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1). c!J.sac JJ.orena, @. ds. d!..

E depois? ...
BIOGRAFIA DA VE­
NERAVEL MADRE
ANTONI A MAR I A
DA MISERICORDIA
FUNDADORA DAS
IRMÃS OBLATAS
DO SANTÍSSIMO
RE D E NTOR

2ª. Edição

1969

EDIÇÃO DA
C. 99. R. - OFICINA GRÁFICA EDITORA SANTUÁRIO DE APARECIDA
IMPRIMI POTEST
São Paulo, 15 de agôsto de 1965
Pe. José Ribólla, C. SS. R.
Superior Provincial.

IMPRDIATUR
Aparecida, 22 de agôsto de 1965
t Antônio Macedo, C. SS. R.
Arceb. Coadj. e Vig. Geral.

REIMPRIMA-SE
Aparecida, 10 de fevereiro de 1969
Pe. A. Morgado C. SS. R.

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ANTÔNIA MARIA DE OVIEDO SCHONTAL
AOS 16 ANOS DE IDADE

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MADRE ANTÓNIA MARIA DA MISERICÓRDIA
ANTÔNIA MARIA DE OVIEDO SCHONTAL

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CUm lírio óôbre o mundo

Aos 15 anos, ela era êsse lírio entreaberto, que aparece na capa dês­
te rivro. Foi assim que sua própria mãe a retratou num quadro a óleo.
E aquêles olhos maternos não se enganaram, vendo, em sua filha uma
alma feita de inocência e de candura.
Seu nome: ANTôNIA MARIA DE OVIEDO SCHôNTHAL. Seu pai,
fidalgo espanhol, deu-lhe um coração ardente, arrojado, empreende­
dor. E, de sua mãe, suíça, ela herdou a delicadeza, a ternura, as quali­
dacles artísticas.
Inteligente e culta, nobre e delicada, foi escolhida por Deus, para
estender sua mão àquelas que o mundo despreza, por terem sido suas
vítimas.
Em Florença ou em París, em Roma ou na Côrte espanhola, era
ela a Senhorita Oviedo, que todos admiravam, pela sua formação, pelos
seus dotes artísticos, e, principalmente, por sua grandeza de alma. De­
pois .... ela foi apenas a Madre Antônia da Misericórdia.
Quis ser, e Joi realmente o carinho, a compreensão para as jovens
necessitadas da nobreza dos seus sentimentos. Da altura em que vivia,
seu coração de Madre quis descer para reanimar aquelas que iria re­
colher e adotar como filhos. Foi para elas que fundou uma Congrega­
ção Religiosa.
Essa Congregação está completando agora um século de existência.
Sómente Deus sabe qua,nto bem ela realizou, e continua realizando,
porque o Lírio também continua sôbre o mundo, recebendo, para uma
vida nova, aquelas vidas que o mundo profanou.
Sejam estas páginas uma homenagem filial ao Doutor Zelosíssimo,
Santo Afonso, de cujo espírito brotou a Congregação das Oblatas do
Santíssimo Redentor.
E possa �ste livrinho tornar mais conhecida, entre nós, a Madre
da Misericórdia, mostrando-nos a Obra de Redenção que a sua grande
caridade fêz desabrochar.

0 o4-utor
Apa,recida, Festa de Santo Afonso
2 de agôsto de 1965.

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I

PRESO PELO CORAÇÃO

PRISIONEIRO ...

A 8 de dezembro de 1791, na cidade espanhola de Sevilha, foi


batizado um menino, filho de rico negociante. Deram-lhe êstes no­
mes: Antônio Maria, Ambrósio, Francisco, Gregório, José de Santa
Rita, Raimundo Nonato, Serapião de todos os Santos. E nada pa­
ra estranhar. Apenas um costume das antigas famílias espanholas,
que davam aos filhos, o nome dos Santos amigos e conhecidos da
casa. Espécie de seguro de vida e boa sorte, já nos primeiros dias da
existência . . . E não faltaria ocasião para que todos os Santos prote­
tores daquele menino se empenhassem na sua defesa e proteção.
O garôto começou logo a manifestar uma inteligência fora do
comum, cursando os primeiros anos da escola com absoluto sucesso.
Vivo, expansivo, não lhe faltavam talento e coragem para qualquer
iniciativa. Era realmente uma esperança para a família.
Terminados os primeiros estudos, o pai resolveu mandá-lo para
a Inglaterra, onde faria os estudos superiores. A ocasião não era fa­
vorável, pois Napoleão estava transformando tôda a Europa numa
fogueira de guerras e revoluções. Mesmo assim Antônio Maria par­
tiu para Londres, levando muitos planos, e não se preocupando com
o que pudesse acontecer. Viajava num barco inglês.
Durante a viagem, uma tempestade atirou o navio ao litoral da
França, e todos os passageiros foram aprisionados, pois a Espanha
aliara-se com a Inglaterra, contra Napoleão. O jovem espanhol ten­
tou a liberdade, valendo-se de alguns amigos de seu pai. Nada con­
seguiu. Planejou então uma fuga. Como lhe permitiam, às vêzes, sair
à rua, um dia não voltou mais à prisão. Dizendo-se filho de um tal
Marquês de Jouffroy, quis chegar até à Itália, de onde esperava re­
gressar à Pátria. Mas foi parar na Suíça, com recomendações a um
Senhor Marquês de Friburgo. �ste o recomendou ao Sr. Ansley, em
Lausane.
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Penalizado com a situação daquele rapaz que só desejava regres­
sar à pátria, o Sr. Ansley tratou logo de lhe arranjar um outro pas­
saporte, pois, como espanhol, êle acabaria prêso a qualquer momen­
to. Conseguiu-lhe um passaporte italiano e, nêle, o rapaz passou a
chamar-se Antônio Veri de Locamo.
Contentíssimo, o nôvo italiano pensou em dirigir-se à Alemanha.
Na Áustria, tomaram-no por judeu, e quase foi prêso. Em Berlim
escapou de ser fuzilado, :pois o gorro que usava era muito parecido
com o dos franceses. Fugindo sempre por estradas desconhecidas, e
metendo-se pelos bosques, foi parar na Polônia, onde os russos pren­
diam e deportavam sem qualquer cerimônia. Por isso tratou logo
de alcançar a Dinamarca, e daí passou para a Suécia. Vendo-se ain­
da em perigo, o aventureiro sevilhano fugiu para a Noruega, onde
conseguiu embarcar para a Inglaterra. Aqui era, pelo menos, um
aliado ... Valendo-se disso, meteu-se num navio de carga, desem­
barcando finalmente na Espanha. Após quase três anos de aventu­
ras, Antônio Maria esçreveu: Passei por suíço, italiano, francês, ale­
mão, inglês, polonês, e até por judeu. Ninguém poderá negar que sou
agora um cidadão do mundo, sem deixar de ser um fidalgo espanhol.
- Mas voltemos a Lausane, na Suíça. Foi aí que ficou prêso, pelo
coração, o aventureiro que, perseguido e caçado em todos os países
da Europa, conseguira escapar de todos os soldados, guardas e po­
liciais. Em Lausane uma simples senhorita, sem qualquer esfôrço,
acabou prendendo o valente espanhol de Sevilha.
Em pleno inverno, debaixo de uma chuva torrencial, Antônio
Maria chegou àquela cidade suíça, perguntando pelo Sr. Ansley. In­
dicaram-lhe a <<Casa Schontal». Tremendo de frio, e molhado até
aos ossos, para lá se dirigiu. - O Sr. Ansley está - Uma senhorita
o atendeu: J;:le não está. Mas tenha a bondade de entrar, pois não
irá demorar. - O rapaz entrou; sentou-se a um canto, resolvido a
falar pouco ...
A Casa Schontal pertencia, naquele tempo, a uma senhora, que,
devido à morte do marido, passara a dirigir todos os seus negócios.
Isso não impediu que a viúva pudesse levar adiante a educação de
seus filhos, dois rapazes e três moças. Seguindo a carreira das armas,
os rapazes faleceram em plena mocidade, a serviço da Pátria. Com o
tempo, surgindo novas dificuldades, a dona da casa compreendeu que
devia passar a outrem a gerência da sua firma comercial. E nisso a
guerra a auxiliou.

Entre os fugitivos chegados a Lausane, veio, certo dia, um Du­


que escocês, que conseguira escapar da França. Nobre, e ainda, ca­
tólico, tinha tudo para ser levado à guilhotina. Chegando à cidade, foi
bater à Casa Schontal, conhecida por sua honradez e hospitalidade;

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O pobre homem estava decidido a ganhar a vida em qualquer traba­
lho honesto, por humilde que fôsse. Dera-se a conhecer apenas à fa­
mília que o recebeu; de resto, em tôda a cidade, êle era simplesmente
o Sr. Ansley. Começou a trabalhar, e, com tanta eficiência que, al­
gum tempo depois, a dona da casa lhe entregou a direção de todos os
seus negócios. Ao falecer, ela pôde levar consigo a certeza de que o
futuro de suas filhas estava em boas mãos, já que o Sr. Ansley, mais
do que simples amigo, tornara-se um protetor e segundo pai daque­
la família.
Preocupado, Antônio Maria, aguardava ansiosamente a chegada
do tal Sr. Ansley, que o devia tirar de urna situação bem complicada.
Mas estava chovendo, e, com isso o gerente da Casa iria demorar.
Ali estavam, além de uma empregada, as três irmãs: Anita, Sofia e
Susana. Nervoso, o rapaz procurou fingir despreocupação; e pôs-se
a observar o movimento da casa. Fregueses não os havia, porque a
chuva continuava intensa. Mas as quatro môças, ingênuas e curiosas,
revezavam-se, passando às vêzes pela sala, com uma palavrinha ami­
ga ou com alguma perguntinha inocente, que deixava o fugitivo em
apuros, para não se comprometer. Depois, lá dentro, eram uns cochi­
chos misteriosos, umas risadinhas afogadas, que alarmavam o espa­
nhol, cada vez mais desconfiado. Mas, como não havia outro remédio
senão esperar, pôs-se a observar melhor as curiosas, para inteirar-se
bem da situação.

COM O PASSAPORTE
As três irmãs pareciam inteligentes, vivas, e até simpáticas,
principalmente a mais nova. Aos poucos, o valente sevilhano come­
çou a notar que estava ficando algo anestesiado. . . por aquela cria­
turinha loira, de olhos vivos e penetrantes. E o seu enlêvo aumentou,
quando ouviu que a chamavam de Susita . . . um diminutivo que re­
fletia tôda a graça e meiguice daquela que mais parecia uma criança,
do que uma jovem de vinte e poucos anos.

Estava o rapaz todo embebido naquela doce distração, quando


chegou o Sr. Ansley. O espanhol procurou despertar, e sair daquele
sonho. Apresentou logo a carta de recomendação que trazia. Lendo-a
ràpidamente, o Sr. Ansley percebeu que ali havia muita complicação.
Fechou-se no escritório, com o rapaz, e conversaram durante muito
tempo. Enquanto aguardavam o desfêcho daquela conferência, as
três irmãs iam tecendo seus comentários. Quem seria aquêle rapaz?
Bonito e delicado, falando correntemente o francês, e o alemão, pare­
cia gente de bem. De onde teria vindo? E que carta seria aquela que
apresentou?. . . Chegara a hora do jantar. Um tanto preocupado, o
Sr. Ansley saiu do escritório, mas nada revelou. Mandou apenas que

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se preparasse mais um lugar à mesa; e explicou que o rapaz ia ficar
hospedado com êles, até que se resolvesse a sua situação. Antônio
Maria respirou, mais calmo e seguro.
Diante da bondade e das atenções que lhe dispensavam, o rapaz
sentiu-se mais à vontade, como que em sua casa. Nos dias seguintes
não pôde sair à rua, pois sendo espanhol, poderia complicar ainda
mais a sua situação. E as môças, que de nada sabiam, começaram a
estranhar que o rapaz não quisesse passear, ao menos para conhecer
a cidade. Algum drama íntimo certamente o estaria torturando, pois,
em seu olhar, havia uma preocupação que não conseguia esconder.
Mas o espanhol, até que não estava muito triste com a sua prisão
naquela casa. Já não se preocupava com os seus problemas, visto que
o Sr. Ansley os iria resolver. O problema agora era Susita . . . que
êle não conseguia esquecer. Notou que aquela criaturinha o estava
prendendo de fato, num mundo diferente, sem guerras, sem fugas
nem perseguições.
Passados alguns dias, o Sr. Ansley entregou ao rapaz um passa­
porte italiano, com o qual poderia viajar para a Espanha. Prêso co­
mo estava pelo coração, o valente sevilhano teria preferido receber
aquêle documento um pouco mais tarde . . . Mas não podia criar com­
plicações para a família; e o remédio era partir. Várias vêzes pensou
em se declarar a Susita; não o fêz porém. Achando que a própria si­
tuação estava ainda muito incerta, não quis pôr naquela vida a amar­
gura de uma desilusão. Despedindo-se das três irmãs que o haviam
hospedado com tanta caridade, presenteou cada uma com um exem­
plar da Imitação de Cristo. Para Anita e Sofia, escreveu, no livro,
apenas uma palavra: Lembrança. Mas, para Susita, fêz uma dife­
rença, e escreveu: Lembre-se de mim. E partiu, levando consigo um
nôvo problema. Aquêle sonho o iria perseguir, até que o pudesse re­
solver.
Voltando à Espanha, depois de rever os seus, e já refeito da­
quelas aventuras tôdas, Antônio Maria escreveu às Irmãs Schõnthal,
agradecendo as atenções, e revelando tudo: sua pátria, sua família,
seu nome, e . . . seus planos. A carta estourou surprêsa em meio às
três irmãs, que não se cansavam de a comentar. E Susita, vendo-se
a preferida por aquêle fidalgo de Sevilha, começou a ficar também
prisioneira de um sonho. O espanhol estava-se vingando ... fôra prê­
so, mas também conseguira prender.
Devido à situação política, e às dificuldades financeiras criadas
pela guerra, o pai de Antônio Maria viu que seus negócios se arrui­
navam completamente. Tentando salvar o que fôsse possível, aca­
bou falindo, mergulhado em dividas. Não bastasse essa desgraça, o
antigo negociante de Sevilha ainda amargava a ausência de seu
filho, que naquela circunstância, lhe fazia muita falta. Jã o tinha
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por morto, pois, desde que viaJara para a Inglaterra, nunca mais
dera notícias. Abatido com tanto sofrimento o pobre do velho caiu
num estado de profunda prostração, que o levou a uma completa fra­
queza mental.
De volta à sua terra, Antônio Maria teve o consôlo de rever pa­
rentes, amigos e conhecidos. Mas não podia ser mais triste a situa­
ção que encontrava. Seu pai mentalmente incapacitado; os negócios
todos arruinados, enquanto os credores àvidamente iam devorando
as sobras. Nada poderia fazer; tudo estava perdido. O que urgia era
pensar no seu futuro, enfrentando sozinho aquela situação.
Nesse sentido, o primeiro passo seria voltar para Lausane. Aí
poderia contar com o apôio de seu grande amigo, Sr. Ansley. Além
disso, iria pensar e resolver o assunto de seu casamento, pois, nin­
guém melhor que Susita poderia ajudá-lo a construir a própria vida.
Não demorou muito, e o fidalgo espanhol estava de volta à Suíça.

SONHO REALIZADO

Chegando a Lausane, dirigiu-se à Casa Schêinthal. Perguntou pe­


los da família, enquanto a criada o mandava entrar. Tão emocionado
estava, que mal conseguiu achegar-se a uma cadeira; desmaiou, en­
quanto a criada saiu correndo, a gritar pelo Sr. Ansley. l!:ste, igno­
rando o que se passava, correu para a sala, acompanhado pelas mô­
ças da casa, mais assustadas que êle. Voltando a si, o antigo fugitivo
da guerra não pode conter as lágrimas, vendo-se novamente cercado
pelas atenções daquela familia tão amiga. Susita e as duas irmãs gas­
taram tôdas as exclamações possíveis, diante daquela surprêsa tão
agradável.
Os primeiros dias foram poucos, para o espanhol narrar tôdas as
aventuras que vivera, de regresso à casa paterna. Não ocultando as
dificuldades em que se encontrava, devido à reviravolta nos negó­
cios de seu pai, confirmou seus planos de casamento com Susita. Mas
êsse assunto ficou para ser ainda mais bem estudado por todos. E o
jovem sevilhano começou a trabalhar, auxiliando o Sr. Ansley nos
negócios da Casa; qualidades e conhecimentos não lhe faltavam para
o comércio.
Passado quase um ano, o casamento ficou resolvido. E, nas atas
do Contrato civil, o fidalgo espanhol, de profunda formação religio­
sa, fêz constar o seguinte: Exigia a celebração do casamento religi­
oso, diante de um sacerdote católico; os filhos do casal deviam ser
batizados e instruídos na Religião católica; e o Contrato civil, cele­
brado em Lausane, tinha que ser retificado pela legislação espanhola,
com a assinatura do Embaixador espanhol na Suíça. Estas exigên­
cias - declarou - êle fazia, obrigado, «não somente pelas leis pe-
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nais de sua Pátria, mas principalmente pelas leis severas de sua
consciência».
Compreende-se que Antônio Maria tenha procedido dessa forma,
pois, naquele tempo, Lausane era uma cidade inteiramente dominada
pelos Calvinistas, na qual, os Católicos não dispunham sequer de uma
igreja. Por muito favor era-lhes permitido celebrar as cerimônias
de seu culto, numa capela fora da cidade. Foi aí que se realizou o ca­
samento de Dom Antônio Maria de Oviedo, com Da. Susana Schõn­
thal. Estava assim o jovem fidalgo mais encorajado a organizar defi­
nitivamente a sua vida. E mal sabia que abrira o caminho para no­
vos dissabores.
Pouco tempo depois o casal teve que viajar para a Espanha.
Dom Antônio já antegozava a admiração de sua familia, ao conhecer
Da. Susana, com suas virtudes, sua formação, e sua cultura. Mas o
verdadeiro motivo daquela viagem eram os seus interêsses financei�
ros que, com sua ausência, estavam indo de mal a pior.

O administrador que deixara à frente de seus negócios, na Es­


panha, estava pondo a perder tôda a sua herança. Chegando a Sevilha,
aí ficou pouco tempo, mudando-se logo para Cádis, onde possuía al­
guns bens, herdados de sua mãe e de sua madrinha. Durante meses es­
têve empenhado em salvar alguma coisa do que deixara. Mas, com
imensa tristeza, viu que tudo estava à beira do abismo. Usando de
mil trapaças, o administrador tinha-o deixado pràticamente na mi­
séria. E foi, em meio a tantos aborrecimentos, que recebeu a primei­
ra filhinha.
Era ao menos uma alegria. Mas ....uma alegria que durou pou­
co, pois a pequenina veio a morrer dois meses depois. Da. Susana fi­
cou desolada. O marido, porém, não desanimou diante de todos os
contratempos. Com esperança de reaver, ao menos, parte de seus
bens, continuou ainda em Cádis, durante quase um ano. Mas aca­
bou convencido de que todos os seus esforços eram inúteis. Tinham
que começar tudo de nôvo.
A situação era das mais críticas. O amor próprio daquele fidalgo
espanhol não lhe permitia continuar vivendo à custa de outros. E não
lhe interêssava recomeçar a vida em Sevilha, nem em Cádis, debaixo
de censuras e zombarias. Da. Susana ia ser mãe novamente, de modo
que o mais acertado era viajar para a Suíça. Em Lausane poderia
contar com mais apoio; e, com calma, estudaria o futuro. Com no­
vas esperanças o jovem casal empreendeu a viagem.
Pouco depois de chegarem a Lausane, Dom Antônio e Da. Susa­
na receberam a segunda filhinha, que veio ao mundo a 16 de março
de 1822. Recebeu o nome de Antônia Maria, e seus padrinhos foram

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o Sr. Ansley e Da. Madalena Depierre. Uma nova alegria voltou a
iluminar a vida triste e sombria daquele casal. O pai ficou todo ra­
diante, o que, porém, não o impediu de dar sequência aos novos pla­
nos que seu amor próprio lhe inspirava.

EM LONDRES

O jovem fidalgo achava humilhante, para seu nome e tradição, a


situação econômica em que vivia, dependendo inteiramente de outros.
Contando com ótimas amizades, e grandes conhecimentos, achou que,
na Inglaterra, poderia tentar negócios em grande escala e com muito
êxito. Logo estaria de volta, para viver tranqüilo com sua espôsa e fi­
lhos, num lar feliz como sempre sonhara. Numa carta escrita por Da.
Susana, lê-se a êsse respeito: Deixando a filhinha ainda no bêrço, êle
partiu para Londres onde esperava desenvolver-se com êxito, dado o
conhecimento que tinha da língua do país, e confiando nas velhas ami­
zades de seu pai, na capital inglêsa. - Mas aquela viagem, na rea­
lidade, era uma fuga inconsciente que o fidalgo espanhol empreendia.
Sem notar, êle estava procurando esquecer as humilhações que o per­
seguiam. Vítima de tantos infortúnios, ao sair de Lausane, êle já es­
tava física e pslquicamente enfêrmo. Foi o que Da. Susana logo com­
preendeu.

Chegando a Londres, Dom Antônio não escrevia, nem mandava


qualquer ajuda financeira. As poucas notícias que chegavam, era por
intermédio de pessoas amigas. Da. Susana, bastante constrangida, te­
ve que depender da generosidade do Sr. Ansley, que, se antes lhe ti­
nha sido um pai, não o dexara de ser, depois que ela se casou. Pouco
tempo depois que Dom Antônio chegara a Londres, sua pobre espôsa
soube que êle não estava trabalhando, nem podia escrever, por se
achar em tratamento. Nada lhe revelaram a respeito da doença.
E isso bastou para que ela começasse a ler nas entrelinhas. Com­
preendeu que, tão cedo, não poderia contar com seu espôso; estava
sozinha - essa, a realidade. Quis viajar também para Londres. Mas,
como abandonar a sua pequenina Antônia, que ia completar apenas
um ano? Foi quando aquela pobre mãe suspirou: Agora . . . só a
Providência.

Mas o pior ainda estava por acontecer. Não vendo nenhuma so­
lução, Da. Susana aceitou continuar dependendo de suas irmãs e do
Sr. Ansley. Os meses iam passando, e o horizonte sempre carregado
de incertezas. De Londres, nenhuma notícia que pudesse alimentar
alguma esperança. Nada mais restava senão esperar pela Providên­
cia. No entanto, nenhuma revolta, nenhum sinal de desêspero naquela
agonia que Da. Susana começara a viver. A situação não iria melho-

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rar; pelo contrário, tornar-se-ia mais difícil e penosa. Deus estava
escrevendo certo, por linhas incertas.
Nada podendo fazer pelo seu marido enfêrmo, a espôsa procurou
dedicar-se inteiramente à sua filhinha Antônia. Era o que Deus que­
ria. Aquela criança estava nos planos divinos, destinada a grandes
realizações. Precisava desenvolver-se na escola da renúncia e do sa­
crifício. E essa escola seria a vida de sua mamãe. Deus purificava
aquêle coração materno, para que fôsse êle um instrumento à altura,
na informação daquela que seria, mais tarde, preceptora de princesas,
e Fundadora de uma Congregação Religiosa.

Da. Susana foi realmente a mãe cristã, que não somente vestiu
e alimentou a sua filhinha, mas que lhe deu o temor de Deus, o amor
à virtude, a inocência da vida. Formando aquela alminha de criança,
ela estava preparando para a sua missão, a futura Madre da Miseri­
córdia, que devia dar seu amor e caridade a tantas outras almas.

Mãe heroína, ela foi provada, e muito provada por Deus. Mas
sua coragem revelava bem a sua confiança na Providência. Vivendo
os sacrifícios que Deus lhe impunha, ela foi deixando um retrato de
si mesma no coração de sua filha: espírito de luta, fôrça nos sofri­
mentos, bondade e compreensão para com os que sofrem - essa, a
riqueza de virtudes que ela soube legar à sua Antonita.
Estudando-lhe a vida feita de tantos sacrifícios, um escritor que
a conhecera, pôde anotar, como numa definição: Da. Susana era, de
fato, uma santa.

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II

«DEUS SABE O QUE ME CONVÉM»

PROVAÇÕES DE D. SUSANA

Foi em 1826, quando uma perda irreparável abalou a Família


Schonthal. Morreu o Ss. Ansley.
Antonita estava com quatro anos; e sua mãe compreendeu logo
todos os problemas que teria de enfrentar, com a falta daquele que
fôra sempre a cabeça pensante da família e o pulso forte de todos os
seus negócios. Agora da vinha a ser a única pessoa indicada para
continuar à frente do comércio daquela Casa, uma das mais conhe­
cidas e conceituadas da cidade. Sem o apôio do marido, com uma fi­
lhinha cuja educação já estava preocupando, de um momento para
outro viu-se responsável também pelas suas irmãs, que nada enten­
diam dos negócios da família.
Durante uns sete anos, Da. Susana fêz o possível para manter
as atividades da Casa Schonthal. Mas, aos poucos, foi percebendo
que, com todo o seu esfôrço, não conseguia realizar o que realizava
o Sr. Ansley. Se os negócios não tinham piorado, também não tinham
progredido. Iria tentar a vida de outra forma, deixando sua irmã So­
fia na direção da Casa; ela já estava mais ou menos a par do movi­
mento.
Falando e escrevendo correntemente o francês, ou o alemão,
Da. Susana tinha uma cultura suficiente. Mas o seu forte era a pin­
tura. No entanto, Lausane era cidade pequena, que não oferecia cam­
po para as suas atividades artísticas; tinha que mudar-se dali. Aca­
bou indo para Besançon, na fronteira com a França, onde contava
com algumas amizades, que a poderiam ajudar, ao menos no comêço.
Mudando-se mamãe, Antonita, jã com onze anos, ficava em
Lausane, pràticamente órfã. Da. Susana bem o compreendeu, e não
lhe foi fácil dar aquêle passo. Mas a situação assim o exigia. Para
não prejudicar a educação de sua filha, recomendou-a não somente
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às tias, como também aos cuidados da madrinha, Da. Madalena De­
pierre, senhora de ótima formação e profunda piedade. Mas a preo­
cupação daquêle coração materno foi mais longe. Conhecendo, em
Friburgo, a um virtuoso sacerdote, o Pedre Aeby, Da. Susana lhe
expôs a situação em que se Encontrava, pedindo-lhe que se encarre­
gasse da formação espiritual de sua filha. E êle o fêz com rara sabe­
doria e dedicação. Seu trabalho não se limitou apenas à infância da
sua pequena dirigida, mas continuou por muitos anos, depois que ela
saiu da Suíça, para se tornar Fundadora de uma Congregação Re­
ligiosa. Mais tarde, numa carta, Antônia iria lembrar que Da. Mada­
lena e o Padre Aeby eram os únicos que sem rodeios, lhe mostravam
os defeitos e faltas, justamente porque lhe queriam muito bem.
Em meado de 1833, Da. Susana chegou a Besançon, para ga­
nhar a vida, dedicando-se à pintura. Não querendo ser pesada às
suas irmãs, buscava a alegria e o consôlo de viver do próprio tra­
balho. Além disso, tinha uma filha que já começara a estudar, e as
suas despesas também não podiam recair sôbre as tias. Previdente,
Da. Susana já estava percebendo que, mais cedo ou mais tarde iriam
depender do seu trabalho, não sàmente sua filha, mas ainda suas
duas irmãs. Por isso não hesitou em deixar Lausane, para iniciar
suas atividades em Besançon.
Com a mudança de clima, sobreveio-lhe logo uma irritação da
pele, que a fêz sofrer bastante. Nos primeiros meses quase não pôde
trabalhar. Mas - escreveu à sua filha - não pedi a Deus me li­
vrasse da doença, nem dos sofrimentos; E:le sabe o que me convém.
- Vontade para trabalhar não lhe faltava. O que não havia era
trabalho, pois, naqueles meses de verão, as familias de mais recur­
sos retiravam-se para o campo, ou para a praia. Passados alguns me­
ses, escreveu a Antonita: Estou imensamente triste e preocupada,
porque até agora nada pude mandar a Você. Não sei o que seria de
mim, se não tivesse a caridade de algumas amigas. O trabalho é
pouco, de modo que minhas refeições, às vêzes, se resumem num pe­
daço de pão com queijo.
Embora pensando nos seus trabalhos e na sua situação pouco
risonha, Da. Susana tinha o seu coração mais em Lausane que em
Besançon. O que mais a preocupava era a educação de sua filhinha.
Escrevia-lhe freqüentemente; e, nas cartas que dela recebia, procura­
va descobrir tôdas as faltas e defeitos, para os notar e corrigir com
inigualável solicitude. Eram verdadeiros Estudos de psicologia o que
realizava aquêle coração materno, debruçado sôbre as cartas da fi­
lha. Não lhe interessavam tanto as notícias de casa. Estudava, com
todo o carinho, a letra, as expressões, as frases e idéias que as car­
tas lhe traziam, tentando descobrir a inteligência e o coração de An­
tonita.
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Ela começava a entrar numa idade difícil, exigindo uma forma­
ção que lhe seria decisiva para tôda a vida. Felizmente sua mamãe
compreendia que precisava estar atenta e vigilante. Suas cartas, es­
critas de Besançon, ou, mais tarde, de Londres, mostram como, em
meio a todos os contratempos, aquêle coração materno vivia como
que martirizado pela preocupação de orientar sua filha no cami­
nho da virtude. Se confiava na capacidade de D. Madalena Depierre,
ou no zêlo do Padre Aeby, também não esquecia que, em matéria de
educação, o coração de mãe é insubstituível.
Certa vez, numa de suas cartinhas, Antonita deixou transpare­
cer uma sensibilidade algo exagerada, e uma certa facilidade para
dar opiniões. Coisas de uma menina de doze anos. Nem por isso Da.
Susana deixou passar a ocasião para lhe observar: Minha, filha, notei
que Você se está deixando impressionar com facilidade, e vi tam­
bém um pouco de precipitação nas suas opiniões. Sei que isso per­
tence à sua idade, mas, desde já você precisa corrigir êsses defeitos.
A sensibilidade pode ser um traço muito simpático em você contanto
que a saiba manejar, para que, mais tarde, possa dar frutos de
bondade e de prudência.
- Numa outra carta, Antonita deixou escapar uma opinião que
certamente não era sua. Dizia à sua mamãe que, sem o dinheiro, a
virtude é um móvel inútil. Da. Susana pôs as mãos na cabeça ...
Sua filha escrevendo assim! Na idade em que estava, ela não pode­
ria emitir juízo semelhante, e naquêles têrmos. A opinião era de
outros, e sua filha a teria ouvido nalguma roda, ou de alguma cole­
ga, fora de casa. Sem demora respondeu: Você está muito enganada,
minha filha. Essa palavra, sem sentido, é totalmente contrária ao
Evangelho. Deus-Homem quis ser pobre, para nos ensinar o amor
à pobreza e à simplicidade. Por isso, não se deixe levar por idéias
falsas como essa.
Dada a ausência da sua mamãe, Antonita exagerou certa vez,
nas expressões de apêgo e de saudade. Uma mãe, sem a compreensão
de D. Susana, ter-se-ia logo derretido de pena. Mas ela apressou-se
na resposta: Não exagere assim, minha filha! Podemos e devemos
amar a nossos pais com doçura; mas também, com simplicidade, e,
principalmente, com inteligência. É assim que devemos amar a Deus.
Escrevendo dessa forma, outros poderão pensar que você quer ape­
nas fazer frases bonitas. Mas lembre-se de que a Verdade sempre
está acima da beleza.
Passando privações, e não ganhando o suficiente para si, Da. Su­
sana viu que não poderia ajudar suas irmãs, nem sua filha. Teria
que ,mudar-se de Besançon, para uma cidade maior, que lhe ofere­
cesse mais oportunidade para trabalhar. E já estava pensando em
viajar para Paris. Mas Deus lhe mostrou outro caminho. E que
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20
caminho!. . . que ela devia percorrer, afogando lágrimas com uma
coragem de heroína. Somente a morte poria fim àquele sacrifício.
De Londres chegaram então notícias bem tristes sôbre o estado de
saúde de Dom Antônio. Após anos de tratamento, nenhuma esperança
de cura; pelo contrário, a situação ia-se agravando cada vez mais.
Cônscia dos seus deveres de mãe, Da. Susana compreendia muito bem
o seu papel de espôsa. E não duvidou que, apesar de todos os sacrifí­
cios, tinha que viajar para Londres. Naquelas circunstâncias a viagem
parecia um absurdo. Seguir sozinha, para um país desconhecido, cuja
língua ignorava, sem conhecimentos e sem recursos . . . por quanto
tempo? e como iria terminar aquilo? Tudo isso ela ponderou. Mas
não quis fugir à obrigação do momento; seu lugar era em Londres,
junto à cabeceira de seu marido enfêrmo.
Naqueles dias (junho, 1834) ela Escreveu para Antonita, dando­
lhe a triste notícia, procurando animá-la: Querida filhinha, você já
sabe que também precisa levar a sua cruz, e reconheço que ela está
ficando bastante pesada para a sua idade. Mas lembre-se que a cruz
será tanto mais leve, quanto mais firme fôr a nossa vontade de agra­
dar a Deus. Olhe para o Crucifixo, e você terá bastante fôrça para se
conformar. Quero voltar para junto de você mas não pode ser agora.
Tenho que ir para mais longe; e, por isso, você fica encarregada d, 0

fazer tudo para consolar minhas irmãs. Tenho certeza que você
lhes irá mostrar o grande mérito dêste sacrifício; e espero que êle
termine logo, para eu poder estar aí com vocês, no dia da sua Pri­
meira Comunhão. E, para êsse dia, sua melhor preparação será o sa­
crifício que Deus agora nos pede. Adeus, minha filha ! Que Nosso
Senhor a abençoe, e as suas tias também.
Naqueles dias, a Primeira Comunhão de Antonita vinha sendo
o grande sonho de Da. Susana. Mas, nem essa alegria ela teve. Até
êsse sacrifício Deus lhe exigiu, porque a julgou digna de lhe ofere­
cer uma renúncia perfeita. Fechando os olhos a tudo, ouviu apenas
a voz da sua consciência de espôsa. Entregou-se às mãos da Providên­
cia, e afogando as lágrimas de seu coração materno, partiu para Lon­
dres. Aí Deus a esperava, com novas provações.

FORTALEZA DE ALMA
A 22 de julho chegava Da. Susana à Capital inglêsa. A primei­
ra impressão que teve encontrando-se com o marido, após tantos
anos, foi das mais tristes. O fidalgo espanhol que conhecera, tinha
agora um rosto pálido e abatido. Seu olhar, antes cheio de vida e de
energia, estava apagado e sem brilho. Falava às vêzes sem nexo, ora
em inglês, ora em castelhano. Com apenas 41 anos, era um homem
acabado, quase irreconhecível. E nem era para menos. Pertencendo
à nobreza e fidalguia espanholas, fôra vítima dos casamentos entre
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parentes. Além disso, aquêles anos que vivera como prisioneiro e fu­
gitivo da guerra, enfrentando a fome, a neve e a morte; o fracasso
econômico de sua família, a doença e morte de seu pai, tinham de
lhe quebrar tôdas as resistências. Sua espôsa estava a par de tudo,
e, por isso não tinha ilusões sôbre o desfêcho daquela situação.
Mesmo assim, em suas primeiras cartas de Londres, Da. Susana ma­
nifestava um certo otimismo, talvez para não alarmar as suas ir­
mãs e a sua filhinha.
Após algumas semanas, ela pôde notar uma melhora no estado
geral do enfêrmo; apresentava um pouco mais de vida e disposição.
Certamente a presença da espôsa teria sido para êle uma injeção rle
otimismo e de esperança. Começou a melhorar, de modo que, numa
carta a Antonita, Da. Susana pôde escrever: Seu pai não está pas­
sando mal; e, à última vez que o visitei, conversamos bastante, com
muita facilidade. :Êle se mostrou disposto e bem alegre, perguntando,
com visível interêsse, por você e pelos seus estudos. Não cesso de
admirar tudo o que a Providência tem feito por mim, principalmente
nestes dias.
:Êsse otimismo não provinha sàmente da melhora experimentada
pelo marido. Em Londres Da. Susana achou um campo mais favorá­
vel para suas atividades. Não conhecendo o descanso e a vida fá­
cil, começou logo a trabalhar; e o resultado correspondeu inteira­
mente aos seus esforços. Suas pinturas alcançavam ótimos preços,
e não lhe faltavam sempre novas encomendas. Em pouco tempo já
estava em condições de atender às próprias despesas, ao tratamen­
to do marido, e ainda lhe sobrava para mandar às suas irmãs, cujos
negócios, em Lausane, não iam bem. Sabendo que Antonita já havia
iniciado o estudo da música, fazendo algumas economias, teve gran­
de alegria de lhe oferecer um piano. Tudo parecia encaminhar-se para
um rumo favorável, de modo que, durante algum tempo ela chegou
a alimentar a risonha esperança de poder regressar a Lausane com
seu marido para assistir ainda a primeira comunhão de Antonita,
Ma:; êsse otimismo durou pouco.
Em março de 1835, Da. Susana foi-se convencendo de que as
esperanças de um breve regresso eram poucas. Mas sua conformi­
dade era inalterável. Escrevendo à sua irmã Sofia, ela diz: Você já
sabe como sofro por estar aqui, longe de todos; mas estou apegada
à vontade de Deus. Motivos não me faltam para chorar e viver tris­
te; no entanto, eu me dou por muito feliz, podendo querer sàmente o
que Deus quer para mim - E essa conformidade foi a sua fôrça.
Logo em maio Dom Antônio começou a piorar, e muito. Per­
cebendo que se aproximava o desfêcho daquela situação, Da. Su­
sana escreveu para Lausane, dizendo que tão cedo não poderia voltar.
Compreendendo todo o sofrimento de sua mamãe, Antonita · me res-
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pondeu que, pela sua Primeira Comunhão, oferecia a Deus mais um
sacrifício: a ausência de sua Mãe naquele dia tão lindo de sua
vida. Da. Susana ficou profundamente impressionada, admirando a
compreensão de sua filha. E apressou-se em consolá-la: Minha Lilele,
(era como a chamava às vêzes) Deus quis assim. J;;le me deu uma
cruz bem acima de minhas fôrças; mas eu sei que que sua Graça não
me há de abandonar. Farei como você diz, oferecendo a Nosso Se­
nhor êste sacrifício, para que durante tôda a vida você conserve
essas disposições que tem agora. Quem sabe, como você diz, a Sabe­
doria divina está exigindo êste sacrüício, para nos dar, por êle, uma
eternidade feliz.
A 1. de junho Antonita fêz sua Primeira Comunhão, preparada
cuidadosamente por Da. Madalena, sua madrinha, e pelo Padre Aeby.
Plenamente conformada com a ausência de seus pais, ela aceitou
aquela orfandade que Deus lhe pedia, e que sua Mamãe a fazia com­
pr�der cada vez melhor. Nesse mesmo dia Da. Susana lhe escre­
veu: Minha Lilete, aqui de longe, estou vendo você transformada
num Sacrário vivo de Nosso Senhor. Que J;;le continue sempre no
seu coração.
Embora cada vez mais próxÍIIllo de seu fim, Dom Antônio ainda
teve, naqueles dias, lucidez bastante para saber que a sua Antonita
havia comungado pela primeira vez. E pediu à espôsa lhe transmitis­
se a sua bênção patema, «feita com amor e lágrimas». Foi a última
vez que falou.
Inteiramente conformada, Da. Susana esperou o golpe que se
aproximava. A 22 de junho percebeu que o enfêrmo tinha chegado
ao fim. Colocou entre suas mãos o Escapulário do Carmo. («La Vir­
gem del Carmen» - velha e querida devoção dos antigos espanhois).
Dom Antônio o beijou, em silêncio, repetidas vêzes, para expirar de­
pois, calma e suavemente. Durante sua longa enfermidade, nunca es­
quecera o sangue que trazia dos Oviedo: fino, de nobres sentimento.;;,
e profundamente religioso. Naqueles últimos dias, fizera questão de
ter sempre a seu lado, um Sacerdote espanhol, seu amigo, que o aten­
deu com admirável caridade. Aquele Escapulário Da. Susana o con­
servou até a morte, com verdadeira devoção; e nunca mais retirou
dos dedos a aliança de seu espôso, que êles mesmo colocara, mo­
mentos antes de expirar. Essa aliança Antonita a herdou, após a
morte de sua mãe; e sempre fêz questão de levá-la consigo.
Para a pobre espôsa tudo estava terminado, tinha ido até ao
fim, com uma fortaleza heróica, naquele sacrifício que durara mais
de um ano. Londres agora asfixiava com as recordações de seu ma­
rido. Além disso, com uma alma de artista, não se sentia bem na
neblina daquela cidade triste e sombria. Nada mais lhe restava se­
não pensar na sua viagem de regresso a Lausane. A 10 de agôsto
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ela escreveu: Querida Lilete: Escolhi êste dia de Santa Susana para
lhe mandar esta cartinha. Posso avisá-la que, até fins de setembro,
não estarei nesta ilha, à qual Deus me trouxe, com urna missão
de apostolado. O tempo que aqui passei, será, para tôda a minha vida,
fonte de muito consôlo; e, para isso, você também contribuiu, acei­
tando minha ausência com tanta generosidade. Imagine como eu es­
taria hoje, senão tivesse vindo para cá! Não teria contribuído para
abrir as portas do céu para o seu pai.
Por mais pressa que tivesse em voltar, Da. Susana precisou adiar
ainda, por algum tempo, a sua viagem. Tinha vários trabalhos para
terminar; e as despesas da viagem não aconselhavam renunciar a di­
versas importâncias que ainda devia receber. Sabendo que suas ir­
mãs tinham vestido de luto, pela morte do cunhado, escreveu a An­
tonita: Não é justo que elas façam essa despesa, por causa do meu
Antônio; por isso, eu mesma a quero pagar, e a importância segue
com o Sr. Veney.
Finalmente, em fins de outubro, Da. Susana conseguiu embarcar
para a França. De Paris escreveu: Filhinha, já saí da Inglaterra, onde
Deus me protegeu muito. Viajei com uma senhora que eu não co­
nhecia, mas que se desfez em atenções para comigo. Insistiu para
que, em Paris, eu ficasse na sua casa; e assim passei com ela êstes
dez dias, como uma criança mimada. Amanhã sigo para Dijon, e ali
estarei 65 léguas mais perto de você. Logo estará realizado o que
tanto pedimos: encontrarmo-nos tôdas juntas em Lausane. Ainda
avisarei o dia da minha chegada. Logo estarei com você e com mi­
nhas irmãs. Rezem tôdas por mim.
Dias depois, sem poder pronunciar uma palavra, Da. Susana en­
trou novamente naquela sua casa de Lausane. O luto que vestia foi,
aos olhos da filha e das irmãs, um resumo daqueles dois anos de au­
sência, em meio a tantas lutas e sacrifícios. Lágrimas e abraços afa­
garam a heroína que voltava do seu exílio. Eram lágrimas de alegria,
porque, finalmente, ela estava de volta. Mas eram também lágri­
mas de tristeza, porque . . . ela regressara sozinha.

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III

«ÊSSE BENDITO DINHEIRO»

COMEÇA A VIDA DE ANTONITA

Com a morte de Dom Antônio, ficavam definitivamente sepul­


tados muito plano e muita esperança de Da. Susana. Agora via-se
ela mais sàzinha, e mais abandonada para enfrentar uma situação
que lhe parecia cada vez mais confusa e difícil. Aquela morte criara­
lhe uma série de problemas, tão imprevistos, que lhe davam a im­
pressão de estar diante de uma vida inteiramente fora de seus pla­
nos. Era a viuvez, que a deixava sàzinha, com uma filha, ainda crian­
ça, e duas irmãs, que nada podiam fazer.
Antonita já ia para os seus 14 anos. Com sua graça e beleza,
com a vivacidade e talento que todos lhe reconheciam, aquela menina
era uma promessa que desabrochava, entre lágrimas da orfanda­
de. Naquela idade, nunca havia visto a seu pai. A seu lado apenas
uma mãe, pobre, sofredora, para a qual a felicidade parecia ter
voltado as costas. Como iria desenvolver-se aquela menina? :E:sse o
mais cruel de todos os problemas para o coração de sua mãe.
ALma profundamente arraigada em sua fé, Da. Susana com­
preendeu que, sem uma sólida formação moral e religiosa, a vida
de sua filha, desabrochada em meio de tantos sofrimentos, poderia
logo desmoronar. Por isso não lhe iria dar apenas formação intele­
tual; mais do que uma inteligência, sua filha era uma alma, pela
qual, mais que ninguém, se sentia responsável. Tanto a madrinha,
Da. Madalena, como o Padre Aeby, não se haviam descuidado dêsse
ponto, na educação de Antonita. Mas Da. Susana parecia adivinhar
o futuro de sua filha. Deus realmente havia escolhido aquela menina
para uma missão extraordinária; e foi por isso que lhe deu uma mãe
tão prendada e virtuosa.
Além de ser uma cidade calvinista, Lausane não ofu·ecia am­
biente, nem recursos, para a formação que Antonita merecia. Para
sua mãe, nenhum sacrifício seria grande demais, para que, inteletual
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e espiritualmente, nada faltasse à filha. Por isso resolveu sair de
Lausane. Iria para Friburgo, onde o ambiente religioso era mais fa­
vorável. Tinha ali várias amizades, e trabalho não lhe iria faltar.
Mas, para essa mudança, as dificuldades não seriam pequenas. Seu
trabalho daria para cobrir tôdas as despesas? E como ficariam suas
irmãs Anita e Sofia? Levá-las para Friburgo não era possível, pois
não teria recursos para manter quatro pessoas, quando a manu­
tenção de duas, ela e Antonita, já era duvidosa. De outro lado, a Casa
Schõnthal tinha que ser fechada, pois, nas mãos de Sofia, os ne­
gócios haviam fracassado completamente. Mas, por mais difícil, aque­
la mudança se impunha; assim o exigia a formação de sua filha.
Com uma coragem admirável, aquela «mulher forte» enfrentou
a situação. ComEçou colocando Sofia em Besançon, com uma fami­
lia conhecida. E Anita foi para Vesoye, hospedada numa familia ami­
ga, até que pudesse voltar para junto da irmã e sobrinha, caso 0s
recursos permitissem.
Fechando a sua casa em Lausane, Da. Susana e Antonita foram
para Friburgo. Ali bateram logo à porta do Colégio das Senhori­
tas Josefina e Henriqueta Martange, que era conhecido como o me­
lhor da cidade, pela esmerada formação que dava às suas alunas.
As Diretoras ficaram encantadas com a graça e inocência de Anto­
nita, ao lado da extrema delicadeza de sua mãe. E foram logo muito
atenciosas, combinando que a menina iria pagar sàmente meia pen­
são, enquanto sua mamãe ficaria ali hospedada, sem nenhuma des­
pesa, até que conseguisse alugar uma casa. Mas, pela sua formaçãci,
Da. Susana tinha horror ao simpl€s pensamento de que pudesse cau­
sar incômodo a outros. Com muita dificuldade tratou logo de alu­
gar uma casa pequena e pobre, na mesma rua do Colégio. E ali, sem
demora, começou a trabalhar, expondo alguns quadros que trouxera
de Lausane.
Antonita nada estranhou no nôvo ambiente em que se achava.
Fêz logo muitas amizades, impondo-se também pelos seus talentos
e conscienciosa aplicação. Sua mamãe, trabalhando sem descanso,
após uns meses, achou que já podia chamar Anita, que lhe veio fa­
zer companhia, encarregando-se dos afazeres da casa. Menos sobre­
carregada, Da. Susana pôde então dedicar-se mais às suas pintura,.
Depois de tanta tempestade em sua vida, ela teve a impressão que
tudo iria normalizar-se. Embora preocupada com o seu trabalho, sen­
tia-se feliz e consolada, podendo manter-se juntamente com a irmã
e filha, à custa do próprio esfôrço. Seus quadros iam tendo ótima
aceitação, graças, principalmente à propaganda que dêles faziam as
Diretoras do Colégio.
Em. meio a essa relativa bonança, Antonita não estava muito
satisfeita, preocupada com a saúde da mamãe. Da. Susana ainda não
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tinha alcançado os 50 anos, e sua vista já lhe estava causando difi­
culdades no trabalho. Discretamente sua filha a observava, notando
que o seu estado geral dava sinais evidentes de cansaço e esgotamen­
to. Antonita não podia deixar de sentir, compreendendo ser ela a
causa de tantos sacrüícios. Gostaria que sua mãe, após 20 anos de
lutas e sofrimentos, pudesse ter uma vida mais calma e despreocupa­
da. Começou a pensar como poderia ser útil nalguma coisa, a fim
de aliviar as despesas que recaíam tôdas sôbre os ombros da ma­
mãe. A oportunidade apresentou-se, e ela não a deixou fugir. Da.
Susana estava pintando um quadro para a Sra. Mahony, da alta so­
ciedade friburguense. Essa senhora precisava de uma professôra par­
ticular, de tôda confiança, para uma de suas filhas. Conhecendo as
qualidades e talento de Antonita, falou com Da. Susana. Esta con­
cordou, e, ao transmitir a notícia à sua filha, esta se sentiu tôda fe­
liz, com a inesperada promoção. Seria um meio de ajudar um pouco
a sua mamãe. Com 14 anos apenas, ainda estudante, Antonita viu-se,
de repente, transformada em professôra de primeiras lêtras, encar­
regada de preparar sua pequena aluna para a Primeira Comunhão.
Ao saber disso, Da. Madalena Depierre lhe escreveu: Soube que você
tem agora uma aluna. Parabéns! Cuide bem dela, sendo bondosa e
comunicativa, ao mesmo tempo que firme e séria. :E:ste primeiro
ensaio será uma ótima preparação para o seu futuro. - Estas pala­
vras foram uma profecia.
Durante dois anos estêve Antonita lecionando na casa da Sra.
Mahony, ao mesmo tempo que freqüentava as aulas do Colégio das
Martange. Prova dos progressos que fêz são as poesias escritas na­
quela época, num francês el�ante e perfeito. Embora com 16 anos
apenas, a fama do seu talento e das suas qualidades não ficou sô­
mente entre as paredes do Colégio. As famílias das alunas disputa­
vam, para suas filhas, a amizade e companhia daquela mocinha tão
inteligente, educada e piedosa.
Por aquêle tempo, vivia em Genebra a família de Dom Pedro
Caro, Marquês espanhol, exilado pelas lutas políticas de sua pátria.
Visitando muitas vêzes Friburgo, Dom Pedro fêz logo amizade com
o Padre Aeby, e lhe manüestou a preocupação de encontrar uma jo­
vem ou senhora, que se encarregasse da formação de sua filha Ro­
sália, então menina de 10 anos. Conhecedor das qualidades de An­
tonita, o Padre Aeby aconselhou ao Marquês falasse com Da. Susana.
E esta ficou de estudar a proposta.
A colocação não deixava de ser bastante vantajosa. Como Pro­
fessôra numa família da alta aristocracia, além da posição altamen­
te honrosa, Antonita estaria com a promessa de um futuro brilhante.
Para sua mãe, o problema era o de sempre: a distância, a separação.
Em sua viuvez, a companhia daquela filha única era tudo neste mun-
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do. Mas nenhum egoísmo, por mais justificado que fôsse, poderia
levá-la a prejudicar o futuro de sua filha. De outro lado, p onderou
Da. Susana, suas fôrças para o trabalho já estavam falhando, e a sua
saúde não era a mesma de uns anos atrás. Confiando na Providência,
expôs o assunto a Antonita. Esta viu logo a responsabilidade que im­
plicava aquela proposta do Marquês. Mas achou que a devia aceitar,
prevendo que assim poderia aliviar, dos ombros maternos, o pêso
de tantos sacrifícios.

EM GENEBRA E FLORENÇA
Sentindo imensamente ficar longe de sua filha, Da. Susana afo­
gou os reclamos de seu coração, aceitando definitivamente a propos­
ta. E comunicou ao Marquês Dom Pedro a decisão tomada. Dias de­
pois, Antonita começou a fazer suas despedidas em Friburgo, e em
Lausane. No Colégio foi imensa a tristeza das Diretoras e alunas.
Anita e Sofia também não se conformavam com a separação, e só
falavam de sua mudança para Genebra. Da. Susana, porém, sabia
que, no momento, aquela mudança era impossível.
No dia marcado, Antonita partiu para Genebra, acompanhada
de sua mamãe. Chegando à cidade, tiveram que atravessar o Ródano
numa barca, enquanto, do outro lado, uma carruagem de luxo as
esperava, para as levar até à casa dos Marqueses. Tôda a família
saiu ao encontro da Preceptora e da sua mãe. O Marquês e sua Se­
nhora, acompanhados pelos filhos, Capelão e criadagem do palácio,
fizeram-lhes uma recepção carinhosa e festiva. Em meio a tôda aque­
la alegria, o coração de Da. Susana sangrava, iniciando um novo pe­
ríodo de separação. Tendo entregue sui filha, nada mais lhe restava
senão despedir-se e voltar. Subiu à carruagem, e enquanto esta se
afastava do palácio, foi acenando para Antonita, até que a perdeu
de vista. De Genebra não viajou para Friburgo, mas para Lausane,
onde já havia resolvido morar novamente, com Anita e Sofia.
Agôsto de 1838. Antonita iniciava agora uma nova vida, no
palácio do Marquês Dom Pedro Caro. Ciente da sua responsabilidade
como Preceptora, antes de viajar para Genebra escreveu umas notas,
que bem manifestam a seriedade com que encarava o seu nôvo cargo.
Entre essas notas aparecem as seguintes resoluções: 1) Logo de ma­
nhã, ao me levantar, feitas as primeiras orações, dedicar-me à me­
ditação, e fazer o meu exame de previsão diária. 2) Com licença de
meu Diretor, confessar-me, e comungar todos os domingos e dias
festivos. Viajando por países ou regiões protestantes, farei o pos­
sível para não passar mais de um mês sem os Sacramentos. 3) Todos
os anos, no Advento, fazer pelo menos três dias de retiro, para en­
trar na minha consciência, examinando-a com todo rigor. 4) Nunca
perder a ocasião de infundir em minha aluna princípios sólidos de
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formação religiosa e moral. - Não deixa de chamar a atenção, nes­
tas notas, o tal «exame de previsão diária», cuja patente, sem dúvi­
da, pertence a Antonita. Quase ignorado pelos livros ascéticos, êle já
era conhecido e praticado por aquela prodigiosa menina de 16 anos.
Pouco tempo depois de se ter instalado em Lausane, Da. Susana
recebeu carta da Marquesa, contentíssima com o trabalho de Anto­
nita, na qual reconhecia, não uma menina, mas «uma mulher per­
feitamente equilibrada, com uma inteligência brilhante, fecunda em
iniciativas, hábil e caprichosa em todos os seus trabalhos». Referia­
se à facilidade com que se exprimia em diversas línguas, às quali­
dades artísticas reveladas na música, pintura e poesia; elogiava
suas maneiras delicadas, e, principalmente, sua piedade sólida, es­
clarecida. E terminava, dizendo que, pela sua delicadeza e distinção,
a Preceptora revelava bem a nobreza de seu sangue. Cartas como es­
ta eram um bálsamo para o coração daquela pobre mãe, tão prova­
da pela Providência.

Passados alguns meses, Da. Susana recebeu de Antonita uma


carta que a deixou profundamente abatida. Os Marqueses tinham
resolvido mudar-se, e para bem mais longe. De Genebra iriam pas­
sar uma temporada em Milão, partindo depois para Florença, onde
iriam residir. Para Da. Susana, a notícia não podia ser mais triste.
Compreendeu que a separação ia se tornando cada vez mais dolo­
rosa, e a distância, abrindo, sempre mais, o abismo entre mãe e fi­
lha. Desolada, escreveu a Antonita: Pouco a pouco vou perdendo a
minha Lilete. Se eu o soubesse, não a teria deixado partir para Ge­
nebra. E pensar agora que, fui eu mesma quem o aceitou! Tudo por
causa dêsse bendito dinheiro, que eu detesto, porque me rouba o que
tenho de mais precioso neste mundo. Reze muito, para que eu a pos­
sa ver logo, ou, pelo menos, para que Deus me faça mais conformada.

NOVAS COMPLICAÇÕES

Em Lausane as coisas não iam bem para as três irmãs Schon­


thal. Principalmente para Da. Susana, a situação ia-se tornando sem­
pre mais pesada. Nunca, como então, foi ela uma pobre viúva, e uma
viúva pobre, obrigada a trabalhar para si, e para as suas irmãs. Fí­
sica e moralmente enfêrma, só lhe restava uma única fôrça, que era
sua inabalável confiança na Providência. Trabalhava, tinha que
vender seus quadros a preços muito reduzidos, dadas as condições
da cidade, pobre e pequena. Era tal sua situação que, escrevendo
certo dia a Antonita, para despachar sua carta, precisou esperar que
lhe pagassem antes um quadro que vendera. Mas nada seriam a po­
breza e os contratempos, se pudesse ter junto de si a filha que tanto
queria.
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Os dias iaim correndo, e, embora na companhia de suas irmãs,
Da. Susana sentia-se cada vez mais isolada numa pavorosa solidão.
Com a mudança de sua filha para Florença, nem sequer uma visita
lhe poderia fazer, devido à distância e as despesas. Aos poucos foi-se
convencendo de que aquela situação acabaria por lhe arruinar com­
pletamente a saúde, já bastante abalada. Uma mudança se impu­
nha, e com urgência. Iria para Florença, inda que isso lhe custasse
os maiores sacrifícios. Mas Anita e Sofia não se conformavam; que­
riam ir também, e somente desistiram ante o argumento das despe­
sas.
Mais uma vez teve Da. Susana que colocar suas irmãs em famí­
lias conhecidas, que as receberam com tôda caridade. Impondo-se tô­
da sorte de privações, conseguiu reunir algumas economias para a
viagem. E, já estava para partir, quando recebeu carta de Antonita.
Duas notícias preocuparam-na bastante. Sua filha dizia que estava
achando sempre mais difícil acompanhar a aluna, quando ela ia ao
teatro, pelo que a Marquesa a dispensara dessa obrigação. E narra­
va também que, certo dia, precisou acompanhar a familia num baile
de gala, da alta aristocracia. Nada menos que um príncipe, várias
vêzes, tentou tirá-la para dançar, e não conseguiu, porque ela, com
tôda firmeza, não concordou. Lendo essas notícias, Da. Susana apres­
sou ainda mais sua viagem; não queria sua filha em düiculdades. A
6 de outubro (1839) ela já estava em Turim, e dali escreveu a Anto­
nita: Estou exausta com esta correria; tenho a impressão de que mi­
nhas pernas estão mais pesadas que as de um elefante. Como é longe
essa Florença! Nestes dias tentei converter uma protestante inglêsa,
mas não o consegui. Era tão teimosa, que a Igreja inteira não a teria
feito mudar de idéias.
Abatida e preocupada, ela chegou a Florença. Muito atenciosa,
a Marquesa insistiu para que ficasse morando no próprio palácio.
Para Da. Susana teria sido um descanso. Junto com sua filha, a van­
tagem lhe teria sido muito grande, pois, hospedada em palácio, não
precisaria pensar em trabalho ou em despesas. Mas, como sempre,
não queria ser pesada a ninguém. Gentilmente agradeceu a oferta, e
alugou, para si, uma casa muito simples, ao alcance de seus recursos.
Começou logo a trabalhar, pois a Marquesa foi a primeira a lhe en­
comentar diversos quadros. Mas não pôde dar aulas de pintura, como
sempre fazia. E explica, numa carta: Por aqui, os italianos não com­
preendem que uma mulher possa ser professôra de pintura.
Para Antonita e sua mãe aquilo Pjrecia um sonho. Tão longe es­
tavam uma da outra, e agora, juntas, na mesma cidade. Em Lausane
aquela penúria, que não facilitava sequer o despacho de uma carta;
em Florença não faltava trabalho, e bem remunerado. Mãe e filha
estavam bem satisfeitas. Mas, quando a Providência facilitava um
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30
pouco o caminho, era para fazer surgir logo alguma montanha...
Aquela calma não iria demorar muito.
Já fazia bem mais de um ano que Antonita se encarregara da
educação de Rosália. Apesar de tôda a sua dedicação, o resultado de
seu trabalho estava sendo quase nulo. A menina era muito fútil, e
pouco dócil à orientação de sua Preceptora. Além disso, muito mima­
da pela excelsa Senhora Marquesa, via-se à vontade para nunca obe­
decer, e fazer sempre os seus caprichos. Antonita percebeu que a
Marquesa não tinha nenhuma compreensão pelo apoio que devia dar
ao seu trabalho. Aos poucos foi constatando que tôda a sua atividade
estava sendo inútil. Após mais de um ano de trabalho, não tinha dú­
vidas de que estava perdendo tempo, ao querer educar uma menina,
cuja mãe se encarregava de a deseducar. Falou com Da. Susana, e as
duas se puseram a estudar uma solução.
Quanta delicadeza de consciência, de Antonita e de sua mãe! Ro­
sália queria muito bem a Preceptora. Tôda a família dos Marque­
ses se desfazia em atenções para com a Senhorita Oviedo, que se
tornara pessoa da casa. A colocação era das mais vantajosas, e, se
o resultado do trabalho não estava correspondendo, êsse era um pro­
blema da Marquesa, sem nenhuma culpa da Preceptora. De outro la­
do, a situação de Da. Susana, era bastante favorável, vendo sua fi­
lha tão bem colocada, e, pràticamente, na sua companhia. Mas nem
uma, nem outra achava interessante ficar explorando aquela situa­
ção. Antonita concluiu que, em consciência, devia abandonar o car­
go. E Da. Susana concordou. Tudo, porém, tinha que ser feito com
a maior prudência e cautela, para não magoar a família; afinal, ne­
nhuma culpa tinha a Marquesa, se pouco ou nada entendia sôbre
educação. E ficaram à espera de uma oportunidade, para tratarem do
assunto com os Marqueses.
Dando tempo ao tempo, Antonita escreveu às suas antigas Dire­
toras no Colégio de Friburgo, aconselhando-se com elas, e pediu que
consultasse também o Padre Aeby a respeito daquele caso. Da Jo­
sefina Martange respondeu logo, dizendo a Antonita pedisse uma so­
lução a S. Luís Gonzaga, que pertencera à família do Marqueses.
Iriam consultar o Padre Aeby, embora estivessem muito ocupadas
em ajudar os Padres Redentoristas, nos festejos da Canonização de
Santo Afonso, cuja vida Enriqueta já lhes havia traduzido para o
francês. E terminavam com a opinião de que Antonita devia deixar
o cargo, embora com cuidado, para não causar aborrecimentos à fa­
mília que tanto a prezava.

Foi provàvelmente a princípio de maio de 1840 que a Precep­


tora deixou o palácio dos Marqueses, sem a mínima sombra de má­
goa ou ressentimento; pelo contrário, foram grandes as manifesta-
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31
ções de aprêço por uma parte da familia. Antonita continuou sempre
muito amiga de Rosália. Anos mais tarde, já casada, sua antiga alu­
na lhe escrevia: Arranjei uma senhora muito distinta, que se encar­
regou da educação de minha filha. Mas ela acabou desanimando corno
Você, porque a aluna era como aquela que você teve, embora como
Preceptora, ela não fôsse, nem de longe, como a Senhorita Oviedo que
eu conheci ...
Durante dois anos Antonita estêve naquele palácio de Dom Pe­
dro Caro, dedicando-se ao cargo que aceitara. Tinha traçado um pro­
grama de trabalho, e queria executá-lo, porque sua consciência não
conhecia obrigações pela metade. Se acabou desistindo do cargo, foi
porque lhe faltou o necessário apoio dos Marqueses. Embora ainda
criança, na idade, já tinha personalidade bastante para não aceitar
aquela situação, vantajosa para seu futuro, mas delicada para a
sua consciência.
Nesse mesmo ano (1840) saiu de Florença com sua mamãe, diri­
gindo-se as duas novaniente para Friburgo.

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32

IV

UMA PARA A ESPANHA,


OUTRA PARA O CÉU

ORFÃ

Antonita já estava com as suas dezoito primaveras. Fisicamente


bem desenvolvida, era o tipo de uma espanhola, que todos admira­
vam. Alta, morena, de olhos grandes e cabelos negros; elegante e
fina em suas maneiras; culta, e sem afetação em todo o seu modo de
agir. Mas, o que realmente encantava, era a sua piedade esclarecida
e simples. Diante da Senhorita Oviedo todos reconheciam que ela po­
dia ser uma grande inteligência, mas era, principalmente, uma gran­
de alma. Não foi sem motivo que, certo dia, numa carta, Da. Susana
desabafou: Bendito seja Deus, por me ter dado a filha que me deu!

Aquêles dois anos que Antonita passara, no palácio dos Marque­


ses, tinham-lhe oferecido uma grande vantagem: experiência sufi­
ciente em matéria de educação, mostrando-lhe, ao mesmo tempo,
suas possibilidades naquele setor. Preocupada sempre com a saúde
de sua mamãe, ao voltar de Florença teve uma idéia que não deixou
morrer. Agora em Friburgo, era ela quem iria trabalhar; e o faria
com imenso prazer, para dar à sua mãe um relativo e merecido des­
canso. Estava em condições de poder retribuir tantos anos de sacri­
fício, de angústias e de lágrimas.

Com o arrôjo e coragem que lhe vinham dos Oviedo, resolveu


abrir, em Friburgo, um Pensionato-Escola. Seria ela Diretora, Pro­
fessôra de línguas, e encarregada da formação moral e religiosa das
alunas. Da. Susana lecionaria somente pintura. E os trabalhos da ca­
sa ficariam por conta das tias Anita e Sofia. Finalmente estaria as­
sim reunida aquela família de quatro mulheres; tôdas por uma, e
cada uma por tôdas.
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33
Mal aberto o Pensionato, sobraram pedidos de inscrição. A casa
se tornou pequena, como prova de que a Diretora, Senhorita Oviedo,
já era grande entre as melhores famílias da cidade. Na flor de seus
anos, Antonita não se cansava, atendendo a tudo e a todos. Sentia-se
feliz, vendo sua mamãe na companhia das irmãs, sempre mais dis­
posta, e menos preocupada. Às alunas impressionava, não tanto pela
sua cultura, como pela sua piedade simples e sincera. Anos mais
tarde, uma das antigas pensionistas iria escrever: Formávamos, no
Colégio, um pequeno grupo de pensionistas da Suíça alemã. Senho­
rita Oviedo vivia conosco, mais como amiga, que como Diretora. Era
dotada de tôdas as qualidades que atraem e encantam as jovens: mui­
to bonita, tipo meridional, quase mourisco, de olhos negros que re­
fletiam profundamente as impressões. Sabia despertar nas alunas
o amor ao estudo, e o que mais nos encantava era a sua piedade, tão
simples, e tão profunda. - Mas, naquele Pensionato, as coisas iam
bem demais, para que a bonança não se transformasse logo em tem­
pestade. Da. Susana e sua filha tinham que viver sofrendo; duas al­
mas que Deus escolhera para o mesmo sacrüício.
As lutas políticas e religiosas que, naqueles anos, varriam os
países da Europa, começaram a agitar também as cidades da Suíça.
E, temendo a confusão de uma guerra civil, as famílias que podiam,
tratavam de procurar abrigo e segurança no campo, ou nas aldeias
mais afastadas. Dessa forma o Pensionato da Senhorita Oviedo foi
ficando vazio.
Numa carta escrita naqueles meses de agitação, ela deu uma
idéia dos apuros em que viviam: :l!:ste inverno foi simplesmente horrí­
vel para nós. As dificuldades estão acabando com a saúde de mamãe.
Temos, no momento, apenas três pensionistas; e delas, duas já estão
para sair. Como iremos pagar as contas? A proprietária da casa vive
insistindo no aluguel caríssimo que lhe devemos. Estamos passando
uns dias bem amargos. Mas, não duvido que com suas virtudes e
sofrimentos, Papai está no céu, olhando por nós. Não sei mais o que
fazer, pois temos que desocupar a casa, e não poderemos conseguir
outra. - Deus já tinha pronta a solução. Mas, como sempre, as so­
luções criavam novos casos, porque a Providência queria aquelas
duas almas na glória de um contínuo sacrifício.
Por aquêle tempo (1846) Antonita conheceu, em Friburgo, a um
jesuíta espanhol, Padre Soler, professor no Grande Colégio da Com­
panhia. Por meio dêle teve notícias a respeito de Dom Manuel de
Oviedo, irmão de criação de Dom Antônio, srn pai. Desde que êste
falecera, Da. Susana procurava, muitas vêzes, comunicar-se com seus
parentes, na Espanha. Mas nunca os pôde localizar, dada a agitação
em que o país se encontrava. Escrevendo para Dom Manuel, Anto­
nita e Da. Susana lhe narraram a situação difícil que estavam viven-
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34
do na Suíça. Contentíssimo por ter notícias daquelas suas parentes,
Dom Manuel as aconselhou viajassem quanto antes para a Espanha,
pois, em Barcelona, onde êle residia, as duas poderiam abrir um Pen­
sionato com muitas alunas. Antonita consultou o Padre Soler a res­
peito dessa idéia; e êle também a recomendou.
Dom Manuel conhecera a sua cunhada, por ocasião da viagem
de núpcias que ela fizera à Espanha; mas a sobrinha, êle nunca a ti­
nha visto. Com todo carinho, Da. Susana lhe pintou e remeteu um
quadro da filha, que contava então uns vinte e cinco anos. Junto com
o quadro, Antonita mandou uma carta, na qual dizia: Titio, o quadro
que mamãe pintou está muito bonito. Mas, se algum dia eu fôr à Es­
panha, o Sr. irá ver que a realidade, nem de longe, corresponde àque­
la que está no quadro. - Lendo isso, a mãe anotou, na mesma carta:
Não pense, Dom Manuel, que meus olhos de mãe me enganaram, co­
mo diz Antonita; eu a pintei como todos a conhec.::m, com tôda fide­
lidade.
Uma viagem para a Espanha! f:sse tinha sido sempre um sonho
parn Da. Susana e sua filha. Agora a idéia tornara-se mais viva,
devido às dificuldades por que estavam passando; e mais viável,
com a possibilidade de abrirem um Pensionato em Barcelona. Com
o apoio dos parentes novos horizontes se abriam, para que pudes­
sem tentar a vida com mais êxito. No entanto, eram outros os ca­
minhos da Providência. Tudo estava encaminhado, e a viagem, tão
desejada, não iria demorar, mas . . . só para Antonita. Para Da. Su­
sana, estava reservada uma outra viagem; e seria a última.
Tendo visitado a casa dos Marqueses, em Florença, o Embaix:1-
dor espanhol na Suíça conheceu a Senhorita Oviedo, ouvindo os maio­
res elogios a respeito das suas qualidades, e do seu trabalho como
Preceptora. Teve, depois, as melhores referências sôbre o seu Pensio­
nato, em Friburgo. Sabendo que a Rainha Da. Maria Cristina, da
Espanha, estava desejando encontrar uma Preceptora à altura, que
se encarregasse de suas filhas, não hesitou em indicar, para êsse car­
go a Senhorita Antônia de Oviedo Schonthal. O convite oficial não
demorou. Em carta autógrafa, a Rainha convidava Antonita a se
transferir para o Palácio real, com a incumbência de educar suas três
princesas, Amparo, Milagros e Cristina. Ordenado inicial: 3.000
francos anuais, livres de qualquer despesa em palácio.
A oportunidade era, sem dúvida, magnífica. O Padre Aeby, as
Se•nhoritas Martange, e outros, que Antonita consultara, foram unâ­
nimes, na opinião de que ela não podia desprezar aquela honrosa co­
locação. Apenas Anita e Sofia discordaram, não se conformando com
a ausência da sobrinha, que para elas, era uma filha. Mais apegada
por ser mãe, Da. Susana foi também mais compreensiva, e concor­
dou. O futuro era da sua filha, embora ficasse, para o seu coração
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35
materno a amargura da separação. Naqueles dias, Antonita havia
recusado uma oferta semelhante, que lhe fizeram da Polônia. Nesse
caso, além da distância, havia o inconveniente de desconhecer a lín­
gua. Mas, para a Espanha, achou que devia ir. Tinha por lá todos os
parentes do seu papai; conhecia a língua, e, mais tarde, poderia le­
var sua mamãe e as tias, para viverem juntas, numa vida relativa­
mente tranqüila. E, como era urgente o convite da Rainha, Antonita
logo respondeu, aceitando a proposta.
Com a maior pressa foram feitos os preparativos para a viagem.
No dia 21 de janeiro (1848) uma vistosa carruagem espanhola pa­
rou em frente ao Pensionato. Era hora de partir. Anita, Sofia, as
Senhoritas Martange, amigas e ex-alunas da futura Preceptora real,
ali estavam, para as últimas despedidas. Profusão de beijos, de lá­
grimas e abraços, enquanto, a muito custo, Antonita se desprendia
de tôdas, para subir à carruagem, que logo partiu. Da. Susana a
acompanhou até Genebra. Levava consigo uma imensa alegria,vendo
sua filha simples e pobre, elevada a um cargo que lhe conferia uma
alta dist�nção. Mas ia também, naquele coração de mãe, uma tris­
teza muito grande. Mais uma vez a distância lhe roubava a filha úni­
ca. E por quanto tempo? Neste mundo, as duas não se veriam mais.
Deus assim o dispusera.
Em Genebra um funcionário da Côrte espanhola apresentou a
Antonita o texto do contrato que devia reger o seu cargo no Palácio
real. A Preceptora começaria ganhando 3.000 francos por ano, para
cuidar e educar as três Princesas de Da. Maria Cristina. Com elas
deveria estar, desde manhã até à noite, com obrigação de as acom­
panhar, nos passeios, divertimentos, e viagens que fizessem a outros
países. Seu encargo terminaria depois que se casasse a última das
Princesas. E, nessa ocasião, ficaria a Rainha livre de qualquer com­
promisso, inclusive com respeito a qualquer pensão vitalícia. Lendo
isso, Antonita observou: Assim eu não assino, pois a pensão, nestes
casos é de praxe, e, algum dia, poderia precisar. - O funcionário en­
tão lhe mostrou uma cláusula, que ela ainda não havia lido: A pen­
são somente seria concedida, no caso de seu trabalho corresponder,
satisfazendo à Rainha. - Então assinei, escreveu Antonita - e fi­
quei satisfeita com aquela promessa real, que, para mim, tinha o
mesmo valor de um contrato expresso.
Difícil imaginar a amargura com que, naquele dia, mãe e filha
se despediram. Mal sabiam que a despedida seria para sempre. Da.
Susana voltou para Friburgo, onde continuou residindo com suas ir­
mãs. E, para elas, levou uma carta de Antonita, escrita ainda em Ge­
nebra, antes de partir. A sobrinha parecia pressentir qualquer coisa,
ao escrever: Que lembranças amargas! Mas, um dia, tudo será trans­
formado em alegria. A hora da minha morte, recordando as passagens
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mais tristes da minha vida, eu morrerei feliz, por ter oferecido tan­
tos sacrifícios a Nosso Senhor.
Em Marselha Antonita recebeu carta da mamãe que lhe dizia:
Minha filha, você está na cidade onde eu também estive, com aquêle
que mais amei neste mundo (viagem a Espanha, com o marido). A
minha bênção estará com você por tôda parte onde você estiver. Que
Deus e seus anjos a acompanhem. Aqui na igreja, está uma vela
acesa por você. Adeus! - Dias depois, a 31 de janeiro, Da. Susana
escrevrn para Madrid. Foi sua última carta. Quando Antonita a rece­
beu, a 23 de fevereiro, sua mamãe já estava na eternidade.

FALTA-ME ANTONITA
Tendo escrito várias cartas para a Espanha, antes de partir, e
mesmo durante a viagem, Antonita contava com que, ao chegar, pa­
rentes ou pessoas da Côrte a estariam esperando. Mas as cartas se
perderam; nem parentes, nem funcionários à sua espera. Foi quase
de surprêsa que ela chegou ao Palácio, pouco depois do meio-dia.
Tôda a família real já estava à mesa, para iniciar o almôço. Com
muita amabilidade a Rainha a recebeu, e, feitas as apresentações,
a Preceptora foi convidada a tomar seu lugar à mesa, com a famí­
lia. Com absoluta naturalidade, antes de se assentar, Antonita fêz o
sinal da cruz, rezou, pensando consigo: Se o não faço agora, de­
pois também não farei. Assim ela o revelou, mais tarde. Essa foi
a sua estréia em palácio, numa primeira impressão que calou profun­
damente em tôda a família real.
Sôbre a chegada da Preceptora, a Senhorita Zaldíval, sua colega,
assim escreveu: Ela se apresentou em Palácio, com a elegância e
simplicidade que lhe eram naturais. Sua fisionomia respirava mo­
déstia e bondade. Ainda jovem, não tinha completado 26 anos. Tôda
a sua figura revelava a distinção herdada com o sangue da sua no­
bre estirpe sevilhana.
Fazia já mais de uma semana que a Senhorita Oviedo estava
em palácio, e seu Tio Manuel de nada sabia. Um seu amigo, da Côr­
te, foi quem lhe deu a grata notícia, quando os dois, por acaso, se
encontraram numa praça. Dom Manuel, sem demora, foi conhecer
a filha do seu desventurado irmão Antônio, de cuja morte poucas
notícias tivera. Ficou encantado com a sobrinha; e, numa carta ao
Padre Aeby escreveu: Por muito que imaginasse, imaginei muito
pouco a respeito do talento e formação de Antonita.
Tio e sobrinha começaram logo traçar planos, para que Da.
Susana também pudesse viajar para a Espanha. Dias depois, Anto­
nita recebia uma carta de sua mamãe. Foi a 23 de fevereiro que lhe
chegou às mãos aquela última carta de Da. Susana, escrita a 31 de
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janeiro. Pobre filha! Nem de longe podia imaginar que sua mãe já
estivesse na eternidade.
Tôda feliz, mandou aquela carta ao Tio Manuel, pedindo que
desculpasse à sua mamãe o querer tanto à sua filha única, e por au­
mentar, ao infinito, as poucas qualidades que essa filha possuia. E
acrescentava no seu bilhete: Mamãe, infelizmente, parece muito tris­
te; que Deus lhe dê coragem para ir suportando esta separação. Será
por pouco tempo, não é verdade?
A 28 de fevereiro, a Preceptora recebia sua primeira mensali­
dade. Eram 250 francos. Pedindo ao Tio Manuel que os enviasse a Da.
Susana, escreveu: Demos graças a Deus, porque 11:le me tem prote­
gido muito, principalmente, fazendo-me achar aqui um segundo pai.
Minha afeição para com o Sr. é tôda de uma filha; é uma afeição bem
espanhola.
Escrevendo para Antonita aquela carta do dia 31 de janeiro,
não pensava Da. Susana que, dias depois, iria fazer sua última via­
gem ... p1;1.ra a eternidade. Entre outras coisas, ela escreveu: Minha
filha, eu já a estou vendo em Madrid, e de coração a abençôo, pe­
dindo a Deus realize todos os seus desejos, que são meus também.
Lembre-se de que foi em Madrid que seu pai escreveu aquêle «Tra­
tado sôbre a Glória» que compreende , no me9mo sentido em que
êle compreendia. Mande-me logo suas notícias, e não se esqueça de
que você é a única riqueza que tenho neste mundo. No próximo dia
2 de fevereiro, irei comungar na sua intenção - E já no dia 3, ví­
tima de uma gripe maligna (assim dizem as cartas) entregou sua
bela alma a Deus.
Em Friburgo ninguém teve coragem de escrever a Antonita,
dando-lhe essa triste notícia. Passaram semanas, até que o Padre
Aeby resolveu escrever a Dom Manuel de Oviedo, dando-lhe a in­
cumbência de transmitir a notícia à sobrinha, preparando-a antes,
para receber o terrível golpe. Quando a carta chegou às mãos de
Dom Manuel, Antonita estava gravemente enfêrma, no Palácio. Adoe­
cera nos primeiros dias de março, e tão mal havia passado, que todos
temeram pela sua vida. Afinal conseguira vencer a crise, mas ainda
continuava de cama. E Dom Manuel dias e noites a seu lado,
amargando aquela notícia que não lhe podia dar. Aos poucos Anto­
nita foi-se restabelecendo, e, a 29 de março, pela primeira vez, pôde
sair à rua, num passeio com as Princesas. Nesse dia ficou sabendo
de tudo. Ao receber a notícia, assim escreveu Dom Manuel, ela se
mostrou de uma fortaleza heróica. Não disse palavra. Apenas aper­
tou entre as mãos um pequeno Crucifixo que trazia sempre consigo;
e entre lágrimas, re-zou por algum tempo. - Um sacrifício a mais,
que Deus lhe pedia, entre os muitos que já lhe pedira, e que ainda
lhe iria pedir.
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Meses depois, em junho, Anita escrevia à sua sobrinha, dando­
lhe pormenores da preciosa morte de sua mãe: Não pense, Anto­
nita, que a sua ida para a Espanha, tenha sido a causa dessa morte.
Susita estava muito conformada, e falava a todos com entusiasmo,
de que logo iria morar com você em Madrid. Ela estêve doente ape­
nas tr�s dias. Uma gripe maligna a atacou violentamente, e o desen­
lace foi tão rápido, que deixou a tôdas atordoadas. Sofia não a
abandonou por um momento sequer. Dia 3, à noite, o médico ainda
a visitou. Sorrindo ela nos disse várias vêzes: Estou muito bem. Mas
percebemos que, aos poucos, ia perdendo os sentidos. Chamamos en­
tão o Coadjutor. Em dado momento, ela abriu os olhos, falou em vo­
cê e sorriu. Pensamos que tinha melhorado. Mas, fechando novamen­
te os olhos, expirou. Não queríamos acreditar, até que o médico
nos convenceu da amarga realidade. - E a carta termina dizendo:
Por aqui tudo é agitação e desordem: três conventos fechados, as
prisões abarrotadas, e o Bispo perseguido, sofrendo com a paciência
de um santo. Friburgo foi transformada num inferno; e ainda bem
que você não está mais aqui.
órfã de pai e mãe - era essa uma situação em que Antonita não
podia acreditar. Seu papai, ela nem o conhecera. Mas perder aquela
mãe extremosa, com a qual chorara tantas lágrimas, amargando tan­
tos sacrifícios, era um pesadelo; mas era realidade. Tão cedo se
desfizera aquêle sonho de viverem juntas em Madrid, quando a filha
estava pensando dar à sua mamãe o descanso exigido por tôda uma
vida de sofrimentos. Ela, chegando a Madrid, e sua mãe, aportando
à eternidade. Agora era a solidão. Seu único apôio, ao enfrentar so­
zinha a vida na Côrte, ia ser ainda aquêle Tio Manuel, que, com to­
do carinho, chamava de «mi Papaíto». No momento em que comu­
nicara à sobrinha a morte de Da. Susana, o velho espanhol, chorando
de emoção, diante do Crucifixo, adotou Antonita como filha. Foi,
como êle disse, a última alegria de sua vida.
Para a Preceptora, tudo parecia terminado. Já não via mais mo­
tivo para continuar no seu cargo. Ela o aceitara, somente pr querer
dar à sua mãe a tranquilidade que sua saúde, havia muito, estava
exigindo. Mas, havia dado sua palavra à Rainha, e ainda precisava
pensar em suas tias. E não abandonou seu pôsto na Côrte, até que
expirara o contrato que havia assinado, na presença de sua mãe.
Tendo guardado sempre tôdas as cartas de Da. Susana, Anto­
nita colocou, num envelope à parte, as duas últimas, escritas durante
a sua viagem para a Espanha, indicando que aquêle envelope poderia
ser aberto somente após sua morte. Dentro, com as cartas, colocou
também uma página, em que escreveu: Meu tesouro - a última bên­
ção de mamãe. Peço a aquêles que abrirem êste envelope, venerem
estas cartas como uma relíquia de minha mãe; ela era realmente
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uma santa. Tendo-se confessado dia 30 de janeiro, a 2 de fevereiro
não pôde mais comungar, como era seu desejo. Dia 3, à noite ela mes­
ma preparou a lamparina de seu quarto, dizendo: Estou bem; falta­
me sàmente a companhia da minha Antonita. Foram suas últimas
palavras. Pouco depois, com l.1IIIl sorriso, ela expirou, para despertar
nos braços de Jesus e Maria, porque ela era uma santa. Ah! mamãe
querida! Agora do céu, abençoa ainda a tua filha, e dá-lhe a graça
de seguir teus passos. Estende-lhe a mão, para que também possa
chegar ao céu, galgando os degraus daquelas virtudes que os teus
exemplos ensinaram. A. M. O. (Antônia Maria de Oviedo).
Assim terminou, aqui na terra, a união daquela mamãe e sua fi­
lha, união que era um idílio santo, porque santas eram uma e outra.
Antonita continuaria a viver aquêles meses, mais na eternidade que
no palácio. Para ela a vida já não oferecia outro encanto senão a lem­
brança de sua mamãe. Em suas cartas daquele tempo, deixou, várias
vêzes, transparecer o seu desejo de morrer logo, para estar com aque­
la que lhe fôra mãe e modêlo, neste mundo. Mas Deus ainda a queria
na terra, e por muitos anos, desempenhando uma missão, com a qual
nunca havia sonhado, nem ela, nem sua mamãe.

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PRIMEIROS ANOS NA CÔRTE

Iniciando êste Capítulo, uma palavra sôbre as principais figuras


daquela Côrte espanhola, na qual a Senhorita Antônia iria viver uns
doze anos.
A Rainha Da. Maria Cristina tinha sido a quarta e última es­
pôsa do Rei Fernando VII. Durante algum tempo teve o título de
«Rainha Governadora» por ter governado o país em lugar do mari­
do, gravemente enfêrmo. Vindo a falecer o Rei, sua filha Isabel, ain­
da muito criança, não pôde assumir o govêrno, pelo que se viu obri­
gada a fugir para a França. De París, porém, continuou a int1:rferir
na política de sua pátria, conseguindo afastar Espartero do govêrno.
Voltou para a Espanha, certa de que voltaria para o trono. Mas seus
inimigos conseguiram declarar Isabel maior de idade, com treze anos
apenas; e não permitiram a Da. Maria Cristina residir no Palácio
real, para que não acabasse mandando na própria Rainhi Isabel.
Com isso a ex-Regente passou a morar num palácio que possuía na
chamada Rua das Grades.
Viva, inteligente e ambiciosa, Da. Maria não perdeu tempo após
a morte de Fernando VII. Três meses depois, com admiração geral,
já se estava casando novamente, com um fidalgo de Riánzares. 11:ste
não tinha sangue real, mas era um nobre riquíssimo e de muita in­
fluência na política. Ainda no poder, Da. Maria lhe conferiu o título
de Duque; e, dêsse casamento, nasceram-lhe sete filhos: quatro me­
ninos e três meninas. Estas foram as alunas da Senhorita Antônia.
Dois outros personagens importantes do Palácio eram os irmãos
Dom Pedro e Dom Antônio Rúbio. Tipos perfeitos de cavalheiros, de
esmerada formação cristã, primavam pela inteligência, cultura, e fi­
delidade à Rainha, a qual nunca abandonaram, mesmo nos anos de exí­
lio. O mais velho, Dom Pedro, era médico da Família real e secretário
da Rainha. Retraído, e de pouca conversa, foi, não somente uma
grande amiz-ade, mas um conselheiro que a Preceptora encontrou no

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palácio. Dom Antônio, pelo contrário, era mais dado e mais expan­
sivo, dominando todos os assuntos e enredos da Côrte. Culto no falar
e escrever, conhecia bem os segredos da política palaciana, sendo o
homem da confiança de Da. Maria, para a solução de qualquer caso
complicado. Dizia a Rainha que, para a escolha do pessoal da Côrte,
confiava tão somente no olfato de Dom Antônio. Sua inteligência
muito viva, aliada a um humor tipicamente madrilenho, fazia dêle
uma figura indispensável no palácio.
Os dois irmãos logo perceberam que a recém-chegada Preceptora,
que a Rainha mandara vir da Suíça, não era uma alma qualquer. Sua
cultura, nobreza de sentimentos, e, principalmente sua profunda pie­
dade, impunham a todos uma admiração cheia de respeito. Mais tar­
de, da parte de Dom Antônio, a admiração chegou a ser um pouco
mais do que simples amizade. Mas, dentro da sua linha impecável de
finura e delicadeza, a Preceptora não se deixou envolver em projetos
que nunca estiveram nos seus planos.
Completavam o pessoal da Côrte relacionado com a Senhorita
Antonita, as duas jovens: Encarnação e Mariquita Zaldívar. A pri­
meira não chegou a trabalhar muito tempo com a Preceptora; foi
despedida pela Rainha, antes que se tornasse público o escândalo
que dera. E a Senhorita Oviedo logo se convenceu de que não eram
infundados certos rumores que sempre ouvira, a respeito de abusos e
desordens, comuns nas altas esferas palacianas. Zaldívar foi sempre
colega da Preceptora, e com ela deixou o Palácio, depois que se ca­
sou a última das princesas.
Com vinte e seis anos, e uma sólida formação, a Preceptora es­
tava perfeitamente à altura do cargo que aceitara. Mas não ignorava
as complicações que lhe poderiam oferecer a vida no ambiente de
uma Côrte real. Por isso, uma das suas primeiras preocupações em
Madrid, foi conseguir um Diretor espiritual, a quem pudesse confiar
sua consciência. Em contato com a Colônia francesa da Capital,
conheceu o Padre Casson, de grande cultura e não menor piedade. A
princípio estranhou que êle não mostrasse muito interêsse pela dirí­
gida, e pensou procurar um outro Diretor. Mas, aos poucos, perce­
beu que aquela indiferença era aparente, prova de uma prudência
que não se deixava entusiasmar logo pelas primeiras impressões.
Continuou com êle, e pôde constatar que o Diretor era o guia que
ela procurava: compreensivo, mas firme e enérgico. Ambos se com­
preederam muito bem no trabalho de santificar uma vida em meio
ao luxo, à ambição e leviandade do ambiente. Durante aquêles doze
anos, Antônia soube ser sempre a mesma que Da. Susana formara,
com sua palavra e com seu exemplo.
Iniciando o trabalho com suas alunas, a Preceptora viu logo que
não estava na Suíça, oncle a educação da mulher é das mais sérias
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o esmeradas da Europa. As três princesas não passavam de três cri­
anças, mais ou menos desenvolvidas, e, entre elas, a düerença era
multo grande. A mais velha Maria Amparo, ou simplesmente Ampa­
rito, como a chamavam, tinha então uns treze anos. Pouco dócil, in­
discreta, parecia ter ( como escreveu alguém) o dom da antipatia. Fai
a que mais trabalho deu à Preceptora.
Maria Milagros, ou Milagritos, tinha uns dez anos. Muito viva,
exageradamente expansiva, era o azougue do Palácio. Mas sabia re­
conhecer os próprios defeitos; correções, e tinha bons sen­
timentos. A menorzinha, de uns oito anos, era uma criatura angeli­
cal, que a todos prendia com sua graça e simplicidade. E assim se
conservou pelos anos afora, merecendo ser chamada, na velhice, a
m::e dos pobres, devido à sua grande caridade.
Embora crianças, as três alunas foram compreendendo, aos pou­
cos todo o amor e dedicação que lhes tinha a Preceptora. Nunca c;e
revoltavam com as censuras e correções, sabendo que, em tudo, a
Senhorita Antônia não se deixava levar pelo gôsto do castigo, mas
pelo zêlo que punha no seu trabalho de ensinar e dirigir.
Certa ocasião, a inquieta Milagritos não estava lá muito dispos­
ta a fazer um exercício escrito. Antônia sabia como contornar se­
melhantes situações, resolvendo os casos sem magoar. E escreveu
um bilhete à aluna: Amiguinha, não estou acreditando que você me
queira dar o prazer de um desgôsto. Seria possível? Reze uma Ave­
maria a Nossa Senhora, e, depois, com um pouco de esfôrço, você
farã muito bem a sua tarefa. Oxalá você soubesse como lhe quer bem
- a Antonita. - Milagritos respondeu logo: Senhorita, não pense
mesmo que a sua amiguinha lhe queira dar o prazer de um desgôsto.
Esse prazer nunca lhe darei. É que nada me aborrece tanto, como
escrever definições. Mesmo assim vou fazer o meu trabalho, para que
a Senhorita não duvide do grande carinho que lhe tem - Milagritos.

Dizendo que a Senhorita Oviedo viveu doze anos na Côrte es­


panhola, não podemos pensar que ela tenha passado todo êsse tempo
apenas em Madrid. Aquela era uma Côrte bem ambulante, que, se
não parava em Madrid, também não ficava parada mesmo no exílio
de Paris. A passeio, ou por necessidade, a Rainha e o Duque, seu es­
pôso, viajavam freqüentemente; e, com êles, iam os filhos, a Precep­
tora, os irmãos Rúbio, e grande parte da criadagem. A fina classe
das mulas de uma cavalariça real encurtava tôdas as distâncias. As
viagens mais comuns eram feitas por motivo das «temporadas» de
verão ou de inverno, de férias ou de festas, que a família real passa­
va nos mais diversos pontos do país, ou do estrangeiro.
Três meses depois de ter iniciado seu trabalho em Palácio, An­
tônia já precisou viajar, acompanhando as princesas para San Se-
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bastian. Essa foi uma temporada imprevista, imposta pela situação
política do país. Da França, as idéias republicanas tinham passado,
com facilidade, para os países vizinhos. E os republicanos espanhóis,
nem mais calmos nem mais quietos que os franceses, começaram logo
a promover desordens em Madrid. Temendo que a situação se agra­
Maria a Nossa Senhora e depois com um pouco de esfôrço, você
vasse, a Rainha se apressou em organizar uma temporada» para
seus filhos. Ela e o Duque permaneceram na Capital, conseguindo
sufocar uma revolta que não demorou a estourar. Ordenando prisões
fuzilamentos, Da. Maria acabou logo com a valentia dos republica­
nos. Mas, antes que as coisas complicassem, seus filhos já estavam
em San Sebastian, perto da fronteira franc_esa. Acompanharam-nos a
Preceptora, cuidando de suas alunas, e os irmãos Rúbio, que se en­
carregaram dos quatro meninos.
Amargando ainda a lembrança da morte de sua mãe, Antônia
empreendeu aquela viagem sem nenhum entusiasmo; apenas aceitou
o que as circunstâncias impunham. Mas passados os primeiros dias,
comEçou a gostar da região e das praias, as montanhas, o clima ame­
no, lembravam-lhe bem as paisagens da Suíça. E o ambiente tran­
qüilo convidava ao recolhimento e à oração, que ela não descuidava
cm meio a todos os seus afazeres. Além disso, pôde conhecer em San
Sebastian ao Padre Pozo, confessor virtuoso e preparado. Essa ami­
zade já lhe havia sido recomendada pelo Padre Casson; e, mais tarde,
Antônia pôde valer-se, muitas vêzes, da sabedoria e experiência da­
quele sacerdote.
Terminado aquêle veraneio forçado em San Sebastian, a Precep­
tora ainda precisou acompanhar suas alunas a uma granja da famí­
lia real. Passou alí umas duas semanas, e ficou bem satisfeita quando
pôde voltar a Madrid, pois longe da cidade, não podia assistir à Mis­
sa, nem comungar.
Embora essas freqüentes temporadas fora de Madrid prejudicas­
sem um pouco o ritmo das aulas, Antônia via nelas uma vantagem:
estar mais afastada do movimento e das festas na Côrte. Durante o
primeiro ano de sua permanência em palácio, foi dispensada de acom­
panhar as princesas ao teatro, e a outros divertimentos, isso em
atenção ao luto que vestia. A própria Rainha notava que para a pie­
dade e modéstia da Preceptora, os divertimentos e as festas eram
uma verdadeira penitência.
A 1 de fevereiro (1849) numa carta ao Tio Manuel, Antônia
escrevia: Há um ano atrás, eu ainda tinha a mamãe. Acho que se ela
tivesse vindo para cá, seu coração tão puro e inocente iria sofrer de­
mais, vendo a sua querida Espanha mergulhada em tanta corrupção.
Ah! minha mãe tão santa! com quanto cuidado ela não afastou mi­
nha infância e mocidade para longe do mundo: Ela bem sabia porque.
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CONSCffiNCIA DELICADA

Hoje olho para êste mundo com verdadeiro horror. Sempre achei que
êle era mau, e agora estou vendo que êle é muito pior do que eu pen­
sava, porque o mau exemplo vem de cima. Hoje minhas alunas saí­
ram a passear com os pais. Compreendendo que nenhum prazer eu
teria nesse passeio, a Rainha me deixou ficar em casa. Mas sai pela
cidade, à procura de uma igreja, onde eu pudesse ficar a sós, com a
lembrança de mamãe. Entrei na igreja de S. Martinho, onde passei
a tarde tôda, sozinha, diante do Sacrário. Agora, à noite, ainda ha­
verá baile. Querido Tio, não posso mais escrever, soluçando como
estou. Preciso estar com Deus; preciso rezar.
Passado o luto do primeiro ano, Antônia tinha de sair sempre,
acompanhando as alunas, pois a Rainha não as confiava a ninguém.
Suas filhas tinham uma Preceptora que lhe merecia tôda confiança.
Embora as festas e divertimentos da Côrte não lhe agradassem, An­
tônia nunca fugiu à sua obrigação; mas tinha o cuidado de se apre­
sentar, em tôda parte, com a máxima simplicidade e modéstia. -
Quando tenho que ir a alguma festa - assim escreveu ao Tio Ma­
nuel - fico bem aborrecida com a vaidade e exagero da moda. É de
propósito que me apresento o mais simples possível. - Certa noite
precisou acompanhar a Rainha e as princesas a um espetáculo de cir­
co. Qualquer outra pessoa se teria dado por muito honrada e feliz,
em tão nobre companhia. A Preceptora, no entanto escreveu, que,
naquela noite, passara, no circo umas horas simplesmente repugnan­
tes ...
Quando já estava morando no palácio da Rua das Grades, após
o exílio em Paris, ela escreveu ao Tio Manuel: Nos bailes que se re1-
lizam aqui, ou no Palácio real, o Duque e suas irmãs ficam até às
três horas da madrugada; mas a Rainha Isabel só se retira às cinco e
meia da manhã ... Ah! que vontade de morrer, ou, pelo menos de
ficar livre dêste mundo! Preciso de recolhimento. Reze, Papaito, re­
ze muito pela sua sobrinha.
Uma consciência delicada como a de Antônia, formada com tan­
to carinho na escola da virtude, era natural que não se sentisse bem
num ambiente como aquêle da Côrte. Vivia como que asfixiada em
meio ao espírito mundano daquelas festas, bailes, divertimentos, vi­
sitas e recepções. Além disso, a lembrança de sua mamãe, a preocu­
pação com suas tias, as saudades da sua terra, tudo contribuía para
que não se sentisse feliz, embora colocada tão alto. Certa ocasião es­
creveu a seu Tio: Preciso combater esta melancolia que, muitas vê­
zes, me assalta. Não sei o que me esté acontecendo, mas continua­
mente preciso afogar minhas lágrimas e soluços. Tudo aqui na Espa­
nha me faz lembrar aquela Suíça que tanto amo, e que, talvEz, nunca
mais voltarei a ver. Até as cerim6nla1, religiosas, nas igrejas, me

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deixam aflita lembrando as solenidades a que eu assistia com ma­
mãe. Somente o Coração de Jesus, é rico em misericórdia e consôlo;
nêle é que encontro a coragem para continuar vivendo esta vida.
No entanto, não podemos pensar fôsse Antônia uma criatura
triste, inimiga da expansão; corria em suas veias uma boa dose de
sangue andaluz. Por isso, sabia apreciar as alegrias, quando puras,
inocentes, e punha todo o seu entusiasmo nas festas que organizava
em palácio. Nessas ocasiões, não poupava seu talento artístico e li­
terário, escrevendo comédias, músicas, poesias ou discursos, orga­
nizando e dirigindo tudo com rara habilidade e gôsto muito apurado.
Inteligente e perspicaz como era, a Rainha sempre soube compreen­
der a situação daquela filha única, órfã de pai e mãe, quase exilada
num país estranho, vivendo num ambiente pouco de acôrdo com a
sua formação. Desde que chegara ao Palácio, a Preceptora se mostra­
ra acima de tôda expectativa, pela sua cultura, inteligência e delica­
deza. Por isso, a Rainha sempre soube apoiar o seu trabalho, não lhe
poupando elogios e atenções. Nunca lhe deu uma ordem; manifesta­
va apenas seus desejos, em forma de pedidos.
Se, em assuntos do govêrno, a Rainha era autoritária e sobera­
na, tratando com a Senhorita Antônia, sabia ser sempre amável e de­
licada. Uma prova apenas: Foi na primeira festa de Ano Nôvo a que
a Preceptora assistia em Palácio. (1850). A hora determinada, ela
se apresentou, com todo o pessoal da Côrte, para prestar homena­
gem à Rainha. Uns após outros, beijando a mão à Soberana. E che­
gou a vez da Preceptora. Mas a Rainha não lhe deu a mão a beijar;
abraçou-a logo, com muito afeto, e a beijou na fronte, dizendo: Seja
êste o beijo da sua mamãe ... Antônia retirou-se reprimindo lágri­
mas de saudade, mas profundamente comovida ante aquêle rasgo de
delicada atenção.
Se, de um lado, a Rainha compreendia o sacrifício que a Precep­
tora se impunha desempenhando seu cargo num ambiente desagra­
dável à sua formação, Antônia, de sua parte, nunca deixou de corres­
ponder à bondade com que era tratada. Poderia, sem dúvida, renun­
ciar àquêle pôsto, que aceitara unicamente em atenção à sua mamãe.
Mas ela era Oviedo, e não iria acovardar-se, nem faltar à sua pala­
vra. E tinha a delicadeza de mãe, para saber ritribuir às delica­
dezas da Rainha. Viveu doze anos ao meio do luxo de uma Côrte;
mas - escreveu uma colega - nunca se deixou contagiar pelo
espírito do mundo, e quando saiu do Palácio, era a mesma que ali
havia entrado.
Após a morte de Da. Susana, em Friburgo, suas irmãs tiveram
o cuidado de reunir e guardar carinhosamente tudo o que ela havia
deixado. Sabiam que para Antônia, aquelas lembranças teriam valor
de inestimáveis relíquias.
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No dia 24 de lffiarço (1849) à hora do almôço, o próprio Duque
comunicou à Preceptora, que havia chegado para ela um caixote,
proveniente da Suíça. Antônia já sabia do que se tratava. Mal pôde
terminar a refeição. Saiu, trancou-se em seu quarto, e, de joelhos,
diante de um crucifixo, abriu aquela caixa. Chorando de emoção, foi
retirando, uma por uma, aquelas lembranças que tanto desejara re­
ceber.
Numa carta ao Tio Manuel, ela contava, logo depois: Recebi as
lembranças de Mamãe, e as guardei com todo carinho. Tenho a im­
pressão de que seriam profanadas, se outros as vissem. Foi como se
eu tivesse visto novamente aquela alma tão pura, cuja suavidade fêz
com que minhas lágrimas fôssem menos amargas. Entre outras coi­
sas, recebi: A carta em que Papai fazia o pedido de casamento; o
manuscrito que êle deixou, narrando suas fugas e viagens pela Euro­
pa; as alianças, de Papai e de Mamãe; o Escapulário que ela colocou
nas mãos de Papai, à hora da agonia, e que eu irei usar agora, até
à morte. Se, algum dia, eu me tornar Religiosa, e a obediência me pri­
var de todo consôlo humano, êsse Escapulário ficará com o Sr. Vie­
ram também: o Tratado sôbre a Glória, que Papai traduziu; lenços
e xales que, tantas vêzes, vi Mamãe usar; um pequeno quadro do Sa­
grado Coração, que ela pintou para mim; o Crucifixo que ela trazia
sempre consigo, e que beijou momentos antes de expirar ... enfim,
uma porção de lembranças, que nem posso enumerar.
Nessa carta, Antônia fala, depois, do pouco valor desta vida,
colocada diante da eternidade, e termina dizendo: A única e verda­
deira felicidade, é aquela paz interior que conseguimos sôbre as ruí­
nas de nós mesmos, renunciando nossos afetos, desejos e vontade
própria.
Como em tôdas as Côrtes, naquele Palácio real de Madrid havia
de tudo, e para todos os gôstos; festas, política, invejas, comentá­
rios, sofrimentos, e até alguma virtude. Vivendo quase forçada na­
quele meio, Antônia nunca tomou conhecimento de tudo o que não
lhe dizia respeito. Dedicada unicamente ao seu trabalho de educado­
ra, procurou sempre conservar-se fora e acima do ambiente, não se
deixando prejudicar na delicadeza de consciência em que havia sido
educada. Sua cultura era de todos conhecida; delicadeza e finura de
trato não lhe faltavam, e sua beleza era de chamar a atenção. Pode­
mos assim concluir, como era difícil aquêle ambiente para uma cons­
ciência pura e delicada como a sua. Os dois fatos seguintes mostram
bem, como, apesar do luxo e leviandade daquela Côrte, Antônia nunca
se deixou contagiar pelo espírito mundano que a rodeava.
Certa ocasião, o Duque de S. Luís convidou tôda a Familia real,
para um baile de gala que ia dar em seu palácio. Antônia, muito a
contra gôsto, devia ir, devido à insistência da Rainha qu� a não dis-
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p�nsava como acompanhante. Preocupada e aflita, escreveu um bi­
lhete a seu Tio Manuel: Vou com muito mêdo a êsse baile. Que Deus
me proteja, para eu não esquecer que sou d'f:le, e sàmente a Êk de­
vo pertencer. Reze por mim; reze para que me veja sàzinha e isolada.
O que eu quero, é que, nesse baile, ninguém dê pela minha presença,
que ninguém se interesse por mim. Prefiro êsse desprêzo, e ficarei
mais contente com êsse esquecimento, que com tôdas as atenções
que me costumam dispensar nessas ocasiões. - Por aqui se vê que,
de coração, Antônia já era uma Religiosa, vivendo muito acima da
vida mundana daquele Palácio real.

Noutra ocasião, recebeu carta da Suíça, pedindo arranjasse co­


locação, em Madrid, para um rapaz, de família muito amiga, à qual
devia muitas atenções. Altamente colocado na chancelaria alemã de
Friburgo, êsse rapaz, de nome Heliodoro, fôra pôsto na rua, pelas
lutas políticas. De família desconhecida, sempre havia sido muito gen­
til e atencioso para com a Senhorita, naquele tempo Diretora do Pen­
sionato. Houve até quem sonhasse com um casamento entre os dois,
coisa que nunca estivera nos planos de Antônia. Muitas vêzes a mãe
de Heliodoro lhe havia dito: Ah! se você quisesse ser minha filha,
como seríamos felizes, eu e meu filho! - Mas Antônia nunca se in­
teressou pelo assunto. Recebendo aquêle pedido de colaboração para o
rapaz, ela escreveu ao Tio Manuel, explicando tudo, e dizendo: Eu
não posso responder a essa carta; queira respondê-la por mim, Pd­
paito. O que eu posso é ditar o que o Sr. vai escrever. Padre Soler foi
professor dêsse rapaz em Friburgo, e poderá levá-lo para Barcelona,
onde há muita gente interessada em aprender francês. Digo isto não
porque haja algum interêsse no m:eu coração; de modo algum. Ape­
nas lhe confiei um segrêdo. Prezo muito a mãe e a irmã dêsse rapaz,
e isso é tudo. Posso revelar ao Sr. que duas pessoas entraram no meu
coração, quando êle era ainda muito humano. Mas, há muito tempo
que as mandei para fora, e delas nem me lembro mais sequer.

Aceitando o cargo de Preceptora na Côrte espanhola, Antônia


compreendeu bem o sacrifício que a esperava, longe da pátria e da
família. Mas ela pensava na Mamãe e nas tias, que precisavam do
seu trabalho: Agora, se Da. Susana já tinha falecido, Anita e Sofia
continuavam em Friburgo, dependendo da caridade de uma sobrinha
que certamente as não podia esquecer. Mensalmente lhes mandava o
ordenado que recebia, e Tia Anita, em suas cartas, dava-se ao escrú­
pulo de lhe comunicar em que haviam empregado as importâncias
recebidas.

Apoiadas nessa caridade que nunca lhes faltou, Anita e Sofia


puderam viver seus últimos anos com um certo confôrto, e relativo
sossêgo. Viviam na mesma casa, com duas amigas, formando, como
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uma delas escrevia, um pensionato de velhas neurastênicas, carrega­
das de reumatismos e nevralgias ...
Em fevereiro (1852) por uma carta de sua amiga Catarina Ae­
by, Antônia soube que Anita estava com uma gripe muito forte, mas
teimando em não guardar o repouso que o médico lhe prescrevera.
Com essa resistência pensava ela poder enfrentar e vencer a doença.
Mas, pouco tempo depois, numa carta a Dom Antônia Rúbio, Catari­
na dizia: Não faz muito, escrevi à nossa querida amiga Antônia, avi­
sando-a de que Tia Anita não estava passando bem. Hoje escrevo ao
Sr. pedindo que lhe transmita esta triste notícia: Nestes dias a po­
bre doente sofreu um ataque de apoplexia, e vimos que o estado era
bastante grave, pois ela já era um tanto idosa. Antes, porém, ela
ainda se confessou, e recebeu a Extrema-Unção. Ficamos sempre a
seu lado, embora sem qualquer esperança de melhora. Ontem a po­
bre enfêrma veio a falecer. Foi uma graça de Deus para Tia Anita,
que, ultimamente, vivia martirizada pelo reumatismo, trêmula, e sem
poder andar.
Antônia ainda estava recebendo cartas de pêsames pela morte
de sua Tia, quando Deus lhe permitiu uma nova e terrível provação.
Marcado sempre pela melancolia, como todos os Oviedo, Dom Ma­
nuel, o Papaíto, fazia meses que vinha vivendo num estado de pro­
funda prostração. Dada a sua cultura e sua experiência, tinha ocu­
pado muitas vêzes altos cargos na Política do país. Mas sua retidão
e costumes severos, nunca se acomodaram com a leviandade e am­
bição das altas rodas em que vivia. Acabou num incurável pessimis­
mo. E o velho político, desiludido, retirou-se para a solidão, afastado
de todos e de tudo. Foi assim que faleceu, de pura melancolia e pes­
simismo. Antônia sentiu profundamente a morte daquele Tio, que
lhe fôra um segundo pai, desde que viera para a Espanha. Mas, numa
carta, ela dizia: As provações chegam, uma após outras. E procu­
ro aceitá-las com tôda conformidade, pois êsse é o estilo de Deus.
Dos parentes mais achegados, ficava agora somente a Tia So­
fia, na longínqua Friburgo. E Antônia ainda a iria rever, numa opor­
tunidade que se apresentou quase de surprêsa.

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49

VI

.,
"JA ESTOU CASADA ...,,

Com as facilidades que lhe proporcionava a vida na Côrte aos


poucos, Antônia foi conhecendo alguns parentes, dos muitos que ti­
nha na Espanha. Entre êles, soube de um tio, que morava na França,
e que, naquela ocasião desempenhava o cargo de Cônsul espanhol em
Bordéus. Chamava-se Dom Manuel de Oviedo. Para que o não con­
fundissem com seu irmão de criação, o Papaíto, êle mesmo aumentou
o nome para Dom Manuel Maria. É bem provável que Antônia e seu
Tio Cônsul nunca chegaram a se conhecer pessoalmente.
No final de uma carta à Sobrinha, Dom Manuel Maria escreveu:
Antes da República, eu era um homem rico. Mas agora, estou como
do mundo: sem saber o que tenho, e o que terei amanhã. Em todo
caso, no meu testamento, não a irei esquecer, pois sempre quis mui­
to bem a seu Papai. - Havia nessa carta uns elogios à Sobrinha,
que, de familia tão simples, fôra escolhida para um cargo tão alto,
na Côrte. Respondendo, Antônia escreveu: Titio, não seja assim tão
pródigo em elogios. Isso até pode ser pecado. Nenhum mérito eu te­
nho, no cargo; êle foi apenas uma esmola que Deus me fêz.

Dom Manuel Maria não deixou de cumprir a sua promessa. Fa­


lecendo, pouco tempo depois, seu testamento deixava para a Sobri­
nha, vários imóveis, e uma boa soma em dinheiro. Antônia resolveu
logo aplicar tudo em obras de caridade, principalmente na Suíça, onde
as lutas políticas tinham deixado muita gente na miséria. Mas as tra­
paças de parentes e advogados se encarregaram de reduzir aquela he­
rança a menos da metade, e assim, pouco sobrou para a herdeira dis­
tribuir. Pe. Aeby a consolou numa carta, dizendo: Até nisso Deus a
protegeu; essa fortuna poderia vir a ser para a Sra. uma fonte a
mais de inquietações e aborrecimentos.
Bm 1850 Antônia, pela primeira vez ficou sendo Madrinha de
Batismo. O afilhado era um sobrinho seu, que, em homenagem à Ma­
drinha, recebeu o nome de Antônio Maria. Tôda feliz com aquela dig-
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nidade, ela escreveu depois para as Tias e amigas de Friburgo, des­
crevendo a festa com todos os pormenores. E recebeu da Tia Anita
uma carta que dizia: Vejo que, por seu intermédio, Deus está derra­
mando suas bênçãos sôbre a família do afilhado. Amada de Deus
e dos homens, nem as honras, nem o luxo e vaidade que a rodeiam,
poderão afastá-la da virtude. Que felicidade, se pudéssemos conhe­
cer êsse Antônio Maria, cujo nomes nos lembra aquêle outro Antônio,
a quem tanto queríamos! Oxalá que, nas virtudes, êsse afilhado seja
parecido com êle, mas. . . que seja mais feliz - E tenmina a carta
com uma vaga alusão a um possível casamento de Antônia com Dom
Antônio Rúbio.
Era êsse um casamento que todos admitiam, dada a grande
admiração que o político da Côrte sempre manifestara para com a
Preceptora do Palácio. A nobreza de sentimentos, a cultura e forma­
ção de ambos faziam prever que, um dia, os dois acabariam casados.
Por isso, em sua carta, Anita aconselhava a Sobrinha a não despre­
zar aquêle partido, «o que até poderia ser contra os desígnios de
Deus».
Devido às suas qualidades, e à colocação que tinha no Palácio,
ninguém admitia que Antônia conseguisse evitar o casamento; e os
boatos a respeito já eram freqüentes, marcando o noivo, e até a da­
ta do enlace . . . De fato, após a morte de sua mãe, ela precisou en­
carar com mais decisão êsse problema da escolha que devia fazer:
Casamento, ou vida religiosa? O desejo de se consagrar inteiramente
a Deus já vinha de longe, no coração de Antônia. Desde menina ela
havia pensado nisso; mas foi aos 13 anos, quando, pela primeira vez,
tratou dêsse assunto com seu Diretor, Padre Aeby, êste aconselhou-a
que esperasse, pois, além de ser ainda muito criança, não podia igno­
rar a situação difícil em que se encontrava a sua Mamãe.

E os anos foram passando. Mas, dada a ocasião, ela voltava sem­


pre a falar sôbre êsse problema. E a resposta era sempre a mesma:
Esperar, até que se definisse a situação da família. Foi assim que,
com o tempo, Antônia começou a admitir que Deus talvez não a qui­
sesse na vida religiosa. A saúde de Da. Susana já apresentava sinto­
tomas de cansaço; Anita e Sofia nada podiam fazer. A solução pare­
cia evidente: Renunciar os planos de Vida Religiosa, para ser o úni­
co apôio de sua mãe e de suas tias.
Em Florença, quando contava apenas com 18 anos, Antônia te­
ve diante de si um casamento que teria arrastado a qualquer joverr
da sua classe, ou mesmo, de classe mais elevada. O pretendente era
nada menos que um jovem da alta nobreza italiana. A notícia che­
gou até Friburgo. Lá, como em Florença, reuniu-se logo o côro das
casamenteiras, repetindo aos ouvidos de Antônia, que não perdesse
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aquêle partido, que pensasse no seu futuro, que não deixasse fugir
aquêle presente do céu . . . Não sabemos porque, mas a pretendida,
embora filha de uma pobre viúva, não se deixou impressionar, e o
assunto morreu logo, sem deixar vestígios.

O Sr. Paillet, que tinha sido professor de Antônia, em Lausane,


durante a ausência de Da. Susana, também achou que devia procu­
rar noivo para a sua antiga aluna. E arranjou até diversos. Mas sem­
pre que, por carta; tratava do assunto com Antônia, esta, em suas
respostas, levava tudo a brincadeira. Por isso, escrevendo a Da. Su­
sana, o desconsolado professor se queixava: Sempre que escrevo a
Antônia, sôbre casamento, ela me responde, brincando apenas. Supo­
nho que, ao ler as minhas cartas, ela não faça mais que dar umas
boas risadas, como Sara. - Mal sabiam os casamenteiros, que, por
êsse tempo, Antônia já tinha feito o seu voto de castidade, que reno­
vava anualmente. E, conforme escreveu, estava resolvida a continuar
com aquêle voto, a não ser que a obediência lhe mandasse o contrá­
rio.
Padre Aeby sempre fôra de opinião que sua dirigida se consa­
grasse a Deus, na Vida religiosa. Mas nada lhe quis impôr, achando
mais prudente esperar, até que resolvesse a situação de Da. Su­
sana e de suas irmãs. Apoiada nesse parecer, Antônia renunciou de­
finitivamente a todo amor humano. Religiosa ou não, iria guardar,
por tôda a vida, o voto de castidade que fizera. Essa resolução era
definitiva. Mas o assunto ainda lhe iria dar muita dor de cabeça.

Naquela ocasião, Antônia escreveu no seu Diário: Uma proposta


de casamento que me oferecia uma bela posição, um título de nobre­
za, e uma fortuna imensa, não pôde mudar o meu propósito: Meu
Deus, e Mamãe. - Justamente por aquêles dias recebia carta de Da.
Susana, avisando que, de qualquer maneira, iria mudar-se para Flo­
rença pois, dizia ela, neste mundo não tenho mais que: Meu Deus
e minha filha. Antônia chorou de alegria, lendo essas palavras que
lhe mostravam como seu coração de filha acertara em cheio com o
coração da Mamãe. Voltando de Florença para Friburgo, ela trouxe
consigo essa resolução. Era sua última palavra em todo aquêle as­
sunto.

Tôda acupada com o Pensionato que acabava de abrir, em Fri­


burgo, Antônia recebeu, certo dia, uma visita do Sr. Paillet, feliz em
poder rever sua antiga aluna, da qual muito se orgulhava. Em con­
versa, o Professor voltou a lhe falar de um nôvo pretendente. E, des­
ta vez, ela não levou a coisa a brincadeira. Ouviu tudo, com muito
interêsse e atenção. Quando o Professor pensou que ela estava indo
na conversa, Antônia lhe disse, com firmeza, e destacando as sílabas:
Já estou casada ... com Mamãe! Por essa o velho não esperava. E
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nunca mais se interessou em procurar pretendentes para a sua an­
tiga aluna.
Tomada a sua resolução, Antônia foi deixando passar o tempo,
à espera do que o futuro resolvesse para a sua família. O assunto
já estava resolvido em parte, pois não queria mais pensar cm casa­
mento. Apenas uma dúvida ainda existia: Continuar no mundo, ou
buscar a Vida religiosa? Tão cedo ela não iria conhecer a Vontade
de Deus.
Com a morte de Da. Susana, ela achou que desaparecia a prin­
cipal dificuldade para renunciar ao mundo, e ingressar no Convento.
O problema voltou a preocupá-la, pois a morte de s ua Mãe parecia
a solução, embora muito amarga. Pacientemente começou a explorar
os caminhos, na esperança de poder abandonar o mundo em definiti­
vo. Consultou o seu antigo Diretor, em Friburgo; falou, várias vêzes,
com o P. Casson, em Madrid; e escreveu também para o P. Pozo,
que conhecera em San Sebastian. Os três foram do mesmo parecer:
Se antes, ela devia pensar na situação de Da. Susana, agora estava
prêsa a um compromisso com a Rainha, e não devia abandonar o tra­
balho na Côrte, visto o grande apostolado que poderia realizar nas
rodas palacianas. Antônia percebeu que as portas estavam fecha­
das ...
Não desprezando a opinião do Papaíto, escreveu-lhe também
uma carta, expondo o seu plano de ingressar na Vida religiosa. Dom
Manuel estava em Cuenca, e dali escreveu à Sobrinha nada menos
que nove páginas, procurando afastá-la de uma idéia que lhe parecia
absurda. Embora religioso e bem intencionado, êle, não se conforma­
va com perder aquela filha que adotara em circunstâncias tão trági­
cas. Não compreendia pudesse a Sobrinha trocar a grandeza de uma
Côrte, pelo silêncio anônimo de um convento. Recorrendo a todos os
argumentos, na ânsia de impedir aquela decisão, Dom Manuel saiu­
se com esta: Mais meritório é a pessoa ficar no mundo, para lutar,
do que refugiar-se no sossêgo beatífico de um claustro, onde tôdas
as vitórias são fáceis, porque não há inimigos a combater. - Antô­
nia respondeu com outra carta, que nada ficava devendo em exten­
são, em valentia e clareza. - Titio: Fiquei muito aflita, encontrando
em sua carta um pensamento que nunca poderia esperar de uma inte­
ligência tão nobre e esclarecida como a sua.
Chamar de egoísta a atitude das almas que se consagram a
Deus. . . isso é puro sectarismo. Sei que êsse modo de falar não é
propriamente seu; outros já falaram assim também. E quais foram
êsses outros? Não nego que haja, nos conventos, casos de egoísmo,
e de fuga ao combate com o mundo. Mas essas exceções não autori­
zam ninguém a afirmar que tôda Vocação religiosa se reduz a isso.
- Com facilidade Antônia percebeu que todos os argumentos de
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Dom Manued convergiam para um único ponto: Seu apêgo a uma So­
brinha que êle queria como filha. A isto ela respondeu: Para entrar
no Convento eu teria deixado até Mamãe; e não deixaria meus tios?
- A Sobrinha era delicada e carinhosa; quando necessário, sa­
bia falar ou escrever sem adornos. E terminou aquela sua resposta
com uma quase profecia: Tenho certeza de que as circunstâncias me
irão mostrar a vontade de Deus.
Vendo que mais uma vez fracassava o seu plano de vida religio­
sa, Antônia resolveu continuar na Côrte, valendo-se do cargo para
realizar um verdadeiro apostolado, com o exemplo de sua vida.
Essa situação durou quase três anos, até que Deus lhe permitiu uma
última prova - e essa decisiva - para a sua Vocação.
Desde que chegara ao Palácio real, ela encontrou em Dom An­
tônio Rúbio um grande amigo, que a dirigiu e orientou em meio às
complicações da vida numa Côrte. Embora jovem, pela sua retidão
e cultura, o Secretário da Rainha era uma espécie de Primeiro Mi­
nistro ao qual todos consultavam e ouviam. Aliando uma piedade
sólida, sem exageros, a uma jovialidade simples e sincera, Dom An­
tônio era, em tôdas as rodas, em todos os assuntos, uma figura obri­
gatória, que a todos ganhava pela sua exuberante simpatia.
Para uma jovem simples, de família humilde, como Antôni9.;
bem difíceis deveriam ser os primeiros passos num ambiente estra­
nho e complicado como aquêle da Côrte. Por isso, a amizade e com­
preensão de Dom Antônio foram para ela um apôio e garantia que
nunca pôde desprezar. E, da sua parte, o Secretário da Rainha não
ocultava a admiração que votava àquela Preceptora que D. Maria
mandara vir da longínqua Suíça, por não encontrar semelhante em
tôda Espanha. Muitas vêzes, na Côrte, ouviram-no dizer que a Se­
nhorita Oviedo era a futura Santa Antônia de Friburgo, devido à
sua formação e sólida piedade. E, com um sabor todo madrilenho
que costumava imprimir às suas frases, escreveu, certa vez, a An­
tônia: Não diga que não tem talentos; seria essa uma falta de ta­
lento que ninguém lhe iria reconhecer ...
Cada qual em seu setor, alí estavam as duas almas que se com­
pletavam e se entendiam admiravelmente. �le era político fino,
acostumado às filigramas e mesuras do Palácio, dirigindo com ex­
trema habilidade a política da Côrte, sem sacrificar a esmerada for­
mação religiosa que todos lhe admiravam. Ela, com a simplicidade
que herdara dos Schonthal, era fina e elegante, à altura do ambiente;
mas profundamente ascética, de acôrdo com a formação recebida de
uma mãe que todos reconheciélllll como santa. A identidade dos no­
mes lembrava a identidade de sentimentos, em duas almas igual­
mente talhadas para a virtude. Eram duas consciências caprichosa­
mente formadas, que podiam enfrentar o contato com. o mundo, por-
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que nunca perdiam o contato com Deus. Sendo, como é, das almas,
a virtude pode florescer em qualquer ambiente, até mesmo numa Côr­
te real.
Dizia a Rainha, que Dom Antônio, na escolha de suas amizades,
possuía um faro todo especial. De fato, logo que conheceu a Precep­
tora, recém-chegada ao Palácio, êle se convenceu de que a escôlha
feita por Da. Maria não podia ser mais feliz. Percebeu que aquela
jovem, de maneiras simples e delicadas, trazia consigo uma cultura
e formação fora do comum. E não tardou a dar sua opinião: Com es­
ta Preceptora, a Côrte ganhou uma jóia de inestimável valor.
Antônia, da sua parte, surpreendeu-se, ao encontrar naquele
ambiente do Palácio, um Secretário que, apesar de jovem, sabia aliar
sua vida de político a u,ma piedade firme e arejada. Era a êle que
recorria, com tôda confiança, nos casos e dificuldades que tinha a
resolver. Com o tempo, inteligente como era, Dom Antônio foi co­
nhecendo melhor as grandes qualidades da Preceptora. Solteiro, e
desejoso de um lar, começou a sonhar com um casamento, que tinha
tudo para ser o mais feliz dêste mundo. E ali estava, na Preceptora,
o tipo da mulher que lhe convinha: Culta e delicada, conscienciosa
em suas obrigações, dotada de uma piedade séria e perfeitamente
equilibrada.
Como era de se esperar, num ambiente como aquêle da Côrte,
os planos do Secretário logo se tornaram conhecidos. Já diziam os
antigos latinos que a tosse e o amor não se escondem ... E o casa­
mento começou a ser anunciado, sem que ninguém o estranhasse,
pois todos admitiam que, dada a semelhança, aquelas duas alma s
acabariam unidas num lar abençoado e feliz. Dentro e fora do Palá­
cio, Antônia só ouvia palavras que a animavam a não perder aquêle
partido. Todos achavam que, para uma órfã, quase isolada num
país extrangeiro, aquêle casamento era um presente que, de forma
alguma, poderia ser recusado.
Correndo por tôda parte, a notícia chegou até Friburgo. E, nu­
ma carta, Catarina Aeby dizia a Antônia: Se Deus lhe dá essa opor­
tunidade, Você a irá desprezar? Sei que o seu Confessor conhece a
sua dirigida; mas eu conheço melhor a minha amiga de infância.
Esteja certa d e que êsse casamento fará de Você a mulher mais fe­
liz do mundo.

DEUS A ESCOLHEU

Embora percebendo que o Secretário da Rainha não fazia se­


grêdo de seus planos, Antônia procurou manter a calma, e uma qua­
se indüerença para com o assunto. Ouvia a todos, e ouvia tudo, sem
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se impressionar. Como sempre, não iria resolver nada, sem consultar
antes os seus Diretores.
Sua última e definitiva resolução tinha sido não pensar mais em
casamento. Mas agora as circunstâncias eram tais, que o matrimô­
nio lhe parecia o caminho para o qual Deus a chamava. Ainda uma
vez a dúvida viera aninhar-se em sua alma, para fazê-la viver, quase
durante dois anos, um martírio de verdadeira angústia.
Apesar de tôda a sua virtude - e essa não se opõe ao caséllrnen­
to - Antônia era um coração humano, que sabia apreciar a beleza
das almas bem formadas. E era natural que também se sentisse
atraída pela formação e qualidades que todos reconheciam no seu
pretendente. Por mais que refletisse, nada encontrava que desacon­
selhasse aquêle casamento; não tinha como justificar uma recusa
diante daquela felicidade que todos lhe garantiam. Tudo parecia di­
zer que era aquêle o caminho que lhe convinha. A luta interior foi-se
tornando cada vez mais difícil, e crescia-lhe na alma a angústia de
uma dúvida que só Deus podia resolver mas Deus não se manifesta­
va. Mesmo assim ela não se abateu, apoiada na quase certeza de
que, um dia, as circunstâncias acabariam por lhe indicar a Vontade
de Deus.
Numa longa carta, na qual expunha tôda a situação, Antônia
procurou orientar-se com o P. Aeby. E, enquanto não lhe chegava a
resposta, escreveu ao P. Pozo, em San Sebastian. �ste foi de opinião
que ela devia aceitar o casamento, como a solução que lhe convinha.
Casada, ela poderia servir a Deus da mesma forma que na Vida re­
ligiosa. Consultou também, e várias vêzes, o P. Casson, em Madrid.
E êle foi do mesmo parecer, inda mais que conhecia bem o preten­
dente.
Doente, e exilado pela Revolução, P. Aeby não pôde responder
logo à consulta que lhe fôra feita. Antônia aguardava ansiosamente
aquela opinião, pronta para aceitá-la como definitiva. Afinal, em
abril de 1851, chegou a resposta que tanto desejava. Em nove pon­
tos, o P. Aeby lhe dizia:
1) Agradeça a Deus ter-lhe dado o P. Pozo como Diretor.
2) Siga a sua orientação, com absoluta confiança.
3) A Sra. não me parece chamada para a Vida religiosa; por
isso acho que o convento lhe seria um caminho arriscado.
4) Não alimente escrúpulos a respeito da Vocação.
5) Deus a quer santa, mas no mundo.
6) Fora da Vida religiosa, o celibato é pouco aconselhável.
7) Por isso pode casar-se.
8) Fêz bem em não renovar o voto, até que se resolva essa si­
tuação; a virtude não depende do voto.

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9) Quanto ao Sr. Rúbio, ou qualquer outro pretendente, nada
posso dizer. Neste ponto ouça a opinião dos seus parentes. O que eu
lhe recomendo, em todo êste assunto, é prudência, e oração. Deus
dirá a úlüma palavra.
Já vimos corno o P. Aeby sempre fôra de opinião que Antônia
devia procurar a Vida religiosa. De onde essa mudança no seu modo
de pensar? É bem provável que, ao redigir a sua carta, êle se deixas­
se impressionar pela opinião geral, que aconselhava e aplaudia aquê­
le casamento. E não é impossível, quisesse respeitar o parecer dos
Padres Cason e Pozo, os quais, morando na Espanha, estariam mais
bem informados sôbre o assunto.
Tido corno certo, dentro e fora da Côrte, o casamento não se
realizou. Obediente a seus Diretores, Antônia já estava resolvida a
ir, definitivamente, para o lado de Dom Antônio. Era o que seu co­
ração, havia muito, estava desejando. Ela nunca o ,manifestara. E,
quando o quis fazer, Deus lhe fechou o caminho, de um modo ines­
perado. E ela voltou atrás, para sempre.
Anos mais tarde, sem o querer, Antônia mesma nos deixou tôda
a história dêsse romance, numa Conta de Consciência, escrita pro­
vàvelrnente para o Vigário de Ruiel, seu Diretor, nos anos que pas­
sou em Paris, exilada com a Família real. Por ser muito extensa,
dela daremos aqui somente uma parte. É estudo profundo de um dra­
ma íntimo, vivido por um coração que se debate entre o seu amor
humano, e o seu amor a Deus. Ela mesma nos diz corno, apoiada na
obediência, já estava pronta a corresponder ao amor que lhe acena­
va com urna felicidade certa. Mas, quando o seu coração ia sair ao
encontro daquele casamento, as circunstâncias o detiveram; êle pa­
rou, reconhecendo que a Vontade de Deus era outra. Foi essa a úl­
tima prova por que passou a sua Vocação. E, dêsse dia em diante,
ela morreu definitivamente para todo e qualquer amor humano.
Vejamos agora o que ela, com seu estilo vivo e colorido, nos
deixou, na sua Conta de Consciência:
De acôrdo com a orientação de meu Diretor, aos poucos, fui
abandonando a atitude de discrição e reserva, com que sempre o tra­
tei, embora sem qualquer manifestação de afeto. Isso durou uns seis
meses. Mas, já era tarde. Cansado com a indiferença e frieza que re­
cebera durante dois anos, sem esperança de conseguir um lugar no
meu coração, êle acabou escolhendo outra.
Com isso pensou que me havia esquecido. Mas , quando percebeu
a mudança da minha atitude, caiu numa tristeza iimensa. Arrepen­
dido do que fizera, e chorando qual uma criança, veio declarar-me
que se despedia daquela felicidade que sonhara comigo, pois o seu
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casamento com a outra já estava acertado. Que angústia terrível eu
não vivi naqueles dias! Para compreender, era preciso que alguém
a sofresse, como eu a sofri. Mas, naquela ocasião, Deus me fêz ver
a sua vontade, e o meu dever.
Apesar de tudo, tive ainda fôrças para cumprir uma obrigação
que me parecia sagrada, fazendo o possível para devolver à minha
ditosa rival, o coração que, sem o saber, lhe tinha roubado. Sua
felicidade foi, dali em diante, a minha única preocupação. Com todo
rigor lembrei ao meu virtuoso amigo que êle devia ser fiel à palavra
dada embora estivessem sangrando, o seu coração e o meu.
E ainda fiz mais: Ajudada pelo meu confessor, lancei mão de
todos os meios para destruir, entre nós, um amor que, cedo ou tarde,
poderia infelicitar aquêle casamento. :Êle me amava, porque via em
mim um verniz de talento, de cultura e piedade, achando que eu era
realmente aquilo que as aparências mostravam. Mas, graças a Deus,
encontrei os meios de perder aquêle amor que tanto me prendia, mos­
trando-me ignorante, sem qualidades, e cheia de defeitos.
Isto me custou um sacrifício imenso. Mas Deus agradeceu a mi­
nha generosidade, inundando-me com uma paz e tranquilidade úni­
cas. Eu me senti tão feliz, que a cruz não me pesava, nem me feriam
os espinhos. Naqueles dias o Confessor me disse: Eu também cheguei
a pensar que Deus a queria no casamento. Mas reconheço agora que
me enganei; e o lamento muito. Aceite o que Deus determinou, con­
formando-se inteiramente à sua santa vontade.
Eu me conformei, pedindo a Nosso Senhor voltasse a ter, sôbre
o meu coração, um domínio absoluto. Eu queria, com sinceridade, ser
tôda de Deus. Mas, foi quando comecei a achar impossível a Vida re
ligiosa. Tinha a impressão de que iria oferecer a Nosso Senhor nada
mais que um resto, obrigada a lhe dizer: Eu vos entrego agora o
meu coração, porque não o pude entregar a outro. E disso eu me
envergonhava amargamente. Que martírio eu não sofri!
Já vinha perto o dia daquele casamento. Mas, com um sôpro
do seu poder, Deus fêz desmoronar todos os planos. Um aconte­
cimento imprevisto, independente da vontade dos dois, fêz com que
o casamento não se realizasse. Ao saber disso, chorei de tristeza; e
só me consolei quando soube, com absoluta certeza, que eu não ti­
nha sido a causa daquela infelicidade. Dias depois, Dom Antônio mes­
mo veio me explicar tudo. Então eu lhe declarei bem claramente
que, a meu respeito, êle não alimentasse mais qualquer esperança
porque estava decidida a não me casar nunca.
Passada a tempestade, continuamos amigos, como antes. Nossa
amizade, porém, era simples f' pura, dentro do máximo respeito. Tra-
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távamos, um ao outro, como irmãos, e nada havia entre nós que pu­
desse desagradar a Deus, ou dar lugar a qualquer reparo. Agora sin­
to mais intensamente o desejo que s empre tive, de me consagrar so�
mente a Deus. Ah! Se eu fôsse uma Carmelita! ... Senhor! Senhor.
que quereis que eu faça? ...
Antônio Rúbio e Antônia de Oviedo conservaram aquela amiza­
de, não somente durante os anos que passaram juntos, na Côrte, mas
durante tôda a vida. Uma farta correspondência entre os dois, mostra
como êles se entendiam, e se encontravam no mesmo gôsto artísti­
co, no mesmo estilo literário, nos mesmos sentimentos, na mesma
cultura, e, principalmente, na mesma formação espiritual. Eram
duas almas que se encontravam sempre em Deus. Isso aparece bem
claro nas cartas que deixaram. Mesmo como Religiosa, a então
Madre Antônia, com tôda a delicadeza de sua consciência, nunca
viu, naquela amizade, qualquer sombra que a tornasse menos digna
aos olhos de Deus. E assim também o entenderam seus Diretores, aos
quais prestavam sempre uma obediência perfeita.
A vida de um São Francisco de Sales, ou de Ulma Santa Teresa
de Ávila, mostram bem que o amor a Deus, longe de ser um venda­
val a transformar a alma humana num deserto, é, pelo contrário,
uma fôrça que a eleva e santifica, sem lhe mudar a natureza. O quar­
to Mandamento não é um preceito de amor humano? E não é Deus
mesmo quem aprova e abençoa êsse amor, pelo Sacramento do Ma­
trimônio?
Passada a prova, Antônia pôde compreender mais claramente o
caminho que a Providência lhe indicava. Com imensa alegria viu con­
firmados os seus planos, numa carta em que o Pe. Aeby lhe dizia: Se,
alguma vez, eu lhe aconselhei o casamento, não o fiz com plena se­
gurança, mas levado apenas por alguns indícios. Sempre fui de opi­
nião que o seu coração devia pertencer somente a Deus. Felizmente
l!:le resolveu, para sempre, êsse assunto. Agora, procure devolver à
sua alma as fôrças que despendeu na luta. Para isso não lhe fará
mal esta mistura: Um pouco de coragem cristã, com uma boa dose
de orgulho espanhol ...
Terminado o drama, quem não se casou foi Dom Antônio. E a
sua pretendida, mais do que antes, sentia-se agora casada - com
sua Mãe, e com seu Deus.

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59

VII

EXILADA

1852 foi um ano todo de passeios e viagens para a Familia real,


oferecendo a Antônia uma ótima oportunidade para conhecer várias
cidades célebres da Espanha. Entre elas, visitou Toledo, a Imperial,
que a encantou cam seus tesouros artísticos, e aquela Oviedo, que lhe
dera o nome, como terra de seus antepassados. Mas, em meio aos
passeios e temporadas, ela nunca pôde supor que lhe estivesse re­
servada uma viagem de particular interêsse. Uma circunstância ines­
perada ofereceu-lhe ocasião de rever a sua querida terra natal.
Tendo contraído matrimônio com a famosa beleza espanhola,
Eugênia de Guzmán, Napoleão III quis celebrar o grandioso aconte­
cimento, com um programa de festa realmente dignas da sua belís­
silma consorte. E, entre outros convidados, estava a Rainha Governa­
dora, que tomou parte em todos os festejos, acompanhada pelo Du­
que e pelas Princesas.
Sabendo que Antônia detestava aquelas festas mundanas, e,
não tinha qualquer adimiração pela Beleza de Guzmán, de cujas
aventuras já ouvira falar, a Rainha resolveu dispensar a Preceptora,
dando-lhe portunidade para uma temporada na Suíça. Certamente
não se tratava de uma viagem de recreio, mas de saudade e sofri­
mentos, pois Antônia já não iria rever sua Mamãe, nem Tia Anita.
Dos seus parentes mais próximos estava apenas Tia Sofia, já idosa
e bem doente. Foi uma temporada de lágrimas e de oração.
Chegando a Friburgo, ela não teve a alegria de se dirigir à casa,
onde vivera tantos anos. Foi bater a outro enderêço, onde morava
Tia Sofia, com suas velhas amigas. O encontro das duas foi marcado
com lágrimas de alegria e de tristeza. Nem uma, nem outra esperava
por aquela felicidade que poderia ter sido muito maior; e as duas
sabiam porque . . . Em tão poucos anos, tudo ali parecia sem vida,
sem atração, porque a morte ali estivera, levando Da. Susana e Ani-
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ta. A própria casa, em que tinhaun morado, já era outra, porque ou­
tros eram seus donos.
Não dispondo de muito tempo, já que era longa a viagem de
regresso, Antônia passou poucos dias em Friburgo. Mesmo assim,
entre uma e outra visita que não podia dispensar, ia para o cemitério,
e lá ficava horas, rezando junto ao sepulcro de sua Mãe e de Tia Ani­
ta. Revendo as igrejas que havia freqüentado, a casa onde abrira o
seu Pensionato, ou visitando pessoas amigas, por tôda parte encon­
trava a lembrança de Da. Susana, de maneira que a sua temporada
foi tôda de tristeza e de saudade.
Prova da amizade e carinho de suas alunas, são as numerosas
cartas que delas recebeu, enquanto estêve de viagem. As três Prin­
cesas não se cansavam de lhe escrever, dando notícias de Paris, com
suas festas inteI1IDináveis. E pediam que voltasse logo, pois «estava
fazendo muita falta ... »

Antônia regressou, mas diretamente para Madrid. E, no ano


seguinte, uma nova alegria triste estava à sua espera. Da. Maria Cris­
tina ia viajar para Londres, e, desta vez, não dispensou a Preceptora,
pois sabia do seu interêsse em visitar aquela cidade que tantas re­
cordações lhe guardava. Mas eram recordações bem tristes, bem
amargas. Para o seu coração de filha, Londres era um pesadelo, que
nenhuma alegria tinha para lhe oferecer.
Lá estivera seu Pai, internado num sanatório, até que a morte
o levou, sem que ela o tivesse conhecido sequer. Lá estivera também
sua Mamãe, vivendo anos de agonia ao lado do espôso, que acompa­
nhou até o túmulo. Mas, c011110 Friburgo, Londres também lhe iria
dar ocasião para um Retiro, que seria feito mais na eternidade do
que neste mundo, como um descanso em meio à agitação da Côrte.

Anos depois daquela viagem, em 1862, ela iria escrever um fo­


lheto intitulado: «Lembranças de Londres». Embora não estivesse
mais em Palácio, Antônia dedicou um exemplar dêsse trabalho à Da
Maria Cristina, que o agradeceu numa carta, dizendo: Apreciei mui­
tíssimo o exemplar das «Lembranças de Londres« que a Sra. me
dedicou. Além do seu valor literário, nêle pude encontrar uma re­
cordação muito viva dessa minha primeira viagem à Capital inglêsa.

Em tôdas as páginas dêsse folheto, Antônia deixou um tom


de tristeza e melancolia, dando-nos uma idéia de como viveu aquela
temporada em Londres. É com profunda saudade que ela vai lem­
brando as visitas feitas à Capela dos Franceses, onde se realizaram
as exéquias por alma de seu Pai; às igrejas onde Da. Susana rezava
pelo marido enfêrmo, e pela filhinha que deixara na Suíça; ao Sana­
tório, onde estivera o Papai, e à Kings Street, rua onde a Mamãe mo-
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rava, nos seus anos de exílio. Muitas vêzes, diz ela, passei por aquela
rua quieta, olhando bem para uma casa; eu procurava, ao menos,
uma sombra, mas ela já estava na eternidade ...
Triste e recolhida, Antônia passou aquêles dias acompanhada,
em tôda parte, pela lembrança de seus pais. Não foi sem motivo que
escreveu, logo nas primeiras páginas do seu trabalho: Chegando a
Londres, minha primeira impressão foi de imensa tristeza. Aquela
cidade guardava, para mi1m, lembranças bem amargas; e o silêncio
de morte daquela hora em que chegamos, ao amanhecer, deu-me a
impressão de que estava penetrando num grande sepulcro.
Após quase um mês de permanência na Capital inglêsa, Da. Ma­
ria Cristina tratou de voltar logo para a Espanha. Andava nervosa
e bastante preocupada. Algum problema sério devia estar girando na
cabeça daquela Governadora, que nada perdia no xadrez político de
s eu país. Algum motivo haveria para aquela pressa e nervosismo
em voltar de Londres. Viva como era, já estava percebendo que, na
Espanha, as coisas não iam bem. Certos acontecimentos estavam to­
mando um rumo suspeito, e ela achou chegada a hora de retomar
as rédeas de um govêrno que a Rainha Isabel já não conseguia diri­
gir. Precisava regressar, e quanto antes.
Desde 1848 a situação política espanhola vinha-se tornando ca­
da vez mais tensa. As revoltas e desordens populares estavam na or­
dem do dia. No Palácio real, Isabel II, de pouca idade e de menos
juízo, entregava-se às festas e divertimentos, como se tudo fôsse um
mar de rosas. As viagens e passeios, o luxo e ostentação da Côrte
havia muito que vinham minando a paciência do povo. E os que es­
tavam no poder, queriam gozá-lo ao máximo, sem dar ouvidos à on­
da de descontentamento que engrossava cada vez mais. O fermento
das idéias republicanas penetrara fundo na massa, e o resultado não
se faria esperar.
Voltando de Londres (1853) Da. Maria percebeu que a situação
não estava nada risonha. Com muita habilidade - e nisso era mes­
tra - começou a infiltrar-se nos assuntos do govêrno. Seu faro po­
lítico via longe, e, com sua reconhecida firmeza, quis ainda salvar a
situação. Mas, já era tarde. Foram inúteis seus esforços, e de nada
valeram as advertências de Dom Antônio Rúbio. Os chefes da revol­
ta decidiram logo, que a primeira figura a ser afastada do govêrno
devia ser Da. Maria Cristina, devido ao srn prestígio e experiência.
A Rainha Isabel não seria problema, desde o momento em que não
tivesse mais o apoio da Governadora.
Em julho do ano seguinte estalou a Revolução, e o povo enfure­
cido exigiu que lhe fôsse entregue Da. Maria, tida então como a asa
negra do Govêrno, pela sua interferência na política do país. Mas,
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para evitar maiores desordens, os chefes da Revolução resolveram
apenas desterrá-la. Seu palácio, na Rua das Grandes, foi assaltado e
roubado, à vontade, pela multidão. A Governadora nada sofreu, por­
que, dias antes, já se tinha mudado, com sua família, para o palácio
da Rainha Isabel. Disfarçada, e com licença das Autoridades revo­
lucionárias, conseguiu viajar para Portugal, de onde rumou para
Bagnêres, no sul da França. Aí já a esperava a Familia, com a qual
fugiram também Antônia e os Irmãos Rubio. Nesse povoado fran­
cês, a Governadora ficou apenas dois meses, para se recompor do
susto, seguindo logo depois para Paris. Era a segunda vez que ali se
refugiava.
Em Bagnêres Antônia pôde conhecer a um Sacerdote, do qual
muito se falava e escrevia, naquele tempo, o célebre Padre Hermann.
De pais judeus, êle tinha sido, na mocidade, um grande literato e
músico notável. Aos 14 anos , foi apresentado ao público, pelo pianis­
ta Liszt, num grande concêrto, que ofereceu ao jovem artista, os
maiores elogios. Vítima da literatura daquele tempo, fêz-se um ateu
declarado, e ferrenho anticlerical. Certo dia, após um concêrto que
deu em Friburgo, pela primeira vez, começou a se sentir enojado da
vida leviana que vivia. Pôs-se a estudar a Religião, e acabou con­
vertendo-se para a Igreja que tanto combatera. Foi essa uma con­
versão que abalou o mundo artístico de tôda a Europa.
Ordenado Sacerdote, P. Hermann entrou, pouco depois, para a
Ordem dos Carmelitas, recebendo o nome de Frei Agostinho Maria
do SSmo. Sacramento. Pregador incansável, tornou-se um Apóstolo
das devoções que mais desprezara: a N. Senhora e à Sagrada Euca­
ristia. Estava êle em Bagnêres, construindo a igreja paroquial, quan­
do Antônia o conheceu, tomando-o como Confessor, durante os dois
meses que ali estêve. Nessa ocasião ela achou que poderia tentar
novamente os seus planos de trocar a Côrte pelo Carmelo. Espera­
va que um Confessor Religioso, compreendesse melhor, e aprovasse
aquêle desejo que a vinha perseguindo desde a infância.
Admirado antes da conversão, pelo seu gênio musical, Frei
Agostinho passou depois de ser procurado pela sua grande piedade,
e reconhecida prudência, como Diretor de almas. Com tôda calma
ouviu a exposição que Antônia lhe fêz, mas não quis dar logo o seu
parecer. Estudou as razões e argumentos que a sua penitente adu­
ziu, com uma riqueza verdadeiramente espanhola. Enquanto isso, An­
tônia redobrava as suas orações, à espera de uma palavra que lhe
parecia a última esperança. Afinal Frei Agostinho se manifestou, e
a sua opinião foi uma ducha fria no entusiasmo da penitente: Pri­
meiro a Côrte, e depois o Convento, se possível . ..
Mais uma vez Antônio precisou reconhecer que o caminho esta­
va fechado. Falhara a sua última esperança de resolver definitiv'l-
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mente o rumo da sua vida. Iria esperar, mas até quando? Deus o sa­
bia. Sonhando sempre com a solidão do Carmelo, nunca pôde ima­
ginar o campo de atividade que a Providência lhe reservara. E Deus
não estava com pressa. A sua hora ainda iria demorar um pouco.
Em Paris, Da. Maria Cristina ficou residindo no bairro Mal­
maison, assim chamado pela má fama de seus moradores. O palácio,
do mesmo nome, fôra comprado de Napoleão I. Todo rodeado de par­
ques e jardins, o seu luxo e grandiosidade faziam-no digno de uma
família real. Foi ali que viveu Antônia os seus últimos seis anos de
Preceptora. Como tôda a Família, ela também se sentia exilada, não
somente da Suíça, mas até daquela segunda pátria que encontrara
na Espanha. Em Paris tinha apenas uma tia, e uma prima, que ainda
não chegara a conhecer pessoalmente; de resto, nenhuma outra ami­
zade.

HORIZONTE MAIS CLARO


Como já o fizera em Madrid, também em Paris, o primeiro cui­
dado de Antônia foi procurar um Diretor espiritual, o que, desta vez,
não lhe foi muito difícil. Freqüentando a igreja paroquial de Rueil,
a mais próxima do Palácio, ela conheceu ali um Sacerdote muito cul­
to e piedoso. De família nobre, possuía o título de Barão, o que não
o impedia de atender, como Vigário, àquele bairro pobre e de má fa­
ma. Antônia não demorou em reconhecer naquele Sacerdote as quali­
dades que o faziam querido de todos, principalmente dos pobres e
abandonados. Fino e delicado, era humilde, simples e despreendido.
Inteiramente esquecido da sua nobreza, os pobres o chamavam de
«nosso pai».
A Preceptora do Malmaison viu logo que ali estava um Diretor
piedoso, muito preparado, que a podia dirigir com segurança, duran­
te os anos do seu exílio. Da sua parte, o Vigário de Rueil também
não deixou de admirar a virtude daquela alma que Deus lhe confia­
va. Sua correspondência com Antônia, mesmo depois que ela deixou
a Côrte, mostra bem. o alto conceito que fazia da sua dirigida. Suas
cartas apresentam uma doutrina ascética profunda e segura, na
qual a piedade e a prudência são a nota dominante.
Para o Vigário de Rueil, aquela penitente que lhe chegara de
Madrid não era apenas uma alma desejosa de trilhar o caminho da
Perfeição, mas também uma auxiliar dedicada em todo o seu minis­
tério paroquial. Dada a pobreza daquele bairro, a Matriz, ainda em
construção, era conhecida como «a igreja mais pobre das pobres de
Paris». Em pouco tempo ela passou a ser uma das mais ricas em can­
delabros, toalhas, flôres e alfaias, devido ao trabalho e ao zêlo de
Antônia.
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- Acompanhada pela Preceptora, também Da. Maria Cristina
começou a freqüentar aquela igreja dos pobres, o que muito conso­
lava o Vigário, pois o exemplo daquela nobre Senhora edificava a
todos os paroquianos. Vendo-a entrar ou sair da Matriz, sentiam-se
honrados os moradores do bairro, bservavam cm respeito: Dizem
que ela é uma Rainha da Espanha ...
Naquele mesmo ano (1854) o Vigário de Rueil pôde ver termi­
nada a sua igreja-matriz, que tantos sacrifícios lhe havia custado.
E, muito animado, disse a Antônia: A igreja material está pronta;
agora preciso iniciar a construção da igreja espiritual de minha Pa­
róquia, e espero que, uma das primeiras pedras, será a Sra. Real­
mente, com sua piedade e com seu zêlo, Antônia foi, durante aquê­
les anos, a alma de um movimento espiritual que transformou todo
o bairro de Malmaison. E quando ela, deixando o Palácio, dali se au­
sentou, para morar em Roma, a consternação foi geral, pois todos
reconheciam o que significava para a Paróquia, a incansável caridade
daquela «Mademoiselle». Lamentando a ausência, os pobres do
bairro diziam desconsolados: Perdemos a nossa mãe!
Sempre em contato com a alta aristocracia, devido às festas e
passeios, as três alunas de Antônia eram não somente conhecidas
pela sua nobreza, mas principalmente admiradas pela formação que
haviam recebido. Dessa forma, pretendentes era o que não lhes fal­
tava. Mas, à medida em que êles iam aparecendo, a perspicácia de
Da. Maria os ia estudando meticulosamente. A seleção era rigorosa,
e, por menos, ela não entregaria ao casamento qualquer das suas
filhas.
i
Amparo, em 1855, já estava colhendo as suas 21 primav�ras, e,
após muita consulta, reforçada com a opinião da Preceptora, casou­
se com o Príncipe polonês de Czartoriski. A cerimônia religiosa foi
realizada numa tarde de maio, no Palácio de Malmaison. O casamen­
to foi oficiado pelo Arcebispo qe Bordéus, presente a fina flor da aris­
tocracia, que acorreu à deslumbrante ceriimônia. Por determinação
de Da. Maria, todo o programa da festa, bem como a ornamentação
do Palácio, ficaram a cargo do gôsto artístico de Antônia.
No ano seguinte casou-se também a Infanta Milagros, com o
Príncipe italiano Dei Drago, indo residir em Roma, enquanto sua
irmã Amparo continuou morando em Paris, no Hotel Lambert. Am­
bas, porém, visitavam freqüentemente Malmaison, para matar as
saudades da Mamãe, e daquela Preceptora, que jamais iriam esque­
cer. Prova disto é a farta correspondência que c,/m ela mantiveram
sempre durante tôda a vida.
Menos ocupada agora, Antônia pôde então dedicar-se exclusi­
vamente ao seu «Angelito» que era a infanta Cristina. Sempre mais
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melga e mais dócil que suas irmãs, Titina foi a que melhor soube
corresponder à dedicação da «Mademoiselle». Mais tarde, em suas
cartas à então Madre Antônia, sempre se distinguiu pelo tom de re­
conhecimento e gratidão à sua antiga Preceptora.
Casadas as duas Infantes, Antônia sentiu-se como aliviada de
uma responsabilidade, que, durantes anos, estivera sôbre seus om­
bros. E, tôda feliz, procurou empregar seu tempo no estudo e na ora­
ção, pois a sua Titina pouco trabalho lhe dava. Foi em atenção à sua
piedade, que Da. Maria mandou construir, ao lado do Palácio, uma
pequena Capela, muito quieta e atraente, na qual se conservava o
Ssmo. Sacramento. Ali se refugiava Antônia, sempre que podia, pa­
ra dedicar à oração diante do Sacrário.
Para Da. Maria, o exílio tinha oferecido uma grande vantagem:
tempo livre para se ocupar dos afazeres de casa. Afastada de tôda
política, e tendo em Palácio apenas uma filha, sua vida passou a ser
mais tranqüila, e até bucólica. É o que se lê no Diário de Titina, es­
crito com aquela sua simplicidade infantil: «21 de fevereiro. Amparo
e• Milagros vieram almoçar conosco. Mamãe fêz macarrão». Noutro
dia anota: «Mamãe fêz um queijo para o café de Amparo». - Aque­
la ex-Rainha espanhola dava para tudo, e tanto sabia fazer macar-
1·ão, como política, ou tramar revoluções e trabalhar com rendas.
Nunca pôde negar o sangue napolitano que lhe corria nas veias.
Enquanto a ex-Governadora se preocupava com os pratos que
iria oferecer às suas filhas, Antônia dava à oração e à leitura, todo
o tempo que lhe sobrava do trabalho. Se alguma paixão dominante
ela teve, essa foram os livros. Mas não lia pelo simples prazer de d-�­
vorar leituras. Queria apenas alimentar a sua piedade. Por isso os
seus livros eraim escolhidos e vagarosamente meditados. Foi por êsse
tempo que ela se acostumou a trazer sempre consigo o livro de San­
to Afonso, sôbre a Oração.
Dois fatos dêsse ano (1855) ficaram bem marcados no seu Diá­
rio. O primeiro foi a Renovação das PromEssas de Batismo, a 16 de
março, dia do seu aniversário; e o segundo foi o seu ingresso na Pia
União das Filhas de Maria, a 20 de abril. Ela mesma nos deixou
transparecer, em suas Notas, a emoção com que renovou as Promes­
sas feitas no Batismo. Foi «no silêncio do meu quarto, ajoelhada
diante do Crucifixo, com a mão sôbre o Evangelho, que estava colo­
cado entre o retrato do Padre Aeby (quem a batizou) e o de minha
santa Mãe. Oh! que eu seja sempre fiel ao meu Batismo!
Ser Filha de Maria, para Antônia, significava muito mais que
levar a fita da Pia União em determinadas ocasiões. Foi com um fer­
voroso retiro que ela se preparou para aquela solenidade. Em seu
Diário lembra que chorou de alegria, quando se aproximou do
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altar, para receber a Medalha de Nossa Senhora, enquanto suas co­
legas lhe cantavam o «Lembrai-vos». Por tôda a vida fêz questão de
levar aquela Medalha, que lhe seria «escudo, emblema, e con­
decoração».
Por aquêles dias (abril, 1855) Antônia recebeu uma notícia mui­
to triste, a respeito de uma grande amiga sua, de nome Agostinha.
Influenciada por outros, a pobre môça havia apostatado a fé católica\
para fazer-se protestante. O Diário de Antônia diz, no dia 22 de abril:
Passei a tarde tôda entre lágrimas, tentando escrever para Agosti­
nha. Senhor, tende compaixão dessa minha amiga, devolvendo-lhe o
tesouro da fé que perdeu: ó Maria, que a vossa proteção não a es­
queça, porque ela era vossa filha, e levava sempre consigo o vosso
Escapulário! - A tôdas as pessoas amigas Antônia escreveu, pedin­
do orações e penitências pela conversão de sua amiga.
Logo no dia 2 Agostinha lhe escreveu, propondo-lhe uma discus­
são sôbre diversos pontos de Doutrina. Antônia concordou, preparan­
do-se mais pela oração, que pelos livros. A 31 de maio, Agostinha par­
tiu de Londres, onde se achava, para discutir em Paris, com sua
amiga. Antônia a recebeu com a amizade de sempre. Deixou que ela
expusesse tôdas as objeções, ouvindo-a com ,muita delicadeza. Quan­
do teITminou, Antônia começou a falar. Mas percebeu logo, da parte
de sua amiga, uma indiferença glacial. Por isso anotou em seu Diá­
rio, que Agostinha estava «muito inglêsa». Nesse caso, Antônia per­
cebeu que devia ser muito espanhola. . . e bombardeou a sua oposito­
ra com tôda sorte de argumentos, numa vivacidade genulnamente
andaluz. Agostinha nada mais pôde fazer senão aceitar a Verdade,
e concordar com sua amiga. Bendito seja Deus - escreve Antônia
em suas Notas - bendita seja a sua Mãe imaculada!
Com apenas 34 anos de idade, Antônia já começava a se sentir
cansada do seu trabalho. Nem era para menos, se considerarmos a
dedicação e seriedade com que se entregava ao seu cargo de Educa­
dora. Além disso, os dissabores e contratempos na Côrte, a morte de
seus parentes mais próximos, o desejo de uma vida religiosa que
não conseguia realizar, tudo concorria para seu cansaço e abatimen­
to. Da. Maria, cujos olhos nada perdiam, achou que a Preceptora es­
tava precisando de umas férias, e, pelos fins de 1856, deu-lhe três
meses livres para uma permanência 1mais demorada na Suíça. Os ares
pátrios, e as velhas amizades, seriam para ela o melhor reconstituin­
te. Em novembro ela viajou.
A princípios de dezembro, já dava notícias de uma visita que
sempre desejara fazer, ao célebre Santuário mariano de Einsiedeln.
Em Friburgo, embora tôdas as famílias conhecidas a quisessem hos­
pedar, ela ficou com a família Aeby, que fôra sempre uma como con­
tinuação da sua própria família. Em suas notícias a respeito desta
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viagem, Antônia já não se refere à sua Tia Sofia, o que nos leva a
crer tivesse ela já falecido. Visitando outras cidades como Vervey,
Bulle, Lausane, Antônia foi encontrando, em diversas famílias, qua­
dros que sua Mãe havia pintado, para com êles ganhar a vida. Eram
lembranças que lhe punham lágrimas nos olhos. Em Bulle precisou
passar vanos dias de cama, porque, certa vez ao subir à carruagem,
caiu, e quase quebrou uma perna.
A 6 de março ela deixou Friburgo, voltando para a Espanha. O
inverno apressou um pouco aquela viagem, pois já não estava mais
habituada a um frio de 12 ou 15 graus abaixo de zero. E, ao partir,
deixou em seu Diário, êste desabafo: Como sinto ter que voltar!
Custa-me tanto deixar esta minha Friburgo!
Em 1860 a última das Infantas, Titina, casou-se com um filho
dos Marqueses de Campo Sagrado, José Bernardo de Queirós. Refe­
rindo-se ao Marquês, por ocasião da sua morte, Da. Maria Cristina
escreveu: Cavalheiro perfeito, foi o Pai da pobreza de Astúrias. -
A êle também se referiu Dom Antônio Rúbio, dizendo: Imagine-se
o melhor homem dos tempos passados, no melhor homem dos tempos
atuais; êsse era o Marquês de Campo Sagrado. - Mas seu filho, ca­
sado com Titina, parece que não soube honrar as tradições da Fa­
mília, em cujas armas se lia: Depois de Deus, a Casa de Queirós. José
Bernardo arruinou tôda a sua fortuna e tôda a sua vida, no luxo e
leviandade da Côrte do Czar, onde viveu algum tempo, embora com
uma espôsa modêlo.
Os últimos quatro anos que Antônia estêve a serviço de Da. Ma­
ria Cristina, ela os passou pràticamente fora do Malmaison. Foram
anos de viagens e temporadas contínuas, ora em estâncias de vera­
neios, na França; ora em visitas a cidades da Suíça ou da Itália. Mas,
para ela, não ficou tudo em passeios; soube aproveitar muito bem o
seu tempo, não sàmente para seus estudos, como também para a sua
piedade.
Para Antônia não era bastante conhecer Roma como simples
turista. Em tôda parte ela procurava estudar e viver a alma cristã
daquela Cidade eterna. E para a tornar mais conhecida, iniciou uma
obra literária e histórica de fôlego, intitulada: «Aurélio». Roma vivia
então uma época de grandes descobertas, devido às escavações que
se faziam em todos os pontos da cidade. Antônia começou a traba­
lhar em seu livro, estudando com profundidade, os autores que a pu­
dessem orientar; cópias de inscrições, de documentos, notas ou ci­
tações de trabalhos antigos e desconhecidos, tudo ela reuniu para
uma obra de inestimável valor. Durante anos ela se dedicou a êsse
trabalho; mas, infelizmente não o pôde levar adiante, dada a missão
que, mais tarde, a obediência lhe iria confiar.
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Antes de viajar para Roma, Antônia recebeu uma carta do Pa­
dre Aeby que lhe dizia: Não deixe de visitar os Padres Redentoris­
tas, e pergunte pelo Padre Geral da Congregação, suiço como nós.
Certamente a Sra. já o conheceu de vista, por aqui; é o boníssimo
Padre Mauron. - Essa visita ela não esqueceu; estêve várias vêzes
na igreja dos Redentoristas, levada pela sua devoção a Santo Afon­
so, e pela amizade que sempre tivera aos «Ligorinos» de Friburgo.
Mais tarde, Padre Mauron iria ser, para Antônia, o principal conse­
lheiro e orientador, na fundação do Instituto das Oblatas. Após seis
meses de perunanência em Roma, ela voltou para a Espanha, tendo
conseguido, ainda nos últimos dias, uma audiência particular com
Pio IX. Sua impressão foi esta: Como êle é bom! Como é simples e
paternal.

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69

VIII

ÚLTIMOS ANOS NA CÔRTE

Tendo visitado tantas cidades da França, Suíça e Espanha, An­


tônia não estava satisfeita, porque nunca tivera oportunidade para
conhecer Roma. Êsse era um sonho que ela s'empre desejara reali­
zar. E a ocasião chegou, quando em 1857, teve de acompanhar a Go­
vernadora Titina numa viagem à Cidade eterna.
Dia 22 de dezembro ela diz no seu Diário: Finalmente estou em
Roma, estou no coração da Igreja! - No dia 25, pela primeira vez,
viu o Papa, e visitou diversas Basílicas, escrevendo depois: Êste foi
um dia que nunca irei esquecer. - A 31 de dezembro ela escreveu:
Comecei êste ano em Friburgo, e não imaginava que o iria terminar
aqui em Roma. - O dia todo ela estêve em visita às Catacumbas,
revigorando sua Fé, e meditando sôbre a morte. À noite ainda estêve
na Igreja del Gesu, assistindo ao solene Te Deum, ao qual Pio IX
também estêve presente.
Nota característica na piedade de Antônia foi sempre o seu
amor, a sua devoção ao Papa, como Representante de Cristo. Em to­
dos os acontecimentos que diziam respeito ao Pontífice ou à Igreja,
ela vibrava de alegria, ou chorava de tristeza, porque era uma alma
que sabia ver, na Igreja ou em seu Chefe, a pessoa de Nosso Senhor.
Em 1860, quando as tropas piemontesas invadiram e saquearam
os Estados Pontifícios, ela não se conteve de indignação e de pesar.
Numa carta ao seu professor de latim, Monsenhor Armelini, ela di­
zia: Pena que eu não seja soldado, para morrer em defesa do Papa!
Mas sou mulher, e posso rezar por Êle. - Foi por êsse tempo
que Pio IX lhe mandou, de próprio punho, sua bênção papal, acompa­
nhando um círio, que Êle mesmo benzeu, e lhe enviou de presente.
Anos mais tarde, êsse círio foi consumido num incêndio que devorou
quase todo o Asilo de Ciempozuelos.
Logo no ano seguinte, Antônia teve nova oportunidade para
voltar àquela Cidade que inspirava e prendia como nenhuma outra.
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70
Sempre com saudades da filha Amparito, Da. Maria não es(udava
muito para decidir e emprender uma viagem longa como aquela. E
resolveu que, a 7 de janeiro, sairia do Malmaison, em companhia de
Titina e Antônia. Esta fêz os seus preparativos: Confessou-se e co­
mungou em Rueil, despediu-se de sua Tia Cármen, e visitou ao céle­
bre convertido Padre Ratisbona, que lhe deu vários encargos para
Roma; dia 6 ainda estêve no Convento da Visitação, onde as Irmãs,
suas conhecidas, lhe fizeram diversas encomendas. Mas a Rainha re­
solveu sair no dia 9. Novas despedidas, com novos encargos e nova
mudança para o dia 13. De repente a Rainha resolveu que Antônia
devia ficar, e mudou a viagem para o dia 14. À última hora decidiu
que Antônia taimbém devia ir. . . Com seu bom humor de sempre,
Dom Antônio Rúbio observava: A Rainha ainda não começou a via­
gem, e já está marcada; como será depois?. . . E êle tinha razão.

Afinal, dia 14 partiram para Roma, e Antônia escreveu: Nunca


pensei que a minha paciência fôsse tão grande! - De Marselha a
Génova a viagem foi por mar. Uma viagem horrível, devido às tem­
pestades. Então sim, a Rainha ficou tão mareada, que resolveu conti­
nuar por terra. Tôda a comitiva exultou. Mas logo a Soberana deci­
diu que Antônia e outros continuariam por mar. . . e Antônia
ficou apavorada. Conformou-se, no entanto, dizendo que faria qual­
quer sacrifício, para voltar a ver a Cidade eterna. Mas a Rainha deu
logo uma contra-ordem: todos deviam viajar por terra! A 22 de ja­
neiro já estavam perto de Roma, sofrendo um frio pavoroso, do qual
Antônia deu notícia dizendo: Hoje a Sibéria está em pleno centro da
Itália ...

Na cidade eterna, uma das primeiras visitas de Antônia foi à


del Gesu: e anotou: Os pobres que aqui encontrei no ano passado,
logo me reconheceram, e vieram todos cumprimentar-me, beijando­
me as mãos. - Dia 27 fêz uma visita a Amparito, divertindo-se à
vontade com seus garotinhos. Encontrou-se também, várias vêzes,
com o Padre Hermann, que estava em Roma, de passagem; e teve
novas ocasiões para tratar, com êle, do seu antigo plano de vida re­
ligiosa. Dessa vez Padre Hermann concordou que ela ingressasse no
Carmelo; fôra êsse o seu desejo de sempre. Mas o seu compromisso
com a Rainha ainda não tinha terminado; por isso teria que esperar,
para resolver depois.

Foi por intermédio do Padre Hermann que Antônia conheceu


em Roma a Condêssa de Sorango, uma amizade sincera, que muito
lhe valeu mais tarde. Simples e ainda jovem, a Condêssa era, para
todos, uma simpatia, pela sua delicadeza e cultura. Nunca permitiu
que Antônia a tratasse de Condêssa, mas simplesmente de Lili, como
era chamada em família. Era italiana; mas falava muito bem o fran-
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cês e o inglês, de modo que as duas tinhaim tudo para se compreen­
derem perfeitamente.
A 10 de fevereiro Antônia teve, em Roma, uma das maiores
alegrias da sua vida. Da. Maria Cristina recebeu uma visita de Pio
IX, que chegou ao palácio com muita simplicidade, encantando a to­
dos com seu sorriso bondoso e paternal. Profundamente emociona­
da, Antônia quis prostar-se para lhe beijar os pés; mas o Papa não
lho pevmitiu, dando-lhe apenas a mão a beijar, e abençoando-a cari­
nhosamente. Meses depois, por intermédio de uma conhecida, casada
com um guarda pontifício, conseguiu uma audiência de Pio IX para
si e um grupo de amigas. E anotou no seu Diário: Que delicadeza,
e quanto carinho nas palavras do Papa! �le me reconheceu logo, e,
conversando conosco, parecia a bondade personificada.
Devido à sua piedade, e ao seu amor à Igreja, Antônia sentia-se
feliz em Roma, e não se lembrava sequer de Madrid ou de Paris. A
Cidade eterna era o ambiente que lhe fazia vibrar um coração de as­
ceta e uma alma artista; de tudo ela aproveitava, para se ache­
gar ,mais à beleza infinita de Deus. Dividindo cuidadosamente o seu
tempo, não descuidava suas obrigações de educadora; estudava, es­
crevia, e alimentava a sua piedade nas· igrejas ou nos conventos de
Religiosas, onde contava um sem número de amizades.
Visitando o Padre Mauron em «Vila Caserta», pôde admirar as
obras da igreja, que logo estaria pronta para ser consagrada. Não
podendo assistir àquela solenidade, porque já não estaria mais em
Roma, Antônia disse ao Padre Mauron que ao menos uma alegria
ela desejava ter naquela festa: a de oferecer as flôres para o altar
de Santo Afonso. E o fêz, realmente, com a devoção que sempre ti­
vera ao Fundador da Congregação Redentorista.
Nesse ano (1859) Antônia passou o seu aniversário (16 de mar­
ço) em Roma. Muito festejada, recebeu presentes da Rainha, das
Infantas, e das suas muitas amigas. Monsenhor Armelini, seu pro­
fessor de latim, também não a esqueceu, mandando-lhe de presente
três grossos volumes de Cícero . . . Um presente muito útil, diz ela no
Diário, - mas gosto mais do Evangelho.
A 26 de março houve, na Embaixada espanhola, uma grande
festa de despedida, pois Da. Maria já se preparava para o regresso
a Paris. Constava do programa um concêrto de Levaseur, com a pre­
sença da fina flor da aristocracia. Antônia escreveu no dia seguin­
te: Depois de cinco anos, ontem fui obrigada a me apresentar nova­
mente no mundo elegante. Precisei caprichar na «toilette»; mas ...
como estou velha, e como estou feia! Se eu ainda tivesse ilusões,
ontem elas teriam morrido, e para sempre. Mas não estou sentida,
por isso. A velhice me aproxima cada vez mai� da morte, e esta me
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aproxima de Deus. :f:sse é o meu fim. Bem-vinda, portanto, seja a
minha velhice! Que ela me ensine a viver morrendo, enquanto pro­
curo morrer para mim mesma.
Com o casamento de Titina, realizado em outubro, estava termi­
nado o contrato da Preceptora com Da. Maria Cristina.
Antônia contava então 38 anos, e precisava dar um nôvo rumo
à sua vida. Acostumada ao trabalho na Côrte, e querida por todos,
não lhe teria sido difícil continuar a serviço da Rainha. Mas aquêle
ambiente palaciano nada tinha que a pudesse prender; pelo contrá­
rio, ela agora sentia-se como uma prisioneira, em vésperas de ga­
nhar a liberdade. De outro lado, a Rainha já não estava no poder,
nem o tesouro do Estado estava em suas mãos; pelo que a sua preo­
cupação era cortar as despesas com o pessoal do Palácio.
Antônia percebeu muito bem que a Governadora não iria fazer
questão de retê-la na Côrte. E viu confirmado o seu pressentimento,
quando recebeu, por intermédio de Dom Antônio Rúbio, a comunica­
ção oficial de que, terminado o contrato, a Rainha agradecia e dis­
pensava os seus préstimos. A Preceptora não se magoôu, recebendo
aquela comunicação até com alegria. Mas não deixou de estranhar
que a Governadora lhe mandasse a notícia por meio de outros. Por
que não o fazia pessoalmente? Algum tempo depois ela soube.

LIVRE DA CôRTE

Sabendo que Antônia estava para deixar o Palácio de Malmai­


son, Isabel II logo se apressou em convidá-la para Preceptora de seus
filhos, na Côrte de Madrid. As três Infantas, já casadas, também
queriam, para seus filhos, a mesma Educadora que as havia formado
com tanta capacidade. Mas Antônia sentia-se cansada, sem coragem
de continuar desempenhando um cargo, no qual punha tôdas as suas
fôrças. Preferiu esperar. Depois que saísse de Malmaison, iria deei­
dir com calma o rumo de sua vida.
No entanto, o que ela nunca pôde esperar, foi o aborrecimento
e a decepção que iria sofrer, devido à avareza da Governadora. Que­
rendo economizar à custa de Antônia, D. Maria achou que não es­
tava obrigada a dar qualquer pensão à Preceptora, após tantos anos
de trabalho. Por intermédio de seu amigo Rúbio, Antônia lembrou
à Rainha que, nesses casos, a pensão era um costume, aceito como
ponto de honra, pela generosidade e largueza das Côrtes. Além dis­
so, o contrato que firmara antes de assumir o cargo em Palácio, ga­
rantia-lhe uma pensão, de acôrdo com a eficiência do seu trabalho.
Ora, dessa eficiência ninguém duvidava, quer dentro, quer fora da
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73
Côrte, sendo as três Infantas a melhor prova da dedicação que pu­
sera no seu trabalho.
Mesmo com êstes argumentos a seu favor, Antônia teria prefe­
rido renunciar aos direitos, já que a sua delicadeza não se pres­
tava a estar discutindo com a mesquinhez da Rainha. Mas ela pre­
cisava pensar no seu próprio futuro. Beirando os 40 anos, sua saúde
já não lhe dava garantias de poder continuar trabalhando. Além dis­
so, não tinha parentes que lhe pudessem valer, nem podia explorar as
amizades que possuía. Já que lhe assistia um direito, não iria re­
nunciar, embora muito contra a sua vontade.
A Rainha não ignorava a situação difícil daquela que, antes,
havia distinguido com maiores atenções. E sabia muito bem que,
não concedendo a pensão, estava pondo uma sombra sôbre a capaci­
dade da Preceptora, o que era uma evidente injustiça. Mas conti­
nuava irredutível.
Vivo e inteligente como era, Dom Antônio Rúbio foi quem mos­
trou a Antônia o caminho que devia seguir, para resolver aquêle im­
passe. Deixando o Palácio, e viajando para a Suíça, Antônia conti ­
nuou insistindo, por cartas, no seu direito a uma pensão. Foi quando
o Secretário da Rainha lhe escreveu, dizendo: A Sra. precisa escrever
à Da. Maria. Sem fazer qualquer queixa, não diga também uma pa­
lavra sequer, na qual se possa apoiar, para dizer que a Sra. re­
nunciou à pensão. Faça alguma referência ao seu trabalho na Côrte,
para que ela, ao lhe responder, tenha que elogiar o seu esfôrço, mos­
trando-se contente com a sua dedicação. Com isso a Sra. terá um
documento irrefutável para apresentar ao Duque; e êle terá certa­
mente mais compreensão para resolver êsse assunto.
Foi o que Antônia fêz. Escreveu à Rainha, e esta lhe respondeu,
agradecendo o seu trabalho, ao mesmo tempo que lhe enviava um
cacho do próprio cabelo, como prova de amizade. Com êsse triunfo
nas mãos, Antônia escreveu ao Duque, expondo os motivos porque
não podia renunciar à pensão, já prevista no contrato que firmara.
Mais compreensivo que a sua augusta senhora, o Duque de Riánzares
deu a Antônia uma pensão de 1.500 francos anuais, que iriam cons­
tar como dados pelas três Princesas. Era um modo de evitar que a
Rainha se magoasse em seus melindres, caso viesse a saber daquela
concessão.
Desculpando a sua augustíssima Dama, o Duque explicava a
Dom Antônio Rúbio: Diga a Antonita que não se preocupe. A Rainha
não tem mau coração; o que ela tem, isso sim, são umas esquisitices;
e, entre elas, essa de não querer ouvir falar em pensões. Mas, em
nome das minhas filhas, darei a Antônita uma pensão vitalícia de
1.500 francos anuais.
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Assim terminou para Antônia aquêle assunto bastante desagra­
dável. Se insistiu no seu direito, foi sàmente por se encontrar diante
de um futuro incerto, sem garantias. E tão razoável era a sua exi­
gência, que, escrevendo a Dom Antônio, ela disse: Aqui na Suíça,
ninguém me pergunta se recebi pensão, mas o quanto estou receben­
do. - 11:sse aborrecimento, porém, de forma alguma abalou a pro­
funda amizade que a antiga Preceptora tivera com Da. Maria Cris­
tina. É o que aparece numa carta, em que ela escreve: Não tenho
queixa alguma da Rainha; pelo contrário, conservo para com ela
uma gratidão muito grande, por tôdas as atenções que sempre teve
comigo, durante os anos que estive na Côrte.
Foi a 28 de outubro de 1860 que Antônia deixou o Palácio de
Malmaison, viajando para Friburgo. Aqui ficou hospedada com a
Família Aeby, para descansar, e resolver o rumo que tomaria em
sua vida. 11:sse descanso, porém, não demorou muito. O rigor do in­
verno, naquela sua querida Friburgo, obrigou-a, logo em dezembro, a
viajar para Roma. Suas despedidas ela as deixou numa linda poesia,
intitulada: Adeus à Pátria - na qual aparece bem o vigor da sua
fé, unido a um irreprimível desejo de viver e morrer sàmente para
Deus. Literato como era, Dom Antônio Rúbio ficou encantado com
aquêles versos; e, felicitando a Autora, escreveu: Com essa firmeza
e coragem, a Sra. devia ter vivido nos primeiros séculos do Cristia­
nismo. Lançaria à cara dos Imperadores uma meia dúzia de verda­
des, e, estas horas, já seria Santa Antônia, Virgem e Mártir.
Decidindo-se a morar em Roma, Antônia queria viver mais re­
colhida, dedicando-se mais a oração, e ao estudo necessário para con­
tinuar o seu livro «Aurélio». Foi às vésperas do Natal que ela che­
gou à Cidade eterna, para iniciar uma nova etapa em sua vida. Ten­
do renunciado ao casamento, ela compreendeu que, com quase 40
anos, a Vida religiosa já não estaria tão fàcilmente ao seu alcance.
Mas sentia-se feliz, podendo viver na solidão, após 12 anos de traba­
lho, num ambiente pesado e difícil, como aquêle da Côrte.
No palácio dos Marqueses, em Florença, ou na Côrte de Da. Ma­
ria Cristina, Antônia tinha sido sempre uima Educadora à altura da
sua responsabilidade. O Duque de Riánzeres, referindo-se a uma de
suas netas, cuja formação deixava muito a desejar, disse: Para que
ela tivesse a formação de minhas filhas, devia ter tido uma Educa­
ra como a Senhorita Oviedo. - Embora pobre, Antônia poderia glo­
riar-se de um sôbre-nome que tôda a Espanha admirava. Mas a sua
riqueza era sua virtude, com uma delicadeza e finura de trato que
a todos encantavam. Uma Educadora que falava ao coração. Além
disso, era uma verdadeira enciclopédia de cultura, dominando com
facilidade cinco línguas vivas, conhecendo o latim e o hebraico, ma­
nejando a pena como uma artista, em prosa ou em verso, mestra
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em pintura e bordado, modêlo de elegância e simplicidade, ao mesmo
tempo. Dessa forma ela pôde ser um exemplo vivo às alunas mais
nobres e exigentes que lhe foram confiadas.
Em Madrid, para despertar nas Princesas o amor ao trabalho,
e a prática da caridade, Antônia lhes dava aulas de costura, ensinan­
do-as a confeccionar roupinhas para as crianças pobres dos bairros.
Com isso conseguiu que suas alunas fugissem à ociosidade, como ela
também fazia. E em matéria de correção e castigo, a Preceptora
nunca as poupou, embora suas alunas fôssem de sangue real.
Como em tôdas as Côrtes, também naquele palácio de Da. Ma­
ria Cristina, em Madrid ou em Paris, não faltavam os pequenos ciú­
mes, invejas e mexericos. Nunca porém ouviu uma palavra que
pudesse atingir o bom nome ou a boa fama da Preceptora. Todos a
estimavam, porque reconheciam sua formação e sua virtude. Refe­
rindo-se a ela, disse um dia o Duque de Riánzares: Se há, neste mun­
do, uma criatura santa, que sabe fazer a felicidade de todos os que
a rodeiam, essa é Antônita. - E ela mesma nos deixou ver tôda a
virtude que punha em seu modo de agir, quando explicou a uma se­
nhora, sua amiga: Aos superiores eu sirvo e obedeço, porque é minha
obrigação; com os iguais faço o mesmo, porque assim o exige a hu­
mildade; e, com os inferiores, sigo a mesma norma, para não faltar
à caridade.
Sua vida particular, simples e severa, despertava a admiração
de todos, devido ao luxo e leviandade que não faltavam na Côrte. Jo­
vem, de rara beleza, culta e distinta, admirada por reis e rainhas,
nunca teve a ambição de subir ou de aparecer; seu único desejo era
viver ignorada de todos, para se dedicar somente a Deus.
O que chamava a atenção, de um modo particular entre as da­
mas da nobreza, era a simplicidade daquela Preceptora, que irradiava
simpatia justamente por fugir a todo luxo e ostentação. Seu Tio,
Dom Manuel de Oviedo, mandou-lhe, certa vêz, um presente. Era um
manto riquíssimo, primor de elegância e bom gôsto. Mas Antônia,
com escrúpulos, observou: Se eu usar êsse manto, e passar por mim
um pobre, que não tem o que dar de comer a seus filhos, como irei le­
var sôbre meus ombros uma peça de luxo, que, vendida, poderia ali­
mentar uma famila inteira, durante meses e anos?
A Rainha fazia questão de levá-la a tôda parte, como dama de
companhia, devido à sua simplicidade e distinção. Quando se tratava
de teatros, bailes ou visitas, ela se via em apuros, pois, não podendo
destoar, também não queria sacrificar sua simplicidade habitual.
Certa ocasião, seu Tio Manuel lhe mandou, de presente um vestido
riquíssimo, acompanhado de preciosos colares, e anéis e pulseira!.
Agradecendo, Antônia se queixou: Ah! Papaíto ! será que o Sr. quer
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mundanizar a sua filha? Como irei usar êsse vestido e essas jóias,
vendo tantos pobres que não têm sequer o mais necessário? De fa­
mília humilde, e desprezando sempre tôda ostentação, Antônia teve,
nos pobres uma verdadeira idéia fixa. Foi durante os anos em que
viveu c1m Paris, que ela pôde ver mais de perto, o contraste entre a
riqueza de um palácio como o de Malmaison, e a miséria que vivia
nas casas e nas ruas daquele bairro de Rueil. Tôdas as manhãs, indo
à Missa na igreja paroquial, ela fazia questão de socorrer, com al­
guma esmola, os pobres que encontrava pelo caminho. Não foi sem
motivo que dêles ganhou o nome de Mãe.
Certa vez, vendo-a distribuir esmolas pela rua, um desconhecido
que passava lhe disse: Continuando assim, a Sra. vai acabar na mi­
séria. - Antônia, porém, observou: Até hoje ninguém ficou pobre
por ter dado esmolas. No céu, êste dinheiro que eu dou, rende mais
que nos bancos. - Edificado com aquela caridade, o desconhecido
começou a lhe mandar sempre alguma importância, para ela socor­
rer a pobreza. Em Roma ela não era conhecida somente nas altas
rodas. Os mendigos que costumavam estacionar perto da igreja «del
Gesú» recebiam-na com festas, quando a viam chegar. Cercavam-na
de tal maneira que (ela mesma o escreveu) era difícil manter-se de
pé no meio daquela confusão de gritos e empurrões ...
Numa de suas viagens à Suíça, vendeu os móveis que possuía
em Lausane e em Friburgo, dando uma parte da importância recebi­
da à sua Tia Sofia, e guardando o mais para as esmolas que tenciona­
va fazer em Paris. Sabendo disso, o ecônomo do Palácio, Dom Pedro
Rúbio, apressou-se em tomar uma providência que êle sabia necessá­
ria, escrevendo a Antônia: Deixe comigo êsses 4.000 francos, porque
a Senhora é capaz de dar tudo logo ao primeiro pobre, falso ou ver­
dadeiro, que lhe apareça. E fica proibida de dar qualquer esmola
sem minha licença. - Assim procedia Dom Pedro, pela amizade que
tinha à Preceptora, à qual, mensalmente entregava uma quantia pa­
ra as despesas pessoais. Antônia, porém, sacrificava-se, renunciando
a certos gastos que lhe eram necessários, para dar todo o dinheiro
aos pobres. Dom Pedro, que ignorava essa esperteza de sua protegi­
da, dizia-se feliz, por ter conseguido corrigir «a exagerada caridade
da Preceptora».

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77

IX

UMA POTÊNCIA EM ROMA


Livre do seu cargo de Educadora, Antônia estava morando na
Cidade eterna. O seu sonho de ingressar no Carmelo ia ficando cada
vez mais longe. Mesmo assim não morrera o seu desejo de viver no
recolhimento e na oração.
Roma, para ela, era tôda uma relíquia, alimentando a sua pie­
dade, estimulando os seus estudos, e fortificando sempre mais a sua
fé. Era a cidade ideal para os seus planos de vida interior, dedicada
sàmente à união com Deus. Não se pense, porém, que, com isso, es­
tivesse ela buscando uma vida calma e sossegada. Antônia era uma
alma de apóstolo, e o sangue dos Oviedo não a deixaria inativa.
Sem recurso para ocupar uma casa, por simples que fôsse, ela
alugou apenas um quarto, onde passou a viver com uma môça po­
bre, de nome Vitória, sua companheira, naqueles anos que viveu na
Cidade eterna. Para quem tinha vivido tanto tempo num palácio real,
aquêle quarto poderia oferecer muita diferença. Mas, para Antônia,
o seu quartinho pobre e humilde valia um palácio, porque estava em
Roma; e essa era tôda a riqueza que ambicionava.
Logo nos primeiros meses da sua nova vida, quis realizar um
desejo muito antigo: visitar o túmulo de Santo Afonso, para o qual
tivera sempre devoção particular. Viajou para Nápoles, mas não con­
seguiu localizar nenhum Redentorista. Os «Ligorinos» estavam dis­
persos, vivendo mais ou menos ocultamente, devido à perseguição
que lhes movia o govêrno maçônico de Nápoles. Dessa forma, a pe­
regrina voltou para Roma, sem conseguir o que tanto d2sejara.
Apesar dos seus 40 anos, e da atividade que desenvolvia em di­
versos campos de apostolado, Antônia continuava preocupada com a
sua Vocação religiosa. O problema ainda a perseguia. Em qualquer
Ordem ou Congregação ela seria recebida de braços abertos, dada a
sua piedade e cultura. Isso ela mesmo pôde verificar, em contato com
os conventos de Religiosas, onde não lhe faltavam amizades. Tra­
tando do assunto com o seu Confessor em Roma, Padre Vilafort, ês­
te foi de opinião que ela podia e devia ingressar logo na vida reli-
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giosa. Mas, apesar de tôda a sua firmeza, Antônia ainda não se sen­
tia com coragem para uma decisão.
Estando certa vez em Vila Caserta, consultou o Padre Mauron
a respeito do problema. E ouviu dêle uma palavra que a deixou no
ar. Sorrindo, sem dizer nem sim, nem não, o Geral dos Redentoris­
tas lhe deu uma resposta bastante enigmática: A Sra. vai acabar
sepultada conosco. - Que dizia êle com isso? Mais tarde, já Funda­
dora das Oblatas do SSmo. Redentor, a Madre Antônia viu, naquelas
palavras, uma quase profecia, como se o Padre Mauron lhe tivesse
dito: A Sra. vai acabar sendo Redentorista.
Rea�mente admirável é a Providência ao traçar os seus cami­
nhos. Sempre sonhando com o Carmelo, e tendo abertas diante de
si as portas de qualquer outro convento, Antônia, em tôda a sua de­
cisão e energia, deixou aquêle problema sem solução. Eram outros os
caminhos de Deus; e êsses ela ainda não os conhecia.
Inimiga como sempre fôra da ociosidade, Antônia soube apro­
veitar o seu tempo em Roma, para desenvolver o seu talento de es­
critora num verdadeiro apostolado da pena. Cultura, estilo e facili­
dade não lhe faltavam para isso. Já em Paris, costumava colaborar
em revistas religiosas, com estudos e artigos, destinados a môças ou
senhoras. Seus trabalhos sôbre a Imaculada Conceição, publicados
em 1856, foram apresentados, por um Cardeal, ao Papa Pio IX. Len­
do-os com muito interêsse, o Pontífice exclamou: A Senhorita Ovie­
do é uma das três Marias que sempre acompanham o Vigário de
Cristo. - Recebeu, por essa ocasião, os elogios do Cardeal Ferrari,
que a felicitava numa carta, dizendo: Parabéns pela elegância e pie­
dade dos seus artigos!
Em 1861 escreveu extensos e bem documentados trabalhos des­
critivos, sôbre assuntos romanos; entre outros: Cartas de Roma,
Uma fôlha de meu álbum, A iluminação em Roma, O asilo de S.
Miguel, A Quaresma em Roma.
Foi nesse ano que, reunindo-se a um grupo de peregrinos, An­
tônia teve uma audiência particular com o Papa. Formada a fila, ela
aguardava ansiosa a sua vez de se aproximar do Pontífice, para lhe
beijar os pés. Vendo-a, Pio IX logo a reconheceu, e ela lhe disse:
Santíssimo Padre, Vossa Santidade quis aceitar os meus trabalhos
publicados no Semanário francês «O amigo das senhoras». Foi o que
me animou a lhe oferecer agora alguns trabalhos sôbre Roma. Po­
bre mulher como sou, nada posso oferecer à Igreja e ao Papa, a não
ser a minha pena, muito pobre e muito simples. - E não é pouco
- atalhou o Pontífice - oxalá todos soubessem escrever como a
Senhora. Nestes tempos a pena é uma grande arma, que precisa ser
empregada sem mêdo, na defesa da Verdade. - Que consôlo para
mim! - acrescentou Antônia. E, diz ela, enquanto eu lhe beijava
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as mãos, pedi que abençoasse a minha pena, para que eu a empregas­
se unicamente em defender os interêsses de Deus. - Sim, eu a aben­
çôo, de todo o coração! - respondeu Pio IX.
Levada por seu zêlo, e animada com bênção do Papa, Antônia
projetou escrever uma série de novelas de fundo religioso, para con­
trabalançar as leituras perniciosas, que, naquele tempo já infesta­
vam a literatura popular em Roma. Infelizmente suas múltiplas ocu­
pações não lhe permitiram realizar êsse plano. Publicou apenas um
volume, em francês, logo traduzido para o castelhano, sob o título:
«El rosal de Magdalena» conhecido e apreciado ainda hoje, na Es­
panha. Alma de exuberante atividade, veremos adiante como a es­
critora não se contentava com seus livros e escritos; queria muito
mais.
No sábado santo de 1862, ela estêve novamente numa audiência
com o Papa, em companhia de umas 600 pessoas. Um dos Monsenho­
res presentes ia apresentando ao Pontífice, as pessoas que se apro­
ximavam. - Quando chegou a minha vez - diz ela - o Papa me
reconheceu, e me falou numa saborosa mistura de espanhol, francês
e italiano: Oh! Ecco Ia buona mademoisele d'Oviedo! Dios la ben­
diga, si, figlia mia! - Mas quando eu lhe quis falar, a multidão ir­
rompeu em vivas e aclamações de modo que só lhe pude beijar o anel,
sem dizer palavras.
Por êsse tempo, encontrava-se em Roma, um Bispo espanhol,
do qual Deus iria usar, para abrir a Antônia os caminhos da Vida
religiosa. Era Dom José Serra, tipo austero, enérgico e realizador.
Nascera em 1810, ordenando-se sacerdote beneditino em 1835. Exi­
lado da Espanha, pela política, retirou-se para o Mosteiro de Cava,
perto de Nápoles. Culto como era, foi logo nomeado professor de Fi­
losofia, Direito, e Línguas orientais, passando, depois, a ocupar o car­
go de Reitor do Seminário. Era tal a sua capacidade de trabalho,
que o Rei de Nápoles, visitando certa vez o Mosteiro, disse aos Pa­
dres: Como Vocês espremem bem êste limão espanhol!
Em 1845, dando largas ao seu zêlo missionário partiu para as
Missões da Austrália, sendo nomeado Bispo titular de Daulia e Ad­
ministrador da Diocese de Perth. Nesse ano, e em 1854, viajou pela
Itália e Espanha, despertando o interêsse dos países católicos pelas
Missões estrangeiras. Nessas duas ocasiões, visitou, em Madrid, a
Rainha Da. Maria Cristina, tornando-se assim conhecido de Antô­
nia, e das Infantas que o chamavam de «Bispo Capuchinho» devido
à sua longa e espêssa barba negra. Com os donativos angariados na
Europa, Dom José Serra começou a dar uma nova vida à sua Dio­
cese. Por tôda parte começaram a surgir igrejas, escolas e hospitais.
Mas, como sempre acontece, a sua atividade e os seus êxitos
acabaram provocando ciúmes e invejas que lhe não perdoaram. Em
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80
Roma começaram a chover acusações de que êle auxiliava os eu­
ropeus, que não se interessava pelos pagãos, que interferia no govêr­
no de outras Dioceses, e que não tinha a simpatia, nem de católicos,
nem de protestantes.
Em 1854, o Cardeal Fransoni comunicou ao Bispo as acusações
que lhe eram feitas; e êle se explicou, defendendo-se com tôda sin­
ceridade. Mas a perseguição continuou, até que, em 1859, Dom José
Serra viajou para Roma, e aí renunciou ao seu cargo. Pio IX porém,
não aceitou aquela renúncia; e, com sua proverbial bondade, foi dan­
do tempo ao tempo, na esperança de que tudo se resolvesse bem.
Mas o Bispo de Daulia não era homem para voltar atrás em suas
decisões. AlEgando que fôra ofendido em sua honra de Bispo e de
espanhol, manteve a sua palavra, resolvido a não regressar mais pa­
ra a Austria. E sua renúncia foi aceita (1863) com a oferta de uma
nova Diocese na Itália. Mas êle decididamente a recusou, por motivos
de saúde.
Enquanto permaneceu em Roma, aguardando solução para o
seu caso, Dom José Serra nunca manifestou qualquer mágoa ou res­
sentimento. Procurando esquecer o que tinha sofrido, continuou an­
gariando auxílios e donativos que remetia ao seu sucessor na Austrá­
lia, para ajudá-lo em seu apostolado.
A 2 de janeiro, Antônia escreveu no seu Diário: Fiz hoje a mi­
nha visita de Ano nôvo a Dom José Serra. f:le me deu a entender
que, devido a tantos aborrecimentos, pretende retirar-se a um Mos­
teiro de Trapista. - E a 8 de junho de 1863 ela escreveu a Titina:
Pouco a pouco encontrei, em Dom José, um guia seguro e compreen­
sivo; posso dizer que êle me tem ajudado muito a servir melhor a
Deus.

MISSIONÃRIA

Uma preciosa lembrança que o Bispo missionário deixou em


Roma, foi a «Obra Apostólica» que êle conhecera em Paris. Sua fi­
nalidade era conseguir auxílios para as Missões, fornecendo também
todo o necessário para o Culto divino em terras pagãs. Ativo, em­
preendedor, Dom José bem sabia das dificuldades que iria encontrar
para organizar aquela Obra. Decidiu-se, porém, àquela fundação,
porque contava com a extraordinária capacidade de uma mulher,
admirada nos círculos religiosos de Roma, pela sua cultura e pieda­
de: era a Senhorita Antônia de Oviedo.
Logo de início tinha que ser vencida uma dificuldade muito sé­
ria: Para ser fundada, a Obra devia ser aprovada pela Congregação
de Propaganda Fide; e, com esta, não eram lá muito boas as relações
de Dom José, devido ao assunto da sua Diocese na Austrália. Nesse
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caso, era Antônia quem devia começar, usando suas amizades, para
preparar o terreno. Com habilidade e diplomacia, foi despertando o
interêsse de alguns Cardeais, para uma Obra que todos reconheciam
útil e necessária.
Após sondar o terreno, Antônia escreveu a Dom José: Conver­
sando com o Cardeal Presidente da Propaganda, notei nêle uma cer­
ta reserva, e quase prevenção. Mas depois, tive a impressão de que
tudo será aprovado por êle.
Companheira inseparável de Antônia em todo êsse trabalho, foi
uma Religiosa, Madre Emília, Superiora das Irmãs de S. José da
Aparição. Escrevendo ao Bispo Fundador, Antônia procurou, logo
de início, esquivar-se de qualquer pôsto naquela fundação: Conti­
nuou achando que Madre Emília, como Superiora de uma Casa de
Missões, deve ser a Presidente da Obra. Quando muito, poderei ser
Vice, ou qualquer outra coisa. Assim, ninguém irá dizer que eu quis
fundar, presidir, ou aparecer, pois, tudo isso sempre me pareceu
muito antipático. Estou pronta a colaborar, mas como simples anôni­
ma.
Vencidas as primeiras dificuldades, que não foram poucas, a 24
de fevereiro de 1862 foi fundada a «Obra Apostólica» sob a direção
do Cardeal Barnabo, Presidente da Propaganda Fide. A Diretoria
contava com a fina flor da aristocracia romana, atraída para aquela
Obra pela simpatia de Antônia, que a todos sabia entusiasmar econ­
vencer, Diversas Princesas, Baronesas e Condêssas deram seu nome
à Fundação; e não se pense que tudo ficou nesse colorido de títulos.
O entusiasmo e a dedicação começaram logo a realizar verdadeiras
maravilhas em favor das Missões.
Embora Vice-Presidente, Antônia era quem redigia as Atas, fa­
zia convites, arrecadava auxílios, organizava festas e exposições. SuD.
atividade punha a tudo e a todos em movimento, de modo que, logo
no primeiro ano, pôde escrever numa das Atas: Trabalhamos du­
rante o inverno, e mesmo durante os meses de verão, quando todo
mundo foge de Roma. As salas de trabalho nunca estavam vazias,
e a dedicação era geral. Não é sem motivo que temos, como Patro­
nos, os Apóstolos, e as Santas Mulheres que acompanharam o Mes­
tre até ao Calvário.
Devido à sua dedicação e habilidade no trabalho, todos viam
que, naquela Obra, a alma de tôdas as iniciativas, e a vida de todo
movimento, era a Senhorita Oviedo. Não sendo Princesa nem Con­
dêssa, ela conhecia grandes nomes na Espanha, na França e Suíça. E
foi, com essas amizades, que ela sozinha conseguiu mais para as
Missões, que tôdas as suas colegas de Diretoria.
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Da. Maria Cristina e as Infantas quiseram ser suas primeiras
contribuintes; e o Duque de Riánzares fêz questão de lhe enviar res­
peitáveis donativos. De tôda parte chegavam provas da simpatia
com que a Obra fôra acolhida, graças ao prestígio e às amizades da
Vice-Presidente.
Antônia vivia modestamente instalada, com sua colega Vitória,
naquele quarto da Rua Quatro Fontane, número 16.
Um belo dia, por uma circunstância inesperada, passou a viver
num palácio, que lhe foi cedido por uma Baronesa, sua amiga. Esta,
devendo passar com o espôso uma temporada na Grécia, pediu a An­
tônia ficasse morando no «Palazzeto di Venezia» durante os meses
de sua ausência. Embora farta com o luxo e grandeza dos palácios,
Antônia concordou, apenas para atender ao pedido de sua amiga.
E, da sua nova mansão, escreveu a Titina: Quer saber a vida que
levo neste palácio? Passo os meus dias trabalhando quase continua­
mente nos paramentos que devo mandar para as Missões. Recomen­
do esta nossa Obra à sua simpatia, caso tenha algum, ou alguns me­
tros de sêda sobrando ... Já se vê como ela não perdia ocasião de ba­
ter às portas, em favor da sua Obra Apostólica.
Pouco depois, noutra carta à mesma Titina, ela diz: Passados
três meses no «Palazzeto di Venezia», mudei-me agora para a Rua
Due Macelli, 124. Um dia dêstes, com a Condêssa russa de Polibine,
fui a «Villa Borghese», e me lembrei que, certa ocasião, nós duas
estávamos atravessando um campo, muito alegres e decididas, sem
saber para onde íamos. Agora, com a Condêssa, foi mais ou me­
nos, o mesmo . . . A nossa Obra Apostólica vai indo muito bem; por
tôda parte muita gente trabalhando, e os donativos não têm falta­
do. Veja se consegue alguma coisa com seu marido, e com seus ir­
mãos. Será que a incomodo com isso? Espero que não, pois acho que
Você continua sendo aquela minha Titina de outros tempo. E são
tantas as ncessidades das nossas Missões! Deus nos irá agradecer.
Nessa carta, Antônia pedia à sua antiga aluna, enviasse algo
para a Exposição da «Obra Apostólica» que ela estava preparando.
Meses depois, a Exposição foi realizada, e o êxito foi completo. Vi­
sitaram-na diversos Cardeais, Bispos e as mais destacadas figuras
da Nobreza italiana.
Dom José Serra tinha viajado para a Espanha, e a Vice Presi­
dente lhe escreveu, pondo-o a par de tudo: Nestes três dias tivemos
aberta a Exposição. Tive que ler uma relação das nossas atividades
logo no primeiro dia, e o fiz tremendo de mêdo, diante de tanta gen­
te, e de personalidades tão ilustres. Estiveram presentes os Embai­
xadores da Áustria e Espanha, membros da Nobreza romana, dos
Colonna, dos Drago e dos Corsini. Fizemos uma renovação nos car­
gos, e fui reeleita por unanimidade. Expliquei que logo teria que

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viaJar, mas o Cardeal Barnabo não concordou com a minha renún­
cia, mandando-me que nomeasse uma substituta. Ficará no meu
lugar a Condêssa de Polibine. Espero que logo o verei em Madrid.
Mas nem tudo foram rosas de alegria e triunfo, para aquela Vice­
Presidente, na realidade alma de tôda a «Obra Apostólica». Em suas
atividades ela encontrou também muito espinho para a mortificar
e fazer sofrer. Numa Diretoria formada por Damas da alta socie­
dade, teria sido milagre não surgissem os ciúmes e inveja, ante os
elogios dirigidos a Antônia. Dadas as suas qualidades e dedicação ao
trabalho, era ela quem mais aparecia, embora ela o não quisesse.
E isso que tinha que acabar melindrando as segundas intenções de al­
gumas colegas. A vaidade humana é tão grande, que não poupa se­
quer as obras de Deus.
Não foi sem motivo que Dom Antônio Rúbio lhe escreveu, lo­
go no início daquela Fundação: Essa Obra Apostólica irá dar à
Senhora uns desgostos bem apostólicos. . . E não se enganou o Se­
cretário de Da. Maria Cristina, com a experiência que tinha das
altas rodas. E quanto Antônia lhe revelou, sem citar nomes, as di­
ficuldades que encontrara, êle escreveu: Lembra-se de que, entre
espanhóis e italianos, a inveja é o traço dominante da fisionomia na­
cional. Veja agora quanto cuidado precisa ter com a própria bon­
dade. Essa inocência suíça não pode viver confiando sempre em to­
dos aqueles que a rodeiam.
As dificuldades, porém, não influíram na disposição com que
Antônia se entregava ao trabalho. Se, desde o início da Fundação,
ela procurara fugir à evidência dos cargos, era porque desejava tra­
balhar sem qualquer vaidade pessoal, visando em tudo apenas ao
bem das almas. Por isso procurou ignorar os ciúmes e melindres fe­
ridos. Até o dia em que partiu para a Espanha, continuou dando o
melhor de seus esforços numa Obra que sabia ser de Deus, e que ela
desejava incrementar somente para glória da Igreja.
Era natural que, entregando-se, de corpo e alma àquelas ativi­
dades, Antônia entrasse, como de fato entrou, em contato com os
organismos oficiais, encarregados das Missões entre infiéis: Congre­
gação de Propaganda Fide, Colégio da Propaganda, e sua Academia
Poliglota. Em relação ao Colégio e à Academia, encontramo-nos dian­
te de um caso realmente excepcional: Uma simples mulher, sem qual­
quer pretensão, ou desejo de brilhar, alcançando verdadeiros triunfos
literários, e num meio como aquêle de Roma.
Seu primeiro sucesso, ela mesma o referiu a Titina, a 1. de feve­
reiro de 1862: Vou contar a Você o que me aconteceu na Acade­
mia Poliglota da Propaganda. Convidada pelo Cardeal Presidente,
lá €stive com diversas amigas. Constava do programa (Festa da Epi­
fania) um discurso em cada língua. E eu mudei de côr ante a sur-
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prêsa que tive: Um «jovencito simpatiquisimo» recitando, com mui­
ta expressão, uns versos que escrevi no ano passado, sôbre as Mis­
sões pagãs, coisa que eu nunca teria imaginado. Ao terminar a ses­
são, Cardeais e Prelados vieram felicitar-me, e eu não sabia onde
me esconder, tão confusa fiquei. O certo é que a declamação do ga­
rôto estava impecável, e a assistência o cobriu de intermináveis
aplausos. Dias depois, meus versos foram oferecidos ao Papa, numa
cópia muito fina e caprichada, que - isso era o pior - levava o meu
nome escrito com tôdas as lêtras ...
A fama da Poetisa logo se impôs de maneira que, no ano seguin­
te, pela mesma ocasião, teve que apresentar outro trabalho sôbre as
Missões. Quem o pediu foi o Reitor do Colégio da Propaganda. Pou­
cos dias depois, era próprio Papa quem, numa audiência, lhe disse
que esperava, para a Epifania, «um trabalho como aquêle do ano
passado». - Eu me desculpei - escreve Antônia - alegando meus
afazeres e minha evidente incapacidade. Mas no dia 29 de dezembro,
o Cardeal Presidente me mandou dizer, pelo seu Secretário, que es­
perava minha colaboração, e em versos. Sem muito entusiasmo, co­
mecei a pensar o que iria escrever. No dia seguinte anotei alguns
pensamentos. Dia 31 não trabalhei, porque foi um dia todo de ação
de graças. Nos dois dias seguintes escrevi o que pude fiz depois uma
cópia que levei ao Cardeal Presidente. :1!:le a leu, e exclamou no fim:
Bene, benissimo, figlia benedetta ! - Quem vai ler os meus versos
é o mesmo garôto belga do ano passado. Procurei pintar, com fideli­
dade, a figura do Missionário. Ah! se eu fôsse homem, seria Missio­
nário também.
A composição levava o título: Vidimus stellam - (Vimos a es­
trela) e foi aplaudida sem restrições. Quase improvisado, o trabalho
estava redigido em esplêndidos endecassílabos franceses, numa for­
ma impecável, com um acentuado colorido épico, celebrando as lutas,
os sacrifícios, e a glória do Missionário, em terras pagãs.
Realmente para admirar é o caso dessa mulher extraordinária,
conseguindo brilhar nas altas rodas eclesiásticas, impondo-se num
meio literário dos mais exigentes, sem recorrer à vaidade ou a pro­
teção de outros, mas usando apenas do seu talento. Compreende-se
assim que, mais de uma vez, tenha ela sido vítima de ciúmes e de
invejas.
Durante aquêles dois anos que passou na Cidade eterna, An­
tônia, sem o querer, manifestou bem a sua cultura e a sua capaci­
dade. Não foram poucos os que lamentaram sua ausência, quando, lo­
go depois, voltou para a Espanha. E um Prelado da Cúria Romana
pôde observar, com tôda razão: Em Roma a Senhorita Oviedo era
realmente uma potência.
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DEUS A QUER FUNDADORA

Dada a sua formação religiosa e artística, Antônia sempre teve


uma afeição particular para com aquela cidade de Roma. Ali fôra
residir, certa de que aquêle ambiente iria intensificar a sua vida de
piedade, e oferecer um campo imenso para o seu desejo de apostolado.
Com as suas qualidades, e com zêlo que desenvolveu, durante
dois anos, na Cidade eterna, ela começou a ganhar uma evidência
que nunca ambicionara, e que nem desejava alimentar. Era uma
situação que constrangia, pois, se desejava trabalhar no apostola­
do, também queria ser ignorada e esquecida. Além disso, os seus êxi­
tos já lhe estavam causando sérios aborrecimentos, devido aos ciú­
mes e melindres que ia ferindo. E isso prejudicava não pouco a paz
e tranqüilidade que buscava, para a sua união com Deus.
Vendo aceita a sua renúncia, Dom José Serra tinha deixado
Roma, voltando para a Espanha, onde, sem os encargos de uma Dio­
cese, poderia desenvolver, com mais liberdade, o seu zêlo missioná­
rio. E nêle Antônia tinha encontrado um guia seguro para a sua vida
espiritual, já que, naquele Bispo, todos reconheciam um homem de
grande cultura e extraordinária piedade.
Livre da agitação e dos ciúmes que tanto a mortificavam em Ro­
ma, Antônia percebeu que poderia organizar sua vida com mais li­
berdade, e com menos aborrecimentos, dedicando-se mais ao recolhi­
mento e à oração. Por isso, agora, mais do que antes, não podia dis­
pensar aquela Direção que «muito a havia ajudado a servir melhor
a Deus». E, embora quisesse continuar trabalhando, iria fazê-lo num
campo mais simples e humilde, que não lhe desse evidência nem abor­
recimentos. Foi assim que decidiu abandonar sua querida cidade
de Roma, voltando novamente para a Espanha.
Antônia já tinha completado seus 40 anos; e embora ainda a
preocupasse aquêle problema da Vocação religiosa, não conseguia
tomar uma decisão no assunto. Mal sabia que, em Madrid, Deus a
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estava esperando, para resolver o problema de uma forma que ela
nunca havia imaginado. A Providência tinha os seus planos, e as
circunstâncias iriam mostrar a Vontade de Deus, que por tanto tem­
po se fizera esperar. Pelo seu Diário, sabemos que Antônia chegou
a Madrid a 26 de março (1863) indo morar com sua Tia Dolores,
viúva do Tio Manuel, o Papaíto. Após a morte do espôso, Dona Do­
lores contraíra segundas núpcias com Dom Manuel de la Pezuela y
Lôbo. Com essa mudança, a situação se tornara um tanto problemá­
tica para Antônia. Já não existia mais o parentesco de afinidade com
Da. Dolores, embora a continuasse chamando de Tia, enquanto esta
a chamava também de sobrinha. Voltando agora a Madrid, aquela
casa que antes fôra do Papaíto, seu Tio, já era de outro, pelo que
teve uma certa dificuldade em procurar logo a sua Tia Dolores.
Mas, tendo viajado antes, para Madrid, Dom José Serra, pro­
vàveLmente a pedido da própria Antônia, estêve sondando o terre­
no. E a 8 de fevereiro lhe escreveu, ainda para Roma: Conversando
com o Sr. De la Pezuela, êle me deu a entender que ficaria muito con­
tente, se a Senhora, viesse morar com a Tia Dolores. Disse que a
casa está à sua disposição, como antes. - Mas logo choveram ofer­
tas de hospedagem, da parte das antigas amizades, e Antônia se viu
em apuros, porque devia escolher, e não podia magoar ninguém. Aca­
bou indo para casa de Da. Dolores. Suas amigas iriam compreen­
der que essa era a escolha mais razoável, dado o antigo parentesco
que prendia àquela família.
Naquele tempo, os Pezuela eram figuras de destaque, tanto nas
armas, como na política, ou na literatura. Dom Manuel já tinha
sido Vice-Almirante, participando de várias ações de guerra, o que
lhe valeu o título de «Herói do Pacüico».
Embora não existisse mais parentesco, a casa de Da. Dolores
continuou sendo, para Antônia, a mesma dos tempos em que vivia
o Papaíto: o mesmo carinho, as mesmas atenções, e , principalmente,
a mesma liberdade, como se estivesse em sua própria casa.
Quando a Preceptora estava para deixar a Côrte de Da. Maria
Cristina, não lhe faltaram convites, até de Rainhas, que desejavam
a sua companhia. E Da. Dolores fêz tudo para que a Sobrinha vol­
tasse a viver com ela, em Madrid. Mas não o conseguiu. Vendo agora
realizado aquêle seu desejo, tôda eufórica, dizia: Esperei três anos,
para que Antônia viesse morar comigo. Desta vez, quem a desejar,
que espere como eu também esperei. Da minha casa ela não sairá.
Regressando a Madrid, após quase 10 anos de ausência, Antônia
foi revivendo as antigas amizades, que exultavam com a sua volta
ao ninho antigo. A Rainha Isabel II, os Príncipes e Princesas rece­
beram-na com festas, no Palácio real. E uma alegria tôda particu-
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lar ela teve, quando se encontrou com a sua primeira aluna, Rosá­
lia, já casada com um senhor da alta aristocracia espanhola. Abra­
ços e lágrimas de alegria marcaram o encontro com sua antiga cole­
ga de trabalho, Mariquita. E não lhe faltou, logo nos primeiros dias,
a visita de uma Santa, a Viscondessa de Jorbalán (que viria a ser
Santa Micaela do Ssmo. Sacramento).
Passadas algumas semanas em Madrid, uma sua amiga, a Con­
dêsse de Umanes já a estava convidando insistentemente, para voltar
a trabalhar na Côrte, atendendo aos desejos de Isabel II. Mas An­
tônia conhecia bem o ambiente dos palácios, e não se deixou atrair
por aquela oferta, embora vantajosa; com delicadeza recusou o con­
vite.
Para Da. Dolores, a presença da Sobrinha em casa, acabou sendo
um verdadeiro presente do céu. O marido estava geralmente fora,
político e militar como era; os filhos no Colégio, e a filha Lolita,
cursando a Academia. Aquela casa era, mais ou menos, um deserto.
Dessa forma, era a Sobrinha quem, apesar dos seus afazeres, punha
um pouco de vida e movimento naquele lar. Deram-se muito bem as
duas primas, tornando-se Lolita aluna daquela ex-Preceptora de
Princesas. Antônia ensinava-lhe trabalhos, inglês, francês e italiano;
era-lhe, ao mesmo tempo, um modêlo de piedade sólida, e um exem­
plo de virtudes. Diante disso, Da. Dolores podia observar, tôda feliz:
Com Antônia, minha filha ganhou uma universidade completa ...
Durante o verão, fugindo ao calor de Madrid, a Família retirava­
se para uma chácara de veraneio, chamada «Las Avellanas», perto
de Os. A propriedade era bastante grande, e a residência, um verda­
deiro casarão, antigo Mosteiro abandonado pelos Monges Cartu­
sianos. Ali a solidão era completa, de modo que Antônia podia ficar
à vontade, com seus livros e escritos. Mesmo assim sabia apreciar
alguns passeios, com as distrações que ofereciam. Com muita graça
ela descreve como certa vez, em companhia de Da. Dolores e Lolita,
foi a uma festa familiar, num povoado próximo à chácara: «Logo
na primeira noite, foi dormir ao som de uma serenata, com que
os moços do povoado quiseram obsequiar minha prima, até uma
hora da madrugada. O almôço, no dia seguinte, parecia as Bodas de
Camacho . . . Uma panela enorme, com tudo o que era possível: coe­
lho, perdizes, carne assada, frango, costela, e não sei quanta coisa
mais ...
Foi por êsse tempo que chegou a Madrid o Redentorista Padre
Vítor Loyodice (falecido com fama de santidade) para estabelecer
na Espanha a Congregação do SSmo. Redentor. Residia à Rua do
Príncipe, numa casa muito pobre, e não sabemos bem como Antônia
o ficou conhecendo. É provável que, ao sair de Roma, Padre Loyodice
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trouxesse instruções do Geral Padre Mauron, para procurar a Se­
nhorita de Oviedo: com suas amizades, e com seus conhecimentos,
era ela a pessoa indicada para as primeiras informações necessárias.

Ciente de tudo, Antônia logo falou com Tia Dolores, e tôda a


Família recebeu com alegria a idéia de um Convento Redentorista
em Las Avellanas. Padre Loyodice foi a Os, e estêve alguns dias
hospedado na chácara de Da. Dolores. Gostou imensamente da re­
gião, e do antigo Mosteiro que os Pezuela ofereciam aos Redentoris­
tas. Informou de tudo o Padre Geral, e os doadores já davam como
certa a vinda dos «Ligorinos» para Las Avellanas.
Pouco tempo depois chegou a resposta do Padre Mauron. Agra­
decia a Antônia o interêsse que mostrara, bem como a generosidade
da Família; mas aconselhava o Padre Loyodice a iniciar a primei­
ra Fundação numa outra Província, dada a grande diferença entre
o dialeto catalão e o espanhol, o que iria dificultar bastante o tra­
balho dos Padres. Dessa forma ficou para mais tarde a chegada dos
Redentoristas a terras espanholas.

Todo entregue às suas obras de Apostolado, Dom José Serra vi­


via num convento de Religiosos, tendo a seu cargo a direção das
chamadas Escolas Dominicais, e o Hospital S. João de Deus, em Ma­
drid. Foi êste o principal cenário das suas atividades. Nesse hospital
conheceu, de perto, um problema bastante doloroso, que deu origem
à fundação de uma nova Congregação Religiosa.

Com todos os problemas de uma grande cidade, Madrid já co­


nhecia, naquele tempo, a situação difícil de muitas jovens que, após
uma vida leviana e infeliz, retiravam-se para os hospitais, levando
consigo a miséria do corpo e da alma. Havia, naquele Hospital S.
João de Deus, uma «Associação da Doutrina Cristã» composta de
senhoras, que se encarregavam de dar àquelas doentes a necessária
formação moral para que se convertessem; podendo iniciar, depois,
uma vida honesta e decente. Mas, acontecia que, deixando o Hospital,
muitas não conseguiam colocação, nem encontravam apôio, sendo
obrigadas, por isso, a viver na miséria, ou voltar ao pecado.
Tentando resolver êsse problema, a virtuosa Viscondessa de Jor­
balán fundou, a princípio um, e, depois, vários estabelecimentos, des­
tinados a receber aquelas jovens, encaminhando-as, depois, a algu­
ma colocação digna e honesta. Mas os estabelecimentos eram peque­
nos e os recursos não correspondiam, enquanto os pedidos iam sen­
do sempre mais numerosos, não só de Madrid, como de outras cida­
des. Com seu zêlo e espírito empreendedor, Dom José Serra come­
çou a estudar o assunto, disposto a lhe dar uma solução. E esta não
parecia muito fácil.

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Antônia já conhecia a Viscondessa de Jorbalán, tendo-a visto
várias vêzes na Côrte, e por referência à sua grande virtude. Embora
conhecidas, as duas ainda não eram propriamente amigas. Quase
orientador da Obra iniciada pela Viscondessa, Dom José fêz tudo
para atrair Antônia àquele apostolado. E nisso não lhe faltou tam­
bém a cooperação da Fundadora dos Estabelecimentos, que, ao co­
nhecer pessoalmente a Senhorita Oviedo, viu logo suas extraordiná­
rias qualidades. As duas tornaram-se então grandes amigas, anima­
das como estavam pelo mesmo ideal de virtude e apostolado.
Como a Viscondessa havia fundado uma Congregação para cui­
dar dos seus Estabelecimentos, Dom José Serra achou que, para
Antônia, era aquela Vida religiosa indicada. Aconselhou-a, com
insistência, a ingressar naquela Congregação, que oferecia um cam­
po imenso de apostolado à sua atividade e aos seus dotes de Educa­
dora. Prevalecendo-se da sua amizade, a Fundadora também fêz o
possível para que Antônia a acompanhasse naquela Obra. De mil
maneiras o anzol foi lançado, ora pelo Bispo, ora pela Viscondenssa.
Mas, dada a sua formação, a Senhorita Oviedo pão se deixou prender,
pois aquêle era um apostolado que a não atraía. Humanamente fa­
lando, não era aquêle um trabalho digno de uma antiga preceptora
de Princesas.
Mal sabia ela que, com tôda a sua virtude e formação, Deus a
queria justamente naquele apostolado que nunca lhe passara pela
mente. Ninguém poderia imaginar que a Senhorita Oviedo, com sua
cultura e distinção, fôsse acabar numa atividade tão estranha para
aquêles tempos.
Sendo de Deus, como era, a Obra da Voscondessa de Jorbalán
tinha que ser provada pela incompreensão e acusações injustas. O
Diretor da Associação da Doutrina Cristã escreveu a Dom José Serra
uma carta bastante azêda, na qual formulava queixas e mais quei­
xas, contra a Santa Viscondessa. E, sabendo da influência que o Bis­
po tinha sôbre aquela Senhora, pediu-lhe que fizesse ver à Fundado­
ra dos Estabelecimentos, a injustiça que estava cometendo, ao rece­
ber e amparar jovens de fora, enquanto as do Hospital S. João de
Deus ficavam na rua. Até na Côrte a Viscondessa não era bem vista,
dizendo alguns que ela era uma louca, e outros, que ela não passava
de uma exploradora.
Dom José examinou calmamente o assunto, concluindo que as
acusações eram de todo injustas. O que existia, na realidade era uma
certa prevenção contra a Viscondessa, por ter tido a coragem de
sair da sua grandeza, para realizar um apostolado que ninguém
queria realizar. Seus estabelecimentos eram poucos, acanhados, e
sem recurso. Daí que muitas jovens necessitadas não fôssem rece­
bidas. E, vendo mais longe, Dom José achou que urgia dar ao pro­
blema uma solução mais ampla, com organização mais aperfeiçoada.
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O grande Bispo Missionário viu logo que não bastava remediar
o mal, dando colocação às egressas dos hospitais. Muito mais impor­
tante era impedir que as jovens se perdessem, oferecendo formação
e amparo àquelas que se vissem ameaçadas, devido à pobreza ou a
problemas de família.
Atendendo os doentes do Hospital S. João de Deus, Dom José
pôde conhecer, de perto, verdadeiras conversões, entre as jovens de
vida infeliz. Mas, deixando o Hospital, como iriam elas perseverar no
bom caminho, sem amparo e sem assistência espiritual? Essa era
uma triste situação que devia ser remediada. E porque não a preve­
nir, impedindo que as jovens enveredassem pelo mau caminho? Essa
era, sem dúvida, a medida mais acertada; mas para realizar o seu
plano, Dom José via pela frente as mais sérias dificuldades. Come­
çava pela extrema falta de recurso. Os Poderes públicos já não olha­
vam com simpatia o trabalho da Viscondessa de Jorbalán. E, para
as famílias ricas, não cheirava bem um Apostolado daquela natureza.
Todos achavam que as ovelhas perdidas não tinham mais direito de
voltar ao rebanho, e, muito menos, pelas mãos de um Bispo.
Diante dessa mentalidade, onde encontrar pessoas que se dis­
pusessem a trabalhar em favor das jovens necessitadas? Antes de
tudo, era preciso pensar numa Diretora responsável, que se colocas­
se à frente de tôdas as atividades, com o espírito de sacrifício que
aquela Obra iria e xigir. Dom José pensou logo em Antônia. Admi­
rada pela sua piedade e cultura, não lhe faltavam a experiência, a
capacidade para o trabalho, e em caridade cheia de compreensão.
Era, portanto a pessoa indicada para aquêle cargo.
Quando Sta. Micaela do SSmo. Sacramento pensou em se dedi­
car às jovens necessitadas, o Padre Pedro Ruiz, seu conhecido, pro­
curou dissuadí-la, fazendo-lhe ver que aquêle trabalho não ficava
bem para uma Viscondessa, e que nêle já tinham fracassado um S.
Vicente de Paulo, e muitos outros. Mas a resposta foi esta: Padre Pe­
dro: assunto de mulheres é com as mulheres! - Dom José sabia mui­
to bem disso. E compreendeu que, naquela Obra de apostolado, êle
devia ser apenas a cabeça pensante. O coração e a alma de tudo tinha
que ser uma mulher que se chamava Antônia de Oviedo. E, se con­
tava com a capacidade da sua dirigida, não duvidava também da
sua compreensão para com uma iniciativa tão urgente e necessária.
Qual não foi, porém, a sua surprêsa, quando, ao falar da Fun­
dação, encontrou da parte de Antônia, uma ressistência verdadeira­
mente espanhola. Lembrando a dignidade e respeito que sempr� ha­
viam marcado sua vida, o nome de sua Família, e seu desejo de in­
gressar no Carmelo, era até com certa repugnância que Antônia pen­
sava naquele Apostolado. Conviver e tratar com pessoas que tinham
perdido o nome e a honra; dedicar-se, qual uma mãe, àquelas que
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todo mundo desprezava. . . embora admitindo a urgência e o mérito
daquela Obra, de modo algum podia reconhecer que Deus a estives­
se chamando para tão estranha atividade. Nunca havia pensado nes­
se trabalho; e agora êle a estava martirisando.
Para estudar melhor o assunto, Antônia se recolheu a um Con­
vento de Religiosas, e iniciou um rigoroso Retiro, anotando em seu
Diário: Quero pertencer somente a Deus, e l!:le me irá dizer como
devo realizar êsse meu desejo. - A idéia que sempre alimentara
de ingressar no Carmelo, tornava-se agora mais viva e insistente.
Achou que, afinal, tinha chegado o momento de realizar o seu sonho,
e foi tratar com a Madre Superiora das Carmelitas. Certa de que iria
ser recebida no claustro que tanto desejara, teve que aceitar, como
um golpe, a palavra da Superiora: A Sra. não deve entrar para o Car­
melo; seu lugar é no mundo, entre Deus e as almas!

E DEUS SE MANIFESTOU
Dom José continuava insistindo em seu plano de abrir um Edu­
candário, para receber não somente as egressas dos Hospitais, mas
também as jovens pobres ou abandonadas, que necessitassem de
orientação e de apoio. E a Diretora tinha que ser a sua Dirigida, já
que qualidades não lhe faltavam. Mas Antônia não podia sequer pen­
sar naquele Apostolado. Sua resistência era cada vez mais firme, e
não havia argumentos que a pudessem convencer. No entanto, tinha
pela frente a vontade férrea de um Bispo espanhol, que não sabia
voltar atrás. Ante as recusas de Antônia, êle lhe disse, afinal: Faça
como quiser; se eu não achar quem me ajude, vou iniciar essa Obra
sozinho. - Mas essa firmeza rude não chegou a abalar a delicada fir­
meza de sua Dirigida. A situação entre Diretor e Dirigida começava
a se tornar tensa; e, para o impedir Antônia achou uma s.i.ída: Nós
poderemos - dizia ela, realizar êsse Apostolado, mas de um modo in­
direto. Vossa Excia. orienta o trabalho, e eu irei cooperar, conseguin­
do esmolas e donativos. Mas, nem Vossa Excia. nem eu podemos ter a
responsabilidade de uma Obra dessa natureza.
Como se vê, enquanto mostrava uma certa boa vontade, Antô­
nia tentava, com muita delicadeza, afastar o seu Diretor daquela
idéia de fundar o Educandário. E, cumprindo a sua palavra, saiu,
um dia, a visitar uma casa de egressas dos Hospitais. Levou consigo
muitos presentes, e fêz logo amizade com a Diretora responsável,
embora esta, a princípio, não se mostrasse nem muito amiga nem
muito atenciosa.
Interessando-se pelas jovens daquela casa, Antônia conversou
longamente com elas, e constatou ali casos consoladores de conver­
são e boa vontade. Impressionada com essa primeira visita, foi ter
com Dom José, dizendo-lhe que estaria pronta a procurar as jovens
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necessitadas, para as ajudar. Mas isso era o máximo que podia fazer.
Fundar Educandário, e enclausurar-se com aquelas jovens, para as
dirigir .. . de modo algum! Não se sentia com qualidades para uma
Obra tão delicada, e nem tinha coragem para iniciar um Apostolado
que todos lhe desaconselhavam.
Mas o Bispo não desistia dos seus planos. O problema era muito
sério, justamente por que todos o queriam ignorar e fugir. Era ne­
cessário que alguém se interessasse pelas ovelhas extraviadas, ofe­
recendo-lhes o zêlo e a compreensão do Bom Pastor. Elas também
pertenciam ao rebanho e à Redenção de Cristo. Com Antônia, ou
sem Antônia, aquela Obra tinha que ser iniciada, e quanto antes.
A Senhorita Oviedo, sem o perceber, já havia cedido um pouco
na sua resistência. Pelo menos já se prontificara a procurar as jo­
vens abandonadas. Mas isso não era tudo; aquêle Apostolado exigia
muito mais. Pouco satisfeito, Dom José lhe disse, um dia: Reze, reze
muito, para compreender que é o denômio quem lhe está inspirando
essa resistência à Vontade de Deus. Deixe de lado o seu mêdo, pois,
quem já renunciou a tudo, não teria coragem de se consagrar intei­
ramente às almas? Onde estão aquela generosidade e fortaleza de
que já deu tantas provas? Um dia a Senhora disse que gostaria de
ser homem, para ser Missionário. Pois bem; Deus a quer Fundadora,
Missionária, e Mestra de Missionárias.
Como último recurso, o Bispo lhe mandou que fôsse rezar diante
do altar de Nossa Senhora do Bom Conselho, na igreja de Santo Isi­
doro. Fôra ali que, século antes, São Luís Gonzaga também resolve­
ra a sua vocação.
Antônia obedeceu. Dirigiu-se à Igreja, e, quando já tinha per­
corrido um bom trecho do caminho, começou a sentir uma irrepri­
mível repugnância por aquela Obra que o Bispo lhe indicava. E se
a Virgem do Bom Conselho lhe inspirasse aceitar aquêle Apostola­
do? ... :Êste pensamento e deixou apavorada, e resolveu não conti­
nuar até à igreja; voltou para a casa, firme na sua resistência. Ou­
viu então uma voz que lhe disse: Aquela que não quer ouvir o conse­
lho de sua Mãe, não é boa filha. - Tão claramente ouviu essas pala­
vras que olhou para trás, procurando saber quem lhe estava falando.
Mas não viu ninguém. Assim ela mesma o relatou, anos mais tarde.
Fazendo um esfôrço tremendo, Antônia continuou o seu cami­
nho, em direção à Igreja. Ali chegando, foi ajoelhar-se diante do al­
tar de Nossa Senhora, onde ficou em oração, durante algum tempo.
11.:sse foi o seu Getsêmani. Ali conheceu a Vontade de Deus a seu
respeito, e se conformou. Em poucos momentos ela viveu uma luta
terrível contra si mesma, e venceu, aceitando uma missão que nunca
estivera em seus planos. Por tôda a vida iria dar seu amor e dedica-
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ção àquelas que o mundo despreza, depois de as ter feito suas ví­
timas.
Tantos anos ela passara rezando, para conhecer a própria Voca­
ção! Tantas vêzes havia pensado ingressar no Carmelo, sem chegar
a uma decisão, porque Deus a reservara para um Apostolado que nin­
guém queria enfrentar. Agora, diante daquela imagem de Nossa Se­
nhora, ela acabava de reconhecer a Vontade de Deus. Com todo o seu
zêlo e dedicação, nunca havia pensado entregar-se a um trabalho de
que todos fugiam e até olhavam com desconfiança. Contra todos os
seus desejos, planos e inclinações, ela acabou aceitando aquela mis­
são unicamente porque, de alguma forma, a Virgem do Bom Conse­
lho lhe fizera ver que Deus assim o queria.
Naquele momento Antônia fêz o maior sacrifício da sua vida,
renunciando pràticamente a sua formação e a sua cultura, seus pla­
nos e suas amizades, para se dedicar àquelas que a sociedade cobre
com seu desprêzo. Ao deixar a igreja de Sto. Isidoro, ela não era
mais a Senhorita Oviedo, Educadora de Princesa, nem a inteletual,
cujos talentos brilharam nas altas rodas de Paris ou de Roma. Tudo
recebera de D2us, para lhe devolver tudo, num sacrifício que nunca
havia previsto. Sua resistência em aceitar aquêle Apostolado era
uma prova evidente de que não estava seguindo um simples gôsto,
ou capricho pessoal. Nunca teria iniciado aquela vida, se não tives­
se certeza de que Deus assim o estava exigindo. Nada mais pôde fa­
zer senão repetir: Seja feita a vossa Vontade!
A primeira batalha estava ganha; e a vitória pertencia a Dom
José Serra, que exultou de alegria, quando Antônia lhe comunicou
o resultado de sua visita ao altar de Nossa Senhora. Aquela mudança
repentina confirmava-o na idéia de que a sua Obra era realmente
de Deus.
Mas uma segunda batalha estava para começar, bem mais dura
e mais prolongada. Tendo vencido a própria resistência Antônia pre­
cisava enfrentar a oposição de todos aquêlcs que começaram a com­
bater e desaconselhar a resolução que tomara. Muito suor e muita
lágrima ela derramou, quando, ao sair daquele Getsêmani, iniciou a
subida de um verdadeiro Calvário de incompresnsões, de zombarias,
e até de suspeitas. Para seus parentes, e em meio às suas amigas, a
notícia dos seus planos estourou como uma bomba. Ninguém podia
crer que, com sua cultura, e com sua delicada elegância, a Senhorita
Oviedo fôsse pensar em coisa semelhante. Chegaram a pensar que se
tratava de uma crise nervosa... Cartas e mais cartas lhe chegaram
às mãos, dizendo que refletisse melhor; que não se deixasse levar
pelos delírios de um Dom José, ou pelas alucinações de uma Viscon­
dessa de Jorbalán; e que não renunciasse à própria formação nem ao
seu nome de família. Mal sabiam os seus opositores o quanto lhe cus-
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tara tomar aquela resolução. Antônia, porém, não se deixou intimi­
dar, certa como estava de que aquela era a Vontade de Deus.
Sua velha amizade, Dom Antônio Rúbio, também não deixou de
se manifestar. E o fêz com aquela pontinha de ironia que o carate­
rizava: Soube - diz êle - que não lhe bastando tôdas as dores de
cabeça que lhe dão suas Escolas Dominicais, seus paramentos, seus
pagãos da África, e seus Retiros, a Sra. resolveu também ser Funda­
dora, abrindo uma oficina de ortopedia moral, para senhoritas mais
ou menos retorcidas. Certamente uma iniciativa muito santa, mas
que não fica bem para uma Senhorita Oviedo. - Antônia tinha pa­
vor só em ouvir o têrmo «Fundadora», pois sabia muito bem todo o
veneno que então se dava a êsse título. Mas aceitou a humilhação.
Semanas depois, sabendo que ela já tinha alugado uma casa, pa­
ra dar início à sua Obra, os dois irmãos Rúbio, numa carta bastante
extensa, expunham suas apreensões a respeito daquela iniciativa. En­
tre outras coisas diziam: Cremos que a Sra. já ouviu falar da Irmã
Patrocínio, do Padre Claret, e da Viscondessa de Jorbalán, sôbre
cujas atividades a língua do povo, com ou sem razão, deixou cair as
mais graves suspeitas políticas. Nosso receio é que a Sra. também
seja incorporada a essa classe de Fundadores. Se as más línguas a
incluírem no número daqueles que passam por inimigos do Govêrno,
pode estar certa de que sua Fundação nunca terá a simpatia do Palá­
cio. E será difícil que isso não aconteça, pois sabemos como, nesses
casos, o que menos se prevê são os recursos financeiros, porque todos
contam com a Rainha Isabel. Ela os irá fornecer, e a Sra. passará a
ser aqui uma nova Irmã Patrocínio, ou Viscondessa de Jorbalán.
Corretíssimo, porém, e sensato como era, Dom Antônio reconhe­
ce que pode estar enganado, pois, diz êle, um Bispo sempre saberá
distinguir melhor o que é do céu, e o que é da terra. - E acrescenta:
uma vez que a casa já foi alugada, e as listas de auxílios já estão cor­
rendo pela cidade, não há mais o que discuitir nem aconselhar. Só me
resta desejar a bênção de Deus para a Sra. e sua Obra. Sei que, co­
nhecendo a minha oposição neste caso, muitos irão dizer que estou
sendo enganado pelo espírito do mundo, ou que me tornei um agente
disfarçado de Satanás, para meter o bedelho em assunto que não é
da minha conta. Queira dizer a todos que eu não sou assim tão mau,
nem tão mundano, apesar das aparências. E conte sempre com a mi­
nha cooperação.
Com ares de boa vontade, estas últimas palavras não puderam
apagar em Antônia, a mágoa profunda que a carta lhe causou. Res­
pondendo a Dom Pedro, ela disse: Os Srs. me conhecem bastante, e,
por isso, podem imaginar o quanto sofri com tudo o que me escreve­
ram. Chorei amargamente, porque essa falta de compreensão, que
eu não esperava, foi dura demais para mim.
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Logo depois, no entanto, ela mostrava a firmeza da sua resolu­
ção, anunciando a Dom Antônio: Posso agora comunicar que o Car­
deal-Arcebispo aprovou a Fundação. Tenho certeza de que esta Obra
é de Deus, pois f:le está vencendo em tôda linha. - Mesmo assim
a oposição continuava, e ainda no ano seguinte, numa carta a Titina,
ela dizia: Parentes e amigas esqueceram completamente a esta pobre
enclausurada. Desde que iniciei a Fundação, vejo que os Srs. Rúbio
não têm mais, para comigo, a mesma amizade que tinham antes.
Alugada a casa, Antônia teve que passar algumas semanas in­
teiramente ocupada nos preparativos necessários, e ela mesma saiu a
fazer as compras para os dormitórios, cozinha, salas de trabalho
etc. A 7 de junho de 1864 entravam as duas primeiras jovens, uma
francesa e outra espanhola, ambas egressas do Hospital São João
de Deus, convertidas por Dom José Serra. Situada no povoado de
Ciemposuelos, perto de Madrid, a casa, pequena e pobre, não compor­
tava mais do que dez pessoas. Mas era a primeira semente da grande
Obra que a Providência queria realizar.
Antônia não ignorava as dificuldades que teria de enfrentar,
logo nos primeiros meses. Além da incompreensão, das zombarias
e calúnias que lhe vinham de fora, tinha que se desdobrar dentro
de casa, para atender a tôdas as necessidades, e resolver todos os
problemas que surgiam. A princípio tinha como auxiliar uma viú­
va piedosa e de confiança, que logo se cansou, e desistiu daquele tra­
balho. A Diretora ficou sozinha, para dirigir a casa, angariar auxí­
lios, fazer compras, e cuidar da formação das reclusas.
Como se pode imaginar, as jovens não primavam pelo bom com­
portamento, de modo que a Diretora não as podia abandonar um
momento sequer. Certo dia, em que foi à cidade para umas compras,
Antônia, ao voltar, encontrou a sala de trabalhos transformada nu­
ma praça de guerra, onde algumas já se agarravam pelos cabelos, e
outras, empunhando cadeiras, preparavam-se para fazê-las voar sô­
bre as cabeças inimigas. . . Mas tudo se acalmou, ante a mansidão e
bondade daquela Diretora, que sabia muito bem não estar educando
Princesas, na Côrte de Madrid. Aquêle tempo já havia passado, e
agora, ela compreendia melhor os caminhos que a Providência lhe fi­
zera percorrer.
Tendo vivido como Preceptora, em palácio de Florença, de Ma­
drid ou de Paris, a Senhorita Oviedo de outros tempos, estava agora
vivendo enclausurada numa casa que muitos olhavam com desprê­
zo, e até com suspeitas. Deus a elevara tanto, para que, depois, a sua
humilhação aparecesse melhor aos olhos do mundo. Quem teria adivi­
nhado que aquela Preceptora do Palácio real fôsse acabar como edu­
cadora de jovens extraviadas, em meio àquela pobreza de Ciempo­
zuelos? Só mesmo um grande e apaixonado amor às almas podia rea­
lizar êsse milagre. E, de fato, o realizou.
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XI

OBLATAS DO SSMO. REDENTOR

Naquele Educandário que abrira, a Senhorita Oviedo era conhe­


cida como a Diretora, de cuja prudência e capacidade tudo dependia.
Mas, para aquelas jovens que a Providência lhe confiara, Antônia
quis ser mais do que uma simples autoridade no govêrno da Casa.
Aquelas reclusas precisavam de alguém que as compreendesse e se
interessasse por elas, um coração que lhes desse o que outros lhes
haviam negado. Para tôdas Antônia ficou sendo logo uma verdadeira
mãe, que soube ganhar a confiança de suas filhas com uma caridade
a tôda prova. Essa tinha sido a base da sua pedagogia, nos anos que
trabalhara na Côrte; e agora, o seu método continuava o mesmo.
Para aquelas almas que ali chegavam, desiludidas ou desesperadas,
que nunca tinham provado o amor de uma mãe, ou a compreensão
de uma amizade sincera, nada mais reconfortante que a figura amá­
vel de uma Diretora cheia de bondade e de atenções para com tôdas.

Um dos primeiros cuidados de Antônia, logo depois de abrir o


Educandário, foi preparar as suas filhas para a entrada de N. Se­
nhor naquela casa. A presença eucarística do Mestre era ali indispen­
sável. Sem perder tempo, e aproveitando o seu esmerado gôsto ar­
tístico, em poucos dias a Diretora aprontou a Capela do Educandá­
rio, simples, mas atraente e acolhedora. Dom José Serra ali celebrou
a Sta. Missa, entre os cânticos e orações daquelas jovens que não sa­
biam como agradecer à sua Diretora. Tôdas comungaram, e algumas
não puderam conter as lágrimas, enquanto o Celebrante lhes dirigia
a palavra. Naquele dia tudo foi festa no Educandário, e as jovens
compreenderam que, apesar de tudo, elas também podiam viver na
companhia de N. Senhor, graças ao carinho e interêsse de uma ver­
dadeira mãe, que ali tinham encontrado.

Recebendo, não somente as egressas dos Hospitais, mas tam­


bém as que se achavam no perigo, aquela Casa logo se tornou peque­
na e insuficiente. A Diretora já atenta a êsse problema, preo-

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cupada em conseguir uma casa que pudesse receber maior número
de necessitadas, e com facilidades para os recreios, festas e jogos.
Esta parte recreativa sempre mereceu a sua atenção, compreendendo
que precisava ressuscitar aquelas almas para uma alegria inocente
e pura.
Certo dia, pela rua, pensando como ampliar o seu Educandário,
Antônia deu com os olhos num velho casarão, antigo Mosteiro Fran­
ciscano, confiscado pelo Govêrno, já fazia muito tempo. Abando­
nada durante 30 anos, a construção estava pràticamente em ruínas,
exigindo uma reforma completa. Mas isso não era problema, já
que o trabalho podia ser realizado aos poucos. O que mais interessa­
va a Antônia era o terreno anexo, que oferecia tôda largueza para
recreios, jardins, horta e pomar.
A Diretora não precisou pensar muito. Naquele mesmo dia de­
cidiu adquirir o velho Mosteiro, para nêle instalar o seu Educandá­
rio. Mas, prevenindo futuros aborrecimentos, não procurou favor al­
gum do Govêrno, o que lhe teria sido fácil, dadas as suas amizades.
O que fêz, sem demora, foi escrever cartas para todo mundo, a come­
çar pela Rainha Da. Maria Cristina, expondo a situação, e pedindo
que a ajudassem. Suas amigas de Madrid, de Paris e de Roma aten­
deram generosamente ao seu pedido, de modo que, expirando o prazo
de aluguel da casa que ocupava, Antônia pôde avisar a proprietária
de que, dentro de um mês, estaria pronta a lhe devolver as chaves.
Ao tratar da compra do antigo Convento, e respetivo terreno, a
Diretora conseguiu do Govêrno um prazo de 20 anos para o paga­
mento; dessa forma pôde empregar os recursos que recebera, na re­
forma da igreja anexa, acrescentando ainda mais um andar à cons­
trução. Nessa ala nova - assim escreveu a Titina - vou ter um pe­
queno escritório, ligado à tribuna da igreja; basta abrir uma porta,
e, lá de cima, estarei vendo o Sacrário. Mais cu não desejo. Agora
estou preparando os paramentos e adornos para a nossa capela. Aquê­
le meu vestido creme, de feliz memória, será transformado numa
linda coberta para o altar; do meu xale branco já fiz um véu para o
Sacrário, e os outros irão adornar o púlpito, nas grandes solenidades.
E já fiz uma rifa de tudo o que eu possuía para festas e recepções;
assim espero conseguir o que ainda nos falta: Quadros, imagens, cus­
tódia etc. E, já que Você me pergunta, posso informar que não fiz
os Votos religiosos; apenas renovo aquêle que já tenho, de modo
que não sou propriamente uma Religiosa, embora viva enclausurada
neste velho Mosteiro.
A 19 de março (1866) foi inaugurado o nôvo e definitivo Edu­
candário, que, logo, viria a ser berço de uma nova Congregação Re­
ligiosa. O Capelão da Casa era o próprio Dom José; e os Irmãos
Rúbio, já convertidos para aquela Obra, fizeram questão de pre-
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sentear o Educandário com um riquíssimo quadro da Sagrada Fa­
mília, encomendado em Paris. A Diretora pôde então organizar me­
lhor o programa de formação d&s jovens, e, numa carta da Titina,
deixou transparecer o zêlo com que trabalhava: Precisamos salvar
essas almas, criadas à imagem de Deus e remidas com o Sangue di­
vino. Sim, salvá-las, se nós também nos queremos salvar. - E, como
a Infante lhe pedisse fôsse à Suíça, passar uns dias com Amparo, que
se achava doente, Antônia lhe respondeu: Agora não me pertenço
mais; sou escrava daquelas que precisam de mim. Disse adrns ao
mundo, e só desejo a solidão. Reze para que eu seja tão santa, quanto
minhas amigas pensam que sou.
Passados alguns meses após a inauguração, o Educandário esta­
va completamente lotado - prova de que era realmente uma Obra
necessária. A única condição que a Diretora exigia das jovens que
a procuravam, era arrependimento, com a decisão sincera de uma
mudança na própria vida. A princípio, Dom José estabeleceu que ne­
nhuma jovem fôsse admitida duas vêzes; mas, com sua compreensão
e bondade, a Diretora conseguiu mudar essa determinação. Mesmo
depois de abandonar o Educandário, ql!alquer jovem poderia ser no­
vamente aceita, contanto que desse provas de sincero arrependimen­
to, porque a paciência e o zêlo da Diretora não conheciam limites.
Crescendo sempre mais o número de educandas, o trabalho na­
quela casa foi-se tornando também cada vez mais pesado e difícil.
Antônia desdobrava-se para atender a tôdas e a tudo; mas, aos pou­
cos, teve que reconhecer a urgente necessidade de outras fôrças, que
a viessem auxiliar. Assuntos a tratar com as Autoridades, compras
a fazer em Madrid, formação das meninas, recursos para manuten­
ção da Casa, eram tôdas obrigações que não podiam recair sôbre os
ombros de uma única pessoa. Mas, como resolver o problema? Dom
José achou que a solução era confiar a Obra aos cuidados de uma
Congregação Religiosa, pois empregadas para um trabalho daquela
natureza nunca as iria encontrar, e nem haveria recursos para isso.
Não seria fácil encontrar uma Congregação que quisesse cuidar
daquela Obra, recém-fundada, e sem qualquer patrimônio que a pu­
desse garantir. Depois de várias tentativas sem êxito, Antônia con­
seguiu quatro Religiosas para o trabalho do seu Educandário. Eram
Terciárias Franciscanas, de fundação recente, na França.
Em dezembro de 1865, elas chegaram a Ciempozuelos. Mas, pas­
sado ano e meio já estavam decididas a abandonar a Obra. As difi­
culdades, que já se previam, não foram pequenas, principalmente
porque, não tendo formação adequada para aquêle Apostolado, as
Religiosas nunca chegaram a se entrosar nos planos e idéias da Dire­
tora, que continuava sendo a Senhorita Oviedo. Dessa forma, em
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99
Juneiro de 1867, abandonaram o Educandário, e, mais uma vez, An-
1 ônla recebeu sôbre seus ombros, todo o pêso daquela Fundação.
Com os olhos postos na Providência, a Diretora não desanimou,
<' dirigiu-se logo a Bilbao, à procura de outras Religiosas que a pu­
dessem ajudar. Mas nada conseguiu. No entanto, uma alegria con­
soladora a esperava naquela cidade, e ela a transmitiu, numa carta
it sua amiga Da. Eulália Vicunha, dizendo: A primeira reclusa que
tive em Ciempozuelos, aquela francesinha de nome Maria Sarat, fa­
leceu nestes dias, aqui em Bilbao; morreu nos meus braços e posso
dizer que teve a morte de uma santa.
Após a fracassada experiência que fizera com as Terciárias Fran­
ciscanas, Dom José, estudando melhor o problema, concluiu que, o
mais acertado, era ter pessoal próprio para cuidar dos Educandários.
Aquela Obra estava destinada a se desenvolver, e não podia ficar
dependendo de Congregações que tivessem outras finalidades que
cumprir. Impunha-se, por isso, a fundação de uma Congregação Re­
ligiosa, que se dedicasse exclusivamente à formação das jovens in­
felizes, ou em perigo de se perderem.
Antônia ficou apavorada, quando o Bispo lhe comunicou essa
idéia, como única solução que encontrara. A Diretora viu logo aon­
de teria que chegar: Ser Fundadora de uma nova Congregação reli­
giosa. Nisso ela nunca tinha pensado, e nem podia acreditar que Deus
lhe estivesse indicando aquela solução. Resolveu assim tentar todos
os meios, para que Dom José renunciasse àquela idéia. Como pensar
numa nova Congregação, se o Educandário já lhe tomava todo o tem­
po, e lhe consumia tôdas as fôrças?
Antônia não perdeu tempo. Viajou logo para diversas cidades,
e escreveu para tôdas as Superioras suas conhecidas, tentando con­
seguir Religiosas para a sua Obra. Tudo foi inútil. Deus lhe fechou
todos os caminhos, deixando aberto apenas um, justamente aquêle
que lhe parecia o mais difícil, e o menos indicado: Fundar e dirigir
um nôvo Instituto Religioso. Mais uma vez a Vontade de Deus a sur­
preendia, exigindo-lhe um sacrifício que nunca estivera em seus pla­
nos. Embora se recusasse a pensar sequer numa nova Congregação,
as circunstâncias iriam mostrar, com o tempo, que outro remédio
não havia. Era a solução de Deus, pois, mais uma vez, iria agir sà­
mente por obediência.
Vendo fracassados os seus esforços para conseguir Religiosas
que a auxiliassem, a Diretora resolveu, mais uma vez, aceitar sà­
zinha o pêso de todo aquêle trabalho. Fundar uma nova Congrega­
ção parecia-lhe emprêsa arrojada demais para as suas fôrças. No
entanto, não lhe faltava inteligência para compreender, como real­
mente compreendia, que aquela era a única solução. Não queria, po­
rém, forçar os acontecimentos.
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100
Por isso, fechou-se no Educandário, dedicando-se inteiramente
à formação e ao cuidado de suas filhas. Reduziu de tal maneira a sua
correspondência epistolar, que as amigas começaram a lhe escrever,
preocupadas com aquêle silêncio. Numa carta a Titina, ela explica­
va: Agora eu só quero a solidão. Mais do que nunca preciso rezar,
para que Deus não me abandone. - Ela já estava prevendo que, mais
cedo, ou mais tarde, teria que pensar na nova Congregação; e não
ignorava o quanto iria precisar de Deus para aquela iniciativa.
Sabendo que as Terciárias Franciscanas haviam abandonado o
Educandário, algumas senhoras puseram-se à disposição de Antônia,
para ajudá-la no que fôsse possível. Entre elas aparece uma mexica­
na da alta sociedade, Dona Trindade Carrenho, que, com muita dedi­
cação e competência, dividiu com a Diretora os encargos da Casa.
Mas a sua colaboração durou pouco. A pobreza daquela vida de sa­
crilício e problemas de família, contribuíram para que ela não perse­
verasse. Mesmo assim foi um braço direito para Antônia, que, muitas
vêzes, reconheceu e elogiou suas grandes qualidades.
As demais auxiliares também não continuaram por muito tem­
po; apareceram outras, mas isso não impediu que Dom José fôsse
alimentando, sempre mais, a idéia de uma Congregação religiosa,
dedicada exclusivamente àquele Apostolado.
Em meio às preocupações do Educandário, Antônia teve ainda
que passar por grandes aborrecimentos, que lhe teriam quebrado a
coragem, não fôsse a sua grande confiança na Providência. Naque­
les anos, indo de mal a pior a situação econômica do país, o Govêrno
cortou uma pequena verba que vinha destinando ao Educandário. Da
sua parte, o Duque de Riánzares também teve que suspender a pen­
são que pagava à antiga Preceptora do seu Palácio. Algumas Ações
que ela possuía numa Companhia de Estradas de Ferro, fazia dois
anos que nada lhe rendiam. Com isso, além de não poder ajudar as
despesas da Casa, com o que ganhava, Antônia passou a viver prà­
ticamente de esmolas.
Outra preocupação muito grande para a Diretora era o estado
de saúde de Dom José, que começava a inspirar sérias apreensões.
E, o que era pior, o orientador, responsável pelo Educandário, não se
poupava no trabalho, e abusava das próprias fôrças como se tivesse
uma saúde de ferro. Certo dia, estando acamado, devido a uma inso­
lação, contra tôdas as proibições médicas, empreendeu uma viagem
a Valdemoro, porque assim o exigia o interêsse da sua Obra. Comen­
tando o fato, que todos diziam uma imprudência, Dom Antônio Rúbio
escreveu à Diretora: A Sra. sabe que não gosto de brigar com nin­
guém; e, desta vez, preciso brigar. Mas, como se briga com um Bis­
po? Disso a Sra. entende melhor do que eu. Diga a Sua Excelência
que essa insolação e essa viagem de Valdemoro são verdadeiras
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101
tentativas de suicídio. Faça-lhe ver que, para haver suicídio, nem
s1·mpre é necessário revólver, ou carta de despedida ...
Durante uns quatro anos, após a inauguração do Educandário,
Antônia tinha feito os maiores sacrifícios, para reformar o casarão
que comprara do Govêrno. A custo conseguira dar um aspecto
mais ou menos apresentável àquele Mosteiro que recebera em rui­
nas. Mas, como aquela Obra era de Deus, tinha que ser provada, e
de mil maneiras.
Em março, de 1869, tendo irrompido um incêndio numa proprie­
dade vizinha, o fogo logo se alastrou, alcançando o Educandário e a
igreja anexa. Dom José, com uma coragem inaudita, enfrentou as
labaredas e rolos de fumaça, conseguiu salvar o Sacrário, e as âm­
bulas nêle depositadas. Alguns homens da vizinhança correram para
apagar as chamas que devoravam o velho madeirame da construção.
Entre êles estava um indivíduo de má vida, ateu, que, do alto de uma
janela, na igreja começou a caçoar das obras de Deus, atingidas pe­
lo fogo sem a menor cerimônia. Com tôda energia Antônia o mandou
embora, gritando-lhe debaixo: Desça daí! Prefiro ver tudo em cinzas,
do que ouvir blasfêmias; Deus não precisa do seu trabalho! - As
jovens educandas, longe de se amedrontarem, trabalharam com to­
do empenho, salvando o que podiam. E até algumas jovens que já
estavam colocadas em Madrid, logo que souberam do ocorrido, diri­
giram-se para Ciemposuelos, interessadas em salvar aquêle Educan­
diário ao qual tanto deviam.
Diante daquele desastre, e vendo o estrago causado pelo fogo,
tanto na igreja como na casa, Antônia nada mais fêz senão juntar
as mãos, e exclamar: Bendito seja Deus por tudo! - essa palavra
de admirável conformidade, ela a repetiu depois, numa carta em que
relatava a Titina a desolação em que ficara o Educandário. E acres­
centava: Dias antes eu havia sonhado que estava sendo levada para
o martírio; mas acordei no momento em que iam cortar-me a cabeça.
Agora vejo que esta vida, às vêzes, é também um martírio.
As ruínas que o incêndio amontoou na Casa ou na igreja, não
abalaram a tenacidade de Dom José, nem desanimaram a firmeza de
Antônia. Ambos começaram logo a reconstrução, sabendo que o de­
mônio não iria olhar, com bons olhos, uma Obra destinada a fazer
tanto bem. Vamos reconstruir primeiro a Casa de Deus - disse An­
tônia às suas filhas - depois J;:le irá reconstruir a nossa casa.
Mais uma vez a Diretora começou expedir cartas em tôdas as
direções, batendo à porta das suas amizades. E foram chegando as
contribuições, em dinheiro e em material. Mas a maior despesa, que
ia exigir uma fortuna, era renovar quase todo o madeirame da igre­
ja e da casa. Depois de muito trabalho, o Bispo conseguiu, por meio
de Dom Antônio Rúbio, que o Govêrno fornecesse tôda a madeira
necessária e de graça. No mesmo dia, todo feliz, êle escreveu de Ma-
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102
drid: Finalmente conseguimos a madeira para a reconstrução! Gra­
ça a Deus, e à sua Mãe Santíssima!
No dia de Sto. Antônio, cuja imagem Antônia salvara do incên­
dio, a igreja foi reaberta ao culto; e, até ao fim do ano, tôda a Casa
já estava reconstruída. E não era para menos - escreveu Dom An­
tônio Rúbio - êsse Bispo aprendeu na Austrália a desafiar todos os
contratempos, e, a seu lado, uma espanhola - suíça não cruza os
braços quando precisa trabalhar! Já em novembro, Dom José pôde
viajar para Roma, a fim de tomar parte no Concílio Vaticano I. Logo
ao chegar, tratou de conseguir licença para que a Missa de Natal
fôsse celebrada na Capela do Educandário. Antônia recebeu a licen­
ça por escrito, mas não gostou, quando viu que o documento ponti­
fício falava de uma Fundadora, que havia restaurado aquela igreja
duas vêzes. Eu não fundei, nem restaurei cousa alguma - disse ela
- apenas ajudei ao Sr. Bispo.
Em Roma, Dom José mandou imprimir um livrinho que a Dire­
tora havia escrito, o «Manual das Filhas de Maria». Referindo-se a
êsse trabalho, ela disse: Quem sabe êsse livro irá ressuscitar a minha
pena, que o Papa quis abençoar naquele sábado santo de 1860 - Mas
o trabalho com as suas filhas não lhe deixava tempo, nem para os
livros, nem para os escritos; tanto assim que, de Roma, uma sua ami­
ga lhe escrevia: Estou vendo você aí nessa construção, fazendo as
vêzes de arquiteto, ou até pedreiro, cuidando de todos e de tudo, me­
nos de si mesma.
Restauradas a casa e a igreja, o Educandário voltou a funcionar
normalmente, dentro do seu horário de estudo, de trabalho e oração.
Em Madrid aumentavam sempre mais a simpatia e admiração por
aquela Obra da Senhorita Oviedo, pois, em poucos anos, ela já havia
dado, a diversas jovens, uma vida decente, colocando-as muito bem,
não somente na Capital, mas em outras cidades vizinhas. Com êsse
resultado, a Diretora conseguiu despertar o interêsse de algumas se­
nhoras piedosas, que se apresentaram em Ciempozuelos, dispostas
a se consagrarem, por tôda a vida, àquela Obra tão meritória. Algu­
mas tinham sido enviadas pelo Padre Loyodice, que também defendia
a necessidade de uma Congregação religiosa, dedicada às môças po­
bres e necessitadas.

A PRilvlEIRA SEMENTE
Foi com indisfarçável alegria que, após cinco anos de lutas e
sacrifícios, Antônia pôde ver o seu Educandário assentado sôbre ba­
ses sólidas, visivelmente abençoado por Deus. Mas, compreendendo
que, sem oração, qualquer obra de apostolado acaba fracassando, logo
nos primeiros anos tratou de garantir, para si e para suas auxiliares,
o mérito das orações de pessoa amigas ou conhecidas.
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Em 1867, numa carta ao Padre Mauron, pedia ao Geral dos Re­
dentoristas, recomendasse a sua Obra às orações dos Missionários,
enquanto ela, suas auxiliares e as educandas iriam também acompa­
nhar, com as próprias orações e sacrifícios, as Missões Redentoristas
em todo o mundo. O Padre Mauron respondeu, mandando-lhe um
Diploma, no qual figuravam como «Oblatas da Congregação do San­
tíssimo Redentor, a Senhorita Oviedo, e suas Auxiliares, atuais ou
futuras».
Sumamente honrada, Antônia agradeceu àquela distinção, cujo
significado não ignorava: ela e suas Auxiliares passavam a ser mem­
bros da Congregação Redentorista, participando do mérito de tôdas
as orações, sacrifícios e boas obras da Família Afonsiana. Num docu­
mento, assinado em Roma pelo Geral Padre Mauron, consta a conces­
são do título de Oblata «à ilustre e muito piedosa Senhorita Antônia
de Oviedo, da Arquidiocese de Toledo, e às suas Auxilares, atuais ou
futuras, na aldeia de Ciemposuelos». - E, no Diploma enviado, o
mesmo Padre Geral ainda declarava: Nós as colocamos sob a especial
proteção da Virgem Imaculada Mãe de Deus, Padroeira da nossa
Congregação, e de Santo Afonso, nosso Pai e Fundador, declarando­
as aceitas no número das Oblatas do Santíssimo Redentor».
Estudando a fundação de um nôvo Instituto religioso que se en­
carregasse da sua Obra, Dom José pensou, a princípio, numa Con­
gregação de Terciárias Beneditinas, de acôrdo com o espírito e com
a Regra de S. Bento. Antônia, que procurara não interferir no assun­
to, afinal teve que dar também a sua opinião; embora temendo aque­
la iniciativa, acabou convencida de que o futuro da sua Obra assim o
exigia.
Com a profunda devoção que sempre tivera a Santo Afonso,
achou que o nôvo Instituo deveria ter o mesmo espírito missionário,
de zêlo e de conquista, que o Doutor Zelosíssimo imprimira à sua
Congregação, destinada a atender às almas espiritualmente mais
abandonadas. Se a Congregação Redentorista visiva dar a Redenção
às almas mais esquecidas, o nôvo Instituto queria levar a Redenção
àquelas jovens que todos fugiam e desprezavam. Era evidente que, de
uma Congregação já fundada, estava para nascer um nôvo Instituto,
com o mesmo espírito e com a mesma finalidade, embora mais restri­
ta. E, dessa forma, o título mais indicado para as Irmãs, não seria
outro senão aquêle que o próprio Sucessor de Santo Afonso já havia
dado à Diretora e às suas Auxiliares: O b l a t a s do Santíssimo
Redentor.
Antes de partir para Roma, Dom José falou com o Arcebispo je
Toledo, a respeito da fundação do nôvo Instituto; e o Arcebispo, co­
nhecendo as qualidades extraordinárias da Senhorita Oviedo, acolheu
com muita simpatia a idéia da nova Congregação. Deu licença a An-
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tônia e às suas Auxiliares para tomarem o hábito religioso que já
tinham projetado, e aprovou um Regulamento provisório, que a pri­
meira Comunidade deveria observar. Tôda feliz, a Fundadora escre­
veu para Roma, comunicando a Dom José que tudo estava pronto
para se dar início à fundação do nôvo Instituto. Uma coisa, porém,
faltava: não tinham com que comprar a necessária fazenda para os
hábitos. O Bispo conseguiu essa importância em Roma e logo a reme­
teu para Ciempozuelos.
Desde que aceitara a idéia da nova Congregação, Antônia e suas
companheiras de trabalho vinham vivendo um verdadeiro noviciado,
em preparação para a tomada de hábito. Se ainda não eram Religio­
sas de Direito, já o eram de fato. A 2 de fevereiro de 1870, a Senhori­
ta Oviedo recebeu o hábito que idealizara, de côr cinza-escuro, muito
pobre e simples, adotando o seu nome de Religião: Antônia Maria
da Misericórdia. Esse título resumia bem a sua Vocação religiosa:
ser a Misericórdia de Deus que recebe e ampara as ovelhas extravia­
das. E ela o foi, durante tôda a vida.
Juntamente com a Fundadora, também tomou o hábito Da. Trin­
dade Carrenho, a fidalga mexicana que não pôde perseverar. Meses
depois, Da. Gertrudes Conde, senhorita muito piedosa de Val­
ladolid, era admitida no número das oblatas; e no ano seguinte en­
traram Praxedes Giraldo e Marta Valls. Essa a primeira Comunida­
de de Oblatas, no primeiro Educandário da Congregação, em Ciem­
pozuelos.
Revestida do hábito religioso, a Madre Antônia da Misericórdia
sentia-se outra, aquela que sempre quisera ser, inteiramente dedica­
da ao serviço de Deus e das almas abandonadas. Sua alegria aparece
bem numa carta escrita, naqueles dias, a Dom José: Em vez de cho­
rar - diz ela - por ter abandonado os meus estudos, que eram as
minhas delícias, agradeço agora a Vossa Excia. ter-me dado outra
vida, embora inteiramente contrária aos meus gostos. Mas ela será
mais agradável a Deus, porque mais útil às almas, uma vez que ma­
ta o amor próprio de alguém, que vivia muito lisonjeada, com seus
pobres trabalhos escritos.
Em Roma, Dom José teve ocasião de falar com Pio IX, a respei­
to da Obra que iniciara em Ciempozuelos. Ouvindo mencionar o nom.?
de Antônia, o Papa indagou: E a Senhorita Oviedo continua tão san­
ta como sempre foi? - Mais ainda - respondeu Dom José - pois
agora está vivendo somente para sua grande Obra de apostolado.
Dias após a sua tomada de hábito, Madre Antônia deixou-se fo­
tografar com uma das suas educandas e mandou a fotografia para
Dom José, pedindo-lhe que estudasse, com o Padre Mauron, os reto­
ques definitivos do hábito das Oblatas; ela o queria também reden­
torista. Ficou então determinado que o hábito fechasse ao pescoço
com um colarinho branco, e que, do cíngulo pendesse o Rosário com
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105
a medalha do SSmo. Redentor e de Santo Afonso. Algumas pessoas
disseram à Madre que o cinza-escuro não era uma côr bonita para o
hábito das suas Religiosas. A isso ela respondeu: Justamente por não
ser bonito, eu escolhi o cinza-escuro; às Oblatas não interessa a be­
leza, mas a humildade e discrição.
Narrando o seu encontro com o Padre Mauron, Dom José es­
creveu: Levei a fotografia ao Padre Geral, no dia de Santo Afonso.
f:le ficou louco de satisfação, e quis mostrá-la a todos os Padres da
Comunidade.
Se o nome e o hábito do nôvo Instituto já eram Redentoristas,
para a Madre Antônia isso não era tudo. Ela queria, para as suas
Oblatas, o mesmo espírito de zêlo, de abnegação e simplicidade que
Santo Afonso dera aos seus Missionários. Escreveu, por isso, a Dom
José, pedisse ao Padre Mauron uma orientação a respeito da Regra
que devia ser elaborada para o nôvo Instituto, e, se possível, um
exemplar da Regra e Constituições das Monjas Redentoristas. Em
sua carta dizia: Já que nós devemos procurar a salvação dos peca­
dores, como os Missionários de Santo Afonso, somos também afon­
sianas; mais do que antes, sinto-me agora unida a Santo Afonso,
às suas obras e ao seu espírito.
Dom José respondeu, prometendo interessar-se pelo pedido da
Madre, e acrescentou: Eu também sou Redentorista de coração; por
isso, com a maioria dos Bispos, assinei também um pedido à Santa
Sé, para declarar Santo Afonso Doutor da Igreja.
Todo atenções para com o nôvo Instituto e seus Fundadores,
Padre Mauron entregou a Dom José a Regra das Monjas do Santís­
simo Redentor, para que, com as necessárias modificações, servis­
se de base e orientação às Oblatas. Além disso, o nôvo Instituto em
seus primeiros anos, pôde contar com a zelosa assistência do Padre
Loyodice, cuja virtude era expressão viva do espírito redentorista.
Dessa forma pôde a Fundadora ver a sua Congregação nascer e de­
senvolver-se sôbre a base de uma sólida formação espiritual.
Arcando com todo o trabalho do Educandário e do nôvo Institu­
to, Madre Antônia viu que a sua saúde não iria longe e que suas fôr­
ças não acompanhavam mais sua intensa atividade. Os médicos de
Madrid foram de opinião que ela devia sair daquele ambiente de cui­
dados e preocupações, para uma temporada de repouso. Mas ela achou
que, com um pouco de moderação no trabalho, poderia recuperar a
saúde, sem abandonar a Fundação. E continuou em Ciempozuelos.
Logo, porém, se convenceu de que, dessa vez, era ela quem estava
tentando o suicídio. Deixou em seu lugar a Irmã Gertrudes e partiu
para Mieres, nas Asturias, onde a Marquesa de Campo Sagrado, sua
inesquecível Titina, já a esperava de braços abertos.
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106
Após tantos anos de separação, a antiga Preceptora teve a ale­
gria de constatar que sua ex-aluna continuava a mesma: um anjo
de mansidão e de caridade. Embora casada e com filhos, Titina ainda
achava tempo para dar aulas de catecismo às crianças pobres que
ela reunia nos jardins do seu palácio; e freqüentemente convocava
a pobreza das vizinhanças, para distribuição de víveres e até de rou­
pas, que ela mesma confeccionava.
Terminado o seu trabalho nas Astúrias, Madre Antônia diri­
giu-se a Paris, a pedido de Isabel II, que lá se encontrava. Hospedou­
se com a Rainha, no Palácio Basilewski, escrevendo então: A pobreza
da minha casa em Ciempozuelos vale mais que, todo o esplendor dêste
palácio. - Em Paris, visitou sua antiga Senhora, a Rainha-Mãe
Da. Maria Cristina. Duvidei que fôsse ela - escreveu - tão mudada
ela está. Chorei quando a vi envelhecida, tão magra e trêmula.
A elegante figura da antiga Preceptora, vestida agora com a po­
breza de um hábito religioso, não deixou de impressionar profunda­
mente suas amizades na Capital francesa. Todos compreenderam que
aquela transformação era um verdadeiro milagre, operado pelo zêlo
e dedicação às jovens necessitadas. Voltando para Ciempozuelos, pô­
de a Fundadora levar, para sua Obra, uma boa soma que lhe ofere­
ceu a generosa compreensão de suas amigas, a começar por Isabel.

A 25 de março de 1873, Antônia pôde afinal realizar o so­


nho que vinha alimentando desde a infância, com o seu desejo de se
consagrar inteiramente a Deus. Nesse dia fêz os seus Votos religio­
sos. Imensa foi sua alegria, recordando os caminhos que percorrera,
até alcançar o seu ideal. Ninguém teria imaginado que a distinta e
culta Preceptora de Princesas, em Madrid, fôsse acabar naquela al­
deia de Ciempozuelos, inteiramente dedicada a um Apostolado que
poucas almas tinham coragem de enfrentar.
No ano seguinte, outra Religiosa Oblata fêz também a sua Pro­
fissão, mas no leito de morte. Foi a Irmã Praxedes, que Deus chamou
em plena mocidade, quando, pela sua virtude, já era uma risonha es­
perança para o Instituto. Perdemos uma Irmã na terra - diziam
suas colegas de hábito - mas ganhamos uma intercessora no céu. -
Realmente, um ano após sua morte, começaram a aumentar as Voca­
ções e chegaram pedidos para a fundação de novas Casas.
Foi por êsse tempo que a Fundadora resolveu consagrar a sua
Congregação a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. �sse título -
dizia ela - é o mais adequado para nossa difícil missão de Oblata.
E foi essa grande esperança que a Madre procurou sempre acender
na vida de suas educandas: o socorro de uma Mãe que nunca aban­
dona seus filhos.
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107

XII

COMO DEUS É BOM!

Sentindo-se Redentorista «de alma y corazón» Madre Antônia


quis externar seu agradecimento e sua alegria numa carta ao Padre
Mauron. Assim escrevia a 11 de junho de 1872: Tanta coisa eu teria
para explicar a Vossa Rvma. e tantas consultas para lhe fazer, que
não poderia pôr tudo nos estreitos limites de uma carta. Se antes eu
tomava a liberdade de lhe escrever, agora mais ainda, pois já sou
um pouco Redentorista, e, com muito orgulho. Como Dom José está
aí em Roma, suponho que Vossa Rvma. já esteja informado de tudo
o que se refere às suas Oblatas; assim, nada mais tenho que fazer
senão manifestar todo o meu agradecimento pelo precioso Diploma
de Oblata do Santíssimo Redentor, que eu continuo prezando cada
vez mais. Sou Redentorista de alma e coração; quero ao meu Santo
Afonso com uma ternura particular, pois foi o primeiro amigo da
minha infância. Seus livros foram os primeiros que minha piedosa
Mamãe pôs em minhas mãos, como defesa da minha mocidade, guia
de minha vida, e, assim o espero, consôlo à hora da minha morte.

Como Deus é bom! Quanta sabedoria não pôs nos caminhos que
percorri, até chegar aonde cheguei! Querendo sempre ser Religiosa,
nunca me decidia; e Deus me trouxe, pela mão, a uma Obra que me
inspirava repugnância! Mas, em compensação, deu-me Santo Afonso
como Pai. Como me sinto feliz! Estou certa de que Deus me chamou
para esta Obra; tenho certeza da minha Vocação, e quero apenas se­
gui-la, estabelecendo, sôbre bases sólidas, as Oblatas que devem tra­
balhar pelas jovens necessitadas. Espero que, com o tempo, chegue­
mos a formar uma como Ordem Terceira da grande família Afonsia­
na. Rezemos para que seja realmente assim.

Reipondendo, escreveu o J;>adre Mauron: Deus a chamou para


uma Vocação realmente sublime, colocando-a nessa Obra tão meritó­
ria de afastar as almas do mau caminho. Cooperando, portanto, na
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108
Redenção, as Irmãs não poderiam ter um título mais indicado que
êste: Oblatas do Santíssimo Redentor.
Sob a orientação segura de Dom José e do Padre Mauron, o no­
vo Instituto foi-se apresentando, aos poucos, como uma Obra real­
mente de Deus, construída sôbre a rocha que eram as virtudes da
Fundadora.
Logo após a morte da Irmã Praxedes (1874) apresentou-se em
Ciemposuelos, pedindo admissão entre as Oblatas, uma senhorita
parisiense, de nome Maria Lacroix. Era preceptora numa nobre fa­
mília de Madrid. Recomendada por um Padre Redentorista, foi admi­
tida, com o nome de Irmã Maria da Apresent�ção. Fêz o seu novicia­
do com um fervor realmente exemplar, aliando sempre à sua cultura,
uma piedade simples e profunda. Após os Votos, a Fundadora não
teve dúvida em nomeá-la primeira Mestra de Noviças do Instituto,
cargo que desempenhou até à morte, em 1882.
Referindo-se à Irmã Maria da Apresentação, uma de suas anti­
gas noviças escreveu: Pela sua prudência, zêlo e mansidão, ela foi
bem um retrato da Madre Fundadora. - Por isso, não foi sem moti­
vo que, ao falecer, todos já a diziam santa. A respeito do seu amor
à Pobreza, uma Religiosa escreveu que, no hábito da Madre Mestra
havia pouca fazenda, mas não faltavam remendos . . . De um modo
especial costumava inculcar às suas Noviças a virtude da alegria.
Minhas filhas - dizia ela - deixemos a tristeza para o demônio;
êle, sim, tem motivos para ser triste. Mas nós, que servimos a Deus
em sua casa, podemos e devemos ser santamente alegres.
Com essa primeira Mestra de noviças, o Instituto recebia de
Deus uma bênção tôda especial, pois, durante aquêles anos, decisivos
para a sua existência, a Congregação pôde ver suas Religiosas for­
madas no verdadeiro espírito Redentorista, constituindo assim uma
escola para as futuras Oblatas do Santíssimo Redentor.
Por uma carta de Dom José, escrita ao Padre Mauron em 1876,
podemos admirar o desenvolvimento em que já se encontrava a Con­
gregação. Vossa Rvma. - diz o Bispo - certamente irá ficar satis­
feito, ao saber que o Instituto se vai firmando cada vez mais, e está
em franco progresso. Neste ano foram fundadas duas novas Casas,
e, de acôrdo com o número de Vocações, iremos atender outros pe­
didos que já nos foram feitos. Um dos novos Educandários está em
Vitória, e o outro em Benicasim, onde a Madre Antônia está passan­
do uns meses, para consolidar a fundação.
Era imensa a alegria com que o Padre Mauron acompanhava
o desenvolvimento do nôvo Instituto, vendo nêle uma Obra de Re­
denção, fruto do espírito de Santo Afonso, e, por isso, uma pedra
a mais na sua coroa de Fundador. Pouco a pouco, todos iam reconhe-
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109
cendo a necessidade daquela Obra; e mesmo aquêles que, a princí­
pio, não a olhavam com muita simpatia, já não podiam negar o gran­
de bem que as Oblatas realizavam.
Por tôda parte a corrupção, a pobreza e falta de formação iam
fazendo suas vítimas, cujo número aumentava sempre mais. E não
havia (como talvez ainda não haja) uma Congregação dedicada ex­
clusivamente às jovens pobres e necessitadas. Algumas iniciativas
particulares nesse terreno, esbarravam sempre com a incompreen­
são, e com a falta, ou de recursos, ou de pessoas capacitadas para
um trabalho nada fácil e pouco interessante. Daí os contínuos pedi­
dos que chegavam a Dom José ou à Madre Antônia, solicitando novas
Fundações.
Em Vitória havia um Educandário, iniciativa de Da. Ambrósia
Olavide, senhora de posses e muito piedosa. Como enviuvara ainda
môça, Da. Olavide resolveu dedicar-se à formação de meninas ór­
fãs, ou em perigo de se perderem. Faltava-lhe, porém, saúde para o
trabalho, e não dispunha de auxiliares suficientes. Logo que soube do
Instituto das Oblatas, escreveu à Madre Antônia, propondo-lhe en­
tregar o Educandário. Além disso, prometia dar às Oblatas uma chá­
cara que possuía, perto da cidade, onde poderiam construir um nôvo
prédio, com tôdas as facilidades para aquela Obra.
Diante de tal oferta, Madre Antônia viajou para Vitória, e acer­
tou o assunto em definitivo. Da. Ambrósia entregava o Educandá­
rio e a chácara para uma futura construção, pedindo apenas uma coi­
sa: Ser admitida na Congregação, para continuar trabalhando na­
quêle que fôra sempre o seu apostolado. Com uma licença especial, foi
admitida e nomeada Superiora da nova Casa. Duas das suas auxilia­
res foram para Ciempozuelos, ingressando no Noviciado, juntamente
com outras vocações que Madre Antônia ali descobrira.
Formada a Comunidade em Vitória, a Superiora, Madre Ambró­
sia, fêz o seu Noviciado sob a direção da Irmã Gertrudes, professan­
do logo em seguida. E, após três anos, já estava construído o nôvo
prédio, na chácara que a Madre Superiora doara à Congregação. Inau ­
gurada em novembro de 1879, essa Casa de Vitória ficou sendo uma
das principais fundações, principalmente pelo grande número de vo­
cações que deu ao Instituto.
Em Benicasim, o início da Fundação teve muito de semelhante
com a Casa de Vitória. Dom Francisco de Oliveras, dono de uma óti­
ma casa e de um grande terreno, estivera em Ciempozuelos, conhe­
cendo de perto a Obra das Oblatas. Tão entusiasmado ficou, que ofe­
receu logo à Fundadora, não somente a casa, mas também o terre­
no para um nôvo Educandário do Instituto. Madre Antônia foi a Be­
nicasim e não teve dúvidas em aceitar a oferta. Examinando, porém,
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110
a residência que as Irmãs iriam ocupar, estranhou o luxo e a riqueza
daquela vivenda que mais parecia um palácio. Mas não a recusou,
lembrando S. Francisco de Sales que dizia: Quando não encontramos
uma casa pobre, contentamo-nos com uma casa rica. E o que mais
interessava à Madre, era o terreno para a construção do futuro Edu­
candário.
Poucos dias depois, chegavam as Oblatas para dar início à fun­
dação. Ficaram encantadas com a casa, achando que aquilo era um
paraíso. Mas não demorou muito, para se convencerem de que ha­
viam caído numa inocente armadilha. Com o fim de atrair as Irmãs,
algumas familias da cidade procuraram mobiliar e enfeitar a casa,
do melhor modo possível. Passado, porém, algum tempo após a inau­
guração, cada família ia chegando para retirar seus móveis, seus
quadros, seus talheres ou cortinas. Sobraram as paredes e o te­
lhado, ficando as Irmãs com a casa limpa . . . E era o que elas que­
riam, pois luxo não lhes interessava.
Feitas as primeiras arrumações, a casa logo ficou lotada. Uma
piedosa senhora da cidade, Da. Vicenta Flors, tinha ali uma espécie
de orfanato, para formação de umas trinta meninas pobres. Estas
passaram tôdas para o nôvo Educandário das Oblatas, e Da. Vicenta
foi admitida na Congregação, indo logo para Ciemposuelos, iniciar o
seu noviciado.
Fazia tempo que Madre Antônia vinha pensando numa casa em
Madrid, por pequena e pobre que fôsse. Era uma necessidade, pois
da Capital dependiam os auxílios, as compras, as consultas médi­
cas etc. As Benfeitoras do Instituto sempre haviam hospedado as Ir­
mãs com a maior boa vontade; mas a Fundadora não queria continu­
ar abusando das suas amizades. �sse fôra sempre um traço da sua
educação: não ser incômoda para ninguém. Como lhe faltassem re­
cursos para alugar uma casa, por simples que fôsse, Madre Antônia
se contentou com alguns quartos de um antigo Hospital, já desocupa­
do. E ali se hospedavam as Irmãs, quando precisavam permanecer
mais dias em Madrid. Foi somente em 1891 que se fundou na Capital
o Educandário das Oblatas, com uma Comunidade organizada.
Diante dêsse progresso que marcou os primeiros anos da nova
Congregação, era natural que a Fundadora repetisse às Irmãs:
Como Deus é bom! - Enquanto o Instituto ia recebendo novas fôr­
ças, com as Vocações que se apresentavam, suas Casas aumentavam
e floresciam, provando que aquela Obra estava realmente nos planos
da Providência.
Mas, se Deus tanto abençoava a Congregação, as Oblatas tam­
bém procuravam corresponder, com todo fervor, ao Apostolado que
delas se exigia. Pobreza, humildade e dedicação ao Sacrifício, eram
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111
a� vll'tudes que a Fundadora não se cansava de recomendar às suas
lt'llhus. E não o fazia somente de palavras, mas era sempre a primei­
rn II dar o exemplo.
Aquelas Irmãs que conheceram e privaram com a Fundadora,
1111viram-na dizer muitas vêzes: Oblata, sim, mas bem Oblata! -
1°:la queria que suas Religiosas não somente levassem um nome, mas
q1w correspondessem, com a realidade da própria vida, àquele título
dP «Oblatas». E, em meio ao fervor de suas Irmãs, era ela quem apa­
rPcia aos olhos de tôdas como uma Oblação viva, realizando a sua
< >lira de Redenção em favor das almas necessitadas.
Desde o dia em que conhecera a Vontade de Deus a seu respeito,
Madre Antônia não se poupon jamais, no trabalho de realizar uma
cintrega total de si mesma a um Apostolado que antes tanto lhe re­
pugnava. Seu tempo, seus haveres, sua saúde, suas amizades, e até
mesmo a sua cultura, ela sacrificou na missão que Deus lhe confiara.
l•'oi realmente uma Oblação viva, sôbre o altar que a Providência lhe
mostrou.
Levada dêsse desejo de se dedicar inteiramente à sua Missão,
Madre Antônia dizia numa carta a Dom José: Reze muito para que
PU viva sempre mais o espírito desta Obra que, quanto mais difícil,
tanto mais atraente se vai tornando para mim. - Para não desviar
sua atenção daquele Apostolado, fechou-se no Educandário de Ciem­
posueios, e dali saía somente por obediência ou para atender a al­
gum assunto da Congregação. Entre 1876 e 1885, faleceram sua Tia
Dolores, sua prima Lolita, e Dom Antônio Rúbio; no entanto, suas
cartas e seu Diário não dizem palavra sôbre essas amizades que per­
deu, porque ela vivia exclusivamente para as suas filhas. Visitando-a,
certa ocasião, a Rainha Da. Maria Cristina lhe perguntou: Antônia,
você tinha antes umas mãos tão finas e delicadas; porque agora es­
tão assim tão estragadas e grosseiras? - É que agora o meu traba­
lho é outro - respondeu a Madre.
CORAÇÃO DE MÃE
Como o Educandário vivia da caridade pública, as Irmãs tinham
que viver sempre mendigando. E a Fundadora era a primeira a sair
à rua, batendo de porta em porta, para dar de comer e de vestir às
suas filhas. Nestes dias - escreveu uma carta - andei percorrendo
tôdas as casas comerciais da cidade. Saindo às 7 da manhã, voltava
às 6 da tarde, sem saber onde estavam meus pés, de tão cansados e
doloridos. - Noutra ocasião escrevia: Trabalho o dia todo, e sinto
não poder, ou não saber trabalhar mais, porque, entre estas almas, há
algumas bem recalcitrantes. - E apesar de tôda essa dedicação, sua
humildade air,da temia não estar fazendo bastante para as almas:
Tenho mêdo - dizia - de não estar sendo, aos olhos de Deus, aque­
la que devia ser.
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112
Durante um dos primeiros Retiros que as Educandas fizeram,
ela escreveu a Dom José: Não posso estar longe destas meninas um
momento sequer, porque, entre elas, há algumas que põem a casa tô­
da em alvorôço. Bendito seja Deus, porque, nestes dias, a sua Oblata
está bem Oblata, e só desejo que :Êle aceite esta minha oblação.
Mas, em meio a tantos sacrifícios, não lhe faltavam consolações.
É o que se vê, quando ela escreve: Pobres meninas! quanto não me
edificaram nestes dias! As mais difíceis já entraram nos trilhos,
pois, ontem e hoje, a casa estêve num silêncio perfeito. E Vossa Ex­
celência não teria contido as lágrimas, se visse as penitências que
elas fizeram, livremente, e com a maior seriedade.
Tôda preocupada com suas filhas, a Fundadora não descuidava
nada que pudesse oferecer alguma utilidade ou vantagem para o Edu­
candário. Daí o cuidado que tinha, para que, em tôdas as Casas, não
faltassem o jardim, o pomar e a horta; e sempre que podia, ao voltar
de alguma viagem, vinha trazendo consigo mudas de árvores frutí­
feras ou de plantas medicinais. Numa carta a Titina, ela escrevia:
Mande-nos tôda e qualquer planta medicinal que conhecer, pois, nu­
ma casa como esta, não há remédio que chegue. - E, entendida, co­
mo era, na matéria, muitas vêzes, altas horas da noite, lá estava a
Madre Fundadora na cozinha, fazendo chá de ervas para alguma me­
nina doente. Seus cuidados não esqueciam sequer o cão de guarda
do pomar e da horta. Como tinha sido um presente de Titina, a Ma­
dre escreveu: Diga-me de que raça êle é, pois aqui cada qual diz
uma coisa. Por enquanto êle está sendo muito manso, e eu gostaria
de que êle fôsse um pouco, ou bastante bravo.
Naquele Educandário de Ciempozuelos, tudo respirava simplici­
dade e pobreza, de modo que as visitas não chegavam a compreender
como uma antiga Preceptora real se sentisse tão feliz, em meio a
tantas privações. Mas ela explicava sempre: Tôda a nossa riqurza
está em Deus. - E, numa carta, após a Semana Santa, ela dizia: So­
mos realmente muito pobres, mas, para o altar do Santíssimo, não
fizemos economia. Mesmo que nos faltasse o pão à mesa, na igreja
não queremos que fale coisa alguma.
Certo dia a Fundadora receb2u, do Prefeito de Ciempozuelos um
Ofício, proibindo que o Educandário recebesse qualquer menina, sem
uma licença especial, que devia ser dada pela Autoridade civil. A Ma­
dre viu logo, nessa interferência absurda, uma ameaça de morte para
a sua Obra. E respondeu com firmeza: Tenho que dizer ao Sr. Prefei­
to que essa inovação acabará matando o Educandário, cuja finali­
dade é socorrer justamente àquelas que, por não terem qualquer do­
cumento, estariam obrigadas a viver no vício, se a Religião e a cari­
dade não as recebessem. Aqui nada há de clandestino, tudo foi
feito à luz do dia, com aprovação do Govêrno, desde 1864. É a pri-

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113
meira vez que recebo semelhante intimação; e, para mim, ela não
tem valor algum. Mas, se o Sr. quiser mandar prender as 60 pessoas
que somos neste Educandário, estamos prontas a obedecer. E eu lhe
ficaria muito grata pela economia, pois, durante o tempo da prisão,
eu não teria que pensar como dar de comer a tanta gente ...
Irritado com a resposta, o Prefeito quis apossar-se do Edu­
candário, em nome do Departamento de Beneficência. Novamente a
Fundadora lhe escreveu: Se o Sr. ainda não sabe, fique sabendo que
êste Educandário é uma obra inteiramente particular, e está funcio­
nando numa propriedade minha, que eu comprei do Govêrno, dentro
de tôdas as formalidades legais. - O Prefeito acabou compreendendo
que não estava enfrentando uma criança, mas tinha pela frente uma
Mulher Forte, cuja coragem não se deixava abater por ofícios ou in­
timações. E por isso tratou de ficar quieto, deixando o Educandário
em paz.
Velando com tal solicitude pelo bem material da sua Obra, pode­
mos imaginar com que carinho a Madre Fundadora não iria cuidar
da formação e do bem espiritual das suas filhas. O resultado admi­
rável que conseguia num trabalho ingrato e difícil como aqu&le, era
devido à bondade do seu coração de mãe, sempre aberto e cheio de
compr-eensão para com as jovens que o procuravam.
Nos primeiros anos do Educandário, foi recebida na Casa, uma
jovem de nome Maria. Revoltada e de gênio difícH, a infeliz só pen­
sava em fugir para matar um de seus irmãos, a quem, conforme
afirmava, não perdoaria, nem neste mundo, nem no outro. Mas a
pobre adoeceu e estava para morrer. Dom José tratou de prepará-la
para os últimos Sacramentos, procurando que ela perdoasse ao irmão
e esquecesse aquêle ódio de morte. Várias vêzes o Bispo lhe falou,
tocando nesse assunto; mas tudo inútil. A enfêrma repetia sempre
com maior frieza: Nem neste mundo, nem no outro.
Com tôda a atenção Madre Antônia acompanhava o caso, e ven­
do que Dom José nada conseguia, tomou um crucifixo, foi ajoelhar­
se à cabeceira da doente, e, com lágrimas nos olhos, lhe falou: Minha
filha, olhe bem para N. Senhor, perdoando aos seus inimigos e até
rezando por êles. Quantas vêzes :E:le lhe perdoou também! Por amor
a Drns, perdoe agora o seu irmão. - Sim, perdôo - disse a jovem -
perdôo de todo o coração. - As duas abraçaram-se entre lágrimas; e,
daquele dia em diante, a doença começou a melhorar, para ficar com­
pletamente curada.
Certa ocasião apresentou-se em Ciempozuelos, para falar com a
Superiora, uma jovem distinta e elegante. De ótima aparência, a Ma­
dre pensou que fôsse uma vocação; mas ficou penalizada, quando a
môça lhe disse que desejava um lugar no Educandário. Foi aceita;
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mas pediu licença para voltar a Madrid, a fim de buscar suas malas.
Madre Antônia concordou, embora desconfiando de que aquela cria­
tura não voltaria mais. Não querendo perder a ovelha que já tinha
iniciado o caminho de volta, a Fundadora arranjou uma condução, às
pressas, e foi também para Madrid. Ficou horas na estação, esperan­
do ansiosamente, até que a jovem chegou. As duas entraram no
trem, e, enquanto procuravam lugar no carro, a Madre viu, na esta­
ção, um indivíduo suspeito, olhando para todos os lados, à procura de
alguém. Compreendeu logo a situação. Tirou da sacola dois _ xales
pretos, amarrrotados; pôs um sôbre os ombros da môça, e, com o ou­
tro, cobriu-lhe a cabeça e quase todo o rosto. No mesmo carro via­
java um Padre, que arregalou os olhos, quando a Madre lhe colo­
cou, ao lado aquêle fantasma negro ... Nesse momento o indivíduo
reconheceu a môça; quis subir ao carro, mas o trem partiu. E a Fun­
dadora respirou tranqüila, vendo que a sua ovelha estava salva. Era
uma alma que não voltaria mais a trilhar o caminho do pecado.
Tendo iniciado a sua Obra não sàmente com a desaprovação, mas
até com a desconfiança de muitos, a Fundadora não demorou a colher,
entre as lágrimas que a incompreensão lhe fizera verter, o fruto de
uma alegria muito grande. As censuras e zombarias foram, aos pou­
cos, cessando, para se transformarem, muito antes do que se pensa­
va, em admiração e elogios. Uma atividade que muitos olhavam com
desprêzo e repugnância, passou a ser vista por todos com olhares
de reconhecimento e de carinhosa simpatia.
Todos aquêles que, a princípio, censuravam a idéia da ex-Precep­
tora dando-a mesmo como resultado de uma alucinação, logo acaba­
ram convencidos de que a Madre Fundadora era uma alma de raras
virtudes, cuja tenacidade estava muito acima da indiferença ou da
incompreensão. Os falsos profetas, que asseguravam para aquela
Obra, um grande e solene fracasso, tiveram que reconhecer o fra­
casso das suas profecias, porque o nôvo Instituto se ia firmando cada
vez mais. Não era fruto de uma teimosia absurda, como êles diziam,
mas refletia bem os desígnos de Deus. E os inimigos de antes, foram,
depois, os maiores admiradores daquela Obra admirável, cuja neces­
sidade ninguém ousava negar.
:Êsse foi certamente um consôlo muito grande para a Madre
Fundadora, que pôde ver a Vontade de Deus reconhecida justamente
por aquêles que antes a combatiam, dando-a como imprudente e
absurda. Na sua humildade, ela costumava repetir, com imensa gra­
tidão, uma palavra que não lhe saía dos lábios: Bendito Seja Deus
por tudo!
Ela sabia que muitos não acreditavam na sua capacidade de en­
frentar e levar adiante um apostolado daquela natureza. Pelo cargo
que ocupara na Côrte, e pela sua formação, ela não parecia indicada
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para um trabalho no qual muitos outros já tinham fracassado. E
havia também os que a tinham por ingênua, por seguir tão cega­
mente uma idéia que antes lhe causava repugnância, mas que outros
lhe teriam imposto, invocando a obediência. Temendo o insucesso,
os autores daquele plano teriam escolhido a antiga Preceptora como
vítima, expondo ao ridículo o seu nome e a sua fama.
A Fundadora não se alegrava, por ver, no progresso da sua Obra,
um triunfo pessoal. Simples e humilde como era, nunca se preocupou
com a projeção das suas atividades, ou com os elogios que pudesse
receber. O que realmente a consolava era ver a Vontade de Deus im­
pondo-se ao reconhecimento e à admiração de todos, pelo resultado
que alcançava sua Obra, e pelo bem imenso que as Oblatas estavam
realizando, em favor das jovens necessitadas.
Com amizade e admiração que sempre tiveram à antiga Pre­
ceptora do Palácio, os Irmãos Rúbio nunca foram pràpriamente con­
trários à Fundação que a Madre Antônia se propunha realizar. Acha­
vam apenas que o momento não era indicado para se iniciar uma
Obra daquela natureza, a qual iria depender do Govêrno, e, por isso,
não seria bem vista pela Côrte. Mas os dois irmãos logo se convence­
ram de que estavam enganados, e foram os primeiros a visitar o Edu­
candário de Ciempozuelos, num gesto de simpatia e de aprovação.
Por uma carta à Madre Fundadora, sabemos como ficaram encanta­
dos com o trabalho das Oblatas e com os magníficos resultados que
conseguiam naquele Apostolado.
Não faltaram também as visitas da Rainha Isabel, e Da. Ma­
ria Cristina, da Marquesa de Campo Sagrado e de outras figuras ilus­
tres, tôdas já convencidas de que aquela Obra era realmente de Deus,
não só útil e necessária, mas urgente e indispensável para as jovens
necessitadas.
Humanamente feliz, por ver que as suas antigas amizades já não
a olhavam com aquela desconfiança de antes, Madre Antônia não
podia deixar de sentir também uma alegria tôda sobrenatural, diante
do progresso daquela Obra redentora. É o que vemos numa carta
que, por aquele tempo, ela escreveu a Dom José, dizendo: Sinto-me
agora sumamente feliz, e não sei como agradecer a Vossa Excelência
o ter-me colocado nesta Obra que me atraiu e prendeu para sempre.
Terminado o Retiro das meninas, eu também tomei minhas resolu­
ções. Deus quer a minha perseverança; por amor a Éle, a estas al­
mas, e por amor a mim mesma, compreendo que devo ser mortificada,
compreensiva e humilde de coração. Queira abençoar os meus pro­
pósitos, e a mim também, perdoando o pouco que aproveitei das suas
palavras e dos seus exemplos. Agora estou vendo melhor como Deus
foi bom para comigo.
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116

XIII

EM PLENA ATIVIDADE

Logo nos primeiros anos de vida do nôvo Instituto, Padre Mau­


ron fêz ver a Dom José e à Madre Fundadora que não facilitassem
demasiado a fundação de novas Casas. Era preferível que se teves­
sem poucos Educandários, com número suficiente de Religiosas, que
muitos estabelecimentos com Irmãs doentes sobrecarregadas de
trabalho.
Embora fôsse cada vez maior o número de Vocações que se apre­
sentavam, Madre Antônia compreendeu que naqueles primeiros anos,
um desenvolvimento exagerado da Congregação poderia prejudicar
o bom espírito das Religiosas, comprometendo a própria existência
do Instituto. Por isso procedeu sempre com o maior cuidado, ante os
pedidos de novas Fundações, não deixando que a Congregação se ex­
pandisse além do que lhe permitiam as próprias fôrças.
Apesar do progresso que o Instituto já apresentava, não foram
pequenas as dificuldades que teve que vencer, entre os anos de 1875
a 1880. Pouco favorável era a situação de um país como a Espanha
daquele tempo, sacudida por contínuas agitações políticas, com fre­
qüentes mudanças de govêrno. Além disso, havia, em todos os setores
oficiais, uma indisfarçável prevenção contra a Igreja, de modo que
qualquer iniciativa religiosa, era olhada sempre com desconfiança e
antipatia. Toleravam-se apenas as Instituições dedicadas à caridade
ou à assistência social.
Disso se valeu a Fundadora, para conseguir que a sua Congre­
gação fôsse reconhecida como de utilidade pública, e assim, autori­
zada a realizar rifas em benefício de suas obras. Essa concessão,
porém, durou pouco, porque um nôvo decreto do Govêrno declarava
reconhecidas somente algumas Instituições fundadas até de determi­
nada data, antes da fundação do Instituto. Com isso, para a manuten­
ção dos seus Educandários, as Oblatas não puderam contar com ou­
tros recursos, a não ser da caridade pública.
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117
Viajando para Benicasim, por motivo da Fundação, Madre An­
tônia teve que parar em Valência, onde as inúmeras amizades que
possuía, poderiam oferecer algum auxílio para a sua Obra. Foi quan­
do os Padres Jesuítas lhe pediram a fundação de um Educandário
na cidade, pois grande como era, Valência tinha um campo imenso
de apostolado para as Oblatas. A princípio a Madre não se mostrou
favorável à idéia; mas acabou cedendo, pois Dom José, ao qual os
Jesuítas também recorreram, achou que a cidade precisava realmen­
te daquela Fundação.
O início dessa Casa foi dos mais penosos e difíceis, apesar de tô­
da a boa vontade dos Padres e da generosa dedicação de uma ben­
feitora, Da. Conchita. Referindo-se ao trabalho desta sua amiga, a
Fundadora dizia: Conchita parece que tem todo poder, nos céus e na
terra. - Mesmo assim a fundação em Valência não deixou de exi­
gir imensos sacrifícios à Congregação, porque o povo da cidade não
soube ou não quis cooperar.
Para dar início ao Educandário, a Fundadora teve que alugar
ume casa, pois não houve quem lha cedesse, e para comprar não ha­
via recursos, tal a indiferença do povo. Quase em ruínas, a casa pre­
cisava de uma reforma, que ficou para mais tarde, quando houvesse
meios para isso. De Ciempozuelos chegaram duas Irmãs, uma Auxiliar
e 'l Superiora, Madre Rosário, que iriam formar a primeira Comuni­
dade e, para começar, logo foram recebidas sete meninas, já que a
casa não comportava mais. Comprando e pedindo, a Fundadora con­
seguiu 10 camas para os dormitórios; mas, como havia 12 pessoas
na casa, a Superiora e a Geral passaram a dormir no chão, durante
meses, até que puderam resolver a situação.

As coisas não prometiam melhorar, e não se podia pensar em


qualquer campanha em favor da Obra, que a Lei o proibia. A úni­
ca coisa que a Fundadora ainda podia fazer, era ir rezar na igre­
ja de Nossa Senhora dos Desamparados, pedindo que se abrisse o
coração daquele povo, porque as suas filhas estavam realmente de­
samparadas.
Os Padres Jesuítas e o Vigário, que não esperavam tanta indi­
ferença para com uma Obra tão necessária, não descansavam à pro­
cura de recursos, com que pudessem dotar a casa ao menos do indis­
pensável. E Da. Conchita era outra que andava o dia todo, batendo
de porta em porta, angariando esmolas, recolhendo donativos e ten­
tando despertar o interêsse das familias pelo Educandário das Obla­
tas.
Mesmo assim a situação não mudou, tanto que, um ano depois,
a Fundadora escrevia para Tortosa, onde se iniciava uma nova Fun-
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118
dação: Nada de dívidas! Chega êsse pesadelo de Valência que não
me dá um momento de sossego. Mandei para lá uma importância, mas
já sei que mal vai dar para um dia. Há meses que a pobre Madre Ro­
sário não pode pagar sequer o pão que as meninas comem.
Mas nem tudo foi fracasso em Valência. Durante os meses que
ali estêve, a Fundadora procurou, não somente recursos para o Edu­
candário, mas também Vocações para o Instituto. Foram muitas as
candidatas que se apresentaram, desejosas de serem logo admitidas
no Noviciado. Desconfiando um pouco dêsse entusiasmo inicial, a
Madre disse às candidatas: Vamos ver se, à última hora, alguma não
se esquece de preparar o azeite para a sua lâmpada. - Realmente,
nem tôdas seguiram para Ciempozuelos; mesmo assim não foram
poucas as Vocações que Valência deu à Congregação das Oblatas.
Prevendo que aquela Casa não iria ter futuro, dado o desinterês­
se do povo e, para evitar qualquer surprêsa desagradável às suas Ir­
mãs, a Fundadora voltou suas vistas para Alacuás, povoado vizinho
de Valência. Havia ali um velho convento dos Monges Mínimos, já
abandonado e pertencente ao Govêrno. Se a casa, bem arruinada, pou­
co valor tinha, o terreno era grande, e quase todo plantado, oferecen­
do grande vantagem para a construção de um futuro Educandário.
O povo do lugar ficou logo entusiasmado com a idéia da Funda­
ção, cuja propaganda ficou inteiramente a cargo da exuberante vi­
vacidade de Da. Conchita. Esmolas e contribuições não faltaram, de
modo que a Madre pôde comprar a casa e o terreno, fazendo o paga­
mento a prestações. Quando chegaram as primeiras Irmãs, destina­
das à Fundação, todo o povo saiu às ruas , dando vivas à Fundadora
e às «Monjitas».
Ao voltar para Ciempozuelos, Madre Antônia fêz uma visita às
suas Filhas, em Benicasim, onde ficou alguns dias. Recebeu ali a vi­
sita do Vigário de S. Jaime, em Tortosa, que também desejava uma
Casa das Oblatas em sua Paróquia. A alma desta Fundação foi uma
piedosa senhora, Da. Teodora Grau, que doou ao Instituto a casa em
que vivia, com um grande pomar, e tôda a sua fortuna em dinheiro.
Simples e humilde, pediu à Fundadora que a recebesse na Congrega­
ção, indo logo para Ciempozuelos, onde iniciou o noviciado.
Após a Profissão temporária, Madre Teodora foi nomeada pri­
meira Superiora da Casa de Tortosa, pois a Madre Geral teve que es­
perar mais de um ano para a inauguração do Educandário, devido
às ampliações que mandara fazer no prédio. Isso no entanto não
constituiu problema, pois recursos e terreno não faltavam. Já conhe­
cida dos seus conterrâneos, a Superiora teve a pronta colaboração
das Autoridades e do povo, para fazer daquela Casa uma das maiores
e mais bem instaladas do Instituto.
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119
Em Tortosa as Irmãs tinham de sobra o que lhes faltava em Va­
lência. Foi tal a alegria do povo, pela Fundação, que a chegada das
Oblatas se transformou numa verdadeira festa popular, com vivas
e aclamações pelas ruas. A Casa pràticamente não tinha despesas,
porque recebia quase tudo de graça; cestas e mais cestas de víveres,
pacotes, roupas, utensílios, tudo era entregue de presente, para as
meninas do Educandário. Dessa forma pôde a Fundadora escrever:
Aqui em Tortosa não é difícil a gente fazer voto de pobreza ...
Tendo assistido à inauguração dessa Casa, uma rica senhora de
Zaragoza deixou-se contaminar daquela generosidade e quis tam­
bém levar as Oblatas para sua cidade, onde lhes garantia tôda sor­
te de recursos e de auxílios. Em conversa com a Fundadora, fêz tan­
tas promessas e pintou o quadro com côres tão risonhas, que a Madre
acabou desconfiando, pois ainda se lembrava de Benicasim, onde as
Irmãs tinham ficado apenas com o telhado e paredes da casa. Por is­
so resolveu ir pessoalmente a Zaragoza, para estudar o assunto de
perto.
Chegando à cidade, Madre Antônia teve a primeira notícia desa­
gradável. A Benfeitora já havia falado com o Arcebispo e êste não
se mostrara muito de acôrdo com a Fundação, pois na cidade já exis­
tia uma Instituição, com a mesma finalidade das Oblatas. Indo exa­
minar a casa prometida, a Fundadora constatou que sua localização
não era das melhores, pois estava numa praça. Verdade que levava o
pomposo título de palácio, porque o fôra realmente, muitos anos an­
tes; mas agora estava reduzida a um casarão úmido e escuro, sem
condições para ser transformado num Educandário.
Diante disso a Fundadora achou melhor adiar aquêle assunto,
até que se apresentassem condições mais favoráveis. Voltando, po­
rém, a Ciempozuelos, dias depois, recebeu a licença do Arcebispo,
e Dom José achou que a Congregação devia estabelecer-se em Za­
ragoza, com vistas ao futuro. - Seja o que Deus quiser - disse a
Fundadora - a nossa vida lhe pertence, e é para 11:le que nos deve­
mos sacrificar.
Em 1880 foi inaugurada a Fundação, sendo a sua primeira Su­
periora a Madre Bonifácia Bueno. Embora tôda bondade no seu no­
me, no sobrenome e em suas maneiras, a Superiora não caiu no gôsto
das Benfeitoras da Casa, de modo que, um ano mais tarde, precisou
ser substituída. A Fundadora nomeou então Madre Anastácia, co­
nhecida pela sua simpatia, mansidão e capacidade para o trabalho.
Não sendo possível exigir mais, as Benfeitoras ficaram satisfeitas,
e a Fundação foi-se desenvolvendo normalmente, sem maiores düi­
culdades.
Diante da expansão quase repentina do seu Instituto, Madre An­
tônia compreendeu que estava diante de um problema bastante sé-
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120
rio: Com que recursos iria manter aquela Obra? Do G'lvêrno nada
poderia esperar, e às campanhas também não podia recorrer, porque
estavam severamente proibidas. Dessa forma, outro caminho não
lhe restava senão bater às portas da caridade pública.
Embora sobrecarregada com o trabalho das novas Fundações,
a Madre Geral ainda achou tempo e fôrças para viajar à procura de
ajuda, junto às suas amizades. Se antes elas se haviam mostrado in­
diferentes agora já estavam reconhecendo o valor daquela Obra,
e não deixariam de atender ao apêlo de quem não pedia para si, mas
para suas filhas necessitadas.
Uma outra finalidade estava ainda nos planos da Fundadora.
Viajando, não iria somente procurar recursos, mas também conhe­
cer outras Instituições semelhantes, dedicadas a reeducação das jo­
vens, para assim aproveitar a experiência de outros naquele campo
de apostolado. Educadora culta e inteligente como era, ela compreen­
dia que educar não é apenas vigiar e dar ordens. O apostolado das
Oblatas devia ser um trabalho lento, fruto não somente da paciência
e da compreensão, mas também do estudo, para poder transformar
completamente as vítimas da pobreza, da ignorância e da maldade.
Por isso, nada melhor que conhecer o que outros já tinham realizado
nesse sentido.
A primeira cidade que a Fundadora visitou, preocupada como
estava com seus Educandários, foi Lourdes, onde queria entregar
à proteção de Nossa Senhora o futuro da sua Obra. Passou dias in­
teiros de oração e recolhimento naquela gruta, que para ela, era um
pedaço ele céu, por estar afastada de todos e de tudo. Ali recebeu, de
um Sacerdote do Santuário, uma imagem de Nossa Senhora de Lour­
des, que levou para Ciempozuelos, entronizando-a solenemente no
Educa;idário.
Viajou em seguida para Bordéus, a fim de visitar o célebre «Re­
fúgio da Misericórdia», fundado pela Senhorita Lamouroux. Pôde
assim conhecer de perto uma obra admirável de zêlo e dedicação, rrn­
lizada pela obediência de uma alma que também renunciara a tudo,
para se entregar a um apostolado que, antes, só lhe causava aver­
são. O estabelecimento contava com 300 pessoas, entre meninas, mô­
ças e senhoras, divididas em grupos, dedicadas ao trabalho e à or'.1-
ção, num ambier..te leve e agradável, dentro de uma ordem e discipli­
na perfeitas. - Não me arrependo - escreveu a Madre - dos sa­
crifícios que fiz, para vir a Bordéus; aqui pude aprender muita coisa.
Devido as novas fundações que exigiam sua presença na Espa­
nha, Madre Antônia não pôde alongar mais a sua estadia no sul da
França. Voltou para Ciempozuelos, e ali, pouco tempo depois, recebeu
a triste notícia de que, em Roma, falecera a sua maior e mais santa

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amizade, o Papa Pio IX. A Fundadora sentiu profundamente a morte
daquele que sempre a distinguira com sua carinhosa atenção de pai.
No entanto, sua tristeza foi atfmuada por uma granue alegria, ao sa­
ber que, em seus últimos meses de vida, Pio IX ainda se lembrava,
de um modo especial, do Instituto e da sua Fundadora.
Ao saber da Obra iniciada na Espanha, por aquela Senhorita
Oviedo, cuja piedade e cultura pudera admirar, o Papa não deixou
de reconhecer o heroísmo daquela Mulher extraordinária, que havia
renunciado a tudo, para se dedicar a um apostolado tão difícil e hu­
milhante.
Num gesto de gratidão pelo bem que as Oblatas realizavam em
favor das jovens :r!ecessitadas, o Pontífice concedeu à Congregação
uma faculdade que a Fundadora sempre havia desejado: Ter o Ssmo.
Sacramento em tôdas as igrejas e mesmo nas capelas particulares
do Educandário. A esta concessão acrescentava-se a licença de pode­
rem as Irmãs e meninas ter Missa diária nas suas capelas, onde po­
deriam também cumprir o preceito dominical. A notícia desta con­
cessão foi recebida com festas, em tôdas as Casas, que logo tiveram
outra grande alegria, com aprovação diocesana do Instituto, pelo
Arcebispo de Toledo (25 de fevereiro, 1879). Mais uma vez a Fun­
dadora repetiu, com suas Irmãs, a sua jaculatória de sempre: Ben­
dito seja Deus por tudo!
Enquanto as Irmãs se alegravam e agradeciam a Deus, pela
aprovação diocesana do Instituto, a Fundadora começou a olhar mais
longe, pensando na aprovação pontifícia, que devia ser tratada em
Roma. Decidida a viajar, à procura de conhecimentos e recursos pa­
ra sua Obra, Madre Antônia tinha pensado visitar algumas cidades
do sul da França. Mas resolveu ir também à Cidade eterna, onde ten­
cionava dar, ao menos os primeiros passos, para a aprovação defini­
tiva da Congregação.
Dias antes de viajar, chegou a Ciempozuelos, uma mocinha de
16 anos, que, para não cair na perdição, pedia um lugar no Educan­
dário. A casa estava superlotada, e, justamente naquele dia, as cozi­
nheiras estavam em apuros, porque a dispensa já estava quase vazia.
Compreendendo a situação, Dom José tinha dito à Fundadora
que, dada a falta de recursos, o Educandário não poderia receber
mais ninguém. Madre Antônia ficou indecisa ante o pedido da pobre
môça; e esta já estava para chorar, quando a Madre lhe disse: Entre,
a Providência dará um jeito.!
Foi quando a Irmã Antera teve uma idéia: Já que as esmolas
não vinham até à porta da Casa, não havia outro remédio senão ir
buscá-las. A Madre concordou. E, no mesmo dia, Irmã Antera, acom­
panhada de outra Religiosa, saiu pelos sítios vizinhos, pedindo tudo
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122
o que pudesse servir para o Educandário. Dois dias depois, voltaram
as duas com um verdadeiro carregamento. Essa primeira experiên­
cia tornou-se, depois, costume na Congregação, não sàmente como
um meio de conseguir recursos, mas também como ocasião de se pra­
ticar a humildade.

A OBRA DE DEUS

Quando terminaram as festas de inauguração da Casa em Tor­


tosa, Madre Antônia e Madre Teodora empreenderam uma longa via­
gem pelo sul da França, Itália e Suíça. Não se tratava apenas de es­
tudar outros estabelecimentos, e arrecadar auxílios para os Educan­
dários; as duas iriam também a Roma, já que a aprovação do Ins­
tituto não poderia ser retardada. Viajando de terceira classe, embar­
caram para Barcelona, e daí para Marselha, onde a Madre Fundadora
contava com ótimas amizades, entre parentes e conhecidos. Não só
em Marselha, como em outras cidades que visitaram, falhou comple­
tamente a decantada generosidade francesa, que as mendicantes pen­
savam encontrar. As esmolas não deram sequer para as despesas da
v�agem, de modo que as duas Religiosas, várias vêzes, tiveram que
se contentar com alguma xícara de leite e um pedaço de pão, duran­
te todo o dia, renunciando às refeições, para poderem pagar as pas­
sagens. - Não importa, escrevia a Madre - estamos muito felizes,
vendo-nos tratadas como Nosso Senhor.
Em Niça, porém, as coisas mudaram. As duas mendicantes fi­
caram hospedadas com a familia de Paulo Depierre, filho de Da. Ma­
dalena Depierre. Em homenagem à afilhada de sua Mamãe, Paulo
deu à sua primeira filhinha o nome de Antonita, recebendo a Madre
Antônia como Madrinha de Batismo. A familia morava na assim cha­
mada Vila Éden, que foi realmente um paraíso para as duas pere­
grinas, pelo carinho e atenções com que foram tratadas.
Em Cannes, a família Carnevali fêz questão de hospedar a Ma­
dre e sua Companheira de viagem. Foram tratadas magnificamente,
a ponto de não poderem fazer qualquer despesa, porque os da casa
insistiam em pagar tudo. Dessa forma, a Madre pôde escrever: Aqui
parece que ganhamos a sorte grande, não jogando na loteria, mas
na caridade; basta dizer que as esmolas perfizeram um total de qua­
se 500 francos.
A 26 de junho (1880) as duas peregrinas chegaram a Roma, fi­
cando hospedadas com Da. Josefina Noel, afilhada da Fundadora.
- Por aqui - escreveu Madre Antônia a Dom José - estamos no­
tando uma diferença muito grande, com respeito ao que vimos na
França, pois todo mundo se desfaz em atenções para conosco. Estive
no Palácio Albani, para dar um abraço em Milagros, e foi ela quem
me afogou nos braços, tão feliz e contente ficou com a minha visita.
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No dia seguinte fêz questão de comungar comigo, levando-me de­
pois à sua casa, para tomar café e chocolate. Em meio àqueles ta­
lheres de prata, bem que me lembrei do meu voto de pobreza...
Dias depois, a Fundadora visitou o Cardeal Simeoni, já disposta
a sondar o terreno, para a aprovação do Instituto. E escreveu: �le
me contou os últimos momentos de Pio IX e me deu um bom pedaço
da batina do Papa; dizem que está alcançando graças extraordiná­
rias, e, por isso, todo mundo quer relíquias dêle.
Uma visita que a Madre não podia omitir era ao Padre Mauron,
com o qual iria tratar de vários pontos da Regra e da Observância,
com vistas à aprovação do Instituto. Ela mesmo é quem escreve:
Padre Mauron nos recebeu com muita bondade, interessando-se por
tudo o que se refere à nossa Obra. Ficou encantado com o nosso há­
bito, e, quanto ao emblema da Congregação, concordou fôsse o mes­
mo dos Redentoristas, mudando-se apenas a inscrição, que será esta:
Senhor, Tu nos remiste com teu Sangue.
Madre Teodora também escreveu a Dom José dizendo: A Ma­
dre Geral não tinha intenção de ficar muito tempo aqui, mas não
houve outro remédio. O Padre Geral está encantado com o nosso Ins­
tituto e com nossa atividade. Sempre que conversamos com êle a res­
peito do nosso trabalho, sua exclamação é a mesma: Que Obra ma­
ravilhosa! Ela é realmente uma Obra redentorista.
Noutra ocasião é a Madre Geral quem escreve: Padre Mauron
tem sido muito atencioso conosco e fica sempre aborrecido com as
exigências que nos fazem para a aprovação do Instituto. Mas não se
contém de alegria, quando ouve ou lê os elogios que aqui chegam, a
nosso respeito. Ontem êle me deu o que eu nunca lhe teria pedido:
um exemplar da Regra e Constituições dos Padres Redentoristas.
Como êle quer bem a nossa Congregação!
Mas, num ponto o Padre Geral não a pôde atender. Madre Antô­
nia pediu que, na Espanha, os Redentoristas fôssem Confessores or­
dinários das Oblatas. Como isso era contra a Regra, Padre Mauron
solicitou uma dispensa à Santa Sé; e a resposta foi negativa, como
já o tinha sido para as próprias Monjas Redentoristas. - Nesse caso
- escreveu a Madre - quando fôr a Turim, vou falar com Dom Bos­
co, para ver se êle nos dá os Salesianos como Confessores. Mas duvi­
do. - E acrescentava: Aqui em Roma, as «nossas meninas» estão
completamente abandonadas; não há, para elas, estabelecimentos
gratuitos, como os nossos. O Cardeal Vigário já manifestou desejo
de que as Oblatas venham para cá; eu lhe disse que, quando Deus
o quiser, nós estaremos prontas.
Tratando com o Padre Mauron, êste fêz ver à Fundadora que
eram duas coisas distintas, a aprovação do Instituto e a aprovação
da Regra, de modo que os dois processos, com todos os seus exames,
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não poderiam correr com muita facilidade. A Madre tratou então de
se informar bem com o Cardeal Simeoni, a respeito de tudo o que
se exigia para uma e outra aprovação. O trabalho não foi facil; ela
mesmo no-lo diz: Para dar conta de tudo o que a Sagrada Congrega­
ção exige, passo o dia e a noite escrevendo. Bendito seja Deus! Agora
estou traduzindo a Regra, e preciso caprichar muito na lêtra.
Logo depois, noutra carta, ela escreve: O Santo Padre já admi­
tiu o meu pedido, quanto à aprovação do Instituto. Dizem que êsse
é o primeiro passo; agora tenho muita coisa para apresentar: Uma
história pormenorizada de tôda a Fundação; cartas laudatórias e
pareceres dos Bispos; resposta a uma lista enorme de informações
e quesitos. Quase não posso mais escrever, tão cansada está a minha
vista; e, não raro, sinto minha cabeça girandc, em meio a tantos li­
vros italianos, franceses, e espanhóis, que me fazem esquecer em
que língua estou escrevendo, e. . . tenho que começar tudo de nôvo.
Todo êsse trabalho foi largamente recompensado, pois, ao sair
de Roma, a Fundadora pôde levar a quase certeza de que iria conse­
guir a aprovação do Instituto. Duas vêzes fôra recebida em audiên­
cia por Leão XIII; e, referindo-se ao trabalho da Congregação, o Pon­
tífice lhe declarou: Esta não é apenas uma Obra de caridade; muito
mais do que isso, é uma Obra de Redenção. - Para a Fundadora,
essa foi uma palavra que jamais esqueceu, pela esperança que lhe
infundiu, naqueles dias de intensa atividade.
Vendo-se assim, apoiada pela opinião do próprio Papa, e tendo
encaminhado, com segurança, todos os documentos necessários, Ma­
dre Antônia achou que podia regressar tranqüilamente; e a saudade
do seu trabalho, na Espanha, já a estava atormentando. Nos últimos
dias que passou em Roma, ela escreveu: Quem me dera entrar logo
num navio, para, em quatro dias, estar em Barcelona, e voltar para
a minha casa! - A Cidade eterna agora não a pr.endia mais, <::orno
noutros tempos; ela era a Fundadora, inteiramente dedicada à sua
Obra de Redenção.
Mas o seu regresso ainda iria demorar um pouco, devido às visi­
tas que devia fazer a alguns estabelecimentos destinados à reeduca­
ção de meninas e môças. Num dêles pôde admirar as educandas fa­
bricando, com perfeição, pequenas imagens e estatuetas de cêra.
flsses trabalhos eram vendidos, constituindo assim uma fonte de
rendas para a casa. Habilidosa como era, a Madre logo aprendeu os
segredos daquela arte, lembrando os recursos que as suas meninas
também poderiam cnnseguir, para os próprios Educandários.
Interessou-se também pela fabricação de perfumes, visitando
uma fábrica, onde se informou de tudo. Logo projetou fazer, em Ala­
cuás, uma grande. plantação de rosas, violetas e jasmins, que seriam
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vendidos às fábricas, ou utilizados pelas rneninaE, para a fabricação
de perfumes e essências de diversas qualidades. Corno se vê, naquela
prodigiosa cabeça de Fundadora, tanto estava um processo cheio de
complicações, corno estavam também as estatuetas de cêra, ou urna
plantação de flôres. Em tudo ela via urna Obra, dedicada à glória de
Deus.
Não gostou nada de um Educandário onde viu as meninas tra­
tadas corno prisioneiras, à base de castigo e de exagerado rigor. -
Aqui - disse ela - nada pude aprender, pois, com maus tratos e sem
compreensão, não educamos ninguém.
Passando ràpidarnente por Loreto, Bolonha, Milão e Turim, para
receber alguns donativos, as duas peregrinas foram para a Suíça,
onde a Madre tinha ainda alguns assuntos para resolver, «para ficar
livre de um pêso», corno ela mesma escreveu. A 27 de setembro che­
garam a Genebra, e daí saíram logo para Friburgo. Após vinte anos
de separação, as amigas e conhecidas da Madre, que não eram pou­
cas, queriam aproveitar bem aquela visita, que, esperavam, não fôs­
se apressada. Mas urna carta de Dom José transtornou os planos
daquelas famílias que disputavam poder hospedar a Madre Funda­
dora. O Bispo reclamava, com urgência, a presença da Madre Geral
em Madrid. Dessa forma a visita foi rápida, e Madre Antônia apres­
sou a sua volta, chegando a Ciempozuelos a princípios de outubro
(1880).
Aquela peregrinação tinha durado sete meses, e o resultado fôra
sem dúvida, bastante consolador. Se as esmolas arrecadadas não re­
presentavam muito, davam, ao menos, para atenuar as dificuldades
do momento. E a Madre se consolava, rezando com a sua naturali­
dade: Jesus, se o Senhor não quer que nos dêem esmolas, é o Senhor
mesmo quem sai perdendo, pois não é para nós que pedimos.
No entanto, a maior alegria que ela trouxera, ao regressar, era
a certeza de que logo iria receber o Decreto de aprovação do seu que­
rido Instituto. Realmente, a 4 de março de 1881, o Secretário da Con­
gregação dos Bispos e Regulares estêve em audiência com o Papa e
lhe apresentou oficialmente o pedido de aprovação do Instituto e da
Regra das Oblatas do Santíssimo Redentor. A 30 do mesmo mês
foi dado o Decreto de louvor à Obra fundada pela Madre Antônia
Maria da Misericórdia, ficando para mais tarde o Decreto definitivo
de aprovação, tanto do Instituto, corno da Regra.
- Eu sei - escrevia então a Madre ao Padre Mauron, - que
isso é apenas o cornêço, faltando ainda os dois Decretos definitivos.
Mas já estamos no caminho seguro. Recebi, nestes dias, uma carta
do Encarregado de examinar nossas Constituições, e diz que seu voto
será favorável. Sem dúvida, urna notícia consoladora.
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126
Nessa mesma carta a Fundadora manifesta a sua preocupação
pela observância regular, dizendo: Agora estou tratando de colocar
o quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro no altar-mor da
nossa Capela, em Ciempozuelos. Foi uma promessa que fiz, pedindo
a Nossa Senhora me deixasse levantar, de manhã, com a Comuni­
dade, não precisando mais de repouso extraordinário. Ela me ouviu,
e, nestes dias, já tenho estado com as Irmãs, logo de manhã, no côro.
Um mau exemplo a menos que estou dando para tôdas ! Peço as suas
orações, para que eu vá eliminando também os outros.
O Decreto Pontifício, que louvava o Instituto e suas atividades,
foi recebido com imensa alegria em tôdas as Casas da Congregação.
A Fundadora determinou que essa aprovação inicial fôsse celebrada
em todos o Educandários, no dia 24 de junho; e explicava a Dom
José: Será êsse o grande dia de Ação de graças pelo Decreto, pois
será o dia da Festa do Sagrado Coração; além disso, é aniversário da
Primeira Missa celebrada no primeiro Educandário do Instituto, em
Ciempozuelos, e foi também, nesse dia, que pela primeira vez, fiz o
meu voto de castidade, com a intenção de me consagrar a Nosso Se­
nhor.
Em Ciempozuelos, constava, do programa das solenidades, a to­
mada de hábito de nove Postulantes e a Profissão perpétua da Fun­
dadora. Esta havia pedido ao Arcebispo de Toledo para emitir os
seus votos perpétuos nesse dia, em companhia de outras Irmãs. A
licença, porém, foi concedida somente para a Madre Fundadora, fi­
cando a Profissão das demais para outra oportunidade.
Após a solenidades, numa carta ao Padre Mauron, a Madre Ge­
ral escrevia: Aquela jovem que vossa Reverendíssima conheceu em
Friburgo, impondo-lhe o santo Escapulário, e que, tantas vêzes, de­
pois, com imensa bondade, recebeu em Roma, dando-lhe, mais tarde,
o título de Oblata Redentorista, no dia 24 teve a felicidade de fechar
definitivamente as cadeias, consagrando-se para sempre a Nosso Se­
nhor, 17 anos após a fundação do primeiro Educandário, 14 desde
que somos Oblatas, onze após minha tomada de hábito, e oito depois
de meus primeiros Votos.
Era assim, com tôda gratidão, que a Fundadora olhava o ca­
minho percorrido, desde que, contra as próprias inclinações, acei­
tara a Vontade de Deus, naquela igreja de Santo Isidoro. Humana­
mente, a sua Obra estava destinada ao fracasso. Muitos a olhavam
com indiferença, e até com desprêzo; e não eram poucos aquêles que
a combatiam, procurando impedir o seu desenvolvimento.
Deus, porém, foi mostrando, aos poucos, que aquela Obra de
Redenção era sua e manifestou, pela voz da Igreja, a sua aprovação
para com o trabalho realizado pelas Oblatas. Aquêle Decreto de lou-

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127
vor não era somente uma recompensa que a Fundadora colhia, como
fruto dos seus sacrüícios; era uma nova fôrça que Deus lhe empres­
tava para as novas lutas que iriam enfrentar. É que o suor e as lágri­
mas nunca faltam nos alicerces das Oblatas de Deus.

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128

XIV

NOVAS LUTAS E NOVOS ÊXITOS

Dom José havia chamado urgentemente a Fundadora, fazendo-a


interromper aquela visita a Friburgo, para voltar, quanto antes, a
Ciempozuelos. E a Madre regressou, mas amargurando uma interro­
gação que não sabia explicar: Qual o motivo daquela carta e daquela
urgência?
A situação política e religiosa da Espanha tornava-5e cada vez
mais sombria. Pouco a pouco os inimigos da Igreja tinham consegui­
do controlar o Govêrno, e os decretos ou leis que iam forjando, já não
deixavam lugar a dúvidas: queriam realmente acabar com as Ordens
e Congregações religiosas para impedir qualquer influência da Igre­
ja sôbre o povo. As medidas iam sendo tomadas, umas após outras,
com a manifesta intenção de tolher tôda liberdade às Instituições
religiosas e fazê-las desaparecer lentamente.
Ante as notícias de que, também na Itália, a situação não era
das mais risonhas, a Madre escreveu ao Padre Mauron: A nossa po­
bre Espanha não está em melhores condições; vivemos agora sôbre
um vulcão, e todos sabem que, a qualquer momento, poderemos ter
aqui uma República vermelha. Mas, se forem supressas as Congre­
gações religiosas, trocaremos o nosso hábito por um traje secular,
e continuaremos o nosso trabalho com a mesma dedicação. Ao mes­
mo tempo que vai desaparecendo a fé, também vai definhando a ca­
ridade; precisamos fazer tudo para que não nos falte o pão de cada
dia, e possamos receber as infelizes que nos procuram, fugindo ao
caminho da perdição.
Tendo proibido as rifas em benefícios de algumas Congregações
mais recentes, o Govêrno lhes havia destinado uma pequena verba,
como compensação, a título de auxílio. Mas, torcendo e retorcendo
motivos, os inimigos da Igreja estavam na iminência de conseguir
um decreto, cancelando aquelas verbas; e uma das Congregações que
seriam atingidas, era a das Oblatas.

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129
Insignificante como era, a verba em si não interessava tanto à
Fundadora. Mas, sendo um auxílio oficial, não deixava de, em certo
modo, ser uma aprovação, ao menos indireta. E isso era o que mais
preocupava a Madre Geral, pois sabia que, não sendo reconhecida pe­
lo Govêrno, a qualquer momento, a sua Obra poderia ser fechada.
Madre Antônia não perdeu tempo. Dirigiu-se a Madrid, e mobi­
lizou tôdas as suas amizades em favor dos Educandários, sabendo que
a supressão da verba oficial era a primeira de outras medidas ten­
dentes a acabar com a sua Obra.
Durante quase dois meses, a Fundadora andou percorrendo a
pé as ruas da Capital, indo de ministério a ministério, de um palá­
cio para outro, e escrevendo dezenas de cartas, ofícios e relatórios,
para impedir o golpe que se preparava contra a sua Congregação.
Em audiência com o Rei Afonso XII, êste a recebeu com a maior deli­
cadeza, dizendo que, para ela, as portas do Palácio estariam sempre
abertas. Mas a Madre percebeu muito bem que, para qualquer deter­
minação, o pobre Monarca já estava atado de mãos e pés.
Por isso, visitou ainda vários Ministros, estêve com os políticos
mais influentes, e, após um intenso trabalho para os 60 anos que já
levava consigo, a Fundadora escreveu ao Padre Mauron: Há 6 sema­
nas que estou em Madrid, tentando resolver essa questão; mas ape­
sar de tôdas as promessas, tendo muito pouca esperança. A única
coisa que ainda me consola em tudo isso, é o proveito espiritual das
nossas pobres meninas, as quais, ameaçadas de ficar na rua, estão
rezando muito e fazendo muita penitência. A nossa Obra é realmente
sublime, e, por isso, o demônio está fazendo tudo para a destruir.
A Fundadora não se enganou, ao escrever que, apesar de tôdas
as promessas, pouca esperança tinha de impedir o famigerado decre­
to. :Êste foi publicado algum tempo depois, e os Educandários, intei­
ramente gratuitos passaram a viver de esmolas, sem qualquer auxílio
oficial.
Mas a Providência não deixou de consolar a Madre Fundadora,
logo após o gólpe que recebera dos seus inimigos. Pouco tempo de­
pois chegava a Ciempozuelos o texto da Regra da Congregação, in­
teiramente revisto e aperfeiçoado pela Sagrada Congregação, em
Roma. Era um sinal evidente de que o processo para a aprovação,
tanto do Instituto, como das Constituições, não tinha sido arquiva­
do, mas iria esperar apenas os anos de prova e de experiência, para
ser concluído.
O nôvo Texto não apresentava modificações de importância.
Mudava o têrmo «Regra da Congregação» para «Constituições da
Congregação», e em vez de «Religiosas Oblatas» dizia «Irmãs Obla­
tas» ; além disso, tôdas as citações de Santo Afonso não apareciam
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130
entre aspas, como a Fundadora as havia apresentado. - O mais im­
portante - escrevia a Madre ao Padre Mauron - é que não querem,
entre aspas, as citações de Santo Afonso; eu nunca teria pensado
assim, pois tinha a impressão de que estaria plagiando.
Com o seu bom humor de sempre, costumava a Madre dizer que
a sua vida era, mais ou menos, como as alegrias e sofrimentos de
São José ... Qualquer notícia alegre signüicava geralmente, para
ela o anúncio de alguma tristeza ou contrariedade. Pouco tempo de­
pois de receber o nôvo Texto das Constituições, chegou-lhe uma carta
de Roma, com a notícia de que o Padre Mauron tinha adoecido, e tão
gravemente, que todos temiam pela sua vida. - Passamos uns dias
de verdadeira angústia - diz ela - com as tristes notícias que nos
chegavam, sôbre a saúde do nosso querido Padre Geral. - A Madre
pediu orações e penitências a tôdas as Casas, e não se tranqüilizou,
enquanto não soube, pelos Redentoristas de Villarejo, que o enfêrmo
já se havia restabelecido.
Outro golpe bastante doloroso ela estava para receber, com a
morte da Madre Maria da Apresentação. Admirada pela sua virtude
e capacidade, a primeira Mestra de Noviças parecia uma alma-irmã
da Fundadora, tão bem se entendiam as duas, no amor ao Instituto,
e na formação das futuras Oblatas.
A Madre Geral estava nas Astúrias, quando soube que a Mestra
perdera completamente as fôrças para o trabalho. Providenciou lo­
go, para que a enfêrma se dirigisse a Godella, onde poderia descansar
e fazer o tratamento indicado. Mas já era tarde; tratava-se de um
caso incurável. A 18 de agôsto de 1882, Madre Apresentação faleceu
santamente. - Ela era um anjo - escreveu a Fundadora - por isso,
tinha mesmo que voar para océu.
Pouco antes de falecer a Madre Mestra, a Geral lhe escreveu
uma carta, que a pobre doente não chegou a receber. - Então - di­
zia Madre Antônia - a Senhora resolveu mesmo ir para o céu? Pe­
lo menos não se esqueça de nós quando lá chegar. Mande-nos muitas
Vocações, e seja sempre a nossa intercessora.
Madre Apresentação parece que ouviu o pedido da Fundadora,
pois as Vocações foram logo aumentando, de um modo quase ines­
perado, e, dessa forma, pôde a Madre Geral atender os contínuos
pedidos que recebia, para as novas Fundações.
Em Santander já existia uma Casa para reeducação das jovens,
a cuidado das Irmãs de Santa Micaela do Santíssimo Sacramento.
Mas - dizia o Secretário do Bispado - a «clientela» aqui é muito
grande, e precisamos também das Oblatas. Elas podem abrir aqui
um Educandário com as dimensões da Alamêda. - Assim se chama-

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131
va, na cidade, uma avenida com um quilômetro de comprimento, por
trinta metros de largura.
O Bispo diocesano era amigo de Dom José e já conhecia a Obra
da Madre Antônia; por isso não se opôs à Fundação, sendo pelo con­
trário, um dos seus mais decididos animadores. Apenas avisou a Ma­
dre que, economicamente, nada podia fazer, pois, no momento, já es­
tava construindo várias casas de caridade, que lhe consumiam tudo.
- Não faz mal - respondeu Madre Antônia - Deus é mais rico
que tôda Santander.
Esta palavra cheia de confiança impressionou muito bem ao Bis­
po, que, sem demora, começou a procurar um lugar adequado para
inicio da construção. Uma Religiosa Oblata, Irmã Joana da Cruz,
era de Santander, e ali possuía vários terrenos, que recebera de he­
rança, antes de entrar na Congregação.
Mas, como eram todos pequenos e impróprios para a Obra, a
Madre os vendeu, podendo assim comprar uma chácara fora da ci­
dade, onde logo começou a funcionar um Educandário provisório.
O trabalho das Irmãs e a boa vontade do povo fizeram com que, pou­
cos anos depois, fôsse inaugurado o prédio definitivo, com horta, po­
mar e pátios para recreação.
Em 1881, a Madre escrevia a Dom José: Há cinco anos que nos
estão pedindo uma Fundação em Valladolid. - O pedido, sempre in­
siste, partia dos Padres Jesuítas; mas um Cônego da Catedral já
havia avisado a Fundadora: Valladolid deseja e vive desejando; mas,
para não fazer nada, para realizar nada. - O Arcebispo era quem
oferecia a maior oposição, porque o Instituto ainda não tinha sido
aprovado em Roma. Essa dificuldade, porém foi logo superada, quan­
do saiu o Decreto pontifício, louvando a Congregação e a sua Obra. O
Arcebispo não fêz mais dificuldade, e a Madre começou a estudar a
localização do futuro Educandário.
Apesar do trabalho e boa vontade dos Padres Jesuítas, não hou­
ve quem oferecesse casa ou terreno para a Fundação. O assunto tinha
que ser resolvido mediante compra ou aluguel, e as casas em vista
eram tôdas muito acanhadas e no centro da cidade. Foi qua�do o
Superior dos Jesuítas resolveu falar com a Condêssa de Superunda,
a respeito de um velho palácio que ela possuía em Valladolid. Aban­
donado e quase em ruínas, o prédio pelo menos era grande, e, com
uma boa reforma, poderia servir para um Educandário provisório.
Como a Condêssa vivia em Madrid, a Fundadora teve que espe­
rar alguns meses, até que o assunto ficou resolvido. A proprietária
quis doar a casa às Irmãs; resolveu, porém, alugá-la por uma ni­
nharia, para evitar que, no caso de alguma perseguição, o Govêrno
pudesse usurpar o prédio.
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132
As duas primeiras Religiosas que chegaram para preparar a
Fundação, tinham sido avisadas pela Madre que os sacrifícios não
seriam poucos. A casa teve que passar por uma limpeza geral e por
uma reforma completa, antes de receber a primeira Comunidade e as
poucas meninas que ali podiam ser alojadas. Vivendo exclusivamente
de esmolas, o Educandário passou meses de verdadeira penúria, até
que o povo compreendeu a necessidade de auxiliar a Obra.
Madre Antônia quis fazer companhia com as primeiras Irmãs
da Casa, partilhando com elas os sacrifícios de uma Fundação que
parecia quase impossível. Ali permaneceu durante os primeiros me­
ses, e consolava as suas Religiosas, dizendo: já que não estamos aqui
para descansar, mas para ganhar almas, Nosso Senhor saberá re­
mediar tudo. - E somente com essa confiança firme na Providên­
cia, foi possível levar avante aquela Fundação.
Se em tôdas as Fundações que iniciava, a Madre tinha que passar
por sacrifícios e contratempos, também não lhe faltavam as alegrias
com que Deus recompensava a sua dedicação. Em Múrcia, as Autori­
dades e o povo estiveram tão unidos em tôrno da Fundação, que a
Madre se viu largamente consolada ao inaugurar aquela nova Casa
do Instituto.
Escrevendo ao Padre Mauron, a Fundadora dizia: Múrcia já con­
tava com um pequeno Educandário, mais ou menos do nosso estilo,
fundado, fazia anos, por Dona Assunção Barrena, uma santa que já
faleceu. Eram doze as educandas, a cargo de quatro senhoritas que
desejavam formar uma Comunidade religiosa. O Bispo da cidade é
muito nosso amigo, e tão interessado na Fundação, que já nos en­
tregou o Educandário e as meninas. Entrando naquela Casa humilde
e simples, fiquei mesmo comovida com a pobreza, com o silêncio e re­
colhimento. As meninas, piedosas e comportadas, estiveram de olhos
baixos durante todo o tempo em que as visitei, conversando com elas.
A primeira Superiora da Comunidade foi a Madre Bonifácia Bue­
no, que ali teve bem mais sorte, não encontrando benfeitoras tão exi­
gentes como em Zaragoza. As quatro senhoritas continuaram aju­
dando na casa, enquanto a Madre Fundadora as ia observando, antes
de serem admitidas no Instituto. - Das senhoritas - escreve ela
- uma chama-se Maria, e é muito acanhada, algo tímida ; a outra,
Tereza miudinha e parece uma Santa Engrácia; mas dizem que tra­
balha muito bem na cozinha; a terceira é bastante feia, manquitola,
não promete muito; e a última, algo convencida, não sei se irá per­
severar. Dada a boa vontade do povo, a Fundação não teve dificulda­
des para se desenvolver e progredir. Era o que a Madre dizia numa
carta: O Sr. Bispo está muito satisfeito com nosso trabalho e acha
que logo poderemos ter aqui um ótimo Educandário. - De fato, ven-
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do o resultado que as Oblatas conseguiam naquele apostolado, uma
rica senhora, Da. Carolina Baltés, resolveu construir, por própria
conta, e em terreno doado por seus sobrinhos, um prédio grande, bem
mobiliado, que foi entregue ao Instituto uns três anos mais tarde.

FIRMEZA INVENCfVEL

A Fundação de Tarragona foi das mais complicadas e difíceis,


pondo à prova tôda a coragem e firmeza da Madre Fundadora. Basta
dizer que, lembrando tudo o que sofreu, por motivo daquela Funda­
ção, ela nos deixou uma crônica, intitulada «Diário desde o triste 20
de maio de 1882». Muito significava, a primeira frase dessa crônica
diz: Bendito seja Deus em todos os golpes, como em todos os bene­
f[clos! (Aqui o original tem seis pontos de exclamação). Que J!:le me
dê fôrças para agüentar, senão de pé, ainda que caída ou pisada,
mas até ao último suspiro, repetindo sempre: Seja feita a vossa von­
tade, e não a minha!

Todo o assunto da Fundação começou a se complicar logo de


Início. A necessidade de um Educandário em Tarragona era ponto
pacífico, que todos admitiam. Mas, enquanto alguns pensavam en­
tregar a Obra às Oblatas, outros queriam entregá-la às Irmãs Adora­
doras ( de Santa Micaela do Santíssimo Sacramento) e isso porque
as idéias políticas de Dom José não agradavam a certos círculos in­
fluentes da cidade.
Com tanto ardor o jesuíta Padre Cabré defendeu as Oblatas,
que o Bispo acabou resolvendo chamar a Madre Antônia, para tratar,
com ela, o assunto da Fundação. Todos concordaram, e logo foi orga­
nizada uma Comissão, para dar início às obras.

Começada a construção, tudo ia indo muito bem, dentro do maior


entusiasmo. O povo contribuía generosamente e a Comissão não pou­
pava esforços. Mas, chegada a hora de pagar as primeiras 10.000 pe­
setas, ninguém mais se entendia. As faturas eram empurradas de
um lado para outro, porque ninguém as queria pagar. A Comissão
as mandava para o Bispado; o Bispado as devolvia à Comissão, e, no
fim, tôdas as contas iam parar nas mãos da Madre Dolores, encarre­
gada de acompanhar o andamento das obras.

Sem saber o que fazer com tanta fatura, a pobre Superiora ia


ajuntando tôda a papelada numa pasta e dizia à Madre Geral: Arran­
car petróleo dêste chão é mais fácil que tirar 10.000 pesetas desta
Comissão ...
O assunto era todo um enleado de interêsses, de ambições e até
de política. E isso era o que esgotava os nervos da pobre Fundadora,

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vendo-se obrigada a tratar com a mentira e a vaidade que se apos­
savam das Obras de Deus. Sua consciência não podia mais suportar
aquela situação; e começou a pensar como sair daquele embrulho
que lhe tinham preparado, com tanta hipocrisia.
Madre Dolores, não sabendo como pagar as contas, já não se ali­
mentava, nem dormia, definhando de preocupação. - Ela já não se
agürnta em pé - dizia a Fundadora - e se nós a perdermos, não
terei outra que possa enfrentar tantos aborrecimentos. - De todos
os lados chegavam promessas de fortunas que seriam legadas à Obra,
ou de festivais que seriam organizados em benefício da construção.
Mas pagar as contas era o que ninguém queria. - Promessas não re­
solvem - dizia a Madre - pois elas não pagam faturas.
O impasse continuava. Todos discutiam, por tôda parte surgiam
comentários, nenhuma solução à vista, e a construção paralisada. Pro­
fundamente aborrecida, a Fundadora ia de porta em porta, procuran­
do um acôrdo, tentando convencer a uns e dissuadir a outros. Tinha
dado a palavra ao Bispo, e não voltaria atrás, antes de esgotar todos
os meios para resolver aquêle assunto. Mas a Comissão continuava
com promessas e evasivas, ocultando as segundas intenções que a Ma­
dre estava cansada de conhecer.
Afinal, a paciência da Fundadora chegou ao fim. Os membros
da Comissão podiam ser muito espertos, mas não se lembraram de
que estavam tratando com uma mulher Oviedo, que não aceitava
situações confusas ou duvidosas. Ela queria ver as coisas claras e re­
solvidas com sinceridade. Por isso não esperou mais, e resolveu for­
çar a situação.
Comunicou a todos que iria retirar de Tarragona as duas Irmãs
que ali estavam, e deixaria o assunto para mais tarde, até que a Co­
missão quisesse realmente trabalhar. Essa decisão estourou como
uma bomba em tôda a cidade. Alarmaram-se os responsáveis pela
Obra, e o Bispo foi o primeiro a recorrer a Dom José, pedindo-lhe
que as Irmãs não se retirassem.
Como bom catalão, que não sabia voltar atrás, Dom José escre­
veu à Madre: Haja o que houver, essa Fundação tem que ir p'ra fren­
te! - A Fundadora compreendeu que estava diante da Obediência.
Aquêle purgatório iria continuar, e a única vítima, em tudo, tinha
que ser ela mesma. Aceitou a ordem recebida, e continuou lutando
por uma solução.
No entanto, a sua ameaça de retirar as Irmãs surtiu efeito. A
Comissão compreendeu que não podia continuar naquele papel ridí­
culo e resolveu pagar as contas. As obras foram reiniciadas em ritmo
acelerado, porque, temendo novas surprêsas, a Fundadora resolveu
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levantar um empréstimo. Sempre tivera horror a dívidas; mas pre­
feriu fazê-las, para não ficar dependendo sempre da tal Comissão.
Terminada a parte principal do prédio, o Educandário foi inau­
gurado, embora faltasse tudo dentro da casa. A Madre desejava sair
quanto antes daquele pesadelo, e, ora apoiada em suas amizades, ora
valendo-se do trabalho das Irmãs, conseguiu dar ao Educandário tu­
do o que lhe faltava, para começar a funcionar normalmente.
Novos aborrecimentos a esperavam em Santiago de Compostela,
onde a Fundação, que a princípio parecia muito fácil, acabou sendo
motivo de preocupações, durante vários anos.
Grande benfeitor do Instituto em Benicasim e em Valência, o
Padre Sempere fôra transferido para Santiago, onde começou a tra­
balhar para conseguir um Educandário das Oblatas. Havia na cida­
de um Hospital, com um pavilhão destinado exclusivamente às jovens
infelizes que ali se refugiavam. A direção da casa estava a cargo de
um grupo de senhoras, às quais sobrava boa vontade, mas faltava
competência; por isso, a Direção do Hospital já estava à procura de
Religiosas que pudessem cuidar daquele Pavilhão.
Padre Sampere sugeriu ao Cardeal-Arcebispo chamasse, para
Santiago, as Oblatas, cujo trabalho êle já conhecia de perto. O Car­
deal concordou, escrevendo logo para a Fundadora; e esta aceitou a
incumbência, estabelecendo, porém, que as Irmãs entrariam no Pa­
vilhão, com plenos poderes para organizar, administrar e dirigir. Mui­
to satisfeito, o Arcebispo teve a gentileza de mandar sua própria car­
ruagem às estação, para receber as primeiras Oblatas que iam traba­
lhar em Santiago.
No Hospital, as Irmãs foram recebidas com muita alegria e mui­
ta festa por todos. Mas, quando a Superiora, Madre Marta, começou
a dar as primeiras ordens no Pavilhão, a coisa mudou de aspeto. A
Diretoria do Hospital sentiu-se diminuída, e choveram reclamações
à Madre Geral. As Senhoras dirigentes achavam que as Irmãs tinham
que ser ali simples empregadas, sem qualquer autoridade para man­
dar ou resolver. E, instigadas por outros, as môças do Pavilhão tam­
bém começaram a reclamar, dizendo que a disciplina das Irmãs era
demasiado rigorosa e lhes tirava tôda liberdade. A confusão era ge­
ral; todos querendo mandar, ao passo que obedecer, nem as môças
queriam.
Informada de tudo o que se passava, Madre Antônia viajou pa­
ra Santiago, a fim de resolver o problema. A situação, porém, estava
tão confusa e complicada, que ela escreveu a Dom José: Aqui o de­
mônio meteu mesmo a pata; mas, com paciência e humildade, espero
que a irei arrebentar.
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Realmente, foi necessária muita pac1encia no caso, pois a umca
solução era as Irmãs instalarem o Educandário numa casa indepen­
dente, para se verem livres de qualquer interferência estranha; mas
essa casa não existia.
Durante meses a Fundadora andou procurando onde colocar suas
Oblatas e as môças do Pavilhão. Nada conseguindo, acertou com o
Arcebispo várias medidas que garantissem o trabalho das Irmãs no
Hospital, até que fôsse possível a mudança para uma casa própria.
Regressando para Ciemposuelos, a Fundadora levou consigo Da.
Ramona Varela, uma das Dirigentes do Pavilhão, a qual, mais tarde,
veio a ser uma das Superioras de maior prestígio no Instituto. Ter­
minado o Noviciado, e feitos os Votos, Madre Ramona foi nomeada
Superiora de Santiago, em 1885. Logo deu início à construção de um
prédio próprio para o Educandário valendo-se das amizades e conhe­
cimentos que possuía na cidade. Em 1889 a casa estava pronta, e a
Superiora podia escrever à Madre Geral: Agora, sim, temos casa
própria, com horta, água abundante, e até com um pouco de sol, quan­
do êle resolve aparecer por êste céu de Santiago ...
Em Godella, cidade próxima a Valência, já existia uma casa pa­
ra reeducação de môças, fundada pelo virtuoso Padre João Monta­
nhês. Contando com umas 15 educandas, a casa era dirigida pelas
Irmãs Adoradoras, que, por falta de vocações, ali não puderam con­
tinuar. Padre Montanhês já estava para terminar a construção de um
prédio nôvo, com capacidade para umas 60 meninas, e resolveu en­
tregar tudo às Oblatas. Madre Antônia foi a Godella e ficou encanta­
da com a casa, muito bem construída, e principalmente com a Capela,
já provida de todo o necessário para o culto.
A 8 de março de 1883, as Irmãs foram recebidas com muita fes­
ta na cidade, e o Educandário foi inaugurado, qual se fôra uma nova
Fundação.
Desde 1881 já se falava de uma casa das Oblatas em San Sebas­
tian; mas a fundação só foi possível uns três anos mais tarde.
Quem mais se interessou por essa Fundação foi a Condêssa de
Llobregat, que prometia dar, para o futuro Educandário, um prédio
novo, inteiramente mobiliado, com horta, jardins e pomar. Madre
Antônia pediu a necessária licença ao Bispo de Vitória, enquanto o
Prefeito da cidade prometia todo o seu apoio à Obra. A casa estava
assim fadada a nascer sob o signo da abundância e da facilidade. No
entanto, com a experiência que tinha, a Fundadora sabia que nem
tudo seriam rosas; e as contrariedades realmente não faltaram.
Para inspecionar o andamento das obras, a Fundadora encarre­
gou a Superiora de Vitória, Madre Ambrósia, por estar próxima de

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San Sebastian. Tôda a planta interior do edifício fôra cuidadosamen­
te estudada pela Madre Geral, em companhia do arquiteto. Mas, Ma­
dre Ambrósia tinha lá suas idéias, em matéria de construção; e não
foram poucos os aborrecimentos que deu à Madre Geral, quando se
pôs a modüicar tudo, a seu bel-prazer. E, o que era pior, dificilmente
cedia em seus gostos e caprichos.
Informada de tudo, Madre Antônia não teve outro remédio senão
escrever: Já recebi de San Sebastian três cartas, com muitas queixas,
a respeito dos gastos inúteis que a nossa Madre Ambrósia está fazen­
do, com mudanças que eu não autorizei. Soube que, em vez de salas
amplas e espaçosas, a Senhora está multiplicando os quartinhos, as
portas, os corredores e passagens. Mandou fazer dormitórios indivi­
duais para as meninas? Nada disso! Quero dormitórios comuns, bem
abertos, com as meninas à vista, e bem fiscalizadas. Já não sei como
estará essa construção mas lembro-me perfeitamente de tudo o que
ficou combinado e de tudo o que mandei.
Apesar das promessas feitas pela Condêssa, não foram poucos
os apuros econômicos que a casa conheceu, nos primeiros tempos. A
Madre, porém, não se impressionava muito com essas dificuldades,
vivendo, como vivia, nas mãos da Providência. - Que tenhamos con­
fiança - dizia ela - e a mão de Deus logo irá resolver tudo, pois
nunca nos abandonou.
A 1. de maio (1884) Madre Antônia chegou a San Sebastian pa­
ra estabelecer a primeira Comunidade. A casa ainda não estava bem
terminada, mas a Fundadora quis inaugurá-la nesse dia, por ser o
primeiro do mês de Nossa Senhora. - O prédio é muito bonito - es­
creveu - e até luxuoso, pois, nalgumas coisas, houve gastos inúteis.
Como a Capela ainda não estivesse pronta, foi preciso improvi­
sar o altar, e tudo o mais foi emprestado: Imagens, toalhas, casti­
çais e tapêtes. A tarde do mesmo dia, deviam chegar, de Vitória, as
cantoras, para a Missa solene do dia seguinte; mas falharam, e as
Irmãs tiveram que passar a noite tôda ensaiando, e fazendo gargare­
jos, para suprirem a falta do côro. E, dizem as crônicas, fizeram-no
com perfeição. San Sebastian era a décima quarta casa do Instituto,
que a Fundadora inaugurava. Tôda feliz, ela escreveu em suas Notas
sôbre a nova Fundação: Senhor, hoje, nós te oferecemos mais uma
casa. Em troca dêsses 14 Sacrários, dá-nos um lugarzinho a teus pés,
lá no céu!
Embora ocupadíssima com o govêrno do Instituto, e com suas
novas Fundações, Madre Antônia ainda achava tempo para defender
os interêsses de suas filhas, ameaçadas pela falta de recursos. As ri­
fas estavam proibidas e as verbas canceladas; mas a Fundadora não
cruzaria os braços. - Estive em Palácio - es;creve ela - e falei
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138
com a Rainha Isabel; vou mover céus e terra, para ver se consigo
alguma coisa.
E o seu trabalho não foi inútil. Argumentando como sabia, aca­
bou conseguindo um auxílio anual de 8.000 pesetas do Govêrno para
os Educandários, não propriamente como verba, mas a título de in­
denização.
Um dia em que estava em Madrid, cuidando dêsse auxilio do Go­
vêrno para as suas casas, a Fundadora foi procurada por uma senho­
ra já bem idosa, nascida em Ciempozuelos. Assim como a viu no pri­
meiro encontro, a Madre descreveu: Trata-se de uma velhinha de
82 anos, morena, bastante feia, enrugada qual uma maçã cozida, ves­
tida com uma meia dúzia de trapos. - Mas a velha que não se es­
quecera de ajuntar, tinha muito dinheiro, e muita devoção à Padroei­
ra de sua terra, Nossa Senhora da Consolação. Sabendo que a Madre
tinha fundado um Educandário em Ciempozuelos, pediu para termi­
nar ali seus últimos dias, fazendo ao Instituto um donativo de 60.000
pesetas. E foi com essa importância que a Fundadora pôde comprar
o terreno para a futura Casa das Oblatas, em Madrid.

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139

XV

TUDO PELA CONQREQAÇÃO

Tendo acompanhado a Fundadora em suas lutas contínuas, ora


para a estabilidade material da sua Obra, ora para a organização das
novas Fundações que iam surgindo, é natural que perguntemos agora
qual o segrêdo dêsse êxito extraordinário, alcançado em tão poucos
anos.
Já dissemos que, humanamente, a Obra iniciada pela então Se­
nhorita Oviedo, estava destinada ao fracasso. Se ela acabou sobrevi­
vendo a tôdas as dificuldades, foi porque teve sempre a bênção de
Deus; e esta não lhe faltou porque aquela Fundação era fruto de um
espírito profundamente sobrenatural. Iniciada em meio à oposição
de uns e à indiferença ou desprêzo de outros, a Obra das Oblatas logo
se impôs aos olhos de todos. Naquele apostolado não havia vaidade
nem ostentação, mas sacrifício e renúncia. Naqueles Educandários,
todos gratuítos, não se via ganância, mas pobreza e simplicidade. E,
na vida que levavam aquelas Irmãs, não havia comodismo ou facili­
dades, mas apenas um Ideal, que era a salvação das almas abando­
nadas.
Se uma Obra tão difícil, e até antipática, chegou logo nos pri­
meiros anos, a ganhar tanta fôrça e vitalidade, foi porque sua Fun­
dadora nunca olhou para outro alvo que não fôsse a glória de Deus.
Com sua cultura, sua formação, e, principalmente, com suas al­
tas amizades, a antiga Preceptora do Palácio real tinha tudo para
levar uma vida muito mais interessante aos olhos do mundo. E ela
renunciou a tudo, visando apenas à glória de Deus, justamente num
apostolado pouco simpático e nada atraente, porque feito de humi­
lhações e sacrifícios.
Da altura em que se achava, ninguém podia adivinhar que a Se­
nhorita Oviedo fôsse descer tanto. Aquêles que não entendiam do es­
pírito de Deus, só tinham que lamentar a coragem com que ela pas-
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140
sou por cima de tudo o que a vida lhe queria oferecer, para estender
a mão da sua caridade àquelas que o mundo chama de pecadoras. On­
tem num Palácio, educando Princesas; depois. . . suas «princesas»
foram outras. Ela compreendia que as ovelhas desgarradas também
pertencem ao rebanho; e, se ninguém as queria procurar, ela o iria
fazer, com tôda compreensão e generosidade.

A Casa dos Oviedo tinha em seu basão de armas êste lema:


Vrncer e nunca ser vencido. Madre Antônia soube honrar o sangue
Oviedo que lhe corria nas veias. Desde a infância, podemos dizer que
ela viveu lutando; mas nunca se deixou vencer pelo desânimo ou pes­
simismo, porque sua tenacidade e coragem não conheciam limites.
Após aquêle incêndio que lhe devorou quase todo o Educandário,
em Ciempozuelos, ela estava, certo dia, em Madrid, à procura de ma­
terial para a reconstrução da casa. E, como nada conseguia, escre­
veu: É bom que seja assim, para provarmos a nossa paciência, ali­
mentando nossa confiança em Deus.

Quando recebeu a notícia que a Irmã Praxedes estava à mor­


te, ela estava sàzinha em casa, e não pôde viajar, como era seu desejo.
Mas escreveu à Superiora da Irmã enfêrma: Adoremos a Providência,
quando nos consola, quando nos fere também. Tanto trabalho, tan­
tas dificuldades, e tão poucas Irmãs! Bendito seja Deus por tudo!
Em sua humildade, Madre Antônia nunca se considerou Fun­
dadora do Instituto. Para ela a Congregação tinha sido fundada por
Dom José Serra, ao qual sempre considerou e obedeceu como Supe­
rior Geral. Devido a essa absoluta submissão, foi possível haver uma
só cabeça pensante, num Instituto dirigido por dois temperamentos
tão distintos.
Por ocasião da sua visita a Loreto, a Madre deixou transparecer
bem a sua humildade, numa carta em que escreveu: Tenho chorado
muito pensando, que si houvesse sido noviça antes de ser Religiosa,
talvez fôsse mais observante; mas aconteceu que, sem ser ainda Re­
ligiosa, eu já fiquei Superiora. - Sàmente essa profunda humildade
pôde fazê-la esquecer as atenções da família, e as facilidades da Côr­
te, para sentir feliz na convivência e no trato com aquelas môças,
que não tinham sequer uma sombra de formação.
Foi numa carta a Titina,, que ela nos deixou ver a opmiao que
fazia de si mesma: Estou com 43 anos; e ao renovar as promessas
do meu Batismo neste aniversário, senti vergonha de mim mesma.
Reze muito para que eu não me apresente de mãos vazias diante de
Deus, e que a minha lâmpada não esteja apagada, quando :Êle me
chamar.
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141
Catalão como era, Dom José Serra não primava pela delicadeza,
nem costumava exagerar na finura do trato. Sempre rígido em suas
idéias, também o era em suas palavras, de modo que, muitas vêzes,
chegava a ser indiferente na sua decisão, e ríspido na sua firmeza.
E foi êsse o Diretor espiritual a que a Fundadora obedecia cegamen­
te, embora, não raro, êle tratasse a sua Dirigida, já Superiora Geral,
como a uma simples noviça. Por reconhecer a virtude daquela alma
extraordinária, o Diretor nunca a poupou, nem deixou de prová-la.

A Irmã Clara, uma das primeiras cronistas do Instituto, narra


êste fato: Dom José não deixava passar nada, e aproveitava tôdas
as ocasiões para humilhar a nossa Madre. Quantas vêzes não a cen­
surou, mesmo diante da Comunidade, por coisas em que ela não ti­
nha a menor culpa! E a Madre ouvia tudo de joelhos, sem dizer pa­
lavra; pedia perdão, e prometia corrigir-se. Certa vez levei ao Sr.
Bispo uma carta que me mandara escrever. No momento chegou a
Madre, e êle lhe disse: É assim que se escreve uma carta; e não como
a Sra. costuma fazer, falando das nuvens, das flôres e não sei quan­
tas coisas mais. - A Madre respondeu apenas: Bem, Sr. Bispo, de
hoje em diante, prometo escrever com mais cuidado.
Noutra ocasião - continua a Irmã Clara - a Madre estava to­
cando o harmônio, numa Reza. Talvez porque o instrumento já era
bem velho, a corda do fole arrebentou. Só vendo como Sr. Bispo fi­
cou nervoso! Após a Reza disse à Madre: Não sei o que a Sra. faz
quando toca; o fole sempre tem que arrebentar, porque a Sra. acha
que precisa dar tôda a fôrça. Porque não toca como a Irmã Clara,
que faz uns acompanhamentos tão suaves? - A tôdas essas humilha­
ções a Madre respondia com um silêncio e naturalidade que nos dei­
xavam encantadas.
Em 1883 Madre Antônia teve que voltar à Suíça, onde nada pu­
dera fazer em sua última visita, devido ao chamado urgente de Dom
José. Assuntos do interêsse de sua Obra fizeram-na viajar de uma
cidade para outra, numa verdadeira peregrinação de penitência. Não
dispondo de muito tempo, viu-se ainda prêsa em casa, durante qua­
se duas semanas devido a uma inflamação que lhe tomou todo o
rosto, com dores agudíssimas. - Pedi a Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, não um milagre, pois não o mereço, mas que os remédios
me curassem. E como foi bondosa Nossa Senhora! Eu queria ficar
livre, não do sofrimento, mas da inflamação, para poder voltar a
Ciempozuelos, e Ela me livrou de tôdas as dores que eu sentia.
Não era somente na dedicação em suportar viagens, trabalhos
e sacrifícios, que aparecia o espírito sobrenatural da Fundadora; tra­
tando-se da observância e disciplina religiosa, ela era inflexível, sem­
pre vigilante para não permitir o menor abuso. Bondosa e compreen-
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142
siva, não deixou de ser firme e exigente, na proibição de qualquer
atividade que pudesse afastar as Oblatas do fim característico do Ins­
tituto; neste ponto nunca cedeu, mesmo ante a má situação finan­
ceira de muitas de suas Casas.
Madre Antônia sabia que outras Instituições, semelhantes à sua
procuravam uma certa distinção, impondo condições, e selecionando
cuidadosamente as meninas, antes de serem aceitas. Ela, porém, nun­
ca se deixou levar por essa tentação de vaidade, ou de comodismo,
ante os problemas da reeducação. Queria que seus Educandários es­
tivessem abertos para tôdas as meninas e môças que se apresentas­
sem, exigindo apenas que elas quisessem mudar de vida. Suas Irmãs
- diz - não precisavam brilhar pela aristocracia do apostolado,
mas pela dedicação às almas abandonadas.
Devido ao desenvolvimento já alcançado pela Congregação, a
Madre Geral julgou chegada a hora de preencher certos cargos que,
embora previstos pela Regra, estavam vagos, por estar o Instituto
ainda em seus primeiros anos. As Constituições previam, para a
Superiora Geral, um Conselho de 4 Irmãs, encarregadas de ajudá-la
na solução de todos os problemas atinentes ao bem material ou espi­
ritual da Congregação. Em 1882 Madre Antônia convocou tôdas as
Superioras para uma reunião em Ciempozuelos; foi essa a Primeira
Assembléia geral, que elegeu as duas Conselheiras, a Admonitora e
A Secretária, que deviam formar o Conselho central do Instituto.
No ano seguinte, a Fundadora fêz uma visita de inspeção a tô­
das as Casas, podendo constatar o espírito religioso que reinava
nas Comunidades do Instituto. Em tôda parte as Irmãs trabalhavam
com a humildade e dedicação que as devia distinguir sempre, ao mes­
mo tempo que iam sendo resolvidos os problemas relativos à manu­
tenção dos Educandários.
Apesar do fervor e boa vontade que encontrou pelas Casas, era
natural que aparecesse um ou outro ponto, em que a Madre precisas­
se intervir, com uma palavrinha de orientação, de conselho ou mes­
mo de censura. E êste era, para ela, um dos deveres mais difíceis e
penosos. Sempre compreensiva e amável para com todos, era-lhe
um verdadeiro sacrifício ter que chamar atenção, ou repreender al­
guma de suas Irmãs. Ela mesma sempre reconheceu a pouca disposi­
ção que tinha para as censuras ou castigos; e, se alguma vez teve
que desaprovar ou repreender, foi pela consciência que tinha do seu
dever de Superiora Geral.
Em Valência, devido aos apuros financeiros da Casa, a Superio­
ra, Madre Rosário, havia tomado umas providências que Dom José
achou, não somente erradas, mas contrárias ao espírito religioso do
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143
Instituto. Madre Antônia quis resolver o assunto, usando, como sem­
pre, da bondade e compreensão que a distinguiam; mas nada pôde
fazer, porque, cioso da sua autoridade, Dom José não lho permitiu.
Mesmo impossibilitada de agir, a Fundadora escreveu à Madre Ro­
sária: Conheço e compreendo bem as dificuldades em que a Sra. se
encontra, ante as exigências dos benfeitores, da construção, das dí­
vidas e de tudo o mais. Acho que, para a Sra. sair dêsse embrulho, o
melhor é ir deixando o cargo, aos poucos, ao menos por algum tempo.
Isto eu não disse ao Bispo; é apenas um conselho meu. Não sei o que
êle vai resolver, pois já me disse, mil vêzes, que não me intrometa
no assunto, porque sou muito condescendente e atrapalho tudo. Sen­
do assim, minha filha, nada mais resta senão obedecer, obedecer, e
pedir ao Perpétuo Socorro que tome conta do caso.
Mas Dom José não demorou com sua solução. Deu - como dis­
se a Fundadora - um golpe de estado em Valência, destituindo a
Superiora e nomeando uma substituta.
Madre Antônia, porém não era sempre só bondade e mansidão:
quando necessário, sabia cumprir, com tôda firmeza, e até com rigor,
o seu dever de repreender e de corrigir.
Certa vez teve que intervir na Casa de Vitória, para cortar um
abuso; e o fêz com tôda energia, já que a Superiora primava pela
independência no seu modo de pensar e de agir.
- Minha querida Madre Ambrósia: Soube, com imensa tristeza,
que duas Irmãs dessa Casa, andaram arrecadando esmolas na An­
daluzia. Há pouco tempo as de Tortosa me pediram essa licença, e
eu lhes neguei. Mas, em Vitória, parece que as licenças não são ne­
cessárias ... Já não falo da falta gravíssima de as Irmãs passarem
por Madrid ou Ciernpozuelos, sem fazerem sequer uma visita às nos­
sas Casas; falo é dessa teimosia em passar sempre os limites do que
foi determinado. Corno o abuso se vem repetindo freqüentemente,
preciso tomar medidas; por isso, queira mandar, para Múrcia, tôda
a importância arrecadada pelas Irmãs. Sinto muito ter que tomar
essa decisão; no entanto, sinto muito mais ter uma Superiora dado
motivo para isso.
Essa dificuldade em aplicar qualquer medida mais dura e seve­
ra, a Madre já a manifestava nos primeiros tempos da Fundação,
numa carta em que dizia a Dom José: Eu e a Irmã Trindade (a Mexi­
cana) damo-nos muito bem; mas acontece que não vemos as coisas
com os mesmos olhos. Geralmente ela quer golpes violentos, aplican­
do a justiça, para separar as incorrigíveis e despachá-las sem com­
paixão. Compreendo, muitas vêzes, que ela está certa em tudo, mas
eu é que não dou para isso.
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144
PRUD:E:NCIA EM TUDO

Sempre colocada entre a sua bondade e seus deveres de Superio­


ra, outro ponto que lhe impunha verdadeiros sacrifícios, era tratar
com os Benfeitores das Casas. Nem sempre os Benfeitores o eram
de fato; geralmente ocultavam algum interêsse na caridade que ma­
nifestavam para com as Irmãs: ora era a vaidade que desejava apa­
recer, à custa do Instituto, ora o desejo de intromissão no govêrno
e assuntos particulares das Casas.
Em Benicasim, não foram poucas as dores de cabeça que a Ma­
dre sofreu com as exigências da família que lhe doara o terreno, pa­
ra a Fundação. Em Godella foi necessário substituir a Superiora da
Casa, porque era o próprio Capelão quem apoiava tôdas as reclama­
ções das meninas. E, sôbre a fundação de Santiago, a Madre escrevia
ao Padre Mauron: O Cardeal-Arcebispo, num excesso de bondade,
quer intervir em todos os assuntos da Casa, chegando mesmo a exi­
gir que qualquer menina possa ir falar com êle, para levar queixas e
reclamações. Com isso, torna-se bem desagradável a situação das
Irmãs. Já pensei, muitas vêzes, em abandonar essa Fundação, pois o
auxílio financeiro que o Arcebispo nos dá, está ficando muito caro
para nós. Acho que melhor seria dependermos somente da caridade
pública.
Dessa ingerência de estranhos no govêrno das Casas, nasciam
aborrecimentos sem conta para a pobre Madre Geral, que não podia
transferir uma Superiora, ou uma simples Irmã, sem ouvir logo um
côro de reclamações. Todos se julgavam com direito de mandar nas
Casas. - Se toco numa Superiora - escrevia a Madre - parece que
o mundo vem abaixo, com o alarme das nossas Benfeitoras ...
Em 1884, a Fundadora mandou, para Roma, as Madres Teodora
e Anastácia, com vários encargos, entre os quais: conseguir licença
da Santa Sé para o Arcebisp o de Zaragoza empregar um legado de
40.000 pesetas, na construção do nôvo Educandário das Oblatas; pe­
dir a dispensa do dote, para as Postulantes pobres; e entregar ao
Papa, em favor das Missões, uma preciosa mitra, que Dom José rece­
bera, como presente dos católicos de Bilbao. A Fundadora não deixou
de prever tudo, para a viagem daquelas duas Irmãs, que não sabiam
uma palavra em italiano ou francês.
Contando com as amizades da Fundadora em tôdas as cidades
por onde passavam, as duas Peregrinas fizeram a viagem sem maio­
res dificuldades, e, em Roma, ficaram hospedadas com Da. Josefina
Noel, afilhada da Madre Antônia e casada com um alto funcionário
do Vaticano. - Uma recomendação de Josefina - dizia a Madre -
vale mais que qualquer outra em Roma.

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Dessa forma não foi difícil, para as duas Oblatas, tratar de todos
os assuntos de que tinham sido encarregadas. A licença que o Arce­
bispo de Zaragoza pedia, foi concedida, de modo que, algum tempo
depois, o Educandário das Oblatas ganhava um prédio inteiramente
nôvo; e o dote, exigido pelas Constituições a tôdas as Postulant s,
foi dispensado, por dois anos, para aquelas que o não pudessem ofere­
cer.
Voltando de Roma, as duas Religiosas levaram, para Dom José,
uma carta autógrafa do Papa, agradecendo o presente que lhe fôra
ofertado. Ao ler a carta do Pontífice, o Bispo Fundador não pôde
conter suas lágrimas de alegria, exclamando: Agora, sim, posso mor­
rer contente! - Êle parecia adivinhar que o seu último dia já estava
próximo.
Desde que falecera a Madre Maria da Apresentação, Madre An­
tônia vivia preocupada em encontrar outra Mestra de Noviças, à
altura daquela que tão bem soubera formar as primeiras Oblatas.
Numa carta ao Padre Mauron ela dizia: Vivo pedindo a Nossa Se­
nhora uma graça que Ela está demorando para me conceder. Peça­
lhe também, para as suas Oblatas, uma boa Mestra de Noviciado: já
experimentei três e ainda não acertei, pois o problema é realmente
difícil.
Na primeira reumao do Conselho Geral, foi nomeada para êsse
cargo, a Madre Marta. Muito compreensiva, tinha sido uma ótima
Superiora; mas, como Mestra, não vinha correspondendo, ao menos
em alguns pontos. Por isso, não demorou muito, e uma das Conselhei­
ras já estava insinuando à Madre Geral, nomeasse outra Irmã para
o cargo.
A Fundadora continuou estudando o assunto, e concluiu que, em­
bora a Mestra não tivesse a simpatia geral, não era conveniente re­
petir as experiências. E respondeu à Conselheira: Ainda bem que
rncontrei uma Irmã com virtude bastante para o cargo de Mestra.
É verdade que ela não tem lá muita cultura; mas ainda tem mais do
que outras. Já experimentei a Madre N. e foi aquela ditadora de que
tôdas se queixavam ; a outra foi uma confusão sem fim; a terceira
deixava cada Noviça fazer o que bem queria; depois, fiz ainda mais
uma experiência, e também não deu certo. Por isso, acho melhor dei­
xar como está. Madre Marta é ponderada; não s2 mete com ninguém,
e não se intromete em nada, fora do seu cargo. E observe quanto
cuidado ela tem com as Noviças, e como as procura formar no espí­
rito religioso; para mim, isso é o mais importante.
Outro ponto mereceu especial atenção da Fundadora, por es­
ses anos de 1884 e 1885, foi a redação definitiva dos Estatutos da
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Congregação, de acôrdo com seus usos e costumes, bem como do Re­
gulamento dos Educandários, e o Ritual para a Tomada de Hábito
e Profissão das Irmãs.
A tarefa não é foi fácil, pois, além de recolher e selecionar cuida­
dosamente tudo o que já se vinha praticando nas Comunidades e nos
Educandários, a Fundadora teve ainda que estudar um sem número
de sugestões, nem sempre aceitáveis, para concluir um trabalho que
todo o Instituto recebeu com imensa gratidão.
Como sempre, ao redigir êsses Estatutos, o que mais preocupava
a Madre Geral, era manter, em tôda a sua pureza, o espírito próprio
da Congregação. Ela não ignorava que, com um desenvolvimento tão
rápido, pudesse o Instituto apresentar alguma trinca já nos alicerces,
com grave perigo para a solidez e unidade de todo o edifício. Cons­
truída sôbre a pobreza. e dependendo exclusivamente da caridade pú­
blica, aquela Obra não podia certamente oferecer atrativos humanos;
pelo contrário, exigia um Apostolado pouco interessante, porque to­
do de humildade e de sacrifícios. Era portanto necessário vigiar, para
que o fervor dos primeiros tempos não acabasse numa direção dema­
siado humana, mais cômoda e mais fácil.
A Providência já havia dado provas bem claras de que o Institu­
to estava realmente nos seus planos; e aquêle Apostolado, que muitos
olhavam com certa desconfiança, impunha-se agora, aos olhos de to­
dos, como uma verdadeira Obra de Redenção. Por isso a Fundadora
não se cansava no seu esfôrço de manter, no Instituto, o espírito ge­
nuinamente redentorista de zêlo e de sacrifício pelas almas. Falando
ou escrevendo às suas Irmãs, ela voltava sempre a bater na mesma
tecla da humildade, do zêlo e do amor à própria Vocação.
E os fatos logo mostraram que tinha motivos a Fundadora, para
estar atenta, impedindo que esmorecesse, entre suas Irmãs o espíri­
to de renúncia e de imolação. Ela sabia muito bem porque precisava
insistir sempre naquele pensamento: Oblata, sim, mas bem Oblata.

Já fazia algum tempo, Madre Antônia vinha notando entre al­


gumas Irmãs, um certo esfôrço, tímido, mas significativo, de empur­
rar o Instituto para caminhos mais interessantes, e menos estreitos.
Olhando mais para as simpatias do mundo, e para o lado financeiro,
algumas Irmãs sem o notarem, estavam querendo dar uma nova fi­
sionomia à Congregação. Mas essa tendência de se dar, ao Instituto,
uma linha mais cômoda, não colheu a Fundadora de surprêsa. Seu
pulso firme soube logo dominar a. situação_ impedindo, para a sua
Obra, um fracasso que teria sido inevitável.
Partilhavam das novas idéias algumas Superioras, que, valendo­
se da própria autoridade, procuravam atrair outras Irmãs, com a
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manüesta in-tenção de criar um cisma dentro do Instituto. Queriam
desligar-se da Obra, para fundarem uma nova Congregação, que elas
diziam mais arejada, mais simpática e menos rigorosa. E a cabeça
de todo o movimento era a Superiora de Vitória, cuja independência
no modo de pensar sempre dera sérios aborrecimentos à Funda­
dora. Sôbre êste assunto, uma das primeiras Cronistas do Instituto
escreveu: Muito teve que sofrer a nossa Madre, com o plano de se­
paração para se fundar um nôvo Instituto religioso. A idéia partira
de uma Superiora e de algumas Irmãs que, semeando o descontenta­
mento, procuravam aliciar outras para realizarem um cisma dentro
da Congregação. Graças a Deus, o plano fracassou, por ter chegado
em tempo ao conhecimento da Fundadora.
Quando soube de tudo o que se tramava, Madre Antônia não
precisou lançar mão de qualquer medida mais rigorosa; usou apenas
da sua bondade. Vendo a sua Obra ameaçada, mais uma vez apegou­
se à Providência, e, com uma extraordinária fôrça de persuasão
fêz ver às faltosas o caminho errado que estavam procurando; com
isso, evitou a separação
É a cronista do Instituto quem nos revela com quanta prudên­
cia e bondade a Fundadora procedeu nesse caso: Quando ela me fa­
lou dêsse assunto, não deixou escapar uma queixa sequer, contra as
Irmãs; pelo contrário, notei que ainda as procurava desculpar.
Abalado com a idéia de separação que coITia, à bôca pequena,
entre as Irmãs, o Instituto ainda viveu uns dias bem tristes, com
uma campanha de calúnias, então urdida contra Dom José Serra.
A situação politica do país vinha oferecendo ocasião e motivo
para que o Bispo escrevesse num jornal de Madrid, violentos artigos
que lhe valeram o elogio de uns, e a inimizade de outros.
Independente como era, em seu modo de pensar e de agir, o Bis­
po de Daulia distribuía os seus golpes sôbre grandes e pequenos, sem
se preocupar com as conseqüências. Falando ou escrevendo, êle nunca
soubera ocultar o que pensava; e, com seu estilo ríspido, quer no púl­
pito, quer na imprensa, dizia, sem rodeios, o que muitos não queriam
ouvir.
Devido às düiculdades entre a Igreja e Govêrno, foi aventada a
Idéia de se fundirem diversos partidos politicos numa única agremia­
ção, com finalidade política e religiosa, ao mesmo tempo. Nos meios
católicos, a idéia foi em geral, bem recebida; mas, por motivos que
Me conhecia, Dom José combateu violentamente essa fusão de fôr­
ças, numa Carta aberta ao Bispo de Teruel. Escrita, como o seu
Autor mesmo dizia «com a sinceridade que me carateriza», a carta
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provocou tremenda celeuma nos meios religiosos, e o resultado foi a
campanha de difamações que não se fêz esperar.
Desde então viveu Dom José sob o fogo cerrado de todos aquê­
les que não aceitavam suas idéias. Mesmo assim continuou escreven­
do os seus famosos artigos, até que, em 1885, já enfêrmo, e prevendo
o fim de seus dias, retirou-se para a solidão de Las Palmas.
Não foi pouco o que a Fundadora teve que sofrer, vendo que
a campanha dirigida contra Dom José, prejudicava também o Ins­
tituto. De temperamento inteiramente oposto ao do Fundador, Ma­
dre Antônia não podia aprovar a rispidez que êle punha em suas ati­
tudes, palavras e escritos. Mas sempre achou melhor guardar distân­
cia, compreendendo que não lhe ficava bem dar conselhos de man­
sidão ao seu Diretor. E preferiu sofrer, em silêncio, uma situação
que ela não podia resolver nem remediar.·

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149

XVI

QOVERNANDO SôZINftA

Foi em outubro, de 1885, que Dom José Serra deixou Ciempozue­


los, para ir ver seus últimos dias na solidão de Las Palmas. Cansa­
do, bastante enfêrmo, e com seus 75 anos, o Bispo de Daulia estava
principalmente aborrecido de todos e de tudo. Tendo renunciado a
sua Diocese, na Austrália, não conseguira ser nomeado para uma ou­
tra, na Espanha, conforme desejava. Embora com discrição, tinha
trabalhado para conseguir a Abadia de La Granja, mas não teve êxi­
to. Sua tentativa de reformar a Ordem Beneditina, de acôrdo com a
antiga observância, também não dera resultado.
Homem de talento extraordinário, dotado de grandes qualidades,
não fôra feito para adular, para se acovardar ante as dificuldades, e
nunca soube amoldar-se às circunstâncias. Sempre fizera questão
de ser o que era: rígido em suas idéias, ríspido em suas maneiras, e
Inamovível nas suas opiniões. Tinha conseguido, é certo, levar adiante
algumas de suas iniciativas, como a Obra Apostólica, o Instituto das
Oblatas; mas dado o seu temperamento, quase em tôda parte en­
contrava oposição, e não eram poucas as · suas inimizades. Dessa
forma tinha que chegar ao fim da vida, pisando espinhos, como real­
mente chegou. Enfêrmo e aborrecido, afastou-se de tudo, procuran­
do aproximar-se mais de Deus, no silêncio e solidão.
O assim chamado Deserto de Las Palmas era uma região árida
e montanhosa, perto de Benicasim, onde o único sinal de vida apa­
recia num velho Mosteiro Carmelita, encravado em meio a algumas
colinas. Aquêle deserto não era desconhecido para Dom José, que
várias vêzes já o tinha visitado, à procura de um descanso para as
Huas continuas atividades. E é bem provável que, atraído por aquela
110Udão, já tivesse pensando em passar ali os seus últimos dias.

Física e moralmente alquebrado, o Bispo compreendia que a sua


l'.lltlma viagem não iria demorar muito: suas fôrças tinham chegado

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ao fim. Se nem sempre fôra feliz em seu modo de agir, ríspido e sem
considerações humanas, sempre fôra sincero em seu desejo de servir
a Deus, à sua Igreja, e às almas. Podia retirar-se tranqüilo para o
deserto.
Das suas iniciativas, a que mais o havia preocupado, era o Ins­
tituto das Oblatas, que idealizara, e conseguira organizar com imen­
sos sacrifícios. Mas, retirando-se para a solidão, o Bispo-Fundador le­
vava consigo o consôlo de ver a sua Obra abençoada por Deus, pro­
gredindo sempre, sob a direção daquela extraordinária Superiora
Geral, que era a Madre Antônia. O Instituto estava certamente em
muito boas mãos, e já não reclamava mais os seus cuidados.
Em Las Palmas, Dom José constatou logo que sua saúde esta­
va bem mais abalada do que pensava; mas, livre das polêmicas e
preocupações, contanto com a generosa hospitalidade dos Carmeli­
tas, foi-se refazendo, aos poucos, para viver inteiramente dedicado
à oração.
Essa melhora, que se ia acentuando sempre mais, foi um alívio
para a Madre Geral, que estava sendo chamada, com urgência, para
Roma, a fim de ultimar o assunto da aprovação do Instituto. Certa
de que a saúde do Fundador já não inspirava maiores cuidados, Ma­
dre Antônia resolveu empreender a viagem, em meados do ano se­
guinte. (1886).
Já em agôsto, porém, Dom José começou a piorar novamente, e
não teve dúvidas de que o seu fim se aproximava. Por isso escreveu
à Madre Geral, pedindo que regressasse quanto antes, pois, em suas
mãos, queria deixar as últimas recomendações às Oblatas. A Fun­
dadora apressou, o quanto possível, a sua viagem de volta; mas já
era tarde. A 8 de setembro falecia Dom José; por uma carta do Prior
Carmelita, sabemos que «às onze horas da manhã rEcebeu a Unção
dos enfêrmos, em plena lucidez, e, às três da tarde, expirou em meus
braços com uma tranqüilidade admirável».
A Fundadora não precisou chegar à Espanha, para saber da
triste nótícia. Na estação de Marselha já a esperavam o Cônsul suíço
e sua senhora, que insistiram ficasse com êles, ao menos aquêle dia.
A Madre, porém, não pôde aceitar o convite, alegando a pressa de che­
gar, dada a enfermidade de Dom José. A isso o Cônsul observou:
Realmente, li, nestes dias, que êle estava passando muito mal. - O
seu modo de falar deixava transparecer que a notícia não se referia
à doença, mas à morte. E a Madre assim o entendeu.
Seguindo viagem no mesmo trem, começou logo a rezar o Ofício
pelos mortos, certa de que o Fundador do Instituto já estava na eter­
nidade. Na fronteira franco-espanhola, algumas Irmãs foram esperá­
la, e não precisaram dar a dolorosa notícia. Vendo a Fundadora com
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151
os 'olhos rasos de lágrimas, as Irmãs puseram-se também a chorar,
e, com isso, já estava dada a notícia, que ela vinha trazendo de Mar­
selha. Madre Antônia dirigiu-se diretamente para Benicasim, e daí
seguiu para Las Palmas. Nada mais pôde fazer, senão chorar sôbre
a sepultura do Fundador.
Não tendo podido assistir a seus pais, e mesmo a seus parentes
próximos à hora da morte, a Fundadora repetia agora o mesmo sa­
crüício, não podendo acompanhar, em seus últimos momentos, aquê­
le que fôra seu Diretor espiritual tantos anós, e que a fizera encon­
trar a Vocação num apostolado tanto mais atraente, quanto mais di­
fícil lhe parecia. Assim o havia disposto a Providência; e ela nada
mais fêz senão repetir sua jaculatória de sempre, como no-lo indica
a carta que então escreveu ao Padre Mauron: Fiquei sabendo da tris­
te notícia já no trem; e nada pude fazer, senão rezar, entre lágrimas:
Bendito seja Deus por tudo!
Chegando a Ciempozuelos, dirigiu logo uma Circular a tôdas as
Casas, determinando os sufrágios pelo Fundador, e procurando ani­
mar as Irmãs, com o pensamento de que o Instituto era Obra de
Deus; �le portanto continuava dirigindo e orientando o futuro da
Congregação. Com tôda humildade pedia às Irmãs que a ajudassem,
dizendo: Agora eu preciso do auxílio de tôdas as minhas Filhas, para
não sucumbir ao pêso de um cargo, que desabou todo sôbre meus
ombros.
Pelas cartas que recebia das Casas, pôde a Madre notar que,
em tôdas as Comunidades, a morte de Dom José havia deixado uma
impressão de orfandade, e, daí, uma certa insegurança quanto ao
futuro do Institutó. Ela bem o compreendia, pois, mais do que as
Irmãs, sentia aquela perda, vendo-se sozinha, de um momento para
outro, à frente do govêrno da Congregação. Estava acostumada a
receber ordens e orientação em todos os assuntos; sempre que se
apresentava um problema, ela sabia a .quem recorrer, pois nada re­
solvia, a não ser de acôrdo com o seu Diretor.
Compreendeu então a Fundadora que precisava ser a primeira
a reagir, não se entregando ao desânimo e tristeza daquela orfanda­
de. Somente assim poderia inspirar coragem às suas Irmãs, para que,
em tôdas as Casas, não diminuísse o ritmo de trabalho, e o interêsse
pela Obra iniciada. Pondo em dia alguns assuntos mais urgentes,
resolveu fazer logo uma visita a tôdas as Casas, não tanto para co­
nhecer melhor as suas necessidades, como para levar às suas Filhas
uma palavra de fortaleza e de coragem.
Sua inabalável confiança na Providência, fêz com que as Irmãs
retomassem as suas atividades com nôvo ânimo e redobrado fervor,
certas de que, aos cuidados de uma mãe tão solícita, o Instituto na­
da teria que temer quanto ao seu futuro. Se, de um lado, a Fundadora
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152
se preocupava com a nova situação, por não confiar nas próprias
fôrças, nem por isso deixava de contar com a Providência, fonte de
tôda a sua coragem. É o que ela diz, escrevendo ao Padre Mauron:
Agora estou vendo mais claramente quanta falta nos faz aquêle que
tínhamos como a um pai; mas a Providência não nos abandonou, e
tenho certeza de que ela sempre estará conosco.
Não podendo mais contar com a direção de Dom José, Madre
Antônia pensou conseguir, com o Geral dos Redentoristas, um Padre
que pudesse assumir o govêrno e orientação do Instituto. Mas, como
a Regra da Congregação não o permitia, Padre Mauron não pôde
atender a êsse pedido; dessa forma, todo o pêso do cargo acabou sô­
bre os ombros da Fundadora. Mesmo assim, ela nunca se julgou em
condições de poder dispensar a orientação de outros, recorrendo ao
Vigário de Ciempozuelos, ou aos Redentoristas de Madrid, sempre
que devia tomar alguma resolução mais importante.
Por êsse tempo, foi nomeado Provincial dos Redentoristas, na
Espanha, o Padre Desnoluet, que antes, já havia mostrado mui­
to amigo do Instituto. Escrevendo ao Padre Mauron, disse a Fun­
dadora: Estou muito contente com essa nomeação, pois Padre Desno­
luet sempre se interessou por nós. Fui avisá-lo em Astorga, e êle
me recebeu como um pai. Dei-lhe a conhecer tôda a minha incapaci­
dade para desempenhar êste cargo, e êle se mostrou tão atencioso,
que, agora, tenho liberdade para lhe escrever, à procura de uma dire­
ção firme e esclarecida; era do que eu estava precisando. Até aqui
eu me sentia sozinha; mas agora já posso respirar um pouco.
Da sua parte, Padre Desnoluet tudo fazia para ajudar a Madre
Geral no desempenho de seu cargo. - Aborrecimentos e cuidados -
dizia-lhe numa carta - não lhe irão faltar; bem sei da sua respon­
sabilidade. Quando sua sobrinha disser que, um dia vai ser Madre
Geral como a Senhora, diga-lhe que essa é a pior tentação que pode
ter. Quanto ao Confessor, compreendo a sua dificuldade, e sinto não
estar sempre em Madrid; mas a Senhora pode estar certa de que tudo
farei para ajudá-la nesse caso.
Uma das primeiras providências que a Fundadora tomou para
acertar melhor o govêrno do Instituto, foi convocar uma reunião
de tôdas as Superioras, em Ciempozuelos, explicando numa Circular
que então dirigiu às Casas: Embora não se trate de um Capítulo
geral, nessa reunião poderemos estudar, em conjunto, muitos pro­
blemas e combinar medidas adequadas para o bem da Congregação,
e da Obra tão difícil que a Providência lhe confiou. E será também
uma ocasião para que as Superioras se conheçam melhor, preparan­
do-se para o dia, talvez próximo, em que deverão escolher uma nova
Superiora Geral, pois, a qualquer momento, Deus poderá chamar
a esta sua serva, que tão pouco vale para um cargo tão alto.

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Determinando que as Superioras estivessem tôdas em Ciempo­
zuelos a 22 de janeiro (1888) a Fundadora as avisava que a Reu­
nião começaria com um Retiro pregado pelo Redentorista Padre Ro­
drigo, e que, a de fevereiro, fariam a sua Profissão perpétua as Su­
perioras que ainda não a tinham feito.
Numa Congregação incipiente, e com um desenvolvimento quase
repentino, como a das Oblatas, não admira surgissem certas irregu­
laridades na disciplina, e, embora atenta a essas falhas, nem sempre
a Fundadora as pudesse remediar. E isso se compreende quando nos
lembramos de que, num Instituto recém-fundado, a estrita observân­
cia de certas determinações canônicas torna-se, às vêzes, quase im­
possível. De outro lado, a disciplina religiosa, naquele tempo, não
estava tão claramente definida como em nossos dias; pór isso não
se pode julgar aquelas falhas com o mesmo critério com que hoje
seriam julgadas, à luz de uma legislação mais clara e bem mais
aperfeiçoada.
Uma dessas irregularidades estava na deficiente formação das
Oblatas, durante o ano de Noviciado, ponto êsse que sempre criou
preocupações para a Madre Geral. Já vimos como, após a morte da
primeira Mestra de Noviças, Madre Maria da Apresentação, a Fun­
dadora se viu em dificuldades para encontrar, entre as Religiosas,
uma Irmã com as necessárias qualidades para cargo de tanta respon­
sabilidade.
Além disso, o excesso de trabalho nas Comunidades, e as atri­
buições ainda não bem definidas para cada cargo, faziam com que
as Noviças se vissem, muitas vêzes, demasiado ocupadas, o que lhes
impedia receber uma formação espiritual mais sólida e esmerada.
Compreende-se assim que algumas Religiosas se tivessem deixado
levar pela idéia de uma Congregação mais arejada e menos rigoro­
sa. J;::sse era um sonho que somente a falta de abnegação podia aca­
lentar.
Em certo sentido podemos dizer que foi providencial a tenta­
tiva de cisma, esboçada alguns anos antes, na Congregação, pois ser­
viu para mostrar à Fundadora que a raiz de tôda aquela crise estava
na deficiente formação espiritual das suas Noviças. Isso o Padre
Desnoluet jã o havia dito numa carta: Esteja certa, Reverenda Ma­
dr, que não conseguirá remediar certos males, a não ser organizan­
do o Noviciado das Irmãs com o rigor previsto pelas Constituições.
Orientada pelo Padre Mauron, Madre Antônia foi tomando as
medidas necessárias, de maneira que, ao assumir sozinha o govêrno
do Instituto, êsse ponto jã não causava maiores preocupações.
Outro assunto que deu muito aborrecimento à Fundadora foi
o Intervalo que devia mediar entre Votos temporários e Votos per-

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pétuos. Naquele tempo, a matéria não estava tão clara e determina­
da, como na atual legislação canônica. Basta dizer que uma Supe­
riora, a Madre Ambrósia, demorou 16 anos, até fazer a sua Profissão
perpétua. E, como ela, outras Irmãs também não se preocupavam
muito com êsse assunto dos Votos.
Tratando-se de matéria obscura e duvidosa, algumas Religiosas
chegaram a propor que a renovação dos Votos temporários ficasse a
critério de cada uma, abolindo-se a Profissão perpétua. E, para que
não houvesse diferença entre as que renovaram a sua Profissão, e
as que o não faziam, a renovação deveria ser feita sempre em par­
ticular. A Fundadora fulminou logo essa idéia absurda, escrevendo
numa Circular: Era só o que faltava: Não ter Votos, e passar por
Religiosa. . . Por isso aviso: Quem não quiser renovar publicamente
os seus Votos, pode voltar para casa; no Instituto é que não poderá
continuar. Pobre Congregação, e pobres Superioras, se essa idéia
vingasse entre nós.
Foi por êsse tempo (1888) que expirou o prazo dado pela San­
ta Sé, para a dispensa do dote às Postulantes pobres. Nôvo pedido
deveria ser feito, e, desta vez, com recomendação do Bispo Diocesa­
no. Madre Antônia foi tratar do assunto com o Bispo de Madrid, e
ficou desolada, pois não conseguiu a necessária recomendação. Foi
quando lhe chegou carta de uma Superiora, pedindo dispensa do dote
a uma Postulante que o não podia apresentar. - Nem dispensa,
nem redução - respondeu a Madre - pois a faculdade que tínhamos
para êsse caso já expirou, e quando fui falar com o Bispo êle me
negou tudo, dizendo que já era um abuso o que estávamos fazendo ...
Agora estou quebrando a cabeça, para ver como resolvo a situa­
ção de algumas Noviças que foram aceitas sem dote, e estão desola­
das, pelo mêdo de não poderem professar. Já lhes disse que, se fôr
preciso, ficarei pedindo esmolas à porta das igrejas; mas, por falta
de dote é que elas não serão despedidas. A Providência não nos irá
abandonar.
A faculdade que a Fundadora alcançara em Roma, de poder dis­
pensar o dote às Postulantes pobres, tinha dado ao Instituto um bom
número de Vocações que, sem essa dispensa, não teriam ingressado
na Vida religiosa. Em dezembro de 1889, manifestando sua alegria
numa carta ao Padre Mauron, Madre Antônia lhe diz que, em Ciem­
pozuelos, estava uma boa turma de Noviças e Postulantes, perfazen­
do o total de 43 novas Vocações. Dessas, a maior parte eram môças
pobres, embora de muito bom espírito e de ótimas qualidades.

NOVAS FUNDAÇÕES
Graças a êsse aumento de novas fôrças, a Fundadora pôde aten­
der a diversos pedidos de fundação que lhe vinham sendo feitos. Em
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1886, ela já tinha viajado para Alicante, com o fim de estudar a pro­
posta de uma fundação na cidade. Escrevendo a Dom José, naquela
ocasião, ela dizia: Quando aqui cheguei, já estava na estação a car­
ruagem da Baronesa de Petrés, que me levou à casa do Sr. Pároco,
fervoroso admirador da nossa Obra. J;:le me apresentou a sua irmã,
e uma sobrinha, môça de uns 26 anos, que vale quanto pesa, (m saú­
de, simplicidade e disposição. Ficamos muito amigas, percorrendo
depois a cidade, em tôdas as direçães, à procura de um local apro­
priado para a construção do Educandário. - Várias dificuldades,
porém, surgiram, fazendo com que se atrasasse a fundação. Somen­
te anos depois, em 1891, foi possível estabelecer em Alicante, a pri­
meira Comunidade de Oblatas.
A Comissão encarregada de promover a construção do Educan­
dário, na cidade, ofereceu ao Instituto, uma chácara, com a casa
e algumas camas; tudo o mais teria que aparecer mediante o traba­
lho das Irmãs. Chegaram as primeiras Oblatas, e um pequeno Edu­
candário começou logo a funcionar, enquanto a Comissão ia cons­
truindo o prédio definitivo. As dificuldades foram tão grandes, que
a primeira Superiora, Madre Gregória, acabou arruinando a saúde,
vindo a falecer logo nos primeiros meses da Fundação. Dia houve em
que, por não haver o que comer, ninguém precisou ir ao refeitório pa­
ra as refeições. Iniciada com tantos sacrifícios, esta Fundação não
surpreendeu a Madre que já se acostumara a construir os seus Edu­
candários com pobreza e privações.
Em Jerez de la Frontera, fazia anos que uma rica senhora, Da.
Brígida Benito, vinha pedindo à Madre Antônia a fundação de um
Educandário. Indo estudar o assunto, a Madre ficou hospedada com
uma amiga, Da. Maria Viana, que, ao recebê-la em casa, logo lhe dis­
se: Venha cumprimentar a minha Senhora. - Quem? - perguntou
a Madre. E logo viu de quem se tratava: Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, colocada num quadro riquíssimo, numa sala que era uma
quase capela. Da. Maria contou então à Fundadora, como a Virgem
do Perpétuo Socorro a tinha curado milagrosamente, livrando-a de
uma operação bastante melindrosa. Em agradecimento, prometera
construir uma capela, onde iria expor aquêle quadro à veneração pú­
blica. Não foi difícil às duas amigas combinar que o futuro Educan­
dário seria dedicado a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e que o
quadro ficaria no altar-mor da futura igreja, a ser construída junto
ao prédio. Com isso, Madre Antônia ficou entusiasmada com a fun­
dação, vendo que, de início, ela já estava sob o perpétuo socorro de
Nossa Senhora.
O terreno, com uma casa provisória, foi doado por uma amiga
de Da. Maria Viana, senhora já idosa, conhecida simplesmente como
«a do carrinho», porque, sendo paralítica, era levada a tôda parte
num carrinho puxado por uma empregada.
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A primeira Comunidade contava com oito Irmãs, auxiliadas por
um grupo dedicado de benfeitoras, que logo iniciaram a construção
do prédio e da igreja anexa. Dessa forma, a Fundação em Jerez foi
uma exceção entre as Fundações da Madre Antônia, dada a facilidade
com que se realizou; e nisto ela sempre viu uma graça especial de
Nossa Senhora. É o que ela diz numa carta ao Padre Mauron: Há três
anos que eu vinha recusando essa fundação, pois eu não queria, por
enquanto, fundar novas Casas. Mas parece que Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro queria ter a sua igreja nesta cidade de Jerez, e, por
isso, Ela nos trouxe para cá.
Embora não quisesse mais pensar em novas Fundações, Madre
Antônia teve que voltar suas vistas para Madrid, onde a situação das
Irmãs se ia tornando cada vez mais difícil. �sse era um problema que
não saía das preocupações da Fundadora. Os quartos que alugara no
velho Hospital das Misericórdia já não eram suficientes para as Ir­
mãs que, de outras Casas, tinham que ir a Madrid, por motivo de
viagem, compras ou tratamento. Além disso, eram muitos os· pedidos
de uma Fundação na Capital, onde era imenso o campo de apostolado
para as Oblatas, apesar da atividade de outras Congregações.

Havia muito que a Madre Geral estava pensando naquela Fun­


dação que, além de necessária para a cidade, era, ao mesmo tempo,
de muito interêsse para o Instituto. Ora por dificuldades financeiras,
ora por não encontrar um local adequado, o assunto foi ficando sem­
pre em estudos, e a solução parecia cada vez mais difícil. Além disso,
ocupada com o govêrno da Congregação, e com as novas Casas que
se iam abrindo, a Fundadora quase não se demorava em Ciempozue­
los, e muito menos em Madrid.
Mas, em 1887, as circunstâncias obrigaram a Madre a tomar uma
decisão. O Hospital começou a funcionar novamente, e o Capelão, Pa­
dre Macário, não tolerava a Superiora das Oblatas que ali viviam. -
�le não a pode ver sequer pintada - escrevia a Madre - por isso a
situação das Irmãs está-se tornando simplesmente intolerável. - E,
não demorou muito, os médicos exigiram que as Irmãs desocupassem
os quartos que alugavam, pretextando falta de acomodação para os
doentes.
Dias inteiros passou a Fundadora cruzando a cidade, de um la­
do para outro, à procura de uma casa, ou de um terreno, que se pres­
tasse para a sua Fundação. Queria, quanto antes, ficar livre daquele
pesadelo que lhe estava sendo o Hospital das Misericórdias. Depois
de muito procurar, encontrou finalmente um terreno, à Rua Canárias,
cujo preço era quase proibitivo. Assim mesmo resolveu comprá-lo,
vendendo as últimas Ações que possuía, desde os tempos da Côrte,
numa Companhia de Estradas de Ferro, e aplicando também o dona-
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157
tivo de 60.000 pesetas, que recebera daquela «velhinha enrugada qual
uma maçã cozida».
Adquirido o terreno, Madre Antônia não perdeu tempo. Auxilia­
da pelas muitas amizades que contava em Madrid, construiu logo um
pequeno Educandário provisório, no qual colocou, como primeira Su­
periora, a Madre Luzia que o Capelão não podia ver, no Hospital das
Misericórdias. E tão bem ela trabalhou, que, em três anos (1891) já
estava construído um nôvo prédio, amplo e cômodo, para abrigar uma
centena de meninas.
Era então Bispo de Madrid Dom Ciríaco Sanchez, grande amigo
das Oblatas, que fêz questão de oficiar a bênção solene do nôvo Edu­
candário. Mas não permitiu que a Capela da Casa, destinada às Edu­
candas, fôsse aberta, sequer provisõriamente, para o público. Nesse
caso, urgia a construção de uma igreja, anexa ao Educandário, pois,
naquele bairro, conforme escreveu a Fundadora, ninguém sabia o que
era Missa por falta de igrejas e capelas.
A construção, à custa de esmolas que as Irmãs angariavam, de­
morou alguns anos, até ficar inteiramente pronta. Sõmente em 1904
as Oblatas puderam inaugurar a sua igreja, um templo magnífico,
que a Fundadora não chegou a ver, mas que ela havia plantado, com
seu zêlo e dedicação.
Embora governando sõzinha, a Fundadora sempre fêz questão
de não ser autoritária ou independente na direção do Instituto. Já
em 1891, quando se tratou da fundação de Jerez, ela aproveitou a
oportunidade, para reunir o Conselho central, discutindo com suas
Conselh'eiras, não sàmente o assunto da nova Fundação, como tam­
bém certos pontos da Observância que a vinham preocupando.
Era sempre com a maior atenção que ela observava o desenvol­
vimento da sua Obra, tudo fazendo para impedir abusos, esclarecer
pontos duvidosos, e manter sempre vivo, em suas Irmãs, o espírito de
sacrifício exigido pela Vocação de Oblatas. Suas cartas e Circulares
mostram bem o quanto ela se preocupava, para que a sua Congrega­
ção, fruto de tantos sacrüícios, continuasse sendo sempre uma Obra
de Redenção para as almas mais necessitadas.
Reunido o Conselho, a Fundadora quis insistir, mais uma vez,
sôbre dois pontos relacionados com a finalidade do Instituto. Era êste
um assunto que ela não perdia de vista, pois a experiência lhe mos­
trara que qualquer brecha, por insignicante que fôsse, poderia mi­
nar os alicerces de tôda a Congregação. Ela não esquecia aquela ten­
tativa de cisma, que, em pouco tempo, levara a sua Obra à beira do
abismo.
O primeiro ponto dizia respeito à finalidade dos Educandários. A
Fundadora os queria destinados exclusivamente às jovens extravia-

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158
das ou em perigo de se perderem. Mas notara, em algumas Casas, o
desejo de receber «alunas» para uma formação a parte, e isso, a título
de reconhecimento para com as familias benfeitoras. Com todo o em­
penho, a Madre se opôs a essa idéia, já que as chamadas alunas aca­
bariam prejudicando as môças e meninas mais necessitadas. - Essa
gratidão - dizia ela - pode pôr a perder tôda a nossa Obra; é uma
gratidão muito mal compreendida, que Deus não irá abençoar.
O segundo ponto, ela o deixou bem claro, escrevendo numa Cir­
cular que dirigiu a tôdas as Casas: Que as Superioras fujam da ten­
tação de não receber ou despachar aquelas que não mostram qualquer
capacidade para o trabalho. Mesmo quando não servissEm para nada,
elas têm uma alma criada à imagem de Deus, e precisam ser afasta­
das do mau caminho. Elas são as que mais direito têm aos nossos
Educandários, porque nossa Obra foi fundada para elas. E, se alguma
de nossas Irmãs pensa de outra maneira, pode procurar logo outra
Congregação, porque a nossa não irá mudar de finalidade.
Com tôda aquela mansidão e bondade que a distiguiam, a Fun­
dadora nunca deixou de empregar seu pulso firme, para impedir
que certas idéias acabassem mudando a fisionomia do seu Instituto.
Humildade e imolação - eram os dois traços que ela sempre desejou,
como caraterística das Oblatas do SSmo. Redentor. Não foi sem mo­
tivo que, por ocasião da morte de Dom José, o jesuíta Padre Martin
escreveu: Deus o chamou, porque Madre Antônia já está em condi­
ções de caminhar sozinha.

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159

XVII

REDENTORISTA

O sangue dos Oviedo que lhe corria nas veias, já tinha dado à
Madre Antônia um coração generoso, feito para as grandes lutas e
arrojados empreendimentos. Além disso, desde seus primeiros anos,
tivera diante de si o exemplo admirável daquela Da. Susana, alma de
artista, mas também profundamente virtuosa, que nunca se abateu,
durante aquela Via-Sacra que foi a sua vida de mãe e de espôsa.
Compreendemos assim a admiração que, desde a infância, a Se ­
nhorita Oviedo começou a ter para com Santo Afonso Maria de Li­
gório, exemplo, para ela, recente, de generosidade no amor a Deus,
à sua Igreja, e às almas. Com o tempo, à medida que assimilava aquê­
le espírito redentorista presente nas obras e escritos do insigne Dou­
tor, Madre Antônia foi vendo, na vida de Santo Afonso, um retrato
de sua própria vida, e, com isso, mais profunda se tomou a sua devo­
ção.
Entre o Fundador dos Redentoristas e a Fundadora das Oblatas,
havia certamente uma afinidade muito grande: o mesmo Ideal de
santidade, o mesmo zêlo pelas almas, aliados a uma grande cultura
e a um profundo gôsto artístico. Santo Afonso renunciara a nobreza
do seu nome, sua brilhante carreira de advogado, suas grandes ami­
zades e seus estudos de literatura ou de música, para se tornar ape­
nas o Missionário das almas abandonadas. Sua cultura e formação,
seu tempo e suas forças, tudo o Santo Doutor colocara a serviço dos
pobres, nos arredores de Nápoles; era uma Vocação que seus paren­
tes e amigos lamentavam, porque não a podiam compreender.
Madre Antônia percorrera os mesmos caminhos, ao renunciar tu­
do, para fazer, das jovens extraviadas, a única paixão de sua vida.
E êsse gesto lhe valeu um verdadeiro Calvário de críticas, de indife­
renças e de ironia. Nem por isso ela desistiu de seus planos, como
já o tinha feito o brilhante advogado que militava no Forum de Ná-
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poles. Eram duas almas muito parecidas, ambas dotadas da mesma
generosidade que leva aos grandes sacrifícios e heroísmos.
Se, desde criança, a Fundadora das Oblatas já conhecia Santo
Afonso, através dos seus escritos, muito maior foi a sua devoção ao
Doutor Zelosíssimo, depois que pôde penetrar o seu espírito e conhe­
cer de perto a vida e atividade da sua Congregação. Era com imensa
alegria que ela se lembrava daquele Diploma de «Oblata do Santís­
simo Redentor» que recebera, sem o pedir, sentindo-se, então, mais
Redentorista do que antes.
Agradecendo êssé favor, que ela sempre considerou sua maior
distinção, escrevia ao Padre Mauron: Foi certamente N. Senhor quem
lhe inspirou êsse gesto de bondade para conosco, pois, dessa forma,
um nôvo ramo, insignificante, veio acrescentar-se à grande árvore
plantada por Santo Afonso. E tenho que agradecer também àquele
Bispo de santa memória (Dom José) que, embora nos desejasse o no­
me e a proteção de São Bento, permitiu prevalecesse a minha devoção
para com Santo Afonso, o qual, antes de ser canonizado, eu já tinha
por Mestre e Guia de minha vida. - Sentindo-se, assim, Redentoris­
ta, Madre Antônia vivia realmente com a Congregação do Santíssimo
Redentor, que ela sempre considerou co�o a sua Família religiosa.
Podemos, com tôda razão, afirmar que, nos planos da Providên­
cia, a Fundadora das Oblatas foi a Mulher escolhida para completar
a Obra missionária iniciada por Santo Afonso, em favor das almas
mais abandonadas. O Doutor Zelosíssimo já tinha organizado os seus
Missionários, para a vida ativa, bem como as Monjas Redentoristas,
para a vida de oração; e Deus quis acrescentar a essa Família um
grupo auxiliar, dando-lhe um setor de apostolado que nem os Mis­
sionários, nem, muito menos, as Monjas redentoristas poderiam
atingir.
Procurando alimentar, em sua vida e em sua Obra, o espírito
afonsiano de simplicidade e zêlo pelas almas abandonadas, Madre
Antônia foi a Redentorista perfeita, quer pela sua virtude, quer pela
profunda devoção que sempre dedicou ao zelosíssimo Doutor da Igre­
ja. Por ocasião do centenário da morte de Santo Afonso, ela tscreveu
ao Padre Mauron: Celebramos o Centenário com a maior solenidade:
Novenas e tríduos preparatórios, em tôdas as nossas Casas; Missas
solenes, Pontificais, e pregações pelos mais competentes oradores sa­
cros. E não podíamos fazer menos, tratando-se dequele, de cujo espí­
rito brotou a nossa humilde Congregação.
Nota caraterística na vida e nas obras de Santo Afonso, foi o
seu amor e fidelidade à Santa Igreja. Madre Antônia bem o notou,
e soube refletir, em si mesma, êsse traço da fisionomia redentorista.
Já pudemos observar a predileção que ela sempre dedicou à cidade de
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161
Roma; e o motivo, outro não era, senão o seu grande amor à Igreja,
cujos triunfos ou sofrimentos ela sabia viver intensamente.
Em todos os acontecimentos religiosos, ela estava com a sua p re­
sença, com seus sentimentos, ou com sua pena de brilhante escritora;
e, em suas cartas, há um tom de alegria, de entusiasmo e respeito,
sempre que se refere a fatos concernentes à vida da Igreja.
Em 1882, foi uma propagandista fervorosa da grande Peregrina­
ção nacional a Roma, e não faltou quem se oferecesse para lhe pagar
a viagem e estadia na Cidade eterna, para que ela também não fal­
tasse à grande homenagem da Espanha ao Papa Leão. E ela só
não tomou parte na Peregrinação, por não poder abandonar os deve­
res do seu cargo, em Ciempozuelos.
Em 1893, o Papa celebrou seus 50 anos de Sagração episcopal.
De todos os países do mundo afluíram peregrinos a Roma, numa elo­
qüente prova de amor e veneração ao grande Pontüice. Meses antes,
Madre Antônia organizou, em tôdas as Casas do Instituto, a «Cam­
panha da Ave-maria pelo Papa». E, não podendo ir a Roma, enviou
três Irmãs, como representantes da Congregação, encarregadas de
entregar ao Sumo Pontífice o humilde presente das Oblatas e dos
Educandários: um precioso cofre, contendo uma mensagem que ela
mesmo redigiu, para oferecer ao Papa um ramalhete espiritual de
12 milhões de Ave-marias. Ao abrir aquêle cofre pequenino, o Santo
Padre ficou profundamente comovido com os dizeres que continha
e observou com alegria: �ste é um presente que vale milhões!
Redentorista como era, Madre Antônia exultou, quando Pio IX
entregou o quadro original de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
aos Missionários do Santíssimo Redentor, para que difundissem o cul­
to mariano sob essa invocação. A Fundadora das Oblatas tomou êsse
uncargo, para si e para o seu Instituto, não se contentando apenas
com alimentar essa devoção, mas propagando-a sempre e com o
maior entusiasmo. Encomendava ou trazia de Roma quantas estam­
pas podia de Santo Afonso ou de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
para as suas Casas, para os Educandários, ou para pessoas da sua
amizade. As estampas menores, ela as levava sempre consigo, para
u distribuir em tôda parte. Fêz questão de entronizar solenemente
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Capela da Casa-Mãe, em
Clempozuelos, entregando-lhe o futuro da sua Obra e do seu Instituto.
Certa ocasião, Dom José estava sofrendo de uma terrível dor de
l'nbeça, que não lhe permitia um momento sequer de repouso. Os mé­
dicos tudo fizeram, mas a dor continuava sempre mais intensa: Foi
quando a Madre enviou ao enfêrmo, uma pequena estampa de Nossa
Honhora do Perpétuo Socorro, para que êle a colocasse debaixo do
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travesseiro. O resultado foi imediato. Dom José momentos após, pô­
de repousar tranqüilamente, e nunca mais sentiu dores de cabeça.

Em Zaragoza, uma das Irmãs, já desenganada pelos médicos,


tinha recebido os últimos Sacramentos e entrara em agonia. A Su­
periora telegrafou para a Madre Geral, que logo redigiu um telegra­
ma à enfêrma: Reze Perpétuo Socorro, explicando ordem minha
ficar curada quanto antes. - Horas depois, a Irmã que, conforme
os médicos, já levava dois dias de agonia, sentou-se à mesa e escre­
veu à Madre Fundadora, para lhe dizer que fôra curada repentina­
mente. Dêsse dia em diante, a Irmã ficou sendo conhecida, dentro e
fora do convento, como a «Irmã do milagre».
Em 1884, uma terrível epidemia, que seria ou cólera ou varío­
la, devastou quase tôdas as Províncias da Espanha. E a Fundadora,
numa carta ao Padre Mauron, dizia: Temos que agradecer a Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, porque, embora nossas meninas não
tenham muita saúde, a varíola quase não entrou em nossas Casas.
Tivemos a lamentar só uns quatro ou cinco casos de contágio; e,
mesmo assim, era de admirar a resignação e até alegria com que as
enfêrmas aceitaram a doença, por saberem que, tornando-se mais
feias, estariam menos expostas à tentação.
A confiança que Madre Antônia depositava no perpétuo socorro
de Nossa Senhora, aparece bem numa carta escrita a Dom José, que,
na ocasião, estava em Roma: Estou melhor - dizia ela - e embora
não esteja ainda trabalhando, creio que a minha cura foi um verda­
deiro milagre. Passei uns oito dias horríveis. Depois, entre lágrimas,
fui prostrar-me aos pés de Nossa Senhora, para lhe dizer que, duran­
te todo o mês da minha enfermidade, nunca lhe pedi me fizesse sofrer
menos; e estava pronta a sofrer ainda mais, contanto que Ela me li­
vrasse de qualquer doença que me obrigasse a ser tocada por um mé­
dico, inda que fôsse o mais santo. Nesse caso eu preferia morrer.
Duas vêzes já disse isto a Nossa Senhora, e fiquei curada repentina­
mente. Desta vez rezei também assim, e não sei como foi, o certo é
que fiquei livre da doença.
Desde que recebera o Diploma de Oblata do SSmo. Redentor,
Madre Antônia compreendeu que aquela distinção não era apenas um
título para ela exibir, mas um Ideal que devia viver e realizar. Daí o
seu esfôrço constante para chegar a ser uma oblação viva aos olhos
de Deus, no altar da própria existência, enquanto se entregava à sal­
vação das almas abandonadas.
Sentindo-se então, mais Redentorista que antes, ela procurou
viver sempre integrada na Congregação do SSmo. Redentor, de cujo
espírito havia brotado a sua incipiente Congregação. Se partilhava

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163
dos êxitos e alegrias dos Filhos de Santo Afonso, também sabia viver
as suas lutas e os seus sofrimentos.
Quando os Redentoristas, S. Clemente Hofbauer e S. Geraldo
Majela foram beatüicados, a Fundadora das Oblatas organizou todo
um programa de festas e solenidades para as Casas e Educandários
do Instituto, apresentando às suas Irmãs os dois modelos que deviam
seguir, para alcançarem o espírito próprio da Vocação.
A respeito de S. Clemente, ela diz, numa carta ao Padre Mauron:
Tenho para com êle uma devoção muito grande, e isso, por um moti­
vo todo especial. Li, na sua biografia, que foi êle quem mandou os
primeiros Redentoristas para a Suíça. Dessa forma, devo a êle a gra­
ça de haver conhecido os Padres e a Congregação do SSmo. Redentor.
Quando êle foi beatüicado, eu estava nuns apuros tremendos, sem
saber como pagaria a conta do pão, atrasada já por vários meses.
Sabendo que, por sua intercessão, se haviam conseguido os recursos
necessários para o Processo de sua Beatüicação, comecei a lhe pedir
que me arranjasse o dinheiro, para eu pagar a minha dívida. Não di­
go que o dinheiro me caiu do céu, mas, em todo caso, pude pagar o
que devia. E, qual não foi a minha surprêsa, quando, naqueles dias,
11 que êle tinha sido padeiro! Depois disso, comecei a invocá-lo dià­
rlamente, e, no fim do mês, sempre tenho tido com que pagar as con­
tas do pão. Contei o caso às Superioras, e elas logo o elegeram Pro­
tetor do nosso pão de cada dia. Creio que não irá demorar muito, e o
Beato Clemente será Taumaturgo das Superioras e das Ecônomas ...
Vejo assim que, como os Redentoristas da terra, também os do céu
1e interessam por nós; e êsse é o meu consôlo, em meio a tantas düi­
culdades que temos para vencer.
Compenetrada dos seus deveres de Redentorista, Madre Antônia
aempre viu, no Padre Nicolau Mauron, não somente uma amizade, ou
um Diretor espiritual, mas o seu Superior religioso, ao qual dedicava
todo respeito e profunda veneração. Numa de suas cartas, ela lhe di­
zia: Já estou com 70 anos,e tive a sorte de conhecer Vossa Reveren­
d[ssima, naquele tempo em que eu vivia na Pensão das Irmãs Martan-
1e, em Friburgo. Quantos anos já não passaram! E, durante êsse
tempo, quanto mérito Vossa Rvma. não foi acumulando para a eter­
nidade, enquanto eu, já velha, e quase às portas da morte, ainda es­
tou de mãos vazias! Reze muito, para que Nosso Senhor tenha pena
de mim; êsse o meu clamor de todos os dias.
Como genuína Redentorista, ela celebrou, e fêz celebrar, em tô­
das as Casas do Instituto, o jubileu áureo de Ordenação sacerdotal
cio Padre Mauron, a quem ofereceu, como presente da sua Congrega­
ção, uma riquíssima casula, que ela mesma confeccionou. Nessa oca-
1110, escrevendo ao Padre Geral, ela lembrava: Creio que devo ter
11slstido à Primeira Missa de Vossa Rvma. naquela saudosa igreji-

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nha dos Redentoristas, em Friburgo, pois, naquele tempo, eu já a
freqüentava, por ser a minha Capela predileta.
Por motivo das perseguições que então sofriam os Redentoristas,
tanto na Itália como na Alemanha, Madre Antônia determinou que,
em tôdas as Casas do seu Instituto, se fizessem orações especiais,
para que a Congregação triunfasse dos seus inimigos; e dirigiu uma
Circular a tôdas as Comunidades do seu Instituto, por ocasião da mor­
te do Padre Mauron, determinando os sufrágios, e pedindo orações
pela eleição do nôvo Geral. Redentorista não somente de nome, mas
na realidade, ela sabia viver intensamente com a Congregação que
dera a vida e o espírito ao Instituto que fundara.
Para substituir o Padre Nicolau Mauron no cargo de Superior
Geral dos Redentoristas, foi eleito o Padre Matias que já conhe­
cia as Oblatas, de uma viagem que fizera, anos antes, à Espanha.
Felicitando-o pela sua eleição, Madre Antônia lhe escreveu: Rezamos
muito nestes dias, para que Deus nos desse um Padre Geral como o
nosso saudoso Padre Mauron; e fomos atendidas. Lembro-me bem
que um dia, em Valladolid, Vossa Rvma. me disse, a respeito do nos­
so Instituto: Esta é realmente uma Obra de Redenção, que os nossos
Padres precisam ajudar e proteger. Nunca me esqueci dessa pala­
vra, que, depois, foi confirmada com tantas provas de bondade e
atenção. Por isso, ninguém melhor que Vossa Rvma. que nos conhece
há tantos anos, para substituir, entre nós, o falecido Padre Mauron.
Queira abençoar a nossa Congregação, e a sua pobre Superiora Geral,
já velha, e muito necessitada de orações.
Traço dominante da fisionomia redentorista é, sem dúvida, a
caridade, ou a misericórdia para com as almas abandonadas. O Re­
dentor já disse: Não vim procurar os justos, mas os pecadores - e
tôda a obra da Redenção não foi um gesto da infinita misericórdia
de Deus para com os homens?
Foi êsse espírito redentorista de caridade e compreensão para
com os pecadores, que levou Madre Antônia a adotar o sobrenome
de «Misericórdia». Desde que iniciou a sua Obra de Redenção em
Ciempozuelos, ela compreendeu que devia ser um reflexo daquela
caridade do Bom Pastor, sacrificando-se por apenas uma ovelha ex­
traviada. Em tôda a sua maneira de falar e de agir, o traço que a dis­
tinguia era sempre a bondade e a mansidão; por isso, um de seus
biógrafos disse: Tôda a vida dessa admirável Fundadora se resume
no sobrenome que ela tão bem soube escolher.
Pelas suas cartas, e pelas Crônicas do Instituto, sabemos que a
Fundadora, muitas vêzes, foi aconselhada por seus Diretores, para
que usasse de mais rigor, e não poupasse os castigos na reedução
das meninas. Mas, à medida que foi penetrando os escritos de Santo

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Afonso, e conhecendo o espírito da sua Congregação, Madre Antônia
se convenceu de que, no seu apostolado, muito mais iria conseguir
com a misericórdia, que com os rigores da justiça.
Dom Cecilio Gamo, Pároco de Ciempozuelos, era um dos que
não entendiam bem' a mansidão da Madre Fundadora; e costumava
dizer: Depois da Madre Misericórdia, é preciso que venha a Madre
Justiça. - Mas não foi necessário, pois ninguém melhor que Madre
Antônia soube levar o Instituto pelos caminhos difíceis da observân­
cia e do espírito religioso, tudo conseguindo com aquela sua bondade
que vencia qualquer oposição. Nem por isso deixou de ser firme e exi­
gente, quando as circunstâncias o exigiam. Nunca se omitiu, nunca
faltou ao seu dever de censurar ou de corrigir, embora sempre o fi­
zesse com caridade e compreensão.

ELA SABIA SENTIR


Para as Irmãs, e, principalmente, para as meninas, sempre esta­
va aberto o seu grande coração de mãe. Por mais preocupada que es­
Uvesse com os cuidados que seu cargo lhe impunha, nunca deixava
escapar uma palavra de nervosismo ou desatenção. Costumava cha­
mar as meninas, e mesmo as Irmãs, com o nome de «chipitinas», têr­
mo êsse que nunca estêve no vocabulário espanhol, mas que ela en­
controu, não se sabe onde, como expressão do seu carinho maternal.
Em Ciempozuelos, fôra recebida uma menina que, apesar dos
seus doze anos, era muito raquítica e fraca dos pulmões. Para evitar
contágio, e poder cuidar melhor da sua doente, a Madre não a colocou
na enfermaria da Casa, mas levou-a para sua própria cela. Devido
à sua fraqueza, a menina foi logo dispensada de guardar a abstinên­
cia nos dias prescritos, substituindo-a por determinadas orações. Cer­
to dia em que as devia rezar, nem ela, nem a Madre se lembraram
ela obrigação. Sabendo disso, Dom José, que não poupava a sua Di­
rigida, proibiu-lhe a Comunhão no dia seguinte; e êsse era o pior
castigo que podia infligir. A Madre não disse palavras. Mas o Bis­
po ainda censurou: Se a Sra. não se interessa, como irão essas me­
ninas guardar os preceitos da Igreja? - Madre Antônia ouviu tudo
com a maior humildade e mansidão. No dia seguinte, Dom José já
estava no altar, iniciando a Santa Missa, quando mandou um aviso à
Madre: Pode comungar. - Ela comungou; e, mais tarde, referin­
do-se ao fato, ela dizia: Foram bem merecidas as humilhações que

..
1·ecebi, e muito me ajudaram na prática da caridade.
Para as visitas que anualmente fazia às Casas do Instituto, ano-
tou diversos pontos que não queria esquecer. O número 17 dizia: Ter
um cuidado especial para com as Irmãs enfêrmas, pois Sta. Tereza
afirmava que elas são a bênção das Casas. De fato, uma das suas
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maiores preocupações eram as Irmãs doentes, que ela procurava aten­
der e consolar com extrema dedkação. A mesma caridade queria ver
em tôdas as Superioras; por isso escreveu, certa vez, à Madre Rosá­
rio: Deus irá abençoar muito, pela paciência com que atende às Ir­
mãs enfêrmas.
Em Ciempozuelos, uma das Irmãs já tinha recebido os últimos
Sacramentos, e nada mais esperava, senão a morte. Para a consolar,
a Madre lhe deu esta esperança: Minha Filha, não tenha pressa para
morrer, pois eu irei antes que a Sra. - De fato, a doente logo sarou,
e morreu muitos anos depois da Fundadora. Caso semelhante se deu
também com uma noviça que já estava à morte. Madre Antônia pediu
que a Comunidade fizesse uma Novena, oferecendo a sua vida, para
que a Noviça recobrasse a saúde. - De modo algum - observaram
as Irmãs - a vida de nossa Madre vale mais que tôdas as Noviças
e as Irmãs juntas. - Disse a Madre, vamos ver quem vence. - A No­
viça se restabeleceu; e, pouco depois falecia a Fundadora.
Muitas vêzes em Ciempozuelos, a firmeza e dedicação de Dom
José tiveram que se dobrar ante a bondade da Madre Antônia, no ca­
so de meninas incorrigíveis. Dom José achava que elas deviam ser
simplesmente despachadas, alegando que, para salvar o rebanho, era
necessário afastar as ovelhas sarnentas. Mas a Madre sempre inter­
cedia pelas pobres meninas, renovando seus pedidos de paciência, na
esperança de as poder salvar.
Quando se tratava de receber em seus Educandários alguma me­
nina pobre ou necessitada, para a Madre a Casa nunca estava lotada;
sempre arranjava um lugar, porque seu coração de mãe não se con­
formava com deixar na rua, ou no pecado, aquelas que precisavam
de amparo e compreensão. - Nunca digam que a Casa está cheia -
e screvia às suas Irmãs - pois sempre haverá algum cantinho, para
receber mais uma menina, ou para nos receber, ficando o nosso lugar
para ela. - Realmente, muitas vêzes a Madre aceitou dormir no chão,
para ceder sua cama a alguma menina recém-chegada.
E quando faltavam recursos para a manutenção da Casa, era ela
a primeira a sair, correndo as ruas de Madrid, de manhã até à tarde,
passando o dia com um pedaço de pão que comia, sentada a um canto
de algum prédio ou igreja.
Dom Jacinto Ribeyro nos deixou algumas notas interessantes
a respeito da Fundadora que êle admirava como santa, e a qual acom­
panhou, muitas vêzes para tratar de algum assunto em repartições
do Govêrno. Diz êle que era de admirar a rapidez e, mesmo a inspira­
ção, com que a Madre respondia a certos políticos que, não a querendo
atender, punham-se a desfazer da sua Obra, com ironias de mau gôs­
to. - Que faz a Sra. com essas môças? - perguntou-lhe certa vez

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um Ministro. - O que o Govêrno deveria fazer, e não faz - respon-
deu a Madre prontamente.
Noutra ocasião foi um banqueiro, bastante venenoso, quem lhe
u tirou esta pergunta: Que interêsse tem a Sra. em armazenar essas
meninas? - O mesmo interêsse que os Srs. têm com as moedas fal­
sas: retirá-las de circulação! - foi a resposta que encerrou o assunto.
--�)'!
Em Ciempozuelos, a Irmã Mercedes era uma ótima enfermeira;
mas, às vêzes, não primava pela paciência ou mansidão. A Madre,
que sempre costumava pedir licença, antes de entrar nalguma sala
de trabalho, assim o fêz num dia em que precisava entrar na enferma­
l'ia. Mal humorada naquele momento, a enfermeira respondeu: Se
a Sra. pode entrar sem pedir licença, porque tôda essa cerimônia? -
Perdão minha Filha, eu não a queria incomodar, nem muito menos,
aborrecer. - Era com essa mansidão que ela desfazia tôdas as difi­
culdades.
Noutra ocasião, a mesma Irmã Mercedes estava muito atarefa­
da, quando chegou uma menina, para lhe pedir qualquer coisa -
Deixe-me em paz - respondeu a Irmã, com certa rispidez. - Ou­
vindo isso, a Madre lhe disse: A minha Filha quer ficar em paz?
Ajoelhe-se agora aí mesmo, e reze um pouquinho. - A enfermeira
obedeceu, e disse depois, que a receita fôra de um resultado maravi­
lhoso ...
Muito pequena de estatura, a Irmã Bárbara era uma Religiosa
muito tímida, que não se conformava com a sua falta de tamanho.
Para a consolar, Madre Antônia lhe escreveu uma oração ao Meni­
no Jesus, lembrando-lhe as vantagens de ser pequena.Numa deliciosa
simplicidade, a oração rezava assim:
ó Criança divina! Eu vos agradeço porque me fizestes pequena;
Vós também quisestes ser assim. Vejo muitas vantagens nessa minha
falta de estatura, já que preciso menos para me alimentar, gasto
menos fazenda para vestir, e assim, sou menos pesada para a Co­
munidade. Sendo pequena, sou mais leve, tenho mais agilidade, e pos­
so passar por onde não passam as pessoas grandes. Como dizem que
a porta do céu é baixa e apertada, ela não será düícil para mim. Sen­
do pequena, estou menos exposta aos perigos, ninguém fará caso
da minha presença, e estarei livre das tentações de vaidade. Se eu
fôsse alta e vistosa, é bem provável que o mundo me teria levado
para o caminho das suas loucuras. Aceito, por isso, o tamanho que
me destes, e peço que êle me lembre sempre aquela pequenez da hu­
mildade que tanto vos agrada, que eu preciso alcançar.
Se, a princípio, Madre Antônia teve certa repugnância pelo apos­
tolado que Deus lhe queria confiar, depois, nunca soube esconder sua
predileção para com as suas «chipitinas».
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Quando chega".ª a alguma de suas Casas, sua primeira visita
era para o Santíssimo Sacramento. Mas em seguida, ia logo visitar
as meninas; e era aquela festa. Tôdas a rodeavam alegremente, en­
quando ela contava alguma coisa da viagem, perguntava por uma ou
outra, brincando e rindo, qual uma mãe em meio às suas filhas. Fa­
zia questão de as acompanhar, não somente à Capela ou às salas de
trabalho, mas também aos recreios, sentindo-se feliz na companhia
daquelas que esperavam pela sua bondade e compreensão.
Certa vez, num dos seus Educandários, encontrou uma menina,
já condenada pelos médicos que a não queriam mais tratar, dizendo
que o mal era incurável. A doença vinha de longe, e todos os trata­
mentos tinham sido inúteis. Madre Antônia lhe fêz uma visita na en­
fermaria; e a doente, sabendo que seu mal era incurável, pediu cho­
rando: Madre, reze por mim! - Fique sossegada, «chipitina», Você
ainda vai sarar - respondeu a Madre, mostrando-lhe o quadro de
Nossa Senhora.
Naqueles dias celebrou-se, na Casa, a festa de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro. A muito custo, a menina conseguiu deixar a en­
fermaria, indo à Capela para assistir à Missa solene. E, à hora da
Elevação, sentindo-se repentinamente curada, pôs-se a gritar de ale­
gria: Milagre! Milagre! - As Irmãs acorreram assustadas, levando-a
para uma sala próxima. Verificaram que a menina estava curada,
mas não sabiam explicar o que tinha acontecido. A notícia correu
logo pela cidade, e o próprio Bispo, reconhecendo que se tratava de
um caso extraordinário, celebrou Missa solene, com Te Deum em
ação de graças, na Catedral.
Em suas Notas sôbre a vida da Fundadora, Dom Jacinto Ribey­
ro narra um fato que bem mostra o domínio que a Madre exercia
sôbre as meninas, através de sua admirável mansidão.
Certo dia, não se sabe como, foi parar no Educandário de Ciem­
pozuelos, uma môça morena, alta e muito forte. Era uma figura bem
conhecida no submundo de Madrid, por suas aventuras em todos os
setores do vício. Não tinha nome nem sobrenome; levava apenas o
apelido de «Africana» por ter nascido em Argel, meio árabe, meio
francesa. Dotada de extraordinária musculatura, era, ao mesmo
tempo, de uma impressionante agilidade, pelo que nunca a puderam
prender, acusada como era de diversos crimes. Sabia usar da sua be­
leza para enganar sempre; mas logo se manifestava como uma fera
indomável e traiçoeira.
Com sua imensa bondade, Madre Antônia a recebeu. Mas, com­
preendendo que ali estava uma criatura perigosa para tôda a Casa,
quis conservá-la mais perto de si, e a nomeou sua secretária parti­
cular. Dom Jacinto confessa a sua admiração, quando, meses depois,
viu a môça completamente mudada; era um modêlo de docilidade e
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169
delicadeza, sendo o caso comentado em Madrid, como se fôra um mi­
lagre. Mas a fera de Argel estava apenas adormecida, e a conversão
durou pouco.
Pouco depois, por um motivo qualquer, a Africana arranjou
discussão, e logo comprou uma briga com uma das meninas. Nada
lhe custou atirar a garôta no chão, com meia dúzias de sopapos. Com
o mesmo expediente liquidou com várias colegas da vítima, que in­
tervieram para a socorrer. Ouvindo a gritaria, Dom José correu para
acalmar a situação. A Africana foi ao seu encontro com um enorme
castiçal; aplicou-lhe tremendo golpe na cabeça, e o deixou caído no
chão. Nesse momento chegou a Fundadora; mas a fera avançou sô­
bre ela a socos e a p0nta-pés, deixando-a logo fora de combate. Não
tendo mais com quem brigar, a terrível pugilista desmaiou, e caíu
no pátio de recreio, onde ficou desacordada.
Quando voltou a si, a Madre já a estava amparando, e lhe per­
guntou: Minha filha, que quer você? - Quero ir embora desta casa!
- Pois bem - disse a Madre - se você me tivesse dito isso antes,
já poderia ter saído. - Mandou que lhe aprontassem a mala, enquan­
to lhe enxugava o suor, e compunha seu cabelo. Deu-lhe dinheiro
suficiente para alguns dias; foi com ela até ao portão, e a despediu
com todo carinho.
Dois meses depois, o velho jardineiro da Casa que chegava de
Madrid, correu à procura da Madre, e, todo aflito, lhe explicou: Ma­
dre do céu! A Africana viajou no mesmo trem, e desembarcou agora
mesmo na estação; ela vem para cá, e por isso, já tranquei o portão
do jardim. - Dê-me a chave - replicou a Fundadora - eu mesma
a irei receber. - Receber aquela fera? - perguntou o velho apavo­
rado. - Sim - disse a Madre - ela é uma das minhas Filhas.
Pouco depois já estava chegando ao portão de entrada a terrível
Africana. Pela frestas das janelas, Irmãs e meninas espreitavam as­
sustadas, temendo pela sorte da Madre. Esta abriu o portão, calma
e delicada como sempre. A môça aproximou-se, muito bem vestida e
coberta de jóias. Quando a Madre a quis abraçar, ela deu um passo
atrás dizendo: não mereço mais! Ajoelhou-se, chorando,. e pedindo
perdão de tudo o que fizera. Madre Antônia a ergueu, enxugando-lhe
as lágrimas com seu próprio lenço, quis levá-la para dentro da casa.
Mas a fera já domada, entrou primeiro na Capela, e ali ficou, solu­
çando qual uma criança.
Enquanto ela chorava, a Madre foi chamar as Irmãs, e reuniu
as meninas à porta da Capela. Tôdas tremiam de mêdo, quando a
Africana chegou, ajoelhou-se diante da Madre, pedindo novamen­
te que a recebesse. - Voltei - disse ela - pela bondade com que a
Madre me tratou. Nunca pude afogar o meu remorso pelo que eu fiz
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aqui. Agora peço à Madre que me perdoe, e me receba, embora saiba
que eu não mereço mais qualquer atenção.

A Madre Antônia a abraçou e a recebeu, fazendo-a mais uma vez


sua secretária particular. Completamente mudada, a Africana conti­
nuou no Educandário, como um exemplo de piedade e de comporta­
mento, dali saindo, alguns anos depois, para ocupar uma colocação
que a própria Madre lhe conseguiu.

Tôdas as Irmãs sabiam a dificuldade que tinha a Fundadora pa­


ra despedir do Educandário alguma menina que não desse esperança
de se corrigir. Procurava sempre um último recurso, e êsse era se­
pre ditado pela sua grande misericórdia.

A Superiora de Ciempozuelos fazia tempo que andava desespe­


rada com uma menina difícil e incorrigível, que já se tornara um es­
cândalo permanente dentro de casa. Foi ter com a Madre Geral, ex­
plicando-lhe que não agüentava mais aquela situação, e ia mandar
embora a menina. Madre Antônia mandou chamar a garôta, que fi­
ficou logo nomeada secretária da Madre Geral . .. era o estratagema
de sempre. Tendo-a mais perto de si, a Fundadora conseguiu corrigir
a incorrigível, dando-lhe apenas provas de bondade e compreensão.
Após um mês a menina deixou o seu cargo, e pôde voltar à compa­
nhia de suas colegas; nunca mais deu qualquer preocupação ou abor­
recimento às Irmãs.

Longe iríamos, se quiséssemos relatar todos os casos em que a


Madre da Misericórdia deixou aparecer a grandeza e bondade do seu
coração de mãe; ela compreendia muito bem o apostolado que Deus
lhe reservara. Uma Obra de Redenção como aquela de regenerar as
almas profanadas pelo mundo, só podia ser realizada com o zêlo e
com a misericórdia do Redentor. Seu carinhoso interêsse pelas meni­
nas aparecem bem nas suas cartas às Superioras, sempre insistindo
no zêlo e1mansidão que deviam ter no apostolado.

De uma dessas cartas é o trecho que transcrevemos: Madre Inês,


cuide muito bem de tudo, e não poupe sacrifícios em favor das Irmãs
dessa Casa. Mas, de um modo especial, cuide das minhas «chipitinas>>.
Visite-as muitas vêzes, conversando e brincando com elas. E diga-lhes
que a visita é minha, para que elas saibam que a Madre Geral não as
esquece.

Não foi, portanto, sem motivo, que a Fundadora das Oblatas es­
colheu para si o nome de Madre Misericórdia. E ela não quis ape­
nas assinar assim, mas viveu intensamente o que seu nome signifi­
cava. Compreendeu bem a sua Vocação redentorista, dando sua bon­
dade e carinho àquelas almas pelas quais o Redentor dera seu Sangue.
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171

XVIII

ÚLTIMOS ANOS

Após tantos anos de lutas e trabalhos contínuos, aí pelo ano de


1892 começa a declinar a intensa atividade da Madre Fundadora. As
Casas do Instituto floresciam, aumentando sempre mais o campo de
apostolado, e, com isso, impedindo a fundação de novos Educandá­
rios. Já idosa e bastante enfêrma, a Madre Geral nada mais podia
fazer senão conservar e desenvolver o que já estava realizando; era
o Ideal que lhe consumira as fôrças durante quase trinta anos:
Para manter no Instituto a observância regular e o espírito re­
ligioso, ela se valia freqüentemente das Cartas Circulares, enviadas
às Casas, verdadeiros tratados de virtudes insistindo sempre no zê­
lo, na humildade e na abnegação que deviam caraterizar as suas
Oblatas.
Além disso, fazia anualmente uma Visita a cada Comunidade,
para se inteirar, de perto, da situação material e espiritual das Casas.
Nessas ocasiões, procurava corrigir alguma falta em matéria de ob­
servância, ou algum abuso que pudesse encontrar; atendia as Irmãs
e até as meninas, aconselhando, ou resolvendo dificuldades com aque­
la prudência que todos lhe reconheciam. Sua presença nas Casas,
além de uma alegria e de um consôlo, era um estímulo para as Irmãs,
que viam, na Madre Fundadora, um exemplo vivo das virtudes que
inculcava às suas Filhas.
Conservam-se ainda hoje as Normas que ela mesmo traçou, para
observar nessas Visitas; são um documento com o qual podemos ava­
liar a prudência e caridade da Fundadora, quando se propunha levar,
às suas Casas, a paz e a compreensão, o entusiasmo e a generosida­
de na vida religiosa ativa.
Dom Laureano Acosta, advogado, e grande admirador da Madre
lembra, numa carta escrita em 1909, a primeira impressão que teve
da Fundadora, ao conhecê-la em Santiago. Ela já estava nos seus
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172
últimos anos; mesmo assim, diz o advogado: Desde o primeiro mo­
mento em que a conheci, fiquei simplesmente dominado pelo seu
olhar calmo e penetrante, pela delicadeza de suas maneiras, que re­
velavam uma Senhora distinta e culta, acostumada à vida na Côrte.
Isso porém não impedia que ela se fizesse tudo para todos a ponto
de se sentir imensamente feliz no meio daquelas meninas môças, as
quais tratava com extrema amabilidade, sem qualquer tom autori­
tário; e mesmo assim, elas tinham, para com a Fundadora, uma ver­
dadeira veneração, um profundo respeito. Sabiam que estavam diante
de uma alma santa.
Embora notasse que seus dias estavam chegando ao fim, Madre
Antônia quis ainda resolver um assunto que, fazia tempo, vinha es­
tudando com bastante preocupação. Tratava-se da situação daquelas
môças que, não querendo mais voltar às suas famílias, desejavam
continuar nos Educandários, como auxiliares das Irmãs. A Funda­
dora não concordava que elas fôssem, nas Casas, umas simples em­
pregadas; e, de outro lado, não as podia receber como candidatas à
vida religiosa. Era, porém, necessário, que elas tivessem uma situa­
ção segura e bem determinada, para poderem levar, no convento,
uma vida piedosa, livres dos perigos que o mundo lhes iria oferecer.
Na falta de um regulamento definitivo, em algumas Casas, as
Superioras já estavam adotando o sistema de outras Congregações
semelhantes, que permitiam a essas môças fazerem o voto de obe­
diência, ficando mais ou menos incorporadas à Comunidade, com um
hábito simples, de penitência. Mas essa marca de penitência era jus­
tamente o que não agradava muito à Fundadora.
Estudando o assunto com tôda calma e prudência, Madre Antô­
nia acabou determinando: 1) As môças que desejassem continuar
nos Educandários, como auxiliares, não poderiam ser aceitas por ou­
tro motivo que não fôsse o desejo sincero e manifesto de viverem
uma vida mais recolhida e piedosa; 2) Não fariam voto de obediên­
cia mas, após alguns dias de retiro, fariam sua solene Consagração a
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; 3) Usariam o hábito que a
própria Fundadora iria determinar, observando um Regulamento
que ela também iria redigir para tôdas as Casas.
O tempo se encarregou de mostrar com quanta prudência e sa­
bedoria procedeu a Madre nesse assunto. Até hoje continua existin­
do, na Congregação das Oblatas, essa classe de Auxiliares, conheci­
das pelo nome de «Marias», que a própria Fundadora lhes deu. Con­
sagrando-se, por tôda a vida a Nossa Senhora, nada mais desejam
senão retribuir com sua piedade e com seu trabalho, à dedicação e
carinho que receberam do Instituto. Ainda hoje, entre elas, não têm
sido poucos os casos de verdadeiras conversões, e de extraordinárias
virtudes.
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Segundo a Crônica de Ciempozuelos, em princ1p10s de junho de
1894, foram transladados, para a Capela da Casa Mãe, os restos mor­
tais de Dom José, que estava sepultado no Mosteiro de Las Palmas.
Um verdadeiro cortêjo fúnebre de Sacerdotes e fiéis acompanhou a
preciosa urna até Ciempozuelos, onde a esperavam a Madre Geral e
tôdas as Superioras do Instituto.
Na igreja, após o Réquiem solene, os restos mortais do Funda­
dor foram colocados num rico mausoléu, que a Madre mandara cons­
truir ao lado esquerdo do altar-mor. Era a última homenagem da sua
gratidão para com aquêle que lhe mostrara, com tanta segurança, o
caminho da sua Vocação religiosa. E, não tardaria muito, ela tam­
bém iria ocupar um outro mausoléu contruído por suas Filhas, ao
lado direito do mesmo altar.
Reunidas as Superioras do Instituto para a transladação dos res­
tos mortais de Dom José, Madre Antônia quis aproveitar a oportu­
nidade para tratar com elas vários assuntos concernentes ao govêr­
no da Congregação. Desde 1888, ano em que falecera o Fundador,
ela vinha exercendo o cargo de Superiora Geral, eleita unânimemente
por tôdas as Superioras. Agora, em 1894, ela estava resolvida a re­
nunciar o pôsto, certa de que assim o exigia o bem do Instituto.
Madre Antônia estava então com 72 anos. Embora não se tra­
tasse de uma idade muito avançada, suas fôrças estavam chegando
ao fim, e sua humildade lhe dizia que outras Irmãs, com menos ida­
de e com mais saúde, poderiam desempenhar o cargo com mais efi­
ciência.
Diante de tôdas as Superioras, apresentou, pois a sua renúncia,
pedindo humildemente que, para o bem da Congregação, elegessem
outra Superiora Geral. Mas de nada adiantou suplicar e insistir; as
Superioras também pediram que ela continuassem no cargo, e, refor­
çando o pedido, novamente a elegeram por unanimidade.
As Irmãs reconheciam que naquelas circunstâncias, o cargo
de Superiora Geral era um pêso tremendo para os ombros da pobre
Fundadora, já idosa, cansada e enfêrma. Nenhuma, porém, das Su­
perioras, seriam capaz de dirigir a Congregação, como ela sempre o
fizera com tanta virtude e sabedoria. Portanto, o bem do Instituto
não €Stava exigindo uma outra Superiora Geral, mas a mesma.
Humilde e conformada, Madre Antônia aceitou a reeleição, cer­
ta de que deveria levar o cargo até à morte, pois suas Filhas jamais
lhe iriam permitir abandonasse o govêrno de uma Obra, fruto de
tantas lutas e sofrimentos. A reeleição deu-se a 8 de junho, de 1894.
Mêses depois, em outubro, a Madre viajava para Barcelona, on­
de Dom José sempre havia desejado uma fundação das Oblatas, por
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se tratar de uma cidade grande e muito necessitada. - Esta será
minha última Fundação - disse a Madre às Irmãs. Realmente, sua
saúde, bastante abalada, não suportava mais o cansaço daquelas
viagens, e todo o esfôrço que uma nova Fundação sempre exigia.
it'��·
Até fevereiro do ano seguinte, ela ficou em Barcelona, hospe­
dando-se, ora numa casa, ora em outra, empenhando-se para conse­
guir local e recursos para construção do Educandário. Depois de
muita luta e sacrifício, pôde instalar-se numa casa provisória, com
algumas Irmãs e umas poucas meninas. Ao voltar para Ciempuzue­
los, deixou ali, como Superiora, a Irmã Maria da Providência, que,
com muita atividade e coragem, conseguiu levar avante a Fundação.
Não fôssem os insistentes pedidos, e o desejo tantas vêzes ma­
nifestado por Dom José, aquela Fundação em Barcelona p rovàvel­
mente não se teria realizado. A pobre Fundadora já não estava mais
em condições de enfrentar tanto trabalho e tanta agitação.
Voltando para a Casa Mãe, Madre Antônia estava com a saúde
completamente arruinada. O clima de Barcelona, e a atividade que
ali despendera, deixaram-na tão abatida e tão sem fôrças, que as Ir­
mãs começaram a temer pela sua vida. Mas, novos cuidados e aborre­
cimentos a estavam esperando.
Numa das suas últimas cartas ao Padre Mauron, ela já se quei­
xava da insistência com que lhe pediam fundações fora da Europa.
O trabalho aumentava sempre mais, nas casas que já havia fun­
dado na Espanha. Se não faltavam Irmãs, também não as havia de
sobra. Como pensar em novas Fundações, e em países estranhos, onde
as dificuldades seriam muito maiores? Os pedidos eram contínuos
e insistentes, e o coração da Madre sofria, tendo que responder sem­
pre negativamente.
Já em sua última carta ao Padre Mauron ela dizia: Tenho ago­
ra uma nova cruz para carregar. Não posso mais ir ao Palácio da
Rainha, nem do Sr. Bispo Diocesano, pois vivem insistindo comigo,
para que abra Casas do Instituto nas Filipinas e nas Antilhas. Não
tenho Irmãs suficientes nem para as nossas Casas da Espanha; e
como iria mandar minhas Filhas para tão longe, onde as não posso
visitar? E, nesse sentido, não faltam empurrões, que eu preciso re­
sistir com tôdas as fôrças. Num dia dêstes, tive que fazer um esfôr­
ço tremendo, para que não me apresentassem ao Arcebispo de Ma­
n'ilha, que deseja uma Fundaç.ão na sua Diocese. Com a Rainha eu
me mantenho firme; mas com os Srs. Bispos isso é mais difícil.
O ano de 1895 trouxe para a Fundadora, e para tôdas as suas
Irmãs, a grande alegria que, fazia anos, vinham esperando: a apro­
vação definitiva da Congregação. Os anos de prova e de experiência
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haviam mostrado que o Instituto era, não sàmente uma realidade
humana, mas uma obra de apostolado, colocada sôbre bases sólidas,
e, por isso, em condições de realizar a sua missão entre as almas
abandonadas. Podia, portanto, ser aprovado pela igreja.
Deus parece ter posto êsse consôlo, qual uma luz, iluminando
os últimos meses que a Fundadora ainda iria passar neste mundo.
Prestes a cair no campo de lutas que fôra a sua vida, ela podia mor­
rer tranqüila, sabendo que a vitória estava ganha, e seguro o prêmio
de todos os sacrifícios que fizera por aquela Obra de Redenção.
O Decreto Pontifício chegou a Ciempozuelos no mês de junho.
Embora faltasse ainda aprovação definitiva das Constituições, já
não havia lugar a dúvidas, pois um Decreto assegurava a concessão
do outro. Aprovando definitivamente o Instituto, a Santa Sé reco­
nhecia que êle já havia dado provas de suficiente vitalidade, e esta­
va maduro para que a Igreja o tivesse como Obra sua, utilíssima e
necessária para o bem das almas.
Quanto à aprovação das Constituições, Madre Antônia nunca a
descuidara; pelo contrário, desde que recebera o Decreto lauda tório,
durante anos, estêve coligindo todos os documentos que pudessem
facilitar e apressar a aprovação pontifícia para a Regra de vida ob­
servada na Congregação.
Com essa finalidade, redigiu novamente o Texto das Constitui­
ções, com as mudanças, embora acidentais, indicadas pela Sagrada
Congregação de Roma. A todos os Bispos em cujas Dioceses havia
alguma Casa do Instituto, pediu cartas laudatórias, de recomendação
para o apostolado das Oblatas, e para a Regra que observavam. Es­
tas cartas, que eram informações exigidas pelo Processo, foram as
ma'is lisonjeiras; mas demoraram anos, pois tinham que ser conse­
guidas à medida em que se iam fundando novas Casas.
De posse dos Documentos necessários, a Fundadora redigiu a
Carta preparatória, i. é., o pedido de aprovação definitiva das Consti­
tuições, remeteu tudo a seu Procurador em Roma, Padre Antônio
de S. João. l!:ste era um Religioso Trinitário, muito ativo, e profundo
conhecedor dos trâmites a serem observados nas Congregações Ro­
manas, em semelhantes casos. Isto foi em 1892.
No ano seguinte o Procurador já havia dado todos os passos
necessários, de modo que não deveriam demorar muito a aprovação
final das Constituições. Sobrevieram, no entanto, certas dificuldades
que não se podiam prever: doença e morte de algumas pessoas que
trabalhavam no Processo, em Roma; além disso, mudança de pessoal
encarregado na Congregação que devia expedir o Decreto. Dessa
forma foi adiada, por alguns anos, a aprovação das Constituições.
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O Decreto de aprovação do Instituto fôra assinado em Roma a
19 de maio de 1895. Quando chegou a Ciempozuelos, foi imensa a ale­
gria da Fundadora e das Irmãs, pois a primeira frase do Documento
já dizia o que elas não podiam esperar: Entre os Institutos análogos,
o mais importante é certamente o das Oblatas do SSmo. Redentor.
Madre Antônia, agradecida e feliz, compreendeu muito bem a
importância daquele Decreto que vinha dar à sua Congregação um
nôvo alento de vida, para prosseguir, com mais segurança, o seu apos­
tolado em favor das almas mais abandonadas. Era a própria Igreja,
reconhecendo que aquela Obra nascida de tantos sacrifícios e sofri­
mentos, era realmente de Deus, destinada a realizar, no mundo um
apostolado de verdadeira Redenção.
Plenamente recompensada, e não sabendo como agradecer aquê­
le favor que tanto desejara, Madre Antônia dirigiu uma Circular a
tôdas as Casas, acompanhada do Decreto, em duas cópias: uma em
latim, para ser apresentada aos Srs. Bispos, e outra em vernáculo,
para que as Irmãs o pudessem ler e meditar. Prescrevendo as sole­
nidades que deviam ser realizadas em ação de graças pelo grande be­
nefício recebido, a Fundadora insistia com suas Irmãs para que pro­
curassem corresponder ao que delas esperava a Sta. Igreja, com uma
vida sempre mais de acôrdo com a Vocação de Oblatas do SSmo. Re­
dentor. f:sse era certamente o melhor agradecimento que tôdas lhe
poderiam oferecer.

CHEGANDO AO FIM

Desde que voltara de Barcelona, em fevereiro de 1895, a Madre


começou a perceber que a sua saúde estava realmente arruinada.
Contra todos os seus hábitos, concordou afinal em se poupar um pou­
co, de acôrdo com os médicos, pois a diabetes, bastante acentuada,
estava consumindo as suas últimas fôrças. Mas, ativa e zelosa como
era, restringia seus cuidados com a saúde ao pouco tempo que per­
manecia na Casa-Mãe. Não se conformava com a inatividade, nem
com a preocupação dos médicos ou das Irmãs. Sabia-se responsável
pelo bem do Instituto, e, por isso, continuou a viajar, visitando as
Casas da Congregação, onde sempre ia encontrar algum problema,
exigindo sua experiência ou sua autoridade. E, nessas ocasiões, dis­
pensava sempre tôdas as exceções e cuidados com a sua saúde, prefe­
rindo que ninguém se preocupasse com ela.
Na primavera de 1895, visitou as Casas situadas ao norte da
Espanha; e, pela mesma ocasião, no ano seguinte, visitou ainda as
Comunidades do centro e do sul. Com seus 74 anos, enfraquecida pe­
lo trabalho, pela enfermidade e pela penitência, a Fundadora queria
dar suas últimas fôrças àquela Obrn. que a própria Igreja reconhece-
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ra como necessária para as almas abandonadas. Se, para a sua saúde,
era exagerada aquela atividade, não o era para o seu zêlo, nem para a
sua natureza que nunca soubera descançar.
Em tôdas as Casas, sua presença era um consôlo e uma alegria.
Mas, nessas últimas visitas, foi penosa a impressão que deixou, devi­
do ao seu estado de fraqueza e abatimento. Embora ela o quisesse
ocultar, as Irmãs, com imensa tristeza, viam que a Madre estava de­
caindo em sua resistência e em seu vigor. Além disso, estava perden­
do a vista, e era com muita dificuldade que conseguia ler alguma
coisa. Ela mesma já não alimentava dúvidas de que a cegueira iria
velar o fim dos seus dias. - Deus sabe o que faz - dizia às suas Ir­
mãs, - tenho que renunciar a todos os meus gostos; e, como ler ou
escrever é minha paixão dominante, Deus está-me tirando a vista.
Bendita seja a sua vontade santíssima! Eu quero apenas o que :f:le
quer.
Nesses últimos meses de sua vida, há passagens de uma como­
vente simplicidade, que bem mostram a grandeza de sua alma extra­
ordinária. Quando já não conseguia distinguir pessoa ou objetos,
não tinha a mínima dificuldade para rrconhecer as estampas ou ima­
gens do Menino Jesus. - Como é possível isso? - perguntou-lhe
uma Irmã. - Deus me deu essa graça, respondeu - porque sabe
o quanto gosto dessa Criancinha.

No último Natal antes de sua morte, como Superiora Geral, foi


quem colocou a imagem do Menino Jesus no presépio da Casa. - Co­
mo ficou lindo! - exclamou uma Irmã. - De fato - disse a Madre
- foi assim que o Pai celeste no-lo deu; mas - e apontou para o
Crucificado da parede - foi assim que nós o devolvemos.
Nos últimos meses antes de sua morte, seguindo prescrição mé­
dica, ela costumava sair ao jardim, apoiada em duas Irmãs, e lá fi­
cava, assentada numa velha cadeira de vime. Aproveitava então o
tempo para ditar suas Circulares às Casas, conforme o exigiam as
necessidades do momento, e, embora cega, ainda as conseguia assi­
nar com lêtra bastante legível. A maior parte do seu tempo, ela o
passava rezando, ou fazendo pequenos trabalhos em lã, para as
crianças pobres de Ciempozuelos. E fazia-os com tanta perfeição,
que ninguém acreditava fôssem de uma pessoa cega.

Sempre apoiada nalguma Irmã, gostava de ir ao Noviciado, onde


conversava alegremente com as Noviças, expandindo a juventude de
seu coração que não envelhecia. E, sabendo que sua vida já estava
chegando ao fim, gostava de lembrar o Apóstolo S. João, já velhi­
nho, não pregando outra coisa a seus ouvintes senão a caridade. Por
isso ela também repetia às suas Noviças: Minhas filhas, tenham ca-
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ridade ! Sempre, sempre, e acima de tudo a caridade! É o que ainda
lhes pode recomendar esta Madre velha e acabada.
Embora a cegueira fôsse, para ela, um verdadeiro martírio, nun­
ca deixava escapar uma palavra sequer de queixa ou de impaciência;
e costumava dizer: No fim da vida eu devia mesmo perder a vista,
porque agora devo olhar somente para a eternidade que se aproxima.
Suas últimas Circulares, quando somente as podia ditar, bem
como as outras que escrevera como Superiora Geral, são um modêlo,
quanto à matéria, e quanto à forma. É verdade que o seu forte fô­
ra sempre a pena; mas o mais admirável de suas Cartas, não está
na forma impecável, nem no seu estilo vivo e fluente, mas nas idéias
que ela sabia expor com uma simplicidade e clareza meridianas. Em
cada frase ela deixa aparecer o seu coração de mãe, procurando trans­
mitir às suas Filhas a própria vida sobrenatural.
Suas Cartas e escritos formam uma riqueza imensa, infelizmente
ainda inexplorada. Fôssemos reunir todos os trabalhos de sua pena,
teríamos um bom volume de sólida doutrina, sôbre a Sagrada Euca­
ristia, Nossa Senhora, Observância regular, Virtudes da Vida Reli­
giosa.
Em janeiro de 1898, a saúde da Madre Fundadora estava inspi­
rando sérios cuidados. Embora o caso não parecesse perdido, via-se
que sua resistência estava cedendo cada vez mais. Contava então
76 anos; e, como outras Irmãs, com essa idade, ainda estavam tra­
balhando, sadias e fortes, um fio de esperança ainda restava, a res­
peito da Madre Geral. Os médicos pensaram numa operação que lhe
devolvesse a vista; mas acabaram desistindo, em atenção à sua idade,
e ao seu estado de profundo abatimento.
Aceitando umas poucas exceções impostas pelo tratamento, a
Fundadora continuava tomando parte em todos os atos da Comuni­
dade, o que somente era possível, devido à sua energia, e à fidelidade
que sempre havia mostrado à Observância regular. Em sua última
Carta ás Casas, ela não se refere propriamente ao estado de sua saú­
de; explica apenas porque já não visita pessoalmente suas Irmãs, di­
zendo: Estou quase completamente cega. - No entanto, a sua vida
estava apenas por um mês.
Tendo recebido a cegueira com admirável conformidade, nunca
se deixou dominar pela tristeza ou impaciência. Em suas Notas, a Ir­
mã Clara escreve: Da última vez que estive em Ciempozuelos, quan­
to não senti, vendo a nossa Madre cega, e imaginando o seu sofrimen­
to, por não poder lêr, nem escrever. No entanto, ela estava tão calma
e sorridente como sempre, fazendo os seus trabalhinhos, ou rezando
com a maior tranqüilidade.
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Uma das Religiosas mais antigas de Ciempozuelos era a Irmã
Gertrudes, uma santa velhinha, cega também. Durante muitos anos
tinha sido Admonitora da Madre Geral, e agora, não podendo mais
trabalhar, passava horas no quarto da Madre, fazendo-lhe compa­
nhia. Simples e humilde como era, a Fundadora lhe pediu que a avi­
sasse, caso fôsse alguma vez impaciente ou indelicada para com algu­
ma das Irmãs. E a antiga Admonitora levou muito a sério o seu en­
cargo. Muitas vêzes as Irmãs se divertiram, pois bastava que a Ma­
dre falasse um pouco mais alto, ou repetisse alguma recomendação,
lá estava a velhinha sacudindo-lhe a cadeira de balanço, para avisá­
la . . . E a Fundadora ainda lhe agradecia: Minha filha, Deus lhe pa­
gue! Continue tendo sempre comigo essa caridade que tanto me aju­
da! - Com isso, Irmã Gertrudes ficava tôda satisfeita, disposta a
não perder uma ocasião de excercer o seu cargo.
Pràticarnente cega, e sem fôrças podemos dizer que a Fundadora
governou o Instituto até aos últimos momentos de sua vida. Sàmrn­
te um mês antes de sua morte deixou de escrever as suas cartas; e
mesmo quando as ditava, fazia questão de as assinar. Nunca omitiu
suas Conferências ou Instruções à ComunidadE; a 6 de janeiro pre­
sidiu a Tornada de hábito de diversas Postulantes, e no dia 20 de fe­
vereiro, uma semana antes de morrer, ainda recebeu os Votos de
várias Noviças que ela mesma quis preparar.
Procurando sempre ocultar o verdadeiro estado de sua saúde,
Madre Antônia não se enganava, sabendo que a morte estava bem
mais próxima do que as Irmãs imaginavam.
Tendo perdido a vista, perdera também tôda resistência, apesar
de sua vontade para reagir. Sentia-se extenuada com qualquer es­
fôrço, por mínimo que fôsse, e sua voz, antes tão clara e tão firme,
tornava-se agora cada vez mais apagada. Mesmo assim ainda resis­
tiu, enquanto lhe foi possível.

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XIX

FOI EM FEVEREIRO
QUE MAMÃE MORREU

Na penumbra da sua cegueira, e na solidão daquele seu quar­


tinho em Ciempozuelos, Madre Antônia esperava tranqüilamente pe­
lo momento em que Deus a quisesse chamar. Não era aquêle um si­
lêncio de morte, mas o despontar de uma vida eterna que ela sempre
desejara; eram o desejo de Deus, e a lembrança de uma mãe que ela
nunca pudera esquecer. Nenhuma queixa, nenhum sinal de cansaço;
em sua fisionomia pairavam a mesma paz e serenidade que sempre
estiveram na sua vida. Tendo cumprido sua missão, tinha também
vivido o seu ideal; agora podia partir tranqüila e feliz.

Se, em seus últimos dias, ela teve ainda alguma preocupação que
a prendesse a êste mundo, outra não foi senão o seu Instituto. Por
êle havia dado tôdas as suas fôrças, durante trinta anos de lutas
contínuas. E agora, vendo que a morte já se aproximava, seu único
desejo era ver suas Irmãs vivendo como ela tinha vivido: na humil­
dade e no sacrifício, dedicadas àquelas «chipitinas» que tanto mais
a atraíam, quanto mais mergulhadas estivessem na perdição. Nelas
reconhecia as almas que Deus confiara ao seu carinho de mãe. Por
isso as amava, sabendo que, de um modo especial, elas eram suas,
já que ninguém as queria.

Achando que sua saúde já não lhe permitia dirigir o Instituto


com a necessária eficiência, dois meses antes de sua morte, Madre
Antônia ainda pensou, não numa nova Superiora Geral, pois sabia
que isso seria impossível, mas numa Irmã, que as Superioras esco­
lhessem, para repartir com ela o pêso do cargo. Achava que, ao me­
nos dessa forma, poderia atender melhor às necessidades da sua
Congregação.
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Foi com êsse pensamento que ela dirigiu às Casas a última Cir ­
cular que ainda pôde escrever manu propria. Dada a sua importância,
aqui a transcrevemos quase na íntegra:
«Às queridas Superioras e Irmãs da nossa Congregação: Depois
dos inúmeros benefícios que Deus nos concedeu, após a morte de
nosso Fundador, quando todos pensavam que o Instituto iria acabar;
depois dêsse consôlo que foi para nós o Decreto de Aprovação ponti­
fícia, acho que estamos ainda mais obrigadas à perfeita observância
de nossas Constituições. Eu sei que essa é, em tôdas as nossas Ca­
sas, a principal preocupação das Superioras; e, mais uma vez, quero
animá-las para que não se descuidem dêsse ponto.
Há, porém, na Regra, várias determinações que ainda não fo­
ram postas em práticas; e, entre elas, uma da minha exclusiva res­
ponsabilidade, que, por certos motivos ou pretextos, até agora ficou
esquecida. Refiro-me ao Capítulo Geral, que deve ser realizado em
cada nove anos, com a incumbência de eleger a Superiora Geral e
suas Conselheiras.
Até agora celebramos sàmente um Capítulo Geral, em janeiro
de 1888. Já passaram, portanto, dez anos; e, nesse caso, estou em fal­
ta, por não haver reunido as Superioras, no ano passado. Dessa for­
ma, eu já teria terminado o tempo de meu cargo, se não fôsse aquela
reeleição, em 1894. E como o Capítulo de 1888, por ter sido o pri­
meiro, não teve todos requisitos determinados pela Regra, acho que
precisamos celebrar logo um nôvo Capítulo Geral.
Não estou dizendo que as Superioras deverão eleger uma nova
Geral; sei que não iriam concordar com isso. Mas espero que as Ir­
mãs reconheçam a minha impossibilidade de exercer êsse cargo da
forma que o fiz anos atrás, quando eu dispunha de saúde e de fôrças.
Já estou com 76 anos, quase cega, a ponto de não poder mais ler as
cartas que as Irmãs me escrevem, o que muito me aflige.
Além disso, não posso mais visitar as nossas Casas, como sem­
pre fiz, a não ser que mediante uma operação, Deus me devolva a
vista. Mesmo assim, com a idade que tenho, quantos anos ainda iria
viver? Logo após a minha morte, as Superioras terão que se reunir,
para escolherem a minha sucessora. Porque não se reúnem agora,
elegendo uma Vice-Geral que fôsse a minha secretária, para traba­
lhar comigo, e inteirar-se de todos os assuntos da Congregação?
Essa Irmã poderia ser uma das Conselheiras, e governaria o Ins­
tituto após a minha morte, até se elegesse a nova Geral. Essa Secre­
tária de que preciso, deveria ter meia idade, votos perpétuos, boa
saúde, inteligência, boa lêtra, e uma cabecinha no lugar; mas o prin­
cipal é que tenha bom espírito religioso.
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Que as minhas . queridas Irmãs não se aflijam, pois não será
por isso que eu irei morrer antes do dia que Deus marcou; e prometo
que, enquanto me dure a vida, continuarei sendo a Madre Geral de
tôdas. Mas, arcada como estou ao pêso dos anos, peço que me dêem
uma auxiliar, que venha a ser, para tôdas, uma segunda mãe, quando
faltar aquela que as ama de todo o coração em Jesus e Maria, «Irmã
Antônia Maria da Misericórdia, Superiora Geral».
Documento de humildade e de previdência, essa Carta nos dá
uma idéia da serenidade com que a Fundadora aguardava o final da
existência, não esperando a morte, mas indo alegremente ao seu en­
contro.
A Fundadora não chegaria a assistir ao Capítulo que estava pre­
parando; Deus a iria chamar ai:itrs para a eternidade .. E o Capítulo
Geral que então se reuniu, não elegeu mais uma Secretária para a
Madre Antônia, mas a sua sucessora.
Num dos primeiros dias de fevereiro, em conversa com as Ir­
mãs, ela observou de repente: Foi em fevereiro que Mamãe mor­
reu ... e ficou olhando para o alto, pensativa. Por-êsses dias a Madre
se convenceu de que seu estado de saúde era realmente grave, e, com
muita dificuldade, resolveu ir a Madrid, consultar o seu médico, Mar­
quês del Busto. E:ste ficou penosamente impressionado, vendo, como
se enfraquecera a pobre doente. Prescreveu-lhe alguns remédios, ape­
nas com paliativos, convencido de que o caso já não oferecia qual­
quer esperança. Certa de que seus dias estavam contados, a Madre
regressou logo a Ciempozuelos, mas alegre e sorridente, para não
alarmar as Irmãs.
Dia 25 de fevereiro, estando varias Irmãs em seu quarto, ela
ainda conversou com tôdas, apresentando boa disposição. E, no fim,
recomendou: Minhas Filhas, tenham muita caridade umas com as
outras; ajudem-se mutuamente, e que haja, entre tôdas, uma ami­
zade santa. Se alguma tiver dificuldades no seu trabalho, não faça
as outras sofrer com isso. Nunca falem dos defeitos alheios, pois de­
feitos e falhas, tôdas nós temos, e iremos ter sempre. Cada uma apre­
sente à sua família as minhas despedidas, porque não esqueço nin­
guém. E digam às meninas, digam às Marias que, na eternidade, irei
lembrar-me de tôdas elas. - Assim nos falava a Madre - escreve
a Cronista - com voz tão apagada, que nos fazia chorar de pena.
Uma noite, após ter feito suas recomendações às Irmãs, uma
delas disse: Madre: queira dar-nos agora a sua bênção - e lhe co­
locou um Crucifixo na mão. A Madre rezou então, com voz clara e
pausada: A tôdas a bênção do Pai, o amor do Filho, a graça do Es­
pírito Santo; que eu saiba - acrescentou - esta bênção não tem in­
dulgência, mas sempre tive ótimos resultados com ela. E agora, vão
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tôdas descansar, pois eu estou bem. - Nisso chegou o Capelão, e ela,
sorrindo, lhe disse: Padre, estas minhas Filhas já não me obedecem
mais!. .. Elas não querem deixar a Madre - explicou o Capelão -
assim como a Madre também não as quer deixar, não é verdade?
- Sim respondeu ela - é o que sinto, deixar as minhas Filhas ...
Até o dia 26, a enfêrma ainda acompanhou a Comunidade em
quase todos os exercícios comuns. Nesse dia, sábado, foi, com outras
Irmãs, à igreja, para se confessar. Depois ficou rezando, num banco,
durante muito tempo, até que uma Irmã lhe aconselhou retirar-se,
porque a igreja estava muito fria. No dia seguinte (domingo) não
pôde assistir à Missa, nem comungar, pois amanheceu com febre alta
e vômitos contínuos. - Que pena! - disse ela - vou perder os do­
mingos de S. José!
Dia 28 de manhã, chegou o médico. Achou que ela estava mal,
embora não visse nenhum perigo próximo. Voltando à tarde, consta­
tou uma sensível melhora, pois tinham cessado os vômitos, e a febre
também diminuira. Mais animadas, naquela noite as Irmãs foram
descansar. A enfermeira, porém, quis ficar com a Madre, e ela a dis­
pensou, dizendo: Não se preocupe, eu estou muito bem.
Retirou-se a enfermeira, mas, com outra Irmã, ficou de sobre­
aviso num quarto contíguo. Momentos depois, as duas ouviram ruí­
do, e foram logo ao quarto da Madre. Esta, já assentada na cama,
parecia querer levantar-se. As Irmãs a acomodaram novamente, e,
percebendo a gravidade do caso, a enfermeira correu a chamar o Di­
retor, Padre Cecília. E:ste chegou imediatamente, e, entrando no
quarto da enfêrma, ela o reconheceu, balbuciando ainda: Ah! meu
Pai! - Juntou as mãos, e pôs-se a rezar em silêncio, enquanto rece­
bia a última absolvição. Não pôde mais comungar; e enquanto rece­
bia a unção dos enfermos, chegou o médico, Dom Deogracias, cons­
tando que a Madre estava em seus últimos momentos. A agonizan­
te abriu os olhos. Fitou o Crucifixo da parede, para dizer ainda: Je­
sus ... Maria ... e deixou de respirar.
Naquele instante estavam chegando as Irmãs, entre soluços e
lágrimas, adivinhando o que não queriam crer. Com um leve sorriso
no semblante, a Madre já era um cadáver. A «Oblata» acabava de
consumar o sacrifício de sua vida, para a glória do Redentor. 28 de
fevereiro, de 1896; faltavam quinze dias para completar 76 anos de
idade.
O luto e a tristeza tomaram conta daquela Casa, onde as Irmãs e
as meninas choravam desconsoladas, lamentando aquela morte quase
repentina. Horas antes, à tarde, ela havia dado sinais de melhora, e
dissera que estava muito bem. Momentos depois, voava para a eter­
nidade. Provàvelmente aquêle cadáver guardava o segrêdo de tudo.
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Tantas vêzes Madre dissera a Nossa Senhora que preferia morrer,
para não sofrer exames e tratamentos médk:os!
Nas últimas semanas de sua vida, quando estava a sós, rezando
ou trabalhando, ouviram-na suspirar muitas vêzes: Ah! meu Jesus!
quando nos veremos? Quero ir logo, logo . . . E Deus a chamou, por­
que, purificada pelos sacrifícios, aquela alma já estava madura para
a eternidade.
A uma hora da madrugada, as Irmãs levaram o esquife para a
sala do convento. O cadáver, revestido com o hábito das Oblatas, ti­
nha uma coroa de rosas brancas na cabeça, e um Crucifixo entre as
mãos. Logo de madrugada Padre Cecília rezou a Santa Missa, na
capela da Casa, pela falecida Madre Antônia, e, às 9 horas, teve lugar
o Réquiem solene. O esquife permaneceu na sala, transformada em
capela fúnebre, e, diante dêle, desfilaram os habitantes de Ciempo­
zuelos, lembrando as virtudes daquela que todos conheciam pelo no­
me de «nossa mãe». Entre as pessoas que ali estiveram para uma
última homenagem à Madre Fundadora, não faltou a Marquesa de
Camposagrado, que fôra sempre a inesquecível Titina da antiga Pre­
ceptora.
O entêrro foi realizado na tarde do dia 2 de março. Presentes
vários Sacerdotes e tôdas as Superioras do Instituto, o cortêjo contou
com tôda a população de Ciempozuelos, que via, na Madre Antônia,
a sua maior benfeitora. As môças e meninas do Educandário não pu­
deram tomar parte, para não carregarem mais o ambiente de tris­
teza e de lágrimas. Quando, porém, chegou a hora de sair o esquife,
elas o tomaram de assalto, gritando: Não levem a nossa mãe! Não
levem! E, inclinadas sôbre o caixão, entre lágrimas e soluços, forma­
ram um grupo compacto, não permitindo que ninguém se aproximas­
se. Foi preciso que um Padre mais enérgico e dedicado subisse ao púl­
pito, para as acalmar, e convencer de que o esquife devia ser levado
para o cemitério. Somente assim foi possível realizar-se o entêrro.
A Fundadora foi sepultada no túmulo próprio das Oblatas; e.
regressando para a Casa, as Irmãs tiveram o consôlo de ouvir a voz
unânime daquela multidão que dava à Madre o título de santa, mãe
dos pobres, o coração mais caridoso que Ciempozuelos conhecera.
Somente em outubro de 1903 puderam as Oblatas realizar o de­
sejo que tinham, de guardar os restos mortais da Fundadora na igre­
ja anexa ao Educandário. A cerimônia da transladação foi oficiada
com maior solenidade, estando presente verdadeira multidão que
acorrera de Madrid e das cidades vizinhas. Foi pela manhã do dia 9.
Chegando o cortejo à igreja das Oblatas, cantou-se o Réquiem solene,
e, durante todo dia, a urna mortuária continuou na igreja, velada
pelas Irmãs, pelas meninas e pelo povo. Somente à tarde foi colocada
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no mausoléu que as Irmãs haviam mandado construir junto ao altar­
mor. Uma estátua da Madre, ajoelhada, e uma inscrição, lembram
que ali «jazem os restos mortais da Madre Antônia Maria da Mise­
ricórdia, Fundadora das Oblatas do Santíssimo Redentor».
Em tôdas as Casas do Instituto, tanto as Irmãs, como as meni­
nas, sempre tiveram verdadeira veneração para com a Madre Funda­
dora, nela reconhecendo uma alma tôda de Deus, que, após sua mor­
te, não iria esquecer aquelas que sempre foram a sua predileção. Co­
meçaram logo a invocá-la, e não foram poucos, como ainda hoje não
o são, os casos em que aparece a intercessão da Madre, em favor da­
queles que a procuram. Compreende-se, pelo que diz um seu biógra­
fo: Neste mundo ela só teve um defeito: Ser caridosa demais. E ago­
ra são inúmeros os fatos, provando que a sua caridade não diminuiu.
Logo após a sua morte, na Casa de Godella, as Irmãs começaram
um tríduo de orações pela conversão de uma môça, cuja mudança de
vida parecia um caso impossível. A infeliz era o tipo da perversa, pa­
ra quem só existia o vício. Fazia um ano que estava no Educandário,
e era um escândalo para as suas colegas, pois caçoava abertamente
da oração, dos Sacramentos, de tudo o que era sério. No último dia
do tríduo, sem saber das orações que por ela se faziam, espontânea­
mente pediu a uma das Irmãs que a preparasse para fazer uma con­
fissão sincera, pois resolvera mudar de vida. Confessou-se, e conti­
nuou sendo depois uma das môças mais fervorosas da Casa.
Madre Amparo refere um caso extraordinário que se deu em
Tarragona, com tôdas as caraterísticas de um milagre. Infelizmente
os médicos não o quiseram atestar, alegando uma desculpa que, de­
pois, se mostrou inteiramente falsa.
Uma das meninas estava com cinco feridas profundas numa per­
na, que apresentavam um caráter maligno, pois, embora já antigas,
resistiam a todos os medicamentos. As Irmãs acabaram levando a
doente a uma clínica da cidade. Três médicos examinaram o caso, e
decidiram que a perna, com todos os sinais de gangrena, devia ser
amputada; outra solução não havia. Por isso, ataram apenas as fe­
ridas, sem aplicar qualquer remédio mandando que a menina se apre­
sentasse no dia seguinte, para a operação. Desesperada, a pobre doen­
te, que já vinha invocando a Madre Antônia, redobrou suas orações.
E, na hora em que os médicos retiraram as ataduras, resolvidos a
realizarem a operação, ficaram boquiabertos. As feridas estavam
completamente fechadas. Saltando de alegria, a menina começou a
gritar: A Madre me curou! Riram-se os médicos, dizendo que, após
alguns dias, as feridas estariam novamente abertas. A menina voltou
para a Casa, sendo recebida com festas. Suas colegas e as Irmãs
constataram o fato; e as feridas nunca mais se abriram.
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Em Palma de Malhorca, duas Oblatas estavam recolhendo es­
molas para uma de suas Casas. Encontraram na rua um homem pa­
ralítico, levado num carrinho, por um menino. Uma das Irmãs acon­
selhou ao pobre doente que fizesse uma Novena à Madre Antônia.
Meses depois, passando por ali outras Oblatas, veio-lhes ao encontro
um homem forte e sadio, contando-lhes que era paralítico, e ficara
completamente curado, fazendo uma Novena a uma «santa Madre»
que levava o mesmo hábito, e isso, a conselho de uma Religiosa que
o tinho visto no carrinho.

Durante o Processo de Beatificação da Serva de Deus, foi rela­


tado o caso seguinte: Em Barcelona, um menino de oito meses foi
atacado de meningite. Assim o atestou o Dr. Afonso Mauri, especia­
lista que tratou da criança. Esta apresentava o lado esquerdo -inteira­
mente paralisado, fazendo-se notar contínuas convulsões ao lado di­
reito. Já tinha perdido a vista, e longos meses de tratamento não de­
ram resultado algum. Desanimado, o médico avisou a familia que o
caso estava perdido. Isso se deu a 22 de abril de 1927. No dia 30 duas
Oblatas estiveram com a família, para receberem uma esmola que
mensalmente oferecia ao Educandário. Ficaram penalizadas com o
estado da pobre criança, para a qual o médico havia anunciado pou­
cos dias de vida. Uma das Religiosas aplicou, à cabeça do menino,
uma estampa da Madre Fundadora, e, no mesmo instante cessaram
as convulsões. A criança abriu os olhos, sorrindo. Nisso chegou o
médico, e, admirado, garantiu: Se esta reação durar 24 horas, o me­
nino estará salvo. Realmente, dois dias depois, a criança estava cura­
da, e teve um desenvolvimento perfeito.

A fama das virtudes ·e da santidade da Fundadora não ficou so­


mente entre as paredes do seu Instituto; na Suíça como na Itália, na
França como na Espanha, todos aquêles que conheceram a Madre da
Misericórdia, sempre a tiveram como santa, devido à sua extraordi­
nária virtude. Seus Diretores os Padres Casson, Del Pozo, os Párocos
de Rueil, Ciempozuelos, e mesmo Dom José Serra, foram unânimes
em afirmar que a Madre Antônia tinha a pureza e inocência de uma
alma tôda de Deus. E o Padre Mauron, culto e virtuoso como era, cos­
tumava dizer que a Fundadora das Oblatas era a Redentorista per­
feita.

Não era pois de se admirar, que, difundida por tôda parte a fa­
ma de santidade da Madre Fundadora, fôsse iniciado o Processo de
sua Beatificação. Em novembro, de 1927, foi constituído, em Madrid,
o Tribunal eclesiástico, encarregado de estudor a vida e virtudes da
Serva de Deus, Madre Antônia Maria da Misericórdia, atuando em
Roma, como Postulador da Causa, o Padre Benedito D'Orazio,. e na
Espanha, o Padre Vitoriano Gamarra, ambos Redentoristas. Durante
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êsse período do Processo, foram examinados nada menos de mil e
trezentos escritos da Fundadora.
Passou-se, e m seguida, ao exame das virtudes e dos casos extra­
ordinários. :i;.:ste período durou quatro anos, com cento e setenta ses­
sões. Observadas rigorosamente tôdas as exigências do Processo, o
Tribunal de Madrid encerrou suas atividades, remetendo o resultado
dos seus trabalhos à Congregação dos Ritos, em Roma. Nôvo Proces­
so, com novos e demorados exames, até que, em 1962, foi declarada
a heroicidade das virtudes da Serva de Deus.
No Decreto então publicado em Roma, lê-se o seguinte: Que
consta das virtudes teologais da fé, esperança e caridade, tanto pa­
ra com Deus, como para com o próximo, igualmente as virtudes car­
deais prudência, justiça, fortaleza, temperança e virtudes anexas da
Venerável Antônia Maria da Misericórdia em grau heróico.
Com essa declaração oficial da Igreja, dando à Madre Antônia o
título de «Venerável» há fundadas esperanças de que Deus queira
glorificar a sua Serva com a honra dos altares. É o que esperam to­
dos aquêles que conhecem a vida dessa Educadora, cujo ideal outro
não foi senão a glória de Deus, tanto no luxo de uma Côrte, como na
pobreza dos seus Educandários.
A Rainha Isabel II agradecia aos céus ter vivido rodeada de três
Santos, que ela mencionava: Padre Claret, Madre Sacramento (Vis­
condessa de Jorbalán) e Madre Antônia. Os dois primeiros já estão
nos altares. Queira Deus não tarde o dia de glorificar também aquela
que, neste mundo, foi a sua Misericórdia para as almas abandonadas!

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188

XX

A VENERAVEL

Certa ocasiao disse o Mestre a seus Discípulos: A luz de vossa


vida brilhe tão intensamente, que, vendo-a, possam todos louvar ao
Pai que está nos céus.
Madre Antônia foi uma dessas almas extraordinárias, que sou­
be fazer, da própria vida, luz não somente aos olhos do mundo, mas,
até mesmo, aos olhos da eternidade. Na simplicidade de sua famí­
lia ou no luxo de uma Côrte real, em meio às suas Oblatas, ou na
companhia daquelas meninas que a tinham por mãe, ela foi sempre
uma alma de profunda vida interior. Ativa, empreendedora, incansá­
vel e perseverante no seu Apostolado, ela nunca se descuidou de viver
intensamente a Redenção que devia dar a todos, em particular às
almas abandonadas.
Em suas cartas ao seu Diretor espiritual, Dom José Serra, ve­
mos que, para ela, Perfeição não era apenas um desejo vago, ou me­
ro sentimentalismo; era, pelo contrário, uma preocupação que a per­
seguia, viva e sincera como o seu amor ao Mestre. Com tôda serie­
dade ela queria corresponder aos desígnios de Deus que a escolhera
para uma Obra de Redenção. Daí aquêle apêgo à Vontade divina, a
alegria nos sofrimentos, a determinação de levar sempre uma vida
pobre e simples, o zêlo pelas almas, e uma inabalável confiança na
Providência.
Como Diretora de um Pensionato em Friburgo, ou como Precep­
tora em Florença e em Madrid, o que todos admiravam naquela Se­
nhorita Oviedo, não eram tanto suas maneiras delicadas, sua cultu­
ra, ou sua extraordinária inteligência. O que a tornava diferente, alvo
por isso da admiração e do respeito de todos, era aquela sua piedade
profunda e bem orientada, sem artifícios nem exageros, emprestan­
do um colorido todo especial às suas grandes qualidades naturais.
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Mais tarde, como Religiosa e Funtladora, nunca teria realizado
a Obra que realizou, não fôsse a sua firmeza na virtude, para aceitar
todos os sacrifícios, com o único desejo de fazer a Vontade de Deus.
Não foi portanto, sem motivo, que, após meticuloso e prolongado
exame, a Igreja deu à Madre Antônia o título de «Venerável», decla­
rando-a, com isso, modêlo e exemplo de tôdas as virtudes. As Atas
do Processo que estudou a santidade de sua vida, dizem que: «A Ser­
va de Deus, Madre Antônia da Misericórdia, praticou, de modo ex­
traordinário, tôdas as virtudes cristãs, elevando-se, dia por dia, à
sublimidade das almas heróicas, seguindo, com firmeza, e sem vaci­
lações, o exemplo de Cristo, até alcançar a meta aonde chegaram
os Santos».
Para que seja mais admirado o brilho dessa vida luminosa, aqui
transcrevemos alguns textos, apresentados durante o Processo que
estudou as suas virtudes.

FÉ PROFUNDA

Educada por uma mãe fidelíssima aos seus deveres religiosos,


e por pessoas profundamente piedosas, Antônia sempre buscou, nas
verdade da Fé, a solução para os problemas que teve de enfrentar,
tanto no mundo, como Educadora, ou mais tarde, ao fundar e orga­
nizar o seu Instituto.
Foi êsse espírito de Fé que a levou a olhar sempre, com filial
devoção, para a Igreja, e para tudo o que com ela se relacionava. O
Soberano Pontífice, o Reino de Cristo na terra, as Missões católicas
o culto divino, a História eclesiástica e as tradições cristãs, sempre
apaixonaram a sua inteligência e alimentaram a atividade do seu
apostolado. Suas cartas refletem, com freqüência, uma visão profun­
damente vivida dessa universalidade caraterística da Igreja de Jesus
Cristo.
Era portanto natural, que, logo ao chegar à Côrte, a Preceptora
impressionasse a todos, com suas maneiras simples, fruto de uma
piedade sólida, que não queria aceitar o contágio do mundo. Mais
tarde, ao fundar o Instituto das Oblatas, embora não sentisse qual­
quer atração humana por aquela Obra, viveu intensamente o aposto­
lado que Deus lhe indicava, compreendendo que a Providência a que­
ria no caminho da pobreza, da renúncia, e da humildade.
Com profundo espírito de Fé ela sabia ver Deus, não somente no
apostolado, os sacrifícios e trabalhos, mas em tudo o que fazia o
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ambiente de sua vida. A Natureza era, para a Fundadora, um livro,
em que, muitas vêzes, admirava a sabedoria, o poder, e a misericórdia
de DEUS. (Por isso dizia Dom José, que ela não escrevia uma carta,
sem falar das estrêlas, das nuvens e das flôres).
Certa ocasião, no tempo de calor, estava escrevendo uma car­
ta, e uma môsca não lhe dava sossêgo, pousando-lhe nas mãos ou sô­
bre o papel. Longe de se impacientar, Madre Antônia disse à Irmã
que estava a seu lado: Veja que linda, essa môsca! Deus a criou com
o mesmo poder que criou os astros e as flôres. Ela é tão pequena,
mas daria assunto para muitas e longas mEditações.
Não raro Madre Antônia foi vista em sua cela, com o rosto pá­
lido, chorando diante de um Crucifixo que tinha em suas mãos, ou
sôbre a mesa. Um dia, preocupada, uma Irmã lhe perguntou: Madre,
porque a Sra. está chorando? - Minha Filha - respondeu ela -
quando medito a Sagrada Paixão, sofro bastante; mas não deixo de
experimentar também uma certa alegria.
- Numa de suas Instruções à Comunidade, ela definia a oração,
dizrndo: A oração é a obediência de Nosso Senhor. - Como assim?
- perguntou uma Irmã. E ela explicou: Quando rezamos, obrigamos
Deus a nos ouvir e atender. E Êle, na sua misericórdia, nos obedece.
Tal era a sua devoção para com a Santíssima Trindade, que, ao
receber qualquer notícia, alegre ou triste, sua exclamação era: Glória
ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo! E, para agradecer aos benfeitores
do Instituto, usava muitas vêzes, esta fórmula: Que Deus Pai, Filho
e Espírito Santo, paguem a vossa caridade para conosco!
No último Natal que celebrou em sua vida, estava com as Irmãs,
diante do Presépio, quando disse a tôdas, com indisfarçável alegria:
Que felicidade! No próximo ano já irei celebrar o Natal no céu!
Em suas viagens, que eram freqüentes, por motivo do seu cargo,
se avistava, ao longe, a tôrre de alguma igreja, fazia logo a sua Co­
munhão espiritual. E, chegando a alguma cidade, seu primeiro cuida­
do era procurar uma igreja, onde pudesse fazer uma visita ao Santís­
simo Sacramento. Quando em casa, costumava passar horas diante
do Tabernáculo, esquecida do trabalho e preocupações do seu cargo
de Superiora Geral. Referindo-se, por isso, à Fundadora, Padre Mau­
ron dizia que ela era uma genuína Redentorista, pela sua profunda
devoção à Eucaristia.
Quando não encontrávamos a Madre em sua cela - assim escre­
ve uma Irmã - já sabíamos onde ela estava: era na tribuna da igre­
ja, onde passava horas, recolhida em oração. Pudemos observar mui­
tas vêzes que à noite, ela ficava diante do Tabernáculo até ao ama­
nhecer, quando tocava a campainha para despertar a Comunidade.
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Certa ocasiao, tendo saído muito cedo de casa, para viajar, não
pôde assistir à Sta. Missa. Mas logo que tomou lugar no trem, disse
à Irmã que a acompanhava: Minha Filha, vamos agora assistir à Mis­
sa espiritualmente. - E começou a meditar com a Irmã, as diversas
partes do Santo Sacrifício, intercalando breves orações, de acôrdo
com os pensamentos que ia desenvolvendo. - Creio - escreveu de­
pois a Irmã - que nunca assisti uma Missa com tanto gôsto e de­
voção, como naquele dia.
Tão profunda era também sua devoção à Virgem Ssma. que, já
em criança, quando lhe perguntavam por sua Mamãe, ela dava o no­
me de Da. Susana, acrescentando logo: E no céu, a minha Mãe é
Nossa Senhora.
Indo certa ocasião, com seus tios, de Madrid para Catalunha,
chegaram, tarde da noite, a uma chácara, perto de Zaragoza, onde
iam pernoitar. A Senhorita Oviedo não se conformou com a idéia
de saírem, no dia seguinte, de manhã, sem uma visita à igreja de
Nossa Senhora do Pilar. Arranjou uma companheira, e, naquela noite,
foi para a cidade, a pé, e descalça. O Santuário já estava fechado;
mas ela ficou rezando, de joelhos, diante da porta principal, e, ao
sair, deixou ali uma esmola. - Certamente a irão roubar - avisou
a companheira. - Não faz mal - respondeu Antônia - Nossa Se­
nhora vai ter uma esmola para dar ao primeiro mendigo que passar
por aqui.

ESPERANÇA HERõICA

As duas provas que Madre Antônia teve que enfrentar, na sua


mocidade, na Côrte, ou depois, como Fundadora, nunca puderam aba­
lar a confiança ilimitada que depositava na Providência. Desde crian­
ça, acompanhando a vida sacrificada de sua Mãe, ela aprendera a
não desanimar, confiando sempre na misericórdia de Deus.
Quanta luta interior, nos anos de sua mocidade, partilhando com
Da. Susana uma vida agitada e difícil, ante a incerteza de utn futuro
que nada lhe prometia! Veio depois o problema de sua Vocação, que,
durante anos a martirizou. E, mais tarde, foi encontrar a cruz mais
pesada, naquela Obra a que Deus a destinara, contra todos os seus
gestos e inclinações. Se ela venceu sempre, o segrêdo da sua vitória
estava naquele completo abandono com que se entregava nas mãos da
Providência.
Os trinta e poucos anos que a Madre viveu, organizando e diri­
gindo a sua Congregação, só lhe ofereceram lutas e sacrifícios contí-
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nuas. A incompreensão, a indiferença, as novas Fundações, a falta
de recursos e contratempos, tudo ela venceu, convencida de que era
apenas um instrumento da Misericórdia divina. Deus queria fazer
chegar a Redenção às almas mais abandonadas, e, nesse caso, a Fun­
dadora compreendeu que não poderia desanimar nunca.
Ciempozuelos não era uma cidade, mas um povoado, cujos re­
cursos não poderiam garantir a fundação do seu primeiro Educan­
dário. Por isso, ela se apoiou apenas na Providência, e deu início
à sua Obra de Redenção. Dificuldades não faltaram, mas ela repetia
sempre que, «com as mãos postas, conseguimos tudo». A Casa vivia
na maior pobreza, dada a extrema falta de recursos; e, todos os dias,
novos pedidos de môças e meninas que procuravam refúgio no Edu­
candário. A Fundadora recebia a tôdas, dizendo: Se Deus nos manda
meninas, :E:le irá mandar também o pão.
Deus quer a nossa confiança - escrevia às Irmãs - e é
muito fácil confiar, quando tudo vai bem; mas, quando tudo vai mal,
então sim, é que devemos manifestar a nossa confiança na Providên­
cia. Se nos apegarmos com Deus, as tempestades irão durar pouco.
Numa de suas cartas ela dizia: Nossos Educandários estão aber­
tos recebendo sempre aquelas que nos procuram; a Casa de Deus.
só está fechada para quem não se arrepende. Não temos recursos,
as esmolas são poucas, e as Irmãs têm que bater de porta em porta,
pedindo o pão para as meninas. No entanto, muita gente pergunta:
Como se mantêm nossas Casas? Como conseguimos construir sem­
pre? Perguntem Aquêle que veste as flôres do campo; perguntem à
caridade que nunca nos abandonou; perguntem aos Anjos, ou a Nosso
Senhor, porque eu mesma não o sei explicar.
De Madrid, ela encaminhou uma menina para Ciempozuelos,
dizendo num bilhete à Superiora: Aí mando mais uma menina; o pão,
Deus irá mandar. Quisera mandar também algum dinheiro, mas
estamos passando por mil necessidades. Que não nos falte a confian­
ça, e Deus não nos faltará. As meninas são a graça de Deus para nós.
Em meio às mil dificuldades de uma nova Fundação, ela escre­
via: Não temos terreno, nem casa, nem recursos. Bendito seja Deus!
A mãe mais amorosa não prepara o bêrço de seus filhos com mais
amor do que Deus, quando prepara o nosso programa de cada dia,
com seus sofrimentos e alegrias; e isto é o que me consola. Pensar
que l!:le preparou o meu dia,com os aborrecimentos, desgostos e hu­
milhações . . . isto me encanta.
Foi em maio, já ao anoitecer, que ela chegou, com algumas Ir­
mãs, a San Sebastian, para iniciar a fundação da Casa. A primeira
coisa em que pensou, foi reunir as Irmãs, para a reza de Nossa Se-

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nhora. - Madre, e o jantar? - perguntou uma Irmã, pois, na casa,
só havia um pedaço de pão e um ôvo, que sobraram da viagem. -
Deus nos irá preparar o jantar, disse a Madre, com tôda calma. Ter­
minada a Reza, algumas senhoras chegaram, trazendo o necessário
para o jantar, e para o almôço do outro dia.
Foi após cinco anos de trabalho, que ela viu um incêndio de­
vorar o seu primeiro Educandário, em Ciempozuelos. Nessa ocasião
ela disse às Irmãs: Deus quer provar a nossa confiança e a nossa pa­
ciência. Mas, uma coisa é certa: o demônio, inimigo da nossa Obra,
irá cansar-se, diante do poder de Deus que não nos irá abandonar.
li'·•·
Em meio a tôdas as incertezas sôbre a sua Vocação, ela escre-
veu, quando já estava na Côrte: A conclusão a que cheguei é que
eu me devo entregar à Vontade de Deus, dando-lhe meu coração aqui,
como o faria no claustro, esperando em paz o que Êle quiser decidir.
Tenho que viver o presente, sem me inquietar com o futuro; em tudo
e sempre nada me resta senão o «fiat» do meu abandono.

CARIDADE ARDENTE

O brasão de armas dos Oviedo ostentava esta divisa: Vencer, e


nunca ser vencido. Para seu uso, Madre Antônia modificou um pou­
co êsse lema, e costuma dizer, Amar, para vencer, e nunca ser Ven­
cida. Realmente, o amor a Deus e ao próximo foi a rainha das vir­
tudes, em tôda a sua vida.
Em Roma, preocupada com os assuntos da sua Congregação, ela
os confiou a S. Pedro Canísio, não se esquecendo de lhe pedir o
que mais a preocupava: «ó bem-aventurado Pedro Canísio, pelas
muitas visitas que fiz ao vosso túmulo, pela devoção com que eu cori­
templava, de longe, a janela do vosso quarto, naquele Colégio de
Friburgo, alcançai-me um grande amor a Deus, e que êsse amor me
baste; que êle me ajude a sofrer tudo, para que, amando Nosso Se­
nhor em minha vida, eu o ame na minha morte, e na eternidade.
A Superiora de Santander havia escrito à porta de sua cela êste
pensamento: Deus irá medir tua vida com uma rigorosa medida. Len­
do essas palavras, a Madre Fundadora as substituiu, escrevendo:
Minha Filha, que fizeste hoje por amor d' Aquêle que tanto te amou?
- Depois disse à Superiora: Porque todo êsse mêdo? Ame mais a
Nosso Senhor, e verá que não precisa temer tanto.
Ante a repugnância para aquêle Apostolado entre as jovens ex­
traviadas, e ouvindo as censuras de todos os que condenavam a sua

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resolução, ela somente repetia: A única coisa que eu devo fazer, é a
Vontade de Deus.
Em seu Diário escreveu certa vez: Senhor, quero procurar sem­
pre o que mais vos agrada; eu vos ofereço tudo o que sou, para que
eu alcance a salvação daqueles que vos esqueceram.
Certa ocasião, quatro môças recém-chegadas ao Educandário
de Ciempozuelos, fugiram, altas horas da noite. Ouvindo soluços pela
casa, a Irmã enfermeira saiu de sua cela, para saber do que se tra­
tava. E foi encontrar a Madre Fundadora a um canto do jardim, de
braços abertos, rezando entre lágrimas: Meu Jesus, tomai conta des­
sas minhas filhas! Que elas não vos ofendam, caindo no pecado!
De visita a uma Casa do Instituto, soube que uma Irmã, de
pouca paciência e menos mansidão, costumava dar algum puxão de
orelhas, ou algum tapa em certas meninas incorrigíveis. A Madre
ficou magoada com isso. Chamou a seu quarto a Irmã, e lhe disse
com muita calma: Dê-me uma bofetada! - A Irmã se assustou.
- Dê-me uma bofetada - insistiu a Madre - quero que me bata
no rosto! - Sem saber do que tratava, a Religiosa obedeceu, apli­
cando, com muita mágoa, um bofetão no rosto da sua Superiora Ge­
ral - Minha Filha - disse-lhe então a Madre - foi tão difícil ba­
ter na sua Superiora! Pois, quando quiser bater nalguma das minhas
«chipitinas», lembre-se que não irá bater em mim, mas em Nosso
Senhor ...
Certo dia apresentou-se em Ciempozuelos, uma môça infeliz, pe­
dindo um lugar na Casa. As Irmãs e Dom José acharam que não a
podiam atender, pois a Casa não estava lutando com a pobreza, mas
com a miséria. A Madre ajoelhou-se diante de Dom José, e lhe disse:
Pelo amor de Deus! Não despachem essa infeliz! Eu irei pedir es­
molas para ela! -E saiu, passando quinze dias, de porta em porta,
em Madrid, para que a Casa pudesse manter mais uma das suas
Filhas.
Uma vez, durante a aula, as meninas resolveram fazer greve,
cantando, gritando, atirando livros e cadernos para o ar, numa alga­
zarra tremenda. As Irmãs que acudiram, tentando restabelecer a or­
dem, receberam uma vaia estrondosa, e nada puderam fazer senão
chamar a Madre Geral. Esta chegou, e disse às meninas: Minhas Fi­
lhas, podem divertir-se, passando por cima de mim, e pisando-me à
vontade. - Estirou-se no assoalho, e convidou as grevistas para que
a pisassem. Foi o suficiente para que tôdas voltassem ao seus luga­
res, no mais completo silêncio.
Falando às Irmãs sôbre a reeducação das môças e meninas, ela
costumava usar de uma comparação, que bem mostra o carinho e

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amor com que se dedicava ao seu Apostolado. - Trabalhem - dizia
ela - como se estivessem limpando um Crucifixo encontrado no lixo,
ao qual se deve restituir sua primitiva beleza. Nossas meninas tam.
bém trazem na alma a imagem de Deus.
Certa ocasião alguém a censurou, pela excessiva caridade com
que desejava socorrer a todos, enquanto as Casas do Instituto viviam
na maior pobreza. - Deus dá para todos - a resposta que ela
deu.
Notando que algumas Irmãs queriam dedicar-se mais a certas
meninas, descuidando as que mostravam incorrigíveis, a Fundado­
ra escreveu: Dizem, e com muita imprudência, que algumas meninas
só servem para o pecado. Saibam, porém, que elas têm uma alma
criada à imagem de Deus, como as outras, e elas são mais nossas_
porque delas é a nossa Congregação. Se alguma Irmã quiser fazer
diferença entre as meninas, pode procurar outro Instituto.
Como Santa Teresa, Madre Antônia tinha verdadeiro horror
às queixas e murmurações, dizendo que «essa é uma praga que mata
muitas almas, no mundo, e nos conventos». Por isso já diziam Da.
Maria Cristina e outras personalidades da Côrte: Onde estiver a Se­
nhorita Oviedo, estaremos protegidos; ela é uma criatura que não
se queixa, e não sabe censurar ninguém.
Desde criança ela tomava a resolução de perdoar sempre a tô­
das as ofensas, distinguindo, com uma amizade especial, as pessoa�
que lhe fôssem antipáticas. No último ano de vida, conversando com
as Irmãs, revelou que nunca faltara a essa promessa que fizera a
Nosso Senhor.
Nas Instruções à Comunidade, costumava dizer que «tôdas as
faltas de caridade nascem de duas lêtras apenas: Eu.

SUA PRUD�NCIA

Dizia o Duque de Riánzares, que Antônia era a prudência per­


sonificada. E uma prova disso, vemos no cuidado com que ela sempre
escolheu seus Diretores espirituais, onde quer que estivesse. Nunca
quis organizar, ou dirigir a própria vida por si mesma, preferindo
seguir sempre os seus Diretores, ou pessoas mais experientes, que
ela sempre consultava. Em suas Instruções, ou em suas cartas, essa
prudência é uma nota constante.
Uma Irmã, que exercia o cargo de sacristã, escreveu à Fundado­
ra, queixando-se de que fôra nomeada para a vigilância das meninas.

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no trabalho, e nos recreios. A Madre lhe respondeu: Minha Filha, sin­
to muito, vendo que a Senhora não meditou bastante sôbre aquela
santa indiferença que devemos ter diante dos ofícios, coisa tão reco­
mendada por nosso Pai, Santo Afonso. A Senhora me diz que está de­
sanimada e sem coragem; com isso a Senhora está-se afastando de
Nosso Senhor. Reconheço que as meninas dão muito trabalho, e que,
algumas, são mesmo terríveis. Mas, diante de Deus, não somos muito
mais culpadas, afastando-nos da obediência, e procurando seguir
os nossos caprichos?
Ao bom govêrno - costumava dizer - não pertence apenas o
construir e conservar, mas também o saber reformar e corrigir. -
Por isso, embora as censuras e correções não agradassem muito ao
seu natural manso e afável, a Fundadora nunca deixou de corrigir,
sempre que o julgasse necessário. E, mesmo corrigindo, era tal a
sua prudência, que não ofendia, não magoava ninguém.
Em seu magistério, na Côrte, nas suas obras de apostolado,
e, principalmente, no govêrno dá. sua Congregação, o que lhe dava
sempre uma ascendência irresistível era a perfeita harmonia que se
manifestava em seu modo de agir, feito de mansidão e de firmeza
ao mesmo tempo.
Da sua admirável prudência nascia aquela verdadeira aversão
que tinha à ociosidade. Nunca, mesmo nos últimos dias de sua vida,
alguém a viu desocupada, ou perdendo tempo. Ela mesma revelou às
Irmãs o que, certa vez, lhe escrevera sua Mãe: A necessidade de tra­
balhar é, para nós, uma graça de Deus. Sempre agradeço a Nosso
Senhor ter que trabalhar para poder viver; e alegro-me ao saber que
Você também procura aproveitar sempre o seu tempo.

SUA JUSTIÇA

No decurso de tôda a sua vida, Madre Antônia praticou de modo


extraol'dinário essa virtude da Justiça, dando a cada qual o que lhe
era devido. Soube dar a Deus todo o seu amor e submissão, fazendo-o
centro e ideal de tôda a sua vida, tanto no mundo, como no convento.
Quanto aos seus semelhantes, ela não se poupou, dando a todos
a sua caridade, SEU respeito, seu tempo e suas atividades. Admirável
foi a dedicação que sempre teve para com sua Mãe, a qual procurava
carinhosamente ajudar, naquela vida difícil que a Providência lhe re­
servou. Admirável sua caridade para com os parentes menos favore­
cidos, e o interêsse que sempre mostrou para com seus familiares,

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na Espanha. Essa justiça brilhou, de modo especial, no respeito
e atenção com que tratava as Superioras, na imparcialidade com que
distribuía os cargos, e na dedicação com que se sacrificava pelas suas
«chipitinas». Em tudo ela sempre teve um único desejo, que era a
virtude. Por isso, renunciou suas inclinações, sua cultura, e suas ami­
zades, para não faltar com a docilidade à Vontade de Deus.

SUA FORTALEZA

Durante tôda a sua vida, quer no mundo, quer no convento,


Madre Antônia sempre se distiguiu pela firmeza e coragem com
que soube enfrentar os momentos mais duros e difíceis. Deus mar­
cou a sua longa existência com sacrifícios sem conta, enviando-lhe
provas realmente difíceis para a sua generosidade e confiança. A
morte de seus pais, a pobreza, o exílio, as dúvidas sôbre a vocação,
e, finalmente, um apostolado ingrato, com a responsabilidade de uma
Obra com a qual nunca havia sonhado. Sempre sofrendo, sempre lu­
tando, ela nunca desanimou; e isso, não por um simples sentimento
de presunção, mas pela fortaleza que sabia tirar da sua inabalável
confiança em Deus.
À uma Superiora, que se mostrava desanimada ante os proble­
mas da sua Casa recém-fundada, a Fundadora escreveu: Minha Fi­
lha, que significa essa falta de coragem? Sei que as tempestades, por
aí, estão sendo violentas. Mas, deixemos que o demônio continue a
nos bater; êle acabará dando murros no ar, contanto que continuemos
apegadas a Nosso Senhor. Vamos esperar, sofrer, e resistir, mais,
com tôda firmeza, porque estamos nas mãos de Deus.
Tal era o domínio que exercia sôbre si mesma, que uma Supe­
ri9ra, escrevendo a êsse respeito, disse: A Madre Geral, quando ne­
cessário, parece que não sente, nem as alegrias, nem os maiores so­
frimentos.
Em 1868, um revolucionário apresentou-se à porta do Educan­
dário, em Ciempozuelos, ameaçando matar as Irmãs, prender as me­
ninas e incendiar a Casa. A única que o enfrentou foi Madre Antônia.
Conversou, com muita calma e firmeza, com o desordeiro; e êste,
a única coisa que fêz, foi ir-se embora, deixando a Casa em santa paz.
Admirável foi a coragem com que resolveu aceitar o Apostolado
que Deus lhe indicava. Suas amizades a abandonaram, e não faltou
quem a desse como vítima de alucinações e delírios. Mas a sua for­
taleza não conhecia conveniências nem respeito humano. E a antiga
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Educadora de Princesas atirou-se, de corpo e alma, a um apostolado
que todor; evitavam, como duvidoso e suspeito.

MORTIFICAÇÃO

A cultura, a inteligência, a delicadeza no trato, eram qualida­


des que todos admiravam, tanto na Preceptora de uma Côrte, como
na Educadora de jovens extraviadas. Madre Antônia, porém, distin­
guia-se ainda mais, pela sua sobriedade no falar, no apresentar-se,
enfim, em todos os seus gestos e atitudes, porque era uma alma real­
mente mortificada. Senhora dos seus sentidos, foi sempre um mo­
d�lo de compostura, de modéstia e dignidade. - Ela parecia uma
criatura isenta de tôdas as paixões - escreveu uma Irmã.
Em suas Instruções sôbre a mortificação, ela costumava dizer:
De todos os animais, os que dão mais trabalho para serem domados
são os racionais ...
De acôrdo com uma Cronista, Madre Antônia nunca se queixa­
va do frio ou do calor, não se preocupava com as comodidades, de­
testando as exceções que o seu estado de saúde exigia. Seu jejum
era quase contínuo, pois, fora das refeições, não tomava sequer uma
fruta, e, ao jantar, contentava-se com duas batatas pequenas, cozi­
das e temperadas com um pouco de azeite.
Tendo cometido uma falta grave, uma das educandas, para fu­
gir ao castigo, escondeu-se debaixo da cama da Madre Fundadora.
à noite, esta se levantou, e começou a flagelar-se até verter san­
gue. Apavorada com o que via a menina começou a gritar: Madre,
não faça mais isso! Dagora em diante vou me corrigir; prometo!
Basta ser Oblata, para não se esquecer a Cruz - era o que dizia
muitas vêzes às Irmãs.
Numas notas de Retiro, escritas em 1874, ela diz: Senhor, quan­
to sofrimento nos tesouros da tua Bondade! E Tu no-lo dispensas
com infinita sabedoria, pois os teus caminhos são traçados pelo teu
amor. Por isso, nada mais quero senão o que quer a tua Vontade.
Nas suas Instruções, ela insistia neste ponto: Quanto mais acei­
tamos a Cruz, tanto mais leve ela se torna; mas, se a recusamos, tan­
to mais pesada será. Que felicidade, podermos oferecer, diàriamente,
a Nosso Senhor, um dia todo marcado com renúncias e sacrifícios!
Certa ocasião algumas Irmãs lhe perguntaram! Pode alguém
viver sem sofrimentos, neste mundo? - Sim - respondeu. - Mas

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como? - indagaram. - Aceitando-os, simplesmente. No momento
em que aceitamos um sacrifício, êle desaparece - foi a sua explica­
ção.
Analisando a vida atribulada que teve a Serva de Deus, na sua
mocidade, e depois, como Fundadora; medindo os sacrifícios que
ela enfrentou, com admirável fortaleza tanto no seu Apostolado,
como na organização do seu Instituto, podemos concluir com o Pa­
dre Desnoluet, que a conheceu de perto: Ela se chamava Madre An­
tônia da Misericórdia, porque sua caridade era realmente extraor­
dinária; mas poderia ter levado o nome de Madre Antônia da Cruz
pelo muito que sofreu, e pela abnegação com que soube sofrer.

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APÊNDICE

Em traços rápidos e despretensiosos, procuramos estampar nes­


tas páginas a figura extraordinária de Madre Antônia Maria da Mi­
sericórdia.
Admirada pela sua beleza e cultura, tanto em Florença, como
em Roma, em Madrid como em Paris, aquela Senhorita Oviedo nun­
ca esqueceu a única beleza que lhe interessava, a beleza da própria
alma. Por isso, desprezando tôdas as ofertas que o mundo lhe podia
fazer, e que realmente lhe fêz, preferiu a oferta apresentada por
Deus: uma vida pobre e sacrificada, em favor das almas abandona­
das. Estas eram as almas que ninguém queria; ela as procurou, e
as recebeu como suas filhas.
Educadora de Princesas numa Côrte real. E depois? Simples
Educadora de jovens extraviadas. Êsse o caminho que a Providência
lhe indicou; êsse o caminho que ela preferiu, vendo nas almas des­
figuradas pelo mundo, a beleza de Deus que ela queria reaviver.
Setenta anos após a sua morte, ela ainda continua sendo a mes­
ma luminosa figura que, em seu tempo, todos tiveram que admirar.
Prescindindo de sua virtude, cuja medida está nas mãos de Deus,
poucas almas puderam igualar-se à Madre da Misericórdia, tanto
na Espanha, como em tôda a Europa do século passado.
Sem sombra de exagêro, ela pode ser olhada como uma Mulher
extraordinária, pela sua formação, cultura artística e literária, sin­
ceridade e nobreza de coração, finura de trato e delicadeza de sen­
timentos. Essas qualidades abriram-lhe as portas dos Palácios,
atraindo-lhe a amizade e simpatia das mais ilustres figuras de seu
tempo. Nada disso a impressionou; preferiu viver e trabalhar entre
as almas que todos desprezavam.

Olhando para a sua Congregação, fruto da sua caridade e dos


seus sacrifícios, temos que ver na Fundadora, uma Heroína nesse
campo imenso da salvação das almas, e uma benemérita da Socie­
dade atual. Ao falecer, Madre Antônia pôde constatar como Deus
havia abençoado a sua Obra de Redenção, pois, deixava dezessete
Educandários, fundados à custa de seu zêlo e de seus sacrifícios.
Suas sucessoras no govêrno da Congregação continuaram impulsio­
nando a sua Obra, de modo que atualmente, o Instituto pode ver
suas Casas florescendo em diversos países da Europa e das Amé­
ricas.
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Após a Igreja ter dado à Madre Misericórdia o título de «Ve­
nerável» pela heroicidade de suas virtudes, uma esperança começou
a brilhar para as Oblatas, para os Redentoristas, e para todos os
que conhecem a vida dessa Mulher extraordinária: Que Deus, para
sua glória e bem das almas, queira glorificar, com as honras dos
altares, àquela que tanto o amou e serviu neste mundo.

AS OBLATAS
DO SANTÍSSIMO REDENTOR
NO BRASIL

A primeira Casa das Oblatas, no Brasil, foi fundada no Rio de


Janeiro, em 1935. Atualmente, perto de 100 Religiosas trabalham
nos cinco Educandários já fundados em:
Rio de Janeiro - Rua Luís Vargas - 40 (Piedade);
São Paulo - Rua Francisco Morengo - 1446 (Tatuapé);
Curitiba - Caixa postal 2140 - Tarumã;
Santos - Avenida Ana Costa - 392 (Gonzaga);
Belo Horizonte - Rua Itamarati - 1254.
. ..
Tratando-se de uma Congregação que se dedica exclusivamente
à orientação das jovens pobres e necessitadas, as Oblatas, atJ àgor�,
não puderam atender aos contínuos pedidos de novas Fundações,
necessárias principalmente para os nossos grandes centros; e isso
por falta de religiosas suficientes. O campo de apostolado que se
lhes oferece é imenso, dado o número sempre crescente de vítimas
da corrupção, da ignorância e da pobreza.
Que a Providência não nos falte, neste caso, despertando en­
tre nós, numerosas e santas Vocações de Oblatas, que possam con­
tinuar, nas nossas cidades, aquela Obra de Redenção iniciada hú u.11
século, pela Venerável Madre Antônia da Misericórdia.
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INDICE

Preso pelo coração 9


«Deus sabe o que me convém» ... .. .... .... ... ......... .... 17
«:Êsse bendito dinheiro» ... .. ............. ... ......... .... . 24
Uma para a Espanha, outra para o Céu ........ ...... .. ..... 32
Primeiros anos na côrte . .......... . ................... ... . 40
«Já estou casada ...» . . . . . ...... ...... .... .......... . . . ... 49
Exilada 59
últimos anos na côrte . ..... ... ..... ....... ........ .. . .... . 69
Uma potência em Roma ..... ... . .. .. ............ . ........ 77
Deus a quer Fundadora ..... ..... ........... ........... .. . 85
Oblatas do Ssmo. Redentor ......... , .. ..... . . .... .... .... . 96
Como Deus é bom! 107
Em plena atividade 116
Novas lutas e novos êxitos ................................ ns
Tudo pela Congregação ... .. ... ... .......... . .... .... .... . 139
Governando sozinha .......... . ............ . ........... ... 149
Redentorista 159
últimos anos 171
Foi em fevereiro que mamãe morreu . ....... . . ... ....... ... 180
A Venerável ............................................. 188
Apêndice - I - ......... . ... .............. .............. 200
II - As Oblatas do SSmo. Redentor no Brasil ... 201

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Acabou-se de emprimir êste livro
aos 28 de fevereiro de 1969
Oficina Gráfica Editôra
Santuário de Aparecida.
APARECIDA - EST. DE S. PAULO

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