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X pony apianyy Oo © Se = a] S 2 ° 3 = = & nN 3S a Copyright © by Cecilia Polacow Herzog, 2013, Dieitos desta edigfo reservados & MAUAD Baitora Lids. us Joaquim Silva, 98, 5° andar Lapa — Rio de Janeiro — RJ — CEP: 20241-110 Tel: (21) 3479.7422 — Fax: (21) 3479.7400 worwimauad.com.br ‘em coedigio com INVERDE Instituto de Pesquisas em Inrzestrutura Verde e Ecologia Urbana ‘wrwwinverde org Preto Gripe: cleo de Arte/Mauad Biivora 1 Revisto 2* Revisto Cristina Portela ‘Birbara Maud Fotos: Cecilia Polacow Herzog (todas as nfo identificades no livre) Fotos da capo: Seul, Montpellier, So Paulo (foto: Fernanda Danclon), Avignon ¢ Freiburgo Foto da reli ‘Alex Herzog, ‘A autora agradece qualquer comentrio sobre o liv, que poder ser feo através do seu blog: ceclliaherzog wordpress.com (Ce-Bras. CAALOGACROAFONTE Seejerto Nacioss 0 Eoronss or Linnos, Rl 1. Uranioma 2 Eclgin Urbane 3, Iravstrutaa Ver 4. Sustertabieads. (Thue 13.00298 op: s77 cu: 502.1 ra as minhas présximas gerogces: André, Mauricio e Diana; Bela, Aninka e André; Valentine, Manuela e aos que ainda vir. A cidades oferecem uma tremenda ‘oportunidade de criagio de solu ‘goes inovadoras para o bem-estar das pessoas, apesardacrise quehoje enfrenta- mos. Uma erse sistémica ser preceden- tee, desde que nocss aspéci ce desarvol- veu e a chilzagio prosperou a partic da sua engenhosidade © da exploracio de recursos naturas e urns. Cidades para soprendendo a conviver com 0 netureza mostra queestamos vivendo uma nova era, jf reconhecica como Antropo- eno, pelas mudaneas que causamos no planeta Terra, onasso lar comurn. Edesta- ‘ca queas cdades térmum papel furndamen- tal neste momento: sto fontes de muitos dot maiores impactos eausads 20 nosso ecostistema planetirio o, 20 mesmo tem- o, apresentam um enorme patencial para amenizarasconsequéncas de nossasagées, ousefa,apegada ecolégics da humanidade. ‘Além de expor os problemas © apontar solugbes, a autora Cecilia Herzog relacio~ rnaewemplos de vria citades do mundo e 6 explicita no sentido de que precios ddenatureza om nossse vidas todos of dias. (O que nio é uma opgio;é essencial.E as cidades precisam e podem oferecer qual dade de via para que as pessoas sejam saudivels—fsica, mental eespirtusimen- to, Areas urbanas dever sor destinadas As pessoas, para serem higares onde todos vivam seguros e felizes. “Precisamos ter ‘mals etimuios para vver em comuniace, requemtar espacos_pilbicos ‘condones, enfatiza Cecilia, se um mundo melhor é possfvel com © de cidades para pessoas vivendo em prendi com cada um dos participantes cada um, de alguma forma, deu uma so deste livro. Destaco aqui os mais no Rosa, Gisela Santana, Alex Herzog, a Kussama, Anouck Barcat, Joanna Ali- Yhaniel Chveid. A Associagao dos Ami- “juca tem nos acolhido € dado suporte de Joio Alfredo Viegas ¢ de Danielle poderiamos ter realizado nossas ente. Herbert Hasselmann ~ da Escola _age ~ tem apoiado nossos eventos, que ierre-André Martin tem sido um par- o, pesquisa e projetos de infraestrutura rigada a meus alunos pela participacio Alex Herzog, Femancia Polacow, Anouck tepela leitura critica do livro—ou partes Janeiro, 28 de fevereiro de 2013 Sumério Apresentagéo — Luiz Femando Janot Prefacio — Cynthia Rosenzweig Pretacio Cynthia Rosenzweig Prefécio — Thomas Elmgvist Prefécio Thomas Eimguist Introdugao 1 - Breve Hist6ria Ecolégica e Urbana Como comegamos - 99% da histiria humana A primeira grande transigao A Modarnicade @ a Revolugao Industrial 2—Século Xl — Grandes Mudangas a Vista Eoologia © pensamento sistémioo Resiléncia Biosfera ‘A-econostera e a biosfora Pagada ecolégica Sustontablidade X desenvolvimento Servigos ecossistémicos ‘Mudangas cimatioas ¢ as cidades na era da incerteza 3 — Novo Paradigma para Cidades do Século XX! Cidades ecoldgicas Como chegamos a “cidades celestais"? Infraestrutura verde urbana Sistemas naturais (ecol6gicos) Sistemas antropicos seis sistemas em uma infeestrutur verde ementos) de infaestrutura verde para a escala local 4—Afinal, Existem Cidades Ecolégicas? HOLANDA POLONIA ‘ALEMANHA FRANGA suECIA ‘ARGENTINA NDIA JAPAO CHINA COREIA DO SUL Reflextes Finais: (Re)Aprendendo a Conviver com a Natureza Notas Referéncias ‘Anexos Anexo 1: Sintese e recomendagées para ddasanvolver INFRAESTRUTURA VERDE URBANA ‘Anexo 2: Quadro-sintese do desenvolvimento orientado pela mobilidade de massa (do ingl6s Transit Oriented Development ~ 70D) ‘Anexo 3: Glossério Anexo 4: Vulnerablidades das cidades brasileras as mudangas climaticas (as mais evidentes) 173 175, 178 179 17 240 218 219 223 228 234 259 265 279 201 291 303 305 309 Apresentacao ‘Luiz Fernando Janot im uma époce repleta de incertezas, é extremamente importante refletir 80- bre os atuais modelos de desenvolvimento global tendo em vista as suas Imente, econémica, para tornar as cidades efetivamente sustentiveis. Todavia, 0 conhecimento ¢ a compreensao dos diversos condicionantes que atuam na dinamica transformadora das ci- dadles nem sempre sfo facilmente assimilaveis pelo cidado comum. Em consequéncia, é dificil a tarefa de propor e implantar solugdes mitigadoras para as impactantes estruturas urbanas espalhadas pelo planeta. Nesse ponto se reconhece o esforco despendido por Cecilia Herzog para compilar os seus estudos e pesquisas em um livro de contetido com- plexo, porém, de leiturafécil. Antes de discorrer sobre os intimeros aspec- tos tedricos € conceituais que permeiam o trabalho elaborado, Cecilia se dedicou a escrever e introduzir uma breve histéria ecolégica e urbana com {énfase no despertar da modernidade e da revolugio inc XVII e XIX. A construcio desse embasamento fazer 0 percurso pelo conhecimento das especific 840 apresentadas. O que se depreende dessa estrutura metodolégica ¢ a certeza ce que a ‘obra ird interessar ndo apenas aos meios acatlémicos e profissionais, mas, sobretudo, a0 leitor desejoso de compreender os meandros que configuram, ‘oambiente urbano em que vivernos. A insergao de imagens ilustrando os textos colabora para facilitar essa compreensio e a absorcao de aspectos 3 Novo Paradigma para Cidades do Século XX! “Uns compl profi eonpromate de natrea de ii ‘dss devia es rts rns prbinos am 0 teri a retrntar prohrdorent 3 ase rg e iedes 0 nas cncepén de ues ros qu cers vie” (Bete, 2011.15, ado etre Cidades ecoligicas a paca em que fui macrobitica, na década de 1980, comecei a perceber nossa conexo ancestral com a natureza através da producdo e prepa- ragdo da comida, Muito do que somos se deve & nossa alimentagio. Vivi ‘em lugares diferentes ¢, estudando e pesquisando sobre as cidades, percebi como também somos fruto do ambiente fisico, social e cultural cotidiano: fem casa, no trabalho, no bairro e na cidade. Acredito que cada um de nés seja fortemente influenciado por essa relacZo com os alimentos, com as pessoas € 08 espagas onde vivemos, com 0 modo como circulamos com as atividades que desenvolvemos nesses lugares. O livro O jardim de granito, langado em 1984 pela paisagista Anne W. Spirn, foi um marco em minha ‘compreensio de como a forma urbana influencia as pessoas que nela vi- vem. £ um estudo detalhado sobre a ecologia da cidade e as relagbes de sua forma com o ar, a égua, 0 solo, a vide, a energia € a poluicio. HA quase 30 anos, Spirn via dois caminhos para as cidades. O primeiro seria uma continuagio do mesmo modelo moderno de cidades do sécu- lo XX, a que chamou de “méquina infernal”. Nele os problemas seriam tratados de forma fragmentada ¢ imediatista, com projetos isolados para rerpeepane [i ‘cada situagio, sem uma visio sistémica da complexidade de interagées ‘que ocorrem ma paisagem urbana. Os custos dessas cidades seriam ele- vadissimos, com solugdes paliativas, temporirias, ocasionando problemas ‘em prazos mais longos. Seria como ficar enxugando gelo. Além disso, os ‘vinculos das pessoas com as ruas acabariam sendo cortados, pela falta de ‘espaco para pedestres ¢ convivio social catidiano, ‘Nao seriam localidades sustentdveis ambiental, social, cultural e eco- nomicamente. O pior cendrio delas seriam as “cidades infernais”: sem &r- ‘vores, extremamente quentes, com custo de vida altfssimo, com falta de energia constante, com surtos de doengas, onde @ polui¢do do ar, solos € guas é generalizada. Nessa hipét hordas de pessoas sem es- peranga, em razio de condicées de vida insustentaveis, com falta de &gua, comida, trabalho e até mesmo de meios para se reproduzirem. Elas se re- belariam, mas as cidades jé teriam se expandido tanto, que néo teriam mais para onde ir. Nos Gltimos tempos, temos assistido a cenas que nos remetem a esse quadro dramitico: cidades “doentes”, diversos movimen* tos sociais ¢ revoltas contra o sisterna vigente, sem esquecer 05 migrantes que correm atrés de ura vida melhor em varios continentes, devido a seca «falta de possibilidades de uma vida digna (muitos jd esto sendo conside- rados “refugiados climdticos”). (0 segundo caminho que Spirn via seria a “cidade celestial”, um lu- gar onde a natureza estaria presente ¢ seria cultivada em toda parte. Um lugar onde os sistemas de transportes serviriam para deslocamentos de acordo com as necessidades, preservando os esparos urbanos para que as pessoas pudessem usufrui-los em reas com diversidade vegetal ¢ animal, com fgua limpa e visfvel em fontes, reas alagadas (wetlands), ros e lagos limpos e com vida aquatica. A cultura ea identidade locais seriam preser- vvadas. Nessa cidade, cada pessoa conheceria a histéria natural e urbana da evoluco de sua paisagem, compreenderia os processos naturais que nela cocorrem. A informa¢ao, a tecnologia ea inteligéncia possibilitariam conhe- cer para plancjar, administra e gerarpoliticas e instrumentos que levariam bem-estar para todos, no presente ¢ em prazos mais longos. Os espacos _urbanos seriam multifuncionals, com biodiversidade em todos os lugares. ‘As Aguas des chuvas se infltrariam no local onde caem ou seriam detidas em reas préximas para cvitar enchentes. Parques ¢ florestas estariam en- tremeados no recido urbano, cobrindo encostas para evitar deslizamentos. £ interessante ver como essas duas concepgdes de cidade es uma forma, se transformando em realidade. Existem cidade: com péssima qualidade de vida, trinsito cabtico, poluigéo generalizada © distanciamento das coisas boas da natureza, Entretanto, a forga da natu- teza € sempre senti¢a, mesmo que por meio de tragédias € desconfortos, como: calor excessivo; mosquitos que espalham doencas; tempestades que ‘ausam enchentes; deslizamentos e enxurradas que arrasam tudo pelo ca- ‘minho; e ressacas maritimas que invadem ¢ destroem ruas, construgdes € 1¢ elas tém em comum, além de buscar mitigar as emiss6es de GEE? Flas buscam novos modos de planejar e projetar de forma trans- disciplinar ~ fundamentada no conhecimento cientifico que considera 08 processos ¢ fluxos naturais locais, com a biodiversidade inserida na malha urbana, em todos os lugares possiveis (pelo menos, na teoria), e menos necessidade de consumo para ser feliz. Como chegamos a “cidades celestials"? Nas dltimas décadas do século XX, 0 planejamento ecolégico da pai- sagem ganhou grande impulso quando o paisagista lan McHarg publicou Design with nature (Projetar com a natureza), ern 1969. Nesse livro, ele sistematizou e deu grande destaque para a metodologia de planejamento ‘ecol6gico da paisagem com a técnica de sobreposicéo de camadas de ma- pas geolégicos, hidrolégicos, topogréficos e do uso e ocupac3o do solo, em acetato transparente. McHarg nao foi o primeiro a utilizar essa técnica, ‘mas teve um papel importante na visibilidade que deu a necessidade de se compreenderem os processos e fluxos naturais que ocorrem na paisagem de cada lugar e as formas de ocupacZo em harmonia com a natureza. Esse ‘embasamento técnico-cientifico ¢ fundamental para poder planejar e pro- jetar ecossistemas urbanos sustentéveis ¢ resilientes. ‘A partir dos anos 1980, 0 mesmo periodo de O jardim de granio, rec- nologias mais avancadas como o Sistema de Informacdo Geogrifica (SIG) ppermitiram conhecer ¢ analisar as paisagens em diversas escalas € com bastante preciso. Essa tecnologia impulsionou a ecologia de paisagens, ‘um campo de conhecimento que tem revolucionado o planejamento e 0 ——— | tesannccmne i projeto urbano ¢ rural. Richard Forman ¢ um dos personagens centrais nesse campo: seus livros, suas publicagSes e conferéncias tém aberto novas possibilidades para snderem as dinimicas que ocorrem entre os fragmentos (element is e antrépicos) que compbem as paisagens 08 processos e fluxos 3s, bidticos e das pessoas que mantém o seu funcionamento. Em consoniincia com 0 novo paradigms da incerteza, do nio equilibrio (ou equilfbrio dinamico), agravado pelas mudangas climat mento e projeto de cidades demanda uma abordagem sis \° pporinea em diversas escalas: regional, urbana, da bacia (ou sub-tacia) hi- drogrifica, do bairro e local. Como vimos, qualquer sistema consiste em elementos, conexdes € funcdes. Uma mudanga nos elementos pode ndo alterar a sua fungio, mas uma mudanca nas interconexdes pode alterar dramaticamente o funcionamento do sistema. ‘A ecologia da paisagem ribufdo para a compreensao de que a paisagem urbana € um 20, suscetivel a mudancas Sua estrutura (padrio) de- pende das interagbes (conexbe: lementos abiéticos, bidticos ¢ humanos. Tanto os ecossistemas naturais quanto os humanos podem mudar de mancira inesperada, principalmente quando estdo sujeitos a de patamar e de padrio de funciona: 1. Consequentemente, as paisagens i fa (como vimos no caso das lagoas da bai Jacarepagus - ver cap. 2, p. 78) A ecologia da paisagem tem uma visio sistémica sobre © mosaico da paisagem —no qual se encontram fragmentos urbanos, vegetados ¢ flores- tados (os elementos) ~ e sobre as conexdes ou rupturas (€g. ios € ruas) que existem nos fluxos e processos naturais determinando o funcionamen- ‘to do ecossistema urbano. Ao observarmos, pot exemplo, 0 mosaico da ppaisagem carioca por meio de um mapa ou de uma ortofoto (foros aéreas feitas em escala e montadas com a corre¢io das distorg6es, para visio de territ6rios como se eles fossem um mapa"), € possivel ver que ele com- preende diferentes fragmentos/elementos, que so: macigos cobertos por florestas, areas verdes com coberturas vegetais diversas e areas urbaniza- das (figura 3.1). Esse mosaico apresenta bacias hidrogréficas conduzindo (5 fluxos de aguas que correm para os dois lados dos macicos em direcéo 20 mar e as bafas de Guanabara e de Sepetiba. Também é todo recortado por vias que conduzem trafego de veiculos, onde muitos rios foram cana- lizados ou estio escondidos em galerias subterrneas ou outras reas im- permeabilizadas. Essas areas, urbanizadas ao longo do tempo, interferem ou até barraim os processos e fluxos naturais das 4guas e da biodi- versid meio de um levantamento preciso e detalhado, uma equipe interdisciplinar tem a possibilidade de analisar e fazer um diagnéstico que ‘fo sé oriente um planejamento sustentével de longo prazo, mas também possibilite projetar futuras intervencdes que regenerem éreas sem vida que interrompem fluxos ¢ processos. Planejamentos sistémicos € projetos in- 3s cientfficos, so capazes de evi ‘mitigar enchentes, deslizamentos, ilhas de calor e outros impactos pr veis ao se considerarem diversos cenérios futuros. Figua 9.1 ~ Mapa do Rio de Jans, onde se podem vr os macgos forestados; as dreas babas ‘completamente wrbanizadae; s bcishiroorsicas demarcadas em branc, que corem para oar; (938 vas bala: Guanabara Sapeta (rec: Bresiiano Vito Fic, SMAC), A ecologia urbana ganhou forsa nos tiltimos anos, abrindo caminhos para que se compreenda melhor a interacZo entre a natureza e as pessoas. As cidades passaram a ser entendidas como complexos sistemas socioe- col6gicos nos quais a natureza existe nos lugares que menos imaginamos, ‘mas nos influencia 0 tempo todo. Na verdade, somos parte dela, e nossa ‘qualidade de vida depende da qualidade dessa relacio, de como percebe- mos a sua importéncia, de como convivemos com ela. A ecologia urbana esti dividida em dois ramos: (a) ecologia NAS ci- dades — estuda os padres e os processos ecoldgicos que ocorrem em am- bientes urbanos, compara esses padres com outros ambientes e verifica de que modo a urbanizagio interfere na ecologia das espécies animais sesso i que mantém o equilibrio dinémico, sustentavel e resiliente do ecossistema ‘A infraestrutura verde, também chamada de infraestrutura ecolégica, & lum conceito que tem evoluido rapidamente ¢ se tornado mais abrangente nos diltimos anos. £ fundamentada nos conhecimentos da ecologia da pai- sagem e da ecologia urbana. Compreende.a cidade como um sistema socio- ecol6gico, por meio de uma visio holistica, sistémica. Consiste em plane- jar, projetar e manejar construges e infraestruturas novas e existentes, de ‘modo a transformé-las em esparos multifuncionais — que fazem parte de ‘uma rede interligada de fragmentos vegetados ou permedveis, conectados por corredores verdes e azuis, nos quais a biocliversidade protege e melho- ra. qualidade das dguas, objetivando reestruturar 0 mosaico da paisagem em miltiplas escalas. Corredores verdes e azuis so as interconexées ne- cessdrias para que haja sustentabilidade da paisagem, as quais mantém ‘ou restabelecem os fluxos da biodiversidade vegetal e animal, e das aguas ~ tanto dos rios e canais renaturalizados quanto de ruas densamente arbo- ceauecia rizadas, com canteiros ricos em espécies de plantas e permedves ‘A ideia bisica € mimetizar 0 que ocorre nas paisagens naturais, aprender “Procre solgbes com mies wos. At metas is ‘com a natureza fazendo “edlifcios como drvores e cidades come florestas”.? A ‘ser mas cour problera so mesmo tp” (Mierko {nfraestratura verde ¢ uma rede ecoldgica urbana que reestrutura a paisagem, Matanol, Multole Votores, 2007, radu d asora) ‘mimetiza os processos naturais de modo a manter ou restaurar as fungSes do ecossistema urbano, oferecendo servigos ecossistémicos no local. Alguns esses servigos sic: redugio das emiss6es de GEE; prevengio de enchentes © deslizamentos; amenizagio das ilhas de calor; redugdo no consumo de ener- sia: produgio de alimentos; melhoria da satide fisica, mental ¢ espiritual das pessoas; aumento e melhoria da biodiversidade nativa, dentre iniimeros ou- quecidos em grande parte do século XX, diversos movimentos nasceram ‘tos. Esse tipo de infraestrutura tem como meta tornar os ambientes urbanos nna tiltima década visando mitigar 08 problemas das cidades modernas da mais sustentéveis ¢ resilientes por meio da interacio cotidiana das pessoas ‘com 2 natureza em espacos onde ambas tenhar total prioridade. AA infraestrutura verde & multiisciplinar e, para efeito metodol6gico de Jevantamento, andlise e diagnéstico, baseia-se em seis sistemas que se super- lem e sio intrinsecamente relacionados: geoldgico, hidrolbgico, bioldgico, social, circulatério e metabslico. Vamos analisar cada sistema para poder en- ae aa parcel ‘arar 0 desafio de integré-los, buscando sinergias e miiltiplas funcionalidades ‘que atendam as necessidades das pessoas e mantenham os processos ¢ fluxos transformago — ou retrofit — cespecificas (quase sempre sio monofuncionais) em éreas multifuncionais, —— 8 orieH moaetog e199 inaturais em planos ¢ projetos que deem suporte para a sustentabilidade e re- siligncia urbana, com porencial para enfirentar os desafios do terceiro milénio. © enfoque da. infraestrutura ecolégica est na funcionalidade ¢ néo apenas nos elementos que compoem a paisagem urbana, dependendo da ‘scala do plano ou projeto. A abordagem é sistémica. Como exemplo, duas ‘questdes urgentes: (2) como conseguir methor mobilidade com o uso de bicicletas ¢ preencher a sua fungio (de possibilitar e incentivar a circulaco segura de ciclistas) como modo de transporte urbano limpo - em vez de de quildmetros de ciclovias, que podem nfo atender as reais, necessidades; (b) como evitar enchentes e melhorar a qualidade das éguas ~ em ver de projetar a construcio de elementos de um macrossistema de drenagem, que pode nfo dar vaz4o ao volume e impacto imprevisivel de quas pluviais no presente, e considerando que ser agravado no futuro. Sistemas naturais (ecol6gicos) (@) Sistema geol6gico 'Nés todos vivemos sobre o solo, que é litosfera. Ela é o nosso suporte geolégico, que evoluiu desde os principios do planeta sob a acdo de movi- 8 vuledes, de impactos de asteroides, sobre 0 qual moramos, sfo originados dessa formagao geologica ¢ afetam nossas vidas, mesmo que nio tenhamos consciéncia disso. O sistema geol6gico € um fator que influencia a maneira como os padres @ 08 processos ocorrem nas paisagens urbanas ¢ o modo como eles se de~ senvolveram ao longo de sua histéria. As estruturas e as formas geolbgicas desempenham diversas funges como base da ocupacio urbana. A geologia local constitui um fator fundamental da estabilidade do terreno, podendo li- ‘mitar intervenes em razio da suscetiilidade frente a capacidade de suporte (queis os limites para sua ocupacao), erosio, deslizamentos e enchentes. © solo € vivo. E fruto da erosio da rocha matriz, que depende de sua formagio geol6gica e da matéria organica gerada por sua cobertura vegetal. Contém micro-organismos e nutrientes essenciais que dio suporte a vida vegetal. Apresenta diferentes estruturas ¢ plasticidades, que determinam ‘mais argiloso, mais impermefvel € 0 solo, pois suas particulas sio muito fi nas ¢ facilmente carreadas pelas éguas. Normalmente, é encontrado em ére- as baixas, em linhas d4gua que receberam sedimentos escoados ao longo éo ‘tempo, ¢ é também mais fétil,Jé o arenoso € permeavel, porém com pouca ‘ounenhuma matéria organica, com consequente baixa fertlidade. Portanto, importante conhecer o tipo de solo para saber qual a sua voca¢ao, ‘A geomorfologia (forma da peisager), 0 tipo de solo ea coberura vege- ser vulnerdveis a escorregamentos de terra, ¢ as dreas baixas, a inundagées. Solos de éreas alagadigas, que margeiam corpos d'4gua, podem ser suscepti- vis a instabilidade quando aterrados, tendem a afundar e ocasionar severos Impactos futuros com a alteragio dos processos hidricos, podendo levar a cenchentes e inundagdes frequentes. O levantamento, a andlise eo diagnésti- co dos fatores geolégicos, através de mapeamentos, permitem identificar 2s 4rcas mais vulnerdvels que devem ser protegidas, 0s locais mais adequades ocupagio humana e os mais recomendados para o plantio de alimentos, além dos espagos que dever ser reflorestados. A formacio geol6gica pode ser também um fator estético que define a identidade da cidade. A cidade de Nova York ¢ exemplo de como o sistema geolégico local foi determinante para sua forma: 05 altissimos arrariha-céus sio possiveis em determinadas partes da ia de Manhattan em razo de a composi¢io da rocha matriz suportar esse tipo de edificagio, (© Rio de Janeiro é um caso interessante, pois a sua formagio geologica € extremamente importante na criagao de sua identidade, com suas praias, lagoas e o perfil de seus macigos reconhecidos mundialmente, principal- ‘mente Copacabana, Ipanema, Lagoa Rodrigo de Freitas, Corcovado e Pio de Aciicar. Essa paisagem estupendi foi eleita Patrim6nio Cultural da Hu- ‘manidade Mundial pela Unesco' em julho de 2012. Por outro lado, essa mesma formagio geolégica € de extrema vulnerabilidade, com encostas ingremes cercadas, em grande parte, por lagoas litorineas, mar e duzs ba- fas. As dreas de encosta apresentam alta vulnerabilidade a erosio e a des- lizamentos. As baixadas sio dreas de acomodaco das aguas que escoam por suas bacias hidrogrificas. O sistema geol6gico local tanto é atraente quanto frdgil e vulnerdvel & ocupagio (figura 3.2). occons sine end eutpengc | = | = te 4.2 A pad lhe oo ee et shaza sot n stom ‘Roca cas ce vars or ip pros € as Arner acs ts cog os erat oe () Sistema hidrolégico [A hidrosfera, toda a dgua do planeta, se encontra em apenas trés esta- sempre em movimento ¢ em transformacio no ciclo ido e gasoso. Por se tratar de um ciclo (que, por .), vamos considerar sua ocorréncia a partir das chuvas ‘ow nevascas ~0 que se chama precipitaco. Quando a chuva cal, ela pode se infiltrar no solo; percolar até o lencol subterrineo; escoar subsuperficial- ‘mente, isto é, por baixo da superficie, paralelamente em direcZo a um canal de drenagem; escoar superficialmente, se 0 pavimento for impermedvel; ou drenar em canais ou tios até nde ficard estocada:lagos,lagoas,* maces - ou, ainda, em éreas urbanizadas impermeévels, causando as en chentes. A Agua evapora por: transpiragio que ocerre com o calor © por intermédio dos processos vitais da vert cevapotranspiracio. ses -aglo vai formar as nuvens, que vio, em algum momento, s¢ trans- eee aeenages fechado, porque contém toda a agua do planeta, que muda de estado fisico e se desloca no espaco geogrifico terrestre. No entanto, localmente, € um sistema aberto, pois a chuvas que precipitam em um lugar so originérias dde éguas evaporadas em outras regides. A qualidade das éguas das chuvas depende da qualidade da atmosfera e das particulas concentradas, podendo ser extremamente danosa, como as chuvas dcidas causadas por . ‘A dgua é um bem comum que esté sob a ameage real de e: ‘causa de diversos fatores: poli jmentagio de produ corpos digua; deserificago; salinizacio; impermeabilizacio dos solos ¢ irrigaco para agriculture, podendo ser contaminada por agrotéxicos e per- colar até os lengéis subterrineos ~_dentre outras causas. As 4guas potiveis 1do que muitos produtos, como se pode atestar através dos pregos pagos pela agua engarrafada —_mais ara que a gasolinal A gua é 0 bem mais precioso. Cientes disso, algumas empresas internacionais compraram os direitos de exploragio de fontes de éguas pocéveis em muitos paises, inclusive no Brasil (basta verificar quais so as empresas responsé- veis pelo suprimento de éguas industralizadas oferecidas no mercado). Grande parte das cidades se desenvolveu no entomo de tios e mares, por ‘causa da facilidade de transporte ¢ comunicaco. As aguas fazem parte das paisagens naturais e culturais ao longo da hist6ria, com papel relevance em Drojetos desde a Antiguidade. Elas transmitem um sentimento de calma ede ‘ranquilidade, além de proporcionar éreas para recreacio ¢ lazer, em muitos «casos com potencial para desenvolvimento econdmico local e regional. Sua presenga nos espaos urbanos pode contribuir para amenizar as ilhas de ca- lor resultantes da concentracio de éreas construidas e pavimentadas. Areas urbanas degradadas, préximas as aguas, iém sido renovadas ultifuncionais (greenways) ou de novos bairres. Alguns exemplos sio: Hammarby, novo ecobairro em ‘no sul da Flérida ~ esse corredor verde multifuncional deu inicio a revitalizagdo de toda a rea central da cidade, ativando a sua economia a partir da década de 1980. sistema hidrol6gico de grande parte das cidades foi tremendamente alterado, a0 longo da ocupacéo da paisagem, para dar lugar 4 urbanizaczo. ‘Um bom exemplo do tratamento que as 4guas recebiam no final do século XIX e no comeco do XX esté no coracio da cidade do Rio de Janeiro, em tuma das suas paisagens mais espetaculares: a Lagoa Rodrigo de Freitas. Atualmente, cla possui a metade de seu tamanho original. Foi aterrada para urbanizacio e recebeu um anel virio em seu entorno. Entretanto, poderia ter sido muito pior. No final do século XIX, a Lagoa era vista como origem de inimeros problemas causados pelas Aguas escagnadas e, por isso, trés propostas de aterro total foram apresentadas para suprimi-la da paisagem (uma delas da autoria de Osvaldo Cruz). Atualmente, seu espe- tho d’égua € tombado.* © crescimento urbano, estruturado pela cultura do uso d automotores ¢ pela valorizagio do solo urbano (especulagéo im aliado & falta de planejamento ecol6gico de ocupacio da paisagem, W fev omnaee 00 sane” mied mufinmina asc cite pestis ntual de reas impermedveis. Elas alteram . thes, atualmente quase todos sem vida. A qualidade das aguas deveria ser prioridade nas politicas piblicas, ‘As dguas urbanas esto sujeitas a poluigZo por fontes pontuais ou difusas. pois clas medem como estd a saide da cidade, que reflete na saide de ‘A pontual pode ser detectaca e controlada localmente, como esgotos domés- seus habitantes. Muitas cidades dependem de ‘guas de bacias hidrogrési- ticos ¢ efluentes industrais; a difusa (ou ndo pontual) vern de fontes difusas ‘cas distantes, com altos custos eriscos de contaminacio e ruptura no abas- deve ter traramento difuso. A poluigo nfo pontual é a mais problemética nas tecimento. E as duas maiores do Brasil ~ Sfo Paulo e Rio de Janeiro — so ‘idades, pois ndo é consicerada na maior parte dos planejamentos e projetos. extremamente vulneraveis(ver cap. 1, p. 70). ‘Além disso, prevenir suas causas nfo faz parte de politicas pablicas brasileiras ‘So Paulo depende, em grande parte, de suprimento da bacia do rio Ela se compe de contaminacio por residuos depositados sobre superficies Piracicaba e seus mananciais na parte sul da cidade ~ as represas Billin impermedveis diversas, ais como: telhados,tetos, vias, caadas, quintais, es- ‘88 € Guarapiranga, que esto com as margens ocupadas e degradadas. A tacionamentos, oficinas meciinicas, garagens de énibus, postos de gasolina, Secretaria do Verde e do Meio da Cidade de Sio Paulo ter trabalhad& ‘etc. Essas superficies recebem particulas de poluigao atmosférica, residuos de recuperacio dessas margens, para melhorar a qualidade de suas 4guas e ga- ‘borracha de pneus, 6leo e gasolina dos vefculos, fezes de animais, produtos rantir, no longo prazo, a qualidade dos mananciais - que compoem a Area ‘quimicos e de limpeza diversos, agrotoxicos usados em jardins, enfim, uma de Prorecio Ambiental (APA Capivari-Monos),’ criada em 1993, ‘enormidade de contaminantes que vao escoar para 0s rios e seguir até o mar Para seu abastecimento, grande parte da cidade do Rio de Janeiro e da cu vio se depositar nos fundos cos corpos d'igua pelo processo de sedimenta- baixada fluminense — aproximadamente 10 milhées de habitantes - depet Go. Cerca de 90% da polui¢io difusa & carreada pelo escoamento superficial, de da transposicao de aguas da bacia do rio Paraiba para o sistema Guandt principalmente nos primeiros minutos das chuvas (25mm). © rrisco de contaminacio ao longo da via Dutra, onde estio localizados os 3 so ion Sozioy wozeHeg e090 | resecvatorios, 6 enorme devido 4 poluicio difusa que escoa da estrada a cada chuva. Se houver um acidente com o derrame de algum liquido t6xico ro asfalto, este poder escoar e atingir as éguas que abastecem as cida- des a jusante. Os dois casos colocam as populagées das duas megacidades em situagdo de alta vulnerabilidade a contaminaglo por fontes difusas € ppontuais, além de alto potencial de ruptura no abastecimento em eventos extremes, (0 sistema de drenagem urbano consiste num sistema hibrido, que combina a drenagem natural ~ por meio dos corpos d'4gua remanescentes (rios, alagados, etc.) ~ ¢ a rede de drenagem construida ~ com as éreas de acumulacdo e estoque de aguas. Para se planejar ¢ projetar a infraestruture verde, todos os fluxos de 4gua existentes devem ser mapeados, a fim de ‘que se possa analisar por onde eles circulam e como se acurnulam na pal-

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