Você está na página 1de 5

Machines (Máquinas)

Produzido em 2016 pelo diretor Rahul Jahin, um compilado indigesto de cenas que
não estamos acostumados a ver ou até a imaginar sem ter um debate sócio
econômico para nos lembrar do assunto. Se você já está mais ligado ao meio
sustentável, tem consciência sobre como uma considerável parcela dessa indústria
é carregada e formada por pessoas que são tidas como peças substituíveis de uma
grande maquinaria capitalista que chamamos de Moda; tal assunto tão difícil de
achar meios mais assertivos de ser continuado, porém o vestuário nos persegue
desde o nascimento até a morte, nos rondando a poucos centímetros do corpo, e
que trazem questionamentos nas entrelinhas tais como: Quem fez nossas roupas?
Será que está bem alimentado como eu? Será que está tendo descanso
minimamente suficiente para produzir essas roupas? Será que tem idade suficiente
para produzir essas roupas sem prejudicar seu desenvolvimento infanto-juvenil?
Será que está recebendo proporcional ao que produziu?

Perguntas essas que acredito que não rondam nossas mentes diariamente, mas
que são um soco na boca do estômago ao ver as respostas sendo retratadas em
cenas quase que cruas, sem narração ou qualquer tipo de interação falada entre
diretor - audiência, porém com enquadramentos e cenas plano sequência que nos
faz adentrar a fábrica em pequenos becos com apenas feixes de luzes tímidos onde
vemos os trabalhadores fazendo parte de um processo de construção de tecidos
muito famosos na índia, em Gujarat. Podemos mergulhar um pouco na rotina dos
trabalhadores da usina, onde fazem a tecelagem dos tecidos, tingem, lavam e
fazem os processos de estampas tanto manuais quanto junto ao maquinário.

Todos os processos são feitos sem aparatos de segurança denunciando ainda mais
a insalubridade do ambiente. Um lugar visivelmente frio e úmido, transmitido graças
a fotografia impecável produzida por Rodrigo Trejo, justamente para ambientar o
telespectador e trazer essa sensação de desunião e melancolia, já que a unica
união e alegria que identificamos e nas cores vivas das estampas dos tecidos e o
alinhamento de urdumes entre tramas sendo feita pelos operários da fábrica. Todos
muito abatidos e ao longo do desenrolar do DOC entendemos mais claramente os
motivos, os homens e até crianças são vistas trabalhando em turnos seguidos de
12h, 24h e até 36h sem descanso ou comida suficiente para estarem de pé
exercendo tal força para estarem ali, porém a fome e até dívidas que fizeram
justamente para poder sobreviver e ajudar seus familiares e o que os torna presos a
este modelo de escravização moderna.

Muitos com história idênticas porém cada um com suas particularidades, Jahin
segue então cada parte do processo de construção de tecido nas mais diversas
''partições'' da fábrica, e a medida que vamos avançando vemos os trabalhadores e
um resquício de suas histórias e dores no meio de tecidos e maquinas, alguns estão
ali desde crianças, para poderem ajudar suas famílias, que, algumas no meio
agrícola, por não terem uma renda de colheitas que gerasse o suficiente para poder
alimentar seus filhos, são obrigados a deixá-los enfrentar viagens de 1400km em
trens lotados com mais de 300 pessoas, expostos a doenças virais, sem comida,
porém o pior ainda há de se esperar, assim que chegam na porta da fábrica, em sua
maioria, obviamente sem vontade alguma de entrar.

Crianças que têm sua infância interrompida, e assim sua capacidade de sonhar
também fica fadada a acreditar, que se caso trabalharem mais e por mais tempo, ao
terem domínio das máquinas poderão assim ter um futuro um mais digno; não os
culpo de terem sonhos assim, já que muitos são retirados da escola antes mesmo
de terem capacidade para ter uma formação intelectual e amorosa dentro de casa
também, já são tratados iguais aos homens ‘’formados’’, para assim trazer o
sustento para casa e desta forma sobreviver.

Até mesmo os homens formados tem sua forma de tentar escapar um pouco de
realidade insalubre que os cerca, com os míseros $3 dólares por turno que ganham,
alguns recorrem a drogas lícitas como tabaco e álcool por conta do ambiente
totalmente estressor, acabam gerando dependência dos mesmos para poder, de
alguma forma suportar o insuportável, tentam adquirir os mais baratos possíveis,
para não comprometer a pequena renda que lhes é gerada.

Em contrapartida temos o patrão sentado em uma sala bem iluminada com ar fresco
e câmeras bem posicionadas para vigiar seus operários, ao ser questionado sobre
as condições subumanas de trabalho que proporciona o mesmo refuta com ira nos
olhos e descaso, alegando que reclamam de barriga cheia, pois antes lhes era
ofertado salários menores ainda e que por conta da ''flexibilização'' trabalhista
deveriam estar satisfeitos, crítica também que, caso desse proporcional ao que
pedem, gastariam com drogas e dívidas, desacreditando que ajudam seus
familiares, e acredita até estar fazendo um bem aos mesmos, e segue vendendo os
tecidos a $120 dólares, seguindo assim a manutenção de sua fortuna e a prisão
velada.

Até o sindicato que deveria ao menos dar algum tipo de suporte e encorajar os
operários a se unirem contra as condições insalubres que os patrões impõem, têm
menos poder ainda de fazer alguma mudança ou movimentação significativa, tanto
pelo grande poder que as indústrias têm ao fazerem pressão nos trabalhadores, e
também pela descartabilidade da mão de obra, por terem máquinas construídas e
inventadas justamente para ter a facilidade de mão de obra sempre disponível a ser
explorada e de ‘’simples ‘’operação, sem demandar formação intelectual. Alguns até
são jurados de morte para manter o terror e medo de sair da posição escravista em
que se encontram. O que não deixa de revoltar muitos trabalhadores que
concordam que deveriam ser mais unidos, outros que enxergam estar ali por
vontade própria e alguns que encontram consolo na morte como uma saída para
toda essa injustiça social.

Jain nos faz adentrar a um labore insalubre para questionarmos sobre a sociedade
atual que vivemos em meio a tanta desigualdade socioeconômica e condições de
trabalho inexistentes e sem interesse algum por parte dos empregadores e governo,
um grito de socorro entre tecidos e fortuna extra faturada por meio de tanta
exploração desumana. Conseguimos também, enxergar esse descaso, não
somente em 14,766km de distância de nós, porém em muitas casas não muito
suspeitas, ou galpões recheados de casos semelhantes ao de Gujarat, aqui no
Brasil muitos refugiados de outros países em guerras civis, ou em estados não
favoráveis economicamente, que procuram no país uma oportunidade de ter uma
vida mais digna, são encontradas também vítimas de tráfico de pessoas, que
acabam explorados como os operários da Índia. Infelizmente as legislações públicas
como o SINAIT (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) ainda tem
dificuldade por alegarem ser difícil estabelecer uma relação de confiança, para que
o trabalhador aceite ser resgatado. Muitas vezes a situação no país de origem é tão
precária, que ele aceita uma condição degradante aqui e, vencido pelo medo de
deportação que o empregador lhe impõe, segue trabalhando exaustivamente, sem
salário justo e, ainda, acreditando que direitos são benefícios dados pelo
empregador.

Mesmo com esse empecilho causado pelas ameaças e ludibriações dos


empregadores para com os operários, o conceito de tráfico de pessoas e de
condições análogas às de escravo que consta do ordenamento jurídico brasileiro
está entre os mais modernos e adequados, dentre as legislações atuais dos países
membros da comunidade internacional. O Brasil é, frequentemente, citado em
inúmeros documentos por instituições como a Organização das Nações Unidas, a
Organização Internacional do Trabalho, a Organização dos Estados Americanos, a
Organização Mundial do Comércio, dentre outras de vulto e relevância internacional,
como um exemplo a ser seguido, pela robustez, acerto e adequação de todo seu
sistema de enfrentamento ao tráfico de pessoas e de combate ao trabalho escravo.
O sistema de fiscalização foi iniciado em meados do ano de 1995, quando o Brasil
reconheceu oficialmente condições de trabalho análogas, avançando então políticas
públicas a fim de erradicá-lo.

Por fim a obra de Jahin traz um prato cheio de exposição de uma das indústrias que
hoje é uma das que mais cresce e lucra em cima de tanta exploração e uma
população que consome cada vez mais rápido e descarta cada vez mais sem
consciência de que roupas nao sao descartaveis, ou pelo menos não deveriam,
porém com a alta demanda e a fissura por lucro, a indústria investe menos em
qualidade e mais em quantidade, pesquisa de tendências e velocidade de produção,
o que acaba gerando uma exacerbação no modo de consumo das gerações futuras,
tanto com a moda como em outras indústrias em constante crescimento.

De um lado Rahul escancara ao mundo as engrenagens que mantém essa barbárie


que o capitalismo proporciona, sendo um mero espectador, porém o nativo de New
Dalhi nao conta que tem parentesco com grandes empresários de fábricas tais quais
a que ele mesmo ‘’denuncia’’, sem tomar muito partido no longa que produziu. Da
mesma forma como denuncia as mudanças climáticas no seu mais recente longa
‘’Invisible Demons’’ (Demônios invisíveis - 2021) onde mostra como o sistema pode
acabar fundindo a própria maquinaria por conta da exploração ambiental, onde há
um acúmulo de riquezas para uma minoria invisível, e uma desigualdade gritante
socioeconomicamente entre a massa.

Obras para conscientizar essa e futuras gerações, pois se não refletirmos e agirmos
diante do processo que já está acontecendo, iremos acabar igual aos dinossauros:
extintos! Com a diferença de braços maiores, racionalidade e consciência a ser
desenvolvida.

Você também pode gostar