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O conceito de «liberdade de ação» é um dos mais importantes temas de discussão filosófica, ao qual se
associam outros conceitos:
LIBERDADE DE AÇÃO
RESPONSABILIDADE (tradição
moral)
(
IMPUTABILIDADE (tradição jurídica)
um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter sido livre para agir como agiu;
um criminoso é imputável para a Justiça se tiver cometido um crime, podendo evitá-lo;
um indivíduo é culpado aos olhos de Deus se tiver pecado quando podia não o ter feito.
Mas será que somos, efetivamente, livres e responsáveis? Somos realmente livres ao agir?
CONDICIONANTES falta dela, o modo como lidamos com o corpo e respondemos aos
estímulos do meio social são fatores que influenciam o tipo de
PSICOLÓGICAS
ações que realizamos.
Será que estas condicionantes da ação impossibilitam a liberdade da ação, determinando o que fazemos? Há
livre-arbítrio (liberdade de decisão, de escolha, de ação)?
FILOSOFIA – 10º ANO 2
II. A AÇÃO HUMANA E OS VALORES
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
Para compreendermos o significado desta pergunta, há que esclarecer o conceito de causalidade: uma cadeia
causal é uma sucessão de acontecimentos, ou uma sequência de causas e efeitos, em que cada acontecimento
é efeito de acontecimentos anteriores e causa de acontecimentos posteriores:
A (ingestão de gorduras em excesso) B (obesidade) C (arteriosclerose)
D (discriminação laboral) E (depressão) …
O determinismo é a tese que defende que todos os acontecimentos estão causalmente determinados:
dadas as leis da natureza, qualquer acontecimento é um efeito inevitável de certos acontecimentos que o
antecederam.
Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que têm lugar no mundo e,
logo, estão integradas em cadeias causais: umas são efeitos de acontecimentos anteriores (físicos ou
mentais); outras são causas de acontecimentos posteriores.
Porém, pensamos, por outro lado, que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que somos
responsáveis pelas nossas ações e em consequência da nossa liberdade, o que constitui uma visão NÃO
determinista da ação.
O «problema do livre-arbítrio» tem importância moral, pois só faz sentido atribuir a agentes dotados de
livre-arbítrio a responsabilidade pelos seus atos. Assim, se um agente não realizou um ato livremente, à
partida não é racional considerá-lo moralmente responsável pelo que fez. Quando louvamos ou censuramos
um agente pelos seus atos, estamos a atribuir-lhe responsabilidade moral e, por isso, a supor que ele tem
livre-arbítrio.
TEORIAS INCOMPATIBILISTAS
FILOSOFIA – 10º ANO 3
II. A AÇÃO HUMANA E OS VALORES
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
TEORIAS COMPATIBILISTAS
Não se deve confundir o determinismo com o fatalismo. O determinismo é a tese de que todos
os acontecimentos estão causalmente determinados pelas caudas anteriores; o fatalismo é a
ideia de que, seja o que for que aconteça, estava destinado a acontecer e acontecerá de qualquer
maneira, independentemente do que façamos. Por exemplo, um fatalista poe defender que é
inevitável que a Ana parta uma perna num certo dia. Isto significa que, faça a Ana o que fizer,
as suas ações e decisões não terão eficácia causal; ou seja, não irão impedir que parta a perna
naquele dia. Em contraste, o determinista defende que o que a Ana decidir fazer é causalmente
FILOSOFIA – 10º ANO 4
II. A AÇÃO HUMANA E OS VALORES
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
determinante; ela irá partir a perna ou não em função das suas decisões e ações.
DETERMINISMO RADICAL:
Esta perspetiva parte da consideração de que podemos sempre encontrar causas para as nossas ações,
quaisquer que elas sejam, da mesma forma que podemos encontrar causas para os acontecimentos físicos que
fazem parte da natureza e do mundo envolvente. Sendo nós produtos de um processo de evolução natural, as
nossas ações são causadas, tal como o são outros fenómenos naturais (como a migração dos pássaros, o
fototropismo das plantas, uma erupção vulcânica, uma tempestade, a força da gravidade, o adoçar de um
líquido quando se lhe acrescenta açúcar, etc.).
Os cientistas assumem que as leis da natureza se aplicam a tudo no universo, incluindo a mente humana:
quando escolhemos fazer algo (por exemplo, apertar um dedo indicador contra o gatilho de uma arma
carregada apontada a um inimigo), impulsos elétricos viajam do cérebro para os músculos apropriados do
corpo, impulsos elétricos esses que são causados por outros impulsos no cérebro que, em última instância,
são por sua vez causados por interações químicas algures no corpo (por exemplo, em várias glândulas que
segregam hormonas e na retina do olho). Estas provas científicas parecem contradizer, portanto, a ideia de
que temos uma vontade livre, que não se subordina a causas.
Assim, o princípio da causalidade aplica-se também na explicação das ações humanas , constituídas por
pensamentos, vontades, motivos, crenças e desejos, deliberações e decisões – as ações humanas são
causadas.
Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser externas (um semáforo com o vermelho
aceso obriga um agente a decidir para o carro) ou internas (a sede obriga um agente a tomar uma bebida),
sendo geralmente múltiplas as causas que explicam uma ação e, muitas vezes, difíceis de serem
identificadas. Raramente se aceita como desculpa do agente afirmar “Fiz isso sem nenhuma razão”.
Com base nestas premissas, a conclusão do filósofo determinista é a de que o livre-arbítrio não existe ,
pois se uma ação fosse realmente livre, não seria determinada por outros fatores independentes dela mesma.
A liberdade que parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão e deve-se ao desconhecimento
ou à insuficiente consciência das suas causas. E mesmo quando pensamos que poderíamos ter agido de outro
modo, o que queremos dizer não é que eramos realmente livres para agir de outro modo, mas sim que
teríamos agido de outro modo se outro sentimento tivesse sido mais forte, se soubéssemos aquilo que agora
sabemos, etc.
FILOSOFIA – 10º ANO 5
II. A AÇÃO HUMANA E OS VALORES
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
Objeção da responsabilidade moral: se não somos livres, se as nossas ações estão determinadas (como
uma pedra que cai ao ser solta no ar ou como a erva que cresce num prado), não podemos responsabilizar um
agente pelos seus atos (como não responsabilizamos a pedra por ter caído ou a erva por ter crescido). E se
não pudéssemos responsabilizar um agente pelos seus atos, não poderíamos ser castigados nem louvados.
Mas podemos ser castigados e premiados pelas nossas ações, logo, temos livre-arbítrio. (A esta crítica o
determinstas respondem que pelo facto do sujeito não ser responsável pelos seus atos não se segue que nada
se deva fazer para o impedir de praticar determinados atos. Deve-se intervir nas cadeias causais que
determinam o comportamento das pessoas. Fazemos isso para as impedir de fazer o que não queremos que
façam. O tribunais e as prisões servem para influenciar causalmente o comportamento das pessoas.
LIBERTISMO:
O libertista rejeita a primeira premissa do argumento determinista (“Todos os acontecimentos são causados”)
e considera que o princípio da causalidade (“Tudo o que acontece tem uma causa”) não tem uma validade
universal garantida. Além disso, o libertista considera que simplesmente sentimos que somos livres, que
podemos decidir sempre de outro modo, que a nossa escolha não nos foi imposta – sentimos que podemos
escolher entre caminhos alternativos.
Em suma, temos livre-arbítrio porque nem todos os acontecimentos estão determinados : as escolhas e
decisões do ser humano decorrem das suas deliberações e não de acontecimentos anteriores. Só assim se
pode considerar que o agente é moralmente responsável pelas suas ações (por exemplo, podemos escolher
fazer ou não o mal, mentir ou não mentir, etc.).
FILOSOFIA – 10º ANO 6
II. A AÇÃO HUMANA E OS VALORES
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
Objeções ao libertismo: 1. Quando deliberamos e decidimos baseamo-nos em crenças e desejos, que são,
afinal, causas que vão determinar as nossas escolhas e ações. Por outro lado, as crenças e desejos têm por
base crenças e desejos anteriores, pelo que são causalmente determinados.
2. O facto de sentirmos que somos livres é uma premissa obscura, carecendo de prova objetiva que temos
efetivamente livre-arbítrio. Afinal, o simples facto de nos sentirmos livres não é razão suficiente para
acreditarmos que somos realmente livres, tal como sentirmos que partimos um osso não é uma prova de que
o partimos, havendo muitas perceções enganadoras.
Parece que o libertismo não é plausível para salvar a tese de que temos livre-arbítrio, pelo que há que
considerar uma outra perspetiva – a do compatibilismo.
Segundo o compatibilismo, somos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente determinados nas
nossas ações.
Uma pessoa decide abrir uma garrafa de champanhe Uma pessoa toma uma dose de aguardente, mesmo
porque quer brindar ao Ano Novo. contra a sua vontade, porque é alcoólica.
Quer nas ações livres, quer nas ações não livres encontramos causas. A diferença entre elas reside no facto
de as ações livres serem voluntárias (ações em que a vontade é livre, não é compelida ou coagida) e as
ações não livres serem involuntárias (ações em que a vontade não é livre, é compelida ou coagida) ,
opondo-se à vontade do agente ou são independentes dela. Nas ações não livres, o agente age sob restrição
ou limitação, enquanto nas ações livres, o agente age plenamente de acordo com a sua vontade, sem
compulsão – de acordo com o compatibilismo, uma vontade livre é uma vontade não compelida.
Nas ações não livres, a compulsão ou limitação pode ser externa (como fecharem-nos num quarto ou
ameaçarem-nos com uma arma) ou interna (como o vício de fumar ou adormecermos sem querer após 72
horas sem dormirmos).
Assim, para o compatibilismo, determinismo e livre-arbítrio coexistem , pois agimos livremente desde que as
nossas ações resultem das nossas crenças e desejos e não de crenças e desejos dos outros. Agimos
livremente quando não somos restringidos fisicamente nem coagidos na nossa vontade ou impedidos
por alguém.
Para o compatibilista, todos os atos são causados, mas apenas alguns são compelidos (forçados, obrigados): o
critério de «escolha livre» não é a escolha não ser causada, mas antes o facto de a escolha ser não compelido
(obrigado, forçado). O compatibilista salva assim a ideia de responsabilidade moral e resolve o «problema do
livre-arbítrio»: a liberdade necessária para justificar que as pessoas são moralmente responsáveis pelas suas
ações não é a liberdade do determinismo, que nunca temos, mas a liberdade para fazer o que queremos sem
compulsão (constrangimento) e de acordo com a nossa vontade.
EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO
O que significa dizer que um dado acontecimento está causalmente determinado? Dizer que um dado
acontecimento está causalmente determinado significa que esse acontecimento não poderia ter ocorrido se
não tivessem ocorrido as causas que lhe deram origem e se as leis da natureza não fossem como são.
O que é uma cadeia causal? Uma cadeia causal é uma sequência encadeada de causas e efeitos.
O que é o livre-arbítrio? O livre-arbítrio é a capacidade para decidir em liberdade, isto é; agir livremente.
Por que razão temos a ilusão de que somos livres, segundo os deterministas radicais? Segundo os
deterministas radicais temos a ilusão de que somos livres, porque desconhecemos as causas das nossas ações.
O que é o libertismo? O libertismo é a tese segundo o qual temos livre-arbítrio e nem todos os
acontecimentos estão causalmente determinados (as ações humanas).
O que é o compatibilismo? O compatibilismo é a tese de que o determinismo pode coexistir com o livre-
arbítrio.