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Editorial ....................................................................................................................................................... 2
SUMÁRIO
Notícias ............................................................................................................................................................................ 19
Roza Maria Santos
CORRESPONDÊNCIA
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE As opiniões publicadas em artigos
Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho assinados são de inteira
responsabilidade de seus autores,
Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão
não comprometendo a CMF.
Fone: : (0xx98) 3218-9924
2 Boletim 36 / dezembro 2006
Discutir as relações entre promoção, clore, estimulando o setor produtivo da A mídia, de um modo geral e com raras
turismo e parafolclore é ressaltar a cen- cultura e promovendo a democratização exceções, tem a disposição de tutelar a
tralidade que o denominado patrimônio de informações sobre os fatos culturais. informação, selecionando, com critérios,
Nesse ínterim, o Estado desempenha às vezes, simplistas e simplificadores o
imaterial ou intangível adquire no âm-
que informa. Quando assim procede, cria
bito da gestão pública. Assistimos nas papel fundamental para a reprodução
simulacros que tendem a se transformar
últimas décadas do século XX um au- dos fatos folclóricos, sobretudo para aque- em produtos que destroem a dimensão
mento das preocupações em torno da las localidades que vêem no turismo pers- cultural do fenômeno social apresentado,
problemática da preservação e susten- pectivas de elevação dos patamares de alterando o contexto em que o patrimônio
tabilidade dos fatos folclóricos, e o ad- desenvolvimento social e econômico. se constrói ou não informando sobre ele,
vento de iniciativas destinadas ao resga- A promoção do folclore em suas vari- seguindo a orientação das audiências e
ações associa-se geralmente à vincula- conveniências. Quando se segue essa ge-
te, registro e difusão das manifestações
ção dos fatos culturais nas propagandas ral tendência midiática, limita-se a capaci-
populares tradicionais, as quais refletem dade problematizadora e educadora da
na ampliação do próprio conceito de turísticas oficiais, na mídia impressa e
informação, diminuindo, da mesma forma,
folclore e de sua importância para a for- audiovisual, e mais recentemente no es-
a percepção da oferta informativa por par-
paço virtual (sites institucionais, de agên-
mação e reconstrução das identidades te do turista, visitante ou habitante da lo-
cias de viagens e especializados na di- calidade (MENESES, 2004, p.60-61).
locais e/ou nacionais.
vulgação de destinos turísticos), na me-
Um fator condicionante dessas preo- A projeção de determinados ícones cul-
dida em que
cupações é a estreita relação que se es- turais no mercado publicitário implica na
tabelece entre folclore e turismo. O Tu- “a busca pelos elementos característicos análise de Dias (2003), no efeito demons-
rismo Cultural consiste no segmento da e diferenciais de cada cultura aparece
tração, que consiste na adaptação de
atividade turística, cujo caráter motiva- como uma necessidade de mercado, a
cultura autóctone é a matéria-prima para
modelos consolidados no âmbito da ati-
cional dos visitantes reside na possibili- vidade turística a outros contextos sócio-
a criação de um produto comercializável
dade de estabelecer um contato com as e competitivo internacionalmente” (BAR- culturais; em conseqüência, ocorre o sur-
diferentes interfaces presentes nas prá- RETO, 2002, p.48). gimento de grupos culturais cujas mani-
ticas sócio - culturais vivenciadas pelos festações diferem substancialmente das
diversos grupos humanos, delineadas em Nas localidades vocacionadas para o práticas ritualísticas culturalmente enrai-
seus elementos tangíveis - monumentos turismo, observa-se a articulação de gru- zadas na comunidade. A Carta do Fol-
históricos, prédios, museus, arquitetura pos empresariais e instituições públicas clore Brasileiro, consentida durante a re-
civil e religiosa, e intangíveis, resultante na idealização de eventos turístico-cul- alização do VIII Congresso Brasileiro de
das manifestações populares tradicio- turais: espetáculos, shows de música po- Folclore na cidade de Salvador – BA,
nais, tais como festas sagradas e profa- pular, apresentação de grupos folclóri- apresenta-nos uma definição consensual
nas, danças, ritos, rituais e demais fatos cos, bandas e cantores nativos – no in- a respeito dos grupos parafolclóricos:
folclóricos: tuito de conferir visibilidade aos produ- São assim chamados os grupos que apre-
O Turismo Cultural, assim, pressupõe um tores culturais e aumentar o nível de sentam folguedos e danças folclóricas,
público educado e informado que com- atratividade dos destinos turísticos, so- cujos integrantes, em sua maioria, não são
partilhe com os órgãos de patrimônio uma bretudo em períodos de baixa estação. portadores das tradições representadas,
definição sobre o que constitui lugares, A inserção de elementos do folclore se organizam formalmente, e aprendem
eventos e coleções corretas. Por outro lado, as danças e folguedos através do estudo
no mercado publicitário e a sua utiliza- regular, em alguns casos exclusivamente
o Turismo Cultural deve ser visto pelos
ção para fins turísticos contribuem para bibliográfico e de modo não espontâneo.
órgãos de preservação como um meio de
arrecadar recursos para a manutenção de a descaracterização e espetacularização
da cultura. Em virtude do turismo se Nota-se a distinção entre folclore e
lugares e manifestações, bem como um
parafolclore, uma vez que este último
instrumento de informação ao público vi- configurar em um bem simbólico, as ins-
sitante (GOODEY, 2002, p. 135). fere as características de anonimato, es-
tituições públicas e privadas elegem de-
pontaneidade e de aceitação coletiva
Dessa forma, o turismo pode contri- terminados símbolos como matrizes da inerentes às tradições populares. Seguin-
buir para o revigoramento das manifes- cultura popular no processo de forma- do a tendência de serialização cultural,
tações populares, para a valorização do ção da imagem turística de um desti- os grupos parafolclóricos não resultam
patrimônio cultural, fortalecendo o ca- no. Assim, decorre, por exemplo, a as- da criatividade e inventividade popula-
ráter identitário além de possibilitar a sociação entre o Carnaval e o produto res ou das relações intergrupais, não são
dinamização das economias locais. O turístico Rio de Janeiro, o Maracatu e portadores de referências culturais e, por-
turismo emerge como um dos mecanis- a cidade de Recife - PE, o São João e tando, são destituídos de historicidade
mos de promoção e divulgação do fol- São Luís - MA. e memória social.
2 Apresentado em mesa redonda no XII Congresso Brasileiro de Folclore (RN) – Natal-RN, 29/08-1/9/2006.
3 Mestre em Serviço Social (PUC- SP) e professora do Curso de Turismo da UFMA. Membro da CMF.
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Nessa concepção, os grupos parafol- O BUMBA-TURISMO EM SÃO LUÍS - MA A respeito do fenômeno parafolclóri-
clóricos são assemelhados aos não-luga- co em São Luís, destacamos a afirma-
res, denominação dada pelo antropólo- Auto popular introduzido por negros ção de Lima (2002, p.15):
go Marc Augé (1994) aos produtos origi- africanos, o bumba-meu-boi teve seus Aos grupos folclóricos moderninhos que
nários da supermodernidade. Autores primeiros registros entre os séculos XVIII insistem em se autodenominar bumba-
como Haesbaert (2002) empregam o ter- e XIX. Nesse período caracterizou-se por meu-boi, apropriaram-se na brincadeira
mo desterritorialização culturalista ao ser uma manifestação restrita a deter- junina tradicional e transformaram-na em
indicar a perda dos laços culturais dos minados setores populares, sofrendo uma um show de tv, espetáculo colorido e es-
grupos sociais e a emergência de identi- série de sanções e perseguições pelos fuziante, agravável aos olhos, senão imi-
dades interpenetrantes, resultado do ní- aparelhos repressivos das elites ludovi- tação pelo menos inspirados nos grupos
vel de complexificação verificado nas censes, sendo proibida a livre manifes- de ‘tchan’ ou nas escolas de samba (...). O
trocas simbólicas entre os diferentes sis- tação desta brincadeira no ano de 1861. antigo rebanho agora se chama quadra
temas culturais nas quais torna-se impos- de ensaio. Os cordões são alas. A dança
No decurso do século XX, o bumba-
sível distinguir a reciprocidade da rela- primitiva e espontânea obedece a uma
meu-boi passou a figurar nas propostas coreografia ensaiada por experts de bal-
ção global/local. do turismo cultural empreendidas pelos lets. O amo passou a mestre-sala. Os ade-
No tocante à promoção turística, em órgãos de preservação da cultura e de reços têm grifes de renomados artistas
virtude do caráter político, os grupos pa- promoção turística, a exemplo da extin- plásticos. Enfim, o boi sofisticou-se”. (...)
rafolclóricos possuem um nível maior de ta empresa Maranhense de Turismo – “Aliás, realçado pelas reduzidas indumen-
aceitabilidade nas estratégias de marke- MARATUR, o que gerou expectativas tárias das brincantes que põem em desta-
ting cultural e de apoio/ financiamento que as formas esculturais de verdadeiras
em relação ao revide econômico e soci-
dos órgãos públicos e privados para o re- modelos. Mas, por que chamá-lo bumba-
al decorrente de seu aproveitamento
gistros visuais, acesso a matérias-primas e meu-boi? Por que não classificá-los, com
enquanto atrativo turístico de São Luís.
indumentárias, pois estes são mais susce- toda a propriedade e justiça como grupo
A transformação desta brincadeira da dança folclórica, teatro de rua ou coisa
tíveis às veleidades do mercado turístico.
em um bem de consumo cultural foi equivalente?
Nos eventos turísticos institucionalizados,
acompanhada por mudanças adaptati-
os grupos parafolclóricos adequam-se per- De acordo com análise de Benjamim
vas por parte dos grupos folclóricos, na
feitamente ao calendário das apresenta- (2004) a utilização do parafolclore com
redução do auto, na supressão de alguns
ções; nesse caso, a preocupação incide-se finalidades turísticas não se traduz ne-
personagens, na introdução de novos ins-
menos nas significações do fato folclórico cessariamente numa dinamização das
trumentos de percussão, no discurso das
do que na performance do espetáculo, na economias locais ou contribui significa-
estética e no fetiche turístico. toadas, no figurino e coreografia, numa
evidente estetização do bumba-meu-boi tivamente para a elevação da qualidade
Torna-se interessante retomar o con-
e sua veiculação a um caráter estritamen- de vida da comunidade. Em São Luís,
ceito de autenticidade encenada utili-
te econômico. muitos grupos folclóricos estão sofrendo
zado por MacCannell (apud Getz, 2001)
A dessacralização do auto e a cres- um processo de desaparição, em virtu-
para compreendermos a dimensão do
cente profissionalização de alguns gru- de de não se beneficiarem do desenvol-
fenômeno parafolclórico e de suas reper-
pos de bumba-meu-boi resultam do ape- vimento do turismo cultural.
cussões no âmbito da atividade turísti-
lo publicitário e do apoio financeiro que Nesse sentido, a promoção turística
ca. Nos eventos turísticos patrocinados
compõem as ações de incentivo e pro- oficial do folclore deve contemplar a
pelo Estado, tais grupos constituem, não
moção dessa brincadeira por parte dos dimensão social, com o estabelecimen-
raro, abreviações das manifestações po-
órgãos oficiais de turismo na cidade de to de uma rede intricada de ações afir-
pulares, verdadeiros simulacros que des-
São Luís. O evento Vale Festejar, patro- mativas que intervenham na gênese das
contextualizam tradições. É o que nos
afirma Swarbrooke (2000, p.43): cinado pelo Governo do Estado do Ma- manifestações populares tradicionais, e
ranhão em parceria com uma empresa promovam uma crescente equalização
As necessidades presentes na indústria do privada consiste num São João fora de social integrando todos os segmentos so-
Turismo e as preferências dos turistas po- ciais que reproduzem e reinventam os
época, no qual os grupos folclóricos apre-
dem levar à trivialização da cultura e à per- fatos folclóricos.
da da autenticidade. Danças tradicionais sentam-se no mês de outubro, período
podem ser abreviadas para se adequar às que não obedece ao ciclo tradicional da
programações de grupos de turistas (...) Da brincadeira. PROMOÇÃO OFICIAL X PROMOÇÃO
mesma forma, canções folclóricas são apre- Outra impactação que concorreu SOCIAL: A BUSCA PELA SUSTENTABILI-
sentadas como mero entretenimento musi- DADE DO FOLCLORE .
para a crescente mercadorização do
cal, e não como parte de quebra-cabeças
bumba-meu-boi refere-se ao surgimen-
de uma complexa cultura tradicional. Reconhecemos a importância que os
to de grupos parafolclóricos em São Luís
Como exemplos de grupos parafolcló- a partir da década de 1980, os quais con- grupos parafolclóricos adquirem nas pro-
ricos temos o bumba-meu- boi de Pari- quistaram um espaço significativo nas postas de desenvolvimento turístico, ten-
tins na Amazônia, e o boizinho Barrica peças de divulgação do produto turísti- do em vista a sua flexibilidade em rela-
e Pirilampo em São Luís do Maranhão. co São Luís. Grupos como o Pirilampo e ção às manifestações tradicionais, em
Neste último, o bumba-meu-boi não o Boizinho Barrica difundem a manifes- que o ciclo de um determinado folgue-
apenas sofreu impactações em virtude tação do bumba-meu-boi em nível naci- do popular obedece a uma dinâmica e a
do turismo, mas também assumiu novos onal e internacional, recebendo apoio um tempo social específicos.
significados, em que se entrelaçam a institucional para a realização de apre- O parafolclore como instrumento de
celebração ritualística e a espetaculari- sentações em eventos de cunho turísti- promoção oficial pode contribuir para
zação para o turismo. co-cultural. salvaguardar as tradições populares dos
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efeitos negativos oriundos da atividade A promoção do folclore deve abran- ções não governamentais, tendem a contri-
turística e da globalização, no entanto ger um apoio mais direcionado no senti- buir para a responsabilidade social e para
não se deve incorrer na tentativa de se do de assegurar as condições técnicas de a geração de benefícios sociais e econô-
cristalizar o folclore, o que inviabiliza- reprodução dos fatos folclóricos pelas micos através do turismo, estimulando
ria a sua dinamicidade. Na visão de Dias classes populares, propiciando a repro- o desenvolvimento endógeno.
(2003, p.113), dução criativa das tradições culturais.
A essência do planejamento turístico lo-
essa mudança funcional coloca-se perfei- “Muitas das manifestações da cultura per- cal exige que a comunidade, em todos os
tamente no processo dinâmico em que se tencem a grupos sociais de baixa renda, seus segmentos, tenha consciência de seu
insere o fato folclórico. Perante novos ato- que não dispõem de indumentárias e ins- patrimônio material e imaterial e que de-
res – os turistas -, estes provocam mudan- trumentos musicais, por exemplo. Depen- cida sobre o que compartilhar e o que pre-
ças geradas pelas interações recíprocas, dem, assim, do apoio da sociedade para servar para a sua guarda e proveito pró-
que podem provocar modificações no fato obter esses materiais” (FARIAS, 2002, p.60). prio, e também como e onde deseja que
folclórico, o qual, quando bem conduzido, essa troca se efetue ( BENI, 2002, p.19).
será a continuidade, em outro tempo, do As instituições de fomento ao turis-
fato original determinado historicamente, mo devem atuar em parceria com os de- A comunidade local deve estar cons-
porém transformado e com novas funções. mais órgãos públicos e privados no sen- ciente do processo de transformação das
tido de promover melhoria nas condições culturas e de hibridização das identida-
As modificações ocorrem, com o des, participando efetivamente no pla-
objetivas de vida das classes populares
maior ou menor grau de interferência nejamento turístico, incorporando as
em amplos setores, tais como saúde, edu-
do turismo. O folclore revisitado apre- suas reais necessidade e expectativas,
senta uma nova configuração em que se cação, infra-estrutura básica e de supor-
te para o desenvolvimento turístico. primando pelo desenvolvimento em
interpõe tradição e modernidade, no amplos aspectos da realidade social.
qual a injunção de novos elementos não É primordial a criação de espaços para
Como afirma Meneses (2004, p.101),
implica num distanciamento do substra- a disseminação das manifestações folcló-
to que lhe é inerente. Mesmo nos gru- ricas: oficinas e ateliês, centros culturais, “entender, informar, respeitar e alegrar-se
pos de bumba-meu-boi parafolclóricos, além de promover ações de educação pa- em conhecer, de forma simplificada, é o
o significado ritualístico e as simbologi- trimonial para turistas e comunidade, no segredo da promoção turística sustentá-
intuito de valorizar o saber-fazer dos mes- vel, com base no patrimônio cultural”.
as são reconhecidos pela comunidade,
nos autos, nos personagens, nas referên- tres populares, estimulando a integração Cabe aos setores ligados ao turismo o
cias das toadas, ou na homenagem à ar- dos atores culturais, estabelecendo ain- entendimento da relação entre folclore
tista genuíno/autóctone, a tradição é da mecanismos eficientes de controle e e parafolclore e o compromisso com a
permanentemente atualizada. avaliação dos fatos folclóricos. Tais inici- real significação que estes possuem para
Porém, conforme disposto na Carta ativas, envolvendo a participação do po- a comunidade em termos de alcance do
do Folclore Brasileiro, der público, empresariado e das institui- desenvolvimento sustentável.
“recomenda-se que tais grupos não con-
corram em nenhuma circunstância com
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
os grupos populares e que em suas apre-
sentações, seja esclarecido aos especta- AUGÉ, Marc. Não-lugares. Introdução à uma GOODEY, Brian. A interpretação do Sítio
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os conteúdos culturais e sensibilizando BENJAMIN, Roberto. Espetacularização da to Alegre: Bookman, 2001
o olhar do turista (URRY,1996) para os cultura e refuncionalidade dos grupos folcló- HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternati-
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comunidade visitada. LIMA, Carlos de. Os bois entre aspas. Bole-
clore; São Luís: Comissão Maranhense de Fol-
Deve-se resgatar e revitalizar as cria- tim da Comissão Maranhense de Folclore, nº
clore, 2004 18, São Luís, dez.2002.
ções populares tradicionais, inserindo-as
BARRETO, Margarita. Turismo e legado cul- MENESES, José Newton Coelho. História e
nos roteiros histórico-culturais, buscan-
tural: as possibilidades do planejamento. São Turismo Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,
do a sua devida interpretação para o Paulo: Papirus, 2000. 20004
público visitante, a fim de que o mes-
DIAS, Reinaldo. Sociologia do Turismo.São ROSA, Maria Cristina. Festa, lazer e cultura.
mo, embora num espaço abreviado de
Paulo: Atlas, 2003. São Paulo: Papirus, 2002.
tempo, possa compreender a importân-
cia do folclore para a população residen- FARIAS, Eny Kleyde Vasconcelos. A Cons- SWARBROOKE, John. Turismo Sustentável:
trução de Atrativos Turísticos com a comuni- Turismo Cultural, Ecoturismo e Ética. São
te. Entendemos que as políticas públi- Paulo: Aleph, 2000.
dade. In: MURTA, Stela Maris; ALBANO,
cas direcionadas à promoção do Turis-
Celina (orgs). Interpretar o patrimônio: um exer- URRY, John. O olhar do turista: lazer e via-
mo Cultural devem considerar a susten- cício do olhar. Belo horizonte: Ed UFMG; ter- gens nas sociedades contemporâneas. São
tabilidade social, econômica, ambiental ritório Brasilis, 2002. Paulo: EDUSC, 1996.
e cultural.
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INTRODUÇÃO ria de luta pela valorização da cultura participar de festas e rituais religiosos
popular -, conseguem escapar dessa vi- populares sem conhecimento ou sem
Falar em religiosidade popular é fa- são preconceituosa. Nina Rodrigues, pi- preocupação com as normas que os re-
lar em crenças e rituais de uma popula- oneiro dos estudos sobre o negro no Bra- gem e, não raramente, criam certos
ção e na relação dessa população com o sil, apesar de ter valorizado as religiões embaraços. Quando a afluência deles é
sagrado. Mas é preciso lembrar que, afro-brasileiras, referiu-se a elas como muito freqüente ou assume grandes pro-
quando a população é mais ou menos “fetichismo” (RODRIGUES, 1935)6. porções, tende a causar grande impacto
homogênea, sua cultura popular se con- naquelas atividades, daí a necessidade
funde com cultura nacional e não há CULTURA POPULAR E DIFERENÇAS de discussão do problema entre produ-
grandes diferenças em sua religiosidade, REGIONAIS tores culturais, folcloristas, técnicos,
mas, quando existem na população di- antropólogos e outros interessados em
ferenças sócio-culturais expressivas, sua Quando se comparam as produções cultura popular. O interesse turístico
cultura e sua religiosidade (um dos seus e modos de vida de populações de regi- pelas produções culturais populares tra-
principais elementos) apresentam gran- ões geográficas diferentes as suas dife- dicionais, apesar de poder incentivá-las,
de variedade. renças culturais costumam aparecer de às vezes, tem atuado negativamente so-
No Brasil, até a abolição da escravi- modo bastante visível e essas diferenças bre elas. É sabido que as produções “para
dão (1888), a cultura das camadas domi- podem ser facilmente detectadas, tanto turistas” são geralmente menos elabora-
nantes (da elite) procurava seguir o pa- na rua e em outros locais públicos (como das, mal acabadas e que às vezes foram
drão da nobreza portuguesa, principal- feiras; mercados; largos de igrejas, du- descaracterizadas para se adaptarem à
mente nas áreas mais próximas à sede rante festejos religiosos etc.), como em programação turística e a outros padrões
do poder (cidades, vilas) e, apesar de na locais privados (terreiros de religião afro- estéticos. Pretendemos a seguir analisar
época não se pretender criar uma socie- brasileira e outros ). Mas é ilusório pen- a questão da interferência do turismo no
dade igualitária, alguns elementos des- sar que a cultura de elite é homogênea. folclore tomando como referência a Fes-
sa cultura de elite foram impostos aos Apesar da ação uniformizadora do siste- ta do Espírito Santo na capital mara-
segmentos populares (negros, índios, ca- ma escolar, grandes são também as dife- nhense9.
boclos, degredados), como ocorreu com renças por ela apresentadas7.
a língua portuguesa e com o catolicis- Embora as diferenças culturais te- A FESTA DO ESPÍRITO SANTO
mo, que foi a religião oficial até a Pro- nham sempre despertado a curiosidade EM SÃO LUÍS-MA
clamação da República (1889). Mas os dos povos8, na sociedade moderna elas
segmentos populares das cidades e das se transformaram em atração turística e A Festa do Espírito Santo, de origem
áreas rurais (de origem indígena, africa- tem estimulado várias atividades econô- européia, é encontrada em vários esta-
na e outros), excluídos ou quase excluí- micas orientadas para o lazer. Os “paco- dos brasileiros, principalmente naqueles
dos das escolas e às vezes marginaliza- tes turísticos” costumam incluir, além de onde a população de origem açoriana é
dos nas igrejas, tinham seus próprios atividades voltadas à apreciação das be- expressiva. No Maranhão ela é realiza-
modelos e tradições culturais. lezas naturais, programas direcionados da com grande esplendor no Domingo
A religiosidade popular nem sempre ao conhecimento das riquezas culturais de Pentecostes envolvendo “toda” a ci-
é vista de forma adequada pelas elites das populações locais, com ênfase no dade, como ocorre em Alcântara, ou,
sócio - econômicas. As diferenças por ela artesanato, na culinária e nas festas po- simultaneamente várias comunidades,
apresentada em relação à das camadas pulares. como ocorre em São Luís, onde é reali-
dominantes é freqüentemente interpre- zada principalmente em terreiros de
tada como decorrentes de arcaísmos (so- TURISMO E RELIGIOSIDADE POPULAR mina – religião afro-brasileira hegemô-
brevivências de um passado longínquo) nica na capital (como na Casa das Mi-
ou de ignorância (baixa escolaridade), e, A participação de turistas nas festas nas e na de Casa de Nagô) ou sob a lide-
não raramente, a religião popular é re- e rituais religiosos, embora costumem rança de pessoas ligadas à religião afro-
ferida na literatura acadêmica como: emprestar a elas maior brilhantismo, tem brasileira (como a realizada por dona
fetichismo, magia, feitiçaria etc. É cu- causado alguns problemas. Com exce- Nilza, no bairro Goiabal). Mas nos ter-
rioso que nem sempre as pessoas consi- ção dos programas caracterizados como reiros as festas para o Espírito Santo são
deradas avançadas - que têm uma histó- turismo religioso, os turistas costumam realizadas durante quase todo o ano,
4 Apresentado no 12º Congresso Brasileiro de Folclore. Mesa Redonda 1. Natal, de 29/08 a 1/09/2006.
5 Comissão Maranhense de Folclore; Dra. em Antropologia; pesquisadora de Religião Afro-brasileira.
6 E, algumas décadas depois, Mário de Andrade referiu-se à música produzida nos terreiros como “música de feitiçaria”, apesar de ter sido um “apaixonado” por ela
(ANDRADE, 1983).
7 Um exemplo dessa diversidade pode ser encontrado na diferença de sotaques observados na fala das populações das diversas regiões, apesar da costumeira imitação dos
grandes centros pelos menores.
8 O relato de viajantes sobre o “Novo Mundo” despertou grande interesse dos europeus e influenciou obras de arte (pinturas, tapetes e louças passaram incluir imagens da
flora, da fauna e retratos dos nativos das terras “descobertas” pelos europeus).
9 Para maior informação, ver FERRETTI, Mundicarmo (2000); FERRETTI, Sergio (1995); NUNES, Izaurina (2003).
Boletim 36 / dezembro 2006 7
CONTINUAÇÃO
CONTINUAÇÃO
Nos últimos anos tem havido muita antigos que, no processo de adaptação às Os exemplos apresentados parecem
reclamação sobre o comportamento de demandas turísticas, como estratégia de suficientes para mostrar que a inclusão
pessoas de fora e de turistas que têm ido sobrevivência, abandonam as formas tra- de festas e rituais religiosos em calendá-
a Alcântara por ocasião da Festa do Divi- dicionais e passam a imitar os grupos mais rios turísticos tem que ser feita com cau-
no. Os terreiros de mina freqüentemen- jovens (o que ocorre freqüentemente após tela, principalmente quando ocorrem
te se sentem também agredidos pela pre- o falecimento de seus criadores). em locais privados (como em terreiros de
sença de pessoas de bermuda ou de rou- religião afro-brasileira).
pa preta nas festas, e reclamam de pesso- A INCLUSÃO DE RITUAIS RELIGIOSOS
as atravessando o barracão durante a rea- AFRO- BRASILEIROS EM CALENDÁRIOS CONCLUSÃO
lização de rituais, geralmente em busca TURÍSTICOS
de melhor ângulo para as suas fotos ou A interação entre turismo e religiosi-
de melhor local para as suas gravações de Os rituais religiosos afro-brasileiros, dade popular é problemática e precisa
áudio, que às vezes são até proibidas. há muito, vêm sendo objeto de atenções ser acompanhada pelos produtores cul-
Um outro problema gerado por essa de não devotos, atraídos pela beleza de turais, técnicos e responsáveis pela for-
participação é o risco da introdução de suas danças, músicas e indumentárias mulação de políticas públicas, para que
mudanças nas festas e rituais religiosos etc. Esse interesse (embora às vezes seja o primeiro não venha a causar danos à
para satisfazer o gosto daquela clientela fruto do desconhecimento de sua verda- segunda. A participação intensa de turis-
passageira ou para adequá-los à sua dis- deira natureza ou da redução daqueles tas em uma atividade religiosa pode le-
ponibilidade de tempo, o que levaria rituais a espetáculos para diversão das var a substituição dos seus motivos e des-
fatalmente, mais cedo ou mais tarde, à camadas populares) foi e continua sen- virtuá-la facilmente, se os motivos para a
transformação da festa religiosa em puro do legitimada por vários pais-de-santo e, sua realização forem substituídos por in-
espetáculo para turista. Os cânticos dos na maioria das vezes, parece que não teresses econômicos. Mas, enquanto os
rituais e festas religiosas populares, por tinha um impacto muito negativo sobre devotos conseguirem encarar com natu-
exemplo, além de longos, costumam ser as religiões afro-brasileiras. É possível ralidade a presença de turistas em suas
repetidos muitas vezes, sem problema que no passado os próprios líderes religi- festas e rituais, e continuarem realizan-
para os devotos, pois costumam estar ali osos tenham procurado atrair aquela cli- do essas atividades por promessa, obriga-
sem nenhuma pressa, uma vez que es- entela no intuito de reduzir o precon- ção, tradição ou por prazer, o turismo não
tão cumprindo uma obrigação ou estão ceito existente nas camadas sociais mais
deverá afetá-las grandemente.
ali por devoção, daí porque costumam altas sobre aquelas religiões.
O risco maior de interferência nega-
participar deles integralmente, do ini- Atualmente a presença de “não de-
tiva do turismo sobre a religiosidade po-
cio ao fim. Mas constituem um grande votos” nos terreiros tem crescido graças
pular surge quando os produtores cultu-
problema nas programações turísticas. à integração de programação de insti-
rais tradicionais deslocam o foco de sua
Como é bastante conhecido, as fes- tuições que atuam na área de turismo, o
atenção para os expectadores externos
tas e rituais da cultura popular, além de que tem sido objeto de críticas e de pre-
(os turistas), encarando-os como motivo
longas, costumam ter data, hora e local ocupações de líderes religiosos. Não ra-
especial de orgulho (já que são geralmen-
determinados por motivos religiosos ou ramente se ouve falar em São Luís, com
te de classe social superior a deles) ou
pela tradição, razão pela qual nem sem- um tom crítico, em terreiros “de turis-
pre se adéquam à programação turísti- tas” e em rituais “para turistas” realiza- como oportunidade de lucro.
ca. Os que ocorrem à noite, por exem- dos naquelas casas. E, como os terreiros
plo, não costumam acabar antes do ama- vinculados à programação turística cos- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
nhecer, até porque durante a madruga- tumam passar por um acentuado proces- ANDRADE, Mario. Musica de feitiçaria no
da os transportes coletivos são poucos e so de mudança, é também grande a re- Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; Brasília: INL/
muitas pessoas são obrigadas a perma- sistência encontrada nessa área em re- PROMEMORIA, 1983.
lação a programas do setor publico ou BOLETIM DE FOLCLORE, n. 32, São Luís,
necerem no local até de manhã. Por
agosto, 2005. (Agenda Cultural).
outro lado, existem etapas de festas ou de empresas que visem propiciar a visi- BOLETIM DA DE FOLCLORE, n. 34, São
rituais que só podem ser realizadas ao tação de turístas àquelas casas. Luís, junho, 2006. (Agenda Cultural).
escurecer, ao raiar o dia, ou nas “horas Em 2002, pesquisadores do GP- BOLETIM DE FOLCLORE, n. 35, São Luís,
grandes” – 6, 12, 18 e 24 horas. Mina, realizando pesquisa de levanta- agosto, 2006. (Agenda Cultural).
mento para a FUMTUR, encontraram FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na Guma:
Existe mais um problema para a reli- o caboclo da Mina em um terreiro de São Luís.
giosidade popular, quando as festas pas- em alguns terreiros grande resistência São Luís: EDUFMA, 2000.
sam a despertar maior interesse turístico, em relação à sua inclusão na lista dos FERRETTI, Sergio. Religião e cultura popu-
o surgimento de grupos motivados apenas que poderiam receber turistas, temen- lar: festa da cultura popular na religião afro-bra-
pela demanda mercadológica. Sem ne- do o controle dos coordenadores de pro- sileira do Maranhão. Vídeo. São Luís, 1995 (17’).
gramas e mudanças por eles impostas em NUNES, Izaurina (org.). Olhar, memória e re-
nhum compromisso religioso, esses grupos flexões sobre a gente do Maranhão. São Luís:
têm toda liberdade para criar e recriar em relação a seus calendários das festas e CMF, 2003.
cima da cultura tradicional e, às vezes, rituais, pois, segundo eles, “nos terreiros RODRIGUES, Raimundo Nina. O animismo
alguns terminam se destacando mais do toda mudança tem que ser solicitada ou fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro,
que os tradicionais e até influenciando os aprovada pelas entidades espirituais”13. Civilizações Brasileiras, 1935. (Original de 1896).
13 Em 2002, coordenamos um trabalho do GP-Mina (grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA), para a FUMTUR (Fundação
Municipal de Turismo de São Luís) o levantamento de informações gerais e o calendário de festas e rituais públicos de trinta terreiros de São Luís, com vista a fornecimento
de informação a turistas interessados em religião afro-brasileira. O trabalho, solicitado pela Fundação Municipal de Turismo (FUMTUR – São Luís-MA), foi realizado por
três membros do grupo de pesquisa, com a nossa orientação, e envolveu 30 terreiros da ilha de São Luís (a maioria da capital). Pelo menos 50% desses terreiros já haviam
sido pesquisados de forma sistemática por estudantes ou pesquisadores maranhenses e vários deles já eram conhecidos na literatura especializada e/ou havia sido
cadastrados pelo Centro de Cultura Domingos Vieira Filho (ligado à administração estadual) como produtores de folclore, pela realização anual de Festa do Espírito Santo,
Bumba-boi de encantado, Pastor etc.
Boletim 36 / dezembro 2006 9
TAMBOR DE BORÁ
representação do índio em terreiros de Mina do Maranhão14
Jacira Pavão da Silva15
O Tambor de Mina é a principal ma- res. Para Cacciatore, o caboclo pode ser da Santo Antônio (Pai Tote – Cruzeiro
nifestação religiosa de origem africana ainda um nome genérico para espírito do Anil), Tenda Cosme e Damião (Mãe
do Maranhão. Tem nas centenárias Casa aperfeiçoado de ancestrais indígenas Maria Augusta – Lira) e Tenda Rainha
das Minas (jeje, daomeana) e Casa de brasileiros (CACCIATORE, 1988, p.73). de Iemanjá (Pai Bita do Barão – Codó-
Nagô (iorubana) os focos de maior repre- Esse mestiço pode ter sido encarado MA), constatamos na representação des-
sentatividade. Apesar do tradicionalis- como “personificação e divinização de sas entidades traços como: pular, gritar
mo inerente a elas, só a Casa das Minas- tribos indígenas, segundo o modelo dos e expressão fisionômica fechada que os
Jeje se mantém “pura” em relação ao cultos populares de orígem africana, aproxima da imagem dos caboclos/ín-
culto a entidades africanas trazidas por paramentado, porém, com trajes cerimo- dios (dono da terra) no Candomblé de
seus fundadores, em meados do século niais dos antigos tupis”, segundo FER- Caboclo e na Umbanda. Mas no Tam-
XIX. Os membros daquela casa não ad- REIRA (1975, p.33). Mas, como esclare- bor de Mina o povo-de-santo e os mé-
mitem cultuar outras entidades que não ceu Mundicarmo Ferretti, o caboclo da diuns incorporados durante os rituais, e
sejam os voduns16, continuando assim a mina pode ser turco ou filho de reis eu- até mesmo fora deles, não aceitam a
tradição africana de suas fundadoras e ropeus (FERRETTI, M., 1993). identificação de caboclo com índio, pois
reafirmando a sua identidade jeje – per- Na Umbanda18, resultante da mistu- ali “índio, é índio” e “caboclo, é cabo-
manecendo fechada à “caboclização”, ra de diversos elementos religiosos de ori- clo”. Em conversa com Dona Maria (ze-
tal como ocorre, na Bahia, em alguns gem européia, africana e também indí- ladora do Terreiro da Portas Verdes), ob-
terreiros tradicionais. Mas, apesar do gena, referida por José MAGNANI (1991, tivemos a seguinte explicação:
Tambor de Mina ter sido fundado por p.13) como “duvidosa inspiração indíge-
“Alguns anos atrás, durante o Borá, che-
negros africanos, o culto não ficou imu- na”. Nela, segundo o mesmo autor, en- gou uma senhora aqui no barracão que
ne a influências externas, tal como a contramos os espíritos de antepassados estava em transe com caboclo. Quando
ameríndia, observada mais claramente dos bantos (os pretos-velhos) e entidades os índios perceberam do que se tratava,
na Cura/Pajelança e no Tambor de ameríndias – os caboclos que estão distri- imediatamente avançaram em cima do
Borá, realizados em alguns terreiros buídos em aldeias, reinos, tribos e, em caboclo, só não aconteceu coisa pior por-
maranhenses, e a européia, demonstra- vez de formarem um sistema, justapõem- que eu, os abatazeiros e outras pessoas
da pela presença de entidades espiritu- se entre si (MAGNANI, 1991, p.33). da casa conseguimos com muito custo
ais gentis17, como D. João e D. Sebasti- Na Umbanda a entidade africana controlar os índios, foi aí que retiramos o
ão e outras. Na Casa de Nagô, apesar de que se apresenta mais próxima da con- médium do barracão e conseguimos fa-
zer o caboclo subir. Este dia eu nunca
ter sido fundada por africanas, existe cepção de índio e dos seus traços é Oxos-
vou esquecer, foi muito horrível”.
também o culto aos caboclos (entidades si – que tem como atividade a caça; seu
espirituais brasileiras). domínio é o mato; suas armas são arco, Na Mina, um não se confunde com
O modelo da Casa de Nagô espalhou- flecha e lança; sua planta é espada de o outro. O índio não é caboclo e nem
se rapidamente e foi adotado por mui- São Jorge. Na Umbanda Oxossi é consi- sempre os caboclos têm origem indíge-
tas terreiros, exceto pela Casa das Mi- derado “Rei dos Matos” e comanda uma na, pois alguns são turcos ou franceses,
nas-Jeje, que continua sem receber ca- linha de caboclos, adornados com mui- embora tenham sempre alguma relação
boclos em seus rituais. Nos outros terrei- tas penas, cocares e outras marcas con- com índio, como se pode ver no relato
ros afro-maranhenses, independente da vencionalmente atribuídas aos indígenas mítico dos turcos:
denominação adotada (Mina, Umban- (MAGNANI, 1991, p.152). Como foi dito “O Rei da Turquia, perdido em águas
da, Candomblé, Terecô, Encantaria ou anteriormente, na Umbanda, a represen- maranhenses foi encontrado pelo índio
Mata de Codó) há transe mediúnico com tação mais próxima dos índios que são Sapequara que o levou para a sua aldeia
entidades caboclas. homenageados no Borá realizados nos e cuidou dele, e dali nasceu uma grande
CASCUDO (1962, p.156), CACCIA- terreiros de São Luís, é a figura de Oxos- amizade entre os dois a ponto de serem
TORE (1988, p.73) e FERREIRA (1975, si, mas o próprio culto umbandista ad- muito confundidos, assim como seus fi-
lhos, turcos = caboclos e índios” (FER-
p.33) definem o caboclo como um indí- mite ser mais um culto a caboclo do que RETTI, M. 1993, p.184-185).
gena civilizado que se originou da mis- a orixás nagôs. Observando algumas ca-
cigenação étnica do branco português sas de culto afro no Maranhão de influ- Além de muitos caboclos não-indíge-
(europeu) com o índio (nativo) e que não ência umbandista como: Terreiro de Ie- nas apresentarem “traços” e adotarem
é autóctone, como sugeriu alguns auto- manjá (de Pai Jorge - Fé em Deus), Ten- nomes indígenas, como Tabajara, Jagua-
14 Versão reduzida de trabalho apresentado no 10º Congresso Brasileiro de Folclore – São Luís-MA, 18-22/6/2002. Retoma monografia de conclusão do curso de graduação
em História (SILVA, 1999).
15 Licenciada em História; membro do Grupo de Pesquisa “Mina” /UFMA.
16 O termo vodum é usado para designar as entidades da encantaria africana (jeje, como Dossu, nagô, como Xangô, cambinda, como Vandereji) e às vezes de forma genérica,
para designar as entidades mais antigas e prestigiadas recebidas no tambor de mina (FERRETTI, M. 1995, p.07).
17 Entidades Gentis são entidades espirituais míticas recebidas nos terreiros maranhenses que têm origem nobre.
18 Umbanda – religião formada no Brasil por um seleção de valores doutrinários e rituais, feitos a partir da fusão dos cultos africanos congo-angola, já influenciado pelo
nagô, com a pajelança (dando um primeiro tipo de candomblé de caboclo) sofrendo ainda influência dos malês islamizados, do catolicismo e espiritismo (atualmente há
uma linha ritual em certos centros de Umbanda, com a mesa e recepção mediúnica de espíritos de mortos comuns, muito próximo do kardecismo) e, posteriormente, do
ocultismo (CACCIATORE, 1988, p. 242).
10 Boletim 36 / dezembro 2006
CONTINUAÇÃO
rema e Tapindaré, alguns caboclos po- outras entidades o que, segundo o povo- to forte que chega com muita força e
dem vir também em ‘linha de índio’, de-santo, acontece devido ao fato de se energia, e por, na maioria das vezes, che-
como é o caso da entidade espiritual Tom- apresentarem de maneira selvagem, garem zangados. Mesmo assim, este ri-
bassé, da família do Rei da Bandeira, que agressiva e até malvada. E em outras tual consegue atrair grande público du-
conhecíamos como cabocla e que na Ten- denominações afro-brasileiras ele é des- rante sua realização.
da Santo Antônio, se apresenta como ín- tituído de sua individualidade e é visto O Tambor de Borá aparece como uma
dio (MENEZES, 1998). Na Cura, ritual como representante genérico de antigos forma de reinterpretação da religião in-
público e festivo da pajelança cabocla do habitantes do Brasil (CACCIATORE, dígena em terreiros de Mina, mas as en-
Norte, realizado em muitos terreiros de 1988). FERREIRA (1975, p.164) define tidades indígenas são mantidas separadas
São Luís, onde o pajé (ou curador), incor- o índio como sendo um aborígine da das entidades tidas como civilizadas (vo-
porando entidades espirituais de diversas América, definição usada de forma mais duns e orixás) e dos nobres e caboclos,
linhas, canta, dança, e toca maracá du- corriqueira no meio acadêmico. Mas nos que se aproximam mais dos civilizados.
rante a noite toda (FERRETTI, M. 1993, terreiros de Mina, embora os índios se- Os índios são, geralmente, represen-
p.343), há também “descida” de entida- jam admitidos desse modo genérico, são tados nos terreiros como selvagens ma-
des indígenas, como Índia Taquara e o representados com algumas diferenças ranhenses, daí a existência de uma aver-
Índio Preto, recebidos no Terreiro das Por- grupais (como tribo Urubu, Guajajara e são a eles por parte do povo-de-santo, o
tas Verdes, conforme nos foi informado Tabajara) e, às vezes, individuais. que causa muita tensão antes da incor-
em entrevista. A deformação ideológica do índio poração. Mas, de modo geral, as entida-
Mas, em conversa com um médium imposta pelo colonizador europeu, num des indígenas são representadas mais
em transe com caboclo, a diferença en- conjunto ideológico, atravessou os sécu- como espíritos guerreiros e feiticeiros.
tre índio e caboclo foi afirmada quando los até chegar aos terreiros de culto afro- Guerreiros, pelo fato de sempre estarem
ele revelou não gostar dos índios porque brasileiro, onde às vezes o índio é trata- travando uma luta imaginária contra
os mesmos não se comportam “bem” do como um indesejado, apesar de pos- uma força maligna que vem a terra se-
como os caboclos: suir um lugar no seu contexto classifica- mear o mal, e feiticeiros porque têm a
tório e de ter seus próprios rituais. En- incumbência de limpar o terreiro ou
“Eu não gosto daquele urubus (índios)
porque eles se deita no chão, se rola. A
quanto isso, na mina, o caboclo é aque- mesmo indicar remédios aos médiuns
gente (caboclo) não faz isso não, caboclo le que está presente em quase todos os (‘cavalos’). Com respaldo em nossa pes-
não faz dessas coisas” (Terreiro das Portas toques, podendo ‘baiar’ na mesma roda quisa de campo, admitimos ser a pre-
Verdes, 08/07/1997). com outras entidades e podendo ser até sença do índio guerreiro maior do que a
‘dono da cabeça’ do médium que o re- do feiticeiro, nos terreiros maranhenses.
Se, na hierarquia de “descida” nos ri- cebe naquele momento. Apesar da dis- Segundo Mundicarmo Ferretti, por
tuais de mina e no grau de domínio na criminação, as entidades indígenas “des-
cabeça dos médiuns os caboclos são in- volta de 1945, o Borá, também conhecido
cem” em vários terreiros maranhenses. como Tambor de Índio, Canjerê ou Festa
feriores, embora participem de quase Tivemos oportunidade de observar sua
todos os rituais e passem a ‘baiar’ na roda de Índio passou a ser realizado em terrei-
presença em rituais especiais nos seguin-
com vodum, orixás e gentis, imagine o ros de Mina de São Luís. Tudo indica que
tes terreiros: Terreiro das Portas Verdes -
lugar reservado na mina às entidades in- foi introduzido pela mãe-de-santo Denira
Zé João (falecido), Terreiro de Iemanjá
dígenas, que nos terreiros de mina do (já falecida), conforme afirma a autora:
– Jorge Itaci (falecido), Terreiro Fé em
Maranhão, assumem caráter marginal. Deus – Elzita, Tenda Cosme e Damião “Há unanimidade de que o Borá come-
Apesar de serem recebidos em ritu- – Maria Augusta (falecida), Tenda de çou a ser realizado por Denira, mãe-de-
ais especiais (Tambor de Índio) do ca- Santo Antônio – Tote, Tenda de Ieman- santo de Vó Miçã (Nanã) iniciada por
lendário de algumas casas de mina, o já – Bita de Barão (Codó) e Casa Fanti- Zacarias, ex-alabê (tocador de cabaça) da
índio é recebido com “linha fechada” Casa de Nagô, preparado no Terreiro do
Ashanti – Euclides.
para a Mina. Assim, quando o ritual Egito com uma entidade da mata deno-
O Tambor de Borá é um ritual reali- minada Rei Surrupira” (FERRETTI, M.
chega ao fim, toca-se uma ou várias noi- zado anualmente em terreiros maranhen- 1991, p.03).
tes para fechamento de linha ou corren- ses, independente da dominação (Mina,
te do índio e “abre-se a corrente da Umbanda, Cura e Mata de Codó), em De acordo com Rosário SANTOS
Mina”. Com a linha aberta para Mina, homenagem ao “povo da mata” (entida- (1989), o Terreiro de Zacarias deu ori-
há descida dos voduns, orixás, gentis e de espiritual indígena). O Tambor de gem ao Terreiro de Denira e também ao
caboclos e pode se passar às obrigações Índio, como é mais conhecido, é reali- de Ângelo, que preparou Zé João19, e
ritualistas ‘mineiras’. Essa segregação das zado tanto em terreiros abertos por ‘mi- lhe entregou a ‘linha do índio’, confor-
entidades indígenas aparece de modo neiros’, como em casa aberta por cura- me Dona Maria de Jesus Sodré (sua viú-
muito claro no Tambor de Mina do Ma- dores/pajés para reverenciar espíritos va e atual zeladora do Terreiro das Por-
ranhão. As entidades que se apresentam indígenas que ali não são classificados tas Verdes – Terreiro da Boa Fé, Espe-
incorporadas em rituais indígenas são como eguns (espíritos de mortos) e sim rança e Caridade).
mantidas separadas de outras entidades como encantados. Apesar de serem fes- A representação dos índios que são
de origem africana (voduns e orixás) ou tejados anualmente, os índios são ali recebidos durante o Tambor de Borá,
de origem não africana (caboclos, ciga- bastante temidos pelos participantes e parece não diferir muito da encontrada
nos e moças). O índio, enquanto entida- pelos médiuns que “carregam essa li- por nós em fontes primárias do século
de espiritual, é separado do convívio de nha”, por se tratar de uma corrente mui- XIX: relatórios dos Presidentes da Pro-
19 Pai-de-santo já falecido, fundador do Terreiro das Portas Verdes, que foi nosso objeto de estudo.
Boletim 36 / dezembro 2006 11
CONTINUAÇÃO
Foto: Mundicarmo Ferretti
víncia, mensagens dos Presidentes da mento de obrigação às entidades da mata.
Província e leis (SILVA, 1999). Esses do- O Tambor de Borá sempre tem um
cumentos comprovam o caráter margi- santo católico como padroeiro que, nas
nal que possuíam os “índios” na socieda- Portas Verdes é São José dos Índios20. Mas,
de brasileira da época, que na documen- nesse ritual são, acima de tudo, reveren-
tação oficial eram taxados a todo o mo- ciados os espíritos indígenas, também
mento de selvagens e animais. classificados como índios brasileiros.
Nos terreiros de mina que possuem a
linha dos índios, percebemos também Tambor de Índio ou Borá no
claramente essa discriminação. Essas Terreiro das Portas Verdes
entidades são recebidas somente uma vez
por ano e em toque especial, onde não Nas Portas Verdes, o primeiro Tam-
há presença de orixás, voduns e cabo- bor de Índio foi realizado no Sítio da
clos. Neste particular, os índios apresen- Conceição (Vila Maranhão). Segundo
tam-se diferentes dos caboclos e gentis, Dona Maria, viúva de Zé João, seu ma-
entidades também não africanas, que rido recebeu essa linha na Casa de Seu
são recebidas constantemente durante Ângelo. Ela não nos soube informar,
os toques de tambor de mina, podendo entretanto, em que circunstâncias isso 9) Índio não dança de rosário (colar de
ser os donos da cabeça de seus “cavalos”. aconteceu. Dona Maria, nos informou mina);
Durante o Tambor de Borá, o índio apos- ainda que o Borá, que é realizado hoje 10) A indumentária usada durante o
sa–se do médium temporariamente, pas- no Terreiro da Boa Fé, Esperança e Ca- Tambor de Borá varia, pode ser de
sando a ser o dono da cabeça dele ape- ridade não difere muito do que era rea- pena, tecidos finos ou palha;
nas durante o ritual. lizado anteriormente nos sítios, e que 11) Em algumas casas os índios reali-
No mito de origem do caboclo da tinha a seguinte programação: zam, no Borá, atos chocantes como:
Mina, contado por Pai Euclides Meneses, 1) Sábado (1ª noite): Toque de Tam- pisar em brasa, deitar em espinhos,
o índio Sapequara foi integrado ao tam- bor de Borá (após sete dias de acampa- comer pombos vivos;
bor de mina como Caboclo Velho, através mento); 12) Durante o ritual há um intervalo
de um processo de aculturação que lhe 2) Domingo (2ª noite): Procissão de para ser servida às entidades sua co-
mida de obrigação, geralmente angu
garantiu a possibilidade de aparecimento São José dos Índios; Toque de Tambor
com molho de pimenta e cauim;
mais freqüente durante os toques. Mas, de Borá; Cama de espinhos no barracão;
13) As letras das doutrinas (músicas) são
Caboclo Velho “deixando” de ser índio e 3) Segunda-feira (3ª noite): Toque de curtas (às vezes monossilábicas);
tornando-se um caboclo (índio acultura- Tambor de Borá; Passagem sobre o fogo; 14) No Tambor de Borá existem várias
do), sofreu uma descaracterização como Despedida. cores que simbolizam uma tribo e
indígena. Por causa dessa origem indíge- O ritual apresenta as seguintes carac- não uma entidade;
na o caboclo tende a ser considerado ín- terísticas gerais: 15) O ritual também pode ser realizado
dio, apesar de muitos deles serem estran- 1) Pode ser realizado durante 1, 2 ou 3 em meio a um ciclo festivo do ter-
geiros, como é o caso dos turcos. dias; reiro;
Processo idêntico ocorreu no Brasil 2) É um ritual realizado com “linha da 16) Há uma grande variação de instru-
com o índio “de carne e osso”, que era mina fechada”, ou seja, não há des- mentos musicais durante o Tambor
considerado o oposto do ser ocidental e cida de outras entidades como vo- de Borá;
que começou, lentamente, a ser aproxi- dum, orixá e caboclo; 17) A coreografia apresentada pelas en-
mado desse ideal de humanidade, como 3) O índio não tem linguagem articu- tidades além de ser diferente da re-
um órfão, um tutelado, enfim, como se lada, alguns raramente ‘doutrinam’ alizada pelas entidades caboclas, é
fosse uma espécie de filho bastardo de (puxam cânticos); muito repetitiva;
18) As doutrinas (músicas) são bastante
um pai angustiado e culposo (GOMES, 4) O toque é contínuo e acelerado (só
repetitivas também, chegando a ser
1991, p.98). Tambor de Borá é um ritual pára durante os intervalos);
repetidas cerca de dez vezes ou mais;
realizado uma vez por ano para entida- 5) A dança é “frenética” e com muitos 19) As entidades indígenas não cumpri-
des indígenas em alguns terreiros mara- pulos e gritos; mentam o público e são cumprimen-
nhenses da capital como: Fé em Deus, 6) É precedido por acampamento, que tadas somente dentro da toca (rara ex-
Tenda Cosme e Damião, Terreiro de Ie- pode ser feito no mato ou no próprio ceção, quando estão se despedindo);
manjá, Tenda Santo Antônio, Casa Fan- terreiro longe da guma (barracão de 20) Todas as pessoas (assistência, abatazei-
ti-Ashanti e Terreiro das Portas Verdes, e mina); ros e médiuns) que participam dire-
no município de Codó, na Tenda Espíri- 7) Os índios têm como protetores san- tamente do ritual fazem abstinência
ta de Umbanda Rainha de Iemanjá (Pai tos católicos como São Miguel, São sexual desde o acampamento;
Bita), e outros. No Terreiro das Portas José dos Índios, São Sebastião; 21) Não usam toalhas (peças obrigatóri-
Verdes, o Tambor de Borá passou a ser 8) É construída no terreiro uma toca as na mina tradicional, após a incor-
realizado a partir de 1959, como paga- para cumprimento de obrigação; poração).
20 Segundo Dona Maria a imagem existente na casa, que é homenageada durante o segundo dia do Tambor de Borá, em que há procissão, não é São José dos Índios, mas
sim São José das Laranjeiras. Alguns anos atrás, a verdadeira imagem foi quebrada e Dona Maria, para não deixar o andor sem a imagem, resolveu mandar confeccionar
o santinho, só que a pessoa que fez a enganou e tudo só foi descoberto muito depois, quando uma entidade, durante o Tambor de Borá, chamou atenção para o ocorrido,
ou seja, falou que a imagem não era de São José dos Índios. Mesmo assim, permanece até hoje no andor da procissão, durante o Tambor de Índio, e poucas foram as
pessoas que perceberam que trata-se da imagem de São José das Laranjeiras.
12 Boletim 36 / dezembro 2006
CONTINUAÇÃO
Antigamente, quando vinham para sentem diferenças de terreiro para ter- zemos que a visão do índio nos terreiros
a toca eles ficavam em pé e então co- reiro, uma vez que cada casa de culto de mina de São Luís é muito mais posi-
meçavam a bater com os pés compassa- afro “tem sua própria “doutrinação” (sis- tiva uma vez que ele é encarado como
damente, de modo sincronizado. Sem tema), o que conseqüentemente leva as “dono da terra”, da mata brasileira.
demora, eles batiam com as mãos e can- entidades a terem um comportamento Apesar das entidades indígenas serem
tavam. Seu Aguncha e Seu Irabuã (re- diferenciado de terreiro para terreiro. associadas à selvageria, no Terreiro das
cebidos pelo pai-de-santo) cantavam Os índios também se diferenciam das Portas Verdes, atualmente este compor-
muito. Como nos relatou Dona Maria, demais entidades recebidas nos terrei- tamento selvagem vem dando lugar a
eles gostavam de cantar essa doutrina: ros pela falta de parentescos com as outros mais civilizados. Ao ‘descer’ na
mesmas, o que já não acontece com os guma durante o Tambor de Borá, as en-
“Marimbeiro, Marimbeiro caboclos que apesar de serem “margina- tidades indígenas assumem a função de
A tua marimba não ganha dinheiro lizados”, tem parentescos distantes com mensageiro e feiticeiro (curador), para
Não ganha, não ganhou ajudar aqueles que necessitam de seus
alguns nobres (gentis) como D. João e
A tua marimba não ganha dinheiro”
D. Sebastião, e têm as “portas abertas” poderes espirituais, apresentando-se
Uma outra doutrina muito cantada na mina pelo vodum Averequete25. Na como um espírito de luz (guia).
durante o Tambor de Borá: mina as entidades que têm nomes indí- O deslocamento do terreiro de uma
genas, como é o caso de Tabajara, Ja- região rural para uma região urbana,
“Toca marimba - Marimbeiro guarema, geralmente não são índios e ocorrido em 1980 (SILVA, 1999, p. 71), oca-
Toca marimba - Marimbeiro
sim filhos de reis (como Rei da Turquia, sionou diversas mudanças no ritual e na
Que eu vou mostrar prá você
Rei da Bandeira e outros). representação das entidades, que tiveram
Que o meu patrão mandou dizer”
As entidades indígenas possuem que se ‘adaptar’ a um novo contexto. Ape-
No Terreiro das Portas Verdes os índi- comportamento muito diferenciado das sar dessas entidades terem passado por um
os possuem uma linguagem própria e, outras entidades da mina, e são discri- processo “civilizatório”, não podemos di-
na toca, os alimentos e objetos são cha- minadas nos terreiros, tanto que nunca zer que estão sofrendo um processo de “ca-
mados na “língua” deles: “meda” (mel), são as ‘donas da cabeça’ dos médiuns e boclização”, uma vez que continuam sen-
batatinha doce (batata doce), cocô (cer- só incorporam uma vez por ano, poden- do recebidas em rituais onde não há ‘des-
veja), cauim (cachaça), batidara (batida), do às vezes vir somente de dois em dois cida’ de caboclos e, elas não participam
roncabaracadi (rum), ága pêta (café como temos notícia de que está ocorren-
dos toques de tambor de mina.
amargo), bomboca (bombom)21 do na Casa Fanti-Ashanti.
O Terreiro da Boa Fé, Esperança e
Uma das principais características do Mas ao mesmo tempo em que o ín-
Caridade – Terreiro das Portas Verdes se
Tambor do Borá é a grande diversidade dio é descriminado na mina, ele é que-
rido e os terreiros se esforçam para reali- orgulha por ser um terreiro ‘puramente’
de instrumentos musicais que são utili-
zar sua festa da melhor maneira possí- mineiro, ou seja, de ainda não ter sofri-
zados durante a realização do ritual ali
vel. Encontramos aí uma grande dife- do a “contaminação” de outras religiões
na guma. São instrumentos do Tambor
de Borá nas Portas Verdes: 1 búzio (bu- rença da atitude dos presidentes provin- afro-brasileira como a Umbanda e o
zina)22; 1 marimba23; 2 ou 3 cabaças; 1 ciais dos Séculos XVIII e XIX em rela- Candomblé, o que talvez contribua para
tambor crivador (tambor de crioula); 1 ção à população nativa, para aqueles os acentuar as diferenças existentes na
tambor socador (tambor de crioula); 1 índios eram sempre desprezíveis e não mina, entre os índios e os caboclos, não
tambor da mata24 1 tambor guia (aba- tinham direito à liberdade e a perpetu- encontradas nem na Umbanda e nem
tá); 1 tambor contra-guia (abatá); 2 repi- ar sua cultura. É nesse sentido que di- no Candomblé de Caboclo.
repis (reco-reco); 1 gogozinho (campânu-
la); 1 triângulo; 1 cuíca. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de GOMES, Mécio Pereira. Os índios e o Brasil.
CONCLUSÃO cultos afro-brasileiros. 3ªed. Rio de Janeiro: Fo- 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
rence Universitária, 1988. LODY, Raul Giovanni. Candomblé: religião e
Apesar do tradicionalismo existente CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do resistência cultural. São Paulo: Ática, 1987.
na mina-jeje e na mina-nagô, a religião Folclore Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: INL, MAGNANI, José Guilherme Cantor. Umban-
de origem africana do Maranhão não 1962. da. São Paulo: Ed. Atica, 1991
FERREIRA, Aurélio B. Holanda. Novo Dici- MENEZES, Francisca F. de Sá. O Culto Afro-
ficou imune às influências externas,
onário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: brasileiro na Tenda Santo Antônio. São Luís:
como a cultura indígena, através da Nova Fronteira, 1975. UEMA, 1998 (Monografia do Curso de Histó-
Cura-pajelança, e apresenta elementos, FERRETTI, Mundicarmo M. R. Desceu na ria).
que não existiam na África, como espe- Guma. São Luís: SIOGE, 1993. SANTOS, Maria do R. Carvalho, SANTOS
cificamente o Tambor de Borá – objeto FERRETTI, Mundicarmo M. R. A Represen- FILHO, Manuel dos. Boboromina. São Luís:
de nossa pesquisa. tação de Entidades Espirituais não africanas SECMA,1989.
As entidades indígenas ao ‘descerem’ na Religião Afro-brasileira: o índio em terrei- SILVA, Jacira Pavão da. Tambor de Borá: a
nos terreiros de culto afro-maranhense ros de São Luís - MA. ANAIS DA 47ª REU- representação do índio na Mina maranhense.
NIÃO ANUAL DA SBPC, São Luís, v.1, p.61- São Luís: UFMA, 1999 (Monografia do curso
são apresentadas geralmente como sel-
67, 09 a 14 de julho de 1995. de História).
vagens, embora suas características apre-
21 Essas entidades são grandes apreciadoras de bombons finos. Quem quiser fazer um agrado que dê bombons a elas. No entanto, não gostam de refrigerantes.
22 Búzio –instrumento de sopro utilizado no Tambor de Borá para guiar os índios.
23 Marimba - o mesmo que berimbau; instrumento musical que não existe mais no Terreiro das Portas Verdes. Atualmente ninguém na casa sabe tocá-la. Antigamente,
quando Zé João era vivo, quem a tocava era seu Agenor, padrasto de Dona Maria, que hoje é protestante, mas assiste alguns rituais de mina.
24 O tambor da mata, tambor guia e contra-guia são cobertos com uma tolha listrada com as cores dos índios (verde, vermelho, azul e amarelo).
25 Nos toques da Casa de Nagô e de alguns terreiros de mina considerados dos mais tradicionais, antes de se cantar para caboclo, canta-se para o vodum Averequete.
Boletim 36 / dezembro 2006 13
26 Apresentado no XII Congresso Brasileiro de Folclore – Natal/RN – Curso de Atualização em cultura folclórica, 09/2006.
27 Especialista em Museologia; Secretaria da Comissão Maranhense de Folclore.
14 Boletim 36 / dezembro 2006
CONTINUAÇÃO
era um simples bodo, ou seja, distribuição por africanos jeje trazidos como escravos acompanhamento dos músicos. Derruba-
de óbulos - esmolas aos pobres - prática atri- para o Maranhão. Negros de “contrabando” mento do mastro – segunda-feira de Pente-
buída à Rainha Santa, venerada pelos por- pois na época já havia a primeira Lei (1831) costes, a noite é servido o jantar do império.
tugueses e a quem se creditam muitos mila- proibindo o tráfico negreiro. Em seguida começa a derrubada do mastro,
gres. É provável que o caráter distributivo Na festa a pomba e o mastro estão entre ritual realizado com muito cuidado para que
da festa - dar comida, bebida e lembranças os principais elementos simbólicos. A pom- o mastro não caia no chão, retiram-se o mas-
durante o desenrolar da festa – vigente até ba representando o Espírito Santo que te- taréu, a bandeira e a pomba e os entrega aos
hoje, seja herança da prática caridosa da Ra- ria aparecido aos apóstolos sob essa forma, padrinhos. Depois todos seguem para sala
inha Dona Isabel. segundo o Novo Testamento; e o mastro sim- onde é cantada a ladainha. Então começa a
No século XVII, sob o reinado de D. João bolizaria a cruz, representaria também os cerimônia de entrega das posses do império.
IV, é que se torna assembléia festiva. Toma fundadores da casa, ou chama a atenção para O imperador e a imperatriz vão sendo des-
ares de festa majestática, com corte organi- a casa que está em festa? Em seu livro Que- pojados de seus símbolos imperiais que são
zada, ganhando o seu principal personagem rebentan de Zomadonu, o professor Sérgio entregues às crianças que os sucederão. A
o título de imperador, título que Carlos V Ferretti cita Câmara Cascudo que se repor- terça feira é o encerramento, o lava-pratos
popularizaria na Península Ibérica, como ta a Claude D´Abeville para lembrar que os das caixeiras que realizam o serra toco, ca-
Imperador do Sacro Império Romano e Rei índios do Maranhão tinham uma tradição rimbó de velha ou carimbó de caixeiras. Ao
da Espanha. supersticiosa, recomendada pelos pajés para som das caixas cantam músicas de duplo sen-
A festa parece nas ordenações de Afonso afastar os maus ares, de fincar à entrada de tido - músicas indecentes, como algumas
V (período 1432-1481). Por volta de 1502-1557 suas aldeias, um madeiro alto, com um peda- dizem – e rebolam, mexem os quadris com
recebeu regulamentação de D. João III e tor- ço de pau atravessado por cima. bastante desenvoltura, considerando que se
nou-se festejo suntuoso, com cortejo régio, O ritual da Festa tem seis etapas: Aber- trata de senhoras com mais de 60 anos.
imperador e áulicos (outras figuras palacianas), tura das Tribunas, feita num domingo após O arroz de toucinho com camarão servi-
com o soberano gozando, em algumas cidades o sábado de aleluia – são trazidos para o altar do durante o carimbó tem seduzido o públi-
portuguesas e depois brasileiras, da prerrogati- os elementos da Festa como coroa, a pomba, co jovem e turistas.
va de ordenar a liberação de escravos. as caixas, a bandeira do Divino, as bandeiri- Enquanto na Casa das Minas o império
Esses dados são ressaltados em trabalho nhas e reúnem-se as crianças que represen- é ocupado por seis crianças: imperador, im-
do historiador maranhense Carlos de Lima, tam o império, as bandeiras, as caixeiras e o peratriz, mordomo régio, mordoma régio,
que cita como fonte Câmara Cascudo, men- pessoal encarregado da festa, com toque de mordomo mor e mordoma mor e a festa é
cionando que o mesmo considera a Coroa caixa e canto; comandado por Dona Celeste e dona Denil
do Divino, símbolo de autoridade celeste, Buscamento do mastro – feita numa tar- que detêm o saber do ritual da festa como
como o elemento que irá influir em diversos de de domingo duas ou três semanas antes obrigação da Casa.
folguedos brasileiros com personagens co- da Ascenção. No dia marcado reunem-se o Em Alcântara, revezam-se a cada ano,
roados, como: Reisados, Congos, Congadas, império, parentes amigos e um grupo de imperador e imperatriz, mordomo-régio e
Maracatus, etc. E que nesse sentido coloca homens para carregar o mastro que é trazi- mordoma-régia, adolescentes que represen-
que “Foi a imagem do “Rei coroado” dos Aviz do para a casa da festa. Levantamento do tam os festeiros. Os outros 11 personagens
a fonte de inspiração africana” mastro – realizado quarta-feira da Ascenção, do império são mordomos baixos e mordo-
a partir das 18 horas com muitos fogos. To- mas baixas. Tem, ainda, a figura dos mes-
E, situa também que o título de Impera-
dos esses rituais da fase preparatória são fei- tres-salas – senhores que detém a sabedoria
dor dado a D. Pedro I teve por base a populari-
tos com cânticos e toque de caixa; Dia da da festa, sendo vitais para a sua preservação.
dade do Imperador do Divino, por estar o povo
Festa – Domingo de Pentecostes – missa pela Em Alcântara é no Domingo de Pente-
mais acostumado a esse título que ao de Rei.
manhã. O império ricamente vestido, paren- costes, após a procissão, que encerra o ritual
A homenagem festiva ao Divino chega
tes, festeiros e amigos, após a missa, seguem da festa com a leitura do Pelouro, documen-
ao século XXI assumindo grande dimensão
em cortejo ao toque das caixeiras e banda de to onde consta os nomes dos novos festeiros.
e vitalidade na realidade cultural do Estado,
música, geralmente a pé, quando a casa fica No Maranhão diz-se que tem Divino o
com os seus imperador, imperatriz, mordo-
perto da Igreja. À porta da casa, o imperador ano todo porque algumas festas acontecem
mo régio, mordomo mor, vassalos, mestre-
e a imperatriz distribuem esmolas a 12 po- da Ascenção do Senhor ao Domingo de Pen-
sala, bandeireiro , bandeirinhas, anjos, mui-
bres. Ao entrar em casa dirigem-se ao mastro tecostes, mas quando a comemoração está
ta comida e doces especiais para a festa.
tocando , cantando e dançando. Após a sau- ligada a festejos de outros santos da Igreja
A festa do Divino evoca o episódio bíbli-
dação vão para o trono onde são saudadas Católica ou de entidades das casas de culto
co de Pentecostes quando o Espírito Santo
pelas caixeiras e só então vão para a mesa afro-maranhense que são príncipes, reis, ra-
manifestou-se aos apóstolos em forma de lín-
tomar chocolate com bolo. As refeições são inhas ou são devotos do Espírito Santo, a
gua de fogo. Por isso, até hoje o Domingo de
sempre acompanhadas por banda de música festa pode ocorrer em outros períodos – de
Pentecostes marca o ponto alto do ritual de
que tocam valsas. Á noite tem ladainha com janeiro a dezembro.
diversas festas maranhenses.
No Maranhão são 23 municípios com
150 festas registradas no cadastro Centro REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
de Cultura Popular Domingos Vieira Filho. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do LIMA, Carlos de. A festa do Divino Espíri-
As Festas do Divino consideradas mais anti- folclore brasileiro. 4. ed. São Paulo: Melhora- to Santo em Alcântara(Maranhão) . 2.ed.
gas são a da Casa das Minas - casa de culto mentos, 1979. Brasilia: Fundação Nacional Pro-Memória,
afro-brasileiro – e a da cidade de Alcântara. FERRETTI, Sergio Figueiredo. Querebentan 1988.
de Zomadonu: etnografia da Casa Minas. São MARANHÃO, Fundação Cultural. Centro de
A Festa do Divino na Casa das Minas Luís, EDUFMA, 1985. Cultura Popular Domingos Vieira Filho. Me-
FERRETTI, Sergio Figueiredo (Org.). Tam- mória de Velhos. Depoimentos: Uma contribui-
Presume-se que tenha sido no século bor de Crioula: ritual e espetáculo. 3.ed. São ção à memória oral da cultura maranhense. São
XIX, 1887, a fundação da Casa das Minas Luís: Comissão Maranhense de Folclore, 2002. Luís: LITHOGRAF, 1999.
Boletim 36 / dezembro 2006 15
PASTOR, PASTORAL:
impressões dos séculos XIX e XX
Roza Maria Santos28
CONTINUAÇÃO
tado Federal do PSD, de grande ferença de Pastoral pra Pas- das Dores Pereira – do Foto: Mundicarmo Ferretti
influência no estado, devido à tor é que o Pastoral começa bairro do Rio Anil,
sua particular amizade com Vi- com a representação desde continuidade da Pasto-
torino Freire Conforme José Anunciação do Anjo pra Nos- ral de Dona Efigênia,
Jansen, sa Senhora, em quadro vivo, citada por Seu Augus-
num palco, (...) até o nasci- to, muito famosa nas
“Ela usava músicas das can- mento de Cristo, aí começa o
décadas de 1930 a 1960;
ções napolitanas; na cigana, Pastor, é então que o Pastor
por exemplo, ela cantava
o Pastor Estrela do Ori-
costuma dançar num salão.
com música espanhola. Ti- E aí começa o dia, o Pastor- ente, de Dona Elzita
nha Pastores (era um conjun- Mestre, a Florista, os Cor- Coelho, do bairro do
to) que faziam parte do coro, dões, os Ciganos , Holande- Sacavém, criado a par-
o guia, esse iniciava a festa, ses, Africanos, vão represen- tir do grupo de Pastor
um casal de espanhois, um tando. Depois de todos jun- do Bairro de Fátima,
casal de galegos, um casal de tos só falta um personagem, antigo Cavaco; e o Pas-
ciganos. Cada um tinha sua que é a Pastora Perdida, Foi tor do Menino Jesus,
fala e o seu canto”. uma Pastora que ficou perdi- de Dona Lili – Aliete
da pelo campo. Depois ouviu Ribeiro de Sá – do bair-
Seu Augusto Aranha Medei- aqueles cantos e foi se apro- ro do João Paulo, que
ros, nasceu em 1907, em São ximando e vem dizer que es- tem suas origens no
Luís, e morreu, em 2000. Foi tava perdida, que queria ir na município de Guima-
presidente da Irmandade Bom romaria pra Belém. Aí então
rães, são os grupos tra-
Jesus dos Navegantes, era pro- ela entra no cordão da uma
dicionais mais conhecidos em
fundo conhecedor e praticante volta na varanda como se es- rante o mês de dezembro, esten-
tivesse caminhando pra Be- São Luís que apresentam o auto
do catolicismo popular e organi- dendo-se até o mês de janeiro,
lém. É o tempo que o palco natalino lembrando o nascimen-
zador das procissões da Quares- projetos para as festas natalinas
abre e aí já está Nossa Senho- to de Jesus Cristo.
ma e das festas do ciclo natali- do estado. A programação de
ra, São José, o Menino, que Em São Luís a apresentação
no. Erguia, anualmente, em sua 2006, tão festiva quanto instru-
quase sempre é representa- desses autos ainda é muito bem
casa, à Rua do Coqueiro, um tiva, começa com o Concerto
do por um boneco de celuloi- recebida pela população. Duran-
presépio aberto à visitação pú- para o Menino, em sua quarta
de, porque criança não te a época natalina que vai de 24
blica, que encerrava na noite de versão, que reúne 400 vozes de
agüenta ficar deitadinho ali. de dezembro a 6 de janeiro, as vi- corais infantis; a VIII Cantata
Santos Reis (06 de janeiro), com Tem burrinho... Tudo aquilo sitações aos presépios, danças de natalina – concertos com corais
a Queimação de Palhinhas, com- que faz parte do presépio. Pastor, Pastoral e Reis fazem par- adultos nas igrejas do centro de
posta de ladainha em latim, se- Então elas vem e quando se te dos festejos natalinos do Ma- São Luís; o IV Serenatal, con-
guida de distribuição de doces, encontram se ajoelham e fa- ranhão. A queimação de palhi- certos de músicas natalinas com
chocolates e mingau de milho. zem a oração, dão oferendas
nhas, ritual que exige a presença alunos e professores da escola de
Seu Augusto contava que hoje que trazem, as flores.... E de-
dos padrinho e madrinha do pre- Música Lilah Lisboa; o cortejo
os Pastores se deslocam de suas pois se despendem, vão em-
bora.(...). Quando é só Pastor sépio, o canto da ladainha, as lou- pelas ruas do centro da cidade
casas para dançar em praças, igre-
não tem esse quadro da vações e o hino de queimação de de Pastores, Reis e outras moda-
jas, mas isso não era comum
Anunciação. Quando é só palhinhas, encerra o ciclo. lidades de saudar o Menino Je-
(Memória de Velhos, Volume II,
Pastor se reza, oferece no pre- O Governo do Estado do sus, apresentados por grupos
páginas 158-161):
sépio. Na Hora que o Pastor Maranhão, através da Secretaria natalinos do interior e de São
“os Pastores eram sempre fei- dá a volta, abre lá um pano e de Estado da Cultura, sob a co- Luís; espetáculos teatrais e ain-
tos em casa. Por exemplo, ti- tem o presépio armado, e en- ordenação do Centro de Cultu- da concursos e exposições de ár-
nha o Pastor da Roda, da casa tão oferecem. Não é quadro ra Popular Domingos Vieira Fi- vores e de lapinhas que mostram
dos Expostos, ali na Rua São vivo. Os instrumentos que lho e da Comissão Maranhense as diferentes concepções de ár-
Pantaleão que nesse tempo acompanhavam o canto era de Folclore vem realizando, du- vores de Natal e presépio.
era dirigido por freiras. Era o pistom, era a rabeca, um
muito bonito. Tinha, tam- violão, um cavaquinho e um REFERÊNCIAS
bém, um Pastor muito anti- banjo, não tinha muita or- ALENCAR, Aglaé D´Avila Fon- mance. Introdução e Notas de Jo-
go, dos primeiros eu conheci, questra, não; era só uns qua- tes de. Danças e Folguedos; Ini- mar Moraes; Depoimento de Na-
que era o Pastor da senhora tro músicos ou cinco”. ciação do Folclore Sergipano. zareth Prado. 4.ed. São Luís:
Laura Belo, mãe de Saturni- 2.ed. Aracaju, 2003. ALUMAR. 1996.
no Belo. Esse era o Pastor da Pastor ou Pastoral, qual a di- AGRIFOGLIO, Rose Marie Reis. MARANHÃO, Fundação Cultu-
“sociedade”. Saiam todas as fi- ferença? Apesar de seu Augusto O folclore como patrimônio cultu- ral. Centro de Cultura Popular
lhas de Belo, era gente toda. fazer claramente a diferença, ral: o processo de construção ou o Domingos Vieira Filho. Memória
Tinha, ainda, outros Pastores nas apresentações de Pastor e tempo do folclore na era do des- de Velhos: Depoimentos. Uma
mais humildes que saiam dos Pastoral a que temos assistido cartável. ANAIS DO 12º CON- contribuição à memória oral da cul-
bairros , cantavam nos bair- GRESSO BRASILEIRO SE tura maranhense. Volumes II e III.
não notamos significativas dife-
ros, inclusive eu auxiliava na FOLCLORE. São Luís; Comis- São Luís: LITHOGRAF, 1997.
renças. O que notamos é que são Maranhense de Folclore, 2004. MEIRELES, Mário M. História do
organização de um Pastoral
umas tornaram-se mais espetá- CASCUDO, Luís da Câmara. Di- Maranhão. 3.ed. Atualizada. São
que era feito por uma família,
sendo que era noivo de uma culos, mais ricas e que grupos cionário do folclore brasileiro. 4. Paulo: Siciliano, 2001.
teatrais como a Companhia Bar- ed. São Paulo: Melhoramentos, NUNES, Isaurina Maria de Azeve-
das filhas. Era o Pastoral de
rica divulgam um Pastor reela- 1979. do. Os visitantes da hora do galo: um
Dona Epifania, na Camboa.
GRAÇA ARANHA, José Pereira estudo sobre o Pastor em São Luís.
Era muito bonito. De Pasto- borado. A Pastoral Filhas de Be-
da.1868-1931. O meu próprio ro- São Luís: FUNC, 1997.
ral mudou para Pastor. A di- lém, de Dona Dorinha – Maria
Boletim 36 / dezembro 2006 17
JANELA DO TEMPO
FOLKLORE DA DIAMBA 29
A maconha (Canabis sativa indica), é co- nita, herva, hemp, bang, kit, atchi e abanga, Pucha em seguida uma prolongada fumaça
nhecida no Maranhão sob o nome de diam- entre os índios americanos. e passa o boi a outro companheiro que recita:
ba, que em língua quimbunda, segundo J. Fumada em forma de cigarro ou num
Diamba matou Jacinto/ Rapaz tão brin-
Quintão, significa cânhamo. (Gramática de aparelho especial que lembra o narghileh cador!
Kimbundo, Lisboa, 1934, p. 206). turco, a diamba é um excitante poderoso e Sentença de mão cortada/ Pra quem di-
Está o termo abonado em diversos auto- de feitos tóxicos como o ópio. amba plantou.
res maranhenses. Em Viriato Correia, nes- Entre nós os pescadores não dispensam
te lanço de seu excelente livro de contos re- o uso da herva e fumam isoladamente ou Ao que o companheiro imediato retru-
gionais Minaretes: “Depois, num domingo constituídos em espécies de clubes. ca, dando a sua tragada:
em tempo de colheita, quando em casa, des- O cigarro chamam de soró e o aparelho É mentira de quem disse/ Ela não tinha
cansando da semana trabalhada, pitava a especial denominam de boi ou marica, que esse puder
cabeça da diamba...” (São Luís, 1902, p. 42). nada mais é do que o grogoió (rogoli) descri- Jacinto já tava duente/ Quando veio es-
E em Dunshee de Abranches, no romance to pelo Dr. Rodrigues Doria em monografia falecer.
histórico A Setembrada: “É o pescador Cyri- clássica. (“Os fumadores de maconha, efei-
no, disse Launé; está na sua semana de delí- Um outro viciado, velho pescador enca-
tos e males do vício” In Revista Americana,
rios da diamba”. (Rio, 1933, p. 344). necido da faina no mar, recita alto:
Ano VI, n. 2, nov. Rio, 1916).
Há extensa sinonímia, referida em tra- Em Pernambuco o grogoió é feito de uma Quem vai pró má e não leva/ Seu cigarro
balhos de Rodrigues Dória, Aquilles Lisboa, de diamba
garrafa, “cuja rolha possui dois orifícios, pe-
Eleyson Cardoso, Regalo Pereira e outros. Do má não traz prá comê/ Panemice lhe
los quais penetram dois canudos, um dos
Estudaram-lhe exaustivamente a origem, dá lamba.
quais mais comprido que vai até a água exis-
universalidade, idade respeitável de seu uso
tente no fundo da garrafa e no qual se põem Exaltando o poder maravilhoso da cana-
em cerimônias mágico-religiosas ou simples-
as folhas e outro bem mais curto, pelo qual bis, propiciadora de “paraísos artificiais”,
mente para a obtenção do estado de euforia,
se aspira a fumaça” (Jarbas Pernambucano – como confessou Bodelaire, um dos seus mais
os drs, Raul Esquivel Medina e Miguel E.
Gonzáles, de Iucatan, México, em artigo es- “A maconha em Pernambuco”, In Novos célebres apologistas, outro fumante canta:
tampado na Revista de Farmácia de Cuba e Estudos Afro Brasileiros, Rio, 1937, p. 190).
Os fumantes no Maranhão, como em Se não fosse esta herva/ Qui veio lá do Pará
depois transcrito em La Farmácia Chilena Nós não tava satisfeito,/ Nós não tinha
(Ano XXVI, nº 6, junho, 1952). outras áreas do país, se organizam em clubes
qui fumá.
A respeito de seu uso em práticas rituais e seguem um verdadeiro ritual quando se
Manuel Querino informa que a maconha, trata de fumar a diamba no boi, cuja descri- O Dr. Eleyson Cardoso recolheu no vale
de mistura com outras hervas, entrava na ção circunstanciada pode ser lida no verbe- do Mearim, de um clube de maconheiros,
composição do decocto que servia para a te BOI. estes versos antes das duas primeiras quadras:
cerimônia da “lavagem” da cabeça da “yauô”, Quando marcam as sessões todos os fu-
O’ diamba sararamba/ Quando eu fumo a
no candomblé bahiano (Costumes africanos mantes devem levar ao local escolhido uma diamba
no Brasil, Rio, 1938). provisão da herva. O presidente, sempre o Fico com a cabeça tonta/ E com as mi-
Alem da designação africana, a diamba é mais velho dos fumantes, inicia a sessão colo- nhas pernas zamba.
conhecida aqui como maconha, herva mal- cando a braza e a maconha no fornilho do Diamba matou Jacinto/ Por ser bom fu-
dita, herva do diabo. Diamba, porem, de boi, chamado de cabeça. Sentam-se em segui- madô;
emprego generalizado e há mesmo o deriva- da em círculo e antes de começar a aspiração, Sentença de mão cortada/ Pra quem Ja-
do diambar, significando fugir, escafeder-se, conversam a respeito de incidentes da pesca- cinto matou.
cair no mundo, talvez por analogia com es- ria. Iniciada a sessão, o presidente dá as pri-
tado de fuga que a maconha possibilita aos As que estampamos aqui nos foram en-
meira baforadas e passa o boi para o primeiro viadas de Cururupu pelo saudoso tupinólo-
viciados. Está em Fulgêncio Pinto, Dr. Bru-
da direita, que por seu turno, passa ao imedi- go Liberalino de Miranda. É possível que
xelas, p. 140): “... aos gritos escarreiravam o
ato até chegar ao último do círculo. Se a car- tenham sido transplantadas por embarcadi-
Bruxelas que diambava pros lados do bêco
de Santo Antônio”. ga de herva terminar nas mãos de um dos fu- ços para o vale do Mearim. A viagem das tro-
Mencionemos em seguida a sinonímia mantes este é obrigado a renová-la com a sua vas é fabulosa, inevitável e elas se perpetuam
de diamba: Fumo d´Angola, birra e dirijo, provisão. A diamba começa então a surtir efei- e deformam pela via poderosa da oralidade.
no Amazonas, conforme Gastão Cruls em to. Um fumante inicia a cantoria: A área do uso da diamba entre nós é ex-
A Amazônia que eu vi (Rio, 1945, 3ª ed, p. Ô diamba sararamba/ Filha da velha
tensa. É no litoral, entretanto, que o vício se
272), liamba, riamba, marijuana (México), mutamba disseminou de forma ponderável.
gongo, rafi, malva, fumo brabo, raschich, el Quando pego na cabaça/ Minha perna Pescadores, canoeiros, embarcadiços são
fokkara (Índia), apngo, Rosa Maria, D. Jua- fica bamba. os clientes habituais da herva do diabo. Por-
29 Jornal do Dia, São Luís, 26/06/1966. Foi respeitada a grafia da publicação original.
30 Bacharel em Direito, professor universitário, pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Comissão Maranhense de Folclore. Dirigiu vários
órgãos de cultura no estado do Maranhão.
18 Boletim 36 / dezembro 2006
CONTINUAÇÃO
que o mar deixa nesses homens marcas pro- zarem as delícias dessa embriagues psí- Pois mandem diamba pra nós/ Que vos
fundas. Os riscos que correm, o desconfor- quica. Quem sabe, com efeito, o que é a mandamos .... diaba!
to da vida a que se sujeitam, a necessidade pesca do camarão, arrastado a puçá, de
maré enchente, pelos lavados naquele A Pacotilha não deixou passar em bran-
de um estimulante poderoso, obrigam esses
momento percorridos pelas arraias e tu- co a mofina do confrade cearense. Na sua
bravos homens a buscar na fumaça fragran- barões, pois avaliar que só a insensatez edição de 31 de janeiro desse ano, na seção
te da maconha um meio cômodo e ilusório daquele estado eufórico, provocado pela de “Salpicos” transcrevia as quadras do Diá-
de vencer as vicissitudes do quotidiano. E diamba, permite aqueles homens a cora- rio do Ceará e logo abaixo dava a resposta
de um relatório sobre a pesca no Maranhão gem de assim inermemente se oferece- também em versos assinada por um tal
extraímos a seguinte passagem: rem aos ataques daqueles peixes de es-
Rouis Blanc:
porões venenosos e dentes aguçados.
Para manter coragem e tomar tenência, (“Haschich – Diamba ou Mconha na cria- Os filhos do Maranhão/ Não tem diamba
para enfrentar o mar grosso, a tripulação ção de paraísos artificiais”. In Diário de - mas tem/
fuma a diamba ou maconha, ou então mas- São Luís, ed de 11-05-1950. São Luís). um pouco de educação./
tiga a bregeira nas interpausas do lirismo
vocal que tem o poder de alentar o espírito No Maranhão a diamba sempre vicejou Portanto, em vez de diamba,/ Que o Ce-
e confiar na sorte da pescaria (A pesca no ará vem pedir,/
solta e abundante. Silvio Froes de Abreu
Maranhão, São Luís, 1939, p. 16). Mandaremos sacudir/ Nessa terra onde
menciona em seu livro Na terra das palmei-
não chove,/
ras o uso da diamba entre os guajajara, que
Daí também a afirmativa de José Sarney Seiscentas e vinte nove/ Caixinhas (que
na aldeia de Bananal cultivam a canabis para
Costa, num trabalho sobre a ilha do Curupú: novidade!)/
gosto dos viciados. Com pós de civilidade!
O único divertimento que possuem é o boi. Daqui se mandava a herva para outros
Chamam boi ao aparelho em que fumam estados e em 1895 o Diário do Ceará estam- De tempo a esta parte porém, a diamba
diamba, cabaça cheia d´água, por onde pava estas quadras jocosas troçando dos herança possível, persistente e nociva da es-
aspiram os vapores da erva do diabo. Fu- maranhenses: cravidão africana estendeu os seus tentácu-
mam em conjunto, recitando cada qual los a outras camadas sociais.
uns versinhos tirados na hora. Dizem que A diamba do Maranhão/ É coisa boa demais
Além de servir para excitar os sentidos e
a diamba tem por finalidade espantar o Pra assanhar bebe uma moça!/ Pra dor-
de agente onírico formidável, a maconha é
frio (Pesquisa sobre a pesca de curral na mir bebe um rapaz!
Ilha de Curupu. S. Luís, 1953, p. 172). usada na medicina popular. Dizem que para
Maranhense não se acaba/ Tanta fartura curar puchamento ou piado (asma) só há um
Não fumam os canoeiros e pescadores por entre vós? remédio: o cigarro de maconha.
vício arraigado, para buscar sensações requin-
tadas, numa superexcitação dos sentidos. Aqui- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
les Lisboa bem precisa o fato nestas linhas: Luís da Câmara Cascudo – Dicionário doRoberval Cordeiro de Farias – “Campanha
Folclore Brasileiro, Rio, 1954. contra o uso da maconha no Brasil” In La-
Parece que aqui entre nós utilizam os
Aquiles Lisboa – “A diamba como vício boratório Clínico – 1º Trimestre de 1953,
nossos caboclos pescadores esta excita-
entorpecente dos nossos caboclos e meio
n. 229. Rio.
ção do haschich ou diamba antes para
de combatê-lo com eficiência”, In Revista
Roque Teófilo – “A maconha” In Anhem-
arrostar com as dificuldades e perigos do
Ceará Médico, Fortaleza. bi. Ano IX, n. 98, Jan. São Paulo, 1959.
seu ofício do que propriamente para go-
RESUMOS E RESENHAS
Monografias sobre cultura UFMA, 2005. Orientadora: Profª. Ms. FILHO, José Ribamar da Costa. Análise
Kláutenys Dellene Guedes Cutrim. do Projeto Estaleiro-escola e de sua instala-
popular do Maranhão RESUMO: Analisa a Educação Patri- ção no Sítio Tamancão a partir de suas po-
monial e sua prática pedagógica com ins- tencialidades para o desenvolvimento de um
MELO, Ana Paula Rios de. Estudando o
trumento de conscientização da popula-
batalhão de ouro do Maracanã: A importân- modelo interpretativo do Turismo Cultural
ção. Sensibilizando para a preservação da
cia do turismo e os ciclos ritualísticos do na cidade de São Luís. São Luís: UFMA,
herança cultural através de metodologia
Bumba-meu-boi do Maracanã. São Luís: específica. Esta metodologia visa a apro- 2006. 91p. Orientadora: Profª. Ms. Linda
UFMA, 2005. 87p. Orientadora: Profª. Ms. priação do objeto patrimonial reconhecen- Maria Rodrigues.
Maria do Socorro Araújo. do que é por meio da educação que o pro- RESUMO: Estudo sobre o potencial his-
RESUMO: Estudo do Bumba-meu-boi do cesso se realiza. tórico-cultural do Sítio do Tamancão e do
Maracanã, envolvendo todo o seu ciclo de Projeto Estaleiro-escola do Maranhão. Ana-
vida. Propõem-se ações que possibilitarão a SOUSA, Thalisse Ramos de. As expec- lisa-se a utilização da Interpretação Patrimo-
preservação da referida manifestação cultu- tativas do turista em relação ao Reggae na nial e do Turismo Sustentável para o desen-
ral e sua utilização como oferta turística do ilha de São Luís. São Luís: UFMA, 2005. volvimento e preservação das duas institui-
bairro do Maracanã, além de contribuir para 85p. Orientadora: Profª. Ms. Maria do So-
melhoria na qualidade de vida da comunida- ções. Descreve-se a forma de utilização de
corro Araújo.
de local. Refere-se também a outras manifes- técnicas interpretativas, bem como suas ca-
RESUMO: Este trabalho tem o objeti-
tações culturais produzidas no bairro. vo de apresentar as expectativas do turista racterísticas formais e institucionais. Apre-
em relação ao reggae na ilha de São Luís, senta-se a atual proposta para o desenvolvi-
SILVA, Patrícia de Maria Coelho. A con- abordando a relação existente entre turis- mento do Turismo local e uma nova propos-
tribuição da educação patrimonial para o mo, cultura e globalização, aspectos histó- ta para a aplicação de práticas de interpreta-
Turismo Cultural: uma análise do Projeto ricos ao reggae na Jamaica, no Brasil e em ção patrimonial da atividade turística do
Turismo Educativo- versão 2004. São Luís: São Luís. mesmo.
Boletim 36 / dezembro 2006 19
NOTÍCIAS
40 ANOS DA UFMA O CURSO DE CIENCIAS SOCIAIS
A Universidade Federal do Maranhão co- recorde de cantores (10 juniors, 10 seniors e 10 DA UFMA COMPLETA 20 ANOS
memorou seus 40 anos de serviços prestados à na categoria máster, vindos de outros estados e O Curso de Ciências Sociais e o Centro
formação de profissionais maranhenses, com a da Argentina); 30 Anos de FEMACO-Festival Acadêmico Florestan Fernandes promove-
entrega de “Palmas Universitárias”, no dia 21 Maranhense de Coros, um dos mais tradicio- ram mesas redondas, mini-cursos e comuni-
de outubro, no Teatro Arthur Azevedo. Ao lon- nais eventos de canto coral do Brasil, realizado cações, no período de 18 a 22 de setembro,
go de 2006 foram realizadas atividades come- de 22 a 28 de outubro, que apresentou 30 gru- para comemorar duas décadas de trabalho
morativas como: o Guarnicê de cine-vídeo, em pos de canto infanto-juvenil e 30 grupos adul- coletivo de professores, alunos e técnicos para
junho; 10º Maracanto-Festival de Canto Lírico, tos (5 eram de outros estados brasileiros), além que o Curso pudesse consolidar-se como uma
em setembro, que este ano reuniu um número do Coral “Mon Pays”, da Suíça. contribuição para a UFMA e para a socieda-
de maranhense.
Perfil Popular
Maria Castelo Zelinda Machado de Castro Lima*
Foto: Arquivo da família
Maria Castelo de Araújo Lima, ou simples-
mente Maria Castelo, foi uma das mais impor-
tantes quituteiras do Maranhão.
Nascida em Caxias, em 13 de novembro de
1936 e falecida em São Luís, aos 9 de junho de
2006, era filha de João Castelo Filho e Jacira de
Azevedo Castelo, ambos caxienses. Casou-se
em 8 de dezembro de 1954 com o funcionário
do Banco do Brasil, Sérgio Bernardo Caldas de
Araújo Lima, com quem teve os seguintes fi-
lhos: Leonel de Araújo Lima Neto e Sônia Ma-
ria Castelo de Araújo Lima.Tinha sete irmãos,
quatro homens e três mulheres.
Realizou seus primeiros estudos mesmo em
Caxias, transferindo-se depois para o Colégio
Santa Teresa, em São Luís, onde não concluiu
o curso de normalista.
Casada, foi residir com o sogro, Leonel de
Araújo Lima, na avenida Gomes de Castro, 158,
no centro de São Luís. Em 1961 mudou-se para
a Rua do Passeio, 421, ao lado o Hospital Portu-
guês, onde começou a fazer tira-gostos para meia
dúzia de colegas do marido. Mas sua inclina-
resco quintal. Viajantes de todas as categorias, sa do artista Yedo Saldanha. Não houve mãos a
ção para culinária e doçaria vinha-lhe desde a
ilustres ou não, vinham já determinados a pro- medir para atender a multidão de clientes que
avó, D. Corina Azevedo Guapindaia, passando
var o tempero e o ambiente familiar da Varan- desejavam saborear os pratos, cuja fama já cor-
às tias, D. Luzia Castelo Branco da Cruz e D. da, bem ao sabor do Maranhão de outrora. E rera, preparados no caldeirão mágico de Maria
Antonieta Castelo Ribeiro Gonçalves, exímias logo de entrada eram bolinhos de bacalhau, is- Castelo.
nas artes da cozinha, afamadas pelos doces de cas de peixe, casquinhos de caranguejo de sa- Por outro lado o Bumba-meu-boi de Axixá,
caju e cajuí, mangaba, goiaba e o célebre doce- bor inigualável, preparando a surpresa de pra- do mestre Naiva, que se apresentava no even-
de-bacuri em calda, as requintadas línguas-de- tos deliciosos, sobremesas vindas das tias de to, deixou o palco e circulou por toda a feira,
bacuri, sem falar nos deliciosos cafés com bei- Caxias, fazendo com que almoços e jantares se arrastando dezenas de pessoas que se incorpo-
ju, cucus de milho ou arroz, os bolos, conheci- prolongassem horas e horas, todos esquecidos ravam ao cortejo, dançando e cantando a hoje
dos e celebrados em toda Caxias. do tempo, e rendidos à competência e à gentile- famosa toada Minha bela mocidade. O arras-
Assim, neta e sobrinha de tão habilidosas za de Maria. Ali o tempo sempre estava a servi- tão musical terminou no estande do Maranhão,
quituteiras, Maria resolveu explorar suas apti- ço do sabor. onde música, cheiros e sabores se encontraram,
dões e inaugurou, em 1977, na rua Genésio Com a afluência crescente da freguesia, Ma- recriando, na distante paulicéia, um pouquinho
Rego, 185, no bairro de Monte Castelo o restau- ria Castelo ampliou sua “base” (como eram co- da alma maranhense. A fila de pessoas ansio-
rante VARANDA, que se tornou, dentro de nhecidos no Maranhão os pequenos restauran- sas para degustar as delícias da exímia cozi-
pouco tempo, referência absoluta na cidade de tes) construindo um espaço fechado, com ar nheira se desdobrava, obrigando os maranhen-
São Luís. condicionado e estabeleceu quase que uma in- ses presentes a colaborar espontaneamente
Local aprazível, nos fundos de sua residên- dústria caseira de doces. Mas o cardápio não como garções e garçonetes, todos empolgados
cia, ventilado, sombreado de mangueiras e ca- mudou, nem o carinho da recepção. O empre- com o sucesso do estande, ao final classificado
jueiros, logo tornou-se freqüentado por intelec- endimento cresceu sem perder aquele ar de in- em primeiro lugar, recebendo os prêmios de
tuais, artistas e turistas, conquistados não só timidade residencial, o que jamais Maria per- melhor ambientação, melhor atração folclórica
pela deliciadas iguarias como pela encantadora mitiu que desaparecesse de sua Varanda. e, claro, mais encantadores sabores.
figura da anfitriã, pequenina, dona de um sim- No ano de 1980, o governo de São Paulo Maria, para pesar nosso, faleceu; mas sua
pático sorriso, sempre pronta a atender aos de- realizou uma grande feira que reuniu arte e filha segue-lhe os passos e mantém ainda, com
sejos dos fregueses, inclusive inventando pra- culinária de todos os Estados. O Maranhão bri- a mesma dedicação e simpatia o restaurante
tos ou bebidas, como a apreciada caipirinha de lhou principalmente pelo restaurante montado VARANDA, tradição da culinária e da recepti-
caju, frutos que ela mesma colhia naquele pito- por Maria Castelo com a ambientação primoro- vidade cordial e generosa do maranhense.
* Pesquisadora; CMF.