airtonjo
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2. As origens de Israel
Israel invade a terra de Canaã, vindo da Transjordânia, pelo final do século XIII a.C. As
tribos lutam unidas e, fazendo uma campanha militar em três fases, dirigidas ao centro,
sul e norte, ocupam o país, destruindo seus habitantes, no espaço de uns 25 anos.
E Js 11,15-23 diz: “Como Iahweh ordenara a seu servo Moisés, assim ordenou Moisés a
Josué, e Josué o executou sem omitir uma só palavra daquilo que Iahweh ordenara a
Moisés. Assim Josué tomou toda esta terra: a montanha, todo o Negueb e toda a terra
de Gósen, as terras da planície, a Arabá, a montanha de Israel e sua planície. Desde o
monte Escarpado que sobe em direção de Seir, até Baal-Gad, no vale do Líbano, ao pé
do monte Hermon, capturou todos os seus reis e os matou. Durante longo tempo, Josué
fez guerra contra todos esses reis; nenhuma cidade fez a paz com os israelitas, salvo os
heveus que habitavam em Gabaon; foi por meio da guerra que tomaram todas as outras.
Iahweh havia, pois, decidido endurecer o coração desses povos para que combatessem
Israel, para que fossem anátemas, e para que não houvesse para eles remissão, mas
fossem exterminados, como Iahweh ordenara a Moisés. Naquele tempo, veio Josué e
exterminou os enacim da montanha, de Hebron, de Dabir, de Anab, de todas as
montanhas de Judá e de todas as montanhas de Israel: votou-os, com as suas cidades,
ao anátema. Assim, pois, não restou nenhum dos enacim na terra dos israelitas, salvo
em Gaza, em Gat e em Azoto. Josué tomou toda a terra, exatamente como Iahweh havia
dito a Moisés, e a deu por herança a Israel, segundo a sua divisão em tribos. E a terra
descansou em paz”.
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Alguns defendem esta teoria, com matizes, baseados na “evidência” arqueológica como
William Foxwell Albright, George Ernest Wright, Yehezkel Kaufmann, Nelson Glueck,
Yigael Yadin, Abraham Malamat, John Bright, este último moderadamente[1].
A arqueologia atesta:
a) Uma ampla destruição de cidades cananeias no final do século XIII a.C. Do norte para
o sul, são essas as cidades: Hazor, Meguido, Succoth, Betel, Bet-Shemesh, Ashdod,
Lakish, Eglon e Debir.
Hazor: Js 11,10-11
Lakish: Js 10,31-33
Eglon: Js 10,34-35
Debir: Js 10,38-39
b) A não destruição de cidades que os textos confirmam como não tendo sido tomadas
por Josué:
Gibeon: Js 9
Taanach: Jz 1,27
Siquém: Js 24
Bet-Shean: Jz 1,27-28
Gezer: Js 10,33
c) A reocupação das cidades destruídas foi homogênea e pode ser relacionada com a
ocupação israelita que se seguiu à conquista. Além do que tal ocupação mostra, na sua
maior parte, um empobrecimento técnico, típico do assentamento de populações
seminômades (o tipo de cerâmica, de construções, de utensílios etc).
Porém:
. várias destruições podem ter sido feitas por lutas internas, lutas entre as cidades
cananeias
. o livro dos Juízes relata a conquista de maneira individualizada, feita pelas várias tribos
isoladamente e não uma ação conjunta de um pretenso Israel unido
. o Dtr marcou muito sua obra com propósitos teológicos – necessários no tempo do
exílio – e não tinha a nossa concepção de história. Ele projetou muito no passado o que
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. a chave litúrgica na apresentação dos fatos (o que interessava aos levitas e à reforma
de Josias) como: a tomada de Jericó (Js 6), a travessia do Jordão (Js 3-5), o culto
praticado num só lugar, na sequência Guilgal, Silo, Siquém (Js 5,10;18,1;24,1) e a
condenação do culto praticado em qualquer outro lugar (Jz 17-18), quando, na verdade,
os lugares de culto parecem ter sido muitos nesta época, e contemporâneos!
. as cidades de Jericó, Ai e Gibeon não podem ter sido conquistadas nesta época,
segundo os arqueólogos. Jericó foi destruída no século XIV a.C. e não há indícios de
destruição nos séculos XIII-XII a.C., nem de reocupação; Ai (= ruína) também já fora
destruída muito tempo antes, no III milênio. Gibeon não era nenhuma cidade importante
na época de Josué, segundo mostra a arqueologia (cf. Js 9)
. o livro de Josué recorre muito à etiologia, quando diz: “e (tal está assim) até o dia de
hoje” (Js 4,9;5,9;6,25;7,26;8,28-29;9,27;10,27 etc). O mesmo acontece com o livro dos
Juízes. Qual o valor histórico destes relatos?
Modelo defendido por Albrecht Alt (1925;1939), Martin Noth (1940;1950), Manfred
Weippert, Siegfried Hermann, J. Alberto Soggin, Yohanan Aharoni e outros[2]. Os relatos
de conquista de Josué são etiológicos e Josué não passou de um chefe local efraimita.
As tribos foram ocupando os espaços vazios entre as cidades-estado cananeias, sem
um conflito generalizado e organizado. Os conflitos aconteciam quando um clã invadia o
território de uma cidade-estado[3].
Problemas:
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. anfictionia israelita?
. hapiru/hebreu?
A teoria da revolta foi defendida primeiro por George Mendenhall, com um artigo[5]
chamado The Hebrew Conquest of Palestine, publicado em The Biblical Archaeologist
25, p. 66-87, 1962. O artigo já começa com uma constatação, que hoje tornou-se lugar
comum em congressos ou salas de aula: “Não existe problema da história bíblica que
seja mais difícil do que a reconstrução do processo histórico pelo qual as Doze Tribos do
antigo Israel se estabeleceram na Palestina e norte da Transjordânia”[6].
De fato, a narrativa bíblica enfatiza os poderosos atos de Iahweh que liberta o povo do
Egito, o conduz pelo deserto e lhe dá a terra, informando-nos, deste modo, sobre a visão
e os objetivos teológicos dos narradores de séculos depois, mas ocultando-nos as
circunstâncias econômicas, sociais e políticas em que se deu o surgimento de Israel.
. a solidariedade das doze tribos é do tipo étnico, sendo a relação de parentesco seu
traço fundamental, caracterizando-as, inclusive, em contraste com os cananeus.
Ora, continua Mendenhall, o primeiro e o terceiro pressupostos até que podem ser
aceitos, mas “a suposição de que os israelitas primitivos eram nômades, entretanto, está
inteiramente em contraste com as evidências bíblicas e extrabíblicas, e é aqui a
reconstrução de uma alternativa deve começar”[7].
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Israel primitivo. Mostra que os próprios relatos bíblicos jamais colocam os antepassados
de Israel como inteiramente nômades, como, por exemplo, Jacó e Labão, Jacó e os
filhos, onde há sempre uma parte do grupo que é sedentária. Igualmente critica a noção
de tribo como um modo de organização social próprio de nômades, mostrando que tribos
podem ser parte ou estar em relação com povoados e cidades.
Niels Peter Lemche, por outro lado, critica Mendenhall, por seu uso arbitrário de macro
teorias antropológicas, mas especialmente por seu uso eclético destas teorias, coisa que
os teóricos da antropologia não aprovariam de modo algum[9]. Segundo Lemche,
Mendenhall usa os modelos de Elman Service expostos em sua obra Primitive Social
Organization. 2. ed. New York: Random, 1962. Sem dúvida, seu ponto mais crítico é o
idealismo que permeia o seu estudo e coloca o “javismo”, um javismo não muito bem
explicado, mas principalmente só o javismo e nenhuma outra esfera da vida daquele
povo, como a causa da unidade solidária que faz surgir Israel.
Alguns anos mais tarde, Norman K. Gottwald publicou seu polêmico livro The Tribes of
Yahweh: A Sociology of the Religion of Liberated Israel, 1250-1050 B.C.E. Maryknoll,
New York: Orbis Books, 1979 [em português: As Tribos de Iahweh: Uma Sociologia da
Religião de Israel Liberto, 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004], no qual
retoma a tese de G. Mendenhall e avança por quase mil páginas em favor de uma
revolta camponesa ou processo de retribalização que explicaria as origens de Israel.
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As forças e pressões que dobraram e quebraram estes pressupostos são muitos, mas
basta citarmos umas poucas para que as coisas comecem a clarear: a evidência
etnográfica de que o seminomadismo era apenas uma atividade secundária de
populações sedentárias que criavam gado e cultivavam o solo; indicações de que
mudanças culturais e sociais são frequentemente consequências do lento crescimento
de conflitos sociais dentro de uma determinada população mais do que resultado de
incursões de povos vindos de fora; a conclusão de que conflitos ocorrem tanto dentro de
sociedades controladas por um regime único como entre estados opostos; a percepção
de que a tecnologia e a organização social exercem um impacto muito maior sobre as
ideias do que pesquisadores humanistas poderiam admitir; evidências da fundamental
unidade cultural de Israel com Canaã em uma vasta gama de assuntos, desde a língua
até a formação religiosa…
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A partir de tais constatações, Gottwald propõe um modelo social para o Israel primitivo
que segue as seguintes linhas: “O Israel primitivo era um agrupamento de povos
cananeus rebeldes e dissidentes, que lentamente se ajuntavam e se firmavam
caracterizando-se por uma forma antiestatal de organização social com liderança
descentralizada. Esse desligar-se da forma de organização social da cidade-estado
tomou a forma de um movimento de ‘retribalização’ entre agricultores e pastores
organizados em famílias ampliadas economicamente autossuficientes com acesso igual
aos recursos básicos. A religião de Israel, que tinha seus fundamentos intelectuais e
cultuais na religião do antigo Oriente Médio cananeu, era idiossincrática e mutável, ou
seja, um ser divino integrado existia para um integrado e igualitário povo estruturado.
Israel tornou-se aquele segmento de Canaã que se separou soberanamente de outro
segmento de Canaã envolvendo-se na ‘política de base’ dos habitantes dos povoados
organizados de forma tribal contra uma ‘política de elite’ das hierarquizadas cidades
estados”[13].
Assim, Gottwald vê o tribalismo israelita como uma forma escolhida por pessoas que
rejeitaram conscientemente a centralização do poder cananeu e se organizaram em um
sistema descentralizado, onde as funções políticas ou eram partilhadas por vários
membros do grupo ou assumiam um caráter temporário. O tribalismo israelita foi uma
revolução social consciente, uma guerra civil, se quisermos, que dividiu e opôs grupos
que previamente viviam organizados em cidades-estado cananeias. E Gottwald termina
seu texto dizendo que o modelo da retribalização levanta uma série de questões para
posterior pesquisa e reflexão teórica[14].
Página 10
[1]. Cf. ALBRIGHT, W. F. The Archaeology of Palestine. 3. ed. Baltimore: Penguin, 1960;
WRIGHT, G. E. Biblical Archaeology. 2. ed. Philadelphia: Westminster Press, 1962;
KAUFMANN, Y. The Religion of Israel: From its Beginnings to the Babylonian Exile. New
York: Schocken Books, 1972; BRIGHT, J. História de Israel. 7. ed. São Paulo: Paulus,
2003. Cf., para a exposição que se segue, GOTTWALD, N. K. As tribos de Iahweh: uma
sociologia da religião de Israel liberto, 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.
202-213.
[2]. Cf. ALT, A. Terra Prometida. Ensaios sobre a História do Povo de Israel. São
Leopoldo: Sinodal, 1987; NOTH, M. The History of Israel. New York: Harper & Brothers,
1960; WEIPPERT, M. The Settlement of the Israelite Tribes in Palestine. London: SCM
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[3]. Cf. ALT, A. Terra Prometida. Ensaios sobre a história do povo de Israel, p. 19-110.
[9]. Cf. LEMCHE, N. P. “On the Use of “System Theory”, “Macro Theories”, and
Evolutionistic Thinking” in Modern Old Testament Research and Biblical Archaeology. In:
CARTER, C. E. ; MEYERS, C. L. (eds.) Community, Identity and Ideology, p. 279.
[10]. Cf. GOTTWALD, N. K. Domain Assumptions and Societal Models in the Study of
Pre-Monarchic Israel. In: CARTER, C. E. ; MEYERS, C. L. (eds.) Community, Identity and
Ideology, p. 170-181; GOTTWALD, N. K. As tribos de Iahweh: uma sociologia da religião
de Israel liberto, 1250-1050 a.C. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004. Cf. também Revisiting
The Tribes of Yahweh (2006).
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