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Copyright © 2019 - Todos os direitos reservados por:
Depósito de Literatura Cristã
“Os Sacrifícios e o seu Significado - Vol. 2”
Capa / Diagramação
Liliana Ester Dinella
Impressão e Acabamento
Imprensa da Fé, São Paulo - SP, Brasil
Publicado originalmente em alemão sob o título
“Die Opfer”
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
HEIJKOOP, H. L.
Os Sacrifícios e o seu Significado - Vol. 2; São Paulo-SP:
Depósito de Literatura Cristã, 2019. 180 p.; 16 x 23 cm.
ISBN: 978-85-9579-026-1
1. Comentário Bíblico. 2. Teologia. 3. Escatologia. I. Título
CDD 230
1ª Edição - Março 2019
Rua Athos Palma, 250
CEP 04476-020 - São Paulo - SP BRASIL
www.boasemente.com.br

Índice

O Sacrifício pelo Pecado - Parte I - Levítico 47


O Sacrifício pelo Pecado - Parte II - Levítico 4:13-3525
O Sacrifício pelo Pecado - Parte III - Levítico 5:1-1343
O Sacrifício pela Culpa - Levítico 5:14-19; 6:1-767
A Lei do Holocausto - Levítico 6:8-1387
A Lei da Oferta de Alimentos/Manjares - Levítico 6:14-1895
Lei do Sacrifício pelo Pecado - Levítico 6:24-30105
A Lei do Sacrifício pela Culpa - Levítico 7:1-10117
A Lei do Sacrifício Pacífico - Levítico 7:11-36121
Os Sacrifícios na Terra de Canaã - Números 15:1-12135
O Sacrifício da Novilha Vermelha - Números 19151
Anotações179
O Sacrifício pelo Pecado

Parte I
Leia Levítico 4

Nos dois primeiros capítulos de Levítico temos o holocausto e


a oferta de manjares. Temos visto que o holocausto fala de como o
Senhor Jesus glorificou a Deus na cruz e que, quando trazemos isso
a Deus como sacrifício, é produzido, simultaneamente em nosso
coração, a consciência da plena aceitação na qual estamos diante
de Deus. O sacerdote que oferece o sacrifício recebe a pele do
animal, de modo que pode se vestir com ela e tomar consciência de
como ele pode aproximar-se ousadamente de Deus e com que
graça e amor Deus pensa nele. Então, assim como encontramos na
oferta de alimentos no capítulo 2, o sacerdote também é capaz de
ter ao Senhor Jesus como Objeto para seu coração — esta Pessoa
que também é o Objeto da admiração por parte de Deus. Assim ele
poderá trazer aquilo que fala da santa humanidade do Senhor
Jesus, como Ele foi provado nesta terra, e como tudo foi um aroma
agradável para Deus. Vimos, igualmente, que o próprio sacerdote
que ofertava também podia comer do sacrifício. Uma parte, com
todo o incenso sobre ela, era oferecida a Deus; porém, a outra parte
— a saber, Cristo como Homem na terra, como o Objeto para seus
corações durante o tempo em que estão nesta terra — não podia
ser comida por todos os israelitas, mas apenas pelos sacerdotes, os
filhos de Arão.
Então vem o capítulo 3, onde temos representada a
comunhão entre Deus e nós, Seu povo. Em 1 João 1:3 o apóstolo
escreve: “Nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus
Cristo”. Ora, isso é expresso aqui no capítulo 3, na comunhão
(participação) que, como crentes, podemos ter com Deus em
relação à Pessoa e à obra do Senhor Jesus. Vimos que um
ofertante trazia sua oferta e dava uma parte dela para Deus — o
que Ele chama de Seu pão, Seu alimento. No capítulo 7, na lei do
sacrifício pacífico, a outra parte é consumida pelo ofertante, pelos
sacerdotes e por todos que estão limpos.
Compreendemos que, para tal, era realmente necessário que
os primeiros dois capítulos precedessem. Como posso ter
comunhão com Deus se eu não sei o que há no Seu coração, se eu
não sei que Pessoa preenche o Seu coração e se eu não tenho os
mesmos pensamentos que Ele acerca dessa Pessoa? Somente
quando aprendi a conhecer ao Senhor Jesus — não apenas como
Aquele que levou meus pecados, que foi feito pecado por mim e
que, portanto, satisfez todas as exigências da justiça de Deus por
mim — e o que Ele é para o coração e os sentimentos de Deus
após ter consumado tudo; e depois que Ele, também como Homem
na terra, é o Objeto das minhas delícias e dos meus sentimentos —
de modo que eu posso alimentar-me dEle na presença de Deus —
somente então poderei ter comunhão com Deus, pois comunhão
significa participação.
Na maioria das passagens no Novo Testamento que falam
acerca da comunhão, essa palavra significa: ter a mesma parte.
Pedro diz que nós somos “participantes da natureza divina” (2 Pedro
1:4), e João escreve que “Deus nos deu a vida eterna” (1 João 5:11), e
esta vida é a própria Pessoa do Senhor Jesus. Desse modo,
podemos ter os mesmos sentimentos, o mesmo Objeto para nossos
corações, os mesmos interesses com o Pai e o Filho. Isso é
comunhão, e é isso que é expresso no sacrifício pacífico que temos
nos capítulos 3 e 7.
Ora, esta consciência de quão perto do Pai e do Filho fomos
trazidos — de modo que temos comunhão, usufruindo o mesmo
como o Pai e o Filho — nos leva a perceber que precisamos
corresponder na prática à presença de Deus, à santa comunhão. Na
primeira carta de João nos é dito primeiramente: “Nossa comunhão
é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo. Estas coisas vos
escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra”, e então, segue
imediatamente: “Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas” (cp.
1:3-5). Esta comunhão precisa estar em concordância com a luz, e
quem leva isso em consideração e está habituado a estar no
santuário, na presença de Deus — assim como nos é representado
na figura dos filhos de Arão, o sacerdote, que sempre assistiam na
presença de Deus para servi-Lo e, portanto, sabem o que convêm á
presença de Deus — irá julgar a si próprio na luz de Deus para, em
autojulgamento, remover tudo o que não é digno da presença de
Deus.
Temos visto que nestes capítulos não se trata de como um
pecador é feito apropriado à presença de Deus ou como pode se
aproximar dEle, mas se trata da relação de Deus com Seu povo, no
meio do qual Ele habita e com o qual Ele quer ter comunhão.
Portanto, quando lemos aqui acerca do sacrifício pelo pecado
e pela culpa, não é o mesmo que em Levítico 16. Ali, encontramos a
base para toda relação entre Deus e os homens; vemos a obra do
Senhor Jesus na cruz como o sacrifício pelo pecado, por meio do
qual Deus foi satisfeito com vistas ao pecado e no qual, todos que
têm parte nEle, recebem perdão dos pecados, porque o Senhor
levou seus pecados no juízo. Aqui, porém, se trata de comunhão, de
comunhão prática — não entre Deus e o homem natural, mas entre
Deus e Seu povo.
É importante perceber esta diferença. Na carta aos Hebreus
trata-se da relação entre Deus e os homens, e ali nos é dito que os
homens que têm parte na obra do Senhor Jesus são aperfeiçoados
para sempre. A partir do momento em que eles têm parte no
Senhor, o pecado já não é mais mencionado. Na carta aos Hebreus,
pecado é apostatar de Deus; e para aquele que peca não há mais
conversão, não há mais a possibilidade de perdão. Refere-se
somente a uma pessoa que apostata do cristianismo, que, por
exemplo, se torna um maometano, judeu ou pagão. Porém um
crente, que realmente tem parte na obra do Senhor Jesus, é
purificado pela eternidade. Entre Deus e ele jamais se falará
novamente sobre o pecado. Porém, em 1 João, a questão é
apresentada de modo diferente. Ali somos vistos como filhos, como
aquilo que nos tornamos por meio da obra do Senhor Jesus. Ali nós
temos a nova relação à qual somos trazidos — não como homens
para o Criador, mas como filhos para o Pai.
À margem, gostaria de comentar o seguinte: é muito
interessante observar na Palavra de Deus, que nas cartas os
crentes de modo geral não são mais chamados de “homens”. Nelas,
normalmente os incrédulos são vistos como “homens”. Por exemplo,
em 2 Coríntios 5:10 está escrito: “Porque todos devemos
comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba
segundo o que tiver feito por meio do corpo”, e no versículo 11 o
apóstolo diz: “Assim que, sabendo o temor que se deve ao Senhor,
persuadimos os homens...”, portanto, os incrédulos. Também em
Hebreus 9:27 está escrito: “E, como aos homens está ordenado
morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo”. Porém, nos é dito
que o Senhor virá para salvação de todos aqueles que O esperam.
Portanto, dessas duas passagens podemos extrair que, sob o
termo “homens”, são designados apenas incrédulos, pois para nós,
crentes, não há mais condenação. Em João 5:24, a Palavra de Deus
diz explicitamente que aqueles que têm parte com o Senhor Jesus
não entrarão em condenação. O que está escrito em Hebreus 9:27
jamais pode ser aplicado a crentes. É bom que saibamos isso, pois
assim vemos a posição especial à qual todos os crentes foram
conduzidos. Sob esse aspecto, já não somos “homens”, mas nos
tornamos filhos de Deus, conforme Pedro escreve, dizendo que nos
tornamos “participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). Ora, uma
criatura que recebeu a natureza divina já não é um homem no
sentido bíblico. Um homem, no sentido da Palavra de Deus, é
somente homem. Nós temos recebido a natureza divina: temos
recebido ao Senhor Jesus como nossa vida, a Vida Eterna.
Continuamos sendo criaturas, mas não somos mais homens
comuns.
Na epístola de João somos, portanto, vistos como filhos de
Deus. Ali se trata da relação entre o Pai e Seus filhos. E então não é
mais a questão se alguém é filho ou não, mas se trata da questão
da comunhão entre o Pai e Seus filhos. Portanto, quando se fala a
respeito de pecados, isto nada tem a ver com o juízo eterno. Essa
questão foi solucionada na cruz, de uma vez por todas, e disso
participam todos os que se refugiaram no Senhor. Trata-se apenas
da comunhão prática com o Pai. Se, pois, é verdade que Deus é
meu Pai e que eu, com base na obra do Senhor Jesus posso chegar
a Deus a qualquer instante — visto que meu Pai é Deus, portanto é
luz e nEle não há trevas nenhuma — então apenas posso ter
comunhão com Ele se não houver nenhuma treva na minha
conduta. Deus, meu Pai, jamais tem pensamentos ou algo
pecaminoso como objeto dos Seus sentimentos. Portanto, nisso não
posso ter parte com Ele. Deus pode ter parte, comunhão comigo,
somente naquilo que está em concordância com a luz.
Será proveitoso levarmos isso em consideração quando
lemos os capítulos 4, 5 e 6 de Levítico, que tratam da lei dos
sacrifícios pelo pecado e pela culpa. Trata-se do caso de que um
crente ou toda a congregação peca (cp. 4), e de como isso deve ser
tratado. Visto que as instruções aqui foram dadas primeiramente a
Israel, é claro que há diferenças; há pontos que devemos levar em
consideração quando aplicamos essas instruções a nós.
Em Hebreus lemos, assim como já vimos em Levítico 16, que
quando um sacrifício pelo pecado era trazido, Deus expiava os
pecados do povo, mas somente pelo período de um ano, e não,
como em nosso caso, eternamente. O povo, portanto, recordava
todo ano: ‘Há um ano estivemos neste lugar, e se vivermos mais um
ano, estaremos novamente aqui; pois aquilo que se oferecia ali, o
sangue de bodes e de touros, não pode remover para sempre o
pecado’. Somente com vistas à cruz é que este sacrifício podia
proporcionar uma redenção temporária. Quando, pois, estes
capítulos 4 e 5 se aplicavam ao israelita, então realmente era assim
— quando ele havia pecado, tinha que trazer um sacrifício pela
culpa ou um sacrifício pelo pecado para restabelecer o seu
relacionamento com Deus. Dizendo-o na linguagem
neotestamentária: ele tinha que ser lavado no sangue novamente.
Quando, porém, consideramos o sacrifício pelo pecado e pela
culpa nos capítulos 4 e 5 em ligação com as bênçãos que nós
temos recebido com a obra do Senhor Jesus, fica bem claro que
não temos que ser lavados pelo Seu sangue novamente. Isto
aconteceu uma vez por todas. Porém, quando aqui se trata de um
sacrifício pelo pecado ou pela culpa, então isso apenas significa —
como também nos capítulos 1, 2 e 3, onde temos o holocausto —
uma retrospectiva para a cruz, para ver a obra que foi realizada ali.
No capítulo 1 vemos quão maravilhosa foi a obra que aconteceu há
quase dois mil anos, e vemos quão perto de Deus fomos trazidos e
quão agradáveis fomos feitos a Ele. Aqui, nestes capítulos,
podemos aprender quão terrível é esse pecado que cometi. O
grande princípio nestes capítulos é: como posso aprender quão
terrível é esse meu pecado se eu, como crente, peco? Em 1 João
1:9 lemos: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo
para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça”.
Este é um princípio entre Deus e o homem, e entre o Pai e Seus
filhos — também entre irmãos e irmãs — sim, em todas as relações
humanas: “Sem confissão não há perdão”.
Em Levítico 16 temos visto como esse princípio foi realizado
na obra do Senhor Jesus sobre a cruz. Ali, “Arão” confessou todos
os pecados do povo sobre a cabeça do bode, de modo que todos os
que têm parte no Senhor Jesus receberam perdão de todos os
pecados, mesmo daqueles pecados dos quais não tinham mais
consciência, daqueles que já haviam esquecido ou dos quais nunca
tinham tomado conhecimento. O Senhor Jesus os confessou em
lugar deles, de modo que estão todos perdoados.
Também encontramos esse princípio aqui, em 1 João 1:9,
onde a aplicação não é somente para crentes, como se ouve muitas
vezes. E eu agradeço a Deus por isso, pois este versículo me deu a
certeza de que os meus pecados estavam perdoados. E, mais de 80
anos antes, esse mesmo versículo deu ao irmão Kelly a mesma
certeza: de que os seus pecados estavam perdoados a partir do
momento em que os havia confessado diante de Deus.
Como quase tudo nos escritos de João, essa sentença
também é um princípio que, nesta passagem, na verdade é aplicado
a um determinado aspecto, mas que tem validade geral. Da mesma
forma, é absolutamente verdade que para nós, crentes, não há
perdão nem purificação sem confissão.
Mas como posso saber que pequei, e como posso ver, em
determinadas coisas, quão grave é o pecado? Podemos citar um
exemplo: quando lemos a lei, no Antigo Testamento, notamos nove
mandamentos, dentre os dez, a respeito dos quais um descrente
moralizado também entende que não devem ser transgredidos.
Todos sabem que não é bom cometer adultério; sabem que não se
deve roubar nem matar. Há, porém, um mandamento a respeito do
qual nenhum incrédulo entende o por quê de cumpri-lo. Por que ele
devia guardar o dia de repouso, o sábado, e não trabalhar? Por que
não na segunda, terça ou quarta-feira? Este é, portanto, um
mandamento que visa colocar o homem à prova, para ver se ele
quer realmente obedecer a Deus. O sábado era o dia de descanso,
porque Deus assim o havia dito. No Antigo Testamento vemos que,
quando Deus dava novas ordenanças, Ele sempre acrescentava a
elas a “lei do sábado”, visto que a observância do sábado constituía
a grande prova que demonstrava se o homem estava disposto a
obedecer.
A Palavra de Deus determina o que é pecado, o que é bom e
o que não é bom, e é necessário que saibamos disso. Este é o
único princípio com base no qual podemos reconhecer se algo é
pecado, assim como 1 João 3:4 diz: “Qualquer que comete pecado
também comete iniquidade; porque o pecado é iniquidade”. Isto quer
dizer que, tudo o que uma criatura faz — seja crente ou incrédulo —
sem considerar o fato de que Deus tem autoridade sobre todos e o
Senhor Jesus tem autoridade sobre nós, os crentes, é pecado. A
princípio é assim. Portanto, se eu, por exemplo, sair para pregar o
evangelho sem que o Senhor tenha me ordenado, estarei pecando.
Evangelizar não é uma má obra, mas quando eu evangelizar em
desobediência ao Senhor, então é pecado. Esse é o grande
princípio.
Portanto, temos que perguntar a Deus o que é pecado.
Temos que ler a Palavra de Deus para descobrirmos o que não é
segundo os Seus pensamentos. O maior princípio em tudo isso é
que é necessário saber que aquilo que queremos fazer é, nesse
momento, a vontade do Senhor para conosco. Em tudo, tanto nas
coisas grandes como nas pequenas, devemos perguntar: “Senhor, o
que Tu queres que eu faça?”. Devemos fazer somente o que Ele
nos ordenar, conforme diz Romanos 14:23: “e tudo o que não
provém da fé é pecado”. Tudo, portanto, que não é feito em
comunhão com o Senhor, na convicção de que Ele quer que eu o
faça, é pecado.
Quando tivermos visto a obra do Senhor Jesus, em Sua
glória — assim como ela está representada no holocausto — e
quando tivermos contemplado a vida do Senhor Jesus — assim
como a vemos prefigurada na oferta de manjares —, Sua total
obediência e como fazer a vontade do Pai era Seu alimento — e se
em tudo isso tivermos comunhão com o Pai, tal como é
representado no sacrifício pacífico (cp. 3) — então entenderemos
que o coração e a consciência são levados a se autoexaminar,
procurando verificar até que ponto está em concordância com essa
santidade. Já vimos anteriormente que, quando se trazia uma oferta
de alimentos, nunca podia faltar o “sal da aliança do teu Deus”, quer
dizer, o verdadeiro desejo, a real vontade de ser, na prática, assim
como o Senhor Jesus era; portanto, andar o caminho em plena
obediência, perguntando sempre: “Senhor, o que Tu queres que eu
faça?”.
Então essas bênçãos nos levam ao autojulgamento, e é isso
o que temos aqui nos capítulos 4 e 5. É exatamente a presença de
Deus, esta proximidade à qual somos trazidos, e essas bênçãos
maravilhosas que temos recebido, que irá conduzir o coração ao
autojulgamento. É justamente a graça e a grandeza das bênçãos
que fazem com que desejemos ficar em concordância com Aquele a
cuja presença podemos nos chegar e com Quem podemos ter
comunhão.
Porém, quando lemos a segunda parte destes 7 capítulos,
onde encontramos a lei desses sacrifícios, notamos uma sequência
um pouco diferente, a saber, assim como ela se apresenta em
nossa vida prática. Na sequência dos capítulos 6 e 7, o holocausto
também aparece primeiro, depois, a oferta de manjares; porém, o
terceiro não é o sacrifício pacífico, mas o sacrifício pelo pecado e o
sacrifício pela culpa, e somente depois a oferta pacífica. É o mesmo
que nos ensina 1 Coríntios 11, a saber, que podemos ter comunhão
prática e real com o Senhor — e em especial naquilo que é
representado na oferta pacífica: a Mesa do Senhor e o serviço que
ali exercemos — somente depois que tivermos julgado a nós
mesmos. Essa passagem diz que devemos julgar-nos a nós
mesmos antes de participarmos do pão e do cálice. É por isso que
na lei dos sacrifícios a oferta pacífica é a última a ser mencionada,
depois dos sacrifícios pelo pecado e pela culpa.
Foi necessário abordar esses pontos pormenorizadamente
porque esses princípios são de importância extraordinária, e nós
jamais entenderemos a verdade destes capítulos se não
percebermos esses princípios. Temos então, nestes 3 capítulos —
4, 5 e 6 — os sacrifícios pelo pecado e pela culpa, que, portanto,
estão ligados com aquilo que precisa ser feito quando um cristão ou
toda a congregação peca, ou, o que é citado em primeiro lugar,
quando um sacerdote peca (cp. 4).
Se aqui no capítulo 4 diz: “se o sacerdote ungido pecar”,
então é claro que, para Israel, se trata do sumo sacerdote, pois em
Israel o sumo sacerdote também estava sujeito a pecar. Mas o
nosso Sumo Sacerdote não pode pecar. Nós sabemos quem é o
Senhor Jesus. Ele não conhecia pecado; como, pois, pecaria agora
estando à direita de Deus depois de haver consumado a obra na
cruz, Ele, que preferiu morrer a permitir que o pecado continuasse
na terra? Por isso aqui — e essa é a sabedoria da Palavra de Deus
— não fala a respeito do “sumo sacerdote”, mas do “sacerdote
ungido”. Traduzido literalmente seria “o Messias sacerdote”, o que
nos confirma que também aqui Arão é uma figura do Senhor Jesus.
No entanto, como um sumo sacerdote que pecou, tendo que
trazer por si próprio um sacrifício pelo pecado, pode ser uma figura
do Senhor Jesus? Isso nós acabamos de ver em Levítico 16, onde
Arão sacrificava por si e por sua casa. Como sumo sacerdote, ele
era o representante da sua casa e do seu povo diante de Deus.
Assim como ali vemos ao Senhor Jesus identificado com Sua casa,
nos pecados desta, assim também aqui, em Levítico 4.
Vemos isto confirmado também em outras passagens. Como
poderíamos, por exemplo, atrever-nos a aplicar ao Senhor Jesus o
texto do Salmo 40:12 se não O víssemos ali identificado com o Seu
povo? Em Hebreus 10, este Salmo é aplicado expressamente a Ele.
É evidente que os primeiros dois casos — o sacerdote ungido
que pecou, e toda a congregação que pecou — na realidade são
um. Vemos nisto a verdade contida em 1 João 2:1-2. Nosso
Advogado junto ao Pai, que nos defende perfeitamente, é “Jesus
Cristo, o justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados”. Ele é o
nosso Advogado como Aquele que levou os nossos pecados no
juízo de Deus. Assim, neste trecho que fala a respeito do sacerdote
ungido, vemos o ministério do Senhor Jesus como nosso Advogado,
e no trecho que fala a respeito do sacrifício pela congregação,
vemos o resultado do Seu ministério: confissão e humilhação por
parte da congregação. Para evidenciar que esses dois casos
pertencem ao mesmo grupo, os procedimentos mencionados a
respeito da preparação dos sacrifícios foram quase os mesmos. Há,
no entanto, uma diferença significativa, a saber, que, tratando-se do
sacerdote ungido, não é mencionado que o pecado estivesse oculto
a ele ou que ele tenha se tornado culpado pessoalmente, nem que
se fizesse expiação por ele para que lhe seja perdoado o pecado.
Além disso, tratando-se do sacrifício pelo pecado do sacerdote, o
serviço sacerdotal — que consistia no oferecimento da gordura e em
queimar o sacrifício fora do arraial — é detalhado de forma muito
mais pormenorizada.
Acredito que também os últimos dois casos — o pecado do
príncipe e o de “qualquer pessoa do povo” — estão unidos da
mesma maneira que os dois primeiros. A compreensão de “qualquer
pessoa do povo”, e consequentemente sua responsabilidade, são
menores. Esta pessoa vê, na verdade, que o Senhor Jesus é o
representante do Seu povo, contudo, não como Advogado junto ao
Pai, mas como o Príncipe, o Rei junto a Deus. Isso, aliás, está
ligado ao governo de Deus, e não à família de Deus, que representa
a relação do Pai para com Seus filhos. Por essa razão, aqui não é
oferecido um novilho, como no primeiro caso (assim como em
Levítico 16, para Arão e sua casa), mas é oferecida uma cabra,
assim como pelo povo, no capítulo 16. Ainda assim, aqui o
sacerdote também exerce o seu serviço, pois sem o ministério do
Senhor Jesus como Advogado não há restauração.
Mas, embora seja verdade que no pleno significado desta
palavra pode ser visto apenas o sumo sacerdote — visto que
somente o sumo sacerdote, como tal, era totalmente ungido —
ainda assim podemos aplicá-lo a nós, pois todo crente está ungido
com o Espírito Santo. Até dos “filhinhos” em Cristo diz, em 1 João 2:
“vós tendes a unção do Santo” (vv. 18-20). É o Espírito Santo que
habita neles depois que aceitaram o evangelho e, mediante isso,
receberam de Deus o selo, que os reconhece como filhos Seus.
Foram selados e ao mesmo tempo ungidos, o que permite que
tenham discernimento dos pensamentos de Deus — e só a partir
desse momento podemos realmente ter discernimento.
Mas então percebemos quão grave é quando um sacerdote,
um dos filhos de Arão, peca. Nos capítulos anteriores vimos como
um crente pode tornar-se um sacerdote. Sim, é verdade que todo
aquele que aceitou o evangelho é um filho de Deus e pertence à
família de Deus. Em 1 Pedro 2 nos é dito expressamente que somos
sacerdócio santo — também sacerdócio real, mas não se trata disto
aqui —; um sacerdócio santo que pode apresentar o sacrifício. É a
esta família que todo crente pertence.
Nos capítulos seguintes de Levítico nos é dito que na família
sacerdotal há, em primeiro lugar, moças que podem comer
determinadas coisas santas, por pertencerem à família sacerdotal,
que, no entanto, não podem exercer serviço sacerdotal; em segundo
lugar, há moços que podem exercer serviço sacerdotal após terem
atingido certa idade, ou seja, adulto; e, em terceiro lugar, também há
filhos adultos, que não podem exercer o serviço sacerdotal por
serem portadores de algum defeito físico, o que os torna incapazes
de chegar à presença de Deus (cp. 21). Um sacerdote é, portanto,
um adulto na fé que, além disso, está habituado a assistir na
presença de Deus, exercendo ali o serviço sacerdotal, de modo que
sabe o que convém à presença de Deus. Conforme vimos no
capítulo 1 (no holocausto) e no capítulo 2 (na oferta de manjares),
todo israelita podia trazer um sacrifício, mas havia certos
procedimentos que somente o sacerdote podia realizar. O ofertante
podia trazer um sacrifício e imolá-lo, porém o sacerdote devia
colocá-lo sobre o altar e aspergir o sangue sobre o altar ao redor,
porque era necessário discernimento espiritual para isto, para saber
o que convém na presença de Deus.
Mas então entendemos o que está escrito aqui no capítulo 4
a respeito do primeiro caso. Quando um sacerdote pecava, a
comunhão de todo o povo com Deus era interrompida; pois a
comunhão com Deus somente é mantida pelo sacerdote. O caso era
idêntico quando toda a congregação de Israel pecava por
ignorância. Toda comunhão com Deus era interrompida, o que
tornava impossível trazer um sacrifício a Ele. Quão grave é quando
a congregação peca ou quando aqueles que ocupam a posição de
sacerdotes, na prática, pecam. Isto é de grande importância para
toda a congregação, visto que a comunhão entre a congregação e
Deus é interrompida e esta congregação não pode mais trazer os
seus sacrifícios. Por isso era necessário que se oferecesse um
sacrifício grande pelo pecado: “Se o sacerdote ungido pecar...
oferecerá ao SENHOR, pelo seu pecado... um novilho sem defeito
por expiação do pecado”. Quando a congregação de Israel pecava a
situação era idêntica. O sangue tinha que ser levado para dentro do
santuário, não no Santo dos Santos — isso acontecia somente no
dia da expiação — mas no santuário, ali onde os sacerdotes
normalmente exerciam o seu serviço; ali, onde estava o altar de
ouro, sobre o qual se queimava o incenso para aroma agradável ao
SENHOR. O sangue tinha que ser levado ali para remover as
impurezas do povo e para abrir novamente o caminho para a
adoração. Solene realidade!
Note que aqui não se trata de pecados cometidos
conscientemente. A Palavra de Deus nunca parte do princípio de
que um crente ou uma congregação peque conscientemente. Isso
está em tal contradição com aquilo que o crente é, e com o que a
Igreja de Deus é, que na Palavra de Deus isso nem sequer é
cogitado. No Antigo Testamento, esse tipo de pecado é chamado de
fazer “alguma coisa temerariamente” (Números 15:30), ou seja, fazer
algo que se sabe que é mau, mas que se faz mesmo assim,
conscientemente. Deus jamais cogita que o crente faria isso. Deus
sempre parte do princípio, como está escrito aqui, que a
congregação peca por ignorância ou que o sumo sacerdote peca
segundo uma transgressão do povo — ainda que seja terrível
quando um sacerdote peca à semelhança de uma transgressão do
povo, ou seja, como um que não é sacerdote. Deus presume que o
pecado tenha sido praticado por ignorância, e virá o momento — e o
Senhor Jesus tomará providências para que isso aconteça — em
que este pecado será conhecido.
Em 1 João 2:1 lemos: “Se alguém pecar, temos um Advogado
para com o Pai”. Esse Advogado é o Senhor Jesus; Ele exerce Seu
serviço. Em João 13 O vemos lavando os pés dos Seus discípulos,
mas 1 João 2 vai além; e em Lucas 22:31-32 notamos como o
Senhor exerce este serviço no caso de Pedro. Na carta aos Hebreus
lemos que o Senhor Jesus ora (intercede) por nós, para que não
pequemos. Ele pede em nosso favor, para que achemos graça para
socorro em tempo oportuno. Quanto nós pecaríamos se Ele não o
fizesse! Infelizmente ainda pecamos muito, porém, certamente
pecaríamos muito mais se não tivéssemos o auxílio das orações do
Senhor, por meio das quais Deus nos dá força para permanecermos
firmes diante de nosso adversário. Em Romanos 8, a Palavra de
Deus diz que Ele intercede por nós. O Senhor se ocupa conosco
para guardar-nos do pecado. Ele disse a Pedro que havia orado por
ele antes que pecasse, para que a fé dele não desfalecesse depois
de haver pecado. Então, quando Pedro pecou, o Senhor voltou-Se e
olhou para ele, e neste mesmo instante Pedro percebeu o que havia
feito e sua consciência despertou. Sim, Pedro havia negado ao
Senhor sabendo Quem Ele era, mas — se podemos dizer assim —
ele não negou o Senhor premeditadamente. Não foi como no caso
de Judas, que dias antes fora aos fariseus e aos sacerdotes para
ponderar com eles acerca de como poderia entregar o Senhor. Não,
no caso de Pedro tratava-se de algo que lhe sobreveio de súbito e,
quando o olhar do Senhor tocou sua consciência, ele reconheceu
que tinha pecado.
Mas então, quando tomamos consciência disso, devemos
trazer o sacrifício; devemos confessar nosso pecado e julgar a nós
mesmos. Mas como, através de quem e onde posso aprender o que
foi que fiz e quão terrível é este pecado? Somente posso aprender
isso quando me voltar e olhar para a cruz, e ver quão grande foi o
sofrimento do Senhor quando levou sobre Si este meu pecado.
Então a Palavra de Deus me afirma: ‘Ainda que homem algum
tivesse cometido qualquer outro pecado, e mesmo que tu não
tivesses cometido outro pecado, senão este único, ainda assim o
Senhor teria de sofrer tudo o que sofreu. Mesmo assim Ele teria sido
desamparado por Deus. Mesmo assim teria de exclamar: “Atolei-me
em profundo lamaçal”, e: “Me puseste no pó da morte” (Salmos 69:2;
22:15)’. Sim, por este meu pecado o Senhor teve de pagar este tão
grande preço! Isso torna evidente para mim o que é o pecado; de
outra forma, nunca o teria aprendido.
Quão poucos de nós, quando recém-convertidos, sentiram
horror quando, por exemplo, tinham falado uma meia verdade.
Quantos de nós pensamos que é grave quando, em determinados
momentos, não dizemos totalmente a verdade — não me refiro a
uma grande mentira, mas a uma pequena? Quantos de nós
consideramos pecado não terem ido à reunião, embora pudessem
ter ido? Talvez estejamos um pouco resfriados, mas, seja como for,
não temos muita vontade de ir e ficamos em casa. Por cada um
desses pecados o Senhor teve de sofrer sobre a cruz. Lemos em
Levítico 5:15: “Quando alguma pessoa cometer uma transgressão, e
pecar por ignorância nas coisas sagradas do SENHOR”; portanto,
pecar nas coisas a que Deus tem direito — será que Deus não tem
direito de exigir que compareçamos ao lugar ao qual Ele nos
convida para vir a Ele? Ele não tem o direito de que anunciemos a
Sua morte? Porventura o Pai não tem o direito de esperar que nos
reunamos aos domingos para trazer-Lhe sacrifícios de louvor e
gratidão? Por cada uma dessas pequenas coisas, por uma pequena
mentira, por uma meia verdade, por uma palavra irrefletida, o
Senhor teve de sofrer e morrer na cruz.
Mediante o sangue do cordeiro pascal, Israel foi guardado do
juízo de Deus. Mas, no Monte Sinai teve que aprender que Deus
não pode passar por alto nenhum pecado. Deus é santo e justo, e
deve agir sempre em concordância com a Sua natureza. O homem
é propenso a desconsiderar ou a desculpar coisas que julga não
serem importantes, mas Deus não age assim. Qualquer um
reconhece que não se pode passar por alto grandes transgressões;
mas Deus também quer nos ensinar que pecados cometidos por
ignorância, tão logo sejam conhecidos, devem ser tratados, e o
sacrifício prescrito precisa ser apresentado.
A Palavra de Deus nos diz que, quando houvermos pecado, o
Senhor se ocupa para que tomemos consciência disso por meio do
Espírito Santo; pois uma palavra leviana, uma pequena mentira,
uma meia verdade interrompem nossa comunhão com o Pai. Tudo
aquilo que encontramos em Números 19, em relação com o
sacrifício da novilha vermelha, refere-se ao contato com coisas
inerentes à morte, que, portanto, não são de Deus. São coisas que
nos contaminam, e toda contaminação interrompe nossa comunhão
com o Pai e com o Seu Filho. E em 1 João 1:9 lemos como
restabelecer essa comunhão: “Se confessarmos os nossos
pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos
purificar de toda a injustiça”. Essa é uma séria advertência para nós!
A seguir, a Palavra nos diz de que maneira podemos ser
purificados. Se o sacerdote pecasse tinha que trazer um novilho; se
a congregação pecasse, também tinha que trazer um novilho.
Espera-se que a congregação tenha uma ampla compreensão sobre
a obra do Senhor Jesus. Ela tem que olhar retrospectivamente para
a cruz, tem que imolar, ela mesma, o seu sacrifício;
conscientizando-se e sabendo em seu coração: ‘Por este pecado
que tenho cometido, o Senhor Jesus teve de morrer na cruz,
levando sobre Si o juízo de Deus’. Seria possível que um filho de
Deus pensasse nisso sem que seja humilhado e sem ver quão
terrível é um pequeno pecado — que um incrédulo sequer nota e
que, infelizmente, nós os crentes notamos tão pouco — e o que isto
é aos olhos de Deus? É verdade o que o irmão Darby escreve: “Aos
olhos de Deus, um pecado é mais terrível do que mil pecados, sim,
mais do que todos os pecados do mundo aos nossos olhos!”. Deus
é luz e não há nele trevas nenhuma.
Depois, o sacrifício tinha que ser ofertado e imolado.
Portanto, aquele que pecou — eu, quando peco, tenho que me
conscientizar de que levei ao Senhor Jesus à cruz por meio deste
pecado; e que Ele teve de sofrer tanto por causa desse pecado que
cometi. Isso não deveria humilhar-nos e tornar-nos prontos para
confessar a Deus o nosso pecado para recebermos perdão? Não,
não precisamos pedir por perdão, porém precisamos confessar e,
assim como temos visto anteriormente, “Ele é fiel e justo para nos
perdoar os pecados, e nos purificar de a toda injustiça”. O Pai me
ama; o Pai ama a todos os Seus filhos, e sempre está disposto a
perdoar — se confessarmos, não antes. Ele jamais perdoa antes de
haver confissão, visto que somente a confissão é o caminho para a
purificação. Tão logo confessamos, Ele nos purifica de toda
injustiça.
Dessa maneira, vemos que o sacrifício neste capítulo
depende da posição que nós ocupamos. Quando toda a
congregação ou o sacerdote havia pecado, precisava ser oferecido
um grande sacrifício. Embora os dois façam a mesma coisa, nem
por isso é o mesmo. Quando um irmão, que durante anos ocupou
seu lugar à Mesa do Senhor e ali exerceu seu serviço, fizer alguma
coisa, não é o mesmo que quando uma irmã jovem, que se
converteu há apenas um mês, comete o mesmo ato. Isso é um
princípio normal. Se aqui no Brasil, por exemplo, um menino de rua
e um advogado cometessem a mesma transgressão, você não
acredita que o juiz imporia uma pena bem maior ao advogado do
que ao menino? O advogado é muito mais culpado, porque tinha
melhor conhecimento do que estava fazendo. Deus age da mesma
maneira. Essa é a grande responsabilidade. Quanto mais próximos
estamos do Senhor, tanto maior é a nossa responsabilidade. Nisso
percebemos a diferença. Quando o sacerdote ungido ou a
congregação havia pecado, tinham de sacrificar um novilho. Quando
um príncipe havia pecado — um líder entre os irmãos, como
poderíamos dizer — tinha que trazer um bode sem defeito como
sacrifício. Quando qualquer pessoa do povo havia pecado —
digamos um simples crente — então podia ser trazido uma cabra
sem defeito pelo pecado que havia cometido.
Essa é a diferenciação que Deus faz. Certamente, pecado é
pecado, e Deus sabe melhor do que nós o que é pecado. Porém,
aqui não se trata do que o pecado é aos olhos de Deus, mas de
como um crente pode ser purificado das consequências do seu
pecado, e de como pode ser restabelecida a sua comunhão com o
Senhor e com o Pai. Aí vemos que Deus leva em consideração a
capacidade daquele que pecou. Quando alguém que conhece bem
a Palavra de Deus faz algo que está em contradição com a Palavra,
aos olhos de Deus isto é muito mais grave — e também deveria ser
mais grave aos olhos de quem pecou — do que se alguém que
conhece pouco a Palavra de Deus — que não teve tempo suficiente
para ler e pesquisar a Sua Palavra ou, que por qualquer outra razão,
tenha pouco discernimento dos pensamentos de Deus — fizer a
mesma coisa. Em todos os casos mencionados aqui em Levítico 4,
era necessário trazer um sacrifício pelo pecado. No início do
capítulo 5, estes sacrifícios são chamados tanto de sacrifício pelo
pecado como de sacrifício pela culpa, isso quer dizer que possuem
caráter misto. Então, a partir do capítulo 5:14, encontramos a
simples oferta pela culpa.
Observamos que no capítulo 4, não são mencionados
pecados específicos, mas tudo é resumido a “pecar contra alguns
dos mandamentos do SENHOR, acerca do que não se deve fazer” (v.
2). O tamanho do sacrifício dependia da proximidade que o
transgressor estava para com Deus.
Isso confirma o pensamento de que se trata de pecados que
não são perceptíveis pela consciência natural, a não ser que ela
tenha entrado em contato com Deus, conscientizando-se, portanto,
da sua responsabilidade de criatura para com o Criador. Isso aponta
para pecados que procedem da natureza pecaminosa do homem.
Eu sei, contudo, que a diferença entre pecados (atos pecaminosos)
e pecado (natureza pecaminosa) não é claramente evidenciada no
Antigo Testamento devido ao caráter da lei. A lei fala acerca dos
atos das pessoas, e isto está em perfeita concordância com os
caminhos de Deus para com o homem natural, que foi posto à prova
até a cruz. Somente a vinda do Senhor para esta terra e a Sua
rejeição, até mesmo por parte dos homens religiosos que possuíam
a Palavra de Deus, demonstrou a completa maldade da natureza
humana. Embora a completa corrupção da natureza humana seja
mencionada apenas esporadicamente no Antigo Testamento —
portanto essa verdade também não é apresentada claramente nas
prescrições acerca dos sacrifícios — podemos, no entanto, visto que
possuímos a completa luz do Novo Testamento, ligar essa
corrupção com os sacrifícios. Dessa maneira, podemos ver o
sacrifício pelo pecado, por um lado — que o Senhor Jesus carregou
os nossos pecados (1 Pedro 2:24) —; e, por outro lado, que Ele foi
feito pecado por nós (Romanos 8:2; 2 Coríntios 5:21). O sacrifício pelo
pecado nos mostra a santa separação do mal, feita por Deus. O
pecado ofende a santa natureza de Deus, por essa razão o pecado
fica sujeito à mais dura sentença. Deus pode levar em consideração
a compreensão que uma criatura tem, mas apesar da diversidade
dos sacrifícios, todos eles tinham de ser imolados e o seu sangue
aspergido. Não faz diferença se o pecado foi cometido na ignorância
ou conscientemente: “sem derramamento de sangue não há
remissão” (Hebreus 9:22).
O sacrifício pela culpa está mais em ligação com o governo
de Deus. Por isso a reparação do dano ocupa um papel importante,
como notaremos durante o estudo deste assunto.
Lendo o Salmo 51 vemos quão importante é a compreensão
do caráter do sacrifício pelo pecado, assim como o temos
contemplado. Na sua confissão, Davi não se atém ao seu ato, mas
volta atrás, até a fonte da qual proveio o seu ato pecaminoso.
Depois de haver expressado o verdadeiro caráter do pecado com as
palavras: “Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua
vista”, ele prossegue: “Eis que em iniquidade fui formado, e em
pecado me concebeu minha mãe” (vv. 4-5). Ele não condena apenas
seu ato, mas também a si mesmo e a sua natureza pecaminosa, da
qual havia procedido seu ato pecaminoso.
Esse é um princípio importante. Quando cometi algum
pecado, somente há plena restauração e verdadeiro
restabelecimento da comunhão com o Pai — de forma que todas as
consequências do meu pecado sejam removidas — se eu não
considerar apenas o ato pecaminoso, mas voltar atrás até a origem
do pecado e me julgar a mim mesmo. Como foi que aconteceu que
cometi esse pecado? Por exemplo, eu roubaria se estivesse em
comunhão com o Senhor?
Em 1 Timóteo 1:19 é falado acerca de pessoas que sofreram
naufrágio no que se refere à fé — a verdade de Deus. Ali, porém,
primeiramente nos é dito como chegaram a esse ponto. Quando
ando o meu caminho em comunhão com o Senhor, sempre
perguntando: “Senhor, o que queres que eu faça?”, será que eu
cairia em uma doutrina falsa? Impossível. Na comunhão com o
Senhor jamais aprendo uma doutrina falsa, e o Senhor me guardará
de todo mal. Mas ali, em 1 Timóteo 1:19 diz que, tendo rejeitado a
boa consciência, vieram a naufragar na fé. Compreendemos bem o
que é uma boa consciência. Na vida dessas pessoas aconteceu
algo por meio do qual sua consciência foi ferida, e não julgaram
isso. Não tiveram mais uma boa consciência. Essas pessoas
rejeitaram “fé” — sem artigo. “Fé”, sem o uso do artigo, significa a
nossa comunhão pessoal com o Senhor. “Fé”, com artigo, na
Palavra de Deus, significa a doutrina. Mas eu creio em algo. A
minha fé pessoal é aquilo que, na Palavra de Deus, é “fé” sem
artigo. Aquilo que eu creio é “a fé”, “a verdade de Deus”, portanto,
“fé” com artigo.
Mas como posso me tornar vítima de uma doutrina falsa?
Ora, somente depois que minha ligação pessoal com o Senhor está
interrompida e eu tiver rejeitado a minha boa consciência. Quando
realmente peco, de modo manifesto, então não é suficiente
confessar e arrepender-me deste pecado. É como no caso de Davi,
que voltou até a origem do pecado; ele questionou: ‘Como cheguei a
pecar assim?’. Pensou: ‘Como foi possível que o Senhor não me
guardou? Como pôde acontecer de eu praticar algo tão terrível?’. E
concluiu: ‘Foi porque rejeitei a minha boa consciência, deixando de
me purificar por meio do autojulgamento; porque não tinha mais
comunhão pessoal com o Senhor e, por causa disso, o Senhor não
pôde me guardar, e não tive força’. Este é o único caminho no qual
acontece a verdadeira purificação: no autojulgamento, voltando até
à fonte do ato cometido — não condenando apenas a ação, mas o
meu estado, do qual proveio essa ação. Somente depois que eu
condenar o meu estado é que serei verdadeiramente restabelecido.
O Sacrifício pelo Pecado

Parte II
Leia Levítico 4:13-35

Chegamos agora ao caso onde toda a congregação havia


pecado. É evidente que somente podemos nos ocupar com este
caso depois que o pecado do sacerdote ungido tenha sido tratado;
pois o ministério do sacerdote ungido se faz necessário na
restauração tanto da congregação quanto na de qualquer pessoa do
povo.
“Mas, se toda a congregação de Israel pecar por ignorância,
e o erro for oculto aos olhos do povo, e se fizerem contra algum dos
mandamentos do SENHOR, aquilo que não se deve fazer, e forem
culpados, e quando o pecado que cometeram for conhecido...”
(Levítico 4:13-14).
Portanto, segundo a Palavra de Deus, é possível que toda a
congregação tenha pecado sem, no entanto, ter tomado
conhecimento disso. Ela cometeu algo contra os mandamentos do
Senhor, tornou-se culpada, e ainda assim não está consciente disso.
As consequências demonstram quanto isso é grave. A ligação da
congregação com Deus está interrompida. Ela não pode mais entrar
no santuário, na presença de Deus, para apresentar ali as suas
ofertas e para servi-Lo antes que houvesse um restabelecimento.
Quando vemos a história da Igreja da forma como o Senhor
Jesus a descreve profeticamente em Apocalipse 2 e 3, notamos
como ela pecou. Na carta a Éfeso, vemos qual fora seu estado
inicial. Contudo, já se manifesta sua primeira decadência. O Senhor
precisa dizer: “Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro
amor” (Apocalipse 2:4); Ele a exorta a que se arrependa, caso
contrário Ele viria a ela e moveria do lugar o seu candeeiro. O
Senhor exorta cinco das sete igrejas ao arrependimento. Isto é uma
prova inequívoca de que a Igreja havia se desviado e que tinha
cometido coisas que estavam em contradição com as ordenanças
do Senhor. Quão grave é isso!
Felizmente, em Levítico 4, Deus mostra a possibilidade do
pecado se tornar manifesto; e em Apocalipse 2 e 3 o próprio Filho
de Deus vem para mostrar à Igreja em que consiste o desvio dela, e
exorta-a a que volte atrás, porque do contrário Ele não poderia mais
ter comunhão com ela. Quando toda a congregação peca, somente
Ele pode restaurá-la. Que grande graça é que Ele deseja fazer isto!
Porém, embora aqui se fale a respeito de toda a
congregação, fica claro que estes princípios são aplicáveis também
em todo lugar onde crentes se reúnem na unidade do Corpo de
Cristo, dando, dessa forma, expressão local do Corpo, da Igreja de
Deus. É bom que, por meio disto, sabemos como devemos nos
conduzir quando surge tal estado.
Primeiramente, vemos o caso em que toda a congregação se
engana e, em ignorância, comete um erro; faz algo que é contrário
às ordenanças de Deus.
Como essa possibilidade nos torna vigilantes!
Constantemente, devemos examinar tudo na luz de Deus e pedir
que Ele nos mostre se em alguma coisa temos agido de maneira
errada contra Ele. Por isso, seremos cautelosos quando tivermos
que tomar uma decisão, de modo que faremos isso sob oração e
examinando a Palavra de Deus; também em oração, a fim de
reconhecermos a vontade do Senhor e sabermos como agir em
cada caso. Como é bom que, quando erramos (e quem ousaria
dizer que nós, crentes, não cometemos erros?!), temos a
providência da parte de Deus, da qual lemos aqui: “o pecado que
cometeram for conhecido”.
O Senhor Jesus, na Sua graça, dará uma advertência. Ele
ama demais a Igreja para permitir que ela se desvie dEle ou que ela
tenha que ser colocada de lado sem ser advertida, conforme Ele
anuncia repetidamente nas sete cartas às igrejas. Ele não pode
permitir que, sem ser advertida, a Igreja chegue finalmente ao
estado que encontramos na sétima carta, a carta a Laodiceia. Ali, o
Senhor diz que irá vomitá-la da Sua boca porque ela O repugnava,
visto que não havia lugar para Ele no meio dela e ela não se
ocupava exclusivamente com Ele. Em Levítico 4 vemos que Ele
sempre cuidará para que uma advertência seja dada, tal como o
encontramos nas sete cartas. Ele pode fazer isso através dos Seus
servos ou diretamente por meio da Sua Palavra, falando aos
corações e às consciências. Pode também fazê-lo através de outras
assembleias, que nos advertirão de uma ação que não está em
concordância com a Palavra de Deus. A intenção do Senhor é que
essa assembleia se coloque na luz de Deus, e ali pergunte ao
Senhor se tudo o que ela fez realmente está de acordo com Sua
vontade e Seus pensamentos. Então, quando esta assembleia vê
que não está tudo de acordo com a vontade de Deus e que,
portanto, ela errou — mesmo que ela tenha cometido algum erro por
ignorância —, ela saberá como deve proceder, conforme lemos em
nosso capítulo.
A congregação devia tomar um novilho como sacrifício pelo
pecado e apresentá-lo diante da tenda da congregação. Isto não
pode ser feito ocultamente. Para cada pecado devia ser trazido um
sacrifício. Quando se trata de toda a congregação, Deus parte do
princípio de que ela pode trazer um sacrifício grande. Veremos
adiante que “qualquer pessoa do povo” podia trazer um sacrifício
menor. Podia trazer uma cabra (fêmea) sem defeito, ou mesmo uma
cordeira. Deus não espera o mesmo sacrifício de todos que
pecaram. Ele espera mais de um sacerdote do que de um príncipe,
um maioral do povo; Deus espera mais de uma congregação do que
de “qualquer pessoa do povo”. Deus leva em consideração cada
pessoa; para Ele não é a mesma coisa quando duas pessoas
cometeram o mesmo erro. Depende do estado e da posição da
pessoa que pratica o erro.
Quando um recém-convertido pratica alguma ação que está
em contradição com a Palavra de Deus não é o mesmo que quando
alguém que se converteu há décadas pratica o mesmo mal. Quando
alguém que não é versado na Palavra de Deus peca, aos olhos de
Deus isso não é o mesmo que se um irmão que pesquisa a Bíblia há
anos, e que tem compreensão dos pensamentos de Deus, o faz.
Para Deus também vale a regra: “nobreza compromete”. Quanto
mais conhecimento nós tivermos da Palavra de Deus, tanto mais
grave é fazermos algo que é contrário à Palavra e à vontade do
Senhor. Por esta razão, conforme vimos aqui, a congregação
também tem que trazer um sacrifício maior. O novilho é o maior
sacrifício que conhecemos. Em Levítico 16 tinha que ser trazido um
novilho por Arão e sua casa — uma figura de Cristo e Sua Igreja.
Para a restauração da comunhão, quando a Igreja se desviou e
pecou, são necessárias uma verdadeira e profunda volta a Deus,
uma sincera confissão de culpa e uma profunda compreensão
acerca da importância e do significado da obra do Senhor Jesus
pelos pecados.
É verdade que o sangue do Senhor Jesus não precisa ser
aplicado novamente. O sangue é aplicado no instante em que um
pecador vem com seus pecados e sua culpa a Deus, aceitando ao
Senhor Jesus; depois disso, nunca mais. Mas o crente que pecou,
deve voltar até a cruz do Gólgota, para ali aprender quanto o Senhor
Jesus sofreu por um pecado que este crente cometeu. Aqui, a Igreja
tem que voltar à cruz, mas não para ser novamente lavada pelo
sangue, mas para aprender quão terrível é o pecado que ela
cometeu. Cristo amou a Igreja e a Si mesmo Se entregou por ela
(Efésios 5:25). Este fato não pode ser revogado. Mas a Igreja deve
voltar àquele lugar para entender o que significa que Ele a santifica,
“purificando-a com a lavagem da água, pela palavra” (v. 26). Quão
terrível é, portanto, quando a Igreja se desvia e se contamina depois
que Cristo, por amor a ela, pagou este preço para santificá-la e
purificá-la! É por isso que ela deve chegar com um sacrifício grande,
pois o único caminho no qual ela pode ser purificada é que ela
adentre profundamente nos sofrimentos do Senhor Jesus e no preço
que Ele pagou em favor dela. Ela precisa olhar para o Gólgota e ver
o que custou para o Senhor Jesus entregar-Se por ela. Por meio
disso, ela precisa aprender quão grave é o pecado que ela cometeu,
e que o Senhor Jesus teve de ser desamparado por Deus — Ele
teve que ser colocado no “pó da morte” por Deus. A Igreja deve
aprender, novamente, quão perfeitos são os resultados da obra do
Senhor Jesus, e também deve notar que o Senhor Jesus satisfez
plenamente os requisitos de Deus no que se refere a este seu
pecado. Dessa maneira, a Igreja saberá também que, tão logo o
pecado é confessado, é perdoado. Encontraremos esta doutrina nos
próximos capítulos.
Há pouco havia mencionado 1 João 1:9, onde encontramos o
princípio que sempre é verdadeiro, mas que vale especialmente
para nós, crentes: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e
justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a
injustiça”.
Esse princípio também é válido para todo pecador que vem a
Deus; mas, em ligação com isto, deve ser considerado que Deus
deu o Seu Filho para que Ele pudesse fazer a obra da salvação. O
sangue do Senhor Jesus é o meio pelo qual Deus purifica ao
pecador de todas as suas injustiças, quando este confessa o seu
pecado. Para o crente também é princípio de validade geral, que ele
tem que confessar os seus pecados se quiser que o Pai o perdoe e
o purifique de toda iniquidade. Em 1 João 2:1-2 diz: “Meus filhinhos,
estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém
pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. E
ele é a propiciação pelos nossos pecados”. Sabemos que o termo
“Advogado” também é usado em João 14, 15 e 16, quando se refere
ao Espírito Santo. Às vezes é traduzido por “Advogado” e às vezes
por “Consolador”, porém tem um significado muito mais profundo —
significa: alguém que intervém plenamente pela pessoa que
representa e que defende todos os interesses dessa pessoa, sim,
que faz tudo o que é necessário por ela. Há processos judiciais nos
quais a pessoa não pode comparecer perante o juiz, mas deve ser
representada por um advogado, uma vez que este conhece as leis
— razão pela qual pode fazer uma melhor defesa do que a própria
pessoa. Com efeito, este é o significado da palavra que é usada
aqui. O Espírito Santo é o nosso Consolador (ou advogado) aqui na
terra, que faz tudo o que for necessário por nós. O Senhor Jesus é,
ao mesmo tempo, o nosso Advogado no céu, junto ao Pai, e ali Ele
faz tudo por nós, de maneira tão perfeita, como só Ele pode fazê-lo.
Lemos, pois, em 1 João 2:1: “Se alguém pecar”, então ele
tem um Advogado junto ao Pai. Quem é este Advogado? É o Justo,
“e Ele é a propiciação pelos nossos pecados” (v. 2). Ele, que por nós
vai ao Pai, pode dizer (e o Pai bem o sabe): ‘Eu sofri na cruz pelo
pecado que acabou de ser cometido, levando o juízo referente a
este, de modo que não mais poderá haver juízo quanto a este
pecado’. Ele é o Justo, e Deus sabe que Ele nunca comete erro e
que nunca há de encobrir pecado algum; nunca irá aprovar e apoiar
algo que for errado, como frequentemente acontece com os
advogados humanos. Sua palavra é a absoluta verdade, de modo
que Deus pode confiar plenamente no que Ele diz. Ele intercede por
nós para trazer-nos de volta à comunhão com o Pai; para que o mal
possa ser removido e para que Deus possa perdoar os nossos
pecados e nos purificar de toda iniquidade, conforme 1 João 1:9.
Por um lado, o Senhor Jesus opera em nós para levar-nos à
confissão; por outro lado, intercede por nós junto ao Pai, para que,
quando confessarmos, o Pai nos perdoe. E o Pai sempre perdoa,
pois Ele é Fiel e Justo quando o faz.
Primeiramente, o Senhor Jesus opera em nós para que
tomemos conhecimento do pecado que tivermos cometido. E como
ele fica conhecido a nós? Se eu fiz algo e não sei que foi mau, ou se
toda congregação cometeu um pecado e não sabe que fez um mal,
como poderemos saber que aquilo foi pecado?
Notamos como o Senhor Jesus age no caso de Pedro. O
Senhor o adverte antecipadamente, dizendo: “Nesta noite três vezes
me negarás”. Contudo, acrescenta: “Mas eu roguei por ti para que a
tua fé não desfaleça” (Lucas 22:32). Então, quando Pedro negou três
vezes a Jesus, o Senhor o olhou, fazendo-o lembrar das Suas
palavras; Pedro se conscientizou de que havia negado ao Senhor e
chorou amargamente. Depois da ressurreição do Senhor Jesus,
Pedro foi um dos primeiros a ser procurado pelo Senhor para falar
com ele. Mais tarde, quando Pedro se encontrava entre os demais
discípulos, o Senhor voltou novamente a esse assunto, indo até o
fundo, até às origens, para levar Pedro a uma verdadeira
restauração e a uma plena comunhão. Este é o objetivo que o
Senhor Jesus quer alcançar (João 21).
Quando um sacerdote ou toda a congregação peca, isso
constitui um caso especial, e não é suficiente dizer: ‘Sentimos muito
por havermos procedido assim!’. Com isto o caso não está
resolvido. Deus exige a real condenação do mal. Somente quando
condenarmos o mal — e conforme as suas proporções — é que
pode haver uma restauração completa da comunhão. Comunhão
quer dizer “participação”, e enquanto alguém, um crente ou a
assembleia, não julgar uma questão exatamente assim como o
Senhor Jesus a julga, não pode haver perfeita comunhão. Então o
Senhor nos conduz a uma real humilhação e a um verdadeiro
autojulgamento, que devem ser de acordo com a proporção do mal
que tivermos cometido. Isso é muito sério! É por esta razão que o
sacerdote também tem que trazer um novilho. Ele precisa ter uma
profunda compreensão do quanto custou ao Senhor Jesus levar o
juízo correspondente a este pecado; é necessário que ele entenda
quão terrível é o pecado. Mas, ao mesmo tempo, ele também deve
obter uma profunda compreensão das maravilhosas consequências
da obra do Senhor Jesus, para que saiba que a obra é tão perfeita
que não existe mais o menor impedimento para a comunhão entre o
Pai e aquele que pecou.
Tratando-se da congregação, o caso é o mesmo. Ela também
precisa trazer um novilho e imolá-lo. É necessário que ela note
quanto o Senhor Jesus teve de sofrer pelo pecado e quão terrível é
a ação que ela cometeu, por estar em desacordo com o objetivo que
o Senhor Jesus tinha quando Se entregou a Si mesmo pela Igreja,
para apresentá-la a Si santa e irrepreensível, como diz em Efésios
5. Porém, o novilho deve ser trazido primeiramente à tenda da
congregação. É o lugar no centro do arraial, aonde Deus convida a
Seu povo. Quem se dirige a este lugar, é visto por todos,
especialmente pelos sacerdotes, que moram ao redor da tenda.
Onde o pecado é verdadeiramente percebido e julgado, não
se procurará camuflá-lo ou escondê-lo. Se alguém pecou e o
mantém em segredo, não comentando com ninguém a respeito ou
mesmo quando é abordado a respeito não se manifesta, isso prova
que ele não se humilhou realmente. Alguém que verdadeiramente
se humilhou por causa do pecado, sente vergonha perante Deus, e
está disposto a admitir o seu pecado diante dos homens, sem usar
de fingimento. Moisés também mencionou diversas vezes o pecado
que havia cometido quando se irou — razão pela qual não pôde
entrar na terra prometida, pois não dera a Deus a honra. Ele
também descreve como implorou para poder entrar na terra
prometida, mas não foi possível, porque havia pecado. Nos Salmos,
Davi também fala abertamente sobre o terrível pecado que havia
cometido. Ele não o faz para aparecer, ou para suscitar uma
impressão de humildade, mas o faz em profunda humilhação, com o
coração quebrantado perante Deus. Estava ciente de que o seu
pecado era muito mais grave diante de Deus do que dos homens.
Por isso também, a confissão diante de Deus é muito mais séria do
que perante os homens. Depois de haver feito uma confissão
perante Deus, ele estava disposto a confessar também diante dos
homens, reconhecendo diante deles a sua vergonha.
Quando a congregação havia pecado, o novilho tinha que ser
imolado como expiação pelo pecado diante da tenda da
congregação, no átrio, onde todo o povo de Deus se reunia.
“Os anciãos da congregação porão as suas mãos sobre a
cabeça do novilho perante o SENHOR; e degolar-se-á o novilho
perante o SENHOR” (cp. 4:15). Os irmãos mais idosos, que pela
experiência que fizeram em comunhão com o Senhor obtiveram
compreensão a respeito dos pensamentos de Deus e que por meio
disso possuem autoridade moral no meio dos crentes, precisam, em
nome da assembleia, identificar-se com o pecado; devem
reconhecer: “Nós havemos pecado”, colocando suas mãos sobre a
cabeça do novilho, o qual era imolado a seguir. A consciência de
terem levado ao Senhor Jesus à cruz, conduz a uma verdadeira
confissão de culpa e, por meio disto, à perfeita restauração.
Simultaneamente, veem que o Senhor Jesus tomou cabalmente
sobre Si o juízo correspondente a este pecado, libertando-os.
Sabem então que o Pai lhes perdoa com base na obra do Senhor
Jesus. Eu já mencionei que não é a ocupação com os nossos
pecados que nos torna humildes, mas a experiência da graça e do
amor do Pai e do Filho. Enquanto éramos pecadores e inimigos de
Deus, Ele deu o Seu Filho, e o Senhor Jesus Se deu a Si mesmo
para nos salvar. Se, pois, pecamos depois de havermos crido, Ele
não nos dá as costas, mas permanece o mesmo e nos procura na
luz da plena graça que Ele nos demonstrou — mesmo quando nós
damos as costas a Ele. Ele vive para interceder em nosso favor e
para trazer-nos de volta, como o fez com Pedro. O que realmente
nos torna humildes é a Sua graça, Sua misericórdia, Seu amor
imutável, que não é diminuído pela nossa frieza; Sua fidelidade
inalterável, que nunca, jamais, é enfraquecida pela nossa
infidelidade; Sua graça, que é invariavelmente grande — sim graça
sobre graça — que experimentamos na prática, diariamente em
nossas vidas. Aqui, em nosso trecho, isto também nos é
apresentado. Porém, agora vem o sacerdote, aquele que assiste na
presença de Deus e que por isso julga as coisas segundo os
pensamentos de Deus, e que pode interceder junto a Ele, pois sabe
quais são os Seus pensamentos e como a comunhão interrompida
pode ser restabelecida. No caso onde a congregação pecou, o
sacerdote ungido tem que fazer o serviço sacerdotal. Porém,
quando um maioral, um príncipe ou qualquer pessoa do povo
pecasse, não se fala do sacerdote ungido, mas apenas do
sacerdote. É verdade que o sacerdote ungido também pode ser uma
figura de nós, os crentes, como filhos de Arão. Em primeiro plano,
porém, a expressão “sacerdote ungido” refere-se ao Senhor Jesus,
visto que só Arão tinha plena unção. Se, pois, a igreja pecou, quem
fora o Senhor Jesus poderia restabelecer a ligação com Deus, o
Pai? Quem fora Ele pode trazer a igreja de volta ao lugar que ela
abandonou, o lugar no santuário, ao qual ela pode achegar-se com
intrepidez para servir a Deus?
É a atividade que o Senhor Jesus exerce agora no céu, como
nosso Advogado. Essa atividade, nas figuras do Antigo Testamento,
faz parte do sacerdócio e é contada entre as atividades dos
sacerdotes. Contudo, no Novo Testamento, onde brilha a luz plena,
o ministério do Senhor Jesus no céu é visto sob dois aspectos: por
um lado, como serviço sacerdotal; por outro, como intercessor. O
sacerdócio no Novo Testamento não tem nada a ver com pecados,
mas apenas com a ajuda para que não caiamos em pecado. É o
que encontramos na carta aos Hebreus. Ele é capaz de
compadecer-se das nossas fraquezas, porque em tudo Ele foi
tentado como nós, exceto o pecado. Por isso podemos achegar-nos
com ousadia ao trono da graça (cp. 4:15-16). No capítulo 7 vemos
que Ele vive para interceder por nós. Porém, a Bíblia não chama
pecados de “fraquezas”. Nós, na verdade, frequentemente o
fazemos, e somos propensos a dizer: ‘Isso é o meu caráter, não
posso mudar nisso; é uma fraqueza que tenho’. Na Palavra de
Deus, no entanto, não encontramos isso. Ali, fraqueza é não sermos
suficientemente fortes para resistir a Satanás, para vencer o mundo.
O Senhor Jesus vive como sacerdote junto a Deus para que nós
achemos graça para socorro em tempo oportuno, não caindo assim
em pecado.
Em 1 João 2:1-2 encontramos o outro aspecto do sacerdócio
do Antigo Testamento, que tem a ver com os nossos pecados e que,
no Novo Testamento, é chamado de atividade de um intercessor ou
de um advogado. Este é o serviço sacerdotal que encontramos aqui
nos capítulos 4 a 6 de Levítico: “Então o sacerdote ungido trará do
sangue do novilho à tenda da congregação, e o sacerdote molhará o
seu dedo naquele sangue, e o espargirá sete vezes perante o
SENHOR, diante do véu” (Levítico 4:16-17). Aqui se trata de toda a
congregação, que consiste de sacerdotes e de outros membros que
não são filhos de Arão. Os sacerdotes estão habituados a estar na
presença de Deus e a entrar no santuário, para ali servirem a Deus.
Como, porém, podem entrar estando contaminados por pecado? Se
a congregação toda pecou, todos estão contaminados por meio
disso. Então o lugar também está contaminado, pelo fato de terem
entrado; pois, tudo o que entrar em contato com a impureza, fica
contaminado. Como Deus poderia permitir que nos achegássemos,
e como nós poderíamos ter a ousadia de entrar quando pensamos
no mal que havemos praticado? No entanto, vemos aqui o
maravilhoso fato de que o sacerdote introduz o sangue no santuário
e o asperge “sete vezes perante o SENHOR, diante do véu”.
Em Levítico 16 já temos visto que o sangue era aspergido
uma única vez perante o Senhor, e que esta única vez basta para
toda a eternidade. Deus viu este sangue no Gólgota, e jamais o
esquece. O poder desse sangue está continuamente perante Ele,
mesmo quando eu houver pecado; quando tenho que me humilhar
profundamente e reconhecer que minha vida não é como deveria
ser. Quem de nós não teria de admitir isso? Quem de nós não se
curva perante Deus à noite e reconhece quão fraca é nossa
resposta ao Seu amor, à Sua graça; quão minúscula é a nossa
devoção a Ele em comparação com a Sua entrega por nós? Deus
deu o Seu Filho Unigênito em nosso favor, e o Senhor Jesus
entregou-Se por nós na cruz, e hoje Ele ainda Se entrega totalmente
por nós. Então nós precisamos nos questionar como Deus pode ter
agrado em nós, e como nós, apesar de tudo, podemos ter ousadia
para chegar à Sua presença.
Porém Deus vê o sangue constantemente, e nos vê no
Senhor Jesus. Além disso, vemos aqui a atividade do Senhor Jesus,
que aponta para o sangue, de modo que sempre somos lembrados
de que havemos pecado. Mas o Senhor Jesus também sofreu pelo
nosso pecado. Deus já sabia desse pecado antes que o tenhamos
cometido. Ele não se engana acerca de nós. O sangue do Senhor
Jesus também é suficiente para este pecado. Vemos aqui a
atividade do Senhor Jesus, do sacerdote ungido, quando o
sacerdote ou a congregação toda peca. Na verdade, vamos ver que
para esse serviço sacerdotal Ele pode, muitas vezes, usar homens,
isto é, cristãos que têm uma mentalidade tão espiritual que, falando
figuradamente, podem ser considerados filhos de Arão. Mas aqui
encontramos expressamente o sacerdote ungido, que representa
em primeiro plano o próprio Senhor Jesus.
“E o sacerdote molhará o seu dedo naquele sangue, e o
espargirá sete vezes perante o SENHOR, diante do véu” (v. 17).
Quando, pois, o sacerdote, após ter feito isso, entrar pela primeira
vez no santuário para realizar o serviço e para trazer a Deus o seu
incenso, então ele vê a base do sangue. Tinha de ser aspergido
sete vezes, ou seja, era necessário que fosse dado um testemunho
perfeito do poder do sangue, do qual Hebreus 10 diz que abriu para
nós o caminho ao santuário, à presença de Deus. Dessa forma, o
sacerdote tem novamente intrepidez para entrar no santuário.
Aqui, porém, trata-se da Igreja, que consiste de todos os
crentes, jovens e velhos, e estes se reúnem em um lugar, à porta da
tenda da congregação. O altar de bronze, o altar do holocausto que
está ali, é, na Escritura, chamado de “Mesa do Senhor”. Também
vemos isto em 1 Coríntios 10, onde encontramos o lugar
neotestamentário; onde, segundo os pensamentos de Deus, deve
celebrar-se a Ceia. A “Mesa do Senhor” é o lugar onde se celebra a
“Ceia do Senhor”, para onde o Pai e o Senhor Jesus convidam os
filhos de Deus para participarem com Eles da refeição comum. Esse
é o lugar onde a Igreja se reúne. Quando os crentes estão na fé —
contanto que sejam sacerdotes na prática, isto é, que tenham uma
mentalidade espiritual — podem entrar no santuário, onde está o
trono de Deus no céu, enquanto seus corpos se encontram aqui na
terra. Por isso ambos os lugares devem estar caracterizados pelo
sangue.
“E daquele sangue porá sobre as pontas do altar, que está
perante a face do SENHOR, na tenda da congregação” (v. 18). Este é,
portanto, o altar sobre o qual os sacerdotes exercem seu ministério,
porém não mediante a apresentação de sacrifícios animais, mas
mediante o incenso. Sacrifícios animais falam, principalmente, da
cruz, da obra do Senhor Jesus; o incenso, no entanto, fala da Sua
glória pessoal. Portanto, verdadeira adoração é quando oferecemos
incenso a Deus; os sacrifícios animais têm mais essencialmente o
caráter de louvor e gratidão. Quando trazemos ao Pai as glórias
pessoais que temos visto no Senhor Jesus e no próprio Pai, então
correspondemos àquilo que o Senhor Jesus disse em João 4:23-24:
“Porque o Pai procura a tais que assim o adorem” (O adorem em
espírito e em verdade).
Nos primeiros capítulos de Levítico temos visto que também
podemos apresentar ao Pai, em adoração, aquilo que vimos da
glória do Senhor Jesus no holocausto e na oferta de manjares.
Aquilo, porém, que está representado no incenso, é Sua glória
pessoal, que oferecemos sobre o altar de ouro, no santuário.
Quando entramos ali, depois que a comunhão está restabelecida,
vemos o sangue, que, por um lado, é a lembrança de que temos
pecado, porém, por outro lado, vemos também que este sangue é
suficiente para nossa restauração. Não perdemos o nosso
sacerdócio; e quando tivermos confessado o pecado, podemos
achegar-nos novamente com intrepidez para oferecermos nosso
incenso. Deus vê nosso incenso em ligação com o sangue que está
nos chifres do altar do incenso.
Após o sacerdote ter colocado parte do sangue sobre os
chifres do altar, ele devia derramar o restante na base do altar do
holocausto, que estava à porta da tenda da congregação. Vemos
aqui o segundo aspecto, a saber, que todo o restante do sangue é
derramado no lugar onde, aqui na terra, a Igreja se reúne à “Mesa
do Senhor”, para que todos os que ali se reúnem se conscientizem
de que podem se reunir ali, na presença de Deus, sobre o
fundamento do sangue do Senhor Jesus, sobre a base da Sua obra
na cruz. Mesmo que tenham pecado, este pecado está removido
graças à obra do Senhor Jesus, e a antiga comunhão com Deus, o
Pai, está restabelecida. A base, que consiste no sangue sobre a
qual se reúnem, lhes afirma: “Todos, todos meus pecados o Seu
sangue dissipou” (Hinos espirituais, nº 26).
Porém, encontramos ainda vários pontos maravilhosos: “E
tirará toda a gordura do novilho da expiação; a gordura que cobre a
fressura, e toda a gordura que está sobre a fressura, e os dois rins,
e a gordura que está sobre eles, que está junto aos lombos, e o
redenho de sobre o fígado, com os rins, tirá-los-á. E tirará dele [do
novilho] toda a sua gordura, e queimá-la-á sobre o altar” (Levítico 4:8-
9,19). Isto é um fato maravilhoso! Quando nós nos ocupamos com o
nosso pecado, reconhecendo-o perante Deus, e olhamos para a
cruz, onde o Senhor Jesus teve de sofrer por este pecado, então
Deus dirige o nosso olhar sobre a glória interior do sacrifício. Já
temos notado que, na Bíblia, a gordura é figura da energia de
vontade. Deus nos faz ver que toda a energia do Senhor Jesus
estava voltada para o contentamento de Deus; Ele andou com poder
divino o Seu caminho até a cruz, para carregar ali os nossos
pecados e suportar o juízo de Deus. Isso aconteceu em perfeita
sabedoria. Os rins, conforme Jó 38:361, são a sede da sabedoria;
aqui eles são oferecidos, junto com toda a gordura, sobre o altar do
holocausto. Em Levítico 3:11,16, e capítulo 21:6, vemos que Deus
chama isso de “Seu manjar, Seu alimento, Seu pão”.
Fica evidente, portanto, que a obra do Senhor Jesus não é
apenas suficiente para remover o pecado que acabamos de
cometer, mas que, ao mesmo tempo, Ele também glorificou a Deus
e lançou a base sobre a qual podemos ter novamente comunhão
com Deus, para que possamos comer novamente da oferta pacífica
e chegar-nos à tenda da congregação; sobre essa base também a
Igreja pode oferecer outra vez seus sacrifícios, que são queimados
sobre o altar do holocausto. A palavra hebraica que aqui é usada
para “queimar a gordura” significa, na realidade, “incensar”. Isso nos
mostra quão preciosa é, para Deus, a gordura — a energia na qual
o Senhor Jesus consumou a obra na cruz, pelo pecado que
acabamos de cometer; e por meio da qual Ele satisfez plenamente a
Deus. É verdade que nos próximos dois versículos iremos ver que
Deus teve que ferir ao Senhor Jesus quando carregava em Seu
corpo o nosso pecado e foi feito pecado por nós. Aqui, porém, Deus
nos mostra que o Senhor, mesmo então, era totalmente puro e
agradável para Ele. Vemos nisso a ligação com o holocausto.
Segue agora outro aspecto dessa verdade. Lemos: “E fará a
este novilho, como fez ao novilho da expiação” (v. 20). Conforme os
versículos 11 e 12, isto significa: “Mas o couro do novilho, e toda a
sua carne, com a sua cabeça e as suas pernas, e as suas entranhas
e o seu esterco, enfim, o novilho todo levará fora do arraial a um
lugar limpo, onde se lança a cinza, e o queimará com fogo sobre a
lenha; onde se lança a cinza se queimará”. A palavra empregada
aqui para “queimar” não é o mesmo termo hebraico que é usado
para “queimar a gordura” (= incensar). Aqui, essa palavra significa:
“consumir completamente”. Que impressão nós obtemos por meio
disso, de quão terrível o pecado é aos olhos de Deus e do que o
Senhor Jesus teve que suportar na cruz!
O sacrifício pelo pecado tinha que ser consumido totalmente
pelo juízo de Deus, porque nada que seja pecaminoso, que proceda
do velho homem pecaminoso, pode subsistir diante de Deus.
Graças a Deus Ele quitou tudo no Senhor Jesus, assim que nós
podemos dizer: “Morremos com Cristo”. A Palavra de Deus diz isto
em Colossenses 3:3. Contudo, é necessário que essa verdade nos
impressione novamente, para que tomemos consciência do que
temos praticado. O pecado que havemos cometido foi um reviver do
velho homem, para o qual Deus só tem juízo. Dessa maneira,
aprendemos novamente o que o pecado é na realidade.
Quão maravilhosamente se vê nisso a graça e a sabedoria de
Deus! Se víssemos somente como o sacrifício pelo pecado é
totalmente consumido pelo juízo de Deus, acaso os nossos
corações não ficariam cheios de temor? Porventura não
pensaríamos que não haveria mais graça para nós, nem
restauração por havermos pecado novamente? Não teríamos que
nos questionar se há uma volta à nossa posição anterior, da qual
caímos por haver pecado?
Porém, se somente tivéssemos diante de nós o outro lado, o
poder do sangue e o valor da gordura, acaso isso não faria com que
fossemos levianos no que se refere ao pecado, de forma que não
considerássemos isso seriamente e disséssemos: ‘O Senhor Jesus
levou sobre Si todos os meus pecados; Deus, portanto, os perdoou;
não há mais juízo para mim’?
Vemos aqui a maravilhosa sabedoria de Deus. Ele nos
mostra, por um lado, o terrível do nosso pecado — o que nos
conduz ao autojulgamento e a voltar atrás — e, por outro lado,
vemos que uma perfeita restauração é possível com base na obra
do Senhor Jesus; obra esta, que nos mostra quão terrível é o nosso
pecado, mas, ao mesmo tempo, mostra que Deus recebeu plena
satisfação por esse pecado; sim, mais ainda, no momento em que
Deus executou o juízo sobre o pecado, Ele foi glorificado de forma
perfeita. Por isso, agora encontramos como resultado: “e o
sacerdote por eles fará propiciação, e lhes será perdoado o pecado”
(v. 20).
A seguir, vem o terceiro caso: “Quando um príncipe pecar, e
por ignorância proceder contra algum dos mandamentos do
SENHOR seu Deus, naquilo que não se deve fazer, e assim for
culpado; ou se o pecado que cometeu lhe for notificado, então trará
pela sua oferta um bode tirado das cabras, macho sem defeito” (vv.
22-23).
Na igreja há homens que possuem influência e autoridade
moral, porque Deus os capacitou para poderem ocupar uma posição
de liderança no meio dos crentes, embora não sejam sacerdotes. Ao
lermos os livros de Esdras e de Neemias, notamos que Esdras era o
sacerdote. Era muito mais espiritual, bem mais familiarizado com os
pensamentos de Deus e tinha muito mais comunhão prática com
Deus do que Neemias. Mas, apesar de tudo, Neemias era um
príncipe, e foi usado por Deus. Por vezes, há situações no meio dos
filhos de Deus para as quais Ele pode usar melhor um irmão menos
espiritual, porém com muita mais energia do que um crente mais
espiritual. Deus pôde usar Esdras para muitas coisas, porém, havia
certas ocasiões nas quais Neemias era mais adequado.
Aqui vemos um homem que não estava acostumado a servir
diariamente perante Deus, no santuário, e que, no entanto, é um
líder no meio dos crentes, um príncipe, um homem que tem
autoridade nas coisas inerentes ao governo dentro da igreja. A
Bíblia menciona o dom de “governos” (1 Coríntios 12:28). Este dom
nada tem a ver com espiritualidade, mas com entendimento no que
se refere às coisas práticas dentro da igreja.
Devemos entender com clareza que os dons — tais como:
mestres, evangelistas, pastores, etc. — que o Senhor Jesus dá,
nada têm a ver com mentalidade espiritual. Nas figuras das
Sagradas Escrituras, notamos que os dons são representados pelos
levitas, não pelos sacerdotes. Sacerdotes não carecem de dons,
pois estão acostumados a assistir na presença de Deus, estando
diariamente em comunhão com o Senhor, andando o seu caminho
com Ele. Pode ser o caso de um irmão que não se manifeste
audivelmente nas reuniões, ou de uma irmã que, naturalmente, não
se faz ouvir senão quando canta.
Portanto, vemos aqui um príncipe que pecou. A restauração
dele é, em parte, diferente da de um sacerdote. Um príncipe, como
tal, não entra no santuário, por isso o sangue também não é levado
a esse lugar. De resto, o processo de restauração é idêntico. O
pecado precisa ser levado ao conhecimento dele. Conforme já
vimos, isto não é dito no caso de um sacerdote. Uma pessoa que
está diariamente na presença do Senhor, no santuário, e tem
comunhão com Ele, normalmente não tem necessidade de que
alguém venha e lhe diga: ‘Você pecou’. A Palavra de Deus parte do
princípio de que tal pessoa perceba imediatamente, por si mesma, o
seu pecado. Porém, no caso de um príncipe, isto pode ser diferente.
Vemos, por exemplo, quanto tempo demorou até que Davi se
arrependesse. Houve a necessidade de dizer-lhe que havia pecado.
O príncipe também tem que trazer sua oferta, porém não é
necessário que seja um novilho, um bode já basta. Sabemos que
uma cabra era especialmente propícia como sacrifício pelo pecado.
Em Levítico 16, dois bodes representam o sacrifício pelo pecado
para Israel, e em Mateus 25, os inimigos do Senhor Jesus, que por
Ele serão julgados, são chamados de bodes. O príncipe deve, pois,
trazer um bode. Ele deve ter mais compreensão acerca da obra do
Senhor Jesus do que uma pessoa qualquer dentre o povo. O macho
fala de energia, de força, na qual é realizada a posição. Por isso, em
Mateus 25, os adversários declarados do Senhor são representados
por bodes. O bode, como sacrifício pelo pecado, aponta para a força
varonil, na qual o Senhor Jesus consumou, na cruz, Sua obra de
propiciação pelos pecados. O animal fêmea representa mais o
estado em uma posição. Portanto, a cabra como sacrifício pelo
pecado mostra mais o aspecto passivo do Senhor Jesus ao levar
sobre Si o pecado.
Deus espera mais de pessoas que ocupam uma posição
proeminente e de liderança na igreja do que dos outros, visto que
elas têm maior responsabilidade. Não é igual se duas pessoas
praticam o mesmo mal. É o que também vemos aqui. O príncipe
teve que ofertar por holocausto um animal macho sem defeito e,
como sacrifício pelo pecado ele deve trazer um bode, e imolá-lo no
lugar onde se imola o holocausto.
Ele precisa caminhar com seu bode desde a sua tenda até ao
lugar onde o SENHOR Se reúne com o Seu povo. Não lhe é
permitido trazer a sua oferta ocultamente. Se ele pecou
publicamente, deve confessar isso publicamente. E, ainda que não
se trate de um assunto público, deve ser visto que ele é humilde e
que tem conhecimento de si próprio. Ainda que ninguém saiba que
mal ele cometeu, deve notar-se, pela sua atitude, que trouxe um
sacrifício pelo pecado. Ele precisa atravessar o arraial, com o bode,
até a tenda da congregação, e ali, como sinal de identificação, deve
colocar a mão sobre a cabeça do animal e imolá-lo perante a face
do SENHOR — não perante os irmãos ou as irmãs, ainda que,
frequentemente, eles sejam testemunhas disso, mas perante a face
do Senhor.
Acaso não é algo muito mais sério ter que confessar um
pecado perante o Senhor do que perante as pessoas, que são tão
fracas como nós e que, talvez, tenham cometido frequentemente o
mesmo pecado? Mas, apesar disso, achamos geralmente mais fácil
confessar perante o Senhor do que perante os homens. Não seria,
porventura, por reconhecermos muito pouco a gravidade do pecado
e por sermos tão orgulhosos que não queremos manifestar aos
homens o nosso verdadeiro estado? Acaso não é muito mais grave
ter que confessar um pecado a Deus, o Santo e o Justo — e que,
ainda assim, é tão clemente conosco — do que aos homens?
Quando vemos quão terrível é o pecado, e quando realmente
estamos humilhados, será assim conosco. É por isso que aqui diz
que o animal devia ser imolado perante o SENHOR como sacrifício
pelo pecado.
Novamente o sacerdote toma o sangue, mas não o introduz
no santuário, pois o príncipe não tem acesso a este lugar. Sua
comunhão pessoal com o Senhor está interrompida, mas não a
comunhão de toda a congregação. Por isso não há necessidade de
levar o sangue para dentro do santuário. O sacerdote coloca
daquele sangue sobre os chifres do altar de bronze, e todo o
restante do sangue derrama à base do altar do holocausto. Este é o
lugar onde qualquer pessoa do povo pode achegar-se. Quando,
pois, o príncipe chegar ali, ele vê o sangue, e é lembrado de que a
obra foi consumada, que seu pecado foi expiado, e que ele pode ir
até ali com intrepidez. Com outras palavras, isso significa: ele pode
tomar o seu lugar novamente à Mesa do Senhor; chegando, dessa
maneira, à presença do Senhor. Ali, o Senhor lhe mostra o sangue,
de modo que pode cantar: “Todos, todos os meus pecados o Seu
sangue dissipou”. Ele pode estar ali com a consciência tranquila,
porque sabe: ‘Este pecado também foi removido (após tê-lo
confessado diante de Deus), pois o Senhor Jesus levou o juízo
referente a ele’.
Aqui vemos novamente a gordura sobre o altar, mas é falado
pouco acerca dela. O príncipe não vê a preciosidade da gordura
tanto como o sacerdote. Quanto mais estivermos em comunhão
com o Senhor e quanto mais nós estivermos na presença de Deus,
tanto mais veremos a excelência da obra do Senhor Jesus e tanto
mais compreenderemos também a importância que essa obra tem
para Deus.
“E, se qualquer pessoa do povo da terra pecar por ignorância,
fazendo contra algum dos mandamentos do SENHOR, aquilo que
não se deve fazer, e assim for culpada; ou se o pecado que
cometeu lhe for notificado, então trará pela sua oferta uma cabra
sem defeito, pelo seu pecado que cometeu” (vv. 27-28). Esta pessoa
ocupa outra posição, por isso Deus também julga a sua ação
diferentemente da de um príncipe ou de um sacerdote. Ele deve
trazer um sacrifício pelo pecado, mas pode ser um animal fêmea.
Precisa conscientizar-se de que o Senhor também teve que morrer
por este pecado — ainda que não seja de forma tão intensa como o
sacerdote, que, estando na presença de Deus, adentrou mais
profundamente em todas as coisas. Porém, também neste caso, o
ofertante deve colocar a sua mão sobre a cabeça do animal, tomar
consciência de que se trata de um sacrifício pelo pecado; deve
identificar-se com ele e então imolar o sacrifício pelo pecado no
lugar onde se imola o holocausto. Se ele mesmo não tiver tanta
compreensão, o Senhor Jesus gostaria de levá-lo a entender que o
sacrifício pelo pecado está em ligação com o holocausto. Embora
este sacrifício seja oferecido por um pecado, pelo qual o Senhor
Jesus teve que levar sobre Si o juízo de Deus, ainda assim Ele
glorificou a Deus nisso; desse modo, o ofertante irá entender que o
pecado foi perdoado.
Também neste caso a gordura deve ser queimada no altar,
como incenso. Contudo, vemos algo maravilhoso, que é
mencionado somente aqui, no versículo 31: “por cheiro suave ao
SENHOR”. É como se, de modo especial, Deus viesse ao encontro
deste crente espiritualmente pobre, que tem menos compreensão
acerca do valor da obra do Senhor Jesus, e procurasse lhe dar um
encorajamento especial, explicando-lhe que a obra do Senhor Jesus
é um aroma agradável para Ele. Dessa maneira, a consciência do
ofertante pode ser contentada no tocante ao pecado que cometeu;
porque ele reconhece que Deus foi glorificado e achou Seu agrado
quando o Senhor Jesus morreu por este pecado, como “cheiro
suave ao SENHOR”.
Este ofertante também pode trazer uma cordeira (ovelha),
que é o animal menos apropriado para um sacrifício pelo pecado.
Mas lemos aqui também: “o sacerdote a queimará sobre o altar, em
cima das ofertas queimadas do SENHOR; assim o sacerdote por ele
fará expiação dos seus pecados que cometeu, e ele será perdoado”
(v. 35). A gordura de uma cordeira também é oferecida sobre as
ofertas queimadas ao SENHOR, ficando, por isso, em ligação com
estas. Aqui, igualmente, Deus procura despertar no coração do
ofertante a compreensão acerca da excelência da obra do Senhor
Jesus e da importância que ela tem para Ele. Dessa maneira, o
ofertante pode entender que a obra do Senhor Jesus é perfeita e
gloriosa, embora não tenha tanta compreensão e não seja um
sacerdote que, na presença de Deus, no santuário, reconheceu
como Deus aprecia este sangue. Ele pode entender que esse
sangue não é apenas suficiente para salvar um pecador, mas que
também pode trazer de volta um filho de Deus que pecou,
reconduzindo-o à comunhão plena com o Pai e com o Filho. Ele é
reconduzido ao lugar onde outrora se reunira com toda a
congregação, junto à tenda da congregação, à Mesa do Senhor,
aonde Deus convida o Seu povo. Ele tem, novamente, livre acesso
e a possibilidade de servir a Deus no santuário.
Quão maravilhoso é o valor da obra do Senhor Jesus e o
poder do Seu sangue! Quão maravilhosa é a graça do Pai e do
Filho, pois preparam tal caminho para o retorno, de modo que, após
qualquer desvio, existe a possibilidade de volta para todo filho de
Deus, sim, até mesmo para toda a congregação. Sabemos que,
infelizmente, a Igreja como um todo não fez uso dessa
possibilidade. Apocalipse 2 e 3 nos mostra que a Igreja não
empreendeu o caminho de volta. Por isso o fim dela será ser
vomitada da boca do Senhor. Porém, Deus ainda mantém aberto o
caminho para cada um de nós, para que reconheçamos a gravidade
dos pecados que cometemos e para que também vejamos o
caminho que conduz à completa restauração e à perfeita comunhão
com Ele. Que graça, que amor, mas também que grande
responsabilidade para nós!

1 N do E. Veja comentário no vol.1.

O Sacrifício pelo Pecado

Parte III
Leia Levítico 5:1-13

Chama a nossa atenção o fato de que temos mais de dois


capítulos (somando 61 versículos) que tratam do sacrifício pelo
pecado e pela culpa, enquanto que as três diferentes ofertas de
aroma agradável são descritas em três capítulos (somando apenas
50 versículos). Isso aponta claramente para o caráter e a fraqueza
do povo de Deus. Os pecados e a culpa ainda desempenham um
papel tão significativo na vida do crente, que Deus precisa se ocupar
disso com muito empenho. Mais uma vez esse fato nos mostra o
que somos e nos leva à humilhação. Ao mesmo tempo, ficamos
cheios de admiração pela bondade de Deus e do Senhor Jesus, que
manifestam amor a pessoas como nós, suportando-as sem Se
cansarem. Deus enviou o Seu Filho à cruz para salvar essas
pessoas, e o Filho veio voluntariamente para redimi-las. Mas,
mesmo depois que estão redimidas e já receberam vida nova e o
Espírito Santo, ainda cometem tanto pecado e praticam tanta
injustiça que tanto o Pai quanto o Filho têm que ocupar-Se
ininterruptamente delas, assim como vemos nesses sacrifícios.
No capítulo 4 temos visto os quatro sacrifícios pelo pecado, a
saber: para o sacerdote, para a congregação, para o príncipe e para
qualquer pessoa do povo. No último caso são mencionados dois
animais. Em todos os casos, na verdade, era prescrito o tipo de
sacrifício, mas não se menciona qual o pecado que cada ofertante
havia cometido. Consta simplesmente: “Quando uma alma pecar,
por ignorância, contra alguns dos mandamentos do SENHOR, acerca
do que não se deve fazer” (cp. 4:2). Isso é importante. Aqui se trata
de coisas que são pecados, por estarem em desacordo com a
Palavra de Deus. Essa caracterização do pecado encontramos
também em 1 João 3:4, sobre o qual já falei diversas vezes. Pecado
é tudo aquilo que o homem faz na independência da autoridade que
Deus e o Senhor Jesus têm sobre ele. Portanto, tudo o que está em
desacordo com a Palavra de Deus é pecado, sem considerar o que
cada ato em particular tenha sido. O conhecimento dessa verdade
conduz a um julgamento sábio do pecado.
Quero elucidar essa caracterização (do que é pecado), por
meio de um fato notável do Antigo Testamento. Dentre os dez
mandamentos, nove podem ser compreendidos também por
pessoas incrédulas de moral elevada. Existem milhares de
incrédulos que nunca cometeram um homicídio, nunca adulteraram,
nunca roubaram, não mentem etc.. São ações que a consciência do
homem natural também condena; ações que até mesmo entre os
incrédulos trazem má fama para quem as pratica. Há, porém, entre
os dez mandamentos, um que nenhum incrédulo pode
compreender; um mandamento cuja transgressão a consciência
natural não considera como um mal. No caso desse mandamento,
dependia exclusivamente se o israelita queria ou não obedecer a
Deus. Refiro-me ao mandamento de guardar o sábado,
mandamento este, que exigia que não se trabalhasse no sétimo dia
da semana, mas que se repousasse. O homem natural não
compreende por que tem que ser precisamente o sétimo dia. Por
que não, por exemplo, o sexto (dia que os maometanos observam),
ou por que não pode ser a segunda, terça ou quarta-feira? O
princípio é simples: não lhes era permitido trabalhar neste dia
porque Deus havia instituído o sétimo dia como o dia de descanso.
Portanto, a única razão era que Deus o havia determinado assim. É
por essa razão que no Pentateuco, e especialmente em Levítico,
encontramos a frequente repetição do mandamento sabático nas
ocasiões em que Deus dava novos mandamentos, proibições e
instruções. Este era o único mandamento cujo cumprimento
dependia expressa e exclusivamente do fato de querer ou não
obedecer a Deus. O fato de que alguém nunca tenha cometido
homicídio ou roubo não é uma prova de que teme a Deus.
Infelizmente, às vezes vemos que crentes também cometem essas
coisas, e isto, de forma alguma é uma prova de que temem a Deus,
nem que sejam crentes. Um sinal claro de que alguém é crente e
que teme a Deus é quando ele deixa de fazer certas coisas nas
quais, na verdade, ele não vê nenhum mal, mas das quais Deus diz
que não são boas. Ele obedece sem questionar, porque reconhece
a autoridade de Deus e do Senhor Jesus. Em todas as situações ele
consulta a vontade do Senhor Jesus, seu Senhor, que o comprou
por um preço. O parecer do Senhor lhe basta, de modo que não se
atreve a ter seu próprio parecer. A fé diz: “Senhor, o que queres que
eu faça?”. Nós também encontramos esse tema nos capítulos que
estão diante de nós.
No capítulo 4 trata-se de que alguém faça algo por
ignorância, que infrinja um mandamento ou uma proibição de Deus.
Entretanto, a gravidade do caso depende do conhecimento dos
mandamentos ou proibições de Deus. Por isso, todos os pecados
são resumidos sob a caracterização de que estão em desacordo
com aquilo que Deus estabeleceu na Sua Palavra. Por essa razão,
o sacrifício pelo pecado (que deve ser apresentado) e a gravidade
do caso diante de Deus, dependem da pessoa que pecou. É
verdade que todos os filhinhos em Cristo têm a unção do Santo, e
deles, a Bíblia diz que sabem tudo. Não obstante, existem
diferenças de grau de conhecimento e de fé entre os santos. Assim
como na estrutura física e na inteligência das pessoas há
diferenças, também há diferenças quanto à capacidade de
compreensão espiritual. Nós nem sempre podemos julgar essa
diferença, e certamente nem sempre conhecemos as causas, mas
Deus o sabe, e leva tudo em conta. Deus não exige o mesmo de
alguém que possui pouco entendimento espiritual do que de alguém
a quem Ele deu a oportunidade e as capacidades de ocupar-se
muito com a Sua Palavra para adquirir conhecimento. É por essa
razão que encontramos, no capítulo 4, sacrifícios pelo pecado que
não estão vinculados ao pecado cometido, mas sim com a posição
que ocupa aquele que pecou. Deus pode avaliar perfeitamente essa
posição; sabe também avaliar cada pessoa com precisão.
Aqui, porém, no capítulo 5, vemos pecados que a consciência
natural frequentemente classifica como tais; especialmente a partir
do versículo 14 notamos isso claramente, onde se trata do mero
sacrifício pela culpa. Ali também não há diversos sacrifícios; o
homem simples dentre o povo tem que trazer o mesmo sacrifício
que o príncipe ou que o sacerdote que pecou. Isto é um princípio
importante. Quando um crente ingênuo comete um pecado que a
consciência natural já condena, então este crente não é menos
responsável e culpado perante Deus do que o irmão mais espiritual
que cometer o mesmo pecado.
Nos primeiros versículos do capítulo 5 vemos, na realidade,
três espécies de pecados. No versículo 1 trata-se da omissão de
testemunhar algo quando deveríamos fazê-lo. “E quando alguma
pessoa pecar, ouvindo uma voz de blasfêmia, de que for
testemunha, seja porque viu, ou porque soube, se o não denunciar,
então levará a sua iniquidade”. A seguir, vemos nos versículos 2 e 3
que a insuficiente separação e santificação é um pecado para Deus.
“Ou, quando alguma pessoa tocar em alguma coisa imunda, seja
corpo morto de fera imunda, seja corpo morto de animal imundo,
seja corpo morto de réptil imundo, ainda que não soubesse, contudo
será ele imundo e culpado”. É um princípio que toda pessoa
conhece: a ligação com o mal contamina. Todos sabem que as
mãos ficam sujas quando as colocamos na lama. No versículo 3
temos o mesmo princípio em outra aplicação: “Ou, quando tocar a
imundícia de um homem, seja qualquer que for a sua imundícia,
com que se faça imundo, e lhe for oculto, e o souber depois, será
culpado”.
Então, no versículo 4 diz: “Ou, quando alguma pessoa jurar,
pronunciando temerariamente com seus lábios, para fazer mal, ou
para fazer bem, em tudo o que o homem pronuncia temerariamente
com juramento, e lhe for oculto, e o souber depois, culpado será
numa destas coisas”. Aqui se trata de domínio próprio e da
responsabilidade no falar. Em diversas passagens, a Palavra de
Deus condena a precipitação no falar. Encontramos aqui, portanto,
três espécies de transgressões, e creio que, a princípio, indicam os
pecados que com mais frequência ocorrem no mundo.
O termo hebraico, que no versículo 1 é traduzido por
“pecado”, tem o significado de “desviar-se daquilo que é justo”. É o
contrário de “atingir o alvo”. A mesma palavra também é usada nos
versículos 5 e 6; no capítulo 4 também é encontrada, onde tem o
significado de “desviar-se dos mandamentos ou das proibições do
SENHOR”. Aqui, de modo geral, significa: “desviar-se daquilo que é
justo”. Se alguém “ouvindo uma voz de blasfêmia, de que for
testemunha, seja porque viu, ou porque soube, se o não denunciar,
então levará a sua iniquidade”. Aqui não se trata tanto de
testemunhar uma imprecação que se tenha ouvido, mas da
obrigação imposta pelas autoridades de se confirmar por meio de
juramento aquilo que se sabe ou que se viu. Portanto, quando as
autoridades interrogarem alguém que está sob juramento, é
necessário que essa pessoa fale a verdade e relate honestamente o
que viu ou sabe. Encontramos outras passagens bíblicas
correlacionadas em Provérbios 29:24; 1 Reis 8:31 e Números 5:21.
Vemos claramente este princípio no Senhor Jesus, quando foi
interrogado: “Ora, os príncipes dos sacerdotes, os anciãos, e todo o
conselho, buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem
dar-lhe a morte; e não o achavam; apesar de se apresentarem
muitas testemunhas falsas, não o achavam. Mas, por fim chegaram
duas testemunhas falsas, e disseram: Este disse: Eu posso derrubar
o templo de Deus, e reedificá-lo em três dias. E, levantando-se o
sumo sacerdote, disse-lhe: Não respondes coisa alguma ao que
estes depõem contra ti? Jesus, porém, guardava silêncio”. O
homem do mundo afirma que não há nada mais tolo que o acusado
pode fazer do que calar-se quando falsas acusações são
apresentadas contra ele. Normalmente, o silêncio significa
consentimento. O Senhor Jesus guardou silêncio. Ele não se
defendeu. A seguir lemos: “E, insistindo o sumo sacerdote, disse-
lhe: Conjuro-te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o
Filho de Deus” (Mateus 26:59-63). Esta era a fórmula de juramento
entre os judeus e também do Antigo Testamento. Há países em que
até hoje é costume que aquele que jura não pronuncia a fórmula,
mas sim aquele que toma o juramento, assim como o sumo
sacerdote aqui. O Senhor Jesus sabia muito bem quais seriam as
consequências de uma resposta afirmativa. Consentimento
significaria Sua sentença de morte. Contudo, lemos: “Disse-lhe
Jesus: Tu o disseste” (v. 64). Notemos que agora o Senhor Jesus
responde, porque a lei, Sua própria Palavra diz que, quando
interrogado sob juramento, temos a obrigação de responder e dar
testemunho da verdade — sejam quais forem as consequências que
possam resultar disso. Para mim, esse versículo foi uma lição
importante. Eu era contra o juramento (com base em Mateus 5:33-37) e
sempre agi de acordo com isso. Porém, esses versículos de Mateus
26 me fizeram entender que, quando autoridades quiserem me
interrogar sob juramento, segundo os pensamentos de Deus eu
devo prestar juramento.
Porém, no meu entender, do teor do texto de Levítico 5:1, fica
evidente que esse princípio tem um significado muito mais
abrangente do que apenas um juramento perante as autoridades.
Aqui se trata de que temos a obrigação de testemunhar a respeito
daquilo que temos visto ou sabemos. Caso não o fizermos, teremos
de levar a nossa iniquidade.
Este é um princípio importante na vida dos filhos de Deus e
de toda a Igreja de Deus. Acaso nós já não vivenciamos uma
situação onde o pecado de um irmão ou de uma irmã se tornou
manifesto e ao mesmo tempo também foi descoberto que uma ou
mais pessoas já tinham conhecimento do caso há muito tempo, mas
se calaram? Já não presenciamos que um irmão ou uma irmã foram
acusados de algo e que uma ou mais pessoas sabiam que não era
verdade, mas por antipatia ou por algum outro motivo se calaram,
de forma que a acusação permaneceu sobre aquele irmão ou
aquela irmã? Aqui diz que isto é pecado e culpa perante Deus, e
que aquele que assim proceder, levará sua iniquidade. No meio dos
filhos de Deus deve reinar verdade. É necessário que se
testemunhe contra o mal e em favor do bem; não podemos nos
calar; precisa haver justiça, assim como Deus é justo e sempre age
em justiça. Quantas dificuldades e quantas contaminações surgiram
em decorrência dessas atitudes, de modo que assembleias foram
manchadas, por vezes durante décadas, não podendo ser
abençoadas por Deus porque um ou vários irmãos tinham
conhecimento de algum mal, mas não o manifestaram. Há
aproximadamente 20 anos falei com um irmão a respeito de uma
localidade onde já há dezenas de anos havia dificuldades. Ele me
disse: ‘Estou convicto de que há muito tempo aconteceu algum
pecado ali, e que uma ou mais pessoas que sabem disso ainda
vivem, mas não o manifestam. Enquanto estas pessoas viverem, ali
haverá um bloqueio no meio da assembleia, a menos que revelem o
erro’. Mais tarde Deus manifestou tudo e, depois que o mal foi
julgado, tornou a haver bênção.
Mas será que este princípio não vai além? Acaso não envolve
também a omissão do testemunho em favor do Senhor Jesus
perante outras pessoas em nossas vidas? Conceda Deus que haja
entre nós pessoas que não tenham que se condenar nisto!
Porventura não deixamos muitas vezes de testemunhar do Senhor
Jesus quando, na realidade, deveríamos fazê-lo? Com isso não
quero dizer que deveríamos abordar a cada um que encontramos na
rua e falar do Senhor Jesus. Contudo, o Senhor nos conduz a
circunstâncias nas quais o silêncio significa infidelidade para com
Ele. Se alguém me pergunta por que não faço certa coisa, então é
infidelidade para com o Senhor se eu não indicar o verdadeiro
motivo. Por acaso não é falsa vergonha ocultar que pertenço ao
Senhor Jesus e não manifestar que só Ele tem autoridade sobre
mim, de modo que quero ser submisso a Ele e fazer somente o que
Ele quer? É verdade que isso não me trará honras neste mundo,
mas agradeço a Deus que o Senhor Jesus é meu Salvador, que Ele
me comprou pelo Seu sangue. Lemos em 1 Coríntios 6: “Porque
fostes comprados por bom preço” (v. 20). Eu O tenho aceitado como
Senhor e Salvador; portanto, que desonroso é negar perante o
mundo ou perante alguma pessoa que sou propriedade dEle. Quão
vergonhoso é quando eu nego perante o mundo, ou perante
alguém, que sou propriedade do Senhor Jesus; e quando o mundo
me coloca a prova e eu deveria falar, me envergonho de confessar o
Seu nome! A Palavra de Deus diz aqui: “se o não denunciar, então
levará a sua iniquidade”. Pergunto aos mais jovens em nosso meio,
que estão em escolas, universidades, escritórios ou empresas: Qual
a nossa atitude quando somos chamados a dar um testemunho,
quando professores ou colegas nos fazem perguntas que, se formos
honestos, somente podemos responder com o nome do Senhor
Jesus, tendo que dizer: “Porque Ele é o meu Senhor, e eu quero
servi-Lo, não faço tais coisas”? Somos fiéis nestas situações? Deus
diz aqui: “se o não denunciar, então levará a sua iniquidade”. No que
se refere ao testemunho contra o mal, não afirmo que devamos
protestar contra todo o mal que vemos neste mundo. No entanto,
pode haver circunstâncias nas quais a ausência de um testemunho
contra o mal é pecado contra Deus.
Agora chegamos ao segundo princípio, a falta de separação:
“quando alguma pessoa tocar em alguma coisa imunda, seja corpo
morto de fera imunda, seja corpo morto de animal imundo, seja
corpo morto de réptil imundo, ainda que não soubesse, contudo será
ele imundo e culpado”. O termo hebraico “ascham”, que aqui e nos
versículos 3, 4, 5 e 17 é traduzido por “culpado”, significa “culpado
perante alguém a quem se é responsável”. Não precisamos
questionar a Quem somos responsáveis. Todo ser humano deve
responsabilidade ao seu Criador. A Palavra de Deus nos diz, em
Colossenses 1:16, que o Senhor Jesus criou todas as coisas para Si
mesmo; em 2 Pedro 2 e na epístola de Judas o Senhor Jesus é
chamado de Senhor de todos os homens. Conforme Mateus 13, Ele
comprou a terra e tudo o que a ela pertence, por conseguinte, tudo é
propriedade dEle. Ele é, portanto, o Senhor de todo homem na terra.
Mas Ele é especialmente o nosso Senhor, nós que temos recebido o
perdão dos nossos pecados com base no fato de termos aceito a
Ele como nosso Senhor e Salvador. Temos dado a entender que
somos propriedade dEle, e jamais poderemos agradecer
suficientemente a Deus por isso. O que nos levou a refugiarmo-nos
no Senhor Jesus? Lemos em Isaías: “... eu vi também ao Senhor
assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o
templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas;
com duas cobriam os seus rostos, com duas cobriam os seus pés, e
com duas voavam. E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo,
Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da
sua glória... Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque
sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de
impuros lábios” (cp. 6:1-5). Acaso não foi essa a razão pela qual nós
também nos refugiamos no Senhor Jesus; porque vimos que
éramos nascidos em pecado, que éramos pecadores perdidos que
viviam em pecado? A Bíblia nos mostra claramente o que o Espírito
Santo fez conosco quando nos convertemos: fomos conduzidos por
meio da santificação do Espírito à obediência e à aspersão do
sangue de Jesus Cristo (1 Pedro 1:2). Também encontramos o
mesmo em 2 Tessalonicenses 2:13 e em muitas outras passagens.
Por isso Deus diz: “Sede santos”. “Santo” significa nada mais que
“separado”. “Sede santos, porque eu sou santo” (Levítico 11:44-45; 1
Pedro 1:16). Pela obra do Espírito Santo, e pelo sangue do Senhor
Jesus, nós somos separados de tudo o que está em desacordo com
Deus e, portanto, sobre o que paira a Sua ira. Quão terrível é
quando abandonamos a separação na prática e nos relacionamos
com o que é mau aos olhos de Deus!
Primeiramente, é mencionado “corpo morto de fera imunda”.
Qual motivo há para que eu, um homem puro, tenha contato com
uma fera impura, selvagem e, mais ainda, com o cadáver, o corpo
morto desse animal? Um animal não tem espírito e, portanto, não
tem entendimento. Um animal selvagem fala da rejeição de qualquer
autoridade, ou seja, da ação exclusiva segundo os desejos
corruptos e bestiais do coração pecaminoso. O cadáver (ou a
carniça) aponta para a total ausência de vida, isto é, ausência de
tudo aquilo que provém de Deus, como, por exemplo, a consciência
e qualquer boa virtude que o homem poderia possuir como criatura.
Que terrível é, pois, quando um “santo” entra em contato com tais
pessoas! Porventura não temos de admitir que, infelizmente, isso
acontece com frequência conosco ou com outros crentes? O que
um filho de Deus tem a ver com as literaturas impuras que circulam
no mundo ou com a imoralidade nas revistas e nas novelas, que
infelizmente se encontram também nas casas e nas mãos de
crentes que professam pertencer ao Senhor Jesus? O que crentes
têm a ver com a imundícia e a iniquidade que vêm através da rádio
e da televisão?1 Eu sei que os jovens nas escolas são quase
obrigados a ler tais livros; quantos há, porém, que o fazem
espontaneamente, sem que haja qualquer necessidade? Até mesmo
nas escolas, onde se procura obrigar-nos, talvez não seja
necessário. Em cada situação, a questão mais importante é saber o
que o Senhor Jesus nos diz neste ou naquele caso, e se realmente
queremos obedecer a Ele.
A Palavra de Deus também nos diz quais são as
consequências em cada caso: “ainda que não soubesse” — isto é,
que não tenha se dado conta de algo desde o começo e que, por
descuido, tenha se envolvido — “contudo será ele imundo e
culpado”.
O seguinte é, aparentemente, menos grave: o contato com o
cadáver de um animal doméstico imundo. À classe dos animais
domésticos pertencem aqueles que são domados e que, portanto,
não são mais selvagens. Esta classe de animais reconhece, em
certa medida, a autoridade, de modo que os piores excessos podem
ser evitados. Mas, não obstante, trata-se de animais — ou seja,
homens — sem entendimento e sem ligação com Deus. Essa classe
pode compreender o assim chamado mundo cristão e os incrédulos
de moral elevada. O que provém destes não traz a característica da
imoralidade, mas são as coisas chamadas neutras, que,
socialmente falando, não podemos qualificar como erradas. Deus,
contudo, chama isso de “cadáver”, algo sobre o qual impera a morte
e que, por isso, não tem vida de Deus. Deus é a fonte de toda vida,
e a morte fala daquilo que não está em ligação com Ele, mas que é
julgado por Ele — isto é, o homem natural. Ao lermos Números 19,
vemos que cada membro do povo de Deus é contaminado pelo
contato com a morte.
Quem tocasse ou pisasse nos ossos de alguém no deserto,
ficava imundo. Quem entrava numa tenda em que havia um morto,
ficava imundo. Qualquer contato com algo que não está em ligação
com Deus contamina o crente. Na verdade, há circunstâncias em
que não podemos evitar uma contaminação. Em Números 19, a
Palavra diz que, quando alguém morrer numa tenda, todos os que
nela estiverem ou nela entrarem serão imundos por sete dias.
Números 6:9 diz que isso pode acontecer “por acaso, subitamente”.
Apesar disso, quem estiver presente nesse momento estará
contaminado. Porém, em Levítico 21:2 lemos que um filho de Arão
podia contaminar-se pela morte de seus familiares mais próximos,
contudo, sem tornar-se culpado. Deus reconhece os laços de
família, mesmo em se tratando de um filho de Arão. Mas, embora
não seja culpado, ele deve ser purificado de acordo com a
prescrição de Números 19. Encontramos o mesmo em João 13. Por
ocasião do lavamento dos pés dos Seus discípulos, o Senhor Jesus
usa a figura de um homem que já se havia banhado. Mas ele tem
que sair para a rua novamente, onde há pó; de modo que seus pés
são contaminados de novo. Quando retornar à casa, seus pés
carecem ser lavados novamente, para que ele fique todo limpo. O
Senhor Jesus dá a entender que Ele está constantemente ocupado
com nossa purificação, para que possamos ter comunhão com Ele
nas coisas celestiais, nas coisas inerentes ao lar paterno. Até
mesmo aquilo que, na linguagem da Palavra de Deus, nos é
apresentado na figura de pés contaminados, nos torna incapazes de
ter comunhão com o Senhor da Glória. Nós também vemos isso no
Antigo Testamento. Quando os sacerdotes entravam na tenda da
congregação para realizar o serviço, tinham que, primeiramente,
lavar as mãos e os pés. Só então podiam entrar no santuário, na
presença de Deus. Embora não possamos evitar que nossos pés
sejam contaminados pelo pó, o Senhor Jesus diz que isto nos
contamina (João 13). Aqui, porém, em Levítico 5:2, se trata de coisas
que não necessariamente tem de ser tocadas. Aqui são coisas que,
vistas exteriormente, não são completamente imundas, como um
animal selvagem. É um animal, mas é animal imundo, mesmo
depois de domesticado; e aqui se trata do cadáver deste animal —
que fala de morte. Qualquer contato com isso contamina o crente.
Todavia, aqui vai além, pois lemos: “ainda que não soubesse,
contudo será ele imundo e culpado”. Repito: aqui, o termo “culpado”
significa: “culpado com relação a alguém a quem devo satisfação”.
Para nós, é o Senhor Jesus e Deus. Aqui, a Bíblia nos mostra que
somos responsáveis perante Ele, o Criador, e perante o nosso
Senhor, que nos comprou pelo Seu sangue.
Passamos agora ao caso do “corpo morto de réptil imundo”, o
mais baixo que existe. Trata-se daquilo que também as pessoas
honradas deste mundo consideram indigno e que, entretanto, às
vezes é encontrado entre os crentes. Pode acontecer que crentes
também leiam e contemplem coisas que uma pessoa incrédula
descente não tolera em seu lar. Quero demonstrar, mediante um
exemplo, quão perigoso isto é: Um crente, que estivera excluído da
comunhão por ter vivido uma vida imoral durante anos, contou-me o
seguinte: “Minha comunhão com o Senhor não foi interrompida
quando cometi aquele ato mau por primeira vez. O início foi sete
anos antes disso, quando fui andar por uma travessa para olhar
para dentro das janelas por pura curiosidade. Ainda demorou sete
anos para se realizar a ação, porém, durante esses sete anos,
minha comunhão com o Senhor esteve interrompida e não tive mais
forças. Dessa maneira, cheguei finalmente a cair, por não ter julgado
o meu pecado e porque não fiz conforme o estabelecido aqui em
Levítico 5”. Esse perigo também existe para cada um de nós.
Porém, aqui Deus diz o que isso significa para Ele. Quando
alguém tiver feito tal coisa, “ainda que não o soubesse, contudo será
ele imundo e culpado”; isto quer dizer: mesmo que ele não tenha se
conscientizado de que ficou contaminado por isso. Não posso
imaginar que um crente, que está consciente de que livros imorais,
revistas, televisão, etc., podem contaminá-lo, ainda assim continue à
procura destas coisas; a menos que seja por causa de sua
fraqueza, pela qual mais tarde irá humilhar-se. Há muitos que
procuram se convencer a si mesmos (já o tenho ouvido repetidas
vezes): ‘Essas coisas não me afetam’. Segundo a Palavra de Deus,
isso não é verdade, visto que quem faz essas coisas fica
contaminado, também quando ele pensa que isso não o afeta:
“ainda que não o soubesse, contudo será ele imundo e culpado”.
Isto é um princípio sério! A ignorância não isenta alguém de culpa, a
menos que não tivesse como sabê-lo. Na linguagem judicial se diz:
“Pressupõe-se que todos conheçam as leis, visto que foram
publicadas”. Ora, nós temos toda a Palavra de Deus, portanto,
podemos saber o que nos contamina. Devemos ser obedientes e
fazer somente o que o Pai e o Senhor Jesus nos ordenam. Além
disso, temos a unção do Santo, e sabemos tudo. Entretanto, se
fazemos algo por ignorância, e por meio disso nos tornamos
culpados, é porque não temos consultado ao Senhor Jesus, não
temos examinado suficientemente a Bíblia e não temos, neste
momento, comunhão prática com o Senhor.
Outro aspecto encontramos no versículo 3: “Ou, quando tocar
a imundícia de um homem, seja qualquer que for sua imundícia,
com que se faça imundo, e lhe for oculto, e o souber depois, será
culpado”. “A imundícia de um homem”! Nas cartas do Novo
Testamento, os incrédulos são designados com a palavra “homens”.
Portanto, eu suponho que neste caso podemos pensar que se trata
da ligação com incrédulos, ou seja, não é tanto a corrupção moral,
como no versículo 2, mas a ligação com pessoas que não nasceram
de novo. Pelo novo nascimento, “pela santificação do Espírito” (1
Pedro 1:2), somos inteiramente separados dessas pessoas. São
pessoas ímpias, inimigas de Deus, pecadores, no caminho ao
inferno (Romanos 5:6-10). Não servem a Deus, mas a Satanás, e
rejeitam o Senhor Jesus. Sua motivação é contrária à daqueles que
se convertem dos ídolos a Deus “para servir o Deus vivo e
verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho” (1 Tessalonicenses 1:9-10).
Frequentemente nós pensamos de forma leviana a respeito da
relação amistosa com membros da família ou conhecidos que são
incrédulos, ou a respeito de associações comerciais com incrédulos.
Todavia, na Palavra de Deus vemos quanto Ele leva a sério estas
coisas. Em 2 Coríntios 6 lemos: “Não vos prendais a um jugo
desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a
injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que
concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o
infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos?
Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles
habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o
meu povo”. Mas como prossegue? “Por isso saí do meio deles, e
apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo, e eu vos
receberei; e eu serei para vós Pai, e vós sereis para mim filhos e
filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso” (vv. 14-18). O Pai, portanto, se
recusa a reconhecer-nos como filhos enquanto tivermos alguma
ligação com incrédulos, estando em um jugo comum com eles.
Certamente todo crente é um filho de Deus, mas o Pai se recusa a
reconhecer-nos na prática como tais, porque Ele não pode tolerar
nenhum vínculo com a impureza. Como conclusão disso, o apóstolo
escreve então — e acredito que estas palavras abrangem os
versículos 2 e 3 de Levítico 5 —: “Ora, amados, pois que temos tais
promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do
espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus” (2 Coríntios
7:1).
Então, quando pensamos em todas as glórias que temos
visto nesses sacrifícios, em todas as maravilhosas bênçãos que
Deus nos deu e lemos esta palavra tão séria — que Deus somente
nos reconhece nessa posição e que somente podemos ter
comunhão com Ele quando estivermos separados dos incrédulos e
de tudo que está em contradição com Ele — será que isso não nos
leva a colocarmo-nos na luz do Senhor para julgarmos nosso andar
prático e pedir-Lhe que nos mostre se essas coisas das quais temos
lido estão presentes na nossa, na minha vida? E quando Deus nos
mostra essas coisas, não deveríamos nós mesmos julgá-las e
removê-las, para que nossa comunhão com o Pai e com o Filho seja
restabelecida e para que Deus possa novamente nos dar a
percepção e o gozo de que Ele é nosso Pai e nós Seus filhos?
Nós ainda veremos qual o caminho que leva a isso. Contudo,
o primeiro passo nesse caminho é o juízo sobre tudo aquilo que é
contrário à Palavra de Deus — e que por isso Ele condena em
nossa vida — para que nos conscientizemos e reconheçamos que
não temos correspondido à nossa responsabilidade para com Ele.
Nós Lhe devemos responsabilidade; Ele é o nosso Senhor, que nos
comprou pelo Seu sangue e pagou o preço por nós, de modo que
agora somos propriedade Sua, e Ele é o nosso Senhor.
O terceiro caso vemos então no versículo 4: “Ou, quando
alguma pessoa jurar, pronunciando temerariamente com os seus
lábios, para fazer mal, ou para fazer bem, em tudo o que o homem
pronuncia temerariamente com juramento, e lhe for oculto, e o
souber depois, culpado será numa destas coisas”.
Portanto, trata-se aqui de falar precipitadamente, sem refletir
e ainda confirmar o que foi dito com um juramento. Normalmente,
essas duas coisas andam juntas. Quanto mais irrefletidamente
alguém fala, tanto mais propenso está a usar expressões fortes para
dar uma aparência de confiabilidade às suas palavras. Isso por si só
já não é conveniente para um crente. O Senhor Jesus disse: “Eu,
porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis. Seja, porém, o
vosso falar: Sim, sim; não, não; porque o que passa disto é de
procedência maligna” (Mateus 5:34,37). Se eu penso que certas
palavras devem ser confirmadas por um juramento ou por outras
expressões fortes, então, com isso estou dizendo que normalmente
minhas palavras não são confiáveis. Contudo, tratando-se do crente,
o sim tem que ser sim, e o não têm que ser não. Quando os nossos
sentimentos e intenções são formados na comunhão com o Senhor
e, portanto, na obediência, então será como foi com o apóstolo
Paulo (2 Coríntios 1:17-18). Infelizmente, a precipitação dos nossos
lábios revela, muitas vezes, que o nosso coração não está submisso
ao Senhor. Porventura todos nós não precisamos, de cabeça baixa,
repetir as palavras de Tiago: “Porque todos tropeçamos em muitas
coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito e
poderoso para também refrear todo o corpo. A língua também é um
fogo; como mundo de iniquidade” (Tiago 3:2,6)?
Quando eu juro irrefletidamente de fazer algum mal,
naturalmente isso está errado em todos os sentidos. 1 Pedro 2:19-
23 nos mostra qual deve ser nossa atitude, mesmo quando
sofremos injustiça. Com isso temos três razões do porquê é errado
falar precipitadamente: primeiro, porque estarei falando
irrefletidamente, sem ter consultado previamente ao Senhor;
segundo, porque estarei confirmando minhas palavras por meio de
juramento ou com outras palavras fortes; terceiro, porque estarei
querendo fazer algum mal. Felizmente, num caso como esse —
depois de haver me acalmado e o Espírito Santo tiver operado no
meu coração e consciência — muitas vezes não chego a fazer
aquilo que havia dito. Porém, quando tiver sido uma palavra
irrefletida, prometendo fazer o bem, aos olhos de Deus isso é
igualmente errado. No Salmo 76:11 lemos: “Fazei votos, e pagai ao
SENHOR vosso Deus”, e em Eclesiastes 5:2,4-5: “Não te precipites
com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra
alguma diante de Deus. Quando a Deus fizeres algum voto, não
tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos; o que votares,
paga-o. Melhor é que não votes do que votares e não cumprires”.
Em Levítico 27:10 lemos que até um animal que foi dado ao Senhor
não podia ser trocado, nem mesmo se podia trocar um mau por um
bom. Quando eu tiver feito um voto sem propósito de coração e sem
o reconhecimento por parte do Senhor, pode ocorrer facilmente que
eu não possa cumprir meu voto ou ficará evidente que o meu voto
era tolo. Acaso não poderíamos também aplicar a este caso as
palavras de Tiago 4:14: “não sabeis o que acontecerá amanhã”? No
caso de Jefté, em Juízes 11:30-31 e 34-40, e no caso de Herodes,
em Mateus 14:1-11, vemos as terríveis consequências de um voto
irrefletido. No caso de Pedro, em Mateus 26:33-35 e 69-75, fica
evidente que fim tem uma promessa que foi feita na força própria e
na independência do Senhor.
O Senhor Jesus e o Pai desejam que nos entreguemos
plenamente a Eles. Porém, isso precisa ser feito com propósito do
coração, na consciência da nossa fraqueza e, portanto, em
comunhão com o Pai e com o Filho. O “Filho de Deus, o qual me
amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gálatas 2:20) vendeu tudo
o que tinha para nos possuir (Mateus 13:46). “Porque já sabeis a
graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de
vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2
Coríntios 8:9). “Ou não sabeis... que não sois de vós mesmos?
Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no
vosso corpo” (1 Coríntios 6:19-20). O Senhor Jesus deseja que a
contemplação do Seu amor aqueça os nossos corações, de modo
que nosso desejo seja estar somente à Sua disposição; assim como
Rebeca, quando avistou Isaque, se cobriu com um véu, mostrando
com isso, que doravante estava somente à disposição dele. O amor
infinito do Senhor Jesus por nós — que estava disposto a pagar
qualquer preço por nós, até mesmo aquela terrível obra na cruz,
quando Ele levou os nossos pecados em Seu corpo, foi feito pecado
por nós e ferido por Deus — somente encontra sua satisfação em
nosso amor quando nós nos entregamos inteira e voluntariamente a
Ele. Vemos isso em João 14:21 e 23. Ali, o Senhor diz: “Aquele que
tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama. Se
alguém me ama, guardará a minha palavra”. Levi não agiu
irrefletidamente. Quando o Senhor Jesus lhe disse: “Segue-me!”, ele
avaliou as consequências, e não as achou pesadas demais. “E ele,
deixando tudo, levantou-se e o seguiu.” Ele não se levantou para
depois desprender-se de tudo o que teria que deixar para trás, mas
levantou-se somente depois de, em seu coração, haver deixado
tudo: sua casa, seu dinheiro, sua posição, etc.. Porém, no versículo
seguinte vemos algo maravilhoso: ele recebeu tudo de volta. Agora,
entretanto, o recebeu da parte do Senhor, podendo utilizar esses
bens como mordomo do Senhor. E isso ele fez também: “E fez-lhe
Levi um grande banquete em sua casa; e havia ali uma multidão de
publicanos e outros que estavam com ele à mesa” (Lucas 5:27-29).
Certa vez, uma jovem que se havia convertido e que procedia
de família rica e distinta me disse que as consequências para sua
vida prática foram: uma ruptura com tudo o que até então havia
preenchido sua vida e havia sido sua diversão; todos os seus
amigos a tinham abandonado; ela foi expulsa do meio em que até
então vivera e, para seus pais e irmãos ela se tornou praticamente
uma estranha. Alguém lhe perguntou: ‘Você calculou os custos
quando decidiu tornar-se uma cristã?’. Ela respondeu: ‘Sim, eu fiz
isso, mas também calculei o que me custaria se não me refugiasse
no Senhor Jesus, e o preço era infinitamente maior’!
Certamente todo crente que calcular honestamente os custos
de um sacrifício que ele ofertar ao Senhor Jesus e ao Pai chegará a
essa conclusão. Quando alguém faz o voto do nazireu, o preço é
muito alto para a carne. Mas quando pensamos no amor do Senhor
Jesus, e quando os nossos corações estão cheios daquilo que este
amor tem feito por nós, então valor algum, que seja uma resposta a
esse amor, é alto demais. Então o coração só conhece um desejo:
ouvir da boca do Filho de Deus, que me amou: “Sobre pouco foste
fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mateus
25:21,23). Conscientes da nossa própria fraqueza, nossa petição
será: ‘Oh, Senhor, efetua em mim tanto o querer como o realizar,
pois não tenho forças para isso’ (Filipenses 2:13). Deus deseja nossa
dedicação voluntária, conscientes da nossa própria fraqueza. Ele
deseja verdade e sinceridade em nossos corações. Portanto,
quando fazemos um voto ao Pai ou ao Filho, ou mesmo ao próximo,
devemos fazê-lo conscientemente e cumpri-lo também. Salomão,
iluminado pelo Espírito Santo, disse na sua sabedoria: “Águas
profundas são as palavras da boca do homem, e ribeiro
transbordante é a fonte da sabedoria. Os lábios do tolo entram na
contenda, e a sua boca brada por açoites. A boca do tolo é a sua
própria destruição, e os seus lábios um laço para a sua alma”
(Provérbios 18:4,6-7). Aqui, em Levítico 5:4, a Palavra de Deus diz que
aquele que profere alguma palavra levianamente torna-se culpado,
mesmo que o tenha feito irrefletidamente.
Quão sério é que Deus tem que descrever tão
detalhadamente o pecado nestes versículos para que nos
conscientizemos de que somos culpados quando o cometemos!
Mas deveríamos agradecer a Deus que Ele o fez, para que nós
possamos condenar e confessar o pecado e assim poder retornar à
comunhão com o Pai e com o Filho. Nós poderíamos estar sempre
felizes nessa comunhão e usufruir os gloriosos frutos da graça de
Deus. No entanto, muitas vezes os nossos corações estão frios e
não gozam da comunhão enquanto não conhecermos o motivo
disso. Deus nos deu estes versículos para que nos examinemos a
respeito dessas coisas à Sua luz e façamos um autojulgamento para
podermos retornar à comunhão, que está vinculada à perfeita
alegria (1 João 1:3-4). Imediatamente após João escrever a respeito
da comunhão e da alegria completa relacionada a ela, ele diz: “E
esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus
é luz, e não há nele trevas nenhumas”. Em 2 Coríntios 6 temos lido
que, na prática, o Pai não pode reconhecer e tratar-nos como filhos
enquanto tivermos associação com incrédulos ou com qualquer
impureza em geral.
Consideremos quão sério é estarmos unidos ao Deus vivo!
Em Hebreus 12:29 diz: “Porque o nosso Deus é um fogo
consumidor”. Temos recebido bênçãos gloriosas. Nós, que de
natureza fomos homens pecadores, somos agora filhos do Deus
Todo-Poderoso e podemos entrar na casa do Pai. Como sacerdotes,
temos livre acesso ao trono do governo de Deus, no Santo dos
Santos, que para nós tornou-se um trono da graça. Nunca anjo
algum teve este privilégio, nem jamais o terá. Mas, consideremos
bem que o nosso Pai é o Deus que é luz, e em Quem não há trevas
nenhumas; e que o trono da graça, ao qual nos aproximamos, está
situado no Santo dos Santos. À Casa de Deus convém a santidade,
e Ele quer ser santificado naqueles que a Ele se chegam. A menor
inverdade, a menor impureza, a menor leviandade em pensamentos
ou em palavras, a menor teimosia — resumindo, tudo o que procede
do homem natural interrompe essa maravilhosa comunhão com o
Pai e com o Filho; e somente será restabelecida depois que
tivermos confessado o nosso pecado, e depois de ter nos purificado
em autojulgamento (1 João 1:9).
É por essa razão que aqui, em Levítico 5:5 diz: “Será, pois,
que, culpado sendo numa destas coisas, confessará aquilo em que
pecou”. Isto é dito aqui pela primeira vez. No capítulo 4, onde o
ofertante não olha tanto para o ato que praticou, mas para o fato de
haver pecado, a confissão está incluída na imposição da mão sobre
a cabeça do sacrifício pelo pecado. Aqui, porém, onde Deus mesmo
tem de dizer claramente que certos atos são pecados, Ele também
precisa prescrever explicitamente a confissão aos nossos corações
endurecidos. Consideremos bem que um pedido de perdão ou uma
confissão de natureza geral daquilo que tivermos feito, e que não
deveríamos, não é suficiente. Para ser completamente purificado e
receber pleno perdão é necessário uma confissão aberta perante o
Pai e, eventualmente, também perante a pessoa contra a qual
pequei. Como isso muitas vezes não acontece, existem muitos
problemas antigos que aparentemente nunca são resolvidos. O
próprio ato precisa ser condenado publicamente como sendo
pecado. Esse é o significado das palavras: “aquilo em que pecou”.
Em um caso assim não convém que se diga: ‘Ah, não foi isso que
eu quis dizer, porém teria sido melhor se não o tivesse feito’. Há
também outras desculpas que normalmente se usam. O Senhor
Jesus, como nosso Advogado, está ocupado dia e noite junto ao Pai
para suscitar em nós uma confissão sincera. Mas, como já disse
diversas vezes, somente chegamos a uma confissão verdadeira e a
um genuíno autojulgamento quando percebemos que o Senhor
Jesus teve que sofrer tanto, também por este pecado, e que teve
que morrer sob o impiedoso juízo de um Deus Santo. É por isso que
aqui também deve ser trazido um sacrifício pelo pecado.
“E a sua expiação trará ao SENHOR, pelo seu pecado que
cometeu: uma fêmea de gado miúdo, uma cordeira, ou uma
cabrinha pelo pecado; assim o sacerdote por ela fará expiação do
seu pecado” (Levítico 5:6).
Aqui também fica novamente evidente a menor compreensão
do sacrifício quando comparado com o sacerdote, com toda a
congregação, com o príncipe, ou também com “qualquer pessoa do
povo da terra” (veja cp. 4). Aqui não encontramos a prescrição de que
o sacrifício pelo pecado tinha que ser levado à tenda da
congregação. A contaminação que, pelo pecado, veio sobre toda a
congregação, não é percebida. Também não é aspergido sangue
sobre os chifres do altar de ouro, nem do altar de bronze, e o
sangue também não é derramado na terra, na base do altar do
holocausto. Tudo que se vê aqui é que o sacerdote faz expiação por
causa desse pecado, pelo pecador. Não vemos aqui que este
pecado tenha interrompido a comunhão pessoal do ofertante com
Deus ou que tenha influenciado o serviço do povo de Deus. Aqui
também não lemos que o sacrifício pelo pecado tivesse que ser
levado fora do arraial para ser queimado ali, o que tem um sentido
profundo. O ofertante também não coloca a mão sobre a cabeça do
sacrifício pelo pecado; ele não se identifica com o morrer do Senhor
Jesus sob o juízo de um Deus Santo sobre os pecados e sobre a
natureza pecaminosa do homem. Ele vê tudo isso apenas como a
satisfação pelos pecados cometidos. Em lugar de compreensão pelo
caráter do sacrifício pelo pecado, aqui encontramos somente a
avaliação dos resultados que dele provêm. Não encontramos o
vínculo com o holocausto e a consequente consciência da plena
aceitação da Pessoa e da obra do Senhor Jesus diante de Deus, de
modo que Ele está plenamente satisfeito.
No versículo 6 encontramos os mesmos animais que eram
para o sacrifício pelo pecado, como no capítulo 4:28 e 32, porém em
ordem inversa. Sabemos que o cordeiro fala da glória pessoal do
Senhor Jesus. Portanto, em si é uma figura mais sublime do Senhor
do que a cabra, que é o animal peculiar para o sacrifício pelo
pecado. Aqui, contudo, a cordeira é colocada no lugar da cabra, de
modo que o pensamento da verdadeira substituição desaparece.
Notamos aqui, pela maneira em que é utilizada, que a figura de algo
sublime representa uma posição inferior. Embora depois seja
mencionada uma cabrita, mesmo assim é chamado de sacrifício
pela culpa. Vemos que o nível inferior do sacrifício também é
determinado pelo nome e pela finalidade do sacrifício. Nos níveis
superiores (cp. 4:8,21,24,29) sempre é chamado de “sacrifício pelo
pecado”, e não é mencionado nenhum pecado específico. No
capítulo 4:20 vemos que o sacerdote devia fazer expiação por eles
(isto é, pela congregação) e lhes seria perdoado. No caso do
príncipe (v. 26), lemos que o sacerdote faria expiação por ele no
tocante ao seu pecado, e lhe seria perdoado. Quanto ao sacrifício
pelo pecado de “qualquer pessoa do povo da terra”, o versículo 31
diz que o sacerdote faria expiação pela pessoa, e lhe seria
perdoado; e no versículo 35 diz: “assim o sacerdote por ele fará
expiação dos seus pecados que cometeu, e ele será perdoado”. No
capítulo 5:6, porém, é mencionado um sacrifício pela culpa, e no
versículo 13 o pecado é designado com as palavras: “seu pecado,
que cometeu em alguma destas coisas”. Nos primeiros exemplos, a
ênfase está sobre as pessoas, mas neste último está mais sobre o
pecado do que sobre a pessoa. Aqui o ofertante está quase que
totalmente em segundo plano. Ele está mais sob o sentimento da
culpa e das consequências daquilo que cometeu do que do horror
do pecado como tal. Disso, podemos aprender o quanto nós
perdemos quando nos contentamos com um conhecimento pequeno
acerca do Senhor na qualidade de sacrifício pelo pecado. Muitas
vezes, nossos corações egoístas acham que é suficiente saber que
o Senhor Jesus levou o castigo devido aos nossos pecados e quais
consequências isso tem para nós. Somente depois de havermos
visto algo a respeito do holocausto e soubermos que somos feitos
“agradáveis... no Amado” (Efésios 1:6), é que os nossos corações
terão o desejo de ver mais da perfeição da obra do Amado, feita na
cruz.
Então também entendemos mais do quanto o pecado é
terrível em si mesmo, e quão impossível é que nós, depois de
estarmos contaminados com o pecado, tenhamos comunhão com o
Deus Santo, que é luz, e com o nosso Salvador, que preferiu morrer
a permitir que o pecado continuasse a existir. Porém, aprendemos
isso por meio da ocupação com os sofrimentos penosos do Senhor
na cruz, sob o juízo de Deus, que não poupa o pecado, mas que por
meio desta obra está plenamente glorificado e satisfeito. Quando
nos aborrecemos profundamente a nós mesmos por causa do
pecado que temos cometido e estamos plenamente conscientes de
que este pecado interrompeu a nossa comunhão com o Pai e com o
Filho, isso nos dá a plena certeza de que não há mais juízo para
nós, e que a comunhão com o Pai e o Filho será restabelecida tão
logo tenhamos confessado o nosso pecado.
Temos visto que o caráter do pecado, no capítulo 4, é
principalmente a ofensa à santa natureza de Deus.
Independentemente do castigo, Deus não pode ter vínculo com o
pecado, a não ser para julgá-lo e para removê-lo da Sua santa
presença. No capítulo 5 vemos mais a culpa do homem, e com isso
as consequências que um pecado cometido traz consigo. Isso está
mais em ligação com o governo de Deus, no qual Ele precisa punir
os atos pecaminosos. Os mortos diante do grande trono branco
serão julgados segundo as suas obras. É claro que ambos os
aspectos são verdade, mas, logicamente, o primeiro é o mais
importante. Essa percepção encontra-se em primeiro lugar com o
sacerdote, que está acostumado a assistir diariamente na presença
de Deus, e que, por isso, aprendeu a ver tudo com os olhos de Deus
e a avaliar tudo segundo os pensamentos dEle. É sinal de profunda
pobreza quando este aspecto é suplantado em favor de outro.
No versículo 6 vimos que a sequência é diferente da do
capítulo 4:27-35. Ali, primeiramente, é mencionada a cabra, animal
específico para o sacrifício pelo pecado — embora se trate de uma
fêmea, o que aponta para a fraqueza do ofertante. Depois, como
oferta para o sacrifício pelo pecado, é mencionada uma cordeira,
que indica o que era o verdadeiro sacrifício pelo pecado. No
ofertante do capítulo 5:6 encontramos menos compreensão ainda.
Aqui vemos primeiro a cordeira; porém, ela é trazida como sacrifício
pela culpa, sendo, não obstante, “uma cordeira, ou uma cabrinha
[para sacrifício] pelo pecado”. O sacrifício pela culpa é colocado no
lugar do sacrifício pelo pecado. O ofertante vê somente a culpa
como consequência do seu pecado, e não a repugnância do
pecado, que necessariamente separa àquele que pecou de Deus.
Em lugar da verdade profunda, encontramos aqui um pensamento
mais superficial. Até para o sacrifício pela culpa esta oferta é
insuficiente. A partir de versículo 14 iremos ver que o sacrifício pela
culpa sempre devia ser um carneiro sem defeito. Vemos, portanto, a
diminuição da compreensão da humilhação no ofertante.
Isso fica mais evidente ainda a partir do versículo 7, visto que
ali é mencionada claramente a pobreza do ofertante: “Mas, se em
sua mão não houver recurso para gado miúdo”. Aqui o pecado é
chamado “culpa”, e o sacrifício pelo pecado adquire parcialmente o
caráter de um holocausto, assim como vimos no capítulo 1 — que o
holocausto de pombas adquiria parcialmente o caráter de um
sacrifício pelo pecado. A graça de Deus observa, contudo, que o
ofertante compreende, em certa medida, a diferença entre o
sacrifício pelo pecado e o holocausto.
Sendo que as pombas não têm gordura suficiente para que
possa ser colocada separadamente sobre o altar, como aroma
agradável ao Senhor — temos visto que isso é uma prova de que o
ofertante via que o sacrifício pelo pecado era internamente perfeito e
agradável a Deus, assim como isso é visto em perfeição no
holocausto — mesmo assim Deus considera aquela pomba como
holocausto. O sacerdote, que conhece os pensamentos de Deus,
sacrifica a pomba como “holocausto conforme ao costume” (v. 10). É
descrito muito minuciosamente o que deve acontecer com o sangue.
Parece que Deus está à procura de particularidades nesta oferta
mais fraca que, no entanto, podem ser reconhecidas por Ele.
Nos versículos 11 a 13 vemos a menor oferta. Não é possível
assumir uma posição inferior a essa, visto que aqui o ofertante não
vê nem sequer que a morte de Cristo foi necessária para trazer
reconciliação. Ele traz uma oferta de alimentos como oferta pelo
pecado e, na verdade, em tão pouca quantidade que apenas é
suficiente para o alimento de um dia (compare com Êxodo 16:36). Mas,
por mais fraca que seja a fé desse ofertante e apesar da sua
ignorância a respeito do verdadeiro caráter do pecado, da natureza
santa de Deus e da obra do Senhor Jesus — apesar de tudo —
Deus aceita a oferta dele como oferta pelo pecado, e o seu pecado
lhe é perdoado. Como isso nos prova que o que nos salva é a obra
do Senhor Jesus e não a compreensão que temos dela! Deus
conhece inteiramente o valor dessa obra e do sangue do Senhor
Jesus. Quando Deus vê uma alma que, no tocante ao seu pecado,
deposita a sua confiança no Senhor Jesus, então Ele credita a essa
alma a obra do Senhor Jesus em toda a perfeição que Ele vê nela,
não obstante o ofertante tenha tão pouco entendimento a respeito.
Como a graça de Deus resplandece nisso! Que consolo para os
nossos corações quando percebemos nossa pequena fé! E como o
conhecimento dessa graça também deveria livrar-nos de
preconceitos quando fazemos um julgamento a respeito de outros!
Todavia, fraqueza na fé e pouco conhecimento dos
pensamentos de Deus é uma grande perda. Quanto mais fraco o
sacrifício, tanto menos é expresso o verdadeiro caráter dele. Temos
visto isso no capítulo 1, quando trata do holocausto; porém, nestes
versículos que estamos contemplando agora isso fica muito mais
evidente. No versículo 6 vemos a transição do sacrifício pelo pecado
para o sacrifício pela culpa; no versículo 7 a transição para o
holocausto, e no versículo 11 a transição para a oferta de alimentos.
Quanto mais forte a fé é, tanto mais claro são vistos todos os
aspectos da maravilhosa obra do Senhor Jesus. Então a fé não se
ocupa e nem se alegra somente com aquilo que a beneficia, mas se
ocupa com a porção que concerne a Deus em tudo o que Sua
Palavra nos revela. Porém, quanto mais fraca for a fé, tanto mais
estamos propensos a nos contentar com um conhecimento que não
enxerga o verdadeiro caráter dos pensamentos de Deus e onde
tudo se funde em uma só noção. É isso o que vemos aqui: sacrifício
pelo pecado, sacrifício pela culpa, holocausto e oferta de alimentos
— todos esses sacrifícios passam a ser a mesma coisa. Mas é
significativo que a oferta de ações de graças (oferta pacífica) não é
mencionada. Não existe paz verdadeira e falta a comunhão com
Deus e com o Senhor Jesus, que é expressa, principalmente, na
oferta pacífica. Geralmente, a causa da pobreza do crente é devido
a alguma culpa. Toda a riqueza de Deus está à disposição dele. Ele
possui a Palavra de Deus, e nela estão todas as riquezas do Pai e
do Senhor Jesus, assim como toda a graça de Deus está revelada
ali. Com isto, ele pode encher o seu coração, de modo que fique rico
em bens espirituais. É claro que alguém que se converte hoje ainda
não teve a oportunidade de enriquecer-se. Ele ainda é pobre em
relação ao espiritual, embora, talvez se sinta rico; visto que alguém
se sente incalculavelmente rico após haver-se reconhecido diante
de Deus como pecador perdido, tendo visto o inferno diante de si e
então ter recebido a certeza de que seus pecados estão perdoados
e que não há mais juízo para ele. Em comparação com o seu estado
anterior, ele é rico; porém, em comparação com todos os tesouros
que o Pai nos dá, ele ainda é pobre. Este crente tem apenas uma
pequena compreensão acerca do perdão dos pecados. Contudo,
por maior que esta compreensão seja, será sempre pequena
comparada com todas as riquezas que o Pai e o Senhor Jesus nos
têm dado. Normalmente, a pobreza espiritual é nossa própria culpa
porque, por preguiça ou por falta de interesse, deixamos de ler e
examinar, sob oração, a Palavra de Deus, para, por meio disso,
conhecermos nossas riquezas.
Notamos novamente aqui, no versículo 7, a maravilhosa
graça de Deus: “Mas, se em sua mão não houver recurso para gado
miúdo, então trará, para expiação da culpa que cometeu, ao
SENHOR, duas rolas ou dois pombinhos; um para expiação do
pecado, e o outro para holocausto”. Deus se contenta com pombas,
que não são caras e que, no caso do holocausto, era a oferta
mínima permitida. É verdade que a pomba fala da glória do Senhor
Jesus como o Homem do céu. Porém, ela não tem muito sangue —
o que aponta para um pequeno conhecimento da obra e do poder
do sangue do Senhor Jesus, a respeito do qual 1 João 1:7 diz que
purifica de todo pecado. Lemos no versículo 9: “E do sangue da
expiação do pecado espargirá [o sacerdote] sobre a parede do altar,
porém o que sobejar daquele sangue, espremer-se-á à base do
altar; expiação do pecado é”. Quando o sacrifício fala apenas da
obra do Senhor Jesus na cruz — quando o coração está voltado
somente para a cruz para, mesmo que em fraqueza, ver ali qual o
preço que o Senhor Jesus teve de pagar para a expiação dos
nossos pecados e quais resultados maravilhosos essa obra têm
com vistas aos nossos pecados — Deus também aceita esta
pequena oferta quando o ofertante é pobre demais para trazer uma
oferta maior.
Vemos então, em terceiro lugar, quão maravilhosamente se
manifesta a graça de Deus: “Porém, se em sua mão não houver
recurso para duas rolas, ou dois pombinhos, então aquele que
pecou trará como oferta a décima parte de um efa de flor de farinha
para expiação do pecado; não deitará sobre ela azeite nem lhe porá
em cima incenso, porquanto é expiação do pecado; e o trará ao
sacerdote, e o sacerdote dela tomará a sua mão cheia pelo seu
memorial, e a queimará sobre o altar, em cima das ofertas
queimadas do SENHOR; expiação do pecado é” (vv. 11-12). Aqui
vemos um crente que é tão pobre espiritualmente que apenas
entende algo do terrível que o pecado é para Deus e do verdadeiro
caráter da morte do Senhor Jesus. Nem ao menos está ciente que o
Senhor Jesus teve de dar o Seu sangue e morrer na cruz por este
pecado cometido. Sente, contudo, que o Senhor Jesus, em Sua vida
nesta terra, não teria cometido tais coisas. Temos visto na oferta de
alimentos que a flor de farinha não fala da morte do Senhor Jesus,
mas da Sua vida antes da cruz. Deus, na Sua misericórdia, também
aceita isto, quando o ofertante é realmente pobre demais para trazer
uma oferta maior, mais elevada.
Sim, Deus distingue a capacidade de discernimento e a
riqueza espiritual do crente. Que graça! Sua avaliação, porém, não
corresponde à nossa opinião. Ele sabe avaliar cada um de nós. Ele
conhece exatamente a minha e a sua riqueza, porque é Ele quem
sonda os corações e prova o coração e os rins; cuja Palavra,
conforme Hebreus 4, penetra até ao ponto de dividir a alma e o
espírito — portanto, não apenas discerne nossos pensamentos e
propósitos do coração, mas também as fontes das quais provêm
nossos pensamentos. Na Sua misericórdia, Ele leva em conta estas
coisas. Porém, quando eu não quero realmente me humilhar e
condenar, isto é, quando trago uma oferta de “flor de farinha”,
embora esteja em condições para, segundo a Sua infalível
avaliação, oferecer uma “cordeira” ou uma “cabrita”, então Deus não
se contenta com minha oferta. Ele avalia a minha riqueza e a Sua
avaliação sempre é perfeitamente correta.
Nós também temos que fazer essa distinção. Mas
precisamos ser muito cautelosos, visto que nós não temos o
conhecimento que Deus tem, que prova os corações e os rins. Nós
também não devemos exigir o mesmo de todos. Devemos esperar
que um irmão que conhece a Palavra de Deus e ocupa um lugar de
liderança entre os crentes oferte muito mais do que um irmão que é
pobre espiritualmente. Lamentavelmente, muitas vezes fazemos
exatamente o contrário. Frequentemente nós somos propensos a
julgar com mais tolerância os erros de um irmão respeitado, cujo
ministério talvez tenha nos dado algum benefício, do que os erros
de um irmão que não ocupa um lugar em primeiro plano ou cujo
caráter não nos seja tão agradável. A Palavra de Deus diz algo
diferente: aquele que mais possui, isto é, que é mais rico
espiritualmente, deve trazer o maior sacrifício pelo pecado. A
respeito de tudo o que é trazido segundo os pensamentos de Deus,
nós lemos: “Assim o sacerdote por ela fará expiação do seu pecado,
que cometeu em alguma destas coisas, e lhe será perdoado; e o
restante será do sacerdote, como a oferta de alimentos” (v.13). Aqui
vemos novamente o sacerdote que, por um lado, é uma figura do
Senhor Jesus que Se ocupa com os pecados que, como crentes,
cometemos; e, por outro lado, como sacerdote que quer nos guardar
de pecar — e, quando pecamos, está ativo como nosso Advogado,
que quer operar em nós pelo Espírito Santo, de modo que
reconheçamos o que temos feito; que confessemos e apresentemos
um sacrifício pelo pecado. Porém, além disso, Ele também é o
nosso Advogado junto ao Pai, para Lhe expor o que tem sido
operado em nós, de modo que o Pai possa nos dar o perdão: “Se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar
os pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1 João 1:9).
Vemos a nossa fraqueza nestes versículos, mas também
vemos quão grande precisa ser nossa santidade. Quanto mais
tivermos sido aproximados de Deus, tanto maior tem que ser a
nossa santidade prática. A santidade da nossa posição é infinita,
“porque por uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são
santificados” (Hebreus 10:14). Porém, nossa santidade prática
também deve estar em concordância com a proximidade em que
nos encontramos com o Pai. Um israelita dentre o povo não carecia
ser tão santo como um sacerdote. Não necessitava lavar seus pés e
suas mãos quando se aproximava do altar de bronze. Porém, o
sacerdote tinha que fazê-lo quando, passando pelo altar de bronze,
entrava no santuário. Quão santos devemos ser então, nós, que
pelo novo e vivo caminho, podemos entrar em todo tempo no Santo
dos Santos, na presença de Deus; nós que temos livre acesso ao
Pai e ao Filho! O Pai é Deus, que é luz e em Quem não há trevas
nenhuma. O nosso Deus também é um fogo consumidor (Hebreus
12:29). Mas quão maravilhoso é que o próprio Pai nos abriu o
caminho no qual podemos ser continuamente purificados mediante
a obra do Sacerdote, do Senhor Jesus, de modo que podemos nos
aproximar de Deus de novo!
O Senhor Jesus quer usar homens, filhos de Arão, para O
auxiliarem neste serviço de mostrar-nos o caminho de volta, de
modo que confessemos nossa culpa e apresentemos o sacrifício
pelo pecado — e esses são aqueles que, se posso expressar-me
assim, apresentam o sacrifício de um modo conveniente a Deus,
para que tudo esteja de acordo com a santidade e a glória de Deus.
“Assim o sacerdote por ela fará expiação do seu pecado que
cometeu em alguma destas coisas, e lhe será perdoado” (v. 13). Este
é o resultado maravilhoso desse caminho que contemplamos
novamente neste trecho.

1 N do E. Devemos levar em consideração que estas preleções foram


ministradas por volta de 1970. Sendo assim, hoje podemos mencionar ainda
os perigos que procedem do mau uso da internet e dos diversos meios de
comunicação digital.
O Sacrifício pela Culpa

Leia Levítico 5:14-19; 6:1-7

Até agora contemplamos o sacrifício pelo pecado, da forma


como é apresentado nos capítulos 4 e 5:1-13. Temos visto que nos
primeiros versículos do capítulo 5 ele traz um caráter misto, pois é
chamado de sacrifício pelo pecado, mas também de sacrifício pela
culpa. No trecho que temos agora diante de nós, se trata somente
do sacrifício pela culpa. A palavra hebraica traduzida como “culpa”
significa: “ser culpado perante alguém a quem devemos
responsabilidade”. Também percebemos que existe uma diferença
entre o sacrifício pelo pecado e o sacrifício pela culpa. O termo
“sacrifício pelo pecado” já expressa que se trata de pecado e nada
mais, enquanto que o sacrifício pela culpa, esta (a culpa) se
encontra em primeiro plano. São duas coisas estreitamente ligadas
entre si, mas, no entanto, não são iguais. Quando contemplávamos
o sacrifício pelo pecado, vimos que se tratava da infração de
qualquer dos mandamentos do SENHOR; atos que estavam em
contradição com a santa natureza de Deus e com Sua permanência
no meio do povo. Em Êxodo 29 temos visto que, com base no
holocausto, Deus podia habitar no meio do Seu povo e consagrar a
Arão e a seus filhos por Seus sacerdotes. Porém, quando Deus
habita no meio do Seu povo, é necessário que o estado desse povo,
assim como as coisas que ali acontecem, estejam em concordância
com a santa natureza de Deus. Isso é sublinhado na passagem da
carta aos Hebreus, já citada anteriormente: “Porque o nosso Deus é
um fogo consumidor” (cp. 12:29) e em Levítico 10:3: “Serei
santificado naqueles que se chegarem a mim”. Já temos
contemplado esse caráter do pecado, com vistas à santa natureza
de Deus, nos capítulos 4 e 5:1-13. Ali não se trata de determinado
pecado, mas de modo geral, de tudo aquilo que se volta contra os
mandamentos e as proibições do SENHOR, não podendo, por isso,
ser tolerado na Sua presença, e onde Deus leva em conta a
capacidade de cada pessoa. Um sacerdote devia trazer uma oferta
muito maior do que alguém dentre o povo.
Aqui, porém, notamos outro aspecto do pecado que,
geralmente, mas não sempre, está associado com o sacrifício pelo
pecado. Trata-se da culpa que resulta do fato de que alguém pecou;
trata-se da culpa para com Deus ou para com o próximo. “Próximo”
é o irmão ou a irmã, aqueles que pertencem igualmente ao povo de
Deus. Naturalmente não se limita a isso, mas este é o primeiro caso
que nos é apresentado aqui. É dito expressamente que é pecado,
mas com o agravante que resulta em uma culpa para com outrem,
para com Deus. Quando eu defraudo alguma coisa que pertence a
Deus ou quando deixo de dar-Lhe algo que Ele tem direito, então eu
peco. Ao mesmo tempo, carrego sobre mim uma culpa, visto que
privo a Deus de alguma coisa. Quando privo algo de um irmão, de
uma irmã ou de qualquer pessoa do mundo (contudo, como já dito,
aqui se trata inicialmente dos primeiros), defraudo ou não lhes dou
algo ao qual eles têm direito, então isto é pecado e, ao mesmo
tempo, também é culpa. É até mesmo um pecado tão grande, que
Deus considera tal ato — de tirar algo que é do irmão ou da irmã, e
de não dar-lhes aquilo que têm direito — como se Lhe houvéssemos
roubado a Ele próprio. Veremos isto também no segundo trecho,
onde diz: “Quando alguma pessoa pecar, e transgredir contra o
SENHOR, e negar ao seu próximo o que lhe deu em guarda” (cp. 6:2).
O sacrifício pela culpa exigida para este caso é a mesma que no
caso de ter defraudado ou roubado algo de Deus.
Em ligação com isso temos algo novo aqui. Quando alguém é
prejudicado pelo meu pecado — seja Deus, sejam homens —, então
não é suficiente que eu me condene à luz de Deus. Na verdade,
isso também é necessário, para que eu me volte para a cruz a fim
de reconhecer quão terrível é o pecado cometido e, ao mesmo
tempo, perceber o quanto o Senhor Jesus teve que sofrer por causa
deste pecado; mas também vejo quão suficiente foi a Sua obra,
mesmo quanto a este pecado. Mas, ao mesmo tempo, preciso
reconhecer que não cometi apenas um erro, mas que também devo
reparar aquilo em que tenho faltado. Tão logo se trate de culpa, o
governo de Deus entra em ação e, sob esse governo de Deus, toda
falta precisa ser reparada. Portanto, aqui vemos os princípios
estabelecidos por Deus para estes casos. Estou convicto de que se
nós nos guiássemos realmente por esses princípios, as relações
entre os crentes seriam bem melhores. Então nenhum problema
deixaria de ser resolvido logo. Tudo seria colocado em ordem de um
modo e com uma mente espiritual. Deus mesmo nos deu o exemplo
de como tudo deve ser colocado em ordem, conforme os Seus
pensamentos — prefiro dizer que, na cruz, o Senhor Jesus nos deu
o exemplo. Ele não restituiu apenas aquilo em que o homem havia
falhado (no Salmo 69 Ele lamenta: “então restituí o que não furtei” v.
4), mas restituiu mais do que nós havíamos furtado. Na forma de
expressão do sacrifício pela culpa, isto quer dizer que Ele ainda lhe
acrescentou a quinta parte. Vemos isso em João 13:31: “Agora é
glorificado o Filho do homem [na cruz], e Deus é glorificado nele”. Ali
Ele manifestou a Deus em toda a Sua glória, de modo que a
glorificação de Deus, na cruz, foi maior do que a Sua desonra pelo
pecado. Temos visto o resultado no holocausto, onde isto nos é
apresentado. Todas as bênçãos que possuímos resultam do fato de
que Deus foi plenamente satisfeito e que nos fez agradáveis a Si no
Amado, e, na verdade, de tal modo, que agora nós somos muito
mais agradáveis aos Seus olhos do que Adão foi alguma vez antes
de cair no pecado.
Se nós agíssemos uns com os outros dessa maneira, os
problemas certamente seriam resolvidos. Se o irmão a quem fiz
algum agravo notar que, por causa disso, me humilho e lhe
confesso abertamente que pequei, sem atenuar alguma coisa, e lhe
devolver vinte por cento a mais, então a graça que se expressa por
meio da minha conduta e minha humilhação espontânea irá aquecer
o coração dele. Isso o levaria a ter um conceito mais elevado a meu
respeito do que até então, porque ele veria a graça de Deus em
mim. Ele me valorizaria e amaria como nunca antes.
A razão de existirem em nosso meio tantos problemas dessa
índole não resolvidos, é devido ao fato de não conhecermos ou não
observarmos essas ordenanças. Contudo, podemos notar quão
importante elas são pelo fato de que Deus deu duas novas
revelações a respeito do sacrifício pela culpa. O capítulo 4 inteiro e
os primeiros 13 versículos do capítulo 5 formam uma revelação de
Deus a Moisés. Mas no capítulo 5:14, onde começa a ser tratado o
sacrifício pela culpa, lemos: “E falou o SENHOR a Moisés, dizendo”.
No Pentateuco, essa expressão sempre indica que um novo trecho
se inicia. Além disso, no capítulo 6:1, onde é tratado a segunda
parte do sacrifício pelo pecado, diz mais uma vez: “Falou mais o
SENHOR a Moisés, dizendo”. A primeira parte trata do fato de termos
cometido uma ofensa contra Deus. Porém depois, quando trata da
ofensa contra o irmão ou a irmã, Deus considera isso tão importante
que dá uma nova revelação a esse respeito. Esse fato deveria falar
seriamente a nós, para que percebamos o que significa quando
ofendemos uns aos outros. Deus Se identifica com os Seus. Em
Atos 9 vemos que o Senhor Jesus considera algo que é feito contra
um dos Seus como se fosse contra Ele mesmo. Ele disse a Saulo:
“Saulo, Saulo, por que me persegues? E ele [Saulo] disse: Quem
és, Senhor?”. A resposta foi: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”
(vv. 4-5). Saulo não perseguia ao Senhor glorificado, visto que era
impossível; mas perseguia os que pertenciam ao Senhor aqui na
terra. Portanto, o que fazia contra os Seus aqui, também o fazia
contra o Senhor. Tudo o que é feito aos Seus, o Senhor o sente
como se fosse feito a Ele mesmo, visto que Lhe pertencem, são o
Seu corpo. Este é o grande princípio que notamos aqui.
Já no início lemos: “Quando alguma pessoa cometer uma
transgressão, e pecar por ignorância nas coisas sagradas do
SENHOR” (cp. 5:15). Isso significa que tomamos algo do Senhor, algo
que estivera separado para Ele, pois santo significa: “separado para
Deus”. Portanto, tomamos de Deus algo que Lhe pertencia. É uma
pergunta importante para nós: Já meditamos sobre isso; já está
gravado em nossos corações e consciências o que é propriedade de
Deus e sobre o que Ele tem direito? Encontramos este grande
princípio em 1 Coríntios 6:20: “Porque fostes comprados por bom
preço”. Portanto, não pertencemos a nós mesmos, mas somos
propriedade do Senhor. Se, pois, sou propriedade do Senhor, por
acaso não pertence a Ele tudo o que eu sou, meu corpo, minhas
capacidades físicas, meu espírito, minha alma e suas capacidades,
bem como todos os bens materiais que possuo? Então se eu usar
tudo isso para mim, considerando como se fosse propriedade
minha, acaso não estarei roubando do Senhor algo que Lhe
pertence, que está separado para Ele? No caso de Israel, isso nos é
mostrado de forma bem clara em Levítico 25 e 26. Ali lemos:
“Porque a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos
comigo” (cp. 25:23). Em outras passagens, Deus diz que o povo
devia possuir a terra como herança, contudo, deveriam cultivá-la e
guardá-la como Seus administradores. Da mesma forma, Deus deu
a Adão, em Gênesis 2, o encargo de cultivar e guardar o jardim do
Éden. Se devo cultivar e guardar algo para Deus, então isto significa
que eu sou apenas o Seu mordomo, e que tudo o que me é
confiado, pertence a Ele. É a este princípio que o Senhor Jesus se
refere na parábola do mordomo infiel, em Lucas 16. Aquele
mordomo é uma figura do homem de modo geral, e especialmente
de Israel. O homem recebeu de Deus os bens terrestres para
guardá-los e administrá-los, mas ele usou os bens do seu Senhor
para si mesmo. Por isso Deus disse ao homem: “já não poderás ser
mais meu mordomo”. Um pouco mais adiante, o Senhor Jesus diz:
“se no alheio não fostes fiéis, quem vos dará o que é vosso?” (vv. 2;
11-12). “O que é vosso” são os bens espirituais que o Senhor
adquiriu para nós, e que o Pai nos dá, como Seus filhos. Como
figura disso, Israel teve que dar o dízimo de tudo o que recebia, dos
animais, das colheitas, etc.. Os últimos versículos de Levítico tratam
do dízimo. Aliás, o capítulo 27 trata de coisas que estão em ligação
com o sacrifício pela culpa, isto é, de coisas consagradas ao
SENHOR, mas que o doador recebia de volta. Então, ele precisa
pagar o preço de compra e acrescentar uma quinta parte (vinte por
cento). Quando tomamos algo que pertence ao Senhor, temos que
pagar e acrescentar mais vinte por cento, conforme o que também
temos lido em ligação com o sacrifício pela culpa. Em Levítico
27:30-33 lemos: “Também todas as dízimas do campo, da semente
do campo, do fruto das árvores, são do SENHOR; santas são ao
SENHOR. Porém, se alguém das suas dízimas resgatar alguma
coisa, acrescentará a sua quinta parte sobre ela. No tocante a todas
as dízimas do gado e do rebanho, tudo o que passar debaixo da
vara, o dízimo será santo ao SENHOR. Não se investigará entre o
bom e o mau, nem o trocará; mas, se de alguma maneira o trocar,
tanto um como o outro será santo; não serão resgatados”.
Portanto, nesses versículos vemos o princípio. Para
expressar que tudo pertencia ao SENHOR, eles tinham que dar o
dízimo. Durante a fome no Egito, José, em nome do Faraó, deu trigo
aos egípcios, comprando, por meio disso, a terra deles. A partir
desse momento, os egípcios tiveram que dar ao Faraó a quinta
parte da colheita. Por meio disso, eles reconheciam que tanto a
terra quanto eles mesmos pertenciam ao Faraó, visto que até a eles
mesmos o Faraó havia comprado pelo trigo. Esse é o grande
princípio que é colocado aqui diante das nossas consciências:
temos sido fiéis no tocante às coisas que pertencem a Deus? Temos
dado a Ele aquilo que tem direito, ou temos nos apropriado de
coisas que Lhe pertencem?
Trata-se aqui das coisas “santas ao SENHOR”. Santo
significa: “separado para Deus”. O capítulo 27, por exemplo, fala
disso. Eu posso santificar a mim mesmo, minha casa, um campo ou
um animal. Contudo, se mais tarde eu reivindico para mim qualquer
dessas coisas que santifiquei, estarei pecando nas coisas “santas”,
isto é, separadas para Deus; coisas que anteriormente, por
dedicação do coração, havia consagrado ao Senhor. A partir do
versículo 25 trata-se, contudo, de coisas sobre as quais o Senhor
sempre tem direito, a saber: os primogênitos e o dízimo. Estarei,
pois, pecando se me apoderar de algo que pertence a Deus, como,
por exemplo, os primogênitos — eu mesmo sou um primogênito,
pelo fato de pertencer à “igreja dos primogênitos, que estão inscritos
nos céus” (Hebreus 12:23) — ou se tomar para mim o dízimo, não
reconhecendo, na prática, o direito de Deus. Isto é um assunto
muito sério! Quem de nós ousaria afirmar que nunca fez isso?
Quem de nós, hoje, é culpado por haver pecado nas coisas santas
do Senhor?
Na verdade, Deus supõe que o tenhamos feito por
ignorância, isto é, não intencionalmente. Em todos os sacrifícios
pelo pecado, observamos que Deus não presume que alguma
pessoa do Seu povo transgrida propositalmente um dos Seus
mandamentos ou que furte algo pertencente a Deus. Deus não pode
crer nisto. Nós também não o podemos, após conhecermos a graça
e o amor de Deus e do Senhor Jesus, que entregou tudo o que
possuía para nos enriquecer. “Porque já sabeis a graça de nosso
Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre;
para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2 Coríntios 8:9). Vemos
isso também em Mateus 13, na figura do negociante que procurava
boas pérolas e que vendeu tudo o que possuía para comprar aquela
uma pérola. O Senhor Jesus foi até a cruz e entregou tudo, até
mesmo a Sua vida; e depois Se fez a Si mesmo escravo para
sempre (compare com Êxodo 21:5-6), para que nós recebêssemos
essa plenitude de bênçãos que fora a Sua parte na casa paterna.
Nenhuma criatura — nem os arcanjos Miguel e Gabriel — jamais
participarão dessas bênçãos, mas Ele as quis dar a nós! Quem, à
luz de tal graça, poderia intencionalmente furtar-Lhe algo ou se
negar a dar-Lhe aquilo a que tem direito? O Senhor não presume
isso. Quando olharmos para a graça do Senhor Jesus, não
podemos acreditar que alguém que O conhece como Salvador seria
capaz de fazer isso. Mas, como homens de corações egoístas,
muitas vezes nós deixamos de meditar sobre o que pertence a
Deus, conforme já notamos ao contemplar o sacrifício pelo pecado.
Até mesmo no que se refere ao nosso próximo é difícil nos
colocarmos na situação dele para entender suas circunstâncias,
suas necessidades e seus sentimentos.
O mesmo também acontece para com Deus. Acaso as
nossas reuniões aos domingos de manhã, que deveriam ser
reuniões de adoração, para partir o Pão, não são a melhor prova de
que os nossos corações são egoístas? Porventura não é verdade
que ali para onde o Senhor Jesus nos convida e pede: “Fazei isto
em memória de mim”, muitas vezes nós não nos reunimos em
memória dEle e da Sua obra, mas sim da nossa salvação? Acaso
não pensamos com frequência, e quase exclusivamente, nos
resultados que a Sua obra trouxe para nós? Em que medida nós
nos ocupamos com Seu amor e com a preciosidade da Sua pessoa,
do modo como se evidenciou na cruz, com Seus sofrimentos e a
Sua morte? Seu pedido é: “Fazei isto em memória de mim”. O fato
de nos voltarmos tão rapidamente para aquilo que temos recebido
não é, porventura, uma prova do egoísmo dos nossos corações?
Acaso não acontece o mesmo em nossas vidas práticas, que nos
ocupamos com aquilo que desejamos ou julgamos necessário para
nós, e pedimos a Deus a esse respeito, sem nos preocuparmos
muito com aquilo que Deus tem direito, aquilo que Ele gostaria de
receber de nós e com o qual poderíamos alegrar o Seu coração? Há
alguns anos perguntei a um jovem, por ocasião do sepultamento do
seu pai, se ele conhecia ao Senhor Jesus. O jovem afirmou ter
certeza da sua salvação. Porém acrescentou: ‘Não acho necessário
que se fale sempre com as pessoas a respeito do Senhor Jesus e
do evangelho. Não precisamos necessariamente anunciar o
evangelho a cada vizinho, assim como o meu irmão o faz. Penso
que podemos simplesmente falar a respeito de outros assuntos com
eles, e deixar de lado esta questão’. A isso lhe respondi: ‘Disso eu
devo concluir que você, na verdade, aceitou com prazer a salvação
eterna da mão do Senhor Jesus, mas que de resto não quer ser
incomodado. Portanto, você gostaria de estar associado ao Senhor
Jesus no que diz respeito às tuas próprias vantagens, mas não
quando, talvez, seja zombado por causa disso ou quando teu
vizinho seja menos amável contigo’. Não é este, muitas vezes, o
estado dos nossos corações? Deus coloca esta questão diante de
nós. Ele nos lembra que tem certos direitos, e que Ele, embora seja
infinitamente bondoso, terá que tomar medidas em Seu governo,
caso esses Seus direitos não sejam respeitados. Para ser mais
preciso: a graça de Deus não é infinita. No conceito humano ela é
infinita, contudo, na realidade ela tem um fim, porque nem a graça e
nem o amor de Deus jamais poderão estar em desacordo com a
santidade e a justiça de Deus. Embora os limites da graça e do
amor de Deus ultrapassem em muito os nossos conceitos, estes
limites existem. Todo aquele que chegou a conhecer um pouco da
Sua graça e do Seu amor, é continuamente dominado pelas suas
riquezas. Quando fazemos a vontade de Deus e vivemos em
comunhão com Ele, recebemos as mais ricas bênçãos. Não há
bênção maior do que quando nos encontramos na Sua presença.
Quando Deus pode ocupar-se conosco apenas em graça e amor, há
bênção em abundância; então, de certa forma, possuímos o céu na
terra. Uma parte considerável daquilo que um dia desfrutaremos na
casa paternal pode ser desde já, aqui na terra, a nossa porção, se
tão somente nos entregarmos a Ele realmente por inteiro, fazendo
somente aquilo que aprendemos na Sua comunhão, enxergando
tudo com Seus olhos, julgando tudo como Deus o julga. Caso não o
façamos, nós mesmos seremos prejudicados.
Isso também acontece com nossas reuniões para partir o
Pão. Se nos ocupamos quase que exclusivamente com as nossas
bênçãos e com nossa salvação, então nós mesmos teremos o maior
prejuízo. Porém, o Senhor Jesus também é prejudicado, porque não
fazemos aquilo que Ele deseja e pelo qual o Seu coração anseia, a
saber, lembrarmos dEle e da Sua morte. Prejudicamos também a
Deus, porque não Lhe damos aquilo pelo qual Ele anseia: “o Pai
procura a tais que assim o adorem... que... o adorem em espírito e
em verdade” (João 4:23-24). Não é adoração quando dizemos:
‘Somos redimidos pela Sua graça’. Por fim, nós também somos
prejudicados, visto que Deus nunca deixa sem galardão aquele que
Lhe dá algo. Quem dá algo a Deus, também recebe, assim como,
outrora, a rainha de Sabá. Ela deu um presente a Salomão, entre
outras coisas, também deu especiarias em tão grande quantidade
como nunca antes houve em Jerusalém. Mas o rei Salomão deu a
ela tudo o que desejou e, além disso, lhe deu segundo as suas
riquezas. Embora ela houvesse dado tanto a ele, retornou
infinitamente mais rica do que tinha vindo (1 Reis 10:1-13). Deus
jamais recebeu algo de homem algum que não tenha restituído cem
vezes mais. Talvez tenha acontecido de maneira totalmente
diferente, porém, pelo menos cem vezes mais, ou melhor, mil vezes
mais, pois o padrão de Deus é ilimitado. Deus dá segundo a Sua
riqueza; e quem poderia avaliar Sua riqueza?
Contudo, aqui se trata do contrário, isto é, do fato de que
privamos a Deus de algo a que Ele tem direito. Há pouco temos lido:
“Quando alguma pessoa cometer uma transgressão, e pecar por
ignorância nas coisas sagradas do SENHOR” (Levítico 5:15). Também
já citei o versículo de 1 Coríntios 6, onde diz: “Porque fostes
comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo”
(v. 20). Conhecemos também os primeiros versículos de Romanos
12, onde diz que devemos apresentar os nossos corpos como
sacrifício vivo e santo, o que é agradável a Deus, e que devemos
experimentar qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Surge, no entanto, a pergunta: Eu tenho feito isso? Tenho
considerado o meu corpo como propriedade do Senhor Jesus,
colocando-o à Sua disposição, de modo que Ele pode fazer uso do
meu corpo para o que quiser? Tenho colocado à Sua disposição
todas as minhas habilidades, meu intelecto, minha capacidade de
trabalho e, talvez, minha força física? Coloquei à Sua disposição
todas as minhas capacidades, pelo fato dEle ter conquistado um
direito sobre mim mediante o Seu sangue? Coloquei à Sua
disposição tudo o que possuo em bens materiais? Se eu sou
propriedade dEle, então as minhas coisas também Lhe pertencem!
Porventura Ele não nos constituiu administradores destes bens
terrestres? Recordo-me o que um irmão me contou a respeito dos
seus pais. Seu pai era um operário simples, em Jemgum, Frísia
Oriental (Alemanha). Quando ele chegava em casa, aos sábados,
com seu salário semanal, sentava-se à mesa com sua esposa.
Primeiramente, eles colocavam à parte certa quantia para o Senhor.
Depois, ponderavam juntos o que seria necessário comprar na
próxima semana e, de acordo com isso, distribuíam o restante do
dinheiro. A seguir, conferiam novamente cada importância a ser
gasta, para ver se não seria possível subtrair mais um pouco, o que
poderia ser adicionado à importância destinada para o Senhor. Eles
faziam isso toda semana. Eles estavam conscientes de serem
administradores do Senhor, e que podiam usar para si mesmos
somente aquilo que o Senhor lhes dera para esse fim.
Eu realmente tenho empregado no Seu serviço os dons
espirituais que Ele me deu ou os tenho utilizado para mim mesmo?
Empreguei no Seu serviço o conhecimento e a compreensão acerca
dos pensamentos de Deus, que o Espírito Santo me deu, abrindo-
me à Palavra de Deus? Eu reconheci que isso provém do Senhor e
que posso utilizar isso apenas como Seu administrador? Ou tenho
usado esse conhecimento para mim mesmo, a fim de possuir algo
para, talvez, brilhar com isso ou para me enriquecer por meio dele?
Com isso, naturalmente, me refiro a ser rico aos olhos dos homens,
como se eu fosse ou tivesse algo — não rico no Senhor Jesus, pois
afinal, esse é o objetivo para o qual Ele me dá algo.
Deus deseja que cada um de nós se coloque na Sua luz, a
fim de examinar-se a si mesmo para ver se sempre, e em tudo, deu
ao Pai o que Lhe pertence, e se sempre ofereceu ao Senhor Jesus
aquilo ao qual tem direito. Caso não seja assim, então “trará ao
SENHOR pela expiação, um carneiro sem defeito do rebanho,
conforme a tua estimação em siclos de prata, segundo o siclo do
santuário, para expiação da culpa” (v. 15). O primeiro animal para o
sacrifício pela culpa é um carneiro sem defeito. Nisto, como já foi
dito, não se faz distinção no que se refere à posição de cada um,
mas o sacrifício é igual para todos, visto que se trata de uma culpa
para com Deus. Deus determina o que neste caso é verdadeiro
autojulgamento, verdadeiro arrependimento: um carneiro sem
defeito. Apenas o reconhecimento de culpa; apenas a humilhação
ao entender o que significou para Deus a obra do Senhor Jesus na
cruz, em relação com a culpa; apenas quem viu como o Senhor
Jesus, com energia varonil, pagou ali a nossa culpa a Deus e por
meio disso reconheceu quão terrível é o ato que praticou, é que
oferece a Deus um verdadeiro sacrifício pela culpa. Somente sobre
esta base Deus pode perdoar esse pecado (veja 1 João 1:9).
O carneiro é o macho da ovelha. A ovelha é uma figura do
Senhor Jesus na Sua mansidão, mas o carneiro fala de maturidade,
estatura completa e, ao mesmo tempo, da força varonil, na qual a
posição é realizada. O carneiro sem defeito para o sacrifício pela
culpa nos mostra, portanto, a energia espiritual com a qual o Senhor
Jesus realizou Sua posição de mansidão, e na qual Ele realmente
foi ao matadouro como um cordeiro, tornando-se, para Deus, um
sacrifício pela culpa. No Salmo 40:12 Ele exclama: “...as minhas
iniquidades me alcançaram... são mais numerosas que os cabelos
de minha cabeça” (ARA). Vemos aqui a culpa — as nossas
iniquidades que Ele tomou sobre Si. No Salmo 69:4 Ele diz: “por
isso tenho de restituir o que não furtei” (ARA). Ele não havia furtado
nada, nós éramos os culpados, mas Ele teve de restituí-lo. Ele
andou o Seu caminho em silêncio, como um cordeiro que está
sendo levado ao matadouro. Mas, ao mesmo tempo, Ele andou
esse caminho de mansidão sem ser influenciado; em energia divina.
Não comove os nossos corações quando vemos o Senhor Jesus
diante dos juízes, do sumo sacerdote e de Pilatos, não proferindo
uma palavra sequer em Sua defesa; não replicando nada às falsas
acusações? Só depois que fora conjurado Ele respondeu, porque a
Palavra de Deus diz que devemos responder quando formos
conjurados pelas autoridades. Na cruz, vemos quão terrível é
quando se furta algo de Deus. Não é, porventura, algo terrível
quando uma criatura pequena e fútil priva ao Supremo Deus de
coisas que Lhe pertencem?
No livro de Malaquias vemos, em parte, como Deus julga
isso. Ali diz: “O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou
pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o
meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que
desprezais o meu nome. Vós dizeis: Em que nós temos desprezado
o teu nome? Ofereceis sobre o meu altar pão imundo, e dizeis: Em
que te havemos profanado? Nisto que dizeis: A mesa do SENHOR é
desprezível. Porque, quando ofereceis animal cego para o sacrifício,
isso não é mau? E quando ofereceis o coxo ou enfermo, isso não é
mau? Ora apresenta-o ao teu governador; porventura terá ele
agrado em ti? Ou aceitará ele a tua pessoa? diz o SENHOR dos
Exércitos. Agora, pois, eu suplico, peça a Deus, que ele seja
misericordioso conosco; isto veio das vossas mãos; aceitará ele a
vossa pessoa? diz o SENHOR dos Exércitos. Quem há também
entre vós que feche as portas por nada, e não acenda debalde o
fogo do meu altar? Eu não tenho prazer em vós, diz o SENHOR dos
Exércitos, nem aceitarei oferta da vossa mão. Mas desde o
nascente do sol até ao poente é grande entre os gentios o meu
nome; e em todo o lugar se oferecerá ao meu nome incenso, e uma
oferta pura; porque o meu nome é grande entre os gentios, diz o
SENHOR dos Exércitos. Mas vós o profanais, quando dizeis: A mesa
do Senhor é impura, e o seu produto, isto é, a sua comida é
desprezível. E dizeis ainda: Eis aqui, que canseira! E o lançastes ao
desprezo, diz o SENHOR dos Exércitos; vós ofereceis o que foi
roubado, e o coxo e o enfermo; assim trazeis a oferta. Aceitaria eu
isso da vossa mão? diz o SENHOR. Pois seja maldito o enganador
que, tendo macho no seu rebanho, promete e oferece ao SENHOR o
que tem mácula; porque eu sou grande Rei, diz o SENHOR dos
Exércitos, o meu nome é temível entre os gentios” (cp. 1:6-14).
Nesse trecho, vemos como Deus julga quando os homens
Lhe privam de algo e não Lhe dão aquilo a que tem direito. Este
grandioso Deus é o nosso Pai. Ele não é apenas o Criador, mas
nosso Redentor; Deus nosso Salvador, como é chamado nas
epístolas a Timóteo e a Tito. Ele entregou o Seu Filho Unigênito, a
fim de nos salvar. Por essa razão, Ele tem direito sobre nós, não
apenas como Criador, mas também como Redentor, pelo fato de ter
pagado o preço mais elevado pela nossa redenção. O quanto a Sua
Majestade é ofendida, e não apenas isso, mas também o Seu
coração amoroso quando Ele vê que nós Lhe furtamos aquilo ao
qual Ele tem direito! Então Deus aponta para o Senhor Jesus e diz:
‘Eis aí o Filho; e assim Ele pagou o que vós furtastes’. Ele o restituiu
em energia varonil. Será produzido em nós um verdadeiro
autojulgamento somente quando percebemos quão alto preço o
Senhor Jesus teve que pagar também pela culpa que temos a esse
respeito, e de como Ele consumou essa obra em mansidão varonil,
entregando a Sua vida.
Ao mesmo tempo, vemos nisso — e é o que torna isso
especialmente magnífico — que o próprio Deus, a quem temos
ofendido e roubado, fornece o sacrifício para que (no Seu governo)
não precise punir-nos com castigo eterno pela nossa culpa. Aquilo
que furtamos de Deus, o Seu próprio Filho o pagou. Somente
chegaremos a um real autojulgamento daquilo que houvermos
praticado e a uma verdadeira confissão diante dEle quando
reconhecermos o tamanho do nosso pecado e vermos o juízo que
foi executado sobre ele, e quando contemplarmos a perfeição do
Senhor Jesus e a graça de Deus, que entregou Seu Filho também
por este pecado.
Mas, vemos que para o sacrifício pela culpa era necessário
mais. A Palavra de Deus diz: “Então trará ao SENHOR, pela
expiação, um carneiro sem defeito do rebanho, conforme à tua
estimação em siclos de prata, segundo o siclo do santuário, para
expiação pela culpa” (Levítico 5:15). O que quer dizer “conforme à tua
estimação”? Não se trata da avaliação de quem pecou, visto que
estas palavras são dirigidas a Moisés! Trata-se, portanto, da
avaliação feita por Moisés. Moisés estabelece o que deve ser pago.
Moisés é uma figura do Senhor Jesus como o grande mestre que,
com autoridade fala a Palavra de Deus; o grande profeta. Isso,
porém, está em ligação com Hebreus 3, onde lemos que Cristo é
Filho sobre a Sua casa (v. 6). Ele estabelece qual é a indenização
que Deus é digno. Portanto, se eu, por exemplo, dei muito pouco
para a obra do Senhor, então o Senhor não deixa a meu critério
determinar quanto eu devo dar agora como indenização. Devo
perguntar a Ele, e Ele me dirá qual é a Sua avaliação. Esta
avaliação consiste em “siclos de prata, segundo o siclo do
santuário”. Como já é do nosso conhecimento, o siclo, mencionado
em Êxodo 30 e 38, fala do preço que foi pago pelo resgate. O juízo
de Deus não veio sobre aqueles pelos quais o meio siclo de prata
havia sido pago. Isso nos leva para o sangue do Senhor Jesus, para
os Seus sofrimentos na cruz, para o Seu amor, que fez com que Ele
se prontificasse a pagar esse preço. É isso que o Senhor Jesus
toma como padrão para estabelecer aquilo que devemos restituir a
Deus. Não é um padrão humano, mas é “segundo o siclo do
santuário”, isto quer dizer, segundo o padrão que corresponde ao
santuário, à habitação de Deus. Quando se trata de culpa, o nosso
padrão não é suficiente; o padrão deve ser aquele que tem validade
no santuário. Isso é um siclo de prata, e, por conseguinte, está
baseado no preço que o Senhor Jesus pagou pelo nosso resgate,
em concordância com o Seu amor. É notável que nesse trecho nós
não lemos que haja reconciliação com base no sacrifício pela culpa.
No decorrer da nossa meditação, iremos notar que até quando se
trata do agravo contra os bens do próximo, primeiro deve ser feita a
devolução daquilo que foi furtado, acrescido de uma quinta parte,
antes que possa ser oferecido o carneiro para o sacrifício pela
culpa. Aqui, onde se trata da ofensa contra Deus, encontramos
primeiro o carneiro, portanto, primeiro a confissão de culpa; mas
depois também temos aquilo que devemos restituir a Deus. Após
mencionar primeiramente o carneiro, lemos: “Assim restituirá o que
pecar nas coisas sagradas, e ainda lhe acrescentará a quinta parte,
e a dará ao sacerdote; assim o sacerdote, com o carneiro da
expiação, fará expiação por ele, e ser-lhe-á perdoado o pecado”
(Levítico 5:16). Este é o grande princípio: não devemos apenas
confessar a nossa culpa, mas também restituir o que havemos
furtado de Deus ou aquilo de que O temos privado e, além disso,
acrescentar-lhe uma quinta parte. O Senhor Jesus fez isso na cruz.
O que nós havíamos roubado de Deus, o Senhor Jesus o restituiu;
mas pagou muito mais. Por ocasião da lei do sacrifício pela culpa,
veremos que, segundo a prescrição de Deus, o sacrifício pela culpa
tinha de ser imolado no local onde se imolava o holocausto. Este
lugar aponta para aquela quinta parte que o Senhor Jesus pagou a
mais. Sim, a respeito dEle podemos afirmar que pagou infinitamente
mais, porém, para nós é dito aqui: vinte por cento, isto é, uma quinta
parte a mais. Não temos condições de restituir em tão grande
medida como o Senhor Jesus o fez a nosso favor. Ainda assim, isso
nos é apresentado para que aprendamos, com Ele, como devemos
agir quando precisamos restituir algo a Deus. Se minha vida até
agora não esteve plenamente consagrada a Ele, então isso significa
que, doravante, devo consagrar-Lhe minha vida acima da medida
normal. Vemos isso, por exemplo, no caso de João Marcos. Depois
de haver acompanhado a Paulo e a Silas no ministério, ele se
retirou. As dificuldades lhe pareciam demasiadas. Ele voltou atrás
porque para ele o preço era elevado demais, embora tivesse
colocado a sua vida a disposição da obra do Senhor. Vemos, porém,
como mais tarde ele restituiu a Deus aquilo que Lhe privara em sua
vida e, além disso, acrescenta uma quinta parte. Ele passou a
acompanhar a Paulo não apenas em todas as dificuldades, mas
também vai com ele ao cárcere. Podemos estar certos de que foi
consideravelmente pior estar com Paulo numa prisão romana do
que acompanhá-lo nas viagens, embora estas também estivessem
associadas a diversos perigos. Dessa maneira, ele pagou a sua
culpa acrescentando-lhe uma quinta parte.
Isso é um princípio importante para nós. Como crentes, nós
devemos examinar a nossa vida à luz deste trecho da Palavra de
Deus e nos questionarmos se nossa vida esteve consagrada a
Deus, se o que somos e todas as nossas capacidades estiveram
consagrados a Ele (conforme um poeta diz em um hino: “Portanto a
ti pertence a minha vida”). Então, se tivermos que reconhecer que
não fizemos isso — que não Lhe demos aquilo que Ele tem direito,
também no que se refere ao nosso dinheiro, aos nossos bens, ao
nosso tempo — somos levados a perceber que a partir deste
momento devemos dar a Ele aquilo do qual O havemos privado,
sim, e mais ainda do que a medida normal, a saber, acrescido de
uma quinta parte, de modo que Deus tenha lucro. Quando tivermos
chegado a essa convicção, então veremos que resultado tal
restituição tem. É um resultado maravilhoso! Havendo apresentado
o sacrifício pela culpa e pagado o preço, Deus tem lucro, visto que
recebeu o sacrifício pela culpa e vinte por cento mais do que Lhe
fora retido; eu também tenho lucro, porque somente por meio disso
cheguei ao ponto de entender tanto da grandeza da obra do Senhor
Jesus — conheci esta obra melhor do que nunca antes. Passei por
exercícios espirituais que me aproximaram mais do Senhor Jesus e
que produziram em mim um estado espiritual melhor. Doravante,
saberei melhor o que significa entregar-me a Ele e experimentarei a
benção infinita que está associada a isso — se realmente me
entrego totalmente e Lhe sirvo com todo o coração e com todas as
minhas capacidades.
Chegamos agora ao segundo caso: “E, se alguma pessoa
pecar, e fizer, contra algum dos mandamentos do SENHOR, aquilo
que não deve fazer, ainda que o não soubesse, contudo será ela
culpada, e levará a sua iniquidade” (Levítico 5:17). Portanto, aqui se
trata de que alguma pessoa faz coisas que estão proibidas na
Palavra de Deus. A primeira coisa que constatamos é que a
ignorância não isenta ninguém da culpa. Na vida cotidiana, todos
compreendem isso. Na linguagem jurídica, isso quer dizer: Todo
cidadão é considerado como sendo conhecedor das leis, uma vez
que estas foram publicadas. Portanto, todos podem se informar a
respeito. Em se tratando, porém, dos mandamentos de Deus, os
homens — e muitas vezes até os crentes — não querem reconhecer
isso. Mas nós temos em mãos a Palavra de Deus. Se a
estudássemos com aplicação, saberíamos o que, segundo a
vontade de Deus, deveríamos fazer e o que deixar de fazer. Porém,
se eu ainda não tive a oportunidade de ler toda a Bíblia, por ser
recém-convertido ou por algum outro motivo, então posso saber se
algo infringe a Sua vontade se tenho realmente comunhão com Ele.
Em 1 João 2:20 e 27 a Palavra dirige-se a meninos em Cristo
(filhinhos), a recém-convertidos que creram no evangelho e que
então foram ungidos e selados com o Espírito Santo: “E vós tendes
a unção do Santo, e sabeis tudo”. Isso não significa que esses
jovens crentes conheçam todas as coisas más. É exatamente isso
que Deus não quer. Por isso lemos em Romanos 16:19: “...e quero
que sejais sábios no bem, mas simples no mal”. É uma mentira de
Satanás que nós devemos examinar tudo para sabermos se algo é
bom ou mau. É verdade que em 1 Tessalonicenses 5:21 diz:
“Examinai tudo. Retende o bem”, mas ali trata-se das profecias nas
reuniões, em que o Espírito Santo pode atuar livremente. Nós
devemos examinar tudo o que ouvimos ou vemos nas reuniões, com
o fim de verificarmos se está em concordância com a Palavra de
Deus e, consequentemente, se é bom. Temos que rejeitar o que
está em oposição à Palavra de Deus. “...e os outros julguem” (1
Coríntios 14:29). Nós devemos ocupar-nos constantemente com o que
é bom; com o mal, contudo, somente quando é inevitável — o que,
infelizmente, acontece muito neste mundo pecaminoso. Se eu tenho
comunhão com o Senhor, irei constatar imediatamente se é a voz do
Bom Pastor que está falando a mim. “As minhas ovelhas ouvem a
minha voz... e elas me seguem” (João 10:27). Se não tenho a
sensibilidade para tal, isso apenas prova que não estou
suficientemente próximo do Senhor, e que o meu coração não
obedece incondicionalmente a Ele. “Se alguém quiser fazer a
vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou
se eu falo de mim mesmo” (João 7:17). Isto é um princípio importante
com vistas às frequentes queixas de que é tão difícil reconhecer a
vontade de Deus em um caso concreto. A maioria dos crentes,
jovens ou idosos, queixam-se a esse respeito. Geralmente, a razão
consiste em que se quer seguir o próprio caminho escolhido que,
segundo a própria opinião e o próprio desejo, é o melhor. Enquanto
aqueles que realmente querem obedecer ao Senhor, a razão
somente consiste em que estão pouco habituados a escutar ao
Senhor, e por isso conhecem muito pouco a voz do Bom Pastor na
prática. É claro que agora me refiro somente aos casos em que não
haja desobediência evidente, ou pecado oculto ou manifesto na vida
prática do crente. Se este for o caso, o Senhor não responde com o
fim de despertar a consciência ou para revelar o que existe dentro
do coração deste crente. Vemos isso, por exemplo, no caso do rei
Saul, em 1 Samuel 13:8-14 e 28:6-19!
Quantas vezes vemos algo semelhante na vida prática dos
crentes. Então eles dizem: ‘Eu não entendo isto assim’, ou: ‘Isso
também pode ter outro significado’, ou ainda: ‘Isso tinha validade
para aquele tempo, mas não para o tempo e as circunstâncias em
que nós vivemos’. Com isso, acredita-se estar livre para viver de
acordo com os desejos da própria carne. Porém, aqui diz: “Ainda
que o não soubesse, contudo será ela culpada, e levará a sua
iniquidade”. Se eu não entendo ou não quero entender uma
declaração da Palavra de Deus, não é por isso que estarei
desculpado. A comunhão com o Pai estará interrompida, e não será
restabelecida até que traga meu sacrifício pela culpa e pague a
minha dívida. Enquanto isso, levo a minha iniquidade, e Deus irá Se
opor a mim em Seus caminhos de governo. “E trará ao sacerdote
um carneiro sem defeito do rebanho, conforme à tua estimação,
para expiação da culpa, e o sacerdote por ela fará expiação do erro
que cometeu sem saber; e ser-lhe-á perdoado. Expiação de culpa é;
certamente se fez culpado diante do SENHOR” (Levítico 5:18-19).
Que grande prejuízo espiritual é para mim quando digo a
respeito de algo que está escrito na Bíblia: ‘Eu entendo isso
diferente’, ou quando não o quero entender, tornando-me deste
modo, culpado perante Deus porque, por meio disso, O privo de
algo que Ele tem direito. Deus, em Seus caminhos de governo, não
me perdoa, mas tem que me julgar por isso. Que afronta também
representa esse comportamento para com o Pai, o Deus Salvador,
que julgou o Seu Filho Unigênito na cruz por mim a fim de poder
purificar-me de todo pecado e para que pudesse dar-me tudo o que
o Deus Todo-Poderoso tem para dar!
Chegamos agora ao terceiro caso, no qual se trata do pecado
contra o próximo. Notamos logo que aqui não se fala de ignorância
nem de falta de conhecimento, como nos casos anteriores. Isso não
é um testemunho lamentável da atitude do homem — também do
crente — para com Deus? Nós nos preocupamos mais com nossas
obrigações e nossa culpa para com o nosso próximo do que para
com Deus. Reconhecemos mais facilmente ter causado prejuízo a
alguma pessoa do que a Deus. “Quando alguma pessoa pecar, e
transgredir contra o SENHOR, e negar ao seu próximo o que lhe deu
em guarda, ou o que deixou na sua mão, ou o roubo, ou o que
reteve violentamente ao seu próximo, ou que achou o perdido, e o
negar com falso juramento, ou fizer alguma outra coisa de todas em
que o homem costuma pecar” (Levítico 6:2-3).
O primeiro que nos chama a atenção é que Deus diz que
cometemos ofensa contra Ele quando pecamos contra o próximo.
Deus e o Senhor Jesus consideram a injustiça cometida contra o
irmão ou a irmã como sendo contra Deus! Nos Seus caminhos de
governo, Deus irá julgar e punir do mesmo modo como se
tivéssemos feito injustiça a Ele. É por isso que o sacrifício pela culpa
e a indenização, neste caso, são idênticas às do caso onde
privamos algo de Deus. Também encontramos esse princípio em
Atos 9:4, quando Saulo estava perseguindo os crentes e o Senhor
lhe pergunta: “Saulo, Saulo, porque me persegues?”. Nós somos
membros do Seu Corpo e estamos identificados com Ele. Somos
também filhos do Pai, de modo que Ele também sente o mal
praticado contra nós como sendo contra Ele. Quanto isso mostra a
gravidade dos nossos pecados e erros cometidos contra os crentes!
De que maneira eu peco contra um irmão ou contra uma
irmã, ou ainda, contra todo o conjunto de irmãos? Nos versículos
diante de nós trata-se de coisas materiais, e de tais coisas também
pode se tratar em nosso caso. No entanto, todos os preceitos da lei,
geralmente, são figuras de coisas espirituais para nós. Israel era
uma comunidade terreal, à qual cada um pertencia pelo nascimento.
Suas bênçãos também eram de ordem terrestre, conforme
Deuteronômio 28 mostra claramente. A Igreja, o Corpo de Cristo é,
no entanto, uma comunidade espiritual, da qual se faz parte
recebendo o Espírito Santo, após ter crido no pleno evangelho.
Somos abençoados com todas as bênçãos espirituais (Efésios 1:3).
Nosso relacionamento mútuo como crentes é, portanto, de ordem
espiritual, embora possam surgir, frequentemente, vínculos
terrestres, materiais, visto que ainda estamos aqui na terra.
Em Deuteronômio 15 são apresentadas diversas coisas que
nos mostram de que maneira privamos aos nossos irmãos ou irmãs
de algo, mas também mostra como podemos dar-lhes algo. Se, por
exemplo, uma irmã assiste regularmente a reunião do partir do Pão
e adoração, mas sempre com o coração vazio porque deixou de
ocupar-se durante a semana com o Senhor Jesus, então, ela não
priva somente ao Senhor de algo, mas também a todos os irmãos e
irmãs presentes. No coração desta irmã não havia nada que o
Espírito Santo pudesse usar para que subisse como incenso a Deus
juntamente com a adoração que estava no coração dos demais. O
mesmo pode acontecer com um irmão. Quando o Espírito Santo
quer se utilizar de mim como boca da assembleia, seja na oração,
seja na adoração, ou como boca do Senhor no ministério da
Palavra, então, caso não me deixe usar, não apenas privo algo ao
Senhor, mas também à congregação. A Palavra de Deus diz que
devo amar aos irmãos e às irmãs. No entanto, eu não estou
privando-os de algo que eles têm direito? Não digo que eles podem
exigi-lo, pois este direito a Palavra de Deus não nos confere. Existe
uma grande diferença entre o direito de poder exigir algo, e a
obrigação que o outro tem de dá-lo! É correto o que um irmão disse
certa vez: “A única coisa que temos direito é um lugar no inferno,
pois esse nós merecemos. Porém, temos privilégios infinitos que,
entretanto, descansam apenas sobre a graça”.
Porventura não minto ao meu irmão quando conto para
outras pessoas algo que ele me falou em confiança, quando abuso
dessa informação ou nego que ele tenha me dito? Ou também
quando não falo a verdade a respeito de algo que sei dele ou do que
ele me contou? Acaso não estou despojando meu irmão quando
nego ou diminuo as capacidades ou os dons espirituais que ele
recebeu? Quando não presto a um irmão ou a uma irmã a honra
que lhe compete, com base no seu estado espiritual — pois a um
cristão se deve honra somente correspondente ao seu andar com o
Senhor e ao seu estado espiritual — eu não estou roubando-lhes o
que lhes compete? Acaso não estou despojando o irmão da sua
honra quando ouço que algo é dito acerca dele, do qual eu sei que
não é verdade, porém eu não me oponho e não falo que posso
provar que isso é uma inverdade? Poderíamos enumerar muitas
outras situações, também no que se refere a coisas materiais, como
dinheiro, etc.. Talvez esteja devendo ao meu irmão certa quantia de
dinheiro e não o restituo porque ele já o esqueceu, ou por algum
outro motivo. Ou emprestei um livro dele, e não o devolvo. Há tantas
coisas de que podemos privar os nossos irmãos, embora eles
tenham direito a elas, ou, melhor dizendo, nós temos obrigação para
com eles. Vemos aqui o que Deus diz a respeito: “Será pois que,
como pecou e tornou-se culpado, restituirá o que roubou, ou o que
reteve violentamente, ou o depósito que lhe foi dado em guarda, ou
o perdido que achou, ou tudo aquilo sobre que jurou falsamente; e o
restituirá no seu todo, e ainda sobre isso acrescentará o quinto;
àquele de quem é o dará no dia de sua expiação. E a sua expiação
trará ao SENHOR: um carneiro sem defeito do rebanho, conforme à
tua estimação, para expiação da culpa trará ao sacerdote; e o
sacerdote fará expiação por ela diante do SENHOR, e será perdoada
de qualquer das coisas que fez, tornando-se culpada” (Levítico 6:4-7).
Temos prestado atenção à sequência nos versículos 4 e 5?
Deus diz que, neste caso, deve ser dada primeiramente a
indenização, antes mesmo de oferecer o sacrifício pela culpa.
Somente quando tiver sido dada a indenização com o acréscimo de
um quinto sobre o valor, e tendo sido oferecido o sacrifício pela
culpa, é que ocorre o perdão por parte de Deus. Quando se trata de
questões entre crentes, Deus deseja que primeiramente
indenizemos o irmão pelo dano que lhe temos causado e que lhe
demos vinte por cento a mais do que lhe temos furtado. No caso de
eu ter demonstrado muito pouco amor a um irmão, preciso
reconhecer isso de forma plena diante dele e, além disso, amá-lo
vinte por cento a mais. Se eu honrei pouco a um irmão, agora devo
honrá-lo vinte por cento a mais do que seria o normal. Quando ele
perceber o que a graça de Deus operou em mim, o seu coração
ficará satisfeito, de modo que ele se volta para mim com liberdade e
franqueza — então a questão está resolvida. É um pensamento
muito sério. Acaso já não temos presenciado alguém dizendo: ‘Eu o
confessei diante de Deus, por isso já está resolvido’; e pensava que
não precisava fazer mais nada para com a pessoa contra o qual
havia faltado, ou, quando muito, dizer: ‘Eu não deveria ter feito
isso’? Agindo dessa forma não estaremos restituindo o que
havemos furtado, e muito menos os vinte por cento! Somente
quando reconhecemos, total e plenamente, que pecamos e temos
feito agravo ao próximo, restituiremos o que havemos furtado. Então
não usaremos mais desculpas, como: ‘Ah, não era isso o que eu
queria dizer’, ou: ‘Você não deve levar isso para esse lado’; mas
reconheceremos tudo o que fizemos e acrescentaremos mais uma
quinta parte. Isso nós também temos visto nos outros sacrifícios
pelos pecados. Temos que fazer uma confissão plena diante de
Deus e do próximo, e então, ainda dar um quinto a mais, para que
aquele que foi prejudicado se torne mais rico do que era. Ele terá
recebido aquilo que eu lhe havia furtado ou privado, porém
acrescido de vinte por cento. Por meio disso, ele se tornou mais
rico, e a questão não deixa nenhuma amargura no seu coração de
modo que ele possa dizer: ‘Fizeram-me agravo’; pelo contrário,
haverá alegria no seu coração pelo fato de ter se tornado mais rico,
visto que eu realmente passei a limpo a questão.
Depois de eu ter procedido assim, Deus diz: ‘Agora que você
colocou em ordem a questão com teu irmão, com tua irmã, venha a
Mim com a tua confissão de culpa’. Deus quer que primeiramente
coloquemos tudo em ordem entre nós, para, só então, chegarmos a
Ele. Antes, Ele não aceita nosso sacrifício pela culpa. Então, quando
chegamos a Ele em autojulgamento, lemos que o sacerdote fará
expiação por nós e que nos será perdoado. Desta maneira o Senhor
Jesus, o Grande Sacerdote, quer remover o mal.
Será que todos aqueles antigos problemas e questões que
nunca realmente foram passadas a limpo, aquelas “velhas feridas”
que nunca foram curadas não seriam resolvidas se agíssemos de
acordo com esse princípio, da maneira como está descrito aqui?
Mas, para estarmos em condições para tal, é necessário que
sejamos espiritualmente ricos.
Alguém que é espiritualmente pobre nunca poderá remover
plenamente do caminho uma culpa com um irmão, ou com uma
irmã, segundo os pensamentos de Deus. A consequência disso é
que a sua relação com o irmão ou a irmã nunca será totalmente
restabelecida, e ele nunca mais terá plena comunhão com o Pai e
com o Senhor Jesus. Não seria essa a causa de que tantos
corações se distanciam entre si? Somente o olhar para o Senhor
Jesus — que, na cruz, não pagou apenas a nossa culpa que
tínhamos para com Deus de modo perfeito, mas também pagou
uma quinta parte a mais, de modo que a graça e o amor de Deus
agora estão plena e justamente à disposição de nós, pecadores
perdidos e culpados — pode enriquecer os nossos corações o
suficiente para andarmos o caminho da restauração, o qual Deus
nos mostra aqui. É o único caminho! Nesse caso, Deus não diz: ‘Se
você for demasiado pobre, contento-Me com menos — com uma
cabrita, com um par de rolas ou um efa de flor de farinha’. Não; nos
Seus caminhos de governo, Deus precisa exigir o pagamento
integral. Só assim a restauração é possível. Quão seriamente isso
fala a nós! Será que os nossos corações estão suficientemente ricos
para podermos trilhar sempre esse caminho? Caso não, a culpa não
está com Deus. Ele nos apresentou primeiramente o holocausto,
onde temos percebido que o Senhor Jesus pagou muito mais do
que a nossa culpa, a fim de que tudo o que havia entre nós e Deus
pudesse ser removido e para que Deus pudesse tornar-nos
infinitamente ricos — o que Ele também fez. Depois do holocausto,
nos mostrou toda a glória pessoal do Senhor Jesus na oferta de
manjares, para que, como sacerdotes, pudéssemos nos alimentar
disso e, por meio disso, nos tornássemos semelhantes a Ele na
prática. Finalmente, com o sacrifício pacífico, ou de ação de graças,
Ele nos trouxe à Sua mesa, a fim de participarmos ali, em conjunto
com o Pai e com o Filho, daquela maravilhosa refeição — nutrir-nos
de toda a glória da maravilhosa obra do Senhor Jesus na cruz. Se
realmente temos visto isso e se o acolhemos em nossos corações,
então estamos tão ricos que podemos pagar integralmente a nossa
culpa para com nosso irmão ou irmã, e poderemos e quereremos
com facilidade acrescentar-lhe uma quinta parte. Que o Senhor nos
conceda que assim seja e continue na vida de cada um de nós!
A Lei do Holocausto

Leia Levítico 6:8-13

Após termos visto os preceitos gerais para o holocausto no


capítulo 1, chegamos na lei do holocausto. Aqui, pois, encontramos
os princípios exatos que aquele, que quisesse trazer um holocausto,
devia observar. No capítulo 6:8-9, vemos que esta lei foi dada a
Arão e a seus filhos, enquanto que no capítulo 1 se trata de
qualquer pessoa dentre o povo. Todos podiam trazer um holocausto
voluntário a Deus; aqui, porém, trata-se de Arão e de seus filhos. Os
princípios divinos a respeito do nosso culto na reunião do partir do
Pão foram confiados ao Senhor e aos que são sacerdotes. Sob
“filhos de Arão” precisamos entender que se trata de filhos do sexo
masculino, que de fato podiam exercer o sacerdócio. Eles se
encontram diariamente na presença do Senhor, estando, por isso,
habituados a avaliar tudo segundo Seus pensamentos. A estes,
pois, Deus dá as prescrições que devem ser observadas no serviço.
Isso é um princípio geral na Palavra de Deus. Em Números 10
lemos, por exemplo, das trombetas de prata com que Moisés podia
convocar todo o povo. Mas é mencionado expressamente que os
sacerdotes deviam tocar as trombetas. Isto quer dizer que o Senhor
Jesus, de quem Moisés é uma figura, que manda falar a Palavra de
Deus com autoridade, faz isso, normalmente, por meio dos
sacerdotes, isto é, daqueles que realmente têm comunhão com Ele
e que compreendem melhor os Seus pensamentos. Estes exercem
o serviço mais importante, como já vimos no capítulo 1, onde tudo o
que exigia compreensão devia ser executado pelo sacerdote. Ao
lermos os versículos que estão diante de nós, também é bom que
nos lembremos disso.
“Esta é a lei do holocausto; o holocausto ficará na lareira do
altar toda a noite até pela manhã, e nela se manterá aceso o fogo
do altar” (cp. 6:9 ARA). Encontramos quase o mesmo pensamento em
Êxodo 29, onde diz que todo dia, de manhã e à tarde, devia ser
oferecido um holocausto — ao pôr do sol, para que o aroma
agradável do holocausto também pudesse subir a Deus durante a
noite. Profeticamente, vemos nisso o significado da obra do Senhor
Jesus para nós e para Israel. Nós estamos vivendo na noite; quando
o Senhor foi traído por Judas, era noite (João 13:20). Virá o momento
em que há de romper o dia em que o Senhor Jesus há de voltar
como o sol da justiça. Este será um dia especial para Israel. O
holocausto estava, portanto, destinado para o dia, visto que só com
base na obra do Senhor Jesus é que Israel será abençoado; mas
era também, destinado para a noite, pois também nós recebemos as
nossas bênçãos somente com base na obra do Senhor.
Aqui, contudo, é indicado com ênfase para o fato de que o
holocausto tinha que ficar sobre o altar a noite toda. Trata-se aqui
do holocausto que nós oferecemos. Deus contempla a obra do
Senhor Jesus ininterruptamente. Se Deus a deixasse de ver um
instante sequer, não haveria bênçãos para nós. Mas, porque aqui se
trata de holocaustos que nós apresentamos, a respeito deles a
Palavra de Deus diz que o fogo deve ficar aceso a noite toda. Creio
que encontramos mais ou menos o mesmo pensamento em
Números 28, onde diz que Deus deseja receber ofertas desta terra
amaldiçoada; deste deserto onde Deus está rejeitado. Não obstante,
Deus gostaria de ver fruto desta terra. É o que também notamos
aqui. Mesmo quando é noite na terra, Deus deseja que o aroma do
holocausto suba a Ele. Que pensamento precioso, especialmente
quando pensamos em nossos sacrifícios! Durante todo o tempo em
que o Senhor Jesus é rejeitado, Deus deseja que os Seus Lhe
ofereçam holocaustos, a fim de que suba constantemente a Ele o
aroma agradável — não como havia subido da cruz, outrora, mas
como aroma de um holocausto oferecido a Ele. Conforme já temos
visto, isso significa que contemplamos ao Senhor Jesus como
holocausto e oferecemos como sacrifício aquilo que temos visto
nEle.
Encontramos o mesmo pensamento no Salmo 134. Suponho
que conhecemos a sequência dos Salmos 132 ao 134. No Salmo
132 vemos o lugar da reunião; no Salmo 133:1 lemos: “Oh! Quão
bom e suave é que os irmãos vivam em união”; e no Salmo 134
encontramos os serviços que ali se executam. O primeiro versículo
diz: “Eis aqui, bendizei ao SENHOR todos vós, servos do SENHOR,
que assistis na casa do SENHOR, todas as noites”. Muitos não
entendem por que aqui diz: “todas as noites”, mas nós o
entendemos quando vemos o que o Novo Testamento ensina. E
assim continua até o último versículo do Salmo 134, pois ali
encontramos a manhã: “O SENHOR que fez o céu e a terra te
abençoe desde Sião”. Com isso terminam os “cânticos dos degraus”
(ou “cânticos de subida”).
Em Levítico 6 lemos a respeito do holocausto: “o holocausto
ficará na lareira do altar a noite até pela manhã, e nela se manterá
aceso o fogo do altar” (v. 9 ARA). Portanto, este é o serviço dos
sacerdotes. Em primeiro plano, isso se refere ao Senhor Jesus, pois
Arão é uma figura do Senhor Jesus. Mas, Arão e seus filhos são
mencionados conjuntamente, isto quer dizer que também é uma
tarefa para os filhos de Arão. Que maravilhoso serviço o Senhor
Jesus exige de nós! É nossa tarefa cuidar de que, durante todo o
tempo da rejeição do Senhor Jesus, suba a Deus o aroma agradável
do holocausto, porquanto nós, os crentes, oferecemos este sacrifício
a Ele.
Se pensarmos agora no sacrifício pelo pecado, notamos que
há diferenças entre ambos. O sacrifício pelo pecado é necessário
para nossa salvação. Contudo, era oferecido apenas uma vez ao
ano. Não encontramos que tivesse que ser repetido. Talvez isso
acontecesse quando alguém tivesse pecado, conforme vimos nos
capítulos 4 e 5, porém, nunca é falado de um sacrifício pelo pecado
voluntário. Contudo aqui, onde é falado do holocausto, Deus
presume que os nossos corações estejam cheios e ofereçam
holocaustos ininterruptamente. Isto alegra a Deus! É um assunto
que fala seriamente aos nossos corações. No início, quando nos
aproximamos de Deus, víamos o Senhor Jesus como sacrifício pelo
pecado, porque nos ocupávamos com aquilo que necessitávamos.
Mas, se chegamos a conhecer verdadeiramente ao Senhor Jesus,
então Deus deseja que nos ocupemos com o Senhor Jesus como
holocausto. Embora nunca esqueçamos a Sua obra no tocante aos
nossos pecados, entendemos que o sacrifício pelo pecado não era
oferecido sobre o altar. Para esta finalidade, Deus deseja um
holocausto. Nosso constante serviço consiste em oferecer
holocaustos durante todo o tempo da rejeição do Senhor Jesus,
para que o aroma agradável suba a Deus.
O fogo devia ser mantido aceso sobre o altar. O fogo é uma
figura da inquiridora e examinadora santidade de Deus. Com vistas
ao Senhor Jesus na cruz, visto como holocausto, subia apenas um
aroma agradável. É nossa tarefa cuidar para que o fogo se
mantenha aceso, isto é, que olhemos para trás, para a cruz, para
contemplar como o fogo sondava o Senhor Jesus e como subia
somente um aroma agradável a Deus.
Isto, no entanto, não significa que a obra não esteja
consumada. Vemos no versículo 10 que ela está consumada. Nós
agimos conscientes de que a obra está consumada e que Deus foi
plenamente glorificado. Sabemos que, no Senhor Jesus, não há
nada que não seja bom, e estamos conscientes de que tudo nEle é
perfeito. Nesta convicção examinamos o holocausto continuamente,
para verificar quão perfeito tudo é, e para expressar isto diante de
Deus. Mas, como já foi dito, o fazemos cientes de que a obra está
consumada. É isso o que encontramos no versículo 10: “E o
sacerdote vestirá a sua veste de linho, e vestirá as calças de linho,
sobre a sua carne, e levantará a cinza, quando o fogo houver
consumido o holocausto sobre o altar, e a porá junto ao altar”.
Portanto, o sacerdote precisa ocupar-se com a cinza e, para tanto,
precisa vestir sua veste de linho e as calças de linho, isto é, as
vestes que vestiu no grande dia da expiação. Isto significa que
precisamos possuir justiça prática ao nos ocuparmos desse modo
com o Senhor Jesus. É disso que fala o linho, como Apocalipse 19:8
o diz explicitamente. Como poderíamos estar constantemente junto
ao holocausto e estar envolvidos no aroma agradável que dele exala
— porque um sacerdote que está sempre junto do altar e do
holocausto (que fala da perfeita entrega do Senhor Jesus a Deus,
que foi até à morte) vive neste aroma agradável — e sermos
impuros na prática?
A cinza é o sinal da obra consumada e, na verdade, uma
obra consumada na morte. A cinza vem apenas quando tudo foi
consumido pelo fogo. O pensamento dominante em nós deve ser
que Cristo morreu; embora isto tenha acontecido também como
holocausto para a honra de Deus, aconteceu ali onde Ele morreu
por nós, onde Deus teve que ajustar as contas com o homem
natural, de modo que jamais devemos esquecer que nós morremos
com Cristo; o velho homem foi julgado, e nós devemos viver na
força da ressurreição.
Contudo, isso tem consequências para nossa vida prática.
Podemos estar junto do altar, mas, além disso, temos uma tarefa,
um serviço. O altar de bronze, na verdade, era parte integrante do
tabernáculo; encontrava-se, no entanto, no deserto. O átrio da tenda
é uma figura da terra como o lugar em que foi levantada a cruz. Em
Hebreus 13:10-13 lemos que nós devemos estar no santuário ou
fora do arraial. Quando nos reunimos como Igreja para trazermos os
nossos sacrifícios à Mesa do Senhor — o altar de bronze — vemos
então em que caráter nós devemos estar ali: devemos estar
conscientes de que a obra está consumada, devemos realizar que
morremos com o Senhor Jesus e que o velho homem não tem razão
de ser. Dessa maneira, oferecemos os nossos holocaustos. Porém,
não permanecemos sempre nesse lugar, mas temos que sair para o
mundo, onde devemos prestar testemunho. Então não trajaremos as
mesmas vestes que usávamos no santuário: “Depois despirá as
suas vestes, e vestirá outras vestes; e levará a cinza fora do arraial
para um lugar limpo” (v. 11). Esta é a segunda parte do nosso
serviço, voltado para fora. Precisamos então, estar num lugar limpo,
fora do arraial, separados de qualquer organização eclesiástica e
humana. A este lugar devemos levar a cinza, isto é, o testemunho
da obra consumada, mas não como sacrifício pelo pecado e sim
como holocausto. Isso significa, na verdade, o fim da velha
natureza, mas, acima disso, demonstra a inteira devoção a Deus.
Nos versículos 12 e 13 Deus aponta mais uma vez, e
expressamente, que o fogo no altar não podia se apagar: “O fogo
que está sobre o altar arderá nele, não se apagará; mas o sacerdote
acenderá lenha nele cada manhã, e sobre ele porá em ordem o
holocausto e sobre ele queimará a gordura das ofertas pacíficas. O
fogo arderá continuamente sobre o altar; não se apagará”. Presumo
que nisto também se expressa o significado que essa obra tem para
Israel. Israel rejeitou ao Senhor Jesus, razão pela qual o juízo veio
sobre este povo. Como, pois, é possível que esse povo não fosse
exterminado e, além disso, um futuro glorioso esteja à sua espera?
A razão para tal é que um aroma agradável sobe do holocausto a
Deus.
Em João 11:52 lemos que o Senhor Jesus morreu pela
nação, mas também para reunir em um só os filhos de Deus que
andam dispersos. Em primeiro plano, Ele morreu pela nação. Isso
nós também vimos ao contemplar Levítico 16. O sacrifício pelo
pecado foi ofertado em favor de Arão e de sua casa, mas também
em favor do povo. Encontramos o mesmo pensamento também em
Hebreus 2:17: “Por isso convinha que em tudo fosse semelhante
aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo
que é de Deus, para expiar os pecados do povo”. Cristo teve que
morrer pelos pecados do povo. Deus pode suportar o povo, guardá-
lo, e um dia introduzi-lo nas bênçãos, somente porque o aroma
agradável do sacrifício do Senhor Jesus sobe à Ele. É claro que
cada indivíduo precisa converter-se, porque só os judeus
convertidos e regenerados entrarão no reino milenar. Os incrédulos
serão julgados. Agora, contudo, Deus suporta o povo com base no
holocausto.
Continuemos agora a considerar o serviço do sacerdote. Ele
devia manter aceso o fogo, e cada manhã acender lenha sobre o
altar e preparar o holocausto. É o mesmo que já vimos no capítulo
1, mas aqui vemos que isso acontecia ininterruptamente. Ele tinha
que acender a lenha. Já vimos que a lenha é uma figura da natureza
humana, que no homem natural (velho homem), somente pode ser
consumida. Mas o novo homem também tem uma natureza — a
nova natureza. É com esta natureza que o sacerdote tem que se
ocupar. No seu ministério sacerdotal em favor dos crentes, ele deve
manter aquecidos os corações, a fim de que o Espírito Santo possa
utilizá-los para o holocausto. Lembremos, por exemplo, dos dois
discípulos no caminho a Emaús, em Lucas 24. O Senhor fala com
eles, e esse é o início da obra do sacerdote. Eles, porém, estavam
entristecidos e não tinham compreensão da Sua obra maravilhosa.
Porém, depois que o Senhor lhes falou a Seu próprio respeito, eles
puderam dizer: “Porventura não ardia em nós o nosso coração
quando, pelo caminho nos falava, e quando nos abria as
Escrituras?” (v. 32). Eu penso que isto seja um exemplo daquilo que
vemos aqui. É o atiçar dos sentimentos, para que os crentes
estejam em condições de ofertar holocaustos.
Agora chegamos ao holocausto em si. Os sacerdotes deviam
prepará-lo. Já vimos no capítulo 1 o que isso incluía, a saber,
colocar em ordem os pedaços. O holocausto era cortado em
pedaços, e estes eram colocados de uma determinada maneira
sobre o altar, de modo que o sacerdote pudesse ofertar a Deus
todas as perfeições interiores do Senhor Jesus na sua verdadeira
relação. Seu amor, Sua justiça, Sua santidade, a sabedoria que Ele
manifestou em Seu caminho, a força na qual consumou a obra, a
Sua total devoção — tudo isso tinha que tornar-se visível e devia ser
contemplado. Essa é a atividade do sacerdote. Somente aquele que
se ocupa pormenorizadamente com a obra do Senhor Jesus, que
cortou o holocausto em seus pedaços e os contemplou em
adoração, está em condições de exercer essa atividade sacerdotal.
Depois lemos que o sacerdote devia incensar as gorduras
das ofertas pacíficas. A oferta pacífica é uma figura da obra do
Senhor Jesus como base da nossa comunhão com Deus, uma
figura da cruz do Senhor Jesus como o objeto no qual temos
comunhão com Deus. Mediante a cruz do Senhor Jesus, Deus foi
glorificado plenamente. Agora, Deus diz: ‘Eu fui plenamente
contentado ali’. Os nossos corações também podem afirmar: ‘Nós
fomos plenamente salvos por meio desta obra’. Quando pensamos
nisso, os nossos corações se enchem de alegria, e isso é
comunhão, visto que temos os mesmos sentimentos que o Pai. Aqui
são mencionadas as peças de gordura, aquelas partes do sacrifício
pacífico que eram destinadas especialmente a Deus e que em
Levítico 3:11 e 16 são chamadas de “alimento... ao SENHOR”.
Porventura não é maravilhoso que isso é mencionado aqui?
Encontramos a lei da oferta pacífica no capítulo 7, mas aqui, onde
se trata do holocausto, já é mostrada a correlação. Aquilo que nós
oferecemos a Deus como holocausto, com o desejo de que seu
aroma possa subir à Sua presença, Ele chama de “Seu alimento,
Seu pão”. Que pensamento maravilhoso! Deus recebe como manjar,
como alimento, aquilo que nós Lhe oferecemos.
No versículo 13 vemos quão importante isso é para Deus; ali,
pela terceira vez lemos: “O fogo arderá continuamente sobre o altar;
não se apagará”. Que serviço glorioso nós temos recebido, mas
também que responsabilidade!
A Lei da Oferta de Alimentos/Manjares

Leia Levítico 6:14-18

Vimos anteriormente que a oferta de manjares fala da vida do


Senhor Jesus, desde o dia do Seu nascimento até a Sua morte.
Portanto não diz respeito à obra de reconciliação que Ele
consumou, mas diz respeito à Sua própria pessoa. A glória ligada a
isso, no entanto, só pôde manifestar-se na Sua vida aqui na terra.
Sua glória atual, no céu, nos é comunicada pelo Espírito Santo; mas
a Sua beleza moral nós vemos somente na Sua vida na terra.
Também temos visto que a oferta de alimentos sempre era
oferecida junto com um holocausto. O capítulo 2 está estreitamente
ligado ao capítulo 1. Trata-se de uma comunicação do SENHOR, e o
mesmo acontece no capítulo 6. No versículo 8 diz: “Falou mais o
SENHOR a Moisés, dizendo”; encontramos a mesma expressão no
versículo 19. Portanto, os 11 versículos anteriores formam um todo.
Os versículos 8 a 13 contêm a lei do holocausto; e os versículos 14
a 18, a lei da oferta de manjares. Isso mostra quão estreitamente
estas duas ofertas estavam ligadas entre si. Mas o holocausto é
mencionado antes. Cronologicamente, a oferta de alimentos deveria
aparecer antes — a morte do Senhor Jesus aconteceu somente no
fim da Sua jornada na terra. Porém, aqui Deus nos mostra a
sequência normal. Nenhum homem está em condição de perceber a
glória do Senhor Jesus, nem sequer está em condição de ocupar-se
com Ele se não conhece a Sua obra e sabe que, com base no
holocausto, tem a plena ousadia de comparecer perante a face de
Deus. Portanto, o holocausto aparece primeiro; e tão logo o crente
tenha compreendido que tem a ousadia para aproximar-se de Deus,
ele pode ocupar-se com a oferta de manjares, com as belezas do
Senhor Jesus como homem na terra. Quando digo “como homem na
terra”, então me refiro à maneira que Ele foi manifestado aqui como
ser humano. Trata-se da Sua glória pessoal, que não começou
quando Ele veio à terra e que não terminou quando deixou a terra, e
que, contudo, achou sua expressão aqui.
No capítulo 2 temos contemplado as diversas qualidades da
oferta de manjares que representam as diferentes provações que o
Senhor Jesus teve de sofrer, nas quais Ele foi provado pelo fogo de
Deus, e onde o resultado foi um aroma agradável para Deus. Na
vida do Senhor Jesus jamais houve algo que não fosse perfeito para
Deus.
Aqui, na lei da oferta de alimentos, não encontramos essas
diferenças. Se tivéssemos somente esta lei, conheceríamos apenas
os componentes da oferta de manjares. No versículo 15 é falado da
flor de farinha, do azeite e do incenso. Aqui a ênfase não está nas
diferentes glórias do Senhor, mas, antes de tudo, na parte da oferta
que caberia ao sacerdote.
Primeiramente, um dos filhos de Arão devia apresentar a
oferta de alimentos perante o SENHOR. Isso significa que isso era
feito por uma pessoa. Depois, lemos no versículo 15: “Um deles
tomará dela um punhado de flor de farinha da oferta de manjares
com seu azeite, e todo o incenso que está sobre a oferta de
manjares; então o acenderá sobre o altar como porção memorial de
aroma agradável ao SENHOR” (ARA). Aqui diz respeito a um dos
filhos de Arão, porém ele não está só, pois ele é um de um grupo de
pessoas, e aquilo que ele faz está, portanto, relacionado com o
grupo todo. Temos visto, anteriormente, no capítulo 16, do que os
filhos de Arão são uma figura. Arão trazia um sacrifício pelo pecado
em seu favor e em favor de sua casa, e de Hebreus 3:6 deduzimos
que nós somos a casa do verdadeiro Arão. Todos os crentes fazem
parte desta casa, são a geração sacerdotal da qual lemos em 1
Pedro 2:5. Aqui, porém, se trata especificamente dos filhos (varões)
de Arão. Na Bíblia, o gênero feminino é uma figura da posição, e o
gênero masculino da força na qual esta posição é realizada. Vemos
isto também nesta expressão “os filhos de Arão”. Na verdade, todo
crente é um sacerdote; mas será que ele o realiza? Um sacerdote
encontra-se regularmente no santuário, servindo a Deus ali. O
crente sabe que tem livre acesso a Deus, mas a questão é: em que
medida ele realiza isso? Nos filhos de Arão vemos tais pessoas que
fazem isso; que não apenas sabem que têm intrepidez para entrar
no santuário, mas que também fazem uso deste privilégio e que, por
conseguinte, se encontram regularmente na presença de Deus e O
servem. No santuário, chegaram a conhecer os pensamentos e os
sentimentos de Deus, sabem o que convém na Sua presença e
como Ele avalia tudo.
A ação mais sublime — a apresentação dessa oferta perante
o SENHOR diante do altar e o oferecimento em si — podia ser
efetuado apenas pelos filhos de Arão. Aqui, nos versículos 14 e 15,
notamos o mesmo referente à oferta de manjares. No versículo 15
diz: “Um deles”, porém, ele não o estava fazendo sozinho, mas
associado a todos os filhos de Arão, pois no versículo 14 lemos que
“os filhos de Arão a oferecerão [a porção do SENHOR] perante o
SENHOR diante do altar” (ARA). Não quero abordar agora o
significado dessas palavras; já falamos sobre isso quando
meditamos sobre o capítulo 2. Um dos filhos de Arão devia oferecer
essa porção sobre o altar. Que serviço maravilhoso! Ele oferece
aquilo que fala da gloriosa humanidade do Senhor, da unção com o
Espírito Santo durante toda a Sua vida, e da excelência da Sua
pessoa, que é expressa por meio do incenso. Ele podia oferecer
tudo isso sobre o altar: “um aroma agradável”. Repito, que serviço
maravilhoso! O incenso é sublime demais para que nós
pudéssemos usufruir dele. Deus gostaria de ter o incenso somente
para Si, pois aquilo que o incenso representa, apenas Ele pode
usufruir. Mas, embora nós não o possamos sondar, podemos,
contudo, perceber que o incenso é precioso, e podemos oferecê-lo
também a Deus. No entanto, somente quem estivesse habituado à
presença de Deus podia fazê-lo, visto que somente então se pode
perceber o que o incenso é.
Então lemos no versículo 16: “E o restante dela comerão
Arão e seus filhos; ázimo se comerá no lugar santo, no pátio da
tenda da congregação o comerão”. Portanto, os filhos de Arão
também podiam comer do mesmo que Deus recebia por alimento.
Não era apenas a porção daquele filho de Arão que havia oferecido
a oferta sobre o altar, mas a de todos os filhos de Arão e a do
próprio Arão. Sabemos que Arão é uma figura do Senhor Jesus.
Assim, toda a família de Deus — ainda que aqui se limite aos filhos
(varões) de Arão, isto é, àqueles que também na prática agem como
sacerdotes — também pode, em conjunto, desfrutar do mesmo
alimento que Deus recebe por sua porção. Que pensamento
glorioso!
Porém, esse alimento podia ser comido somente em lugar
santo. Não no lugar santo, isto é, no Santo dos Santos — pois ali
tudo estava destinado para Deus, e o homem não tinha acesso ali
— mas “em lugar santo”, isto é, separado do mundo, ali onde tudo
está em plena concordância com Deus. Referia-se ao pátio da tenda
da congregação. Primeiramente, isso aponta para um lugar que está
associado à reunião, para onde Deus convida Seu povo para uma
reunião. Secundariamente, trata-se do lugar onde os filhos de Arão
se encontram com Arão, em separação do mundo e unidos entre si.
Sabemos que o altar representa a Mesa do Senhor, e vemos como
eles tomavam os seus lugares ali juntos, e comiam os maravilhosos
alimentos: a santa humanidade do Senhor Jesus misturada com
azeite, figura da unção com o Espírito Santo na vida do Senhor.
Em 1 João 2, os crentes são divididos em três grupos. Ali se
fala de filhinhos, que conhecem ao Pai; de jovens, que são fortes;
mas também de pais, dos quais somente é dito que conhecem
Aquele que é desde o princípio. Um leitor superficial poderia dizer:
‘Todos os crentes sabem disso, pois todo aquele que é crente
conhece ao Senhor Jesus’. No capítulo 5:1 diz: “Todo aquele que
crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus”. Porém, isso não
expressa o mesmo que lemos no capítulo 2. Porventura os pais não
sabem mais do que os recém-nascidos? Em 1 João 1:1 está a
resposta. Ali fala daquilo que “era desde o princípio”, e é explicado
de qual princípio está falando: “o que ouvimos, o que vimos com os
nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram
da Palavra da vida”. O princípio é, portanto, o momento em que o
Senhor Jesus veio ao mundo, e é esse o significado da palavra
“princípio” do capítulo 2:13: “Pais, escrevo-vos, porque conhecestes
aquele que é desde o princípio”. Eles não conheceram apenas o
sacrifício pelo pecado, de modo que sabem que os pecados lhes
são perdoados, mas conhecem também o holocausto. Viram quão
maravilhosa é a obra do Senhor Jesus, com base na qual não
somente estão perdoados os nossos pecados, mas também Deus
foi glorificado; também viram que esta glória é creditada a nós e que
fomos feitos agradáveis no Amado, de modo que Deus nos ama
assim como ama ao Senhor Jesus. Esses pais não ficaram parados
junto a essa obra maravilhosa, mas prosseguiram até à Pessoa que
consumou a obra, e dessa maneira chegaram à oferta de manjares.
Podemos afirmar que os pais são aqueles que chegaram a
conhecer a oferta de manjares — a vida santa do Senhor Jesus — e
a absorveram nos seus corações como realidade. Quando um
crente ainda não compreendeu realmente o holocausto, é comum
ver este crente ocupar-se com as epístolas que explicam essa
verdade, e isso, sem dúvida, é bom. Porém, depois de havê-la
compreendido, ele pode prosseguir. Notamos isso nos irmãos e
irmãs que são mais maduros espiritualmente. Através do estudo das
epístolas eles compreenderam o significado do sacrifício pelo
pecado, do holocausto, e podemos afirmar que compreenderam
também o significado da oferta pacífica. Tendo chegado à oferta de
alimentos, eles leem com grande prazer os Evangelhos, onde
contemplam a vida do Senhor Jesus e podem ver os diferentes
aspectos sob os quais ela é apresentada em cada Evangelho. A
chave para a compreensão dos Evangelhos está em reconhecer o
caráter que o Senhor Jesus assume em cada um dos quatro relatos,
e em examinar o contexto de cada trecho. Então a glória
maravilhosa do Senhor Jesus se torna visível. Essas são as
características de um pai em Cristo. Ele conhece a glória do Senhor
desde o princípio, porque contemplou toda a Sua vida. Essa
também é a característica de um filho de Arão.
Temos visto como os filhos de Arão realizaram o ministério.
Ofereceram a Deus a porção que Lhe cabia e se reuniram em lugar
santo — não era no Santo dos Santos nem no lugar Santo, mas
junto ao altar de bronze, separados do mundo. Ali se ocupavam com
a vida santa do Senhor, porém não apenas eles, mas juntamente
com Arão. O Senhor está reunido com os Seus. Porventura isso não
corresponde às nossas reuniões à Mesa do Senhor, para partir o
Pão? Com isso não quero dizer que não possamos nos ocupar dEle
fora das reuniões, mas penso que o lugar apropriado é ali onde nos
reunimos. O Senhor está no meio dos Seus quando estão reunidos
ao redor dEle. Então não temos aquilo que encontramos no Salmo
22:22, onde Ele mesmo entoa louvores no meio da congregação?
Quando estamos reunidos em torno dEle, com uma mentalidade
espiritual e sob a direção do Espírito Santo, o Senhor mesmo entoa
o louvor, e nós nos juntamos à Sua voz. É assim que também o
vemos aqui. Em lugar santo, separados do mundo, tomamos a
refeição na presença do Senhor, juntos com Ele; e os nossos
corações se recreiam na Sua maravilhosa humanidade.
Isso também terá uma consequência maravilhosa para nós.
O alimento material que ingerimos chega ao nosso corpo e, após a
digestão, seus ingredientes essenciais passam a fazer parte do
nosso corpo. O mesmo acontece com aquele alimento: quanto mais
estivermos alimentados do Senhor Jesus dessa forma, tanto mais
seremos transformados na Sua imagem. Eu disse “dessa forma”,
pois o maná também fala da vida terrestre do Senhor Jesus. A este
respeito, Ele fala em João 6 que Ele é o pão que desceu do céu.
Isso, porém, é algo diferente da oferta de manjares. O maná
também nos mostra ao Senhor Jesus em todas as suas
circunstâncias aqui na terra, mas nós também nos alimentamos
dEle quando estamos nessas mesmas circunstâncias. O maná nos
dá a força para a nossa jornada através do deserto. No Salmo 78:25
nos é dito que o maná dá aos anjos a força para servirem a Deus —
é o pão dos poderosos ou dos anjos — e isso também vale para
nós. Vemos, portanto, que não é o mesmo que a oferta de manjares.
É o mesmo Senhor, nas mesmas circunstâncias, revestido com a
mesma glória, mas na oferta de manjares nós O apresentamos a
Deus como oferta, e então não se trata de que nós recebemos
força. Porém, não trazemos o maná a Deus como oferenda, mas
nos alimentamos dele. O maná estava destinado a todo Israel, não
apenas para os filhos de Arão. Todo filho de Deus necessita de
força; e também o mais fraco dos crentes recebe força quando se
alimenta do Senhor Jesus. Porém, em João 6 nos é dito mais ainda:
“se alguém comer deste pão, viverá para sempre” (v. 51). Isso vai
além do maná, porque aqui se trata do Senhor que morreu, de
Quem o pecador tem que “comer” para receber a vida. Porém,
Levítico 6 diz respeito aos filhos de Arão, ou seja, àqueles que
conhecem a obra do Senhor Jesus na cruz, e sabem que não
devem comer a oferta de manjares no mundo, mas em lugar santo.
Na verdade, o átrio — que é o pátio da tenda da congregação —
encontra-se no mundo, mas é lugar santo, separado, e ali é onde
eles se ocupam com a glória moral do Senhor. Conforme já aludi,
isso exercerá uma influência sobre a nossa vida, que será
transformada por meio disso, e levada à concordância com este
Objeto.
Certamente lembraremos que o capítulo 2:13 fala a respeito
do “sal da aliança do teu Deus”. Isto significa que temos a obrigação
de procurar colocar em prática aquilo que temos visto nEle. Aqui,
pois, temos o caminho pelo qual podemos realizar isso na prática. É
impossível que nos ocupemos com o Senhor em lugar santo sem
sermos transformados na Sua imagem. Aqui não se trata do mesmo
pensamento de 2 Coríntios 3:18. Lá contemplamos a glória do
Senhor, isto é, a Sua glória celestial, e somos transformados na Sua
própria imagem, na imagem do Cristo celestial. Aqui, porém, trata-se
da glória moral do Senhor Jesus, como ela se manifestou aqui na
terra em todas as circunstâncias em que Ele se encontrava; e isso
terá efeitos sobre nós. Em Romanos 12 lemos que a nossa mente
se renova, que devemos apresentar os nossos corpos por sacrifício
vivo para Deus, para que experimentemos qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus. Na vida do Senhor Jesus se
manifestou a perfeita vontade de Deus. Tudo o que Ele fazia era um
aroma agradável para Deus; em tudo o que Ele fazia, o objetivo era
a glorificação de Deus. Seu corpo era um sacrifício vivo para Deus.
Notamos isso em toda a Sua vida; quando criança, como jovem e
como homem. Em todas as circunstâncias em que se encontrava,
Ele era plenamente agradável a Deus. Dessa forma O
contemplamos aqui, e os nossos corações se alimentam dEle. Nós
consumimos este alimento, e a nossa vida prática é influenciada por
meio disso.
Como exemplo, gostaria de contar uma pequena história:
Ouvi a respeito de um crente que morava na América e que se havia
proposto a buscar na Bíblia todas as passagens que falam a
respeito da graça. Então ele as contemplou no seu contexto e, para
sua surpresa, percebeu que toda a Bíblia fala da graça. Ocupou-se
durante algumas semanas com este assunto e ficou tão tomado
pela grandeza da graça, que correu para a rua e perguntou à
primeira pessoa com quem se encontrou: ‘Você conhece a graça de
Deus?’. Ele simplesmente precisava falar disso, estava tão
preenchido que estava como sob a obrigação de apresentar a
outros a graça do Senhor.
Os filhos de Arão não comiam aquela porção da oferta de
alimentos, que lhes pertencia, apenas uma vez — era algo que se
repetia constantemente, pois era um estatuto perpétuo. Deus
preparou o caminho para todo crente quando este alcançou a
maturidade de um filho de Arão. Qualquer crente pode chegar a esta
maturidade, se tão somente se entregar ao Senhor. A parte do
crente aqui na terra é uma parte celestial, e enquanto a Casa de
Deus se encontrar aqui, isto é, até ao arrebatamento da Igreja, isso
será o privilégio dos filhos de Arão. Eles podem comer dessa
maravilhosa oferta de manjares juntamente com Deus.
Vemos, no entanto, mais um detalhe importante: tudo o que
tocasse na oferta de manjares era santo. Isto é muito importante
para nós. Tudo que está relacionado à vida do Senhor Jesus é
santo aos olhos de Deus. Compreendemos que não poderia ser
diferente. Na verdade, a farinha é uma figura do ser humano, mas a
oferta de manjares representa a humanidade do Senhor Jesus. A
flor de farinha é um ingrediente do pão, que toda pessoa come.
Quando nós partimos o pão à Mesa do Senhor, então se trata de
pão, que qualquer pessoa na terra pode comer, contudo não é a
mesma coisa. Na verdade, o pão não sofre uma alteração,
permanece exatamente o mesmo pão, mas para nós ele representa
algo, e nisto é que está a grande diferença. Por isso aqui é dito
expressamente que tudo o que tocar na oferta é santo. Muitas
vezes, ao contemplarmos a humanidade do Senhor Jesus, nós
percebemos certas semelhanças conosco, contudo, não devemos
nos esquecer jamais quem Ele é. Assim como nós, Ele também se
cansava, porém, jamais devemos esquecer de que era o Senhor
que estava cansado. Alguém disse certa vez: ‘O homem não vive
somente do pão’, porém, ele usou essas palavras em sentido
brincalhão, esquecendo-se que se trata de algo santo. Não
podemos usar as palavras do Senhor para outras finalidades. Tudo
o que se refere a Ele é santo, porque está relacionado com a Sua
humanidade santa. Quem viu a Sua glória e chegou a conhecê-Lo
na presença de Deus, e quem O conhece como Aquele que é desde
o princípio, não faz isso, porque sabe que isso é contrário à vontade
de Deus. Essa pessoa viu tanto da glória do Senhor Jesus que ela
não pode tolerar que esta glória seja atacada por coisa alguma.
A partir do versículo 19 trata-se de outra oferta de alimentos.
Notamos aqui uma nova revelação de Deus, visto que é uma oferta
de manjares especial, que o sacerdote tinha que oferecer no dia da
sua unção. Consistia da “décima parte de um efa de flor de farinha
pela oferta de alimentos contínua; a metade dela pela manhã, e a
outra metade à tarde” (v. 20). A seguir lemos: “Numa assadeira se
fará com azeite; bem amassada a trarás”1 (v. 21 ARA). Era um
sacerdote que a oferecia, e podemos dizer que, em primeiro lugar, o
próprio Senhor Jesus o faz; porém, por outro lado, também é aquilo
que nós podemos ofertar, isto é, se formos filhos de Arão. Um filho
de Arão tinha uma visão mais ampla que um simples israelita.
Nos versículos subsequentes nós vemos como essa oferta de
manjares tinha que ser apresentada. Neste caso, tudo tinha que ser
ofertado a Deus; “os pedaços cozidos da oferta oferecerás em
cheiro suave ao SENHOR” (v. 21). Repito o que acabo de dizer: eles
não ofereciam um todo indefinível, mas os pedaços que haviam
cozido, isto é, eles viram as provações pessoais do Senhor Jesus
em ligação com as circunstâncias e particularidades dos
Evangelhos. Eles haviam compreendido, por exemplo, que o mesmo
acontecimento no Evangelho segundo Lucas focaliza outro aspecto
da verdade do que no Evangelho segundo Mateus, porque o caráter
dos diversos Evangelhos lança uma luz diferente sobre o mesmo
acontecimento. Chegaram a conhecer as particularidades da vida e
da glória do Senhor Jesus. Essa é a oferta de manjares do
sacerdote.
Depois lemos nos versículos 22 e 23: “Também o sacerdote,
que de entre seus filhos for ungido em seu lugar, fará o mesmo; por
estatuto perpétuo será ela toda queimada ao SENHOR. Assim toda a
oferta do sacerdote será totalmente queimada; não se comerá”.
Esse adentrar nas glórias do Senhor Jesus — que é a parte apenas
daquele que se encontra regularmente na presença de Deus e que,
portanto, aprendeu a contemplar tudo com os olhos de Deus — é
tão preciosa para Deus que Ele a deseja para Si somente. Até
mesmo o sacerdote não comia disso, porque Deus queria possuir
tudo para Si.
Que serviço notável nós temos recebido! Que Deus nos
conceda que vejamos as glórias do Senhor Jesus e que possamos
nos recrear nEle e em toda a Sua glória. Por se tratar de um
assunto tão elevado e tão sublime, Deus nos permite a
contemplação dessa glória somente quando a olhamos com os
Seus olhos. É necessário, pois, que estejamos regularmente na Sua
presença, como nos é mostrado no exemplo dos filhos de Arão.
Essa posição pode ser a parte de todo crente. Até mesmo o crente
mais jovem pode chegar a isso. Se nós, os mais velhos, não
portarmos esta característica, então só se deve ao fato de que não
temos feito uso dos meios que Deus nos deu. No entanto, quando
chegamos a contemplar um pouco dessas glórias, porventura não
deveria ser o nosso desejo crescermos neste conhecimento e nos
tornarmos verdadeiramente filhos de Arão, sem defeitos (veja Levítico
21:16-23), isto é, realizarmos na prática aquilo que pode ser a porção
de todo crente?

1 N do E. No original a palavra usada no capítulo 2:4,5, é “misturada”. Já no


capítulo 6:21 o termo é “amassada”, tendo, por isso, um significado mais
profundo.
Lei do Sacrifício pelo Pecado

Leia Levítico 6:24-30

Aqui, temos diante de nós mais uma nova revelação de Deus,


introduzida com as seguintes palavras: “Falou mais o SENHOR a
Moisés dizendo: Fala a Arão e a seus filhos, dizendo: Esta é a lei da
expiação do pecado” (Levítico 6:24-25). Notemos bem que, na
verdade, Deus está falando a Moisés, mas o que Ele diz é destinado
a Arão e a seus filhos. Já temos visto que Arão é uma figura do
Senhor Jesus como Sumo Sacerdote, enquanto os filhos de Arão
são figura de nós, contanto que sejamos, na prática, sacerdotes;
quer dizer, que realizemos na prática aquilo que todo crente, com
base na obra do Senhor Jesus, se tornou. Isso significa que temos
comunhão com o Pai e com o Filho e que estamos habituados a
servir no santuário, na presença de Deus, que está assentado no
Seu trono de santidade. Ali temos aprendido a avaliar tudo assim
como Ele o avalia; sabemos que a santidade é necessária para
achegar-se a Deus. Então também poderemos exercer o serviço
sacerdotal aqui mencionado.
Arão é mencionado primeiro. Também lemos no versículo 26:
“O sacerdote”, no singular. Acredito que nisto vemos somente o
Senhor Jesus. Quando pensamos na obra de expiação na cruz, é
evidente que somente pode referir-se a Ele. Nesta obra, o homem
apenas pôde aumentar Seus sofrimentos e agravar o juízo que O
atingiu. Porém, também quando nos ocupamos com o pecado do
sacerdote ungido ou de toda uma assembleia local (compare com cp.
4:3-21), então “sacerdote” refere-se somente ao Senhor Jesus.
Quando toda uma assembleia local pecou ou todos os filhos de Arão
pecaram, somente o Senhor Jesus, como nosso advogado (1 João
2:2), pode comer o sacrifício pelo pecado, identificando-Se, por meio
disso, com nossa contaminação. Por isso, no versículo 30 também
diz que não se podia comer nenhuma oferta pelo pecado cujo
sangue havia sido levado para dentro do santuário para fazer
expiação. Sabemos que isso dizia respeito somente ao sacrifício
pelo pecado no grande dia da expiação e aos sacrifícios em favor do
sacerdote e de toda a congregação. Porém, no versículo 29 é dito:
“Todo o homem entre os sacerdotes a comerá”. Isso se refere, sem
dúvida, aos filhos de Arão — parece até mesmo que Arão nem é
cogitado neste versículo. Embora no versículo 26 seja apresentado
primeiramente o Senhor Jesus no exercício do Seu ministério
sacerdotal, vemos no versículo 29 que nós estamos unidos com Ele
neste serviço.
Não chama a nossa atenção com quanta ênfase esta lei
aponta para a santidade? Em se tratando do holocausto ou da oferta
de manjares poderíamos compreendê-lo melhor. No holocausto é
apresentada a perfeição da obra na cruz, por meio da qual Deus foi
glorificado. Na oferta de manjares vemos a perfeição da Sua vida
maravilhosamente pura e santa aqui na terra. Porém, como o
sacrifício pelo pecado, o Senhor Se identificou com os nossos
pecados e foi feito pecado (2 Coríntios 5:21). É por isso mesmo que
Deus deseja que tenhamos uma impressão do quanto o Senhor
Jesus estava completa e pessoalmente separado do pecado.
Enquanto Ele carregava os nossos pecados e foi feito pecado,
quando o juízo impiedoso de Deus O atingia, mesmo assim estava
completamente separado para Deus. Nos Seus sentimentos,
pensamentos, palavras e atos não havia nada que não estivesse
totalmente separado do pecado e consagrado a Deus. É
exatamente esta Sua perfeita santidade pessoal — que odiava e
abominava o pecado — o que tornou a obra na cruz tão terrível para
Ele. “Atolei-me em profundo lamaçal, onde se não pode estar em
pé” (Salmo 69:2). Por outro lado, foi precisamente nesse juízo de
Deus sobre o Senhor Jesus que se evidenciou quão grande era a
santidade de Deus. Ele, de Quem o Pai dissera: “Este é o meu Filho
amado; a ele ouvi”, teve que exclamar na cruz: “Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?” (Marcos 9:7; 15:34). É por esta
razão que lemos nos versículos 25 e 29: “coisa santíssima é”. Três
vezes é falado de “lugar santo” ou “santuário”. Tudo o que tocasse
na carne do sacrifício pelo pecado também se tornava santo.
A primeira instrução a respeito do sacrifício pelo pecado dizia
que devia ser imolado no lugar onde se imola o holocausto, a saber,
perante a face do SENHOR. Que fato maravilhoso! Temos visto o
que o holocausto é. É a parte da obra do Senhor Jesus que ia além
das justas exigências de Deus, no que se refere aos nossos
pecados e ao nosso estado pecaminoso. É aquele “quinto” que o
Senhor Jesus pagou além daquilo que nós havíamos furtado. Vimos
também que sobre esta base é que fomos feitos agradáveis no
Amado e fomos transportados para o reino do Filho do Seu amor;
sim, que fomos abençoados com toda sorte de bênção espiritual,
fomos feitos filhos de Deus e temos recebido um lugar na casa
paterna, onde estaremos eternamente. Desde já, Deus, o Espírito
Santo, habita em nós a fim de conduzir-nos através do mundo, para
interceder por nós diante de Deus em todas as situações da nossa
vida e para ser o nosso Consolador aqui na terra, que também nos
capacita para gozarmos, já aqui, as bênçãos celestiais, que um dia
serão a nossa parte no céu. Tudo isso são os frutos do holocausto.
Quando chego a Deus com um sacrifício pelo pecado, Ele
fica preocupado de que eu possa esquecer o que o Senhor Jesus
fez por mim, porque estou olhando para os meus pecados. Este
perigo realmente existe. Será que todos nós já não temos feito esta
experiência, especialmente no primeiro tempo depois da conversão,
quando já sabíamos que os nossos pecados estavam perdoados?
Muitas vezes ficávamos decepcionados vendo tantas faltas em nós.
Talvez até pensássemos que agora pecamos mais do que antes.
Não, não pecamos mais do que antes, apenas que agora o
reconhecemos, o que não era o caso anteriormente. Porventura não
nos questionamos, às vezes: ‘Será que sou mesmo convertido?
Deus pode aceitar-me assim? Pois é impossível que uma pessoa
convertida possa ter tal procedimento!’. Porém Deus diz: ‘Traze-Me
o sacrifício pelo pecado, para que vejas quão terrível é o que
acabas de cometer, de modo que o Senhor Jesus teve de sofrer por
isto. Mas oferece esse sacrifício no lugar onde se imola o
holocausto, para que, ao mesmo tempo, vejas que o Senhor Jesus
realizou a obra de uma forma tão maravilhosa que não apenas esse
pecado foi expiado perante o Deus justo, mas que Ele Me glorificou
sobremaneira nessa obra’. Isso significa, conforme a figura do
sacrifício pela culpa, que Ele pagou totalmente a nossa culpa e
acrescentou um “quinto”, de modo que Deus está mais do que
satisfeito. Que fato maravilhoso! Nós nos aproximamos com o
coração profundamente abatido, cientes daquilo que havemos
praticado e de quanto somos maus por natureza, e então Deus diz:
‘Olha para o Senhor Jesus como o holocausto. Ele colocou tudo em
ordem, até pagou uma quinta parte a mais’. Então, apesar da nossa
humilhação, apesar do arrependimento e da tristeza por causa do
mal que havemos praticado e pelo que somos, haverá alegria nos
nossos corações por Ele ter feito tudo tão bem. Podemos até cantar
nesse momento:
A minha alma no Cordeiro Pode agora descansar
Todos, todos meus pecados O Seu sangue dissipou
(Hinos espirituais nº 26)
Notemos bem: as palavras de Levítico 6:25 não se dirigem ao
ofertante, mas a Arão e a seus filhos. É verdade que o ofertante
tinha que imolar o sacrifício pelo pecado. Mas Deus não espera
grande entendimento por parte de alguém que pecou. Por isso,
Deus, nos Seus ternos cuidados conosco, dá a Arão (o Senhor
Jesus) e a seus filhos (os crentes espirituais) a tarefa de cuidar de
que o culpado imole seu sacrifício pelos pecados no lugar onde se
imola o holocausto, “para que o tal não seja de modo algum
devorado de demasiada tristeza” (2 Coríntios 2:7).
A seguir diz assim: “O sacerdote que a oferecer pelo pecado
a comerá; no lugar santo se comerá, no pátio da tenda da
congregação” (v. 26). Repito que isto foi dito a Arão e a seus filhos.
Portanto, o Senhor Jesus é o primeiro que come o sacrifício pelo
pecado. O comer significa deixar aquilo que fala do próprio pecado e
do sacrifício por esse pecado adentrar no mais profundo de seu
interior. Significa, pois, identificação com o pecado. Isso o Senhor
Jesus fez na cruz. Ali Ele carregou os meus pecados em Seu corpo,
e disse: “as minhas iniquidades” (Salmo 40:12). Ele as carregou em
Seu corpo sobre a cruz e, conforme temos visto em Levítico 16:21,
confessou todos os meus pecados a Deus como se fossem os Seus
pecados. Ele identificou-se plenamente comigo.
Quando o Senhor Jesus foi feito pecado em nosso favor e
quando levou sobre Si os nossos pecados, não foi uma questão
exterior, formal. Ele Se identificou plenamente conosco e sentiu os
nossos pecados imundos, como se tivessem sido Seus, embora Ele
fosse completamente puro e santo em Si mesmo. Mas,
diferentemente dos nossos sentimentos, embotados pelo pecado
que habita em nós, os Seus sentimentos eram absolutamente
sensíveis e por isso Ele sentiu muito mais a imundícia e o terror dos
pecados. Ele Se identificou conosco e ainda Se identifica. Quando
eu peco, o Senhor Jesus se identifica comigo como se Ele tivesse
cometido esse pecado. É por meio disso que Ele está em condições
de exercer o ministério sacerdotal.
No versículo 29 lemos: “Todo o homem entre os sacerdotes a
comerá”. Isso, pois, se refere aos filhos de Arão. Portanto, é um
serviço que nós, na qualidade de filhos de Arão, também devemos
exercer quando alguém entre nós pecou. Então, como sacerdotes,
nós exercemos o serviço que o Senhor Jesus exerce com perfeição
e que nós, como Seus — e que na prática somos sacerdotes —
também podemos exercer. Comemos o sacrifício pelo pecado, isto
é, nos identificamos com o pecado do povo de Deus e com o de
cada um que houver pecado. Em Daniel 9:3-20 vemos que Daniel
também procedeu assim. Lemos que ele diz: “Pecamos, e
cometemos iniquidades...” (v. 5), enquanto que a respeito dele é
afirmado “porque és mui amado” (v. 23). Ele não havia participado na
prática desses pecados, mas, mesmo assim, identificou-se com o
pecado do povo de Deus, e disse: “Pecamos, e cometemos
iniquidades...” (compare também Esdras 9 e Neemias 9).
Dessa mesma forma, nós também podemos vir a Deus
depois de havermos nos identificado com o pecado da assembleia
ou do indivíduo, isto é, com os sentimentos do nosso coração e com
nossa consciência, não com nossos atos. Isso, contudo, precisa ser
feito assim como lemos aqui: “no lugar santo se comerá, no pátio da
tenda da congregação” (v. 26). Não podemos nos identificar com o
pecado cometendo-o nós mesmos, porque isto seria uma
identificação em injustiça. Aqui diz: “no lugar santo se comerá”. Isso
significa que nos identificamos com o pecado perante a face do
Senhor, e que tomamos sobre nós a culpa, como o Senhor Jesus
fez por nós. Que serviço maravilhoso é interceder assim, como
sacerdotes, pelos nossos irmãos que pecaram, e fazer o serviço que
o Senhor Jesus fez por nós. Podemos executar esse serviço com o
fim de restabelecer o irmão ou a irmã, trazê-los de volta à plena
comunhão com Deus e conduzi-los a oferecer o sacrifício pelo
pecado. Deus nos exorta a esse serviço! Contudo, só poderemos
realizá-lo se comemos a carne do sacrifício pelo pecado,
identificando-nos, por meio disso, com o irmão ou a irmã no seu
pecado.
Então, segue algo que nos mostra a gravidade desse pecado
— que às vezes nos parece tão insignificante — para que seja
produzida verdadeira humildade. É bom que saibamos o que é
verdadeira humilhação. Não é suficiente que se diga: ‘Cometi um
erro’, quando algo se tornou manifesto. Quando Acã (em Josué 7)
não pôde mais negar, visto que a sorte havia caído sobre ele, por
fim disse: “Verdadeiramente pequei contra o SENHOR Deus de
Israel” (v. 20). Porém, o SENHOR não aceitou essa confissão, visto
que somente tinha sido feita porque não havia meio de negar. Não
apenas ele, mas também sua mulher, seus filhos e seu gado tiveram
que ser apedrejados, porque ele havia arrastado a todos consigo em
seu pecado. O pecado que eu cometo sempre traz consigo
consequências prejudiciais para outros, pois contamina aqueles com
os quais tiver contato. Também vemos o mesmo no caso de Coré,
Datã e Abirão. As famílias de Datã e Abirão também foram tragadas
pelo abismo. Do mesmo modo, a família de Acã foi apedrejada,
sofrendo o mesmo juízo, assim como ele. Ele a tinha contaminado
e, por meio disso, a família também havia se tornado culpada. O ato
havia acontecido dentro da sua tenda; a família se tornou culpável
com ele porque tinham visto tudo (Números 16). Assim, vemos
também aqui a que deve conduzir o arrependimento acerca do que
fizemos e a verdadeira humilhação.
“Tudo o que tocar a carne da oferta será santo” (v. 27). Isso
significa que tudo o que tiver contato com o sacrifício pelo pecado
está separado para Deus, não tendo mais associação com o mundo,
nem com qualquer outra coisa. “Se o seu sangue for aspergido
sobre as vestes de alguém, lavarás em lugar santo aquilo sobre o
que caiu” (v. 27). Na Bíblia, as vestes são uma figura dos nossos
costumes, nossa conduta, isto é, daquilo que os outros percebem
em nós. Um adágio diz: “As vestes fazem as pessoas”. Quando eu
realmente tenho trazido um sacrifício pelo pecado e tenho me
humilhado perante Deus pelo meu ato, então isso também se
evidenciará na minha conduta. A influência disso sobre meus
costumes, sobre aquilo que os outros veem em mim, se tornará
visível. Verdadeira humilhação do coração se evidenciará na minha
conduta. Por isso aqui diz: “lavarás em lugar santo aquilo [a veste]
sobre o que caiu”. Quando eu tiver pecado e chego ao verdadeiro
arrependimento e me volto, então irei examinar a minha vida e a
minha conduta em lugar santo, na presença de Deus, e aplicarei
nelas a Palavra de Deus. Então também condenarei o que estava
errado. Todo pecado que eu cometo exerce uma influência sobre a
minha conduta exterior. Quando me desvio de Deus interiormente, a
minha conduta não pode estar em concordância com a santidade da
Casa de Deus, porque não possuo luz, e na prática não tenho
ligação com Deus. Assim, a humilhação e o verdadeiro
autojulgamento sempre conduzirão a que também meu
comportamento exterior seja purificado pela Palavra de Deus, pela
qual eu o examino na luz de Deus. Então se tornará visível que fui
verdadeiramente purificado através do autojulgamento.
A seguir lemos: “E o vaso de barro em que for cozida será
quebrado” (v. 28). A expressão “vaso” nós também conhecemos do
Novo Testamento. Em Romanos 9 e em 2 Timóteo 2 se fala, por
exemplo, de vasos (utensílios) para honra e vasos para desonra
(compare também 1 Tessalonicenses 4:4). Com isso, está se referindo ao
homem, que foi formado para ser útil a Quem o formou. A expressão
vaso “de barro” aponta especialmente para o caráter do homem: “E
formou o SENHOR Deus o homem do pó da terra” (Gênesis 2:7). “O
primeiro homem, da terra” (1 Coríntios 15:47). O termo “Adão”
significa, provavelmente, “terra” ou “da terra” (vermelha). Com o
termo hebraico “adão”, diversas vezes é designado o ser humano, e
também é traduzido assim, por exemplo, em Gênesis 1:26,27;
2:7,8,15,16,18,20; Salmo 8:4 (“Filho do homem”) etc.. A palavra
“homem” é utilizada aqui como termo genérico. A expressão “vaso
de barro” mostra o homem como sendo criado por Deus para O
servir (Colossenses 1:16 “para ele”), porém formado da terra, isto é,
sujeito à fraqueza da criatura que, depois da queda no pecado,
resultou em um homem com uma natureza pecaminosa, inimiga de
Deus.
Pelo novo nascimento o homem recebe um novo conteúdo,
um interior novo, a vida nova do crente. Mediante a habitação do
Espírito Santo no seu interior, ele também recebe uma força nova,
divina. Mas a carne, o conteúdo antigo, ainda está presente. Ainda
que a carne seja influenciada religiosamente, ela sempre quer fazer
e ser algo por si mesma. Por essa razão, quando, por exemplo,
anunciar o evangelho ou explicar os pensamentos de Deus, a carne
também irá confiar nos dons naturais, humanos, que Deus, como
Criador, lhe deu. Na verdade esses dons foram dados ao crente a
fim de que, por meio deles, sirva ao Senhor. Da mesma forma, o
Senhor dá dons aos Seus servos, “a cada um segundo a sua
capacidade” (Mateus 25:15); Ele separou Paulo desde a madre, a fim
de prepará-lo para o ministério que deveria executar após sua
conversão. Porém, estes dons naturais são pervertidos e fracos
demais para poderem produzir qualquer resultado espiritual. Por
conseguinte, eles somente são proveitosos quando usados em total
sujeição ao Senhor Jesus e no poder do Espírito Santo. O pecado,
pelo qual o culpado traz o sacrifício pelo pecado, foi cometido pela
carne, mediante o corpo — o “vaso de barro”. Entendemos então
por quê o vaso de barro devia ser quebrado. Uma explicação prática
a respeito encontramos em 2 Coríntios 4:7-11, onde vemos como o
Senhor procedeu com o apóstolo Paulo. Ele tinha o encargo de
anunciar o resplendor da “luz do evangelho da glória de Cristo, que
é a imagem de Deus” (v. 4). Porém, ele possuía este tesouro em
vaso de barro, “para que a excelência do poder” fosse de Deus, e
não dele. Para alcançar isso, o Senhor o fez passar pelas
circunstâncias mais difíceis, das quais as suas forças e capacidades
naturais e humanas jamais o poderiam libertar. Ele esteve “sempre
entregue à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se
manifeste também na nossa carne mortal” (v. 11), e “trazendo
sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no corpo”
(v. 10). Dessa maneira, Paulo aprendeu a realizar na prática aquilo
que ele descreveu como a posição de todos os cristãos: “Porque já
estais mortos” (Colossenses 3:3).
Toda vez que peco, conscientizo-me novamente da
perversidade da carne, do homem natural. Então, quando trago um
sacrifício pelo pecado, vejo, debaixo da cruz, que o homem natural é
tão corrompido que Deus não pode fazer coisa alguma com ele, a
não ser julgá-lo no Senhor Jesus sobre a cruz (Romanos 8:3). Então
entendo o que significa, na prática, “que em mim, isto é, na minha
carne, não habita bem algum” (Romanos 7:18). Assim, quando
aprendo na prática a realizar que morri com Cristo, a minha
autoconfiança e a confiança nas minhas capacidades irá
desaparecer. Como já disse, o Senhor Jesus pode utilizar para o
Seu serviço as minhas capacidades que Ele, como Criador, me deu,
por exemplo, o dom da oratória, uma boa memória, uma voz boa,
etc.. Foi exatamente para esse fim que Ele me deu esses dons!
Porém, os exercícios associados à apresentação do sacrifício pelo
pecado despedaçam a minha confiança em tudo aquilo que procede
do meu próprio “eu”, de modo que então, eu somente me apoio no
Senhor glorificado no céu — cujo servo sou e que me deu o encargo
de fazer a obra em plena dependência e perfeita obediência — e no
Espírito Santo, em cujo poder somente pode ser exercido o dom
espiritual, que o Senhor Jesus me tem dado (Efésios 4:8-12; 1 Coríntios
12:4-11). Dessa maneira, “o vaso de barro (em que for cozida a carne
do sacrifício pelo pecado) será quebrado”, isto é, o ofertante
assimilou interiormente o juízo que o Senhor Jesus sofreu como o
sacrifício pelo pecado.
Por meio disso, mais uma vez é confirmado e sublinhado que
verdadeira humilhação e autojulgamento não se restringem àquele
único pecado cometido, mas aplicam-se muito mais ao estado que
possibilitou esse pecado, sim, à completa corrupção do homem
natural. Davi expressa isso com as seguintes palavras: “Eis que em
iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (veja
Salmo 51:5-7). Então eu percebo que a Palavra de Deus tem razão
quando diz que cada pensamento, cada palavra, cada ato que
pratico por impulso próprio, sem considerar a autoridade de Deus e
do Senhor Jesus, é pecado. Tudo o que provém de mim mesmo é
pecado! Quem tiver reconhecido isso, confessa diariamente como
pecado, perante o Pai, tudo aquilo que procedeu dele mesmo,
também aquilo do qual não se recorda mais, porque sua consciência
não lhe chamou a atenção para isso. Esta pessoa sabe que tudo o
que não procedeu da sua nova vida, que recebeu pelo novo
nascimento e que não foi efetuado pelo Espírito Santo, é pecado.
Naquele que realiza isso na prática, o vaso de barro foi quebrado.
A seguir diz: “porém, se for cozida num vaso de cobre,
esfregar-se-á e lavar-se-á na água” (v. 28). Conforme observamos ao
contemplar Levítico 16, o cobre (ou bronze) fala de uma justiça na
qual o fogo devorador do juízo de Deus não encontra alimento.
Também vemos isso em Números 16, quando os duzentos e
cinquenta homens pertencentes ao grupo de Coré, Datã e Abirão se
apresentaram perante o Senhor com seus incensários de bronze.
Então caiu fogo do céu e consumiu os duzentos e cinquenta
homens, mas os incensários não foram consumidos. Então, Deus
deu ordens para que dos incensários se fizessem lâminas para
cobrir com elas o altar. Sobre este altar de bronze, o fogo de Deus
devia queimar continuamente; o altar, contudo, não era consumido,
embora fosse de madeira. Nisto vemos o Senhor Jesus, assim como
Ele se manifestou na terra. Na Sua pessoa e na Sua conduta não
havia nada que pudesse ser consumido pela santidade
perscrutadora de Deus, visto que Ele era perfeitamente justo. Essa
mesma justiça nós também temos recebido mediante o novo
nascimento, quando Cristo tornou-Se a nossa vida. A vida nova não
peca! Ela abomina o pecado, não pode e nem quer pecar. Porém,
infelizmente, em nossa vida prática muitas vezes se manifesta a
associação com a carne. Nem sempre eu manifesto somente o novo
homem, mas muitas vezes também a atuação da carne. Por essa
razão, o vaso deve ser esfregado e lavado com água. Aquilo que
procede da carne deve ser esfregado para que reste somente aquilo
que provém do novo homem. Depois precisa ser aplicada a água
(figura da Palavra de Deus em seu poder purificador) sobre a minha
vida prática, de modo que todas as emanações da carne
desapareçam, restando só as do novo homem. Penso que podemos
ligar essas duas coisas com Colossenses 3:5-10, onde diz:
“Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra...
despojai-vos... Não mintais uns aos outros, que já vos despistes do
velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se
renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o
criou”. Isso sempre deve estar associado ao autojulgamento diante
de Deus, devido aos pecados que temos cometido.
Acaso poderia ser diferente? Se eu realmente me humilhar
por causa de um dos pecados que são tratados nos sacrifícios pelo
pecado e pela culpa, e se junto à cruz vejo o abominável daquilo
que fiz e chego a um verdadeiro autojulgamento, então isso terá um
efeito sobre a minha conduta. Porém, se na prática a minha conduta
continuar como antes, então os irmãos são obrigados a duvidar da
realidade da minha humilhação. Segundo os pensamentos de Deus,
o autojulgamento conduz à purificação prática, de modo que na
minha conduta não apareça tanto o velho homem, mas muito mais o
novo. O ministério do sacerdote — isto é, o ministério do Senhor
Jesus, mas depois também o nosso — deve operar isso naquele
que precisa ser purificado e, na verdade, não com persuasão ou até
com ameaças, mas por meios espirituais.
Por isso, depois também lemos: “Todo o homem entre os
sacerdotes a comerá; coisa santíssima é” (v. 29). “Todo homem” são
aqueles irmãos e irmãs que, em energia espiritual, realizam a
posição sacerdotal. Todo filho de Deus é um sacerdote. Aqueles,
porém, que realizam isso em energia varonil devem, segundo os
pensamentos de Deus, identificar-se com aquele irmão ou aquela
irmã que pecou, para que, por meio de todos, essa pessoa seja
restaurada. Para tal, somente está em condições quem for “varonil”,
isto é, que possui força espiritual. Geralmente nós, com os nossos
corações frios e fracos, achamos mais fácil queimar o sacrifício pelo
pecado, como o fizeram Eleazar e Itamar (compare com Levítico 10:16-
19), do que comê-lo. Queimar o sacrifício pelo pecado denota um
espírito judicial, que está em contraste com a identificação com o
pecado do indivíduo ou da congregação toda, assim como
encontramos em Moisés, Esdras, Neemias e Daniel (Êxodo 32:31;
Esdras 9; Neemias 9 e Daniel 9). O que terá sido alcançado quando o
irmão ou a irmã tiver sido reconduzido? Deus se tornará mais rico,
pois recebeu um sacrifício pelo pecado. Então os filhos de Arão
também se tornaram mais ricos por terem passado pelos exercícios
espirituais que este serviço sacerdotal traz consigo; e nisso eles
tiveram, na prática, comunhão com o Senhor Jesus em Seu serviço
como Advogado. Mas a pessoa em questão também se tornou mais
rica. Suas vestes foram lavadas, o vaso de barro foi quebrado, o
bronze foi esfregado e lavado na água, de modo que muitas coisas
que estorvavam sua vida espiritual foram removidas. Essa pessoa
passou por todos os exercícios espirituais que acabamos de ver. Viu
o pecado em todo o seu horror, mas viu também a perfeição da obra
do Senhor Jesus, que sempre é maior que os nossos pecados.
Dessa maneira, todos os que tinham sido afetados tornaram-se
mais ricos. Até o pecado, aquilo que é contrário à santa natureza de
Deus, torna-se, por meio da graça, um meio pelo qual todos os que
foram afetados por ele se tornem mais ricos. A assembleia também
enriquece, porque a dificuldade existente no meio do povo de Deus
foi removida e o vínculo entre eles foi consolidado. Seu estado
espiritual tornou-se mais elevado, porque todos os sacerdotes
“varonis” se identificaram com o mal, comendo o sacrifício pelo
pecado. Seus sentimentos estão mais em concordância com os
sentimentos sacerdotais do Senhor Jesus e, por meio disso, eles
têm uma comunhão mais estreita com Ele. Além disso, o que havia
pecado, mas que se arrependeu, agora é mais espiritual do que
antes. Que Deus conceda que todos nós obedeçamos estas
diretrizes, para que também em nosso meio sejam conseguidos
esses resultados magníficos.
Quão maravilhosa é a Palavra de Deus! Ela nos dá resposta
a todas as perguntas e a solução para todos os problemas. Para
tanto, porém, é indispensável que leiamos esta Palavra — lendo-a
em oração — para, por meio dela, conhecermos melhor ao Senhor
Jesus, e vermos o que Sua obra significa. Então perceberemos
melhor o abominável do pecado, mas também o caminho no qual,
tudo o que tivermos estragado, pode ser restaurado, de modo que
nosso estado posterior se torna melhor do que o anterior. Quando
um osso está fraturado, o ponto da fratura, depois de restaurado, se
torna mais resistente do que antes. Encontramos esta lição
espiritual aqui. Que comunhão maravilhosa iríamos gozar, que união
maravilhosa imperaria entre nós como irmãos e que maravilhoso
testemunho da graça de Deus e da glória do Senhor Jesus
poderíamos ser perante o mundo e perante outros crentes se
seguíssemos sempre esse caminho! Que alegria haveria então em
nossos corações e também no coração do Senhor Jesus que está
em nosso meio. Que alegria também para o coração de Deus, que
habita na Sua casa, na Igreja! Que Deus conceda isso a todos nós!
A Lei do Sacrifício pela Culpa

Leia Levítico 7:1-10

Conforme temos visto anteriormente, a lei do holocausto e a


lei da oferta de manjares constituem uma só revelação. Da mesma
forma também, a lei do sacrifício pelo pecado e a lei do sacrifício
pela culpa são uma só revelação. Até mesmo a porção do
holocausto e da oferta de manjares — que pertencia ao sacerdote
— e a primeira parte da oferta pacífica fazem parte disso. Se
tivermos entendido o caráter dos sacrifícios, iremos reconhecer a
razão para tal.
Temos visto que o holocausto e a oferta de manjares andam
juntos. Na prática, sempre eram ofertados juntos. O holocausto
apenas era possível com base na oferta de manjares. A vida
perfeitamente santa do Senhor, consagrada a Deus, tinha que
anteceder o holocausto, e assim era coroada por este. Do mesmo
modo também, o sacrifício pelo pecado e o sacrifício pela culpa
andam juntos, pelo fato de ambos terem a ver com os nossos
pecados, tratando-se da nossa culpa perante Deus e os homens
respectivamente; culpa essa que Deus, no Seu governo, tem que
julgar. E porque a reparação do dano e a purificação devem
anteceder à comunhão — pois não pode haver verdadeira
comunhão enquanto houver algo entre os que quiserem ter
comunhão — é compreensível que, na prática, a oferta pacífica
segue imediatamente aos sacrifícios pelo pecado e pela culpa. Os
filhos de Arão têm a difícil tarefa, associada à autonegação, de
comer tanto o sacrifício pela culpa quanto o sacrifício pelo pecado.
Por essa razão Deus lhes dá, imediatamente depois, na mesma
revelação, a maravilhosa parte do holocausto e da oferta de
manjares.
Agora, ao contemplarmos a lei do sacrifício pela culpa,
notamos, por um lado, uma grande concordância com a lei do
sacrifício pelo pecado; por outro lado, porém, também notamos
diferenças. Certamente, o mais importante é que aqui são
mencionadas algumas coisas que não se mencionam quando se
trata do sacrifício pela culpa, mas sim no sacrifício pelo pecado e
nos outros sacrifícios. Refiro-me à aspersão do sangue e ao
oferecimento da gordura. Acaso o motivo para tal não poderia ser
que Deus, tratando-se do sacrifício pela culpa, quisesse salientar a
culpa perante Ele e perante o irmão ou a irmã respectivamente?
Nós, em nosso egoísmo natural, somos pouco propensos a
repensar as consequências que nossas palavras e atos podem ter
nos outros. Por isso, nos capítulos 5 e 6 se fala quase
exclusivamente da necessidade da reparação do dano, isto é, a
restituição do furtado e, além disso, uma quinta parte a mais. Aqui,
na informação a respeito da lei do sacrifício pela culpa, nos é
mostrado que também pelas nossas culpas foi necessário que se
fizesse expiação e que, nos caminhos do governo de Deus, as
exigências da Sua natureza santa também deviam ser satisfeitas. O
último é o ponto mais importante do sacrifício pelo pecado. Vemos
isso claramente nos Evangelhos, especialmente nos de Mateus e
Marcos, que nos mostram o sacrifício pela culpa e o sacrifício pelo
pecado.
Mas, embora no sacrifício pela culpa se aponte de modo
especialmente enfático e sério para o fato da culpabilidade, contudo
há, para o culpado, pleno perdão e restauração aos abençoados
privilégios do povo de Deus. O sacrifício pela culpa também tinha
que ser imolado no lugar onde se imola o holocausto. Assim, todos
que oferecem um sacrifício pela culpa veem imediatamente a
perfeição da obra do Senhor Jesus, que não apenas pagou a nossa
culpa, mas, ao mesmo tempo, glorificou infinitamente a Deus. Mas
Deus não dá esta certeza apenas ao culpado que se humilhou, mas
Ele quer que essa pessoa tenha consciência de que o caminho para
o lugar de bênção lhe está plenamente aberto. Podemos ver isso na
maneira como o sacerdote devia aspergir o sangue.
Em todos os sacrifícios cruentos, os sacerdotes deviam
aspergir o sangue sobre o altar de bronze ou ao lado deste. Porém,
no caso do sacrifício pelo pecado é dito expressamente que o
sangue devia ser derramado “à base do altar do holocausto” (Levítico
4:7). Que pensamento maravilhoso isto é para aquele que tinha que
trazer um sacrifício pelo pecado! Quando chegava ao altar de
bronze, à Mesa do Senhor, ele podia estar sobre este fundamento
do sangue, que lhe dava a certeza de que o seu pecado estava
perdoado.
Os nossos corações, cheios de autojustiça, muitas vezes
consideram uma culpa contra nós, ou contra outra pessoa, mais
grave do que a ofensa à santa natureza de Deus, assim como o
vemos em relação com o sacrifício pelo pecado. Se não nos
tivermos identificado com o culpado mediante o comer do sacrifício
pela culpa (como sacerdotes), então, em um espírito judicial, na
verdade estamos propensos a reconhecer que o pecado pode ser
perdoado, mas, ao mesmo tempo, podemos considerar o culpado
como indigno para sempre de tomar novamente o seu lugar de
comunhão à Mesa do Senhor, com o Pai, com o Filho e com os
crentes. Já ouvimos alguma vez tais opiniões judiciais por parte de
algum irmão ou irmã? Deus conhece os nossos corações néscios
que, às vezes, pensam que nós somos mais santos e mais justos do
que Ele, e que poderíamos vigiar melhor sobre a Sua honra do que
Ele mesmo! Quão pouco nós compreendemos a grandeza da graça
de Deus e o poder do sangue do Senhor Jesus! Deus, que nos
conhece plenamente, junto com o sacrifício pela culpa deu a
prescrição de que os sacerdotes deviam espargir o sangue sobre o
altar em redor. Assim, os filhos de Arão não eram ignorantes de que
o sangue do sacrifício pela culpa havia removido toda a culpa e que
aquele que oferecia o sacrifício podia ter novamente comunhão com
o altar.
Por um lado temos o fato de que, no caso do sacrifício pelo
pecado, o oferecimento da gordura é repetido constantemente, mas
está ausente no caso do sacrifício pela culpa. Por outro lado, vemos
que esse oferecimento não é mencionado na lei do sacrifício pelo
pecado, mas sim na lei do sacrifício pela culpa. Estes fatos não
poderiam estar ligados ao que estamos meditando? A lei de cada
sacrifício foi dada especificamente aos sacerdotes, e não aos
ofertantes. Portanto, é justamente aos sacerdotes que é falado
claramente acerca do oferecimento da gordura. Temos visto o que
isso significa, e que isso está especialmente associado com a oferta
pacífica — o nosso culto à Mesa do Senhor. Veremos isto com mais
clareza na lei da oferta pacífica. Os filhos de Arão tinham que
conscientizar-se do fato de que o sacrifício pela culpa, oferecido
pelo culpado, era tão importante para Deus que uma parte dele — a
gordura e tudo relacionado com ela — devia ser incensado “por
cheiro suave ao SENHOR” (compare Levítico 4:31). Deus chama isso
de “Seu alimento, Seu Pão” (Levítico 3:11,16; 4:26; 21:6). Para deixar
bem claro que a comunhão à Mesa do Senhor está completamente
restabelecida, Deus prescreve, no capítulo 7:29-30, que o próprio
ofertante devia mover a gordura perante o SENHOR e oferecê-la
desse modo a Ele. Depois que alguém ofereceu um sacrifício pela
culpa, com tudo relacionado a ele, e depois que, como filhos de
Arão aspergimos o sangue sobre o altar e, tendo indicado ao
ofertante para que ofereça a gordura pessoalmente à Deus,
tomando-a a seguir da sua mão para incensá-la diante de Deus —
depois de ter feito tudo isso, quem ousaria negar a esse ofertante a
participação no culto a Deus? Quão pouco reconhecemos o
abominável do nosso próprio pecado e da perfeição da obra do
Senhor Jesus na cruz, bem como a graça do Pai e do Filho!
Esse sacrifício pela culpa, os filhos de Arão também deviam
comer. Já vimos o que isso significa. Deve ser comida em lugar
santo, em um lugar separado para Deus. Quantas vezes vemos que
ela é comida em um lugar profano! Porventura não acontece, muitas
vezes, que os crentes também gostariam de saber o máximo
possível acerca dos detalhes de um pecado que outro cometeu?
Isto é curiosidade pecaminosa, que quer alimentar-se do sacrifício
pelo pecado como alimento para a carne. Porém, no lugar santo
temos comunhão com o nosso Grande Sacerdote, o Senhor Jesus,
e com os sacerdotes dentre os crentes. Ali podemos identificar-nos
de modo espiritual com o culpado, comendo o sacrifício pelo
pecado.
A Lei do Sacrifício Pacífico

Leia Levítico 7:11-36

Ao observarmos a sequência das leis dos sacrifícios,


notamos que é uma sequência distinta daquela da instituição dos
próprios sacrifícios. Em Levítico 1 encontramos o holocausto; no
capítulo 2, a oferta de manjares; no capítulo 3, o sacrifício pacífico
ou de ação de graças; e nos capítulos 4 e 5, encontramos o
sacrifício pelo pecado e o sacrifício pela culpa. Esta sequência é
muito importante. Temos contemplado a glória do Senhor Jesus no
holocausto, depois Sua humanidade santa e pura na oferta de
alimentos e, por fim, vimos como, sobre esta base, temos comunhão
com Deus e com o Senhor Jesus, assim como nos é mostrado no
sacrifício pacífico ou de ação de graças. Então é algo natural que
precisamos nos purificar, assim como lemos em 1 João 3:3: “E
qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como
também ele é puro”. É impossível que nos ocupemos com a glória
do Senhor Jesus sem que nos purifiquemos na presença de Deus, a
fim de que sejamos santos também na prática. Foi nessa sequência
que Deus também ordenou os sacrifícios.
Nas leis dos sacrifícios, porém, encontramos a aplicação
prática, e aqui vemos uma sequência diferente: primeiramente, a lei
do holocausto e a da oferta de manjares; contudo, a seguir, a lei do
sacrifício pelo pecado e a do sacrifício pela culpa, e, por último, a lei
do sacrifício pacífico. Também é assim em 1 Coríntios 11. Na
verdade, sempre precisamos nos julgar à luz de Deus, porque
somente mediante autojulgamento seremos purificados; porém
precisamos fazê-lo de maneira especial quando nos reunimos à
Mesa do Senhor. Isto os coríntios haviam esquecido, e foi por isso
que alguns de entre eles haviam sido julgados por Deus; e a Palavra
diz: “Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos
julgados” (1 Coríntios 11:31). Este pensamento nos é apresentado nas
leis dos sacrifícios. Vemos nisso que as verdades do Novo
Testamento sempre têm sua contraparte nas figuras do Antigo
Testamento.
Aqui nos é mostrado que havia diferentes sacrifícios. Não me
refiro às diversas ofertas que encontramos no capítulo 3. Não é
disso que se trata aqui; trata-se, porém, das motivações que
animavam o ofertante quando oferecia seu sacrifício. No versículo
12 fala-se acerca de um sacrifício pacífico que era oferecido para
“ação de graças” (ou para louvor), e o versículo 16 nos diz que é
“voto, ou oferta voluntária”. Portanto, não é importante apenas o que
oferecemos, mas também por quê trazemos um sacrifício. Espero
voltar oportunamente a este assunto.
Nos versículos 12 e 13 vemos que junto ao sacrifício pacífico
devia ser oferecido uma oferta de manjares. Deus quer que não
vejamos apenas a obra do Senhor Jesus, mas também a Sua
pessoa. Sua obra é, na verdade, de uma beleza magnífica, porém,
quanto mais gloriosa é a Pessoa que pôde realizar esta obra!
Quando nos encontramos reunidos à Mesa do Senhor, Deus deseja
que não meditemos somente na obra do Senhor Jesus, mas
também nEle mesmo, e que ofereçamos um sacrifício pacífico junto
com uma oferta de alimentos. Sem voltar à oferta de manjares —
que já contemplamos anteriormente —, ainda assim gostaria de
chamar a atenção para uma particularidade no versículo 13, onde
encontramos uma oferta de manjares com fermento. Do capítulo 2
sabemos que nesta oferta jamais deveria haver fermento; aqui,
porém, na oferta de manjares, ligada ao sacrifício pacífico, tinha que
ter pão fermentado. Portanto, o fermento não apenas era tolerado,
mas prescrito, a saber, em ligação com o sacrifício pacífico. O povo
se reunia à entrada da tenda da congregação e tomava essa
refeição juntamente com Deus e com o Senhor Jesus. Deus recebe
Sua porção, pois é o Seu pão, conforme vimos no capítulo 3; o
sacerdote recebe uma porção especial, e toda pessoa do povo, que
estivesse limpa, podia receber uma parte também. Também é assim
no Dia do Senhor, quando nos reunimos. Mesmo que o Sacrifício é
sem fermento — penso naquilo que vemos da Pessoa e da obra do
Senhor Jesus —, os nossos pensamentos e palavras não estão
totalmente limpos. É verdade que, segundo os pensamentos de
Deus, a atuação do mal é reprimida em nós pelo poder do Espírito
Santo, visto que se trata de pão com fermento — o pão está cozido,
e assim, o efeito do fermento acabou. O fermento, no entanto, se
encontra no pão, e disso não podemos nos esquecer. Também
quando nos encontramos na proximidade do Senhor e deixamos o
Espírito Santo operar em nós, frequentemente há algo de humano
nas ofertas que apresentamos. Quem de nós ousaria pensar que
está cem por cento limpo e que oferece a Deus as suas ofertas de
maneira perfeita? Muitas vezes dizemos algo inconscientemente,
que não é correto e que não é operado somente pelo Espírito Santo.
Deus nos dá essa prescrição para que tomemos consciência dessa
questão. Quando nos achegamos a Deus para apresentar-Lhe as
nossas ofertas, temos que estar cientes daquilo que Ele fez em
nosso favor. No holocausto vimos o que nos tornamos com base na
obra consumada do Senhor Jesus. Agora temos plena intrepidez
para chegar à presença de Deus. Fomos feitos agradáveis no
Amado, de modo que agora Deus nos vê em toda a beleza do
Senhor Jesus. Em nós mesmos, porém, éramos miseráveis,
pecadores perdidos, e sabemos o que somos na prática. Assim
como junto com a páscoa deviam ser comidas ervas amargas, da
mesma forma, junto com o sacrifício pacífico devia ser oferecido pão
fermentado.
Que lindo é isto! Na verdade, aquele bolo não chegava ao
altar, mas, não obstante, era oferecido a Deus. A respeito desse
bolo é dito explicitamente: “E de toda a oferta oferecerá uma parte
por oferta alçada ao SENHOR” (v. 14). Quando expressamos diante
de Deus o que nos tornamos mediante a obra do Senhor Jesus,
Deus considera isso como oferta alçada; podemos oferecer-nos a
nós mesmos a Deus como oferta alçada. Que belo pensamento!
Além disso, vemos que uma parte do sacrifício pacífico devia ser
oferecida como oferta alçada. Isso é o que nós também fazemos à
Mesa do Senhor. Uma oferta alçada é algo que nós levantamos
para, dessa maneira, oferecê-la a Deus. Que serviço precioso!
Assim como temos visto no capítulo 3, aqui nos é mostrado que nós
oferecemos a Deus o Seu alimento quando Lhe trazemos essa
oferta. É isso que Deus nos diz neste trecho; então nós
compreendemos o que é quando o fazemos.
Voltemo-nos agora aos outros detalhes que vemos aqui.
Primeiramente é falado de um sacrifício pacífico oferecido como
sacrifício de ação de graças ou louvor, e no versículo 15 lemos:
“Mas a carne do sacrifício de ação de graças da sua oferta pacífica
se comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até à
manhã”. Creio que isto se torna claro em Lucas 15: quando o filho
pródigo voltou ao pai, ele pôde participar do banquete. Era a festa
do seu pai, ele a celebrou com o seu pai e teve parte na alegria do
pai. Contudo, no filho mais velho vemos algo diferente. Este diz: “...
nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos”
(v. 29). Na verdade, ele também queria ter uma festa, porém com os
seus amigos, sem o seu pai. Mas Deus nos ama demais para que
pudesse nos dar alegrias festivas sem que Ele tivesse parte nelas.
Ele se alegra conosco e, no fundo, a Sua alegria também é a nossa.
Ele matou o novilho cevado. É isso que é expresso aqui em Levítico
7. Quando nos reunimos à Mesa do Senhor, e o Espírito Santo
dirige os nossos pensamentos para obra do Senhor Jesus e para a
graça de Deus, então nós estaremos cheios de gratidão — a menos
que os nossos corações estejam muito frios. Se nós cantamos hinos
e um irmão, com mente espiritual, expressa uma ação de graças
como boca da assembleia, então nossos corações são aquecidos, e
sobe gratidão a Deus e ao Senhor Jesus. Isto é agradável a Deus.
Ele aceita com prazer este nosso louvor e, ao mesmo tempo, os
nossos corações se alimentam do Senhor Jesus. Mas, acaso não
sabemos por experiência que isso dura pouco? Há pouco
mencionei: a gratidão sobe dos nossos corações quando estamos
reunidos, mas geralmente ela desaparece quando estamos de volta
aos nossos lares, e em poucos dias com certeza não existe mais.
Contudo, Deus busca a “verdade no íntimo” (Salmo 51:6). Ele
gostaria que nós tenhamos comunhão com Ele e com a Pessoa e
obra do Senhor Jesus. Por essa razão, a carne do sacrifício de ação
de graça podia ser comida somente no dia do oferecimento. O
perigo, da realidade se tornar em mera formalidade, é grande. Certa
vez, o hinário de um irmão veio cair na minha mão, no qual, junto a
diversos hinos havia várias referências bíblicas. Visto que eu
conhecia o irmão, notei que eram passagens bíblicas que ele lia
frequentemente nas reuniões. Eram passagens que talvez tenham
sido lidas depois dos referidos hinos e, provavelmente, nessa
primeira vez realmente tenham sido lidas sob a direção do Espírito e
combinavam bem com o hino. Porém agora, quando era proposto
um desses hinos, aquele irmão lia frequentemente as passagens
anotadas. Isso, contudo, era algo que não procedia do seu coração,
e por essa razão não tinha valor algum para Deus. Para Deus, isso
era algo impuro, e é exatamente isto que nos é mostrado aqui: “Mas
a carne do sacrifício de ação de graças da sua oferta pacífica se
comerá no dia do seu oferecimento; nada se deixará dela até à
manhã” (v. 15). No dia seguinte era algo impuro. “... e a pessoa que
dela comer levará a sua iniquidade” (v. 18).
Vemos algo diferente no versículo 16, onde é falado acerca
da oferta de um voto ou de uma oferta voluntária. Para melhor
compreensão, utilizemos um exemplo do Novo Testamento. Quando
alguém ia ao templo, podia comprar animais ali. Imaginemos um
israelita que vai ao templo e ali tem o pensamento repentino de
sacrificar a Deus. Ele diz consigo: ‘Eu faço isso porque tenho muitos
motivos para oferecer um sacrifício a Deus’. Isso, sem dúvida, era
algo bom aos olhos de Deus, porém, era algo que surgiu nesse
instante no coração daquele israelita. Algo totalmente diferente é um
sacrifício sobre o qual há um voto. O voto não havia sido feito nesse
instante, mas muito antes. No coração de tal israelita vivia o desejo
de fazer um voto a Deus, assim como encontramos muitas vezes na
Palavra de Deus. Agora chegou o momento em que ele vai ao
templo para oferecer o seu sacrifício. É algo que há muito tempo
tinha no seu coração. De modo semelhante também é quando se
trata de uma oferta voluntária, quando alguém vai ao templo e
decide oferecer um sacrifício a Deus. É fácil entender que isso
significa mais do que um sacrifício de ação de graças do sacrifício
pacífico.
Há pouco mencionei as nossas reuniões à Mesa do Senhor.
Se até o sábado à noite estive ocupado com negócios, e durante
toda a semana não tive tempo para realmente me ocupar com o
Senhor Jesus, então é claro que no domingo chego à Mesa do
Senhor de coração vazio e frio. Não é isso que nos acontece
frequentemente? Se todos disserem “não” à minha pergunta, eu
serei o único que já fez essa experiência. Mas, apesar disso, o
Espírito Santo pode suscitar algo em mim, pois na reunião também
há irmãos que vieram com o coração repleto. Estes, o Espírito Santo
pode usar para proporem um hino ou para pronunciarem uma
oração, por meio do qual o meu coração será aquecido e poderei
ser levado a oferecer um sacrifício de ação de graças juntamente
com um sacrifício pacífico. Porém, também estarão presentes outros
irmãos que, durante a semana, tomaram o tempo para se ocupar
com o Senhor. Eles viram as belezas do Senhor; seus corações
estão cheios de admiração e adoração e, na figura de Deuteronômio
26, chegam com os cestos cheios. O Espírito Santo pode usar tais
irmãos desde o início, no oferecimento de ofertas. É claro que aqui,
em nosso trecho, se trata de algo muito mais profundo. Por isso
também diz: “e o que dele ficar também se comerá no dia seguinte”
(v. 16). O que tiver sido efetuado no meu coração no decorrer de
toda a semana não se evapora no instante em que deixo o lugar da
reunião, porém é mais duradouro. Ainda pode ser “comido” no
segundo dia, isto é, enquanto for realidade no coração e estiver em
ligação com o Senhor e com a Sua obra na cruz, e que Deus tenha
Sua parte nisso. Enquanto for assim, é agradável a Deus, é
verdadeiro alimento espiritual para nossos corações e não apenas
para o nosso intelecto.
Quando alguém quisesse trazer um sacrifício pacífico, então
chegava com o animal para o sacrifício à porta da tenda da
congregação, onde devia imolá-lo, isto é, ele tinha que
conscientizar-se de que o Senhor teve de morrer. Depois, o
sacerdote aspergia o sangue sobre o altar. Isso está relacionado
com aquilo que disse a respeito da refeição, que deve ser vista em
ligação com a morte do Senhor. Devemos estar conscientes de que
o Senhor Jesus morreu, e por isso a oferta devia ser comida no
mesmo dia ou no dia seguinte.
Vemos o quanto isso é importante no versículo 18: “Se da
carne do seu sacrifício pacífico se comer ao terceiro dia, aquele que
a ofereceu não será aceito, nem lhe será imputado; coisa
abominável será, e a pessoa que dela comer levará a sua
iniquidade”. Estas palavras são muito sérias também para nós, e
deveríamos refletir nelas à luz de Deus! Será que aquilo que nós
ofertamos foi de fato imolado no mesmo dia? Nossos corações
estão repletos de louvor e adoração, operados pelo Espírito Santo?
O hino que propomos e aquilo que dizemos é realmente a
expressão daquilo que está em nosso coração? Se não for assim, a
Bíblia chama isso de imundo. Deve ser algo que realmente está vivo
em nossos corações. A Pessoa e a obra do Senhor Jesus têm que
estar vivos ante nossos olhos.
Certa vez, num domingo pela manhã, estive numa
assembleia onde todos os hinos eram cantados maravilhosamente
bem, como por um coral, a quatro vozes, exatamente segundo as
notas. Cada qual se esforçava por cantar o melhor possível.
Contudo, o que havia de espiritual em tudo isso? Se nossos
corações se ocupam com a melodia, então isso não é espiritual. A
melodia não sobe a Deus; ela é apenas o meio pelo qual nós
podemos pronunciar em conjunto as palavras do hino. O melhor
hino é aquele que desvia os nossos pensamentos de tudo aquilo
que as palavras não exprimem, e que não nos induz a nos
ocuparmos com a linda melodia. Esse é o melhor hino, visto que
não nos fez pensar no cântico, mas dirige nossos pensamentos para
as palavras, que deveriam exprimir aquilo que se encontra em
nossos corações. Assim também deveria ser com aquele irmão que,
como boca da assembleia, expressa a adoração e o louvor que
procedem dos corações de todos os reunidos.
Já vimos o que o sacrifício pacífico é na realidade: uma
refeição da família de Deus. Ele, como o cabeça da família, recebe
a Sua porção, e os filhos de Arão também recebem uma parte.
Então o versículo 19 prossegue: “Qualquer que estiver limpo comerá
dela [a carne do sacrifício]”. Porém, é evidente que a santidade
absoluta é necessária. Em primeiro lugar, porque nos encontramos
na presença de Deus. O Senhor Jesus é apresentado aqui como
sacerdote. Isto significa que aqui não vemos a Deus como Pai, mas
como Deus. O Senhor Jesus não é Sacerdote junto ao Pai, mas
junto a Deus, conforme lemos em Hebreus; e isso significa que o
lugar onde nos reunimos deve ser caracterizado pela santidade. Em
segundo lugar, aquilo que “comemos” é o Senhor Jesus na Sua obra
na cruz, isto é, o Senhor Jesus como havendo morrido sob o juízo
de Deus. Por que Ele morreu? Hebreus 9:26 diz: “para aniquilar o
pecado”. Deus exerceu nEle todo o Seu juízo sobre o pecado. Na
cruz se tornou evidente quão santo Deus é, e quanto Ele odeia o
pecado. Se isso é o ponto central da “refeição”, então
compreendemos que esse é o lugar mais santo da terra. Deus deve
ser santificado naqueles que se achegam a Ele. Isso nós
encontramos nos versículos 19 ao 21.
Também pode acontecer que o lugar onde nos reunimos é
imundo, pois lemos que quando a carne toca alguma coisa imunda
se torna, por isso, imunda. A carne em si, naturalmente, é
perfeitamente limpa, visto que fala do Senhor Jesus que preferiu
morrer a permitir que o pecado permanecesse. O lugar onde a carne
se encontra deve estar limpo e, como vemos, a carne se torna
imunda quando o lugar é imundo. Para tanto, a Palavra de Deus nos
fornece exemplos claros. Encontramos este princípio explicitamente,
por exemplo, em Ageu 2:11-13. Em 1 Coríntios 5 trata-se do pecado
na igreja, e Deus diz: “Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (v. 13).
Em 2 Timóteo 2 é falado acerca da injustiça na Casa de Deus, e ali
a Palavra diz que devemos separar-nos dela e buscar um lugar
onde não haja injustiça. Como um lugar caracterizado pelo pecado
— onde, por exemplo, é atacada a doutrina da eterna divindade do
Senhor Jesus, ou Sua verdadeira humanidade, ou onde não se
exerce disciplina — poderia ser o lugar para termos um encontro
com Deus? Deus diz: ‘Num lugar assim não posso habitar. A carne
está imunda e não fala do Senhor Jesus que morreu na cruz. Não
pode ser comida, mas deve ser queimada com fogo’.
Todavia, na segunda parte do versículo 19 encontramos algo
maravilhoso: “qualquer que estiver limpo, comerá dela”. Está
destinada a todo o povo. É claro que não se destina aos incrédulos,
pois nenhum incrédulo pode estar limpo; ele é imundo dos pés à
cabeça. Somente aqueles que conhecem ao Senhor Jesus por seu
Salvador, e cujos pecados foram lavados no Seu sangue, são
limpos. Todo o que pertence ao povo de Deus pode achegar-se e
tomar o seu lugar à Mesa do Senhor, mas, é claro, se na prática não
estiver imundo. Nós encontramos isso nos versículos 20 e 21.
Vemos primeiramente, no versículo 20, alguém que come da
carne, estando nele a sua imundícia. Nós nos encontramos em um
lugar santo, aonde Deus convida a Si os Seus; mas chega alguém
que não está limpo. Este também foi o caso em Corinto. Vemos
como Deus intervém ali. Em 1 Coríntios 5 se trata de alguém cujo
pecado se tornara manifesto, e Deus diz: “Tirai, pois, dentre vós a
esse iníquo”. Não pode ser tolerado no meio dos santos.
Encontramos o mesmo aqui: “aquela pessoa será extirpada do seu
povo” (v. 20). Certamente todo crente há de compreender que isso é
necessário. Talvez apenas poucos crentes queiram afirmar que o
malfeitor na igreja em Corinto não precisaria ter sido excluído;
alguém que vive tão evidentemente em profundo pecado não pode
tomar lugar à Mesa do Senhor.
Porém, no versículo 21 encontramos um segundo
pensamento: “E, se uma pessoa tocar alguma coisa imunda, como
imundícia de homem, ou gado imundo, ou qualquer abominação
imunda, e comer da carne do sacrifício pacífico, que é do SENHOR,
aquela pessoa será extirpada do seu povo”. “Se alguma pessoa
tocar”, na verdade, ela mesma não está imunda, mas está
associada a algo imundo. Nós, humanos, muitas vezes encaramos
isto com outros olhos. Na década de 1840 aconteceu a primeira
grande divisão entre os “irmãos” devido a esse princípio. Um falso
mestre atacou a humanidade pura do Senhor Jesus. Os irmãos se
separaram dele, porém uma assembleia não quis fazer isso. Na
verdade, não admitiram esse homem, mas sim os amigos dele.
Desse modo, pessoas que continuavam partindo o pão com esse
homem também podiam participar do partir do pão nesta
assembleia. Ali eles pensavam: ‘A comunhão com a impureza não
contamina contanto que nós mesmos estejamos limpos’. Em nosso
trecho vemos, entretanto, como Deus pensa a esse respeito,
quando alguém “tocar alguma coisa imunda” (v. 21). Portanto, aqui
não se trata da própria impureza, mas da impureza de outrem. Se
alguém estivesse associado com isso, e comesse da carne do
sacrifício pacífico, devia ser extirpado do seu povo. Portanto, para
com Deus é indiferente se nós mesmos estamos impuros ou se
estamos associados com alguém que está impuro. Deus não
convida tais pessoas à Sua Mesa e, se mesmo assim tivessem
participado, deviam ser extirpadas. O mais importante é a razão que
foi indicada para tanto: a “carne do sacrifício... que é do SENHOR”.
Nós pensaríamos que a carne pertence ao ofertante, visto que ele
trouxe o animal e o imolou. Na verdade, ele havia dado uma parte
dela ao SENHOR, porém o restante ele podia comer com outros que
estivessem limpos. Contudo, no capítulo 17 esse assunto é mais
desenvolvido ainda. Enquanto o povo se encontrava no deserto,
todo aquele que quisesse matar um animal para comer tinha que
trazê-lo à porta da tenda da congregação e oferecê-lo como
sacrifício pacífico. Ninguém, portanto, podia comer carne que não
procedesse de um sacrifício pacífico. O ofertante, na verdade, trazia
o animal, mas era uma oferta para Deus e, a partir desse momento,
pertencia a Deus. Provinha, na verdade, do ofertante, mas, em
sentido espiritual, essa oferta fala do Filho de Deus e da obra na
cruz. Foi Deus quem entregou o Seu Filho. Por isso o sacrifício
pacífico pertencia a Deus, e somente Ele determinava quem teria
participação nele, conforme vimos nestes versículos.
Nos versículos 22 ao 27 é falado da gordura e do sangue. Já
meditamos neste assunto, por isso não quero falar muito a respeito.
Como vimos, a gordura é figura da energia da vontade. Porém de
onde provém a nossa vontade? Dos sentimentos do coração. Eu
quero aquilo que amo, e por isso a nossa vontade é determinada
pelos desejos do nosso coração. Quem tem direito sobre os
sentimentos do meu coração? Encontramos a resposta em
Deuteronômio 6:5: “Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu
coração...”. O Criador formou o homem; Ele o criou para Si mesmo,
e exige que o homem O ame de todo o seu coração. O homem deve
amar a Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma — e o
Senhor Jesus acrescenta, em Marcos 12:30 e em Lucas 10:27: “e
de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento”. Isso significa
que Deus tem direito sobre a vontade do homem. É lógico que uma
criatura não pode ter vontade própria, mas deve obedecer. Por isso
Deus diz que a gordura pertence só a Ele, e em especial quando se
trata do sacrifício pacífico. Como já foi dito, isso é um princípio geral,
porém, no sacrifício pacífico, tudo fala do Senhor Jesus, da energia
da Sua vontade no que diz respeito à Sua morte, dos sentimentos
do Seu coração quando consumava a obra na cruz. Sabemos que
Ele foi obediente até à morte, e morte de cruz. Em João 14:31 Ele
diz: “eu amo o Pai”. Deus nos deu, para isso, uma bela figura, a
descrição do servo hebraico, em Êxodo 21. Após ter servido seis
anos, ele podia sair livre. Porém, se o seu senhor lhe houvesse
dado mulher, o servo podia dizer: “Eu amo a meu senhor, e a minha
mulher, e a meus filhos; não quero sair livre” (v. 5); então o servo
permitia que o seu senhor lhe furasse a orelha com uma sovela,
como sinal de que estava disposto a servir para sempre. Vemos o
Senhor Jesus nisso. Por que Ele se entregou? “Eu amo a meu
Senhor, e a minha mulher, e a meus filhos”. A Bíblia diz que Ele
amou a mim pessoalmente. Por amor a mim Ele foi à cruz. A
Escritura também diz que Ele ama a todos nós: “Cristo amou a
igreja, e a si mesmo se entregou por ela” (Efésios 5:25). Mas a Bíblia
também diz que Ele ama a Seu Pai, e que por amor a Ele Se
entregou para O glorificar. É nisso que vemos a gordura que, alguns
versículos adiante, está associada ao peito (v. 30). Pelo fato do Seu
amor ter sido tão precioso para Deus, como podemos ver em
Efésios 3:19, Ele é grande demais para que o pudéssemos
compreender. A gordura devia ser sacrificada apenas para Deus.
Como já sabemos, o mesmo vale para o sangue. Em Levítico
17 vemos que “a vida da carne está no sangue”, e: “porquanto é o
sangue que fará expiação pela alma” (v. 11). O sangue, portanto,
está destinado somente para Deus. A vida provém de Deus. Só Ele
tem direito sobre ela, por essa razão nenhum homem deve comer
sangue. Nós também não devemos comer sangue, como Atos 15:29
diz explicitamente e como também vemos aqui no versículo 27:
“Toda pessoa que comer algum sangue, aquela pessoa será
extirpada do seu povo”.
Então, a partir do versículo 28 lemos o que aquele que
trouxesse um sacrifício pacífico podia fazer. É um serviço sublime. A
sequência na Palavra de Deus sempre é esta: só podemos gozar as
maiores bênçãos se observarmos as prescrições correspondentes.
Quanto mais elevada a nossa posição e quanto mais perto
chegamos de Deus, tanto maior santidade nos convém, porque na
presença de Deus não há trevas. Por essa razão aqui também
encontramos primeiro as prescrições, e somente depois o serviço
propriamente.
No capítulo 3 temos visto que aquele que oferecia um
sacrifício pacífico não tinha que fazer quase nada. Na verdade tinha
que trazer o animal e imolá-lo, mas todo o restante era serviço do
sacerdote. Porém, aqui vemos algo que não é mencionado no
capítulo 3. Notamos que o ofertante tinha um serviço, e que belo
serviço é! No versículo 29 lemos: “Quem oferecer ao SENHOR o seu
sacrifício pacífico, trará a sua oferta ao SENHOR do seu sacrifício
pacífico”. Portanto, ele devia trazer pessoalmente a sua oferta ao
SENHOR, e no versículo 30 novamente é sublinhado que ele mesmo
tinha que fazê-lo: “As suas próprias mãos trarão as ofertas
queimadas ao SENHOR; a gordura do peito com o peito trará para
movê-lo por oferta movida perante o SENHOR”. Que pensamento
maravilhoso! Já temos visto que Deus convida a Si todo o Seu povo
para, junto do altar de bronze, participar dessa refeição maravilhosa,
a refeição para a família de Deus. Também sabemos que esta é
uma figura da Mesa do Senhor. Deus deseja que cada um ofereça
um sacrifício e que cada um tenha o desejo de trazer um sacrifício
pacífico; que todo coração seja preenchido de toda a glória do
Senhor Jesus e de gratidão por aquilo que Deus tem feito, de modo
que cada um também sinta a necessidade de trazer a Deus seu
sacrifício pacífico. Deus também gostaria que cada um o oferecesse
com suas próprias mãos. Não devemos pensar: este ou aquele
irmão pode fazê-lo muito melhor. Provavelmente um filho de Arão
também poderia ter oferecido melhor o sacrifício. Mas a tarefa dos
filhos de Arão era a de aspergir o sangue, e a tarefa do ofertante era
trazer a sua oferta a Deus. Ele tinha que sacrificá-la e suas mãos
tinham que oferecê-la a Deus.
Este é um assunto que deveria nos levar a uma profunda
reflexão. Certa vez perguntei a um irmão, que nunca participava
ativamente na reunião de adoração, se ele não tinha nada para
dizer. Sua resposta foi: os outros sabem fazê-lo bem melhor! É bem
possível que outros irmãos saibam se expressar melhor, mas Deus
não diz nada a este respeito. Ele diz que todos que tiverem algo
para oferecer, que o tragam com as próprias mãos; Deus gostaria
de receber a Sua porção da mão dos Seus filhos. Qual é a Sua
porção? É a gordura com o peito. O peito é uma figura dos
sentimentos do coração, e a gordura fala da energia de vontade.
Portanto, podemos afirmar que nisso se expressa a força do
imensurável amor do Senhor Jesus. Acaso isso não nos leva a
pensar em Cantares 8:6-7: “porque o amor é forte como a morte...
As muitas águas não podem apagar este amor, nem os rios afogá-
lo; ainda que alguém desse todos os bens de sua casa pelo amor,
certamente o desprezariam”. Efésios 3:19 diz que o amor excede
todo entendimento. Jamais poderemos compreender este amor em
toda a sua extensão, pois é grande demais para nós — somente
Deus o conhece realmente. Acaso não ficamos continuamente
admirados quando pensamos no amor do Senhor Jesus por nós?
Por que Ele me amou a ponto de querer dar a Sua vida por mim?
Não posso compreendê-lo. Em mim não há bem algum. E por que
Ele me ama agora? Não o compreendo. Tenho que me humilhar
cada dia perante Ele, e confessar quão frio é o meu coração e quão
pouco eu vivo para Ele e, apesar disso, Ele me ama! Eu não posso
compreender este Seu amor, mas o Pai o sabe. O Pai sabe quanto
o Filho O ama, e diz: ‘Para vós, este amor é insondável, e se nele
meditardes, ficareis convictos disso. Mas deveis trazê-lo a mim: a
gordura com o peito’.
Como isso acontece? “A gordura do peito com o peito trará
para movê-lo por oferta movida perante o SENHOR” (v. 30). Este é
um serviço que Deus espera de nós à Mesa do Senhor. O que quer
dizer “mover”? Significa mover, de um lado para outro, algo que se
tem na mão. Fazemos isso quando queremos mostrar algo. Aqui
Deus diz: ‘Fazei isto; mostre-Me o que tendes visto do amor do
Senhor Jesus’. Que serviço maravilhoso! Deus conhece o amor do
Senhor Jesus melhor do que nós, mas Ele deseja que nós
percebamos este amor, e expressemos diante de Deus o que temos
visto desse amor. Isso é “mover”.
A seguir lemos: “O sacerdote queimará a gordura sobre o
altar” (v. 31). Aquilo que temos movido de um lado para o outro,
diante da face de Deus, o sacerdote oferece sobre o altar. É a
porção de Deus, e Ele o chama de “Seu manjar, Seu alimento”
(Levítico 3:11,16). Meditemos uns instantes sobre isso! Deus aceita
algo da nossa mão, que Ele chama de “manjar”. É uma parte do
nosso culto à Mesa do Senhor. Nós somos responsáveis de oferecer
a Deus o Seu manjar, Seu alimento!
Agora, porém, segue a segunda parte da oferta: “o peito será
de Arão e de seus filhos” (v. 31). O peito fala do amor do Senhor
Jesus, a parte que podemos compreender desse amor. Isto é dado
a Arão e a seus filhos. Arão é uma figura do Senhor Jesus, e vimos
também o que os filhos de Arão simbolizam: são aqueles que
realizam aquilo que possuem em Cristo, que estão habituados a
assistir na presença de Deus, e ali aprenderam como Deus avalia as
coisas, e agora veem tudo com os olhos de Deus. No Novo
Testamento, os tais são designados como irmãos e irmãs espirituais.
Portanto, o peito estava destinado para Arão e seus filhos. O Senhor
Jesus recebe Sua porção e nós também temos parte com Ele. Não
o possuímos sozinhos, mas é Seu prazer compartilhá-lo conosco.
Quando o filho pródigo, em Lucas 15, retorna à casa paterna, o pai
manda matar o novilho cevado e uma festa é celebrada. Pensamos
nós que o filho tenha festejado sozinho? Não, mas toda a casa
participou da festa e, sobretudo, o pai. O mesmo acontece aqui. O
Senhor recebe Sua porção daquilo que também é a nossa parte.
Mas qual é a parte da família sacerdotal? É o peito. Sim, todo crente
compreende um pouco do amor do Senhor, mas só se estivermos
habituados a estar na presença do Senhor e aprendermos a
conhecê-Lo melhor; assim poderemos apreciar mais o Seu amor, e
então, os nossos corações podem alimentar-se daquilo que está no
Seu coração.
“Também a espádua [coxa] direita dareis ao sacerdote por
oferta alçada dos vossos sacrifícios pacíficos” (v. 32). Uma oferta
alçada era tomada e, por assim dizer, oferecida a Deus, mas o
sacerdote a recebia. No versículo 33 vemos a que sacerdote ela se
destinava: “Aquele dos filhos de Arão que oferecer o sangue do
sacrifício pacífico, e a gordura, esse terá a espádua [coxa] direita
para a sua porção”. Portanto, a coxa direita (ou a espádua direita)
estava destinada àquele que havia oferecido o sangue sobre o altar,
e que, dessa maneira, havia demonstrado a sua estima por esse
sangue e que podia fazer esse serviço por ser sacerdote. Conhecia
o valor do sangue e da obra do Senhor Jesus, pois se havia
ocupado com isso profundamente. Este, pois, recebe a espádua
(coxa) direita, que é a figura da força do Senhor Jesus no Seu
andar, e da força na qual Ele consumou a obra na cruz. Isto nos
lembra do significado da gordura, o poder do amor do Senhor Jesus
quando Ele consumava a obra na cruz (esse poder manifestava-se
também na Sua vida, mas aqui se trata da Sua morte). Essa era a
porção do sacerdote que oferecia o sangue, e somente ele comia
disso. Que porção preciosa! Nosso corpo físico é estruturado por
aquilo que nós comemos, daquilo que o corpo acolhe dentro de si, e
é do mesmo modo no âmbito espiritual. O alimento espiritual que
comemos forma nosso ser espiritual. O sacerdote que se ocupa com
o Senhor Jesus carece de energia para isso. Quando se ocupa com
o sangue e o esparge sobre o altar, ele recebe a coxa direita por
alimento e, por meio disso, recebe a força necessária para o
cumprimento do seu serviço.
Acabamos de ver a porção de Deus, a porção do Senhor
Jesus e a porção de todo filho de Arão e, especialmente, a porção
do sacerdote que espargiu o sangue. Temos visto também que todo
o que estava limpo recebia sua parte. Todo o que pertencia ao povo
de Deus e estava limpo podia vir, mesmo que se houvesse
convertido no dia anterior, mas que tivesse paz com Deus. Aquele
que se ocupou pouco com o Senhor Jesus também pode vir. Se ele
não tem algo para ofertar, outros oferecem, e ele tem o direito de
comer daquilo. Na verdade, Deus deseja que cada um traga algo,
mas se alguém não tem nada, pode vir assim mesmo; outros trazem
as suas ofertas e, se ele estiver limpo, pode comer junto com eles.
Este é o serviço que o Senhor nos deu. Não é um serviço
abençoado?
É este objetivo que Deus gostaria de alcançar conosco. No
final destes 7 capítulos que nos mostram os sacrifícios, Deus coloca
diante dos nossos olhos o resultado final de tudo. Deus nos tem
dado o holocausto para que o contemplemos e nele vejamos as
perfeições e a glória da obra do Senhor Jesus, e percebamos quão
plenamente Deus foi glorificado pela obra na cruz, de modo que
compreendamos o que nós nos tornamos para Deus nEle. Deus nos
tem dado o Senhor Jesus em Seu viver como oferta de manjares,
para que tivéssemos um objeto para os nossos corações enquanto
estivermos aqui na terra. Ele nos deu o sacrifício pelo pecado e o
sacrifício pela culpa para que, quando houvermos pecado, olhemos
para a cruz e possamos ver o que o pecado significa na realidade e,
por meio disso, cheguemos a um verdadeiro autojulgamento. Tudo
isso tem por objetivo reunir-nos à Sua Mesa, e não apenas os filhos
de Arão, mas também os que fazem parte do Seu povo e que
estiverem limpos, para juntos exercerem o serviço. É o desejo de
Deus que cada um venha com a sua oferta. Cada um deve, durante
a semana, ocupar-se com o Senhor Jesus, a fim de que todos
compareçam com os cestos cheios, isto é, ricos no conhecimento da
obra do Senhor, para que o Espírito Santo possa usá-los para que
tragam uma oferta com “suas próprias mãos”. Mas aquele que nada
tem para oferecer também é bem-vindo. Ele pode participar da
refeição juntamente com Deus, com o Senhor Jesus e com toda a
família de Deus, e pode alimentar-se desse manjar precioso.
Temos visto quão santo é este lugar. O lugar ao qual Deus
convida o Seu povo é o lugar mais santo da terra. É junto ao altar de
bronze, que é tão santo, que o juízo de Deus não pode tocar ou
consumir ele (compare com Números 16:36-39).
Então, quando contemplamos Levítico 7:28-36, porventura
não somos obrigados a dizer que esse lugar é o mais glorioso e que
não pode existir outro lugar mais magnífico? É o lugar que Deus já
nos deu na terra! Conforme sabemos, o altar de bronze estava no
pátio, e o pátio é uma figura desta terra como o lugar onde estava a
cruz do Senhor Jesus. Este é, pois, o serviço que Deus nos tem
dado. Estamos conscientes disso?
Os Sacrifícios na Terra de Canaã

Leia Números 15:1-12

Ao lermos o livro de Números, penso que ficaremos


surpresos — e muitos ficaram — quando chegamos ao capítulo 15 e
o lemos no seu contexto. Nos capítulos 13 e 14 lemos que o povo
chegou aos limites da terra prometida. São enviados espias que, ao
retornarem, informam que a terra é uma terra maravilhosa. Há,
porém, gigantes na terra e as cidades são mui fortificadas. Como
consequência, o povo não tem fé para entrar na terra. As
dificuldades são demasiado grandes e o resultado é que Deus diz:
‘Ninguém dessa geração entrará na terra, com exceção de Calebe e
Josué. Toda a geração perecerá no deserto. Seus filhos, todavia,
entrarão’.
No capítulo 16 temos a terrível revolta de Coré, Datã e
Abirão, que se opuseram a Moisés e a Arão, que são figuras do
Senhor como Sacerdote e grande Mestre. Em tal estado se
encontrava o povo, e no meio desses dois capítulos temos o
capítulo 15, cuja primeira parte acabamos de ler. Esse trecho não se
ocupa com o estado do povo, nem com o deserto, mas diz: “Quando
entrardes na terra...” então me trareis aquelas ofertas.
Muitos teólogos incrédulos disseram que este capítulo não
tem seu lugar aqui, mas em outro ponto da Bíblia. Na verdade, o
livro de Números trata do deserto e, se julgássemos tudo pelos
pensamentos humanos, esperaríamos encontrar este capítulo em
Levítico, onde temos todos os sacrifícios e as prescrições
relacionadas a eles; ou, talvez, em Deuteronômio, onde o povo está
prestes a entrar na terra. Porém, com certeza não procuraríamos
este capítulo aqui, onde, como já dissemos, temos em primeiro lugar
a jornada no deserto e, em segundo lugar, Deus acabara de afirmar:
“Não entrareis na terra...” (cp. 14:30), com exceção de Calebe e
Josué. Porém, devemos ler a Palavra de Deus com discernimento,
para compreendermos o significado espiritual, e então sempre
veremos que a ordem de Deus é perfeita, muito acima do nosso
conceito de ordem. Então veremos como este capítulo tem,
exatamente aqui, um lugar maravilhoso e apropriado. No capítulo 14
vemos a falta de fé do povo. Ele não podia entrar na terra
prometida. Encontravam-se defronte a terra, não às margens do
Jordão, mas em um caminho por terra. E então vemos que eles não
podem entrar nela, porque não têm fé. O resultado nós
conhecemos: somente trinta e nove anos mais tarde os seus filhos,
uma nova geração, entrou, tendo de passar pelo Jordão, não mais
por terra. Aqui se demonstra com clareza que o homem natural não
pode entrar na terra a menos que passe pela morte, tornando sua a
morte e a ressurreição de Cristo, isto é, que realize estar morto com
Cristo e ter ressuscitado com Ele. A grande lição dos capítulos 13 e
14 é que só uma geração nova, uma geração de fé pode entrar na
terra de Deus, uma geração que na fé toma posse do seguinte:
Cristo morreu e nós morremos com Ele, eu morri com Ele e com Ele
ressuscitei, de modo que nEle, já estou no céu agora, podendo
tomar posse do céu.
Então, quanto não é maravilhoso ler o capítulo 15 neste
contexto! Quando somos infiéis, a Palavra de Deus tem que nos
dizer: as dificuldades são demasiado grandes para vós porque não
tendes fé. Mas que palavra maravilhosa quando, de repente, Deus
nos diz: ‘Mas quando tiverdes entrado na terra, então fazei isso e
aquilo’. Deus dirige os corações — daqueles que ouviram a Sua
palavra: esta geração incrédula não entrará — para a certeza da
Sua eleição e a certeza de que Ele irá levar a efeito os Seus planos
e decretos — exatamente como os filhos de Coré dizem no Salmo
84: “...cada um deles em Sião aparece perante Deus” — se olharem
para o Senhor. Mas, então olham para si mesmos, e prosseguem:
“escuta a minha oração... ó Deus de Jacó!” (vv. 7-8). O Deus que
levou Jacó a seu destino é o único que pode conduzir-nos ao nosso
destino. Nós tomamos consciência disso toda vez que nos
examinamos na luz de Deus e reconhecemos quão pouca força
temos, quão pouca fé temos e como as dificuldades muitas vezes
são maiores do que a nossa fé.
Então Deus diz: ‘Mesmo que não tendes fé, Eu vos
introduzirei na terra. Ainda que as dificuldades do deserto sejam
muito maiores que a vossa fé, Eu, contudo, vos introduzirei na terra.
Eu cumprirei o Meu decreto, a Minha promessa: Vós entrareis na
terra’.
E não somente isso. A seguir, Deus apresenta a terra de
Canaã: Ele nos dá imediatamente o que pode nos dar fé, aquilo que
pode fortalecer a nossa fé de modo que se torne tão forte que pode
vencer as dificuldades para que cheguemos seguros ao destino.
Esse é o caminho no qual o Senhor sempre opera. Em 1 Pedro 1 o
Senhor diz que a herança está guardada para nós e que nós somos
guardados para a herança. Mas, como o Senhor nos conduz até ao
ponto em que possamos tomar posse dessa herança? Não
prendendo-nos em uma gaiola, a fim de que nada possa nos atingir
e que também não possamos fugir. Ele o faz de uma maneira moral,
fortalecendo a nossa fé, de modo que na fé recebamos a força para
vencer as dificuldades, chegando assim à terra. É isso que o Senhor
apresenta aqui neste trecho. Quando o povo está desanimado,
depois de haverem notado que não tem força para entrar na terra
por lhes faltar fé — e após Deus haver dito: ‘Não posso ajudar a
incredulidade; Eu tenho que julgar a incredulidade. Ninguém dessa
geração de incredulidade entrará na terra, somente vossos filhos, a
geração da fé, entrarão nela’ — Deus apresenta esta terra diante de
nós, de modo que vejamos quão maravilhoso é habitar nela e qual
será o objeto da nossa alegria e gozo. Este objeto, que será a
alegria dos nossos corações quando tivermos chegado à terra, é
aquilo que necessitamos para fortalecer a nossa fé no deserto. A
que se deve que a nossa fé muitas vezes é tão fraca? A única razão
para isso é que os nossos olhares não estão voltados para o Senhor
e para o Pai. Só quando olhamos para o Senhor Jesus e para o Pai
é que nossa fé é fortalecida. Eu não tenho fé em mim mesmo.
Somente tenho fé na medida em que meu olhar está voltado para o
Senhor. Então meu coração é preenchido com Sua delícia, com Sua
força. Assim, percebo o quanto tudo é perfeito, e isso enche meu
coração; e logo meu coração está convicto de que o Senhor está
acima de tudo. Então realmente a fé é forte, mais forte do que todas
as dificuldades que possa haver no deserto. Ao mesmo tempo, isso
dá alegria ao coração, e então podemos perceber a maravilhosa
ordem da Palavra de Deus — por que este capítulo se encontra
exatamente aqui. Deus volta os olhos do povo para a imutabilidade
das Suas promessas e, ao mesmo tempo, lhes dá aquilo que os
capacita moralmente a alcançarem o destino final, lhes fortalecendo
a fé.
Porventura não necessitamos sempre disso, cada um de nós
que nos encontramos no deserto, onde, como certo poeta disse:
‘Não há nada além de um deserto, lugar ermo, onde habita a aridez,
um mar de areia onde não há praia, nem frutas nem fontes que
recompensem o peregrino’? Como poderíamos atravessar esse
lugar e chegar ao destino?
Lemos aqui: “Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando
entrardes na terra das vossas habitações...”. Não é isto um consolo
para os nossos corações nos momentos em que só vemos a nós
mesmos e as dificuldades no caminho? Certa vez, em uma
conversa com irmãos, dizíamos que quando chegamos a conhecer
a nós mesmos na luz de Deus, clamamos: ‘Oh Deus, guarda-me,
porque se Tu não me guardares, não sei o que farei amanhã’. Então
percebemos nossa total impotência para vencer as dificuldades e
nos perguntamos como chegaremos ao destino. Por isso, quão
maravilhoso é ouvir a voz do Pai, a voz do Senhor Jesus, dizendo:
“...cada um deles em Sião aparece perante Deus” (Salmo 84:7), e
aqui: “Quando entrardes na terra das vossas habitações...”.
Realmente é o que também encontramos constantemente no
Novo Testamento. Temos cartas no Novo Testamento que
poderíamos chamar de cartas do deserto, como as cartas aos
Coríntios, a carta aos Hebreus, e outras, nas quais é apresentada a
nossa responsabilidade e nos é dito: ‘Se dizeis que sois cristãos,
então tendes por obrigação manifestar-vos como tais e andar o
caminho que convém a um cristão’. Esta é a nossa
responsabilidade. Em 1 Coríntios 9 lemos, que o apóstolo diz que
ele está lutando para que, tendo pregado a outros, não venha a ser
ele mesmo reprovado; com isso, com certeza ele quer dizer que:
para que ele mesmo não venha a se perder. Ele o aplica a si
mesmo, pois este é o caminho da responsabilidade. O caminho da
responsabilidade consiste em que o Senhor Jesus me tenha
colocado no caminho ao céu, e que eu professe ser um cidadão do
céu e que ande neste caminho. Se eu não realizo isto na prática,
então não estou no caminho ao céu. Quero explicar isto mediante
um exemplo. Se eu vivo no pecado, não estou no caminho ao céu,
mas no caminho para o inferno. Se vou para o mundo, então isto
não é o caminho para o céu, mas é o caminho para o inferno. Onde
se fala acerca da responsabilidade, a Palavra de Deus diz com
clareza: Se você vive no pecado, você está no caminho para o
inferno, e se você está no mundo, também.
Então nos perguntamos: ‘Será que alguma vez chegarei ao
destino?’. Vemos, porém, outras passagens que falam acerca da
graça do Senhor e da graça de Deus, dos Seus decretos, Seus
pensamentos cheios de amor. O Senhor também diz: “ninguém as
arrebatará da minha mão... e ninguém pode arrebatá-las da mão do
meu Pai” (João 10:28-29). Quando você se desesperar olhando para
si mesmo, então o Senhor Jesus diz: ‘Fique calmo, Eu cuidarei para
que você chegue ao destino’. A Palavra de Deus nos mostra esses
dois aspectos, e ambos são importantes. Quando vemos quem nós
mesmos somos, e percebemos que não somos capazes de nos
guardarmos a nós mesmos e não sabemos como chegaremos ao
destino, então o Senhor diz: ‘Eu cuidarei disso’. Porém, quando
dizemos: ‘Estamos seguros, andaremos nesse caminho’; o Senhor
diz: ‘Seja cauteloso! Acaso você é mais forte que todas as
dificuldades, os inimigos e os empecilhos que há pelo caminho? Se
você disser que é forte, então terá que demonstrá-lo’. É isso que
temos aqui neste trecho. Quanto mais perto do Pai e do Senhor
Jesus formos levados, tanto mais Deus precisa julgar o que é carnal
em nossos corações e em nossas vidas. “Porque [também] o nosso
Deus é um fogo consumidor”, diz Hebreus 12:29 — não somente
para incrédulos, mas também com relação a nós. “Serei santificado
naqueles que se chegarem a mim” (Levítico 10:3). Este é um aspecto
muito sério. Então, quando vemos a graça e as bênçãos infindáveis
que temos recebido, isto não deve nos deixar indiferentes. A
doutrina que afirma que um filho de Deus jamais pode se perder —
e é verdade, pois pode alguém arrebatar-me da mão do Pai? —
jamais deve deixar-me indiferente, chegando a dizer: ‘Portanto não
é importante como eu vivo, que caminho ando; não é importante que
eu seja obediente ao Senhor e se ando no caminho da separação,
pois de qualquer maneira chegarei ao céu’. Temos também o outro
aspecto: a Palavra de Deus diz: ‘Se você anda no caminho da
desobediência, você se encontra no caminho para o inferno’. Pense
nisso! Se você professa ser um cristão, então o único meio de
provar isso é com a sua conduta. Você diz: ‘Eu tenho fé’. “...mostra-
me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas
minhas obras” (Tiago 2:18); o Senhor também diz isso. Mas, quando
o nosso coração também viu que “o nosso Deus é um fogo
consumidor” e que não pode tolerar algo em nossos corações e em
nossas vidas que esteja baseado na incredulidade ou indiferença,
então, humilhado pergunto: ‘Como poderei chegar ao destino?
Como posso ficar guardado em comunhão com o Senhor, no Seu
caminho, aquele caminho que Ele anda adiante de nós?’. Então o
Senhor diz: ‘Eu cuidarei para que você chegue ao destino! Ninguém
te pode arrebatar da minha mão. Eu te mostrarei o caminho e
estarei contigo’. Então Ele dirige os nossos olhares para o destino
final, um destino que será de todo crente quando estivermos com o
Senhor. Porém, Ele o apresenta diante dos nossos olhos para que,
pela fé, possamos tomar posse dele desde já e, por meio disso,
recebamos a força de que necessitamos para a jornada pelo
deserto, e que a nossa fé seja fortalecida, de modo que possamos
vencer as dificuldades.
E como isso acontece? Aqui o temos: “Quando entrardes na
terra das vossas habitações...”. Deus, portanto, diz: ‘Vós chegareis
ao destino, Eu cuido disso’. Que consolo maravilhoso isto é quando
nos vemos a nós mesmos na nossa própria fraqueza e quando
clamamos à semelhança daquele homem do qual a Bíblia nos
relata: “Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade” (Marcos 9:24).
Que consolo maravilhoso quando o Senhor diz: ‘Você chegará ao
destino’.
E não somente isso; quando você tiver chegado e tiver no
coração o desejo de trazer-Me uma oferta, “e ao SENHOR fizerdes
oferta queimada, holocausto, ou sacrifício, para cumprir um voto, ou
em oferta voluntária, ou nas vossas solenidades, para fazerdes ao
SENHOR um cheiro suave...” (cp. 15:3). Este é o destino final da
nossa jornada pelo deserto. O Senhor diz: ‘Chegareis ao destino. O
que fareis lá depois de haver atravessado todo o deserto? Tereis a
necessidade de trazer uma oferta ao SENHOR, preparar-Lhe um
aroma agradável; em outras palavras: haverá gratidão e admiração
nos vossos corações por Aquele que vos conduziu através do
deserto, para estardes com Ele’.
Porém, essa gratidão não está sempre nos nossos corações.
O que Hebreus 12 fala a respeito da disciplina, que no momento não
parece ser motivo de alegria, creio que todos já conhecemos por
experiência. As circunstâncias que estão associadas a um caminho
de separação, a um caminho através do deserto, em si não são
motivo de alegria enquanto não vemos a realidade que está por trás,
que um dia iremos ver de forma perfeita, quando manifestos perante
o tribunal de Cristo.
Não é fácil quando, por exemplo, um pai de família, que
precisa ganhar o pão para sustentá-la, adoece — desconsiderando
que talvez ele receba uma pensão — e repentinamente tenha de
prescindir daquilo que era o sustento de toda a família, de modo que
não tenha mais nada em que possa confiar. Não é fácil quando
alguém adoece ou enfraquece, a ponto de não ter mais forças. Não
é fácil também enfrentar outras dificuldades diante das quais nos
sentimos incapazes de vencê-las. Porém, quando levamos em
consideração que todas as coisas estão na mão do Senhor, que
nenhum cabelo cai da nossa cabeça sem a vontade do Pai, então
podemos entender que Deus quer alcançar um objetivo, um objetivo
maravilhoso; Ele quer nos instruir e quer fortalecer a nossa fé.
Nossa fé é a confiança nEle. Tirando de nós todos os próprios
recursos, Ele quer nos mostrar que é suficiente em todas as
circunstâncias, e que pode conduzir-nos através de todas elas. A
experiência nos conduz a aprendermos isso e poder confiar cada
vez mais nEle. Romanos 5, a partir do versículo 3, nos ensina isso.
Há alguns anos, fiquei muito impressionado ao ouvir o que
alguns irmãos dos Estados Unidos falaram a respeito de um irmão
já idoso, que hoje está com o Senhor. Era um tempo difícil, depois
de 1929. Os mais velhos entre nós devem recordar esse tempo. Nos
Estados Unidos essa crise foi muito pior do que nos demais países.
Imperava o desemprego, centenas faziam fila para receber algum
alimento. Este irmão tinha uma família numerosa com crianças
pequenas. Seus filhos me contaram: ‘Sempre que havia uma nova
dificuldade e nós não tínhamos nada, o pai nunca se desesperava, e
jamais se perguntava: Será que o Senhor irá nos ajudar? Ao
contrário, ele dizia: Estou ansioso para ver de que maneira o Senhor
nos há de ajudar desta vez. Cada vez Ele ajuda de maneira
diferente, como será que o fará agora?’. Para esse irmão era lógico:
quando os recursos humanos falham, então a fé é fortalecida. Ele
sabia: o Senhor nos há de socorrer, e Ele é suficiente em qualquer
situação. E é exatamente esse objetivo que o Senhor quer
conseguir por meio da disciplina e dos exercícios em nossas vidas:
fortalecer a nossa fé.
Certa vez conversei com uma moça que se enamorou de um
jovem incrédulo. Ela havia ido longe demais. Se ela tivesse feito o
que Jó disse, isso não teria acontecido. Jó escreve: “Fiz aliança com
os meus olhos” (cp. 31:1). Seus olhos não olhavam para lugares
onde houvesse perigo. Se todo jovem e toda jovem procedessem
assim, nunca correriam o risco de se apaixonarem por um incrédulo.
Ela, porém, o havia feito, e era claro para ela que não poderia casar-
se com aquele jovem. Não foi nada fácil para ela tomar esta
decisão.
Nessas situações surge a pergunta: Será que o Senhor é
suficiente nessas circunstâncias? O que vale mais para nós? O
Senhor é mais para nós? Ele é tudo para nós? Ele é suficiente e
capaz de aquietar o meu coração, dar-me alegria nas situações em
que abro mão de algo importante, algo no qual meu coração se
apegou? Se conhecermos o caminho do Senhor, então aprendemos
que Ele é suficiente. Virá o momento em que teremos que abrir mão
de tudo. Se o Senhor vier agora, teremos de deixar tudo para trás:
nossas casas ficam aqui; o que temos nelas também fica; nossos
negócios e os nossos trabalhos ficam para trás — tudo o que é do
nosso interesse fica aqui. Até mesmo a relação entre pais e filhos,
bem como entre marido e mulher será diferente. Mas nós pensamos
que quando estivermos com o Senhor lamentaremos a perda de
tudo isso? Acaso pensamos que nossos corações não possam ser
plenamente felizes no céu, com o Senhor, por havermos deixado
tudo isso para trás? Todos sabemos que não havemos de lamentar,
ninguém duvida que nossos corações serão felizes junto a Ele. Não
sentiremos falta de nada que tivermos deixado para trás, pois com
Ele tudo é tão glorioso que nossos corações estarão transbordantes,
e na Sua presença teremos somente delícias e alegria.
É isso que o Senhor nos mostra aqui em Números 15:2.
Quando no final da nossa jornada através do deserto chegarmos à
terra, então entenderemos tudo o que agora não entendemos. O
resultado será: admiração, gratidão ao Senhor Jesus e ao Pai, e o
profundo desejo de trazer a Ele uma oferta e de preparar-Lhe um
aroma agradável. Agora não entendemos tudo, mas Deus nos diz o
que será o resultado final da nossa experiência. Não é isto um
encorajamento para nossos corações? Mesmo que ainda não
vejamos este resultado, isso há de nos conduzir a que O
glorifiquemos e a agradecer-Lhe, mesmo por aquilo que agora é tão
difícil para nós. Não é isto um encorajamento para os nossos
corações?
Esse é o segundo aspecto. Portanto, primeiramente temos a
certeza de que o Senhor nos levará ao destino. O segundo aspecto
é que todas as dificuldades com que nos defrontamos na jornada
pelo deserto são apenas meios na mão do Senhor para nossa
disciplina. Com que objetivo? Para fortalecer a nossa fé, para que
esperemos tudo somente dEle e confiemos completamente nEle. E
ao confiarmos plenamente nEle, saberemos que Ele é capaz de
conduzir-nos através de todas as circunstâncias, e não apenas isso,
mas que também é capaz de fazer os nossos corações felizes,
assim como será quando estivermos no fim da nossa jornada e
fizermos uma retrospectiva de toda a viagem, podendo ver as
razões que havia por trás de cada uma das situações.
Mas mesmo que aqui se trate de ofertas voluntárias, não
obrigatórias, ainda assim vemos prescrições importantes no que diz
respeito a esses sacrifícios. Temos visto que havia diversas
espécies de sacrifícios que, aliás, já conhecemos. Ao lermos
Levítico 1, referente ao holocausto, encontramos primeiramente um
novilho. Deus espera de todo crente que tenha se ocupado tanto
com o Senhor quanto com Sua obra, na qualidade de holocausto,
que possa trazer um touro, um novilho. Porém, quando o crente não
possui tanto, por ser demasiado pobre, então Deus diz: ‘Também
podeis ofertar-Me do gado miúdo, um cordeiro ou um cabrito. Mas,
se também para isso sois pobre demais, então podeis trazer duas
rolas ou uma pomba — contanto que fale do Senhor’.
Aqui a sequência é invertida. O primeiro sacrifício que é
oferecido é uma ovelha, não um novilho. Que pensamento
maravilhoso! Trata-se aqui da terra de Canaã, portanto, daquilo que
traremos quando tivermos chegado ao fim da jornada. A terra de
Canaã é uma figura do céu, de que pela fé podemos tomar posse
desde já. Para Israel significava que haviam chegado ao fim da
jornada pelo deserto. Nós, já agora, somos transportados para os
lugares celestiais em Cristo; mas até para aquele que aqui na terra
nunca tornou isso uma realidade, virá o tempo em que ele realmente
estará lá. Notamos então o maravilhoso disso, isto é, que haverá um
aumento no conhecimento do Senhor, do qual essas ofertas falam.
No capítulo 29 de Números vemos, em figura, o reino milenar,
e ali encontramos exatamente o contrário. Vemos que no reino
milenar as ofertas diminuem, de maneira que no final são menores
do que no começo. Nisso vemos a nossa prática. Acaso não há
crentes que vieram de outros meios e que realmente
compreenderam os pensamentos de Deus a respeito da reunião em
torno do Senhor, mas cuja alegria diminuiu no decorrer de alguns
anos? Porventura a minha alegria acerca da maravilhosa verdade
da reunião dos crentes ao nome do Senhor, onde Ele está no meio,
ainda é tão preciosa para o meu coração quanto o foi outrora,
quando os meus olhos foram abertos para essa verdade? Alguns de
nós — Deus conceda que não sejam muitos — dirão: ‘Não, não há
mais aquele frescor, aquela força robusta em meu coração’. Assim
será no reino milenar, conforme lemos no capítulo 29.
Mas, quando estivermos no céu — como já dissemos, nós
podemos tomar posse do céu, pela fé; porém, para todos os
crentes, será plena realidade quando chegarmos ao fim da jornada
pelo deserto — haverá um aumento naquilo que podemos oferecer
a Deus. Se o nosso coração tiver o desejo de ofertar-Lhe um aroma
agradável, começaremos com aquilo que está ao nosso alcance.
Mas se tornará cada vez maior: primeiramente um cordeiro, depois
um carneiro e então, um novilho. Nossas ofertas, que ofereceremos
no céu, aumentarão constantemente, pois veremos cada vez mais
da glória da obra do Senhor Jesus, tal como ela é representada no
holocausto e também na oferta de manjares. Que pensamento
maravilhoso!
Mas isso não é tudo. Depois Deus diz o que estará associado
a isso. Se alguém trouxer um cordeiro “então aquele que apresentar
a sua oferta ao SENHOR, por oferta de alimentos trará uma décima
de flor de farinha misturada com a quarta parte de um him de azeite.
E de vinho para libação prepararás a quarta parte de um him, para
holocausto, ou para sacrifício para cada cordeiro” (vv. 4-5).
Portanto, em primeiro lugar, estará associada a uma oferta de
alimentos. Ora, sabemos que o holocausto fala da obra do Senhor
Jesus na cruz, não no que se refere aos resultados para nós, mas
em como Deus foi glorificado nele. Por essa razão, o holocausto é o
sacrifício mais sublime. Muitas vezes estamos propensos a ocupar-
nos com um sacrifício pelo pecado, isto é, com aquilo que a obra do
Senhor Jesus significou em relação aos nossos pecados. Porém,
um sacrifício pelo pecado jamais podia ser oferecido a Deus por
oferta de aroma agradável. É notável que o altar não é chamado de
altar do sacrifício pelo pecado, mas de altar do holocausto. É do
nosso conhecimento que o altar, nas figuras da Escritura, é mais
importante do que a oferta. O próprio Senhor disse, em Mateus
23:19, que a oferta é santificada pelo altar. O altar também fala do
Senhor Jesus, mas — por mais estranho que isso nos possa
parecer — segundo as palavras do Senhor Jesus, o altar é até uma
figura mais sublime do Senhor Jesus do que o holocausto. Porém,
um sacrifício pelo pecado jamais era oferecido sobre o altar. Era
queimado no chão, fora do arraial, e nunca é chamado de oferta
para aroma agradável. O sacrifício pelo pecado era necessário,
mas, como tal, o Senhor Jesus não era um aroma agradável a
Deus. Quando o Senhor Jesus foi feito pecado por nós e carregou
os meus pecados, Deus escondeu dEle o Seu rosto, e o Senhor
Jesus exclamou: “...por que me desamparaste?” (Salmo 22:1).
Deus odeia pecado, e teve que desviar a Sua face do Senhor
quando Este foi feito pecado, e teve que feri-Lo, de modo que o
Senhor teve que exclamar: “e me puseste no pó da morte” (Salmo
22:15). Isso não foi um aroma agradável para Deus. É verdade que
ao mesmo tempo Ele era o holocausto, como Aquele que foi
voluntariamente à cruz para consumar essa obra; e que disse: “Eis
que venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hebreus 10:7) — sim,
Sua obediência foi um aroma agradável a Deus. A maneira como o
Senhor Jesus realizou a obra e como revelou a Deus no mesmo
instante em que foi ferido por Ele, isto foi agradável para Deus. Isso,
porém, era o holocausto. Um sacrifício pelo pecado jamais é
apresentado para aroma agradável, embora os nossos corações
geralmente se ocupem mais com este sacrifício, por ser a base na
qual temos escapado do juízo de Deus.
O holocausto — aquilo que esta obra significa para Deus — é
o aspecto mais sublime da obra do Senhor na cruz, de modo que
nem sequer o sacerdote podia comer dele. O holocausto era
exclusivamente para Deus e elevado demais para o homem. É certo
que Deus quer recebê-lo da nossa mão, mas é somente para Ele,
um aroma agradável. Então Deus diz que algo devia acompanhar o
holocausto. E o que era? Uma oferta de manjares com a décima
parte de um efa de flor de farinha, misturada com a quarta parte de
um him de azeite. Estamos lembrados de que a oferta de alimentos
fala da vida do Senhor Jesus como homem na terra, como o fruto da
terra. Isto significa — quero dizê-lo com reverência — o caráter
moral do Senhor Jesus, não tanto aquilo que Ele fez, mas aquilo
que Ele era, que, no entanto, se evidenciou em todo o Seu
comportamento, nos Seus atos, palavras e modo de pensar.
Portanto, não fala da Sua obra, mas daquilo que Ele é
pessoalmente. O Senhor Jesus só pôde ser o holocausto porque era
a oferta de manjares. Ele somente podia fazer esta obra
maravilhosa por ser uma Pessoa tão maravilhosa, por ser,
pessoalmente, tão glorioso que o Pai pôde dizer a respeito dEle:
“...em quem me comprazo” (Mateus 17:5). O Pai deseja que os
nossos corações se ocupem com essa Pessoa e que não parem
apenas na Sua obra na cruz — por mais maravilhosa que esta seja
— e nem no caráter do holocausto, o mais sublime que existe, mas
que prossigam até à glória da Pessoa que realizou essa obra. E
quando realmente adentramos na glória do holocausto, isto é, aquilo
que a obra do Senhor Jesus significou para Deus e quanto Ele
glorificou a Deus nela, então, sem dúvida, nossos corações
perceberão algo da glória dessa Pessoa; pois somente uma Pessoa
maravilhosa era capaz de consumar uma obra tão maravilhosa.
Porém, a seguir encontramos um pensamento que é muito
precioso para nós. Quem trouxesse um cordeiro, só podia trazer
uma oferta de alimentos de um décimo de flor de farinha. Mesmo
quando estivermos no céu, não devemos imaginar que iremos
perscrutar a glória da Pessoa do Senhor Jesus, ou seja, a Sua glória
pessoal. A glória da Sua Pessoa é tão sublime que, na eternidade, o
coração do Pai estava cheio de delícias quanto à glória do Seu
Filho. Os nossos corações são pequenos demais para absorver tudo
isso. Vemos isto nas palavras: “uma décima de flor de farinha”.
Inicialmente, nós veremos apenas dez por cento da Sua glória. Isto,
com efeito, podemos compreender. Quando começamos a nos
ocupar com a glória da Sua pessoa — como já disse, não me refiro
agora à Sua obra, mas à Sua pessoa — então podemos estar certos
de que estudaremos toda a nossa vida sem jamais chegar ao fim,
pois sempre descobriremos novos tesouros, novas belezas e novas
graças nEle. Veremos que, mesmo no céu, haverá aumento. Porém,
jamais chegaremos ao fim, jamais poderemos oferecer uma oferta
de manjares de dez décimos; para tanto, a Sua glória é sublime
demais. Toda a eternidade não será suficiente para sondar esta
glória. Na eternidade iremos perceber coisas novas constantemente,
cada vez mais coisas belas, cada vez mais preciosidades inerentes
à Sua Pessoa. Que maravilhoso é sabermos isso e, mediante a
Palavra de Deus, dirigir os nossos olhares e os nossos corações
para a magnificência da glória da Sua Pessoa! Mesmo no céu nunca
chegaremos ao ponto de poder dizer: ‘Agora temos visto tudo’.
Assim, encontramos em Apocalipse 5:14 que, depois dos anciãos
terem cantado o novo cântico e tocado suas harpas, por fim, não
acharam mais palavras. Nem mesmo a sua linguagem celestial e
sua boca perfeita eram capazes de expressar a glória que estão
contemplando. Prostram-se e adoram, em silêncio, sem palavras.
Isso acontece no céu, depois de serem glorificados. Tão grande se
tornou a glória do Senhor Jesus para eles; tão cheios estão os seus
corações. Não é este um pensamento precioso?
Mas então veremos mais nitidamente como Ele realmente foi
concebido do Espírito Santo e como tudo na Sua vida era do
Espírito Santo. Aqui, em nosso trecho, temos a flor de farinha com
um quarto de him de azeite.
Depois lemos: “E de vinho para libação prepararás a quarta
parte de um him” (v. 5). O vinho alegra o coração de Deus e dos
homens (Juízes 9:13). Então não é possível que eu fale do Senhor
com coração agradecido, porém sem alegria. Assim, o vinho estará
presente, e então os nossos corações estarão felizes e alegres ao
trazermos essas ofertas, porque os nossos corações estão cheios
de gozo por vermos essa glória. É impossível trazer uma oferta sem
o vinho. Isto pode até ser possível aqui, na terra, mas no céu não o
será. Que fato maravilhoso!
Não é este um alvo que nos atrai, encorajando-nos a
trilharmos o caminho pelo deserto para alcançarmos este destino e
para tomarmos posse dele já aqui, pela fé, de modo que desde já
ele seja a nossa porção, conforme o vemos neste capítulo?
Então haverá crescimento, visto que não é possível ocupar-
se com o Senhor sem se tornar cada vez mais rico. Quanto mais me
ocupo com Ele, tanto mais percebo da Sua glória. Aqui se trata
primeiramente de um holocausto; e se a princípio posso trazer um
cordeiro — um pensamento maravilhoso, que até no céu será assim
— então mais tarde posso ofertar um carneiro, um animal mais forte,
que trilha o seu caminho em vigor varonil. Então vejo que está
associado a isso um maior conhecimento, também quanto à Pessoa
do Senhor Jesus. No sacrifício de um carneiro, a oferta de manjares
devia consistir de duas décimas de flor de farinha; no caso de um
cordeiro, a oferta de manjares consistia de uma décima de flor de
farinha. Quanto mais nos ocuparmos com a maravilhosa glória da
obra do Senhor Jesus — repito, não se trata aqui do sacrifício pelo
pecado, mas do holocausto, isto é, daquilo que a obra significa para
Deus —, tanto mais perceberemos a glória desta Pessoa e seremos
capazes de oferecer, com um carneiro, duas décimas de flor de
farinha. Juntamente com isso, era trazido uma terça parte de um
him de azeite. E também lemos: “E de vinho para a libação
oferecerás a terça parte de um him ao SENHOR”, não a quarta parte,
como no caso de um cordeiro.
Certa vez, alguém me perguntou: ‘Não é tedioso ter todo
domingo o mesmo culto? Vocês cantam os mesmos hinos, leem os
mesmos trechos da Bíblia, sempre fazem a mesma coisa. Isso não
se torna monótono?’. Verdadeiros crentes, dispersos em diferentes
grupos, às vezes dizem: ‘É muito celebrar a ceia todo domingo.
Assim, isso se torna apenas um costume, onde se perde o seu valor
para os corações’. Nenhum de nós dirá que não existe este perigo.
Porém, aqui vemos que, se alguém realmente se ocupa com
o Senhor e realmente traz ofertas, quanto mais rico se torna
mediante a contemplação da glória da obra e da Pessoa do Senhor
Jesus, tanto maior se torna seu gozo.
Agora é um terço de um him, portanto, mais que um quarto.
Essa é a experiência de cada um de nós, que se ocupou com o
Senhor. Quanto mais alguém se ocupa com Ele, quanto mais
alguém enche o seu coração com a Sua glória, com a glória da Sua
obra e com a glória da Sua Pessoa, tanto maior se torna o gozo do
seu coração ao apresentar a Deus a sua oferta, conforme temos
visto aqui no holocausto. Isso também será assim no céu, não como
no reino milenar, onde no final a gratidão e a alegria serão menores
que no começo. No céu, a nossa gratidão, a nossa alegria e a nossa
riqueza serão cada vez maiores. Nós diríamos que, em Apocalipse
5, a alegria deveria estar completa, ao vermos ali os anciãos. No
entanto não é assim; o gozo se tornará cada vez maior. Poderíamos
dizer: ‘Quando um copo está bem cheio, nada mais cabe nele’;
porém, no céu isso acontecerá. Ali, a alegria se tornará cada vez
maior.
Quem realmente já se ocupou com o Senhor Jesus na Sua
obra e Sua Pessoa sabe, por experiência, que no início pensava
que não era possível tornar-se mais feliz, contudo, mais tarde
percebemos que sim, podemos ser mais felizes. Nossa alegria pode
aumentar quanto mais nos ocuparmos com Ele.
Depois, temos o terceiro caso: “Quando preparares novilho
para holocausto ou sacrifício, para cumprir um voto, ou um sacrifício
pacífico ao SENHOR” (v.8). Este é um pensamento novo. Sabemos
que o sacrifício pacífico fala da comunhão, da base da comunhão
com o Pai e com o Filho. Quando somos tão ricos que podemos
oferecer um novilho, então é introduzido o pensamento de que nisso
temos verdadeira comunhão com o Pai, que é o único que conhece
plenamente a glória da obra do Senhor Jesus e a glória do Filho. E,
quanto mais compreendemos disso, tanto mais podemos ter
comunhão com o Pai. Porém, se podemos trazer um novilho —
quando temos nos ocupado muito com o Senhor, tendo lido a
Palavra sob oração, para conhecer a glória da Sua obra e da Sua
Pessoa, para acolhê-la em nossos corações, de modo que estes
fiquem cheios das riquezas, para que assim possamos trazer um
novilho — então o resultado será que também poderemos oferecer
três décimas de flor de farinha. Que a Pessoa do Senhor se torne
cada vez maior para nós e que percebamos cada vez mais da glória
da Sua Pessoa! Prosseguindo: “E de vinho para a libação
oferecerás a metade de um him” (v. 10) — não apenas a quarta
parte, mas a metade, o dobro. Isso ainda não é a perfeição, mas
pelo menos a metade de um him pode ser trazido. Vemos assim
como progredimos.
É maravilhoso ver qual será a nossa parte no futuro, quando
o Pai, o Senhor, nos tiver introduzido na terra que nos prometeu. É
maravilhoso podermos ouvir isso no momento em que olhamos para
nós mesmos e gememos: ‘Como chegaremos ao destino? Os
perigos são tão grandes. Obstáculos intransponíveis, filhos de
Anaque; há gigantes que nos afrontam. As muralhas das cidades
que devemos tomar alcançam o céu — o que nós podemos fazer
diante de tudo isso?’. Quão bom notarmos então que todos esses
obstáculos somente estão aí para que os vençamos com Deus; Ele
quer nos dar a vitória e fortalecer a nossa fé, e chegaremos ao
destino. Ele, o próprio Senhor, nos introduzirá. Então a nossa
ocupação será agradecer e oferecer a Ele um aroma agradável,
visto que então faremos uma retrospectiva de toda a nossa jornada
e veremos tudo aquilo que agora está oculto aos nossos corações.
Também veremos qual será o resultado: perceberemos cada vez
mais da glória da obra do Senhor Jesus e cada vez mais da glória
da Sua Pessoa, e ofereceremos isso ao Pai como oferta, mediante o
qual, nosso gozo se tornará cada vez maior.
Por que isso nos é comunicado aqui? Para que já aqui, no
deserto, o saibamos, e possamos tomar posse disso pela fé. Acaso
não é evidente que é justamente o que nos falta, ou melhor, aquilo
que necessitamos é o que justamente nos dá força: nos ocuparmos
com o Senhor, com a preciosidade da Sua obra e da Sua Pessoa? É
isso que deixa os nossos corações felizes, é o que nos dá alegria.
Acaso não é o que nos dá força para superarmos as dificuldades e
para andarmos o nosso caminho a sós com o Senhor? “A alegria do
SENHOR é a vossa força” (Neemias 8:10), diz a Palavra de Deus. É
realmente bom que estejamos conscientes de que não somos
capazes de nada, que não temos nenhuma força. Isso, porém, não
nos dá alegria, força e vigor. Nós somente temos alegria quando
estamos ocupados com Ele, quando nos excluímos a nós mesmos,
não pensando naquilo que nós temos recebido mediante a obra do
Senhor Jesus, mas naquilo que Deus recebeu. E assim, quando
chegamos a conhecer melhor a preciosidade da Sua obra e da Sua
Pessoa, do modo como está apresentada na oferta de alimentos,
então o gozo aumenta cada vez mais, de modo que podemos
afirmar sinceramente que para nós tudo perdeu o seu brilho, e que
não há mais nada que tenha valor para nós, mas somente a Pessoa
maravilhosa do Senhor e a Sua obra.
Ora, se isto é real em nossas vidas, então já temos a vitória
sobre todas as coisas aqui na terra. Se tudo na terra perdeu o seu
brilho, se nossos corações estão cheios dEle, então temos fé, e
nada pode desviar-nos do Senhor enquanto nossos olhos estiverem
fixos nEle. E então pode ser também, e de fato é, que nossa carne
continua a mesma e constantemente se rebela contra a autoridade
do Senhor, assim como vemos na revolta de Coré, Datã e Abirão
contra a autoridade de Moisés e o sacerdócio de Arão, pois a nossa
carne não melhora. Mas, quando o nosso olhar é novamente dirigido
para o Senhor, então os nossos corações se enchem dEle outra
vez. E assim, até mesmo as experiências provenientes das
manifestações da carne nos levarão para mais perto do Senhor e
nos darão mais conhecimento da Sua glória; então veremos cada
vez mais a Sua graça, o quanto Ele cuida de nós e como nos traz
constantemente de volta quando nos desviamos, e quão perfeita é a
Sua obra, que, apesar do nosso deslize, a relação entre Ele e nós
foi apenas turbada, mas não terminada.
Sim, realmente é assim como cantamos: ‘O Senhor nos dá
aquilo de que necessitamos. Deus mesmo quer indicar-nos o
caminho, Sua luz ilumina os meus passos. Eu ando com Ele, e Ele
anda comigo’. Também: ‘Sua rica bênção verte ocultamente’, isto é,
nós não o vemos, mas sabemos que, por trás de tudo, está oculta a
bênção. E nós chegaremos à habitação de Canaã, tão
ardentemente desejada!
O Sacrifício da Novilha Vermelha

Leia Números 19

Frequentemente surge a pergunta do por que este capítulo


não se encontra em Levítico, onde se acham quase todos os
sacrifícios. Por isso não é de se admirar que críticos incrédulos
afirmam que este capítulo se encontra no lugar errado. Nós, que
sabemos que a Bíblia é a perfeita e inspirada Palavra de Deus,
entendemos, com base neste fato, que deve existir um motivo
divinamente sábio, que colocou este capítulo nesse contexto. Se
conhecermos o caráter e o significado espiritual do livro de
Números, o motivo se torna evidente. Então nós admiramos a
sabedoria dAquele que o colocou neste lugar.
O grande assunto de Levítico é o acesso a Deus no
santuário. Ali a tenda da congregação está em primeiro plano. A
partir dela Deus dava a Moisés, e às vezes também a Arão, as Suas
comunicações e ordenanças. Todas as ofertas descritas nesse livro
estão associadas a esse tema e por isso portam determinadas
características. Em Números, a tenda é, na verdade, mencionada,
mas não é especificamente o objeto. O tema de Números é a
marcha do povo de Israel pelo deserto. Como quase tudo no Antigo
Testamento, esta marcha e suas particularidades também são
exemplos para nós, conforme 1 Coríntios 10:11 diz explicitamente.
Esta jornada inicia no Sinai — onde o povo é oficialmente
vinculado com Deus — e leva à terra prometida, que é uma figura
dos lugares celestiais de Efésios. O deserto, que o povo atravessou,
é uma figura do mundo, o qual também nós temos que atravessar
enquanto estivermos aqui na terra. É um mundo no qual o nosso
Senhor e Salvador somente encontrou uma cruz e um sepulcro, e
onde nós, que somos unificados com Ele, também não encontramos
algo diferente. Porém, temos que lembrar que virá o tempo em que
a terra não terá mais este caráter, a saber, quando o Senhor Jesus,
em Seu reinado, irá dominar sobre a terra. Em alguns trechos de
Números, necessariamente, devemos levar isso em consideração.
Contudo, para nós, a terra é de fato um verdadeiro deserto, no qual
a fé nada pode encontrar.
No deserto, o povo de Israel é colocado à prova por meio das
dificuldades e provações com que se defronta. Por meio disso
também se manifesta se há verdadeira vida de Deus ou se apenas
existe uma confissão vazia. Isto não é, no entanto, o objetivo real da
provação, mas é para provar aqueles que possuem vida de Deus,
para que se torne manifesto até que ponto sua vida prática é a
representação da nova vida, que receberam na regeneração, ou da
carne. Outro objetivo é mostrar-nos, na prática, aquilo que diz em
Romanos 7: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne,
não habita bem algum” (v. 18), e assim levar-nos a que nos
despojemos do velho homem com suas obras e nos revistamos do
novo. Isso significa que, pela fé, realizemos em nossos corações
que morremos com Cristo e que com Ele ressuscitamos (Colossenses
3:1-3; 9-10; Efésios 4:22-24).
No entanto, ao fracassarmos nessas provações (“porque
todos tropeçamos em muitas coisas” Tiago 3:2) e devido a nossa
contaminação neste mundo (que geralmente é um sinal de falta de
vigilância e sobriedade, porém, às vezes, inevitável, veja Números
31:17-24) surge a grande questão: será que a obra de expiação na
cruz é suficiente também para essas contaminações? Caso não,
não há mais salvação, ou temos que ser novamente purificados pelo
sangue, ou há outro meio para nossa purificação?
A novilha vermelha nos mostra que a obra no dia da expiação
não removeu tão absolutamente o pecado de modo que nós
possamos considerar insignificantes as nossas contaminações
cotidianas. Na verdade, jamais podemos valorizar o suficiente a
entrega do sangue de Cristo pelos nossos pecados. Por meio dele,
Cristo nos aperfeiçoou para sempre (a palavra em grego significa:
ininterruptamente), de modo que Deus não vê mais em nós pecado
algum (Hebreus 10:14-17). Mas esta graça e o conhecimento do preço
infinitamente elevado que o Senhor Jesus teve que pagar por isso,
porventura, não são a motivação mais forte para abominarmos
qualquer contaminação? Como o Pai poderia, e como poderia o
Senhor Jesus ter comunhão prática conosco se não odiarmos o
pecado assim como o Pai e o Filho o odeiam, de modo que sejamos
moralmente purificados de toda impureza prática? Para tanto Deus
deu esta ordenança especial. Na verdade, ela também está
baseada na obra de reconciliação, na cruz. Mas sangue e água
verteram do lado do Salvador já morto — o sangue aponta para o
aspecto da obra voltado para Deus, e a água para o aspecto voltado
para nós. A aspersão feita com a cinza da novilha vermelha
queimada misturada com a água viva não nos mostra o perdão por
parte de Deus, mas a purificação da impureza como resultado da
obra expiatória e, na verdade, numa maneira que é especialmente
adaptada à jornada pelo deserto.
É importante observar em que contexto se encontra este
capítulo. No capítulo 16 encontramos a rebelião de Coré, Datã e
Abirão. Embora se rebelassem contra Moisés e Arão (v. 3), sua
conduta se volta principalmente contra o sacerdócio de Arão. Deus,
porém, intervém; e como resposta à petição de Moisés (v. 15), o Seu
juízo consome não apenas os três líderes, mas também os duzentos
e cinquenta príncipes que lhes haviam seguido e que pretendiam
exercer o sacerdócio. Mas então todo o povo se revolta e murmura,
e o juízo de Deus cai sobre eles (vv. 41-50). Moisés percebe que, no
estado em que o povo se encontra, apenas o sacerdócio pode
conduzi-lo através do deserto. Somente quando Arão chega ao povo
com incenso, cessa o juízo de Deus.
Moisés é o legislador que transmite ao povo os pensamentos
e prescrições de Deus. Por conseguinte, ele é uma figura do Senhor
Jesus como o grande Mestre, o Profeta (Deuteronômio 18:15-19), e o
Apóstolo da nossa confissão (Hebreus 3:1). Ele que, sendo “a
verdade”, manifesta o verdadeiro caráter de todas as coisas e de
todo homem, pode instruir-nos quanto a relação com Deus a que
fomos trazidos e quanto às exigências que a santidade de Deus faz,
no que se refere àqueles que foram aproximados dEle. Mostra
também as consequências quando estas coisas são negligenciadas.
Mas Ele não pode desviar essas consequências, nem fazer
expiação por elas. Para isso é necessário o sacerdócio, contra o
qual se havia voltado a rebelião de Coré e do seu bando. No
capítulo 17 Deus confirma o sacerdócio de Arão, e no capítulo 18
descreve o serviço e a porção dos sacerdotes.
Mas, se o sacerdócio devia levar o povo através do deserto,
visto que Moisés e sua vara de poder não têm condições de fazê-lo,
então é necessário que se tome uma medida em relação com o
sacerdócio, mediante a qual o povo seja purificado das
contaminações da jornada pelo deserto, a fim de que sua comunhão
com Deus não cesse para sempre. É isso que nos é mostrado no
capítulo 19. O notável nisso é que, na verdade, o sacerdote realiza
um serviço, pois ele imola e queima a novilha vermelha, mas não
tem participação nenhuma quanto à purificação prática, à aspersão
da cinza e da água da purificação. Havia somente uma exigência
para a pessoa que fazia isto: devia estar limpa. Nessas prescrições
não somos vistos como família sacerdotal, mas como peregrinos
que se encontram de viagem através do deserto, rumo à terra
prometida. Este serviço também não é visto como obra do Senhor
Jesus como o Grande Sacerdote, nosso Advogado junto ao Pai,
como Aquele que lava os nossos pés (Hebreus 7:24; 1 João 2:1-2; João
13:1-11) — embora esteja estreitamente ligado a isso. É mais
precisamente a obra do Espírito Santo em nós, a providência que a
graça tomou para com peregrinos que, na jornada pelo deserto, são
contaminados, e isso como consequência da intervenção do nosso
Advogado, assim como nos é apresentado na vara viva de Arão que
simultaneamente brotou, floresceu e produziu amêndoas maduras
(cp. 17:8).
Todas as contaminações no deserto, aqui têm um
denominador comum, a saber, contato com algo que fala de morte.
O salário do pecado é a morte. Quando Adão e Eva transgrediram o
mandamento de Deus, se tornaram mortos no sentido moral; dessa
forma, todos os seus descendentes agora também estão mortos em
pecados e ofensas (Efésios 2:1,5), a menos que tenham recebido vida
de Deus mediante o novo nascimento. Adão e Eva arrastaram toda
a terra para o seu estado. Por isso o mundo está caracterizado pela
morte, tornando-se, para Deus, em um deserto. O mundo que
escolheu o diabo por seu príncipe e deus, e que não tem lugar para
o Manancial da vida (João 1:4), para Deus é um lugar em que a vida
está completamente perdida e onde o homem está entregue à ruína,
que desde a queda no pecado já caracteriza seu estado interior.
Assim, todos os que têm comunhão com Deus e Seus pensamentos
também veem o mundo como um cenário de morte, da qual
escapamos se morremos com Cristo e, do outro lado da morte, nos
tornamos participantes da vida eterna nEle. Então entendemos
também que a separação deste mundo é o pré-requisito absoluto
para uma verdadeira santidade. “A religião pura e imaculada para
com Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago 1:27).
O contexto em que se encontra este capítulo em Números
dá, à ordenança acerca da novilha vermelha, um significado
especial com vistas a nós, que vivemos nos últimos dias do
cristianismo. São os últimos dias antes da vinda de Cristo, dos quais
2 Tessalonicenses, 2 Timóteo, 2 Pedro, assim como 1 João e Judas,
falam com tanta seriedade.
A jornada no deserto inicia no capítulo 10:11, no segundo ano
após a saída do Egito. No capítulo 20, quando Miriã e Arão morrem,
já estamos no quadragésimo ano (veja cp. 33:38). Portanto, nos
capítulos 10 ao 16 temos os grandes acontecimentos que ocorreram
durante os 38 anos da viagem em si. Tudo o que é relatado nos
capítulos subsequentes de Números sucedeu no quadragésimo ano,
quando, na realidade, a jornada, propriamente dita, já havia
terminado e o povo, após as lições dos capítulos 10 ao 16, estava
prestes a entrar na terra de Canaã, a herança do SENHOR.
Nessa situação foram dadas as ordenanças de Números 19,
embora a água da purificação já fosse conhecida desde o começo
(compare Números 8:7). Portanto, embora os princípios contidos neste
capítulo sejam válidos para qualquer contaminação que resulte pelo
contato com a morte, no entanto, são aplicadas aqui à morte como o
juízo de Deus sobre aqueles que oficialmente pertenciam ao povo
de Deus, mas que tinham se desviado, conforme está descrito nos
capítulos anteriores. Na prática, um israelita dificilmente entrava em
contato com um morto das nações vizinhas. Contudo, nos casos em
que fosse inevitável, é expressamente prescrita a necessidade da
purificação por meio da água purificadora ou da separação (veja cp.
31:19-24). Mas o israelita certamente entrava em contato com mortos
do próprio povo de Deus quando, por exemplo, durante a jornada no
deserto alguém da família morria. Quantos morriam diariamente no
arraial! Durante os trinta e nove anos (depois do capítulo 10) apenas
de homens adultos morreram 603.550, sem contar os levitas
(compare Números 1:45-46; 2:32-33 com 14:29). Isso dá, em média,
pelo menos quarenta e cinco pessoas por dia; porém, havia alguns
dias que chegavam a milhares (veja cps. 11:33; 16:49)!
“E estas coisas foram-nos feitas em figuras, para que não
cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram”. “Ora, todas estas
coisas lhes sobrevieram como figuras, e estão escritas para aviso
nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos. Aquele,
pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia” (1 Coríntios 10:6,11-
12). Portanto, quão importante é examinarmos de que maneira o
povo de Deus, principalmente no fim da sua jornada pelo deserto, se
contaminou pelo contato com os mortos, para sabermos por meio do
que nós podemos nos contaminar a nós mesmos e a habitação do
Senhor.
É claro que nos trinta e oito anos de jornada pelo deserto,
aconteceu muito mais do que é relatado nos capítulos 10 ao 16.
Deus, no entanto, mandou registrar na Sua Palavra somente
aqueles acontecimentos nos quais se evidenciaram os grandes
princípios da incredulidade e do pecado do povo de Deus. Deus quis
apresentar esses acontecimentos especialmente a nós, que
vivemos nos últimos dias, como exemplos intimidadores “para que
não cobicemos as coisas más”, como lemos em 1 Coríntios 10.
Portanto, quão importante é examinarmos esses capítulos com
seriedade e cuidado, também com vistas à nossa ocupação com a
ordenança de Números 19.
No capítulo 10, a viagem começa para o povo de Deus, como
Seu testemunho neste mundo que, para a fé, é um deserto. Deus
lhes dá dois guias infalíveis: em primeiro lugar a nuvem
resplandecente, que Pedro chama de “magnífica glória” (2 Pedro
1:17), prova da presença de Deus (Êxodo 40:34-38; Números 9:15-28) e,
por conseguinte, uma figura do Espírito Santo que habita na Igreja.
A nuvem devia conduzi-los através de todo aquele deserto,
desconhecido a eles. Em segundo lugar, deu-lhes Moisés, figura do
Senhor Jesus como o Apóstolo da nossa confissão que, por meio
das trombetas de prata, lhes comunicava a Palavra de Deus,
ensinando-os como deveriam agir nas diferentes circunstâncias. Já
no início, porém, vemos que a direção do Espírito Santo e a posse
da Palavra de Deus não são suficientes para este povo de
mentalidade carnal. O povo exige conhecimento e sabedoria
humanos. No capítulo 11, o alimento espiritual do céu é desprezado
e o povo tem desejos da comida do Egito, do mundo que rejeita e
aborrece a Deus. No capítulo 12, a exclusiva autoridade de Moisés
(do Senhor Jesus) é rejeitada, e é exigida a igualdade da autoridade
divina para a palavra do povo. Nos capítulos 13 e 14, a terra da
promessa (a herança celestial da Carta aos Efésios) é desprezada,
e surge o desejo de retornar ao Egito. No capítulo 16, a autoridade e
o sacerdócio do Senhor Jesus (representados em Moisés e Arão) é
rejeitada sob o pretexto de zelar pela santidade de todo o povo.
Acaso não vemos as mesmas coisas na história da Igreja? A
direção do Espírito Santo não é permitida nem na Igreja, nem na
vida pessoal. A Palavra de Deus não é reconhecida como o único
padrão para a vida da Igreja. Os ensinos obtidos pelos
acontecimentos da história são utilizados segundo o critério humano
para a correção da Palavra de Deus. O alimento celestial foi
desdenhado a favor do alimento mundano, das coisas terrestres, o
que tem por consequência que se recusa a pisar no solo da terra
prometida (os lugares celestiais de Efésios). Assim, a autoridade
exclusiva do Senhor foi negada na prática, exigindo-se igual
autoridade para a palavra humana e que teve, por consequência,
que o ministério do Senhor, como o único Mestre e grande
Sacerdote, foi rejeitado.
Notamos isto numa forma mais amadurecida no estado atual
da cristandade. No “evangelho social” dos líderes eclesiásticos
mundiais, reencontramos todas essas coisas. Esses princípios,
porém, já penetraram também nos grupos que ainda se professam
“ortodoxos”, isto é, que defendem a inspiração e a validade da
Palavra de Deus. Que ninguém dentre nós pense que estamos
livres desses perigos.
Porventura Deus, o Espírito Santo, ainda tem plena liberdade
para operar nas nossas reuniões por meio de quem e para o que
Ele queira? Até que ponto ainda é reconhecido a exclusiva
autoridade do Senhor na Sua Igreja e sobre os Seus servos? O
maná celestial ainda é suficiente para nós ou desejamos os
alimentos do mundo e da terra (literaturas, rádio, TV, jornais,
internet)? Até que ponto as coisas espirituais nos satisfazem, e que
espaço ocupam as coisas terrenas (dinheiro, casa, vestuário, luxo,
etc.) em nossa vida prática? Será que na prática temos nos
despojado “do velho homem, que se corrompe pelas
concupiscências do engano...” e nos revestimos “do novo homem,
que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”
(Efésios 4:22-24; veja também Colossenses 3:9-11)? Nós lutamos
constantemente para tomar posse das coisas celestiais na prática e
para usufruir delas? É reconhecida entre nós a exclusiva autoridade
do Senhor e do Seu Sacerdócio, ou será que homens se apoderam
dessa autoridade sob o pretexto de estarem zelando pelo povo de
Deus? Perguntemos em todas as situações da nossa vida pessoal e
prática: ‘Senhor, o que queres que eu faça?’. Todos nós precisamos
nos colocar à luz da Palavra de Deus, para permitir que o Senhor
nos mostre o nosso estado prático. Levemos em consideração que
todos esses princípios acarretam a sentença de morte da parte de
Deus, e que qualquer contato com algo que esteja caracterizado por
esses princípios contamina a nós e também ao testemunho de Deus
neste mundo. Mas nunca nos esqueçamos de fazer uso da
maravilhosa bondade e graça do Senhor que, em Sua providência,
também nos deu um meio que pode nos purificar destas coisas.
Agradou a Deus, nestes últimos dias em que vivemos, trazer
novamente à luz a verdade referente à Sua Casa, e também sobre o
Sacerdócio que está associado a esta Casa. Mas, por mais glorioso
que seja este serviço, o princípio permanece, Deus quer ser
santificado naqueles que se achegam a Ele. Deus nos diz: “Sede
santos, porque eu sou santo” (1 Pedro 1:16). Quanto mais nos
aproximamos de Deus, tanto mais necessário é participar da Sua
santidade. Nós estamos vinculados com a habitação (Números 19:13)
e com o santuário (v. 20) do Senhor. Assim sendo, qualquer
impureza se torna um assunto grave. Não apenas nós mesmos
somos contaminados, mas se deixarmos de purificar-nos, também a
Sua morada, Seu santuário é contaminado. Mediante os trechos que
contemplamos, Deus colocou nitidamente diante de nós a questão
da purificação. E quanto se faz necessária esta purificação! Por isso
é importante que conheçamos o caminho da purificação e saibamos
quais meios estão à nossa disposição para tal.
Podemos dividir o presente capítulo em duas partes: a
prescrição a respeito da preparação da água purificadora (vv. 2-10) e
a ordenança acerca da aplicação desta água (vv. 11-22).
O versículo 2 já mostra a importância do assunto. A
expressão “Este é o estatuto da lei, que o SENHOR ordenou”,
aparece só mais uma vez, no capítulo 31:21 e, na verdade,
associado com este mesmo assunto. Não uma pessoa, mas todo o
povo tinha que trazer a novilha vermelha a Moisés e a Arão. O povo
tinha o grande privilégio de que a tenda do SENHOR estava no seu
meio. Porém, por causa disso, pesava uma grande responsabilidade
sobre todo o povo, pois a tenda era o santuário do SENHOR, lugar
onde Ele habitava (v. 20). Se fosse permitido que o povo se
contaminasse, a pureza da tenda e o caráter dAquele que queria
habitar nela seriam agredidos. Se, por isso, se tornava necessário o
sacrifício pelo pecado ou pela culpa, por ter sido cometido pecado,
então a observância das prescrições do nosso capítulo era
absolutamente necessária, visto que o SENHOR habitava no meio do
povo. Em Levítico 4 ao 6 temos os meios que Deus dá contra a
erupção do pecado naqueles que Ele redimiu do Egito; já em
Números 19, encontramos a Sua provisão magnânima para remover
contaminações que surgiram pelo contato com coisas de fora.
Sendo que a cinza devia ser guardada para todo aquele que
porventura viesse a necessitar dela — e ninguém poderia afirmar
que jamais iria necessitar (compare Tiago 3:2) — todo o povo devia ter
participação na apresentação da novilha vermelha.
É evidente que a novilha vermelha — como todos os
sacrifícios — representa o Senhor Jesus. Ninguém, a não ser Ele,
era capaz de lançar, por meio da Sua morte, a base para a
purificação das contaminações da alma.
Como figura do Senhor, o animal tinha que ser perfeito,
também interiormente. O Senhor estava isento de toda
contaminação do pecado. Podemos contemplar a Sua vida desde o
nascimento até ao final dos Seus sofrimentos na cruz, e
verificaremos que Ele nunca foi contaminado, que era glorioso na
perfeição da Sua pureza pessoal, embora estivesse rodeado pelo
mal, nenhum mal havia nEle.
Porém, aqui a Palavra de Deus coloca uma ênfase especial
sobre a perfeição desta novilha vermelha. Devia ser um animal
sobre o qual nunca houvesse sido colocado um jugo. O Senhor
Jesus nunca esteve debaixo de jugo algum; seja o jugo do pecado
(João 8:34), seja outro jugo qualquer. O jugo sempre significa
disciplina e obediência forçada. Isso era impossível nAquele que, ao
entrar neste mundo como homem, disse: “Eis aqui venho... para
fazer, ó Deus, a tua vontade” (Hebreus 10:7), e como homem, no Seu
caminho de sofrimentos, Ele diz: “A minha comida é fazer a vontade
daquele que me enviou” (João 4:34); sim, era Aquele que foi
“obediente até à morte, e morte de cruz” (Filipenses 2:8). Os
princípios e costumes do mundo não tiveram qualquer influência
sobre os Seus pensamentos, palavras e ações; nem as bajulações
ou ameaças. Ele nunca fez coisa alguma com o fim de agradar
pessoas (compare João 2:4 e Mateus 12:47-50).
A novilha devia ser vermelha. Isso não nos lembra do Seu
sangue que Ele derramou na cruz (compare também as peles de
carneiros tingidas de vermelho, no tabernáculo)? O nome Adão
significa “terra vermelha”. O termo hebraico para “vermelho”,
expressa aqui o mesmo pensamento. Ele tornou-se verdadeiro
homem, mas veio para morrer. O animal do sacrifício precisava ser
fêmea, o que aponta para passividade, sujeição e isenção de
vontade própria. Quão claramente vemos isso em toda a vida do
Senhor Jesus, porém especialmente no Getsêmani, onde Ele tinha
diante de Si a morte, sob o juízo de Deus. Dessa maneira, Ele pôde
tornar-Se o sacrifício pelo pecado, no tocante às contaminações
involuntárias que provêm através do contato com algo que fala da
morte.
Moisés e Arão recebem a novilha das mãos do povo. Em
Moisés, o mestre e mediador da aliança, nós vemos o que era
necessário da parte de Deus. Porém, a novilha vermelha também
estava associada com a restauração daquele que se havia
contaminado. Aqui não se trata precisamente de um serviço
sacerdotal. Provavelmente, essa é a razão pela qual vemos a Arão
e Moisés juntos.
Contudo, nem Moisés nem Arão exerceram esse serviço na
prática. Deviam entregar o animal do sacrifício a Eleazar. Acredito
que por isso Arão não é mencionado aqui, porque normalmente ele
representa a ligação de todo o povo para com Deus, enquanto que
aqui se trata da comunhão do indivíduo. Não fala aqui de “um filho
de Arão”, nem de “Eleazar, o filho de Arão”. Por isso penso que
nisso há mais um pensamento maravilhoso, que nos é elucidado
pela posição que Eleazar ocupa neste livro. A explicação disso nós
encontramos no capítulo seguinte, quando Arão morre e Moisés
veste a Eleazar com as vestes sacerdotais de Arão. Acaso não
podemos ver nisso o serviço sacerdotal no poder da ressurreição,
tal como o Senhor Jesus o exerce agora no céu por nós, no qual Ele
traz constantemente à memória a obra consumada (Hebreus 7:24-28;
9:11-15; 1 João 2:1-2)?
Mas, no versículo 7 lemos que o sacerdote será imundo até à
tarde. Isso não pode referir-se ao Senhor Jesus pessoalmente.
Portanto, acredito que em Eleazar vemos o Senhor Jesus, como Ele
está unido conosco no ministério sacerdotal; então também
podemos ver, em Eleazar, a nós mesmos. Seu nome significa:
“Deus é Ajudador”. Isso nos aponta para o auxílio divino na
realização da nossa posição como sacerdotes numa mentalidade
sacerdotal. Já temos visto que, em Levítico, os “filhos de Arão” eram
uma figura disto. O que os caracterizava era o fato de que eles, pelo
seu constante serviço na presença de Deus no santuário, possuíam
compreensão a respeito dos pensamentos de Deus, e
contemplavam tudo com Seus olhos. O mesmo encontramos aqui
em Eleazar.
Eleazar leva a novilha para fora do arraial, para que seja
imolada. Quando meditávamos acerca de Levítico 4 e 16, chegamos
a conhecer o significado da expressão “fora do arraial”. Um
sacerdote tem compreensão acerca deste significado, e quando ele
se ocupa com a obra do Senhor Jesus na cruz, ele vê a cruz fora do
arraial. Temos aqui o único caso em que o sacrifício pelo pecado era
imolado fora do arraial, da mesma forma como só aqui é dito que o
sacerdote leva o animal para fora do arraial.
Em Levítico é mostrada a ordem divina no tabernáculo. É por
isso que o sangue deve ser levado para dentro da tenda, para
aspergi-lo, ou sobre o propiciatório (Levítico 16), ou sobre o altar do
holocausto. Porém, em Números, o tabernáculo é confiado à
responsabilidade do povo de Deus durante a jornada no deserto.
Por essa razão, a ordem divina, às vezes, sofre uma pequena
alteração. Notamos isto, por exemplo, em Números 10:33. No
deserto se evidencia o fracasso do povo, e as consequências
tornam-se visíveis também na Casa de Deus. O arraial se torna,
paulatinamente, semelhante a uma grande casa, na qual se faz
necessário separar-se daquilo que se tornou um sistema do homem
natural. Por essa razão, aqui o sangue também não é levado para
dentro do santuário, por se tratar somente da contaminação
individual de pessoas pertencentes ao povo. Dessa forma, o
“sacerdote” percebe todo o significado da expressão “fora do
arraial”. O Senhor Jesus também sofreu fora do arraial. Ele teve que
ser distanciado da santa presença de Deus, de modo que teve que
exclamar: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
(Mateus 27:46). Isso nos mostra o terrível do pecado aos olhos de
Deus! Ele não pode tolerar o pecado em qualquer sentido, pois Ele
é luz, e não há nEle trevas nenhumas (1 João 1:5).
Não é o próprio Eleazar que imola a novilha, visto que não é
tarefa do sacerdote. Mas ela é imolada “diante dele”. Ele contempla
com os próprios olhos o morrer do Senhor Jesus, de modo que é
uma realidade para ele. Depois se inicia o serviço do sacerdote,
com a aspersão do sangue. Conforme já foi mencionado, o sangue
não é aspergido sobre o propiciatório, como no dia da reconciliação,
em Levítico 16. Nessa ocasião, tinham que ser cumpridas as santas
exigências da justiça e da santidade de Deus, para que Ele pudesse
conceder graça aos pecadores culpados. Portanto, lá o sangue
falava a Deus. Aqui, no entanto, trata-se de um povo que já se
tornou povo de Deus com base no sangue sobre o propiciatório, e
que está em relação com Deus. Esse povo, contudo, encontra-se no
deserto onde existe, para cada um, o grande risco de se contaminar.
Se também o nosso Deus, isto é, o Deus do povo de Deus é um
fogo consumidor (Hebreus 12:29), acaso qualquer contaminação não
impossibilita a comunhão com este Deus santo? A sétupla aspersão
do sangue, por meio de Eleazar, nos dá a resposta. Ele esparge o
sangue diante da tenda da congregação, aonde Deus conclama o
Seu povo para ter comunhão com Ele. Esta aspersão não está
destinada a Deus, visto que Ele não esquece o sangue que está
sobre o propiciatório. Porém, o povo de Deus, que se achegava a
Ele, via aquele sétuplo testemunho, um testemunho perfeito — a
presença do sangue naquele lugar — de modo que podiam
aproximar-se de Deus com intrepidez. O sangue não precisava ser
derramado novamente para o indivíduo que havia se contaminado.
Isto havia acontecido uma vez, e não lemos nada a respeito de uma
segunda novilha vermelha. O contaminado podia e devia ser
purificado por meio da cinza do sacrifício pelo pecado queimado —
algo que falava do perfeito juízo de Deus, também sobre essa
contaminação. Dessa maneira, a novilha vermelha é o exemplo
mais nítido — senão o único do Antigo Testamento — da verdade
ensinada no Novo Testamento, que “Cristo, oferecendo-se uma vez
para levar os pecados de muitos” e “Porque com uma só oblação
aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (Hebreus 9:28;
10:14).
Ao lermos esses versículos, a meu ver, percebemos
claramente que Eleazar também é uma figura de nós, contanto que
sejamos filhos de Arão. Ele levou a novilha fora do arraial, ali ela foi
imolada, não por ele, porém “diante dele”. Com compreensão
sacerdotal, Eleazar olha para a cruz, a fim de conhecer melhor o
juízo e a morte de Cristo e para ver como Deus trata os pecados da
carne. Ele via que o Senhor Jesus tinha levado totalmente sobre Si
o juízo sobre os nossos pecados — que aqui se caracterizam pela
contaminação — e por isso ele podia aspergir o sangue. No
versículo 5, a novilha é queimada “perante os seus olhos”. De olhos
abertos, ele vê e contempla quão impiedoso é o juízo de Deus sobre
o pecado, mas também com que perfeição este juízo foi executado.
Em lugar algum isso é apresentado com tanta clareza como nesta
passagem. Não somente a pele, a carne e o excremento foram
queimados, mas também o sangue foi queimado, com exceção das
poucas gotas que ele havia aspergido com o dedo. Até a gordura,
que em Levítico 4 e no dia da expiação (Levítico 16) era incensada
sobre o altar como o incenso (esse é o significado da palavra
hebraica ali utilizada), aqui é totalmente consumida pelo fogo (esse
é o significado da palavra hebraica neste caso). Assim, que
impressão do ódio de Deus contra o pecado o sacerdote obtinha,
mas também que impressão dos sofrimentos do Senhor Jesus na
cruz, e do preço que Ele teve que pagar para nos libertar do juízo
por causa dos nossos pecados — do juízo por causa das
contaminações das quais se fala no decorrer deste capítulo!
Mas o sacerdote teve que aprender mais do que isso,
conforme o versículo 6 mostra. No fogo que queima a novilha, ele
devia lançar pau de cedro, hissopo e carmesim, de forma que estas
coisas eram consumidas no mesmo juízo. Elas são figuras de tudo o
que há na natureza que, originalmente, na criação, era muito bom,
mas que agora está corrompido pelo pecado. Em Isaías 2:12-17 o
cedro é utilizado como figura da grandeza do homem. 1 Reis 4:33
nos mostra que o hissopo é o mais baixo e de menos valor.
Salomão, o mais sábio de entre os homens, discorreu sobre “o
cedro que está no Líbano até ao hissopo que nasce na parede”.
Portanto, o cedro é, figuradamente, o mais elevado na natureza,
enquanto que o hissopo é o mais baixo. O carmesim fala da glória
exterior do homem no mundo.
Quão profundo o ensinamento contido nisso! Todo renascido
compreende que Deus precisou julgar os nossos pecados. Quando
ele tiver passado pela experiência descrita em Romanos 7, ele
também entende que Deus teve que julgar nossa natureza
pecaminosa (Romanos 8:3). O que temos aqui, porém, vai muito
além. Aqui vemos que Deus teve que julgar o homem natural por
inteiro — tanto nos seus atributos bons, segundo padrões humanos,
quanto nos maus. Isso é muito sério!
Quão facilmente nos gabamos de atributos naturais: nossa
inteligência, nossa cultura, nossas capacidades, nosso dinheiro,
nosso poder, nossas relações, nossa saúde, nossa estrutura física,
etc. Talvez nos orgulhemos até da modéstia e da humildade,
naturais ou adquiridas. Acaso não é o hissopo o que vemos em
Colossenses 2:18, onde fala de alguém que domina (em outra
tradução: “faz sua própria vontade”) com “pretexto de humildade”?
Acaso não damos muitas vezes valor ao “carmesim”, à honra neste
mundo, ou pelo menos a um nome eminente e, se possível, a um
pouco de influência?
Considerando o sacerdote como figura do Senhor Jesus,
notamos então que o Senhor teve de morrer na cruz também por
essas coisas. Porém, como figura de nós, o sacerdote nos mostra
que, por meio da atenta ocupação com a morte do Senhor sob o
juízo de Deus (compare v. 5), devemos conscientizar-nos que Deus
não julgou apenas nossos pecados e o pecado que habita em nós,
mas julgou a nós mesmos em Cristo, na cruz. Então se torna mais
fácil entendermos o que diz em 2 Coríntios 5:17: “Assim que, se
alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já
passaram; eis que tudo se fez novo”. O sacerdote teve que,
pessoalmente, lançar no fogo o pau de cedro, o hissopo e o
carmesim.
O apóstolo Paulo também fez isto. Por isso pôde escrever:
“Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso
Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim,
e eu para o mundo” (Gálatas 6:14). Paulo gloriava-se nesta cruz, na
qual Deus o condenava totalmente. Por essa razão, Paulo não
queria gloriar-se nalguma coisa que proviesse do homem. Por isso o
mundo estava crucificado para ele, isto é, que ele não tinha
qualquer interesse no mundo. Mas ele mesmo também estava
crucificado para o mundo, isto é, o mundo não o conhecia mais,
nem tinha interesse algum nele, e Paulo se contentava com isso.
Isso vai muito mais longe. Um homem natural também pode sentir-
se tão elevado que não lhe afeta o que os outros pensam a respeito
dele. Porém jamais ficará indiferente quando o mundo o passa
completamente por alto e não lhe dá atenção.
Quão importante é que estas verdades nos sejam
comunicadas aqui! Portanto, também somos contaminados pelo fato
que tais coisas naturais influenciam nossa autoavaliação e, por meio
disso, nossa comunhão com o Pai e com o Filho é interrompida,
pois Deus também teve que julgar essas coisas na cruz, e agora
fazem parte daquilo que está “morto”. Somos contaminados por
meio do vínculo com algo que provém do homem natural. Notemos
bem, aqui se trata de algo que denota morte no meio do povo de
Deus, é um princípio que encontramos em todo o Novo Testamento.
Em Hebreus 13 vemos que só podemos estar na presença do
Senhor Jesus no santuário, onde foi aspergido o sangue, ou fora do
arraial, onde foi queimado o corpo do sacrifício pelo pecado. Tanto o
sangue como o corpo queimado aponta para o fato de que o juízo
de Deus foi efetuado sobre o homem. Somente nesse lugar, que é
caracterizado pelo fato que o velho homem foi removido, é que
podemos estar com o Senhor. Isso também se expressa na Ceia. Ali
nos reunimos a fim de lembrar o Senhor que foi morto. Por
comermos do pão partido e bebermos do cálice, expressamos que
temos participação nessa morte sob o juízo de Deus. Somente o
novo homem tem lugar na Igreja. No instante em que se dá espaço
ao velho homem, este santo lugar, e aqueles que estão relacionados
a ele, são contaminados.
Notemos que impressão nos dá os versículos 7, 8 e 10 a
respeito do abominável que é o pecado e do perigo de sermos
contaminados. O sacerdote já é contaminado só por levar a novilha
para fora do arraial, por aspergir o sangue e por lançar o pau de
cedro, etc., no meio do fogo. O mesmo acontece com aquele que
queimou a novilha, sim, até mesmo com aquele que recolheu a
cinza e a levou a um lugar limpo. Os dois primeiros devem banhar o
corpo em água; todos os três devem lavar as suas vestes e são
imundos até à tarde. Todo contato com o pecado contamina, mesmo
quando acontece com o propósito de ajudar a alguém a purificar-se.
Isto nós também vemos no versículo 21. Acaso isso não nos exorta
a sermos cautelosos? Compare com Judas 23: “odiando até a túnica
manchada da carne”.
Mas será que não há mais algum ensinamento nisso? Um
sacerdote, um filho de Arão, está habituado a exercer o ministério
no santuário, na presença de Deus, e ali aprendeu a ver as coisas
assim como Deus as vê. Será que ele pode realmente se ocupar
profundamente com o juízo de Deus sobre o pecado, tal como este
juízo foi executado no Senhor Jesus e, ao mesmo tempo, ver o que
significa a queima do pau de cedro, do hissopo e do carmesim, sem,
contudo, chegar a conhecer melhor a sua própria carne? Isso terá
por consequência que ele se colocará na luz de Deus e aplicará
sobre si a Palavra de Deus, embora não tenha tocado em nenhum
morto, isto é, não esteja exteriormente contaminado. Esse é o
significado das palavras: “e em água banhará a sua carne” (cp. 19:8).
Isso o levará a aplicar a Palavra de Deus também à sua conduta
exterior (as vestes são uma figura disso), para ser por ela purificado.
Isso não será um impulso superficial de pouca duração, mas durará
mais — “até à tarde”. Deus espera isso de nós. Ele deseja que
mantenhamos uma separação moral daquilo que procede do velho
homem.
O mesmo devia fazer aquele que juntava a cinza da novilha
vermelha e a levava a um lugar limpo, fora do arraial. Notamos,
contudo, que não era tão abrangente como no caso do sacerdote.
Na verdade, ele lavava suas vestes, mas não o seu corpo. O
autojulgamento se restringe à sua conduta exterior e não se estende
àquilo que está no seu interior. Ele se ocupou pormenorizadamente
com a cinza e assim percebeu o resultado do juízo de Deus sobre o
pecado. Porém, não passou, pelos exercícios dos versículos 5 e 6.
Apesar disso, ele também precisa purificar-se, embora não tenha
tocado em nenhum morto.
A cinza é “guardada para a congregação dos filhos de Israel,
para a água da separação [ou purificação]”, para o caso de que
alguém chegue a ter contato com a morte. Notamos que aqueles
que se ocupam em tornar disponível ao povo este meio de
purificação passam por profundos exercícios. Aprendem através
disso que, tudo o que provém do velho homem conduz à
contaminação, ainda que eles mesmos não tiveram contato com a
morte. Eles o aprendem através da ocupação com os sofrimentos
de Cristo durante o tempo em que Ele levou sobre Si o juízo do
pecado. Este ensinamento é muito mais profundo do que aquilo que
poderiam aprender através da contaminação deles mesmos. Quem
tiver aprendido esta lição está apto para fazer o serviço para o qual
o apóstolo exorta em Gálatas 6:1: “Irmãos, se algum homem chegar
a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais,
encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo,
para que não sejas também tentado”.
No versículo 11 começa a segunda parte do capítulo. “Aquele
que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, imundo será
sete dias”. A morte é o carimbo aplicado à antiga criação. Para
Deus, ela caracteriza o mundo como deserto, o que faz com que se
preste somente para uma estadia passageira, que não está em
condições de preservar a vida. Além disso, a morte contamina por
ser o salário do pecado. Em consequência disso, tudo aquilo sobre
o que a morte reina é uma contaminação para aqueles que estão
perante Deus como vivos. Todos os que não nasceram de novo
pertencem à velha criação. “Estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo” (Efésios 2:5; compare
com Colossenses 2:13). Tudo o que num filho de Deus ainda procede
do velho homem — da carne — também faz parte da velha criação.
“Quem me livrará do corpo desta morte?”, lamenta o regenerado em
Romanos 7:24. Quando damos oportunidade para a carne agir em
nós, somos contaminados. Ageu pergunta: “Se alguém que for
contaminado pelo contato com o corpo morto, tocar nalguma destas
coisas, ficará ela imunda? E os sacerdotes responderam, dizendo:
Ficará imunda” (Ageu 2:13).
Não podemos esquecer que um filho de Deus precisa lutar
não somente contra o tentador de fora, mas também contra a sua
própria natureza, que sempre procura induzir o crente ao pecado.
Dessa maneira, ele é contaminado pela relação com as coisas do
mundo, a velha criação que o rodeia, mas também por tudo o que
provém da sua carne. No versículo 6 temos visto que as coisas que
contaminam não são somente aquelas que um incrédulo de boa
moral condena, mas também os atributos bons do homem natural —
simbolicamente representados pelo pau de cedro, hissopo e o
carmesim. A respeito do mundo, 2 Coríntios 6:14-17 fala
claramente: “Ou que parte tem o fiel com o infiel?... Por isso saí do
meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo,
e eu vos receberei”. Contudo, aqui em Números 19 trata-se
especificamente da relação com a morte no meio do povo de Deus
e, além disto, 2 Timóteo 2:21-22 diz claramente: “De sorte que, se
alguém se purificar destas coisas (referindo-se aos vasos para
desonra do versículo 20), será vaso para honra, santificado e idôneo
para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra. Foge
também das paixões da mocidade; e segue a justiça, a fé, o amor, e
a paz com todos os que, de um coração puro, invocam o Senhor”. A
respeito das obras da carne, lemos em Gálatas 5, “que os que
cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus” (v. 21). Judas
escreve: “odiando até a túnica manchada da carne” (v. 23), isto é,
todos os nossos costumes e maneiras de comportamento que estão
manchados pela carne em nós. Tudo isso encontramos resumido na
exortação de 2 Coríntios 7:1: “Ora, amados, pois que temos tais
promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do
espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus”.
Aqui, em Números 19, Deus coloca, de maneira
extraordinária diante dos nossos olhos, as consequências
contaminadoras da morte, pelo fato de que o contato neste mundo
com aquilo que é morto é um indício peculiar dos nossos tropeços e
fracassos. É por essa razão que encontramos este capítulo em
Números, pois ele contém ordenanças e provisões para o deserto.
Vemos o quanto isso é sério em Filipenses 3:18-19, onde o apóstolo
chora por causa daqueles cujos corações não estão mais cheios da
glória da porção celestial, pessoas “cujo Deus é o ventre, e cuja
glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas”,
independente da forma e da medida que isso seja. O retrocesso
espiritual de Demas é explicado com as seguintes palavras:
“amando o presente século” (2 Timóteo 4:10). Seu amor se voltou
para as coisas da terra, que levam o cunho da morte. Por isso ele já
não podia andar com o apóstolo Paulo, porque “a nossa comunhão
[a dos apóstolos] é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo”, e:
“porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do
mundo” (1 João 1:3; 2:16). “Não sabeis vós que a amizade do mundo
é inimizade contra Deus?” (Tiago 4:4).
É notável com quanta severidade a Palavra de Deus trata
qualquer contato com algo morto, por mais insignificante que isso
possa nos parecer. Qualquer que fosse o contato, e qualquer que
fosse a pessoa afetada por isso, ela ficava imunda por sete dias.
“Porque o nosso Deus é um fogo consumidor (Hebreus 12:29). O
nosso Pai é o Deus três vezes santo, que é tão puro de olhos que
não pode ver o mal. Havendo experimentado tão grande graça,
somos propensos a tratar o pecado levianamente. Mas, exatamente
o alto nível a que a graça nos elevou, a proximidade do Pai e do
Filho na qual estamos, agrava muito, aos olhos de Deus, qualquer
contaminação. “E, se invocais por Pai aquele que, sem acepção de
pessoas, julga segundo a obra de cada um, andai em temor, durante
o tempo da vossa peregrinação” (1 Pedro 1:17). Se tratarmos o
contato com a morte com leviandade, será que Deus terá que
adaptar-Se à nossa indiferença, aos nossos corações duros?
“...imundo será sete dias” (v. 11).
Embora a pessoa julgue que a contaminação tenha sido
inevitável e que não o afete interiormente, contudo, será imundo
sete dias. Talvez o considere apenas como consequência de um
descuido momentâneo, porém, Deus conhece a história anterior, o
que precedeu no interior dessa pessoa, e sabe que uma purificação
perfeita pode ser alcançada apenas por meio de um processo moral
no interior, que não dura apenas um instante, mas sete dias. O
número sete nos mostra a perfeição no âmbito espiritual. Nossa
consciência pode estar tão endurecida que nem ao menos
percebemos quando nos contaminamos. Porém, a nossa
insensibilidade e cegueira jamais podem ser o padrão para as
santas exigências de Deus. O olho de Deus sonda os pensamentos
e imaginações dos nossos corações, e Ele quer que nós também o
façamos. Caso contrário, não poderá haver comunhão. Deus quer
que sintamos profundamente a perda da comunhão com o Pai e
com o Filho. É por esta razão que o meio de purificação só podia ser
aplicado ao terceiro dia. Depois de mais quatro dias, no sétimo dia,
a água purificadora devia ser aplicada novamente, e só então a
pessoa estava limpa. Será que estes dois e três dias talvez tenham
alguma relação com o fato de que pela boca de duas ou três
testemunhas todo negócio devia ser confirmado?
Ao compararmos estes versículos com Levítico 11:24-40 e
17:15, percebemos algo que chama a atenção. Quem tivesse
tocado em um animal morto — não somente um animal limpo (v. 39),
mas também insetos que voam (vv. 23-24) e até outras criaturas (v.
31) — era impuro até à tarde. Aqui, em Números 19, porém, lemos
que todo aquele que tocar no cadáver de um homem será imundo
sete dias. Que humilhante isto é para o orgulho do homem. Um
descendente de Adão, criado à imagem e semelhança de Deus,
quando morto, contamina mais do que o animal mais baixo. Por que
isso é assim? Os animais não morrem em decorrência de seus
próprios pecados, mas porque foram arrastados pelo homem para
debaixo da maldição. Pelo homem, o pecado entrou no mundo, e
pelo pecado a morte. A morte passou a todos os homens porque
todos pecaram (Romanos 5:12). Isso não nos mostra quão grave
também é aquilo que, em nossa opinião, é a menor contaminação,
que resulta do contato com um “cadáver”?
Notamos também, no versículo 12, que a responsabilidade
pela purificação é do contaminado, embora ele, conforme o
versículo 19, nada possa fazer em prol de si. Se, porém, ele não se
purifica do pecado, “não será limpo ao sétimo dia”. Quão sério é
isto! Os versículos 13 e 20 nos mostram o que Deus pensa a esse
respeito. Virá o momento em que tal “pessoa será extirpada de
Israel”.
Acaso não presenciamos muitas vezes que alguém que
professa ser crente brinca com o pecado? Logo também outros o
verão. E se continuar, o mundo também irá perceber — o que já
vivenciamos demasiadas vezes. E qual será o fim? Que tal pessoa
precisa ser excluída da comunhão dos crentes. Infelizmente, às
vezes tivemos que notar que essa pessoa caiu cada vez mais,
ficando evidente que ela jamais teve uma ligação viva com Deus.
Mas, ainda que não chegue a esse ponto, é claro que aquilo que é
pernicioso para um incrédulo, também é perigoso para a vida
espiritual de um regenerado.
No versículo 13 encontramos mais uma consequência grave
do contato com um cadáver. Tudo o que o imundo tocar será
igualmente imundo. Há pouco citamos Ageu 2. Portanto, uma
pessoa imunda se torna uma fonte de contaminação no meio do
povo de Deus. O mais grave, porém, é que o tabernáculo do
SENHOR, o santuário, também é contaminado. Normalmente, o
homem avalia a gravidade do pecado segundo as consequências
que acarreta para ele mesmo. Porém, Deus vê tudo na luz da Sua
própria natureza, que é luz (1 João 1:5).
Era um grande privilégio para Israel poder ter a habitação do
SENHOR em seu meio. Maior é, no entanto, o nosso privilégio, de
sermos templo de Deus e a habitação de Deus em Espírito (1
Coríntios 3:16; Efésios 2:22). Se a responsabilidade de Israel já era
grande pelo fato dessa tenda ser o santuário (v. 20), quanto maior é
então a nossa responsabilidade, pelo fato de habitar Deus, o
Espírito Santo, em nosso meio. Com isso, não me refiro à habitação
do Espírito Santo no corpo de todo crente, visto que este não é o
assunto do versículo 13 — embora esse fato mostre quão grave é
cada pecado de um crente. Aqui se trata de que toda contaminação
da Casa de Deus prejudica a pureza do santuário e desonra a
natureza dAquele que quer habitar nessa Casa. Essa também é a
razão mais importante para que um imundo, que se recusa a
purificar-se, seja tirado do meio do povo de Deus. A segunda razão
é que, pela disciplina da igreja, ele se arrependa e que, por meio
disso, seja salvo da perdição. Aqui é salientado de modo especial, o
fato de que ele não fez uso da bondosa provisão de Deus.
Porventura Deus não pode esperar de nós que nos separemos de
tudo aquilo que procede do velho homem, visto que Ele nos redimiu
do estado em que este velho homem se encontrava por um tão alto
preço e nos transportou para o reino do Filho do Seu amor? O que
Deus pode fazer quando nós nos tornamos infiéis e nos recusamos
a aplicar em nós o meio de purificação que Ele, na Sua graça,
colocou à disposição? Acaso Deus permitiria que nós
contaminássemos a Sua santa casa e que desonremos a Ele, que é
luz e em Quem não há trevas nenhumas, quando chegamos a Ele
cientes da nossa impureza e desprezamos o meio de purificação
que Ele, na Sua graça, nos deu?
Que atrevimento isso seria da nossa parte, visto que somos
criaturas insignificantes comparados com o glorioso Criador que
tanto fez em prol de nós! Acaso este pecado não seria mais grave
do que a contaminação que manifestou o estado do nosso coração?
Nos versículos 14 a 16 são citadas as diferentes classes de
contaminação. Conforme mencionado há pouco, neste capítulo
trata-se somente da contaminação por contato com cadáveres
humanos. As contaminações provocadas pelo contato com a lepra,
animais, etc., são tratadas em outras passagens da Palavra, por
exemplo, em Números 5, Levítico 14, etc..
O primeiro caso tratado é o de uma pessoa que morreu numa
tenda. A palavra hebraica para “tenda” (ohel) é usada tanto para
designar o tabernáculo, como também para as tendas que serviam
de moradia. Por essa razão, aqui devemos levar em conta os dois
significados. Quão grave é quando alguém morre na Casa de Deus!
A Igreja está alicerçada sobre Cristo, como o Filho do Deus vivo
(Mateus 16:16-18). Visto que cada pedra com a qual Cristo constrói
esta Casa de Deus recebeu a Ele mesmo como a vida eterna (1 João
5:11-12,20; Colossenses 3:4), as portas do inferno não podem
prevalecer contra a Igreja. Porém, agora alguém morre nesta Casa
maravilhosa — a morte penetra através de um não-convertido ou
por meio da carne de um regenerado. Que terrível é isto! No
entanto, isto já faz parte do cotidiano, quando observamos o que
acontece na Casa de Deus. Esse fato tem por consequência que
todo o que se encontra nesta Casa ou entra nela também se torna
impuro. A Bíblia diz que um pouco de fermento leveda toda a massa
(1 Coríntios 5:6; Gálatas 5:8), e: “Não vos enganeis: as más
conversações corrompem os bons costumes” (1 Coríntios 15:33). Todo
aquele que tiver contato com um contaminado, torna-se igualmente
imundo (Ageu 2:12-15), e todos estes precisam ser excluídos do povo
de Deus (Números 5:2-4).
Portanto, quão importante é que, ao admitir alguém à Mesa
do Senhor, a igreja esteja totalmente dependente da direção do
Senhor e do Espírito Santo. Somente o Senhor pode abrir os nossos
olhos de modo que possamos perceber o verdadeiro estado de uma
pessoa, e o Espírito Santo quer guiar-nos em toda a verdade, se tão
somente nos deixarmos guiar. Precisamos estar vigilantes para que
a carne, aquilo do velho homem que ainda está em nós, não tenha
voz ativa na Casa de Deus! Mas quão facilmente acontece isso,
quando métodos humanos, mundanos, ou uma mentalidade
legalista se introduzem, e aquilo que inicialmente era do Espírito,
prossegue na carne (Gálatas 3:3).
Porventura não sabemos por experiência quais
consequências danosas isso acarreta para “o vaso aberto, sobre o
qual não houver pano atado” (v. 15)? Esses vasos não são aquelas
pessoas que, no versículo 14, se encontram na tenda ou entram
nela. Portanto, são outras pessoas, que não pertencem oficialmente
à tenda, os estranhos e os filhos mais novos ou mais crescidos dos
crentes. Os vasos nos quais há um pano ou tampa amarrada, de
modo que a impureza não possa penetrar, são aqueles que, como
Jó, fizeram uma aliança com os seus olhos, para que não vejam
coisas que possam contaminá-los (Jó 31:1). Isso, somente “os
perfeitos [adultos ARA], os quais, em razão do costume, têm os
sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal” podem
realizar (Hebreus 5:14).
Quantos irmãos jovens se afastaram porque foram
contaminados pela atuação da carne em nós, irmãos mais idosos!
Eles perceberam como a obstinação e a atuação da carne se
manifestou muitas vezes em nós, no ministério da Palavra, e na
nossa conduta, embora confessássemos reter a doutrina da
autoridade exclusiva do Senhor e da perfeita direção do Espírito
Santo em nossas reuniões. Quantos motivos nós temos para
humilhar-nos por causa das nefastas consequências da nossa
conduta carnal na igreja!
Porém, a tenda também aponta para as nossas casas e
famílias: “Nas tendas dos justos há voz de júbilo e de salvação”
(Salmo 118:15). Depois que os olhos de Balaão foram abertos, ele
teve que profetizar a esse respeito: “Quão formosas são as tuas
tendas, ó Jacó, as tuas moradas, ó Israel!” (Números 24:5). Porém,
quando deixamos o mundo entrar, ou quando permitimos à carne
operar nos pais ou nos filhos, então essa tenda se torna um lugar de
contaminação. Será que a causa para que muitos filhos de pais
crentes fossem para o mundo, ou se tornassem cristãos com
mentalidade mundana e terreal, não estaria no fato de que seu
interior ficou contaminado porque seus pais permitiram que a morte
entrasse em seus lares, talvez por meio de livros mundanos,
revistas, jornais, rádio, TV, internet, moda, vestuário, etc.? Mas
também pode ser que os filhos viram que a vida prática dos pais não
condizia com a sua confissão e que não estava caracterizada pelo
novo homem, mas pelo velho.
No versículo 16 são apresentadas quatro espécies de
contaminação no campo aberto. Ali é possível ter contato com
alguém que foi morto à espada, isto é, assassinado brutalmente, ou
com alguém que morreu de modo natural, isto é, alguém que é uma
prova da ruína que vem pelo pecado. Estas são as duas
características do mundo, que fizeram com que Deus o julgasse por
meio do dilúvio (Gênesis 6:11-13), instituindo depois disso o governo
humano, para assim colocar barreiras ao mundo. É possível verificar
que hoje essas mesmas características se tornam cada vez mais
evidentes na assim chamada cristandade, porque os governos não
querem cumprir com a tarefa que Deus lhes deu. Com grande
rapidez, tudo se direciona à completa manifestação do maligno, que
terá lugar quando aquele “que agora o retém” seja retirado e “se
manifeste o homem do pecado” (compare 2 Tessalonicenses 2:3-10).
Todo contato com estas coisas contaminam o filho de Deus.
Quantos perigos nos rodeiam na vida comercial, em qualquer área
do nosso cotidiano, e também na Casa de Deus! Acaso não vemos
isso já em Diótrefes, que gostava de ser o primeiro na igreja (3 João
9)? Por essa razão ele não quis acolher o apóstolo João e expulsou
da igreja aqueles que quiseram servir a Deus de acordo com a Sua
Palavra, e por essa razão não se submetiam à autoridade que
Diótrefes arrogava para si. Porventura o tratamento de irmãos
baseado na simpatia ou antipatia pessoal também não é uma
manifestação da carne e da influência perniciosa do velho homem?
Poderíamos citar muitos outros exemplos desta ordem.
Até mesmo o contato com uma sepultura contamina um
membro do povo de Deus. Ao olho natural, o cadáver que se
encontra na sepultura está encoberto. O Senhor descreve
claramente em Mateus 23:27-28 o que se deve entender sob a
figura do sepulcro: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois
que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente
parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de
mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente
pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de
hipocrisia e de iniquidade”. Assim é, por exemplo, quando temos
uma bela confissão no que se refere à autoridade exclusiva do
Senhor na igreja e à direção do Espírito Santo nas reuniões, porém,
na prática, fazemos valer a própria opinião e a direção humana.
Será que isso, às vezes, não acontece também em nosso meio?
É sequer possível desviar-se dos “sepulcros”? Porventura a
terra toda não é um cemitério, quando pensamos na história de seis
mil anos da humanidade? Somente total sobriedade e vigilância
podem nos guardar disso. No Antigo Testamento, Deus até permitia
que um sacerdote se contaminasse por causa da morte de seus
pais, filhos ou irmãos. Porém, para o sumo sacerdote e o nazireu
não existia esta exceção (Levítico 21:1-4; Números 6:6-12). Para eles
implicava em pecado e culpa.
Dificilmente há outro capítulo no Antigo Testamento que nos
dê tal impressão da santidade de Deus como este. Deus somente
pode chamar de limpo aquilo que está em concordância com a Sua
santidade e glória. Acaso desejaríamos que Deus diminuísse o Seu
padrão de santidade porque gostaríamos de desculpar-nos pelo fato
que não conseguimos nos manter incontaminados? Quando Deus
exige algo, Ele também nos dá a possibilidade de fazê-lo. Para um
cristão não é inevitável ter contato com a morte. No entanto, no
tocante à nossa vida, quem dentre nós não precisa confessar:
“Porque todos tropeçamos em muitas coisas” (Tiago 3:2)? Quão
bondoso Deus é dando-nos um meio pelo qual podemos ser
purificados! Quem, porém, se recusa a aplicar a si próprio este
recurso, “do meio da congregação será extirpada; porquanto
contaminou o santuário do SENHOR” (v. 20).
Então, a partir do versículo 17, encontramos o meio de
purificação e a maneira pela qual devia ser aplicado “para um
imundo, pois, tomarão da cinza da queima da expiação, e sobre ela
colocarão água corrente num vaso”. Portanto, não era feita
nenhuma aspersão com sangue, mas com cinza. A aspersão do
sangue foi feita quando chegamos a crer na obra do Senhor Jesus
na cruz e nos tornamos participantes da eterna (ininterrupta)
redenção, que Ele efetuou por todos aqueles por quem morreu. O
sangue do Senhor fala do fato que Ele deu a Sua vida. Isto nós já
vimos quando meditamos sobre o dia da expiação. A cinza aponta
especialmente para os sofrimentos do Senhor na cruz, da parte de
Deus. Ali Ele foi ferido pela espada da justiça de Deus, e atingido
pelo juízo impiedoso de um Deus santo, pelos pecados e pelo
pecado. Portanto, isso nos lembra do preço que o Senhor pagou:
“Porque também Cristo padeceu uma vez, pelos pecados, o justo
pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pedro 3:18). Segundo João
7:37-39, a água viva é uma figura do Espírito Santo, que vivifica a
Palavra e a aplica ao coração e à consciência. Aqui, o caminho para
a purificação é apresentado como resultado da obra do Espírito
Santo que, por meio da Palavra, mostra ao imundo quanto o Senhor
Jesus teve de sofrer também por este contato com a morte, por
meio do qual o crente foi contaminado. Nisso, percebemos uma
grande semelhança com o lavamento dos pés em João 13.
Contudo, ali o Senhor Jesus aplica a água, enquanto aqui vemos a
operação do Espírito Santo. Aqui, pois, trata-se mais do resultado
da obra do Senhor como nosso Advogado (1 João 2:1), e do
lavamento dos pés realizado por Ele, conforme João 13.
Embora, conforme o versículo 12, o contaminado tivesse que
purificar-se a si mesmo, mesmo assim necessitava da ajuda de uma
pessoa limpa. Ele não podia ocultar, com receio, o seu estado de
todas as pessoas. Com efeito, nossa carne é propensa a pensar:
‘Esse é um assunto entre o Senhor e eu’; mas somente isso já prova
que ainda não estamos purificados. Alguém que realmente está
purificado não procura ocultar o seu pecado a fim de, aos olhos dos
outros, parecer melhor do que é na realidade. O limpo que quer
aspergir o impuro com a cinza, precisa usar hissopo para este
serviço. Já temos visto que o hissopo é uma figura daquilo que é
baixo na natureza. Acaso isso não alude ao espírito e à mentalidade
na qual o limpo deve realizar este serviço? Ele não deve fazê-lo de
maneira ríspida e com mentalidade orgulhosa, mas em humildade e
de coração quebrantado, da mesma forma como o Filho de Deus, o
Criador do céu e da terra, que tirou as vestes, tomou uma toalha e
cingiu-Se com ela e Se abaixou para lavar os pés dos Seus
discípulos. Que exemplo que o nosso bendito Senhor nos dá!
Quando Davi havia pecado, ele orou: “Purifica-me com hissopo, e
ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve” (Salmo
51:7). A Escritura nos exorta: “Irmãos, se algum homem chegar a ser
surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai
o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não
sejas também tentado” (Gálatas 6:1). A mentalidade certa, tanto do
imundo quanto do limpo, resume-se nestas palavras: “Confessai as
vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que
sareis” (Tiago 5:16).
O Senhor não precipita a restauração de uma alma
contaminada. Na verdade, Ele deseja que isso aconteça o mais
rápido possível, mas deve ser uma verdadeira restauração, e que
não se passe por alto a contaminação com leviandade. Nós talvez
prefiramos esta última maneira, mas o Pai e o Filho não. Eles
gostariam de dar-nos o ganho espiritual que recebemos mediante os
exercícios inerentes ao caminho da restauração. Por meio do
sangue, todo o juízo sobre os nossos pecados foi removido. O
sangue que Eleazar aspergiu (v. 4), diz ao contaminado que o
caminho a Deus está aberto e que para ele não há mais nenhum
juízo, nem mesmo no tocante a esta contaminação. Mas com
certeza não é um testemunho da atuação do Espírito Santo quando
alguém diz: ‘Eu estou lavado no sangue e, portanto, estou limpo.
Porque eu devo me inquietar por causa de pecados?’. Justamente a
certeza a respeito da graça infinita, que nos foi concedida, opera em
nós vergonha e humilhação sempre que houver pecado em nossa
vida. Quanto opróbrio para o nome do Senhor e quanta dor para o
nosso amor a Ele quando, depois de termos sido feitos participantes
da graça, fizermos novamente as mesmas coisas por causa das
quais Ele tanto teve de sofrer. Como poderia haver comunhão com o
Pai e com o Filho quando brincamos com o pecado que o Pai e o
Filho tanto odeiam?
Por essa razão, a aspersão com a água viva e a cinza só
podia acontecer ao terceiro dia. Primeiro a alma precisa sentir a falta
da comunhão e dos muitos privilégios do povo de Deus (cp. 5:2-3).
Quando o contaminado tiver reconhecido isto, então o Espírito
Santo aplica a Palavra de Deus à sua consciência, de modo que
perceba que o Senhor Jesus também morreu por esta
contaminação. Que maravilhosa é a sabedoria de Deus, que utiliza
a morte como meio de cura para a morte e para libertar do poder da
morte. A cinza da novilha vermelha fala do juízo que Deus executou
sobre o pecado. O Espírito Santo (a água viva) conduz, de certa
forma, a alma de volta àquilo que é descrito nos versículos 5 e 6. Ali,
naquele fogo que consome a novilha, se manifesta a ira de Deus
sobre o pecado. Não creio que haja outra passagem na Bíblia que
nos mostre com tanta nitidez todo o terror que a cruz representava
para o Senhor Jesus do que justamente esta: “Então queimará a
novilha perante os seus olhos; o seu couro, e a sua carne, e o seu
sangue, com o seu esterco, se queimará” (v. 5). Que fogo! Toda a ira
de Deus sobre o pecado caiu ali sobre o Senhor Jesus. Deus O fez
pecado por nós; caso contrário, onde nós estaríamos? Ali ouvimos o
clamor do Senhor: “as minhas iniquidades me alcançaram, tantas,
que me impedem a vista; são mais numerosas que os cabelos de
minha cabeça, e o meu coração me desfalece” (Salmo 40:12 ARA). O
contaminado sabe que foram os seus pecados que levaram o
Senhor a clamar assim. Ele ouve o lamento do Senhor: “Atolei-me
em profundo lamaçal, onde se não pode estar em pé; entrei na
profundeza das águas, onde a corrente me leva” (Salmo 69:2). Ele
também sabe que foi o seu estado e o seu juízo que o Senhor Jesus
tomou sobre Si. Ouve o brado do Senhor Jesus nas horas das
trevas: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Salmo
22:1). Ele sabe que este teria sido o seu lugar eternamente, se o
Senhor Jesus, por amor a ele, não tivesse tomado esse lugar, e se o
Pai, por amor a ele, um pecador perdido, não tivesse entregado e
julgado o Seu próprio Filho no lugar dele.
A pessoa contaminada também percebe quão forte se torna a
chama quando são queimados o pau de cedro, o hissopo e o
carmesim juntamente com a novilha. Ele sabe que aquelas coisas
que parecem boas aos olhos do mundo, mas que, no entanto,
procedem do velho homem, também devem ser queimadas,
igualmente como o excremento da novilha; porque Deus precisa
julgá-las pelo fato de pertencerem à antiga criação e, portanto, à
morte — sim, são justamente estas as coisas que o contaminaram e
que aumentaram tanto os sofrimentos do Senhor. Dessa maneira, o
Espírito Santo opera nesta pessoa aquilo que Paulo, pelo poder do
Espírito Santo, operou nos Gálatas, quando escreveu: “...a vós,
perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado”
(Gálatas 3:1).
Dessa forma, torna-se claro para sua alma quão terrível é
aquilo que praticou tão levianamente. Esse é exatamente o objetivo
da aspersão com a água viva e a cinza. Por meio disso é mostrado
a essa alma, de modo insistente, que valor este aspecto da morte
de Cristo tem, mas também, quão terrível foi o juízo, para que os
nossos corações e consciências fiquem profundamente
impressionados. Quando isso for alcançado, exclamaremos: “Que
mais tenho eu com os ídolos?” (Oseias 14:8). Que tenho eu,
doravante, a ver com as coisas imundas? Então uma confissão
sincera será a consequência do nosso fracasso.
Conforme já temos visto, a primeira aspersão devia ocorrer
ao terceiro dia. “Pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de
três testemunhas, se estabelecerá o fato” (Deuteronômio 19:15). Por
essa razão, era necessário que primeiro passassem dois dias, nos
quais o Espírito Santo conscientiza a alma — por meio da
percepção da interrupção da comunhão com o Pai e com o Filho e
pela falta do gozo dos privilégios cristãos — da gravidade do
acontecido. Então chega o terceiro dia, no qual o Espírito Santo, por
meio de uma “pessoa limpa”, aplica a Palavra ao coração e à
consciência do contaminado. O efeito disso é que o contaminado
reconhece o verdadeiro significado do seu erro e, por meio disso,
chegue a uma confissão sincera, que conduz ao perdão (1 João 1:9).
Mas a base para a verdadeira libertação do poder da morte e da sua
contaminação não está somente na realização de termos morrido
com Cristo, mas também na nossa ressurreição com Ele, e é disso
que o terceiro dia fala. Dessa maneira, o Espírito Santo,
apresentando diante dos nossos olhos a morte de Cristo sob o juízo
de Deus, opera em nossa alma o reconhecimento de termos morrido
com Cristo e, ao mesmo tempo, a nossa união com Ele na
ressurreição.
Por meio disso, se torna possível que a restauração esteja
completa ao sétimo dia. Conforme já foi mencionado, o número sete
alude à perfeição no âmbito espiritual. Depois da segunda aspersão,
o israelita que está sendo purificado, deve lavar as suas vestes e
banhar o seu corpo em água. Então ele estará limpo à tarde do
sétimo dia, isto é, após sete dias completos. Como purificado, ele
inicia o oitavo dia, o novo começo, depois de um espaço de tempo
perfeitamente completado. Para nós, isto é uma figura da nova
criação.
Quão importante também é que no versículo 18 é prescrito
que a tenda, todos os utensílios e as pessoas que nela se
encontrassem também fossem aspergidos com a água purificadora.
Vemos, em 1 Coríntios 5, o que a aspersão significa no que se
refere à tenda. O sétimo dia encontramos em 2 Coríntios 7:4-16.
Mas, também as nossas famílias são incluídas, sim, todos quantos
pelo contato comigo, no meu estado de impureza, foram
contaminados. Isto é muito sério!
Gostaria de observar, mais uma vez, que neste capítulo não
se trata de como um pecador pode receber o perdão dos seus
pecados. Aqui não se trata da questão do pecado, mas da
comunhão de um filho de Deus com o Pai e com o Filho. Portanto, a
aspersão com a cinza no terceiro dia, não tem como objetivo causar
a certeza ou incerteza acerca da salvação, mas tristeza e dor por
termos pecado contra o amor, a graça e a santidade do Pai e do
Filho. A cinza é justamente a figura do juízo pleno executado uma
vez por todas. Mas a recordação desses terríveis sofrimentos do
Senhor, por causa desta minha contaminação, promove dor e
tristeza acerca da minha leviandade para com a impureza. Esse
sentimento é, na verdade, certo e adequado, mas, de maneira
alguma é comunhão. É um juízo santo por causa do meu pecado
contra a graça. Por isso, a segunda aspersão, no sétimo dia, se faz
necessária, para que a comunhão seja restabelecida.
Quero apontar para dois exemplos na Escritura que nos
mostram claramente essas duas aspersões — no terceiro e no
sétimo dia. Depois que Davi pecou tão terrivelmente contra Bate-
seba e Urias, veio a ele o profeta Natã e lhe disse: “Tu és este
homem” (2 Samuel 12:7). Essa foi a primeira aspersão. Vemos o
resultado no Salmo 51. Nos primeiros onze versículos, Davi
condena não somente a sua ação, mas também a si mesmo.
Porém, a partir do versículo 12, ele pede pela restauração da sua
comunhão com Deus. Esse é o resultado da segunda aspersão.
Vemos o mesmo na vida de Pedro. Ele não confiava no
Senhor, mas no seu próprio amor ao Senhor. Sem dúvida, este amor
foi operado, em parte, pelo Espírito, mas a outra parte era amor
natural. Caso contrário, Pedro não estaria tão convicto de que o seu
amor fosse maior que o dos outros. Porém, esse amor natural não é
outra coisa senão o pau de cedro de Números 19:6, que devia ser
queimado junto com a novilha vermelha. O que procede do homem
natural e, consequentemente, da velha criação, não pode subsistir
perante Deus.
Mas quando Pedro negou ao Senhor, Este olhou para Pedro
e, por meio disso, o lembrou das Suas palavras. Essa foi a aspersão
ao terceiro dia, que fez com que Pedro chorasse amargamente. A
obra continua, até que, em João 21, vemos a sua total restauração.
Ali Pedro lança o pau de cedro, hissopo e o carmesim no fogo que
consome a novilha. Agora resta apenas a nova criação, que está em
perfeita comunhão com o Pai e com o Filho. Agora o Senhor pode
confiar-lhe os Seus cordeiros e as Suas ovelhas.
Quando o Espírito Santo tiver nos conduzido até esse ponto,
então estaremos dispostos a lavar as nossas vestes e a banhar o
nosso corpo em água. Então se evidenciarão os efeitos dos
exercícios espirituais pelos quais passamos, também na prática, na
nossa conduta exterior, aquilo que as nossas vestes simbolizam.
Passaremos então a examinar os nossos costumes, nosso
comportamento e nossos relacionamentos com base na espada viva
de dois gumes, a Palavra de Deus, purificando-nos por meio dela.
Então aplicaremos a Palavra de Deus às nossas vidas interiores.
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e
conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho
mau, e guia-me pelo caminho eterno” (Salmo 139:23-24). Esta é a
oração a Deus que procede da mentalidade de pessoas que julgam
suas próprias vidas à luz da Palavra de Deus. Então, o purificado se
encontra no mesmo estado moral em que se encontra o sacerdote
purificado (compare v. 7).
É notável com quanta ênfase os dois últimos versículos
apontam para a importância da separação e purificação! Tudo o que
o impuro toca, torna-se imundo. Todo o que toca alguma coisa que
fora contaminada, está igualmente imundo. É um círculo que
aumenta cada vez mais. Portanto que desgraça é causada por mim
no meio do povo de Deus quando, por leviandade ou descuido, toco
alguma coisa que implica morte! Quão grave é se me recuso a fazer
uso do meio que Deus colocou à disposição para purificação do
pecado. Se alguém se recusa absoluta e terminantemente a fazê-lo,
então isso significa que não possui vida de Deus. Por essa razão,
ele permanecerá para sempre longe da presença de Deus. Mas
uma resistência passageira também tem por consequência que a
pessoa deva ser afastada do meio do povo de Deus. “Porquanto
contaminou o santuário do SENHOR; água da separação sobre ele
não foi aspergida; imundo é” (v. 20). Para todos os que tiverem
contato com tal pessoa, as consequências são graves.
Até o “limpo” que aspergiu a água purificadora, ou somente
tocou nela, se torna imundo, e precisa, assim como o sacerdote no
versículo 7, lavar suas vestes. Todo crente com mentalidade
espiritual que precisa ocupar-se com o pecado de outros,
conscientiza-se do fato que também a sua carne é igualmente
corrompida. Se, porém, ele se ocupa com isso de maneira espiritual
e em graça, então o resultado será que ele se torna mais purificado
e santificado.
Anotações

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Table of Contents
O Sacrifício pelo Pecado
Parte I
Leia Levítico 4
O Sacrifício pelo Pecado
Parte II
Leia Levítico 4:13-35
O Sacrifício pelo Pecado
Parte III
Leia Levítico 5:1-13
O Sacrifício pela Culpa
Leia Levítico 5:14-19; 6:1-7
A Lei do Holocausto
Leia Levítico 6:8-13
A Lei da Oferta de Alimentos/Manjares
Leia Levítico 6:14-18
Lei do Sacrifício pelo Pecado
Leia Levítico 6:24-30
A Lei do Sacrifício pela Culpa
Leia Levítico 7:1-10
A Lei do Sacrifício Pacífico
Leia Levítico 7:11-36
Os Sacrifícios na Terra de Canaã
Leia Números 15:1-12
O Sacrifício da Novilha Vermelha
Leia Números 19
Anotações

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