência
requer administradores capazes de administrada por economistas ou (externa) para sua maior relevância
“alinhar” os diferentes tipos de profissionais que percebam o mercado entre os atores do contexto. Os
“recursos” com os “objetivos” e como a fonte de solução para os gerentes devem ser competentes,
“metas” a serem alcançados, sob os problemas atuais; a existência é uma criativos, contextuais, conceituais e
ditames da razão, não do coração. luta pela sobrevivência através da éticos; a solidariedade é a chave para
competição. a sustentabilidade.

08.10.07 37
De Souza Silva, José A mudança de época

Anexo-2: Paradigmas de “desenvolvimento” em conflito na época histórica emergente


Paradigma neo-racionalista Paradigma neo-evolucionista Paradigma construtivista
Conhecer para controlar Conhecer para dominar Compreender para transformar
Metáfora-guia: O mundo como uma Metáfora-guia: O mundo como um Metáfora-guia: O mundo como uma
máquina mercado trama de relações e significados.
O desenvolvimento é um processo O desenvolvimento é um processo O desenvolvimento é um processo
racional, linear e cumulativo para um natural de destruição criativa para um contextual de criação de felicidade e
progresso tecnológico onde a crescimento econômico onde a bem-estar inclusivo, gerando bens e
felicidade e o bem-estar chegam com felicidade e o bem-estar são provistos serviços e construindo significados
a possessão de bens e acesso a pelo consumo de bens materiais e culturais e espirituais que dão sentido
serviços: civilização do ter/do acesso. culturais: sociedade do consumo. à existência: civilização do ser.
Existe uma realidade simples e Existe uma realidade complexa mas Existem múltiplas realidades
objetiva, independente de nossa objetiva, independente de nossa dependentes das diferentes
percepção, traduzível à linguagem percepção, traduzível à linguagem do percepções dos distintos grupos de
matemática, e que se pode descobrir, mercado, e dependente do processo atores sociais em seus diferentes
descrever, predizer e controlar para de evolução natural e da dinâmica das contextos; são realidades socialmente
manejá-la, Segue leis universais. leis da oferta e da demanda. construídas e transformadas.
Uns inovam, outros transferem e A inovação útil deriva da interação A inovação relevante emerge de
muitos adotam as inovações entre expertos e clientes, ou tem sua processos de interação social, com a
“produzidas” por expertos racionais demanda criada pela publicidade com participação dos que a necessitam ou
que sabem o que é melhor para apoio das ciências do comportamento. serão por ela impactados. A sociedade
todos. As máquinas estão no comando O mercado está no comando do está no comando do mundo da
do mundo da inovação, sob uma mundo da inovação, sob uma inovação, sob uma racionalidade
racionalidade instrumental: todos os racionalidade econômica, onde os relacional e comunicativa, onde os
problemas são reduzidos a questões problemas são reduzidos a questões problemas antropogênicos são
técnicas; a solução lógica resulta em de oferta-demanda, sempre com resolvidos pela interação humana,
mais gestão e mais tecnologia. solução de mercado. através da aprendizagem social.
O conhecimento racional— O conhecimento útil—informação—é O conhecimento significativo—
informação —é neutro, e é “produzido” neutro, e é “produzido” no mundo dos compreensão—é gerado e apropriado
no mundo dos expertos, onde a expertos e clientes, onde a no contexto de sua aplicação e
participação dos atores do contexto é participação de outros atores do implicações; a participação é
desnecessária. A ciência é a única via contexto é uma inconveniência. O imprescindível. Os saberes— científicos
aceitável para “produzir” conhecimento científico e de mercado e tácitos—são válidos se são
conhecimento válido. são os mais necessários e válidos. localmente relevantes.
A aprendizagem para o A “aprendizagem para o A aprendizagem para a inovação é
desenvolvimento se dá por repetição, desenvolvimento” se dá por imitação, contextual, e exige formar
e exige adestramento dos inferiores— e exige a capacitação dos inferiores— construtores de caminhos, que
subdesenvolvidos—pelos superiores— subdesenvolvidos—pelos superiores— aprendem em interação com o
desenvolvidos—para ajudá-los a desenvolvidos—para o mimetismo dos contexto, inventando a partir das
fechar a brecha de informação entre casos exitosos dos últimos. Sob a histórias e saberes locais, para não
ambos. Sob a “pedagogia da “pedagogia da resposta”, para ser perecer imitando a partir dos
resposta”, para ser como os como os desenvolvidos—superiores—, “desenhos globais” criados em outros
desenvolvidos—superiores—, os os subdesenvolvidos—inferiores— lugares, por outros atores e em outros
subdesenvolvidos—inferiores—devem devem seguir os exemplos idiomas. Não há desenvolvidos nem
seguir instruções criadas para forjar compartilhados para forjar seguidores subdesenvolvidos: todos fomos,
seguidores de caminhos já existentes. de caminhos já existentes. somos e seremos “diferentes”.
A vulnerabilidade institucional resulta A vulnerabilidade institucional resulta A vulnerabilidade institucional resulta
da perda de eficiência, que se deriva da perda de competitividade, que se da perda de relevância: perda de
da perda de coerência produtiva deriva da perda de correspondência correspondência com o contexto. A
interna. A solução dos problemas de com o mercado. A solução requer solução exige a interação humana e a
eficiência requer apenas tecnologia de apenas tecnologia de produção e de negociação, construção e
produção. comércio. (re)validação de significados.
O desenvolvimento sustentável resulta O desenvolvimento sustentável resulta A sustentabilidade exige cultivar as
do uso eficiente dos recursos, da gestão competitiva do capital condições e relações que geram e
naturais, financeiros, materiais, natural, financeiro, social, humano, sustentam a vida, o que só pode
humanos, etc., o que produz maior etc., o que produz maior emergir da interação humana, para
eficiência produtiva. Sustentabilidade competitividade tecnológica e mobilizar a imaginação, capacidade e
é uma questão de melhor tecnologia econômica. A sustentabilidade é uma compromisso dos atores para o
de produção, organização produtiva e questão de melhor tecnologia de humano, o social, o ecológico, o ético,
gestão dos meios, sem incluir produção e comércio, e de competição etc. Somos interdependentes: somos
dimensões subjetivas, como a social, individual como estratégia de anjos com uma asa, que não logram
a ética, a cultural e a espiritual. sobrevivência para la existência. voar se não o fazem abraçados.

08.10.07 38
De Souza Silva, José A mudança de época

Anexo-3: Modos de inovação


Modo clássico—positivista Modo contextual—construtivista
Propósito: conhecer para controlar Propósito: compreender para transformar
Visão mecânica de mundo: o mundo é uma máquina. Visão contextual de mundo: o mundo é uma trama de
relações e significados entre diferentes formas e modos de
vida.
Existe uma realidade objetiva que é independente de nossa Existe, múltiplas realidades dependentes das diferentes
percepção e é traduzível à linguagem matemática percepções dos diferentes grupos de atores sociais em
(objetivismo—positivismo ontológico). O único que se pode seus diferentes contextos (contextualismo—construtivismo
fazer com a realidade é conhecê-la para descrevê-la, ontológico). A realidade é socialmente construída e pode
predize-la, controlá-la e manejá-la para explorá-la. ser socialmente transformada.
É relevante conhecer as “leis naturais” que regem o É relevante compreender os processos de interação social
funcionamento da realidade, para permitir conhecê-la, através dos quais diferentes grupos de atores constroem
descrevê-la, predize-la, controlá-la e manejá-la para suas percepções da realidade, além de compreender os
explorá-la, para o benefício de todos. Somente os processos físicos, químicos e biológicos que funcionam
“aspectos tangíveis” da “realidade concreta” são independentes da interpretação e intervenção humana.
importantes, porque podem e devem ser medidos.
O todo é constituído de partes; para conhecer o todo é O todo é dinâmico e diferente do conjunto de suas partes;
preciso desmontá-lo para conhecer suas partes para compreender sua dinâmica é necessário compreender
constituintes, incluindo a menor de todas onde está sua a trama das relações e significados cambiantes que o
essência—reducionismo—. constituem— holismo—.
O método científico afasta o “pesquisador” do “objeto” da O melhor método permite a interação entre pesquisador e
pesquisa para suprimir a intervenção de valores e atores do contexto, que também são intérpretes de sua
interesses humanos (neutro), e afasta o “objeto” da realidade; o contexto é a chave para compreender os
pesquisa do seu “contexto” porque este contém muitas significados dos fenômenos (contextual) e o sentido da
variáveis que não são relevantes (não-contextual). As existência (valorativo). Sem interação não há compreensão
alianças, quando inevitáveis, devem ser seletivas. A nem inovação relevante, e sem compromisso coletivo não
interação social é desnecessária. há capacidade para superar problemas complexos.
O método científico é neutro porque assegura a não- A prática científica é uma atividade humana impregnada de
intervenção de valores e interesses humanos. A razão é a valores e interesses; é necessário negociar os valores
fonte da ação; o fator humano não intervém na éticos e estéticos que devem prevalecer na intervenção. A
constituição da realidade objetiva, que existe independente emoção (os desejos, valores, motivos, paixões, etc.) é a
de sua vontade. A ciência não necessita mudar as fonte da ação, não a razão; a razão é apenas um regulador
“pessoas” que mudam as coisas, senão apenas mudar as da ação. É imprescindível mudar as “pessoas” que mudam
“coisas” para mudar as pessoas, racionalmente. as coisas, não o contrário.
Uns inovam, outros transferem e muitos adotam; é A inovação emerge da interação; as inovações relevantes
necessário criar (separadamente) organizações de emergem de processos de interação social, com a
“pesquisa” que inovam e organizações de “transferência” participação dos que delas necessitam. As “organizações
que estendem a inovação para os “usuários” que devem de inovação” atuam interativamente no seu contexto
adotar a inovação. A inovação é uma dádiva da ciência relevante, sem separar pesquisa-transferência-adoção.
para a sociedade.
O conhecimento científico é o único conhecimento válido, e Conhecimento socialmente relevante é gerado de forma
é suficiente para conhecer, descrever, predizer, controlar e interativa no contexto de sua aplicação e implicações. A
manejar a realidade para explorá-la. Não há outros interpretação e transformação da realidade depende do
“conhecimentos” nem outros “saberes” válidos; só o diálogo de “saberes”, entre o conhecimento científico e
conhecimento científico descreve a realidade como ela outros “conhecimentos tácitos” dos atores locais. Uma
“realmente” é. Uma ciência para a sociedade, intermediada ciência da sociedade, que não tem intermediário porque é
pela tecnologia: ciência sem consciência. interativa: ciência com consciência.
Os problemas importantes são problemas simples de Os problemas relevantes são desafios complexos do
pesquisa, que só os cientistas estão capacitados para contexto para a pesquisa; um desafio complexo para a
identificá-los e resolvê-los. O contexto e sua complexidade pesquisa revela muitos problemas simples de pesquisa. O
não são alvos da pesquisa. contexto é a chave.

08.10.07 39

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