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O Espiritismo em Ponte do Cosme: um estudo de caso

Vitor Cesar Presoti


Reinaldo Azevedo Schiavo
Introdução
Em todos os espaços e tempos, as religiões estiveram e estão intimamente
vinculadas à sociedade, estabelecendo laços sociais entre indivíduos, determinando
normas de conduta, preceitos morais e influenciando significativamente as
dimensões da vida individual e social. Desta forma, o estudo sobre o fenômeno
religioso e de sua interação com a cultura agindo sobre as transformações sociais, é
um dos mais importantes mecanismos a serem acionados para a análise da
organização e estruturação das sociedades.
Este artigo parte do debate sobre os desdobramentos do espiritismo no campo
religioso de Ponte do Cosme, a fim de se realizar uma leitura sobre a inserção de
uma religião moderna e dinâmica como o espiritismo, dentro de uma comunidade
rural fundada por imigrantes italianos e que se organizam de maneira tradicional.
O trabalho irá contribuir para a elucidação das questões concernentes ao
campo religioso do distrito de Ponte do Cosme, bem como da cidade de Barbacena,
visto que não se encontram disponíveis estudos sociológicos sobre a inserção
espírita no campo religioso local. Desta forma, esta pesquisa se faz pertinente uma
vez que no Brasil, segundo Camurça (2014), a doutrina espírita, ao sofrer duros
ataques da Igreja Católica, viria a organizar suas ações e a legitimar-se enquanto
instituição religiosa tornando-se uma religião legitimamente brasileira.
Uma vez que a religião enquanto instituição transita e opera na história, se faz
presente na dimensão cultural, tem um grande peso nos moldes de nossa
democracia, interfere diretamente nos padrões comportamentais dos indivíduos e
dos grupos sociais, a análise do campo religioso local permite a investigação não só
da conjuntura religiosa, bem como uma leitura da formação da vida social local.
Metodologicamente partimos da revisão bibliográfica sobre o tema como o
ponto inicial da pesquisa, incluindo livros sobre a prática da doutrina espírita e textos
acadêmicos. Após esse período, buscamos a inserção ao campo, realizando um
trabalho etnográfico a fim de entender, o mais amplamente possível, o objeto a ser

Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Instituição
financiadora da pesquisa: CAPES. vitorcpresoti@gmail.com
estudado. Visitamos o distrito e o centro espírita “Amor à Verdade”. Durante este
trabalho de campo, conversamos com praticantes da doutrina e outros atores do
grupo; observamos o espaço e as relações sociais do contexto analisado; e,
principalmente, realizamos entrevistas temáticas, criteriosamente elaboradas,
semiestruturadas, no intuito de captar os registros da memória coletiva e significados
a partir das técnicas atinentes à história oral.
A memória coletiva (HALBWACHS, 1990) é estabelecida a partir de uma
combinação de lembranças e esquecimentos que acomodam, de certa forma, uma
autoimagem que os grupos sociais fazem de si próprios, denunciando como os
atores sociais e as instituições se identificam e se arranjam na história, pois a
memória:

(...) é uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma


representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do
indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar,
social, nacional. Portanto toda memória é, por definição, coletiva (ROUSSO,
2002, p. 94).

A memória coletiva é um instrumento fundamental para realizar uma conexão


entre o passado e presente. Nela o passado mantém sua estiva com o ocorrido,
sendo dotada de novos sentidos a cada lembrança, a cada ressignificação. Além
disso, a transmissão dos saberes produzidos por uma coletividade encontra na
memória uma de suas mais influentes vias.
A seleção criteriosa dos entrevistados se deu pela proeminência de aspectos
relacionados com a representatividade, atuação destacada, idade, entre outras
variáveis correlacionadas com a relevância da identidade e memória do indivíduo em
relação aos temas da pesquisa.
A leitura de documentos oficiais, como os registros históricos do centro espírita
Amor à Verdade, possibilitou a compreensão da perspectiva institucional,
viabilizando o melhor entendimento da entidade, sua atuação, sua
institucionalização, bem como trouxe à tona suas similaridades e divergências de
difusão, se comparado o contexto local e nacional, em relação à propagação de uma
religiosidade surgida no bojo da modernidade.
Diferentes formas de religiosidade vêm operando ao longo da história como
mecanismos de interpretação para elucidar o indescritível, aquilo que o homem
chama de “sagrado”. Dentro desta multiplicidade de interpretações do
transcendente, abriu-se espaço para conflitos, disputas, verdadeiras guerras
religiosas, uma vez que cada interpretação religiosa, à sua maneira, crê que ela e
tão somente ela interpretou a verdade da revelação (CAMURÇA, 2014).
Com seu aspecto marcado pelo contexto de modernidade, uma destas
interpretações é o Espiritismo – isto é, um neoespiritualismo cristão –, que surge no
século XIX, trazendo o caráter evolutivo como uma marca moderna no perfil da
doutrina. Ao eclodir dentro do bojo da modernidade, o Espiritismo trás sua
interpretação do conceito de livre arbítrio, paralelamente a adoção da “Lei de causa
e efeito”, como um dos traços mais marcantes da sua cosmovisão.
Segundo o Espiritismo, o homem assume as rédeas da sua própria história,
deixando de ser uma “marionete no palco de Deus” (BOFF, 1980, p. 166 apud
CAMURÇA, 2014, p. 22), desta forma, será o livre arbítrio do espírito que conduzirá
sua evolução espiritual. “O espírito é uma individualidade moral, dotado de
pensamento, inteligência e vontade, o que implica numa
responsabilidade/culpabilidade, em fim no livre-arbítrio diante do Bem e do Mal.”
(ibidem, p. 33-34). Esta ideia de iniciativa dos seres em seu processo de salvação
confere ao Espiritismo o caráter de Religião de Aperfeiçoamento que se dá pela
mescla das noções de evolução e de individualidade presentes na doutrina.
(CAMURÇA, 2014).
Camurça (2014) aponta que o Espiritismo ao se apropriar “do evangelho
como base filosófica/moral para sua doutrina e reinterpretar a narrativa cristã (...)”
(ibidem, p. 36), pode ser interpretado como um Neocristianismo. Deste modo,

Jesus é visto como um dos muitos “profetas” e “mestres” divinos enviados à


terra. Do relato de sua vida desaparecem (...) a morte e a ressurreição,
porquanto não se enquadram na ideia da evolução (...). Nem tampouco
cabem no quadro à graça, a reconciliação e a cruz. Um homem salva-se por
si mesmo. Das escrituras ficam apenas o decálogo e a moral de Jesus.
(ROSSUM, 1992, p. 75-76 apud CAMURÇA, 2014, p. 36).

O Espiritismo é a “reinterpretação do cristianismo surgida na modernidade (...)


articulado à eclosão dos fenômenos paranormais” (CAMURÇA, 2014, p. 36) que
despontaram no século XIX. Neste período, diversas iniciativas de comunicação com
os espíritos dos mortos prosperaram mundo a fora. Ao mesmo tempo, pessoas se
reuniam para sessões de entretenimento em torno das “mesas girantes”, outros
iniciavam movimentos ligados a interesses religiosos, e ainda existiam aqueles
voltados para a experimentação científica, principalmente no que se diz respeito à
comprovação da “vida após a morte”. Impulsionados por este movimento, surgiam
cada vez mais pessoas interessadas nestas experiências espiritualistas,
principalmente nos Estados Unidos e Europa.
Um dos casos que mais se destacam dentro da história do espiritualismo é o
caso das irmãs Fox em Hydesville, atual Arcadia no estado de Nova York. As irmãs
Katherine Fox de onze anos, Margaret Fox de quatorze anos e Leah Fox vinte e três
anos mais velha, protagonizaram alguns episódios que vieram a ser conhecidos
como o marco inicial do espiritismo em meados de 1840, de forma que logo
ganharam notoriedade mundial.
Em paralelo aos acontecimentos de Hydesville, Hippolyte, aquele que viria a
se tornar o maior expoente do espiritismo no mundo, mergulhava nas investigações
acerca dos fenômenos espiritualistas. Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869)
nasceu em Lyon, França. Filho de um juiz, o jovem Rivail foi educado segundo os
preceitos acadêmicos mais avançados de sua época e desenvolveu rapidamente o
gosto pela investigação científica sob influências diretas do racionalismo
característico do século XIX. Seus primeiros contatos com o mundo espiritualista
aconteceram a partir do caso de duas filhas de um amigo que em dado momento
desenvolveram certas capacidades mediúnicas. Hippolyte analisou o caso por um
longo tempo, desta forma, se ligava cada vez mais ao mundo espiritualista.
A partir de 1857, Hippolyte deu início a uma série de cinco publicações
consideradas como os livros da codificação do Espiritismo. Sua obra apresenta o
delineamento da teoria espírita por meio das seguintes publicações: “O Livro dos
espíritos” (1857), “O livro dos médiuns” (1861), “O Evangelho segundo o espiritismo”
(1864), “O céu e o inferno” (1865) e “A gênese” (1868). Segundo Camurça (2014, p.
11) “dentro da sua concepção evolucionista, o Espiritismo considera-se a terceira
revelação completiva em relação ao Judaísmo e ao Cristianismo histórico, e nesse
sentido proporá uma reinterpretação do episódio Crístico (...)”.
Nos livros da “codificação” publicados por Hippolyte Léon Denizard Rivail,
todos assinados como Allan Kardec, novo nome assumido por ele a partir de então,
Kardec demarca os pontos de origem da doutrina, define o uso da palavra
“Espiritismo” em detrimento de “espiritualismo” e apresenta o triplo caráter da
doutrina espírita: filosofia, ciência e religião. Desta forma, o apelo científico da
doutrina, como proposta intelectual, seria o chamariz para despertar o interesse do
público neste primeiro momento, tanto na França quanto no Brasil. (PRANDI, 2012).
1. O Surgimento do Espiritismo no Brasil
Segundo Arribas (2009), as ideias do espiritismo começam a circular na
colônia francesa do Rio de Janeiro a partir da segunda metade do século XIX,
através da estreita ligação das classes intelectuais da França e do Brasil fomentadas
pelo apelo científico da doutrina como proposta intelectual.

A influência social desses franceses facilitou a penetração do espiritismo


pelo menos entre a elite imperial. Em conversas, ainda que tímidas, nas
ruas ou em pequenas sessões espíritas, a nova teoria passava a angariar
os seus primeiros adeptos brasileiros, pessoas de influência social e que por
isso não sofriam qualquer tipo de repressão (ARRIBAS, 2009, p. 18).

A colônia francesa foi um gatilho de importância fundamental para o


espiritismo no Brasil, tanto para a introdução das ideias espíritas no país, assim
como para a absorção do espiritismo pela elite imperial no Rio de Janeiro,
garantindo certa blindagem social à doutrina em um período em que o catolicismo
reinava soberano como a religião oficial e a única legalmente tolerada.
Entretanto, viria a ser na Bahia, em 1865, através da figura Telles de
Menezes, que o espiritismo ganharia uma dimensão pública de fato. Neste ano, Luís
Olímpio Telles de Menezes abriu as portas para o kardecismo no país, fundando o
primeiro grupo espírita brasileiro – o “Grupo Familiar do Espiritismo –, considerado o
primeiro centro espírita do país, além de ter publicado “O espiritismo – introdução ao
estudo da doutrina espírita” (1865), “obra que reunia excertos traduzidos do Livre des
Espirits, mantinha contato com Casimir Lietaud no Rio de Janeiro e com vários
espíritas da França” (ARRIBAS, 2009, p. 18; PRANDI, 2012). Segundo Arribas
(2009), em 1869, junto de seus camaradas do Grêmio de Estudos Espíriticos da
Bahia, Telles fundou “O Echo d’Além - Túmulo - Monitor do Espiritismo no Brasil”, o
primeiro jornal espírita brasileiro e que iria circular em todo o país.
No entanto, toda essa expansão do espiritismo não iria passar despercebida
pela Igreja Católica. Dois anos antes “uma pastoral lançada em 16 de junho de
1867, pelo arcebispo da Bahia D. Manuel Joaquim da Silveira, foi a réplica mais
imediata da igreja frente à dilatação do espiritismo” (ARRIBAS, 2009, p. 18).

Nessa capital publicou-se um pequeno livro com o título – Filosofia


Espiritualista – o Espiritismo – cujas perniciosas doutrinas, contra toda
expectação, têm tomada incremento, pondo-se em prática certas
superstições perigosas e reprovadas, que estão no domínio do público; e no
interesse da vossa salvação, amados Filhos, Nós julgamos conveniente
dirigir-vos contra esta Carta Pastoral, para prevenir-vos contra os principais
erros que contém esse pequeno livro, e contra as superstições, que
segundo as doutrinas nele contidas se estão praticando, como se nos tem
informado, e do que já não é possível duvidar (MACHADO, 1993, p. 84 apud
ARRIBAS, 2009, p. 21).

A igreja lançou abertamente uma recusa ao espiritismo kardecista, que neste


momento se apresentava mais como uma correção dogmática ao catolicismo frente
aos tempos modernos do que como uma nova religião. Entretanto esta pastoral veio
a servir como gatilho para aquilo que viria ser a primeira formulação originalmente
brasileira acerca das teorias da doutrina espírita kardecista, “escrito por Telles de
Menezes, o folheto O Espiritismo. Carta ao Excelentíssimo e Reverendíssimo
Senhor Arcebispo da Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira” (ARRIBAS, 2009, p.
21).
Este movimento foi o início de uma forte disputa religiosa que se deu através
de uma produção intelectual entre os católicos e os primeiros espiritas brasileiros. A
disputa servia então como um mecanismo de legitimidade para ambos os lados, mas
principalmente ao espiritismo, ao passo que ainda conferia exposição e atraia mais
adeptos para a doutrina. Desta forma, em 1871, Telles e seus adeptos aglutinaram-
se naquilo que declaravam como um grupo literário e beneficente, para pedir então
autorização para criação e abertura da Sociedade Espírita Brasileira. Como era de
se esperar o pedido foi recusado “pelo parecer de ninguém menos que D. Manuel
Joaquim. Seu argumento não poderia ser outro que o católico, isto é, politico e
religioso” (ibidem, p. 24).
Entretanto, apesar de seu triplo caráter: filosófico, religioso e científico, a
doutrina ainda não tinha uma identidade bem delineada em terras brasileiras e ainda
que o movimento iniciado por Telles não fosse suficiente para instaurar o espiritismo
no império frente aos duros ataques da Igreja Católica, este serviu como um gatilho
para difundir a doutrina pelo restante do país, e seria a retomada do protagonismo
por parte do Rio de Janeiro que firmaria o espiritismo no Brasil.
Ainda que o espiritismo se difundisse entre a alta sociedade do Rio de
Janeiro, era praticado de forma velada, além de que a indefinição do que era o
espiritismo fazia com que os grupos praticantes se ramificassem em três diferentes
vertentes. Existia o grupo com interesses científicos, que aguçavam o olhar para os
fenômenos do mundo espiritual. Existia o grupo com maior interesse religioso, era o
mais numeroso e voltado para a moral cristã (entre eles os kardecistas) Por fim,
havia o grupo que se atinha ao aspecto mais filosófico, sem se apegar ao caráter
científico ou religioso, este o mais discreto entre os três.

O primeiro movimento organizado do espiritismo no Rio de Janeiro começou


em 1873, com a fundação da Sociedade de Estudos Espíritas, do Grupo
Confúcio, sob a orientação do espírito Ismael. Seus objetivos: traduzir os
livros de Allan Kardec, divulgar a doutrina, propagar a medicina
homeopática, tendo como divisa o princípio kardecista de que sem caridade
não há salvação (PRANDI, 2012, p. 51).

A tradução da obra de Kardec foi o mais eficiente aparelho de propagação do


espiritismo, colocando em posição de destaque as ações do “Grupo Confúcio” que
viria ainda a fundar a “Revista Espírita” (1875-1876). No entanto, devido a disputas
internas, em 1879 o grupo se diluiu e vários de seus integrantes viriam a fundar um
uma gama de outros grupos1 abordando as três vertentes do espiritismo. Arribas
(2009) aponta que as posições privilegiadas dos principais líderes destes grupos
espíritas garantiam a possibilidade tanto ao acesso às teias de relações, como aos
bem necessários para a legitimação do espiritismo. Então, para que se pudesse por
fim a dispersão, legitimar e delinear o movimento espírita fundaria a Federação
Espírita Brasileira (FEB).
Como escreveu Arribas (2009), “A FEB foi criada em 1884, no Rio de Janeiro,
por Augusto Elias da Silva, que um ano antes havia fundado O Reformador, revista
que passou a ser desde então o órgão oficial da Federação Espírita” (p. 28)2. “O
Reformador” serviu como o principal canal de defesa ao espiritismo na época e deu
início a um grande conflito literário. Isto é, “O Reformador” como veículo literário
espírita versus “O Apóstolo”, canal literário católico. A disputa no campo
intelectual/literário se deu por certo tempo e serviu antes de tudo para iniciar a
formatação do que hoje conhecemos como Espiritismo no Brasil.
O “Grupo Confúcio”, responsável por traduzir as obras de Allan Kardec para o
português, ganhava cada vez mais força no cenário nacional e iniciava a legitimação
e institucionalização da doutrina espírita no país. Ao mesmo tempo, o grupo
fortalecia cada vez mais a característica religiosa da doutrina, medida que seria
fundamental para a manutenção do Espiritismo em terras brasileiras.
Com o crescente número de adeptos, os espíritas começaram a serem
1
Arribas aponta que “por volta de 1889 havia só no Rio de Janeiro cerca de 35 grupos espíritas”
(GIUMBELLI, 1997, p. 62 apud ARRIBAS, 2009, p.28).
2
A título de informe, a revista ainda é publicada nos dias de hoje.
acuados e coagidos através da mídia da época, basicamente nos campos literários e
intelectuais. A partir de 1890 com a instituição do Código Penal, eles passariam a
responder judicialmente a processos condenatórios por suas práticas.

Com isso, houve uma reorientação da atuação institucional da FEB, que por
estratégia passou a enfatizar no espiritismo seu caráter especificamente
religioso, conduta que acabou modificando definitivamente a presença (e o
modo de presença) do espiritismo no Brasil. (ARRIBAS, 2009, p. 31).

Foi através deste movimento da FEB que o Espiritismo conseguiu fincar suar
raízes no país de forma definitiva. Ao assumir o caráter da religiosidade como sua
principal característica, o movimento se delimitou como uma religião de fato, e
passou a jogar através das regras do campo religioso. Desta forma, ainda em 1889
a FEB organizou o Centro Espírita do Brasil (CEB), no intuito de servir como núcleo
e engatilhar o processo de normatização da doutrina, iniciando assim os
procedimentos de estruturação do espiritismo enquanto religião, e antes de tudo,
uma religião originalmente brasileira. Neste sentido, coube ao médico Adolfo
Bezerra de Menezes capitanear tais procedimentos da FEB e do CEB durante a
organização do espiritismo no Brasil, de forma que em 1900 já existiam federações
espíritas em quase todos os Estados brasileiros (ibidem).
É dentro deste cenário, com o espiritismo já bem delineado e firmado nas
terras brasileiras, que em meados da década de 20 do século passado despontaram
os primeiros acontecimentos que dariam início a história do Espiritismo kardecista no
distrito barbacenense de Ponte do Cosme. Neste sentido, uma breve passagem pelo
contexto histórico do nascimento da cidade de Barbacena-MG se faz fundamental
para entendermos o lugar do catolicismo no município e para que a partir deste
ponto, possamos compreender um pouco mais sobre o cenário religioso local.

2. Barbacena e Ponte do Cosme


O catolicismo foi a religião imposta ao Brasil pela coroa portuguesa como a
religião obrigatória e oficial do império, sendo a única a possuir a permissão legal
para a realização de cultos domésticos ou públicos, de forma que a coroa exercia
seu controle sobre a Igreja colonial. O gatilho para a pluralidade religiosa no Brasil
se deu a partir da instauração do Estado republicano laico em 1889, rompendo com
o Regime do Padroado da Igreja Católica no país e abrindo as portas para o
desenvolvimento de uma teórica sociedade pluralista e laica ao longo do século XX.
No entanto, a República não foi sinônima de quebra da hegemonia católica no país,
mas não se pode negar que o número de católicos vem caindo de forma regular
mesmo que lentamente (NEGRÃO, 2008).
Com o fim do Regime de Padroado e com a instauração da república,
abriram-se possibilidades para uma diversificação plural do campo religioso do país.
A partir de então doutrinas religiosas e filosóficas como o Espiritismo, entre outras
manifestações frutos de um contexto de modernidade, puderam sugerir alternativas
ao modelo de tradicionalismo católico imperante no Brasil (CAMURÇA, 2014), no
entanto como fazer frente a um catolicismo tricentenário, monolítico e que marca o
nascimento de uma cidade?
A história de Barbacena remete ao ano de 1698, quando o Capitão Garcia
Rodrigues Paes abriu um novo caminho entre o litoral carioca e o interior de Minas
Gerais. O primeiro núcleo colonial da região surgiu às margens do “caminho novo”
tendo como ponto de referência a Fazenda da Borda do Campo, onde erigiram a
capela de Nossa Senhora da Piedade em 1711 que permanece de pé ainda hoje, e
que viria a se tornar matriz em 1726. Neste mesmo período decidiu-se a construção
de uma igreja maior nos altos da Caveira de Cima, no intuito de atender a demanda
local da época. As obras se iniciaram em 1743 e a primeira etapa da construção foi
acabada em 1748. Nesta mesma época iniciaram as primeiras mobilizações para
construções no entorno da igreja Nova e em 14 de agosto de 1791 o Arraial da
Igreja Nova da Borda do Campo foi transformado em Vila de Barbacena
(FERREIRA, 2015).
Barbacena tem um catolicismo tricentenário, visto que seu primeiro templo
católico foi erguido por bandeirantes no final do século XVII, a Capela de Nossa
Senhora da Piedade. Segundo o senso de 2010, 86,95% dos seus 126.284
habitantes se declararam católicos, número bem acima dos 64,6% da média
nacional. Ainda, 7,44% dos recenseados se declaram evangélicos, um percentual
pequeno comparado à média de 22,2% para todo o país; 2,24% se declaram sem
religião; 1,54% para a soma de outras religiões (matriz africana, orientais, esotéricas
e religião não determinada), e 1,83% se dizem espíritas, – percentual de espíritas
próximo à média estadual que é de 2,1%3.

3
Segundo o último censo o Espiritismo cresceu 65% de 200 até 2010.
No entanto, a população espírita do distrito de Ponte do Cosme foge
completamente a esta média, chegando a números próximos a 50% dos moradores
do distrito.

2.1 Distrito de Ponte do Cosme


Ponte do Cosme é uma comunidade rural fundada por imigrantes italianos
que, em um primeiro momento ao chegarem da Europa, foram alocados na Colônia
Rodrigo Silva, uma área rural destinada a receber os colonos e que hoje é
conhecida também como Vale dos Imigrantes. O campo religioso de Ponte do
Cosme é composto por uma igreja católica e um centro espírita kardecista, sem
nenhuma outra representação religiosa. Este desenho de campo religioso gerou um
grande conflito entre o catolicismo consolidado na história da cidade frente a uma
nova doutrina que irrompia dentro dos marcos da modernidade, ao ponto dos
católicos lançarem pedras contra a primeira sede espírita do distrito assim que foi
erguida.
Internamente, Ponte do Cosme apresenta as características de uma
sociedade territorial, dividida entre duas comunidades, os espíritas e os católicos,
repartidas pelo elemento (ou poder) religioso e envolvidas em disputas por território,
poder e bens simbólicos. Apesar de guardarem características e posicionamentos
comuns e de que, aparentemente, a sociedade local possui ordens que a regulam
para além da disposição religiosa. Em relação ao observador forasteiro, os
moradores do distrito apresentam um discurso sobre a localidade que carrega o
sentimento de formar um todo. Neste sentido apresentam uma tendência verdadeira
entre seus membros contrapostos que, entretanto, na finalidade de proteger a
comunidade do mundo exterior, se complementam na perspectiva de um acordo
mesmo que a princípio inconsciente, sobre a ação orientada permanentemente de
persecução de manter o distrito, em certa medida, livre das influências do mundo
exterior.
A partir desta observação que tratamos a localidade nos termos de
sociedade, pois podemos perceber que nesta relação de proteção contra o mundo
exterior, “os indivíduos estão ligados uns aos outros pela influência mútua que
exercem entre si e pela determinação recíproca que exercem uns sobre os outros”
(SIMMEL, 2006, p.17). Uma forma de relação ou modo de interação que vai além
das formas duradoras que se dão dentro das unidades perfeitamente caracterizadas
como: família, classe, religião etc., ainda que se firmasse dentro destas instituições,
é uma forma de relação, um laço de associação que ata os indivíduos desta
sociedade, mesmo que sem formar uma verdadeira associação, produz a unidade
da vida social local (WEBER, 1973).
Como é de se esperar em uma comunidade rural, o distrito preserva certo
conservadorismo local, também certo coletivismo, mantendo o predomínio do
sagrado, da sacralização tanto na esfera política e social. Apesar de estarem em
trânsito constante com a lógica moderna da organização urbana, em decorrência
dos deslocamentos diários para trabalharem na cidade, os moradores de Ponte do
Cosme dispõem de mecanismos para que os elementos fugazes do mundo moderno
não adentre a organização do grupo local, preservando tradições, sobretudo, no que
diz respeito à estrutura familiar, mantendo os casamentos formais, geralmente ainda
jovens e com os filhos construindo suas casas ao redor da casa dos pais.
Ponte do Cosme mantem um campo religioso peculiar, onde encontramos
apenas uma igreja católica e um centro espírita, como dito anteriormente, sem
nenhuma outra representação religiosa 4, sendo que, aparentemente, o Espiritismo
possui protagonismo nesta pequena colônia de imigrantes italianos, mesmo frente
ao tradicionalismo católico tricentenário da cidade.

3. O Caso Espírita em Ponte do Cosme


A história dos fenômenos espirituais em Ponte do Cosme remete ao início do
século XX e está intimamente ligada à família de Salute Bertolla Pereira e seus
filhos. Em meados da década de 20, os jovens Pati e Alexandrino, filhos de Salute,
começam a apresentar “problemas”, que posteriormente foram compreendidos como
processo obsessivo, um fenômeno que, segundo a doutrina, é entendido como uma
interferência que se dá por um processo parecido com o que acontece nas
frequências de rádio, quando uma emissora clandestina passa utilizar determinada
frequência operada por outra, prejudicando a transmissão original. Essa interferência
estará tanto mais assegurada quanto mais forte e potente se apresentar, até abafar
quase por completo os sons emitidos pela emissora burlada, encontrando em sua
vítima os condicionamentos, a predisposição e as defesa desguarnecidas, disso
tudo vale o obsessor para instalar sua onda mental na pessoa visada (PRESOTI,

4
Existe um boato que houve a tentativa de se introduzir uma igreja evangélica no distrito, mas sem
sucesso.
2017).
O caso da família Bertolla é muito semelhante ao caso de Dr. Bezerra de
Menezes, figura central da legitimação do Espiritismo no Brasil. Segundo Camurça
(2014), Bezerra chega ao espiritismo por conta do “processo de loucura sofrido por
um de seus filhos e o diagnóstico e cura oferecidas pelo Espiritismo, como sendo
uma obsessão (...), levou o médico Bezerra a definir-se e aprofundar-se no
conhecimento da cosmologia espírita” (CAMURÇA, 2014, p. 49).
O caso dos jovens irmãos Bertolla levou a família, assim como no caso do
filho de Menezes, a buscar o que definem como “as luzes da doutrina espírita”. A
família começou então a frequentar o centro “Coração de Jesus” em Barbacena,
buscando ajuda da comunidade espírita. Por volta de 1938, formaram um pequeno
grupo no distrito e começaram a realizar reuniões espíritas na residência de Pati
Pereira Mazzoni e Ângelo Mazzoni. A residência do casal era humilde e pequena, e
o fluxo de pessoas interessadas pela doutrina aumentava, de forma que seus
proprietários decidiram por construir uma grande sala exclusivamente para as
realizações das reuniões. Neste período o grupo era constituído por moradores de
Ponte do Cosme e de Dr. Sá Fortes, distrito também composto por imigrantes
italianos da cidade vizinha de Antônio Carlos, até que mais tarde estes últimos
viriam a fundar seu próprio centro espírita (PRESOTI; SCHIAVO, 2018).
O início da prática do Espiritismo em Ponte do Cosme não foi diferente da
forma com a doutrina se constituía em outros espaços. A doutrina fecundou no
distrito através de um grupo privado que se reunia na casa da família Bertolla para a
realização de reuniões para estudos doutrinários, além das seções espíritas. Até
1944, os trabalhos foram realizados na residência de Ângelo e Pati, quando, devido
à crescente demanda, foi construída a sede antiga, uma pequena construção que
resiste de pé ainda hoje.
Segundo o registro histórico do centro, em agosto do mesmo ano houve o 1º
Congresso Espírita Mineiro, contando com a representação do centro por parte de
José Abrantes Júnior, onde foram criadas as Alianças Municipais Espiritas. Em
setembro de 1944 o centro “Amor a Verdade” é registrado em cartório na cidade de
Belo Horizonte. Ainda no mesmo mês, integrantes do centro espírita redigiriam o
termo de compromisso e filiação a União Espírita de Minas Gerais (UEM), órgão
federativo filiado a FEB e fundando assim, para todos os fins, o “Centro Espírita
Amor a Verdade” (PRESOTI; SCHIAVO, 2018).
Desde os seus primeiros anos, o centro espírita de Ponte do Cosme pôde se
ancorar na estrutura institucionalizada pela FEB por intermédio da UEM. Como
analisou Giumbelli (2003), “(...) a FEB investiu sobre a legitimação e a criação de
instrumentos que permitissem a concretização de suas pretensões, diante de outros
grupos espíritas, quanto à orientação doutrinária e à representação institucional” (p.
269).
A sede foi erguida sobre o terreno doado por Joaquim Pereira, sendo
inaugurada no dia 25 de dezembro de 1944 para a comemoração do natal de Jesus.
As reuniões mediúnicas, no entanto, continuaram sendo realizadas na residência de
Pati até 1963, quando foram transferidas para a sede. Após desencarnar, Pati
Mazzoni torna-se mentora espiritual da Escola de Evangelização, a qual recebeu
seu nome. Hoje o centro é um grande edifício, com uma quantidade de salas
capazes de comportar separadamente todas as atividades desenvolvidas, tal como a
reunião pública que acontece nas sextas feiras 5 – e, mesmo assim, sabe-se que
existe a demanda de aumentar as instalações devido à grande procura.
Apesar da introdução dos trabalhos espíritas no distrito não fugir à regra da
entrada através de um grupo privado, a difusão do Espiritismo no local guarda suas
particularidades como veremos a seguir.

3.1 Difusão e Legitimação


Em termos de difusão espírita no Brasil, a doutrina apresenta um caráter
urbano, servindo de certa forma como uma adequação do homem brasileiro às
nuances da vida urbana. Desta forma, o Espiritismo proliferou principalmente entre
grupos privados das camadas médias letradas, a princípio reunidos nas próprias
residências dos que organizavam os encontros, mesclando os estudos da prática da
doutrina e sessões de mesas espíritas. Estas reuniões atraiam principalmente as
parcelas urbes da sociedade brasileira, oferecendo um sentido para suas questões
particulares ao mesmo tempo em que “oferecia um grau de plausibilidade e
satisfação intelectual, para o vazio das interrogações destes indivíduos”
(CAMURÇA, 2014, p. 48-49). Além do caráter urbano, os adeptos traziam também o
pertencimento a um recorte letrado e intelectual da sociedade, o que facilitou a
difusão da doutrina através de conferências e palestras nos núcleos urbanos do país

5
Reunião com maior fluxo de pessoas, contando com participantes até mesmo de fora da cidade de
Barbacena.
(CAMURÇA, 2014).
O caso espírita de Ponte do Cosme se assemelha e difere do modelo de
difusão constatado por Camurça (2014). No distrito o Espiritismo manteve a máxima
das reuniões privadas na residência de seus organizadores, a residência da família
Bertolla neste caso. No entanto, a doutrina por lá se desenvolveu em contexto rural,
e se propagou por meio dos colonos imigrantes, de forma que apresenta um grande
contraste com a tendência de disseminação predominantemente através da parcela
letrada e intelectual dos núcleos urbanos.
O fato de o Espiritismo em Ponte do Cosme ter se difundido via colonos
imigrantes rompe com a ideia do caráter urbano da doutrina, e mesmo que seja
possível identificar que, hoje, os adeptos da doutrina apresentam uma condição de
instrução mais elevada se comparados com a população católica local, ainda sim
este não é o caso de difusão por meio das camadas intelectuais.
Uma hipótese que apresentamos é que, através destes colonos europeus, a
doutrina ganhou certo respaldo social. Isto porque, desde o início, as atividades
foram identificadas como Espiritismo kardecista, o que garantiu certa “(...) distinção
entre os adeptos de doutrinas respeitáveis pelos seus fins de assistência e
educação e praticantes do falso espiritismo, cartomancia e demais formas de
abusão e mercancia” (GIUMBELLI, 2003, p. 255).

(...) o “baixo espiritismo” designa situações nas quais se pretende enganar,


tirar proveito ecuniario ou mesmo, como afirmam alguns peritos, causar mal
a outrem. Uma questão pertinente – mas que não poderá ser tratada aqui –
é como ocorreu a aproximação entre “baixo espiritismo” e expressões rituais
e doutrinais associadas aos cultos com referências africanas (ibidem, p.
258).

A distinção do “tipo de Espiritismo” que era praticado e que fora introduzida no


campo religioso do distrito, sem vinculações com o que na época era tratado no
discurso jornalístico, pelo Estado e até mesmo pela Federação Espírita Brasileira
como “falso Espiritismo”, ou “baixo Espiritismo”, elencado pelo discurso hegemônico
às referências africanas e a episódios de enganação ou até mesmo de causar o mal
(GIUMBELLI, 2003), bem como a blindagem social que a descendência europeia
conferia aos pioneiros do Espiritismo no distrito, certamente foram mecanismos
indispensáveis para a inserção e legitimação da doutrina no local.
Além disso, as reuniões que começaram a ser realizadas em 1938 na
residência da família Bertolla, tão logo passaram para a sede em 1944. Neste
mesmo ano o grupo registra o centro espírita local na UEM e passa atuar sob
orientação e respaldo da FEB. O que reforça a legitimidade do centro, uma vez que
“é exatamente no seio das atividades rituais e doutrinárias da Federação Espírita
Brasileira que se formula a oposição entre falsos e verdadeiros espíritas”
(GIUMBELLI, 2003, p. 250). O vínculo com a UEM e a FEB confere ao grupo o
respaldo legal e religioso das atividades locais, uma vez que a “reconfiguração do
quadro de atividades da Federação Espírita Brasileira e a consolidação de sua
atribuição normativa diante de outros grupos identificados com o espiritismo”
garantem ao grupo local a distinção entre praticantes de uma doutrina respeitável,
em detrimento dos adeptos do falso espiritismo.
Praticamente desde a fundação do centro espírita de Ponte do Cosme, o
Espiritismo no distrito se dá pelas orientações da FEB que procurava:

(...) normatizar a natureza e as condições das atividades das sociedades


espíritas a partir de uma lógica que garantisse, tal como determinava a
Constituição de 1937, a adequação do espaço religioso às “exigências da
ordem pública”: local apropriado, público adulto, ausência de atividades
terapêuticas e assistenciais e um modelo comedido de possessão espiritual.
(ibidem, p. 274).

Com a adesão normativa do “Centro Espírita Amor à Verdade” em 1944, a


doutrina passa a funcionar em Ponte do Cosme através do “preparo doutrinário e o
exercício da mediunidade totalmente desinteressado” (ibidem, p. 261), elevando
assim a prática “a caracteres distintivos não só do verdadeiro espiritismo, como
também da própria identidade do espírita e, especialmente, do médium” (ibidem, p.
261).

Considerações Finais
O Espiritismo se apresenta como uma reinterpretação moderna da narrativa
cristã estruturada a partir dos fenômenos paranormais, conferindo uma culpabilidade
e responsabilidade ao indivíduo em seu processo de salvação em uma relação de
iniciativa e aperfeiçoamento. Configura-se, portanto, como uma espécie de
neocristianismo voltado para aspectos mais racionais e individualistas.
Estas características despertaram o interesse de parte da elite imperial
brasileira que começou a disseminar a doutrina principalmente no Rio de Janeiro, de
forma que logo se ramificaria para todo o país. Pelo seu perfil moderno e racional, o
Espiritismo se difundiu através de conferências voltadas principalmente para as
camadas letradas dos centros urbanos do Brasil criando grupos privados,
constituídos em sua maioria por intelectuais e figuras relevantes nos campos sociais
e econômicos.
Como era de esperar, a Igreja Católica assumiu uma postura de perseguição
e erradicação frente à nova doutrina. No entanto, estes ataques serviram para que o
Espiritismo se estruturasse e passasse a agir a partir do campo religioso, conferindo
à doutrina o caráter institucional de religião e contribuindo ainda mais para sua
disseminação pelo país.
A doutrina encontrava adeptos mesmo dentro de contextos locais onde o véu
do catolicismo cobria hegemonicamente todo o campo religioso. Este é o caso de
Barbacena e, particularmente, seu distrito, Ponte do Cosme, que além de trazer um
campo religioso pouco comum, dividido entre católicos e espíritas, por lá a doutrina
se manifestou em um contexto rural através da ação disseminadora de colonos
imigrantes.
Deste modo, se em Ponte do Cosme não houve a difusão da doutrina
marcada pelo caráter urbano, através da camada letrada e intelectual, comum no
restante do país, de outra forma houve a blindagem social à difusão da doutrina em
decorrência da descendência europeia dos pioneiros do Espiritismo no distrito, e
também em razão do alinhamento com todo o aparato legal e institucional da FEB
mediado pela UEM.
O “Centro Espírita Amor à Verdade” está consolidado no distrito e atrai
pessoas até mesmo de outras cidades, colocando o Espiritismo em posição de
destaque no campo religioso local. O edifício passa por constantes reformas e
ampliações para atender a demanda de adeptos que cresce de forma lenta, porém
constante, assim como em todo o território nacional.

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Os Autores

Vitor Cesar Presoti

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais –


Barbacena (UEMG) e Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF).

Reinaldo Azevedo Schiavo


Graduado em História pela Universidade Federal de Viçosa (UFV); Mestre em
História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP); Doutor em Sociologia
pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ).

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