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Instituições, Regimes

e Organizações
Internacionais
Prof. Diego Boehlke Vargas

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Diego Boehlke Vargas

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

V297i
Vargas, Diego Boehlke

Instituições, regimes e organizações internacionais. / Diego Boehlke


Vargas. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.

211 p.; il.

ISBN 978-65-5663-343-5
ISBN Digital 978-65-5663-344-2

1.Relações internacionais. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


da Vinci.

CDD 327

Impresso por:
Apresentação
Olá, acadêmico! Seja muito bem-vindo aos estudos das Instituições,
Regimes e Organizações Internacionais. Esta disciplina envolve um grupo
bastante amplo de conceitos, contextos históricos e acordos em nível interna-
cional por meio das instituições, que atuam no espaço internacional.

Você já pensou em todas as relações humanas que envolvem a dinâ-


mica das Relações Internacionais? A forma pela qual políticas internacionais
são operacionalizadas? A cooperação que pode existir entre Estados para a
convergência de interesses comuns? Estas são as preocupações de diversas
teorias das Relações Internacionais que você irá aprender aqui.

E quanto aos regimes internacionais? O que eles são, de fato? Nós


veremos que os regimes se disseminaram por diferentes áreas temáticas no
contexto internacional. Existiram regimes internacionais de segurança para
garantir a paz com o passar das grandes guerras mundiais. Contudo, a segu-
rança internacional continua sendo foco de amplo debate político e econô-
mico na atualidade.

É deste contexto que emana a relevância das organizações interna-


cionais em um cenário que os Estados nacionais não são os únicos atores
políticos a se relacionarem. As relações econômicas possuem organizações
específicas; a garantia dos direitos humanos precisa ser executada de forma
neutra e autônoma; o meio ambiente não é gerido por um único dono. O
conjunto das organizações no campo internacional traz legitimidade e de-
mocracia para ações realizadas, cujos objetivos se somam ao alcance de um
desenvolvimento pleno, amplo e sustentável aos indivíduos.

Assim, as temáticas citadas serão amplamente estudadas ao longo


das páginas do Livro Didático de Instituições, Regimes e Organizações Inter-
nacionais. Dedicar-nos-emos tanto às teorias que fundamentam as institui-
ções e os regimes internacionais, quanto à manifestação dos regimes interna-
cionais no campo político e social, seja por meio da segurança internacional,
do comércio internacional, dos direitos humanos ou do meio ambiente. Para
ajudá-lo nos estudos, os temas apresentados ao longo do livro foram dividi-
dos em três unidades, cada uma delas contendo três tópicos, além de autoa-
tividades de apoio. Fique atento à leitura!

A Unidade 1 foi dedicada às teorias de base das instituições e organi-


zações internacionais, bem como à Teoria da Interdependência Complexa e à
cooperação internacional. No início de cada unidade, você encontrará os obje-
tivos específicos das unidades, que podem ser usados como guia. Na Unidade
2 entramos no campo dos regimes internacionais. É o momento de entender
o desenvolvimento teórico e prático dos regimes internacionais, assim como
sua relevância para o contexto das Relações Internacionais. A Unidade 3 foi re-
servada ao aprofundamento do tema das organizações internacionais a partir
das dinâmicas econômica, social e ambiental. Desta forma, você irá estudar os
organismos internacionais do comércio internacional, a formação do regime
internacional de direitos humanos e de mudanças climáticas.

As teorias e os temas abordados ao longo do livro didático são o prin-


cipal material para os seus estudos na área de Instituições, Regimes e Orga-
nizações Internacionais. Contudo, as páginas desta obra também são dedi-
cadas à indicação de diversas dicas, sites, vídeos, bibliografias e muito mais
para que você possa ampliar ao máximo seus conhecimentos. Além disso, as
autoatividades ao final de cada tópico, garantem que o conteúdo estudado
seja devidamente discutido a aprendido. Portanto, não deixe de fazê-las e
tirar suas dúvidas conosco.

Desejamos ótimos estudos para você!

Diego Boehlke Vargas

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para
diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apre-
sentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em
questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institu-
cionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar
seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de De-
sempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS.................................................................... 1

TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO.................................................. 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 LIBERALISMO CLÁSSICO E INSTITUCIONALISMO LIBERAL-
INTERNACIONALISTA..................................................................................................................... 4
3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DOUTRINAS ECONÔMICAS:
MERCANTILISMO, LIBERALISMO, MARXISMO E NEOLIBERALISMO........................... 8
RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 18
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 19

TÓPICO 2 — TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA...................................................................... 21


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 21
2 INTERDEPENDÊNCIA E ATUAÇÃO DOS ATORES INTERNACIONAIS.......................... 21
3 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA ...................... 30
RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 37
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 38

TÓPICO 3 — COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ....................................................................... 39


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 39
2 GRANDES GUERRAS MUNDIAIS E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL........................ 39
3 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL............... 46
4 COOPERAÇÃO NORTE-SUL E SUL-SUL.................................................................................... 48
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 53
RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................... 57
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 58

UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS............................................................................. 59

TÓPICO 1 — PRINCÍPIOS E CONCEITOS DOS REGIMES INTERNACIONAIS................ 61


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 61
2 VISÕES, PERSPECTIVAS E O DESENVOLVIMENTO DOS REGIMES
INTERNACIONAIS.......................................................................................................................... 62
RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................... 76
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 77

TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS.................................................................................................... 79
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 79
2 REGIMES INTERNACIONAIS NO DEBATE DAS TEORIAS
DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS.......................................................................................... 79
2.1 VISÃO ESTRUTURAL CONVENCIONAL............................................................................... 82
2.2 VISÃO ESTRUTURAL MODIFICADA...................................................................................... 84
2.3 VISÃO GROCIANA (OU COGNITIVISTA).............................................................................. 88
RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................... 93
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 94

TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL................................................ 95


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 95
2 HISTÓRICO DA SEGURANÇA INTERNACIONAL NO MUNDO....................................... 95
3 ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN)................................ 102
4 CONSELHO DE SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS (ONU)................................................................................................................................ 110
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 115
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 121
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 123

UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS........................................................... 125

TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL............................ 127


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 127
2 INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E O REGIME INTERNACIONAL DE COMÉRCIO......... 127
3 BLOCOS ECONÔMICOS: OS CASOS DE UNIÃO EUROPEIA, ACORDO DE
LIVRE COMÉRCIO DA AMÉRICA DO NORTE E MERCADO COMUM DO SUL......... 133
3.1 UNIÃO EUROPEIA – UE .......................................................................................................... 134
3.2 ACORDO DE LIVRE COMÉRCIO DA AMÉRICA DO NORTE – NAFTA........................ 136
3.3 MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL ...................................................................... 140
4 O ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO (GATT) E A
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO........................................................................ 143
4.1 A RODADA URUGUAI . ........................................................................................................... 147
4.2 A RODADA DE DOHA.............................................................................................................. 150
RESUMO DO TÓPICO 1 .................................................................................................................. 154
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 155

TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS........................... 157


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 157
2 HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO......................................................... 157
3 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS........................................................................ 168
RESUMO DO TÓPICO 2 .................................................................................................................. 177
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 178

TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE .................................... 179


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 179
2 A FORMAÇÃO DO REGIME INTERNACIONAL AMBIENTAL ......................................... 179
3 CONVENÇÃO - QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇAS
CLIMÁTICAS E O PROTOCOLO DE KYOTO.......................................................................... 190
LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 199
RESUMO DO TÓPICO 3 .................................................................................................................. 203
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 205

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 206
UNIDADE 1 —

INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a importância do pensamento liberal-clássico e do


institucionalismo;

• esclarecer e revisar as doutrinas econômicas relevantes às Relações


Internacionais;

• entender a contribuição da Teoria da Interdependência complexa e


a atuação dos atores internacionais;

• analisar a cooperação internacional investida ao longo do Século


XX, bem como diferenciar as cooperações Norte-Sul e Sul-Sul;

• distinguir os conceitos de dependência mútua, assimetria,


sensibilidade e vulnerabilidade;

• analisar as premissas fundamentais do modelo de Keohane-Nye.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

TÓPICO 2 – TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA

TÓPICO 3 – COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em


frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! É um prazer tê-lo como leitor do livro de Instituições,


Regimes e Organizações Internacionais. O estudo das Relações Internacionais
possui um amplo campo de debate ao longo do Século XX. Os avanços e retrocessos
das dinâmicas política, econômica e social nos diferentes Estados reconfiguraram
um tema já antigo às sociedades: a inter-relação mútua que é própria do conjunto
social.

A partir de um cenário em que o fluxo de pessoas, produtos, armas e, até


mesmo, de poder é altamente intensificado, o tema das Instituições que regulam
e atuam, no interior e entre os Estados, passa a ter demasiada relevância para o
contexto internacional.

Muitas são teorias e as perspectivas que analisam a inter-relação entre


os Estados. Aliás, o tema do Estado é objeto de estudo há muitos séculos. Não
é necessário ser cientista social ou economista para entender o funcionamento
básico do mercado, ou saber minimamente que existe uma relação de poder entre
o Estado e demais instituições da sociedade. Contudo, é importante que enquanto
estudante, você saiba distinguir diferentes visões quanto ao campo de estudo das
Relações Internacionais. É a partir destes marcos que iremos entrar no mundo das
Instituições Internacionais no Tópico 1.

Veja algumas perguntas que procuraremos responder ao longo das


páginas seguintes: de onde se origina o pensamento liberal? Qual é a importância
do liberalismo clássico? Como podemos entender o institucionalismo? Quais
doutrinas econômicas são relevantes para o estudo das Relações Internacionais?
Como podemos diferenciar o liberalismo do marxismo? Como o neoliberalismo
nos ajuda a compreender o mundo atual?

Ficou curioso? Para que estas perguntas sejam respondidas da forma mais
clara possível preparamos este livro com uma leitura fácil e dinâmica, embora seja
preciso atenção e dedicação para que os temas sejam perfeitamente assimilados.
As páginas que você lerá contam com ilustrações, informações adicionais e dicas
para aprofundar o seu estudo.

Desejamos que tenha ótimos resultados! Vamos lá?

3
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

2 LIBERALISMO CLÁSSICO E INSTITUCIONALISMO LIBERAL-


INTERNACIONALISTA

Quando procuramos estudar com maior propriedade uma escola de


pensamento é fundamental que façamos um retorno às origens fundacionais ou
às matrizes de sua formulação, bem como ao contexto histórico de suas principais
obras literárias.

Esta perspectiva é um pouco do que faremos com a análise do liberalismo


clássico, do institucionalismo liberal-internacionalista e do neoliberalismo. As
fontes que inspiraram e inspiram determinado paradigma científico devem ser
minimamente conhecidas para que suas premissas possam ser reconhecidas e
suas tendências futuras previstas.

Partindo da ideia de liberalismo clássico, é possível afirmar que este


paradigma teórico representa a base para demais vertentes do liberalismo.
Em seu conjunto, composto por matrizes jurídicas, filosóficas, naturalistas, o
liberalismo clássico representa o paradigma teórico do liberalismo nas Relações
Internacionais (CASTRO, 2012).

O liberalismo clássico é o arcabouço teórico que faz contraposição ao


realismo, tanto clássico, como neoclássico e neorrealista. Enquanto o realismo
defende centralidade no Estado e do Estado, o liberalismo não desconsidera
a importância desta instituição, ou do Leviatã, mas “enxerga outras forças
pulverizadas juridicamente guiadas no interior e no exterior dos Estados que
possuem papel legitimante nas Relações Internacionais” (CASTRO, 2012, p. 338).

E
IMPORTANT

A existência de outros atores internacionais na dinâmica das Relações Interna-


cionais é o ponto principal da crítica liberal-institucionalista ao realismo, o qual considera
válidas apenas as variáveis diplomáticas e militar-estratégicas. Com a difusão de atores não
estatais no cenário internacional e a relevância de questões globais, como o tema do Meio
Ambiente e dos Direitos Humanos, o institucionalismo critica a visão realista considerando
que tais forças transcendem a capacidade de ação dos Estados de forma individual e abrem
oportunidade para um processo de cooperação internacional.

Ademais, no liberalismo está presente a noção progressista e de confiança


sobre a natureza humana, e da partilha de responsabilidades comuns como forma
de promover a paz, a justiça, a cooperação. Os marcos do liberalismo podem ser
vistos no reconhecimento da força normativa das instituições multilaterais, dos
regimes internacionais e das regras acordadas entre diferentes sociedades. Aliás,

4
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

deste modo, podemos perceber que muitos dos temas que estudaremos ao longo
das páginas deste livro têm origem no paradigma do liberalismo.

NOTA

Hobbes utilizou o Leviatã como referência ao monstro bíblico que aparece


no livro de Jó para expressar o significado do Estado como uma organização política. A
imagem da capa revela muito sobre o pensamento de Hobbes. Em primeiro plano aparece
um homem, o monarca, segurando uma espada na mão direita e um cetro, na esquerda,
os quais sugerem, respectivamente, a força do absolutismo e a da Igreja. A coroa indica
a liderança de tal monarca. O corpo da figura desta autoridade é composto por uma
multidão de pequenos seres humanos, que seriam aqueles que abdicam de seus direitos
particulares para transferirem-nos àquele que os irá representar, este seria o “corpo político”
do soberano. Além disso, o tamanho do rei é maior do que o das pessoas que compõe a
estrutura de seu corpo, indicando assim, sua grandiosidade e superioridade política e social.
O monarca encontra-se, também, acima de uma cidade e, inclusive, acima da imagem
de uma Igreja, representando uma ordem hierárquica (aqui a imagem foi colocada lado a
lado).

FONTE: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/a-obra-leviata>. Acesso em: 27


maio 2020.

DETALHES DA CAPA DE LEVIATÃ, DE THOMAS HOBBES (1651)

FONTE:<https://bit.ly/30RfOf8>. Acesso em: 26 maio 2020.

São muitas as obras que representam fontes inspiradoras para o


paradigma do liberalismo clássico, contudo, há duas obras principais que podem
ser consideradas aqui: de Marsílio de Pádua, Defensor Pacis (do Século XIV) e de
Dante Alighieri, Da Monarquia (do Século XIII).

O liberalismo clássico defende o pacifismo a partir do cooperativismo,


da transparência e do progresso, além do conjunto de princípios jusnaturalistas
de Immanuel Kant. Com relação ao cooperativismo estatal, a inspiração está na

5
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

formalização de uma comunidade perfeita, expressa em Defensor Pacis (1324), ou


por meio da ilha perfeita, estável e comunitária de Thomas More (1587), a Utopia.
Especificamente em relação às guerras, na ilha Utopia, idealizada em sua criação,
vê-se que “os Utopianos detestam e abominam a guerra como coisa brutal e
selvagem”; “os Utopianos lamentam e chegam mesmo a se envergonhar de uma
vitória sangrenta, considerando loucura comprá-la por tal preço” (MORE, 2001,
p. 94 apud CASTRO, 2012, p. 339). Ideias que vão ao encontro do pensamento em
formação em torno do paradigma do liberalismo clássico.

NOTA

A outra referência que inspirou o liberalismo clássico está nas palavras de


Dante Alighieri, em Da Monarquia (ALIGHIERI, 1980, p. 10 apud CASTRO, 2012, p. 339, grifo
nosso): Entre dois príncipes, dos quais um não é submetido a outro, pode surgir um litígio,
seja pela sua própria culpa, seja pela culpa dos seus súditos, é evidente. Por isso, entre eles
é necessário um julgamento. Como um não pode examinar a conduta do outro (cada
um deles sendo independente e um igual não tendo nenhum poder sobre seu igual) um
terceiro príncipe deve existir, com uma jurisdição mais ampla e que tenha sob seu poder
os dois príncipes precedentes.

É perceptível que os escritos durante a Idade Média possuem muita


correlação com a atualidade das organizações internacionais e do multilateralismo
a partir do Século XX. O grifo relativo ao “terceiro príncipe” se refere a uma
instituição superior aos Estados nacionais, mas com neutralidade suficiente para
exercer influência sobre decisões que afetem ambos os territórios.

Estas e muitas outras obras são, portanto, partes de um liberalismo que foi
sendo formado e pensado ao longo dos anos, as quais representam o contraponto
ao realismo. Assim, a idealização do liberalismo vinha sendo preenchida com
perspectivadas a partir da lógica da boa-fé, da cooperação, da interação normativa
e igualitária no campo político da esfera internacional, além de um arcabouço
jurídico capaz de articular a paz e a justiça mundiais por meio de partilha e
aceitação de valores universais (CASTRO, 2012).

6
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

NOTA

Vejamos, por exemplo, como Immanuel Kant conduzia a discussão que lançou
as bases e consolidou o ideário liberal, em À Paz Perpétua (KANT, 2008, p. 52 apud CASTRO,
2012, p. 340), em que se percebe a preocupação com a autonomia de cada Estado: “a ideia
do direito internacional pressupõe a separação de muitos Estados vizinhos independentes
uns dos outros, embora uma tal situação seja em si já um estado de guerra [...]; é, contudo,
mesmo este estado, segundo a ideia da razão, melhor do que fusão deles por uma potência
que cresça uma sobre a outra e que se converta em uma monarquia universal”.

Agora que já conhecemos um pouco sobre o liberalismo clássico, cabe nos


preocupar com uma das vertentes que mais nos interessa, que diz respeito ao
institucionalismo, com o chamado liberalismo de linha institucional.

Por meio desta perspectiva, o termo “instituição” tem como definição


um arranjo específico construído pelo homem, formal ou informalmente
organizado, no sentido em que permite que organismos internacionais possam
operar diferenças de forma eficiente como forma de resolução dos conflitos de
interesses. Assim, o institucionalismo liberal-internacionalista (ILI) é composto
por três características essenciais:

• “Afirmar o fato de que instituições multilaterais em conjunto com regimes


internacionais normatizam a conduta externa dos Estados.
• Sintetizar a importância da boa-fé, da transparência discursiva e da ação demo-
crática como prática aceita e amplamente debatida nos fóruns internacionais.
• Fundamentar-se na necessidade de multilateralidade participativa dos
Estados que estão posicionados em um patamar de isonomia e coordenação”
(CASTRO, 2012, p. 356).

O ideário que formou a ONU em 1945, por exemplo, é a do paradigma


do institucionalismo liberal-internacionalista, cuja missão foi e continua sendo
marcada pelo idealismo de Immanuel Kant da “paz perpétua” no plano
multilateral.

A transferência parcial de soberania para um organismo supranacional


traria governança democrática e paz coletiva por meio do estabelecimento do
comunitarismo à luz do pensamento kantiano. Assim, os valores adquiridos
seriam relativos à isonomia dos Estados, ou seja, quando os estados são governados
todos pelas mesmas leis, com legitimidade multilateral, comunitarismo e
jurisdicionalidade externa, por meio da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Estas
são as características que perfazem o liberalismo como o ideal que norteou sua
missão fundamental (CASTRO, 2012).

7
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

O principal objetivo da ONU estava em evitar uma nova guerra em escala


mundial, como foram os casos da primeira e segunda guerras mundiais, cujas
consequências, conforme descreve o Preâmbulo da Carta das Nações Unidas,
trouxeram sofrimentos extraordinários à humanidade. Além disso, buscou
constituir-se no centro harmonizador entre seus Estados-membros como o intuito
de aprimorar o sentido altruísta do comportamento externo coletivo. Ou seja,
seu papel almeja ser bem maior do que o de limitar conflitos armados em escala
mundial, mas o de atuar de forma mais incisiva nos contextos socioeconômicos,
culturais, comerciais e humanísticos, sobretudo, quanto à redução da fenda que
separa o mundo das grandes regiões Norte, industrializada, e Sul, em processo
de desenvolvimento (CASTRO, 2012).

Os “sofrimentos indizíveis” (untold sorrow), descritos no preâmbulo da


Carta, referem-se não somente aos totalitarismos nazifascistas desde a
década de vinte no período descrito por Hobsbawm por “paz armada”,
mas também a quaisquer outros revolucionarismos de conquista que
ousaram questionar e redefinir a falida ordem Europeia herdada de
Viena em 1815 e, posteriormente, a fraturada e frágil ordem mundial
do interbellum de Versalhes de 1919 (CASTRO, 2012, p. 358).

Contudo, se a ideia principal da ONU girava em torno de uma


desmilitarização das sociedades, após 1945, houve um movimento contrário,
no sentido de uma militarização ampla dos Estados, tornando a ONU um ator
secundário no âmbito dos assuntos de alta densidade política internacional, com
papel de menor centralidade nas Relações Internacionais.

3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DOUTRINAS ECONÔMI-


CAS: MERCANTILISMO, LIBERALISMO, MARXISMO E NEOLI-
BERALISMO

Outra grande abordagem no interior da epistemologia das Relações


Internacionais diz respeito à chamada Escola da Economia Política Internacional
(EPI). Assim como sugerido pelo nome, essa linha de pensamento compreende
duas grandes trajetórias acadêmicas ao fundir a economia ou economia política
com a política internacional.

Essa união conceitual e política se estabelece como o próprio paradigma


das Relações Internacionais, cujas contradições resultam, bem como influenciam
diretamente a organização da vida em sociedade. A fusão de uma visão mais
economicista com outra mais politológica resulta em binômios importantíssimos
para as Relações Internacionais, tai como: integração regional, relações econômico-
comerciais, finanças internacionais, doutrinas e ideologias econômicas,
organismos e instituições multilaterais (CASTRO, 2012).

8
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

Vista por outra perspectiva, a economia política internacional procura


analisar os desejos humanos com relação ao progresso material e à organização
da sociedade em torno do consumo de mercadorias. Também permite que a
dinâmica da distribuição dos recursos disponíveis à produção de mercadorias
seja amplamente captada.

Contudo, o exame do conjunto da economia internacional tem, aqui, a


política como variável interveniente. Ou seja, como uma variável que interfere no
exame da economia internacional.

Assim, a política internacional é constituída ao longo da história a partir de


um lento processo de acumulação comercial das classes sociais economicamente
mais relevantes desde a Idade Média, representadas posteriormente pela
burguesia. É justamente esse processo de acumulação inicial que formara, mais
tarde, após o Século XVIII, as escolas de pensamento fisiocrata, mercantilista,
bem como aquelas abordagens mais específicas do capitalismo e do socialismo
(CASTRO, 2012).

Quanto ao mercantilismo, é preciso mencionar que foi a escola vigente da


economia política internacional desde o Século XVI até meados do Século XVIII.
Do Século XVIII em diante, as relações especificamente econômicas e de produção
já dominavam a organização dos indivíduos em sociedade. Uma das principais
práticas mercantilistas era a utilização das balanças comerciais superavitárias a
partir de pactos coloniais como forma de garantir ganhos e crescentes vantagens
econômicas.

Por sua vez, os ajustes positivos das balanças comerciais eram propiciados
pelo bimetalismo. Com a exploração de metais preciosos, como o ouro e a
prata, em colônias mundo a fora – a unilateralidade era uma marca evidente do
mercantilismo. Assim, o lastro das moedas nacionais de potências marítimas
como Espanha, Inglaterra, França e Portugal se dava em função da exploração e
da acumulação de metais preciosos de suas colônias.

Ademais, a grande concentração de riquezas nacional durante o


mercantilismo ocorria a partir do protecionismo, cujas práticas diferenciadas
de conquistas coloniais garantiam a exploração e a manutenção dos domínios
ultramarinos (CASTRO, 2012).

As ideias mercantilistas se dão no período de expansão comercial das


economias europeias, com a proliferação de novos mercados e o surgimento da
classe mercantil. Com o aumento da atividade econômica e das trocas comerciais
a classe dos comerciantes tornou-se bastante influente perante os governos,
motivando certa intervenção do Estado sobre as concepções a respeito do
comércio e da produção.

O pensamento mercantilista via na acumulação de metais preciosos como


o ouro e a prata o “tesouro” ou a fonte de riqueza de uma nação. E é justamente

9
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

neste ponto em que o Estado tinha um papel decisivo: a regulação do comércio


exterior por meio de tarifas sobre a importação, embora encorajasse as exportações
de produtos acabados (REZENDE FILHO, 2010).

Quanto aos princípios básicos encontrados no mercantilismo, é possível


resumi-los, conforme a imagem a seguir:

FIGURA 1 – PRINCÍPIOS BÁSICOS DO MERCANTILISMO

FONTE: Adaptado de Rezende Filho (2010)

Já o liberalismo, quando nos preocupamos com o ponto de vista da


Economia, possui origem na dinâmica da própria formação do capitalismo.
Assim, Adam Smith é considerado o pai da economia, a partir da publicação de
sua principal obra em 1776, A riqueza das nações. A importância desta publicação
foi que, justamente na segunda metade do Século XVIII, é o momento em que a
forte industrialização da Inglaterra demandava um ideário teórico baseado na
perspectiva do liberalismo.

David Ricardo foi outro economista de grande relevância para o


pensamento liberal, cuja teoria das vantagens comparativas reforçava o
crescimento e o desenvolvimento do capitalismo a partir da especialização da
produção como forma de promover o comércio entre as nações. E, para isso,
demandava uma atuação bastante liberal por parte do Estado para a garantia do
livre mercado e da extinção de barreiras comerciais internacionais.

10
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

NOTA

A teoria das vantagens comparativas, de David Ricardo, defende a especia-


lização e a intensificação do comércio entre os países. Uma das compreensões-chave a
respeito das vantagens comparativas no comércio internacional revela que “o comércio
entre dois países pode beneficiar ambos os países, se cada um produzir os bens nos quais
possui vantagens comparativas” (KRUGMAN; OBSTFELD, 2001, p. 15).

Estes e outros estudos e autores revelam que o acúmulo crescente do capital


industrial, no contexto da formação do capitalismo europeu, estava fundamentado
na própria acumulação por si, mas, também, no empreendedorismo, no egoísmo,
no fetichismo do consumo (conceito amplamente explorado por Karl Marx) e,
consequentemente, na ênfase mercadológica (CASTRO, 2012).

Mais tarde, no início do Século XX, um economista que teve relevância


para uma redefinição do capitalismo foi Joseph Schumpeter, cujos impactos
foram importantes para a estruturação do sistema internacional do capitalismo
até a atualidade. Parte dessas mudanças resultaram de um longo processo em
que a classe liberal-burguesa tinha interesse no enfraquecimento ou em uma
redefinição do papel do Estado como ator principal no sistema econômico
internacional.

E
IMPORTANT

Por meio desse panorama podemos perceber que a atuação ou a relevância


do Estado nas relações sociais e econômicas é uma discussão que sempre esteve presente
na economia política. Com a recente internacionalização dos mercados, elementos novos
e muito relevantes foram trazidos à tona para se pensar em uma redefinição do papel do
Estado – daí advém a importância da Economia Política Internacional.

A força política do ideal liberal diz respeito “a própria essência de amoldar


a capacidade do Estado, por meio das escalas crescentes de retorno, promover a
lógica do ganho financeiro e cada vez em mais amplas perspectivas geográficas”
(CASTRO, 2012, p. 365).

11
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

O que acompanhamos no Século XXI é justamente um prolongamento


deste processo por meio da desterritorialização das economias mundiais, cuja
dinâmica permite que as fronteiras nacionais não sejam vistas como entrave para
a circulação do capital financeiro. Assim, a geografia e o Estado assumem um
novo papel com foco na maximização do lucro oriundo de aplicações financeiras.

Para se contrapor à perspectiva dos ganhos produzidos pelo liberalismo


ao final do Século XVIII surge o pensamento marxista. Essa teoria entende, por
meio da dialética e das inerentes contradições do materialismo histórico, que o
capitalismo (ou o momento em que as relações econômicas são predominantes
na organização social) é apenas um momento histórico específico, precedido pelo
Estado primitivo e pela sociedade feudal. Assim, o auge de um longo processo
civilizatório da humanidade poderia ser vislumbrado após as etapas socialistas
e comunistas.

Embora Karl Marx não tenha se dedicado à formulação de teorias


específicas às Relações Internacionais, suas formulações são bastante importantes
para o estudo da disciplina, bem como para a práticas das relações sociais em
sua amplitude internacional. “A própria compreensão do capitalismo, como força
universal e como formação histórica e dialética, confere melhor entendimento do
sistema internacional” (PAULA, 2011, p. 146).

12
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

NOTA

Karl Heinrich Marx, nascido em 1818, na Alemanha, foi filósofo, cientista político
e social, com Friedrich Engels realizou amplos estudos sobre as relações econômicas e
sociais presentes na sociedade, os quais deram origem à escola de pensamento marxista.
Seus escritos influenciaram diversas áreas como o Direito, a Economia e a Sociologia.
A principal obra publicada por Marx foi “O Capital”, de 1867. Trata-se de um livro sobre
Economia Política, mas que realiza uma extensa análise crítica da sociedade capitalista.
Os conceitos de mais-valia, força de trabalho, acumulação primitiva foram introduzidos
por Marx e Engels na segunda metade do Século XIX, mas são extremamente úteis à
compreensão do mundo atual.

FONTE: <https://www.ebiografia.com/karl_marx>. Acesso em: 27 maio 2020.

INFORMAÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE KARL MARX

FONTE: <https://bit.ly/2DOTz0B>. Acesso em: 26 maio 2020.

Desta forma, a superação das relações internacionais atuais a partir da


perspectiva marxista surge como possibilidade de criação de uma nova estrutura
política mundial, redesenhada sob a dinâmica de extrema desterritorialização
dos espaços nacionais (CASTRO, 2012).

É por isso que o marxismo, para além das assimetrias do processo de


globalização, tem oferecido importantes elucidações atuais, enquanto uma escola
das Relações Internacionais. Veja um exemplo: embora a tendência do capital
mundial esteja, obviamente, na impossibilidade de existir de outra forma que

13
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

não a forma de capitais individuais distintos e concorrentes, isso não explica a


fragmentação territorial do espaço político do capitalismo atual.

A vida comercial e industrial passa por estágios que transcendem o Estado


e a nação. Ao mesmo tempo, os capitais individuais devem afirmar-se em suas
relações externas a partir de uma nacionalidade específica, e, internamente, deve
se organizar como um Estado.

Desta forma, como o marxismo entende a existência dos papéis dos estados
nacionais? O que se sugere é que o Estado é nada mais do que a forma de organização
que os burgueses (ou as classes dominantes) adotam para fins internos e externos,
para a garantia mútua de suas propriedades e interesses (CASTRO, 2012).

E
IMPORTANT

Assim, podemos ver que a forma de atuação dos Estados novamente é co-
locada “contra a parede”. Será que existem Estados que procuram defender, atualmente,
os anseios de uma classe econômica específica? Estas são algumas das indagações que
o pensamento marxista poderia auxiliar também no âmbito das Relações Internacionais.

Os diversos pontos de vista, ou as escolas de pensamento da Economia


Política Internacional produziram diversas ideias sobre quais seriam as matrizes
do desenvolvimento econômico e social dos territórios. Deste modo, pela
perspectiva do liberal-capitalismo enfatizou-se a importância dos investimentos
em tecnologia e educação para que competências intelectuais e de formação de
capital humano pudessem ser alcançadas.

Além desses fatores, outros são privilegiados por uma leitura mais
desenvolvimentista. Os mais tradicionais para a macroeconomia são o capital
físico e a força de trabalho, mas alguns deles são determinantes para o crescimento
econômico, tais como: a importância das instituições, a relevância do comércio
exterior, a garantia de um nível de desigualdade reduzido para a distribuição de
renda, o papel da infraestrutura na geração de atividades produtivas, além do
papel dos gastos dos governos (CASTRO, 2012).

Neste contexto se percebe a importância em compreender adequadamente


os estágios do próprio capitalismo, os quais vêm redefinindo a organização dos
Estados a partir da formação dos chamados blocos geoeconômicos. Acompanhe
na figura a seguir como podemos entender essa trajetória histórica.

14
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

FIGURA 2 – TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO CAPITALISMO

FONTE: Adaptado de Castro (2012, p. 367)

É devido a este processo histórico e político que podemos perceber a


importância do tema da globalização para a atualidade, bem como entender a
necessidade de reflexões sobre o atual estágio da globalização. Esta fase da nossa
história e da história do próprio capitalismo é vista como um projeto político que
agrupa as questões especificamente econômicas e de comércio, mas, também, os
capitais financeiros.

FIGURA 3 – ASPECTOS DA DINÂMICA DA GLOBALIZAÇÃO

FONTE: O autor

Neste contexto, surgem concepções teóricas da economia política


internacional sobre como o Estado se estabelece atualmente. O fato é que temos
no mundo um Estado cada vez mais integralizado ou um Estado geoeconômico
em âmbito sub-regional, já que cada vez mais os países precisam organizar sua

15
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

política e economia por meio de blocos regionais. Ao mesmo tempo que o Brasil
organiza suas pautas político-econômicas, também as faz unindo os interesses
dos países do Mercosul, por exemplo.

Dada a complexidade da dinâmica da globalização, podemos agrupar as


diferenças e semelhanças deste estágio e processo em quatro grandes matrizes
de compreensão, conforme as da figura a seguir. Cada uma das “globalizações”
procura indicar um perfil de entendimento para os objetivos de cada público
específico. Estas matrizes nos ajudam a compreender melhor o atual estágio da
economia política internacional no seu caráter liberal-capitalista.

FIGURA 4 – MATRIZES DA GLOBALIZAÇÃO PARA A ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL

FONTE: Adaptado de Castro (2012, p. 369)

Estas são diferentes vertentes da globalização. A globalização, por sua vez, é


uma característica da última e atual fase de expansão do liberal-capitalismo: ao mesmo
tempo que é desterritorializado, pois não é um fato específico para um ou outro
país, também é global, porque envolve todas as nações do mundo, ultrapassando as
fronteiras nacionais, independentemente das vontades e ambições individuais.

Um dos aspectos importantes a se destacar diz respeito à “volatilidade do


Estado”. Este termo aparece em todas as matrizes da figura anterior e se refere à
capacidade de controle dos Estados nacionais em nossa atual conjuntura: o que se
pode chamar de controlabilidade.

16
TÓPICO 1 — DO LIBERALISMO AO INSTITUCIONALISMO

NOTA

Como podemos entender a controlabidade? Diante da incapacidade relativa


de Estados, organismos e agências multilaterais mantiverem o efetivo domínio sobre os
fluxos transacionais (resultando em baixa controlabilidade), desenvolve-se aqui a relação
entre as lealdades de vários atores não estatais internacionais do segundo setor para con-
cretização de ganhos no sentido amplo (CASTRO (2012).

Esta forma de atuação do Estado é o tema central e própria do liberal-


capitalismo, pois com o agrupamento dos territórios em blocos econômicos
mundiais ou blocos geoeconômicos surgem questionamentos sobre a constituição
de novos atores de decisão para o plano internacional político e econômico,
também denominados de macroestados.

Os novos atores para o novo cenário internacional são construídos “pela


força motriz do comunitarismo e da integração de políticas setoriais específicas
e estratégicas de política externa com renúncia residual da soberania de cada
Estado integrante” (CASTRO, 2012, p. 370).

Não é à toa que ouvimos em noticiários ou lemos em artigos a respeito


de importantes instituições tais como: ONU, Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional (FMI). A inter-relação que possuem com os Estados é fundamental
para compreendermos a conjuntura política, econômica e social da atualidade.
Vamos estudar mais sobre isto? Fique atento, pois no Tópico 2, a seguir, estes e
outros temas serão esclarecidos.

Antes de prosseguir, não deixe de revisar os principais assuntos deste


primeiro tópico com a ajuda dos itens a seguir. Na sequência, você encontrará
uma lista de autoatividades para melhor fixar alguns dos temas mais importantes
aqui estudados.

17
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O liberalismo clássico entende o Estado como relevante, mas considera a exis-


tência de outros atores que possuem papel legítimo nas Relações Internacio-
nais.

• O institucionalismo liberal-internacionalista é entendido como o liberalismo


de linha institucional.

• A formação da Organização das Nações Unidas em 1945 está inserida na dinâ-


mica do institucionalismo liberal-internacionalista.

• A fusão presente na Economia Política Internacional resultou em termos como


integração regional, finanças internacionais, instituições multilaterais.

• Era comum no mercantilismo a utilização das balanças comerciais superavitárias


como forma de garantir ganhos e crescentes vantagens econômicas.

• Outras características do mercantilismo eram o bimetalismo, protecionismo e


intervenção do Estado.

• A perspectiva marxista traz a superação das relações internacionais atuais


como possibilidade de criação de uma nova estrutura política mundial.

• A globalização pode ser entendida como um processo que reúne os temas eco-
nômicos, comerciais e financeiros.

• A partir do liberal-capitalismo ou neoliberalismo enfatizou-se os investimen-


tos em tecnologia e educação para que a formação de capital humano pudesse
ser alcançada.

• Para a economia política internacional a globalização pode ser vista nas matri-
zes: globalização assimétrica; globalização especulativo-financeira; globaliza-
ção solidária; globalização produtiva.

• A globalização, no neoliberalismo é, ao mesmo tempo, desterritorializada e


global.

18
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos entender a vertente do liberalismo clássico?

2 O que se refere ao chamado liberalismo de linha institucional?

3 Qual é a contribuição da doutrina marxista para o contexto das Relações


Internacionais?

19
20
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA

1 INTRODUÇÃO

Olá, acadêmico! O tópico que se inicia a partir deste momento é


fundamental para os estudos sobre Instituições, Regimes e Organizações
Internacionais. Aqui entenderemos a contribuição da Teoria da Interdependência
complexa e a atuação dos atores internacionais. A centralidade da questão do
poder inerente aos atores que se estabelecem no cenário internacional é bastante
importante para um entendimento mais amplo da dinâmica entre os Estados e o
corpo de instituições.

Iniciaremos pela compreensão da Teoria da Interdependência complexa,


que discute as relações de poder intrínsecas aos atores no contexto político e
econômico internacional. Assim, poderemos entender a inter-relação entre os
elementos de poder presentes nos Estados e nos atores internacionais.

Os Estados se relacionam uns com os outros de forma isenta. A


perspectiva da interdependência revela que há uma dependência mútua. Desta
forma, os efeitos de certas decisões políticas e/ou econômicas são reverberados
em diferentes territórios. Contudo, tanto os benefícios quanto os prejuízos são
assimilados de forma desigual ao redor do mundo.

Percebeu como as interpretações sobre os Estados são cruciais para o


entendimento de nossa realidade social? Estes temas serão aprofundados ao
longo deste tópico. Vamos lá? Siga atento para mais esta etapa de estudos!

2 INTERDEPENDÊNCIA E ATUAÇÃO DOS ATORES INTERNA-


CIONAIS

Muitas são as teorias que procuram explicar a dinâmica entre Estado,


política e poder. Assim como os Estados estão vinculados às questões das políticas
nacionais e internacionais, o poder é um fenômeno que está presente tanto nas
relações sociais quanto no território de cada Estado. É pela perspectiva da relação
entre Estado e poder no contexto internacional que a teoria da interdependência
complexa ganha relevância.

Enquanto as teorias liberais são colocadas à margem da discussão


internacional devido às Grandes Guerras Mundiais e à Guerra Fria, algumas

21
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

abordagens mais positivistas procuram reconfigurar a atuação dos atores


internacionais na resolução de problemas e conflitos. A partir da década de 1970,
o institucionalismo propõe incluir, de fato, as instituições internacionais como
atores fundamentais inclusive para a mudança de pautas políticas e econômicas
(PAULA, 2011).

A teoria da interdependência complexa traz em suas discussões a


abordagem de que o poder possui diversas dimensões. Assim, contrapunha-
se às ideias predominantes até meados do Século XX, as quais resumiam a
interdependência como relações simples entre países, cujas decisões geram efeitos
recíprocos (CADEMARTORI, SANTOS, 2016; PAULA, 2011). Seu surgimento
ocorre em 1970 com a publicação de Poder e interdependência: a política mundial
em transição, pelos americanos Robert O. Keohane e Joseph S. Nye (KEOHANE;
NYE, 1977).

Para começarmos a entender esta perspectiva veja as manchetes de


notícias atuais sobre o contexto internacional em que alguns problemas nacionais
estão inseridos.

FIGURA 5 – MANCHETES JORNALÍSTICAS

FONTE: O autor

Os acontecimentos e situações que envolvem a política dos países


tornaram-se cada vez mais transnacionais, bem como a regulamentação e o
aparato legislativo dos países. Isto ocorre porque tanto a política como a economia

22
TÓPICO 2 — TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA

não são mais pensadas apenas para o interior de um país, e, assim, ultrapassam
fronteiras e nações. Sem mencionar que existe também uma diferenciação em
termos culturais das sociedades que é crescente e muito rápida.

Sempre foi um desafio para os Estados lidarem com questões já antigas


ligadas à soberania, cidadania e democracia. Contudo, a intensificação da
interdependência que estas relações foram assumindo com o desenvolvimento
das sociedades contemporâneas, trouxeram à tona dificuldades totalmente
novas daquelas dos Séculos XVIII, XIX e da primeira metade do Século XX
(CADEMARTORI; SANTOS, 2016).

A partir desta perspectiva, os atores que não são Estados também são
relevantes na hierarquia dos assuntos internacionais. Assim, a cooperação
e a integração entre os atores são uma forma alternativa ao uso da força e das
guerras para os custos da interdependência sejam extinguidos. Aí entra outro
conceito que iremos explorar mais adiante a respeito da vulnerabilidade de
cada Estado, definida a partir dos maiores ou menores custos consequentes da
interdependência (PAULA, 2011).

O fato é que muitas questões políticas que vivemos hoje exigem ações
que somente serão eficazes se as soluções forem organizadas com a participação
de vários Estados e dos atores internacionais envolvidos. Isto ocorre porque há
uma tensão entre a soberania ilimitada que é territorializada, ou seja, acontece
em cada território, e a lógica atual das políticas ao assumirem característica
desterritorializada e transnacional.

Neste contexto, a resolução de conflitos por meio das guerras deixa de


ser a lógica predominante das Relações Internacionais, em que a defesa das
fronteiras e da integridade territorial dos Estados era crucial. O destaque está
na emergência de novos atores internacionais no plano internacional, cuja tarefa
assumida é questionar e redefinir a atuação e a lógica de predomínio dos Estados
no âmbito internacional.

A perspectiva da interdependência complexa leva em conta a relação


que existe entre Estados, atores internacionais e mercado global – uma relação
intrínseca, pois é própria da natureza destes agentes sociais. Assim, os conflitos
são resolvidos por meio da prática da arbitragem, da negociação e da mediação
transnacional, uma vez que são predominantemente problemas ligados a temas
econômicos, comerciais e financeiros (CASTRO, 2012).

Você sabe o que podemos entender por “atores internacionais”? Não


é preciso dizer que os hollywoodianos ficam de fora. Os atores internacionais
no campo político são os agentes que atuam na dinâmica da organização das
sociedades. Ou seja, os próprios Estados são atores internacionais indispensáveis
quando são formuladas políticas com outros países. Aí se inserem diplomatas,
chanceleres, embaixadores e Ministros de Relações Exteriores.

23
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

As empresas multinacionais, que possuem operações em diversos


territórios também são importantes atores internacionais. Como é o caso de
grandes bancos privados, companhias de petróleo com atuação mundial,
montadoras de automóveis, entre tantas outras. E também as organizações não
governamentais são atores internacionais, a exemplo do Médicos sem Fronteiras,
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Oxfam, Greenpeace, WWF, Anistia
Internacional. Além das organizações governamentais internacionais, tais como
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização das Nações Unidas
(ONU), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), Organização Mundial da Saúde (OMS).

É justamente a convergência entre Estados e atores internacionais o foco


de atenção da teoria de Keohane e Kye. Quando os elementos centrais de análise
das Relações Internacionais passam ser “a cooperação e a capacidade de geração
de ganhos e vantagens mútuas por meio da criação e manutenção de instituições
e regimes internacionais” (CADEMARTORI; SANTOS, 2016, p. 72).

Além disto, as instituições internacionais têm um papel importante no


âmbito dos Estados que não compõem o bloco de poder dominante mundial.
Neste caso,

As instituições internacionais serviriam como espaços para os países


intermediários influenciarem o sistema, pois não podem fazê-lo
individualmente. Elas quebram o ambiente anárquico do sistema
internacional através de regimes e normas e contribuem para a
mudança de estratégia dos Estados que passam a cooperar em
decorrência da reciprocidade e confiança (PAULA, 2011, p. 145).

O modelo de compreensão criado pela dupla de pesquisadores procura


explicar o comportamento dos Estados frente a diversas agendas (ou temas)
de trabalho que, por sua vez, estão amarradas a uma multiplicidade de atores
governamentais e não governamentais. Além desta estrutura ser bastante complexa
por si só, vale lembrar que esta dinâmica não funciona apenas nacionalmente,
mas é operada no âmbito internacional (CASTRO, 2012).

24
TÓPICO 2 — TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA

FIGURA 6 – INTER-RELAÇÃO ENTRE ELEMENTOS DE PODER

FONTE: O autor

Assim, em sua obra conjunta, Keohane e Nye descrevem a teoria da


interdependência complexa como uma nova percepção da política mundial.
A partir do contexto mundial são analisadas as formas pelas quais a política
internacional interfere no comportamento dos Estados (RODRIGUES, 2014).
Além desta obra, outras publicações ganharam destaque nesse arcabouço teórico,
como Understanding global conflict and cooperation, de Joseph S. Nye e David A.
Welch, e After hegemony, de Robert O. Keohane.

25
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 7 – CAPA DA OBRA CONJUNTA DE KEOHANE (ACIMA) E NYE (ABAIXO)

FONTES: <https://bit.ly/2LZQQlB>; <https://bit.ly/2TGOAUt>; <https://bit.ly/3gq5Kj2>. Acesso


em: 26 maio 2020.

Com a criação de empresas transnacionais na década de 1970 e o


fortalecimento do papel da economia, as teorias realista e idealista deixaram de
explicar satisfatoriamente as mudanças promovidas pela própria dinâmica das
Relações Internacionais. A difusão de novas tecnologias, ainda que incipientes,
como os computadores pessoais e empresariais, promoveram um salto em termos
de comunicação, organização e circulação de informações e bens/serviços. Desta
forma, os acordos e parcerias entre atores de diferentes lugares são realizados em
uma escala bastante acelerada.

NOTA

O idealismo constituiu-se por uma visão de mundo difundida pelo então


presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson (1913-1921). Com o término no primeiro
conflito mundial, promovia uma reformulação completa do sistema internacional a partir
dos chamados “14 pontos” do idealismo. A proposta condenava as alianças mundiais
secretas, defendia uma diplomacia regulada pela opinião pública de cada país, bem como
a idealização da Liga das Nações.

A teoria realista é uma das mais importantes dentro das Relações Internacionais quando
se fala em política internacional. Inspirada em Maquiavel e Hobbes a teoria realista surge
em contraposição ao idealismo e explica as relações políticas entre os Estados conside-
rando válidas apenas as variáveis diplomáticas e militar-estratégicas. Por meio desta pers-
pectiva, os “indivíduos” são os Estados-nacionais, e considerados os únicos atores válidos
do sistema internacional (LACERDA, 2006).

26
TÓPICO 2 — TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA

Os pressupostos realistas passaram por um processo de redefinição que


iniciou justamente com o desenvolvimento da interdependência complexa. Du-
rante as décadas de 1960 e 1970, os chamados autores transnacionalistas trouxe-
ram um aporte teórico com uma visão alternativa às teorias predominantes até o
momento (RODRIGUES, 2014). Assim, os estudos de Keohane e Nye procuraram
integrar as abordagens do realismo e do idealismo suplementando-as com o
conceito de interdependência (CADEMARTORI; SANTOS, 2016).

FIGURA 8 – ESCRITÓRIO DE TRABALHO DA DÉCADA DE 1970 NOS ESTADOS UNIDOS

FONTE: <https://data.whicdn.com/images/314277750/original.jpg>. Acesso em: 26 maio 2020.

A perspectiva da interdependência revela uma dependência mútua entre


os Estados. Ou seja, os protagonistas de determinadas questões políticas, sociais,
econômicas, militares estão ligados a diferentes partes de um sistema, cujos
efeitos são mútuos entre os atores participantes. “A interdependência aborda a
cooperação recíproca, ou seja, dependência mútua e contempla a interferência de
forças externas que influenciam atores em diversos países” (RODRIGUES, 2014,
p. 109).

Um exemplo estaria em uma barreira comercial devido à sustentabilidade


de um produto. Se determinado país cria uma política para não realizar comércio,
ambos os Estados perdem economicamente. Por outro lado, atores internacionais
ligados à pauta da sustentabilidade são mobilizados e afetados. Ademais,
economias de outros Estados provavelmente suprirão a falta de oferta de produtos
e serão afetados também por esta situação.

27
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

E
IMPORTANT

A interdependência refere-se a “situações nas quais os protagonistas ou os


acontecimentos em diferentes partes de um sistema afetam-se mutuamente” (NYE JR.,
2009, p. 250-251 apud CADEMARTORI; SANTOS, 2016, p. 72).

Desta forma, é importante destacar que a interdependência que é própria


a estas situações pode gerar benefícios, mas, também, custos para as partes
envolvidas. Contudo, os benefícios e/ou custos gerados não são necessariamente
simétricos, pois, os benefícios podem significar os ganhos de um Estado a partir
da perda de um ou mais Estados. Assim, os custos gerados em determinada
situação envolvem a sensibilidade a curto prazo, ou a vulnerabilidade a longo
prazo. E como podemos entender sensibilidade e vulnerabilidade?

1. “A sensibilidade refere-se à quantidade e ao ritmo dos efeitos da dependência”


(CADEMARTORI; SANTOS, 2016, p. 72). É a sensibilidade ou a resposta que
os Estados possuem no curto prazo para as mudanças geradas por outros
Estados. Ou também podemos entender como o potencial de resposta às
mudanças no contexto político que um país pode oferecer a outro país.
2. “Já a vulnerabilidade diz respeito aos custos relativos de mudar a estrutura
de um sistema de interdependência” (CADEMARTORI; SANTOS, 2016,
p. 72). Por esse motivo que a vulnerabilidade se refere ao longo prazo, já
que mudanças estruturais, ou as “regras do jogo”, das políticas dos Estados
precisam de mais tempo para serem inteiramente concluídas. Portanto,
vulnerabilidade não é a resposta que um país pode dar, mas a capacidade de
influenciar as decisões tomadas por outro país (RODRIGUES, 2014).

E
IMPORTANT

Você conseguiu assimilar essas ideias? Lembre-se destas questões chave:


dependência mútua, assimetria, sensibilidade e vulnerabilidade.

Vamos trazer este tema mais abstrato para a realidade política e econômica?
Um exemplo prático da ideia de dependência mútua dos países, da assimetria
dos impactos gerados está na produção mundial de grãos na década de 1970.

28
Neste período, os Estados Unidos já tinham destaque no comércio mundial
de soja. Com o rápido aumento da demanda mundial, os preços internos dos
produtos norte-americanos também aumentavam. No intuito de reduzir os índices
de inflação, o governo dos Estados Unidos decide interromper a exportação de soja
para o Japão. Por consequência, o Brasil torna-se um dos grandes fornecedores de
soja ao Japão. Com o passar do tempo, a oferta e a demanda de soja dos Estados
Unidos se estabilizam, reduzindo os níveis de inflação. Quando o governo norte-
americano resolve cessar a política de bloqueio às exportações, o mercado japonês
já havia estabelecido novas estruturas de comércio internacional ao comprar o
produto de uma fonte mais barata no mercado brasileiro.

FIGURA 9 – EXEMPLO DA INTERDEPENDÊNCIA ENTRE PAÍSES

FONTE: O autor

Você conseguiu perceber a ideia da interdependência por meio deste


exemplo? Temos aí o conceito de dependência mútua entre os países, bem como
se pode ver que os custos e os benefícios desta situação não são simétricos, pois,
cada país teve benefícios e custos diferenciados. Já a noção de sensibilidade
está na decisão de curto prazo do Japão em importar soja do Brasil. Devido à
vulnerabilidade, no longo prazo, houve custo aos Estados Unidos a partir da
mudança estrutural do comércio internacional japonês.

E quanto à complexidade da interdependência, ou melhor, a ideia de


“interdependência complexa”? Vamos estudar mais sobre isto? Acompanhe o
próximo item.

29
3 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA INTERDEPENDÊNCIA COM-
PLEXA

Dentre os conceitos sobre a interdependência complexa que estudamos


até aqui é importante compreender que, em síntese, a teoria de Keohane e Nye
“defende que os Estados estão atrelados a uma ampla rede de contatos, interesses,
articulações e fluxos transnacionais, mostrando a emergência de novos atores não
estatais internacionais” (CASTRO, 2012, p. 361).

Contudo, as relações de poder entre os Estados possuem certo grau de


simetria e assimetria, as quais produzem uma dependência mais equilibrada ou
mais desequilibrada. Assim, a independência pode ser vista como um a fonte de
poder: quando um país é menos dependente de outro país.

Portanto, se dois países ou atores internacionais são interdependentes,


mas uma das partes é menos dependente, esta parte menos dependente possui
certo nível maior de poder. Contudo, esta lógica se opera somente se a relação de
interdependência for realmente valorizada por ambas as partes.

Por isso que a manipulação das assimetrias existentes nas relações de


poder entre os Estados e/ou os atores internacionais envolvidos resulta em uma
fonte de poder na política internacional (CADEMARTORI; SANTOS, 2016).

A arena internacional de discussões entre Estados e atores internacionais


não é um ambiente pleno de cooperação, mas “no jogo para obter os resultados
propostos é necessário manipular os fatores de interdependência. Tais assimetrias
são consideradas fontes de poder entre os atores” (RODRIGUES, 2014, p. 109).

Devido à complexidade desta característica da interdependência entre


os países os estudos neste campo deram origem à chamada “interdependência
complexa”, a qual aparece como alternativa tanto à teoria realista quanto como
forma de organizar uma política internacional viável aos Estados.

Uma das importâncias na teoria de Keohane e Nye está no olhar alternativo


para a política internacional daquela leitura realizada pelos realistas políticos.
Pois, o entendimento predominante até a década de 1970 era de que a luta pelo
poder na política internacional fundamentava-se na violência organizada dos
Estados.

Para cada uma das três premissas defendidas pela visão realista, a teoria
da interdependência complexa trouxe três contra premissas. Estas críticas servem
como respostas ao realismo e como contribuição à compreensão da organização
social internacional em cada país.

30
1) Múltiplos canais de contato – A primeira das premissas da visão realista
é a que os Estados seriam os únicos atores dominantes na política internacional.
Deste modo, demais atores internacionais não existiriam como uma força política
ou de poder, ou, se existissem, teriam pouca significância. Para este postulado, a
interdependência complexa entende que são os protagonistas transnacionais, os
quais possuem atuação através das fronteiras dos Estados, os maiores agentes da
política internacional.

Na verdade, existem “múltiplos canais de comunicação entre as sociedades,


[tais como] comunicação interestatal, transgovernamental e transnacional,
sendo formais e informais, entre governos, elites e organizações transnacionais”
(CADEMARTORI; SANTOS, 2016, p. 73). Assim, as organizações internacionais e
transnacionais funcionam como fortes espaços de promoção da cooperação entre
os próprios Estados.

Se até meados do Século XX os interesses transnacionais estavam ligados


fundamentalmente às companhias de navegação e de pesca, atualmente este
cenário foi dominado por companhias petrolíferas internacionais, ou dedicadas à
extração mineral, bem como grupos transnacionais ligados ao desenvolvimento
da Ciência e Tecnologia, preservação ambiental e ordem mundial (combate à
fome, pobreza, desigualdade).

NOTA

Quando as empresas são mais poderosas que os países

Imagine uma companhia com a influência do Google, do Facebook ou da Amazon. E que


ainda recebe do Estado o monopólio do comércio com uma zona geográfica. Também
pode cobrar impostos, assinar acordos comerciais, prender criminosos e declarar guerras.
Esses eram alguns dos poderes e atribuições da Companhia Holandesa das Índias Orien-
tais, criada no Século XV por empresários com apoio do Governo dos Países Baixos para
comercializar com a Ásia.

Hoje, a concentração de poder é especialmente clara no setor tecnológico. As cinco gran-


des – Apple, Google, Microsoft, Facebook e Amazon – são as mais valiosas da Bolsa. Sua
capitalização oscila entre os 500 bilhões de dólares do Facebook e os 850 bilhões de dó-
lares da Apple. Com esse critério, se a Apple fosse um país, teria um tamanho similar ao da
economia turca, holandesa ou suíça.

FONTE: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/03/economia/1509714366_037336.html>.
Acesso em: 26 maio 2020.

31
IMPORTÂNCIA DE GRANDES EMPRESAS PARA A ATUALIDADE DA ORGANIZAÇÃO DOS
ESTADOS

Comparação da cifra de negócio das empresas com os rendimentos consignados nos


orçamentos dos países.
FONTE: <https://bit.ly/36yw3za>; <https://bit.ly/2ZFECqu>. Acesso em: 26 maio 2020.

2) Menor emprego da força militar – Como segunda premissa, a visão


realista tem o entendimento de que a força seria um instrumento útil e o mais
efetivo de todos os instrumentos de organização dos espaços a partir do Estado.
Deste modo, partia-se do pressuposto de que haveria uma anarquia do sistema
internacional a ser controlada, sendo a segurança seria a meta dominante
(CASTRO, 2012). Por meio da interdependência complexa há a compreensão de
que a força não é o único instrumento, tampouco o mais importante. A força bruta
militar não é vista como um elemento de negociação internacional entre os Estados.
Pois, a manipulação econômica e a utilização de instituições internacionais são
as ferramentas dominantes neste campo.

“Quando prevalece a interdependência complexa não se usa a força militar


por governos contra outros governos, haja vista a força militar ser irrelevante
para resolver disputas entre os membros de uma aliança” (CADEMARTORI;
SANTOS, 2016, p. 73). Isto pode ser confirmado pelo fato de que no mundo
moderno há predominância de Estados com alto grau de democratização das
decisões econômicas, sociais e políticas. E, nestes casos, há uma forte oposição à
ação militar prolongada.

O resultado é que outros mecanismos passam a ser utilizados pelos Estados,


cujas possibilidades são ampliadas com o desenvolvimento tecnológico. Assim,
como no exemplo da notícia a seguir, sobre aeronaves não tripuladas para o controle
dos espaços marítimos e aéreos.

32
NOTA

Capacidades do drone MQ-9 Guardian são demonstradas na Grécia

A General Atomics Aeronautical Systems (GA-ASI) está destacando os recursos de vigilân-


cia marítima e integração do espaço aéreo civil de nossas aeronaves não tripuladas para
nossos clientes europeus. Nossa Aeronave Pilotada Remotamente (RPA) de longa duração
(25-40 horas por surtida, dependendo da configuração) estará em exibição e fornecerá
informações sobre a importância da patrulha marítima, além de mostrar nosso sistema
aviônico Detect and Avoid (DAA) que apoiará nosso objetivo de voar RPA no espaço aéreo
civil”, disse Linden Blue, CEO da GA-ASI.

FONTE: <https://bit.ly/3kDtQcb>. Acesso em: 26 maio 2020.

DRONE MQ-9

FONTE: <https://bit.ly/2TFxtSS>. Acesso em: 26 maio 2020.

Portanto, as ações militares com uso, de fato, de força são menos frequentes
dada a complexidade das relações sociais, econômicas e políticas da atualidade.
Basta olharmos para as múltiplas ações de preservação dos recursos naturais
realizadas entre Estados, ou para as parcerias na comercialização de recursos
naturais como o petróleo e gás, e os acordos comerciais internacionais de comércio.
É neste sentido que as instituições internacionais passam a ter bastante relevância
para que a força não seja empregada e os interesses econômicos atendidos.

Dependendo do tamanho do Estado e da situação econômica em que se


encontra, a força é sim utilizada, assim como é possível perceber nos conflitos
recentes contra o Estado Islâmico, na Guerra Civil da Síria, ou na Revolta do norte
do Mali, por exemplo.

33
NOTA

A Guerra Civil Iemenita se estende desde 2015 no território do Iêmen a partir


das trocas presidenciais e dos movimentos separatistas. Embora as negociações tenham
avançado no último ano, ainda não há um plano definitivo para um cessar fogo no conflito
que já tirou a vida de pelo menos 310 pessoas. Sem falar nos 14 milhões de feridos e na
crise humanitária que o país enfrente, por exemplo, no que diz respeito à subnutrição de
milhares de crianças. Neste cenário, a Organização das Nações Unidas é a principal orga-
nização internacional que procura mediar e mitificar o conflito.

FONTE: <https://www.politize.com.br/crise-no-iemen/>. Acesso em: 26 maio 2020.

3) Ausência de temas ordenados hierarquicamente – A terceira premissa,


conectada às anteriores, defende que haveria uma hierarquização da política
internacional, em que a alta política de segurança dominaria a baixa política de
segurança. Estas, por sua vez, regulam a dinâmica da economia e o conjunto
da organização social. Neste caso, a interdependência complexa defende que a
guerra é a meta fundamental, e não a segurança.

A justificativa para a agenda das Relações Internacionais não ser


organizada hierarquicamente está na constatação de que muitas das situações a
serem resolvidas pelos Estados, oriundas da política doméstica, não serem apenas
domésticas, pois a distinção entre política externa e doméstica não é totalmente
clara. Situações como energia, recursos, meio ambiente, população, uso de
espaços terrestres e marítimos estão constantemente em disputa por Estados de
diversas partes do mundo.

NOTA

A complexidade da hierarquização da política internacional pode ser acom-


panhada por diversas notícias sobre acordos e parcerias entre os Estados. Veja este caso:

EUA querem coalizão militar para proteger navegação perto de Irã e Iêmen

Washington e Teerã – Os Estados Unidos anunciaram que pretendem trabalhar com paí-
ses aliados na criação de uma coalizão militar internacional que proteja a navegação em
pontos chave do Oriente Médio, nas costas do Irã e do Iêmen. A medida é uma resposta
à escalada das tensões entre Washington e Teerã, que vêm se agravando desde que os
americanos deixaram o acordo nuclear de 2015 e voltaram a aplicar sanções no país persa.

FONTE: <https://glo.bo/3ajXu1f>. Acesso em: 26 maio 2020.

34
NOTA

Os departamentos – agricultura, comércio, defesa, saúde, educação etc. – têm


ramificações internacionais e essas múltiplas questões estão sobrepostas. Quando existem
múltiplas questões na agenda, muitas das quais ameaçam interesses de grupos domésti-
cos, mas não claramente a nação como um todo, há problemas na formulação de políticas
externas coerentes e consistentes” (CADEMARTORI; SANTOS, 2016, p. 73).

As três contrapremissas elaboradas pela teoria de Keohane e Nye podem


ser sintetizadas na figura a seguir.

FIGURA 10 – PERSPECTIVA ANTIRREALISTA DA INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA

FONTE: O autor

Existe, portanto, a percepção que de os Estados vão, pouco a pouco,


renunciando as suas soberanias, para se integrarem a blocos geográficos
e econômicos, com a forte participação de outros atores interacionais não
necessariamente governamentais. Assim são formadas novas redes de comunicação
(networks), malhas de interlocução independentes das já tradicionalmente criadas
e difundidas, criando novas possibilidades de governança internacional. “O plano
do comércio exterior e da excessiva competitividade pela vantagem competitiva
dos Estados marca o pragmatismo e a interdependência dos atores estatais pela
via dos retornos crescentes financeiros” (CASTRO, 2012, p. 363).

35
Obviamente que os Estados, embora tenham dividido seu destaque na
política internacional com os demais atores que a compõem, não se tornaram,
devido a isso, os elos mais fracos de todo o processo (RODRIGUES, 2014).
Os Estados continuam exercendo forte influência sobre os demais atores
internacionais. A grande mudança houve no poder de participação de outros
agentes, também com interesses econômicos, sociais e políticos, nas decisões
internacionais orientadas pelos Estados.

Chegando ao final da leitura deste tópico, revise os temas mais importantes


com a ajuda dos itens a seguir. Eles são os assuntos-chave deste tópico e devem
ser plenamente assimilados. Depois disto, não deixe de realizar as autoatividades.

36
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Teoria da Interdependência Complexa ganha relevância a partir da relação


entre Estado e poder no contexto internacional.

• O surgimento da Teoria da Interdependência Complexa ocorre em 1970 com


a publicação de “Poder e interdependência: a política mundial em transição”,
pelos americanos Robert O. Keohane e Joseph S. Nye.

• A perspectiva da interdependência complexa leva em conta a relação que


existe entre Estados, atores internacionais e mercado global.

• Os atores internacionais no campo político são os agentes que atuam na


dinâmica da organização das sociedades.

• Os estudos de Keohane e Nye integraram as abordagens do realismo e do


idealismo suplementando-as com o conceito de interdependência.

• O conceito de Dependência Mútua entende que os protagonistas de


determinadas questões políticas, sociais, econômicas, militares estão ligados
a diferentes partes de um sistema, cujos efeitos são mútuos entre os atores
participantes.

• A ideia de Assimetria na interdependência complexa se refere a que os


benefícios e/ou custos internacionais gerados são assimétricos: os benefícios
ou ganhos de um Estado podem ser devido à perda de um ou mais Estados.

• A manipulação das assimetrias existentes nas relações de poder entre os


Estados e/ou os atores internacionais envolvidos resulta em uma fonte de
poder na política internacional.

• A teoria da interdependência complexa traz três contra premissas da visão


realista: manipulação econômica e instituições internacionais, protagonistas
transnacionais, e ausência de temas ordenados hierarquicamente.

37
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos entender a Teoria da Interdependência Complexa?

2 O que são atores internacionais? Cite e explique alguns exemplos.

3 De que forma os conceitos de dependência mútua, assimetria, sensibilidade


e vulnerabilidade se inter-relacionam no entendimento da interdependência
complexa?

38
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

1 INTRODUÇÃO

Estamos quase chegando ao fim da primeira unidade do livro de


Instituições, Regimes e Organizações Internacionais. Por isso, antes de
concluirmos o aprendizado sobre as instituições internacionais, iremos abordar
algumas questões relevantes sobre a cooperação internacional.

O processo de cooperação entre os países não é uma novidade do Século XXI,


tampouco ocorreu somente devido à velocidade de comunicação na atualidade.
Desde o Século XVII são firmados acordos de cooperação entre distintos Estados,
embora os elementos de poder atuais sejam muito mais complexos nos séculos
passados.

Contudo, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) após a


Segunda Guerra Mundial, a cooperação internacional assume nova perspectiva,
cuja preocupação se volta ao desenvolvimento amplo dos Estados. Questões
ligadas à pobreza e desigualdade econômica não atingiram apenas os países mais
pobres, mas, também, os mais desenvolvidos.

A partir da compreensão da temática que envolve a cooperação


internacional, muitas outras dinâmicas sociais e econômicas podem ser
esclarecidas. Se a cooperação entre os países do Norte e do Sul resultou em
crescimento econômico aos últimos, aos primeiros, os ganhos foram relacionados
ao poder político. E quanto à cooperação entre os países do Sul? Os objetivos e
propósitos foram bastante distintos.

Vamos seguir adiante neste último tópico? Tenha uma ótima leitura e um
bom aproveitamento em seu estudo!

2 GRANDES GUERRAS MUNDIAIS E COOPERAÇÃO INTERNA-


CIONAL

A denominada Paz de Westfália diz respeito aos diversos tratados de paz


assinados durante o Século XVII na Europa como forma de dar fim a uma série de
conflitos nos territórios desde 1616. Contudo, além de iniciarem, de fato, um período
de paz, o conjunto de acordos abriu caminho para um moderno sistema internacio-
nal para os territórios com a criação e legitimação de soberania aos Estados-nação.

39
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

É quando se reconhece o próprio espaço territorial de cada Estado, assume-


se a figura do Estado como soberano, com igualdade em questões jurídicas
relacionadas a outros Estados, bem como se insere a ideia de não intervenção
por guerra de um a outro Estado. Desta forma, o Tratado de Westfália pode ser
considerado uma das origens do Direito Internacional, devido a sua entrada no
campo jurídico e legal dos Estados, e também das Relações Internacionais, ao
tratar das bases da cooperação internacional.

Este cenário apenas seria fortemente desestruturado com a Primeira


Grande Guerra Mundial, entre 1914-1918. Até então, os únicos atores internacionais
válidos para as relações internacionais eram os Estados, cuja soberania estava
garantida por Westfália. As guerras e os conflitos armados ainda não faziam parte
da diplomacia e da política internacional dos Estados, pois eram vistos de forma
autônoma (MACIEL, 2009).

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a situação social e econômica dos


países ficou extremamente prejudicada. A destruição provocada e o objetivo de
punir os perdedores da Guerra um novo grande acordo entre os Estados foi firmado
em 1919, o chamado Tratado de Versalhes. Este tratado de paz assinado entre os
grandes Estados europeus encerrou oficialmente a Primeira Grande Guerra, mesmo
que a Alemanha o tenha considerado uma imposição a sua população.

Você lembra da escola de pensamento idealista das Relações Internacio-


nais? Ou do idealismo wilsoniano? O discurso implícito ao Tratado de Versalhes
era sobre os Estados poderem resolver seus conflitos de forma pacífica. Este era
justamente o objetivo do presidente norte-americano Woodrow Wilson com a
criação da Liga das Nações. “A Liga tinha o intento de implantar nas relações
internacionais uma certa estrutura que desestimulasse a guerra” (MACIEL, 2009,
p. 218). Pretendia, portanto, arbitrar os conflitos internacionais para a prevenção
de futuras grandes guerras.

É também o momento em que ganham espaço demais instituições interna-


cionais, conforme abordado no item anterior deste Livro. A Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT) foi uma delas, criada no âmbito do próprio Tratado de
Versalhes. As instituições que surgiram desde o Século XIX tinham o objetivo de
proporcionar um relacionamento mais eficiente entre os Estados (MACIEL, 2009).

40
TÓPICO 3 — COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

E
IMPORTANT

Vamos conhecer um pouco mais sobre estas experiências? Além da OIT, ou-
tros casos importantes ainda em operação são a União Internacional de Telecomunicações
(UIT) e a União Postal Universal (UPU), ambas com sede na Suíça.

NOTA

A União Internacional de Telecomunicações (UIT) é a organização governa-


mental internacional mais antiga do mundo. Foi criada em Paris em 1865 para facilitar a co-
nectividade internacional em redes de comunicações. Desde 1947 tornou-se uma agência
da Organização das Nações Unidas (ONU) especializada em Tecnologias da Informação e
da Comunicação (TICs), com o objetivo de padronizar e regular as ondas de rádio e tele-
comunicações internacionais. Todos os países membros da ONU compõem a UIT, além de
mais de 700 entidades do setor privado e acadêmico.

FONTE: <https://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=7943>. Acesso em: 26 maio 2020.

DELEGADOS DA UIT NA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE RÁDIO, ATLANTIC CITY, 1947

FONTE: <https://bit.ly/31ct0M1>. Acesso em: 26 maio 2020.

E
IMPORTANT

A União Postal Universal (UPU) foi criada em 1874 a partir do Tratado de Ber-
na. Esta organização intergovernamental é atualmente designada por União Geral dos
Correios e constituiu-se como instituição especializada das Nações Unidas em 1948. Seu
surgimento teve por objetivo incentivar a colaboração e o desenvolvimento no setor pos-

41
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

tal internacional. Junto à ONU, atualmente, coordena políticas e serviços postais entre as
nações e o sistema postal internacional, sendo o principal fórum de cooperação entre os
atores do setor postal, garantindo uma rede verdadeiramente universal de produtos e ser-
viços atualizados.

FONTE: <https://bit.ly/31745sR>. Acesso em: 26 maio 2020.

FIGURA – EDIFÍCIO-SEDE DA UPU, BERNA, SUÍÇA

FONTE: <https://bit.ly/2FAP8Hs>. Acesso em: 26 maio 2020.

NOTA

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919 no contexto


do Tratado de Versalhes, é a única agência das Nações Unidas (desde 1946) que tem estru-
tura tripartite, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores e de
trabalhadores de 187 Estados-membros participam em situação de igualdade das diversas
instâncias da organização. É especializada nas questões do mundo do trabalho, sobretudo,
no que se refere ao cumprimento por parte dos Estados das normas e convenções inter-
nacionais do trabalho. A missão da OIT é promover oportunidades para que homens e mu-
lheres possam ter acesso a um trabalho decente (conceito formalizado pelo OIT em 1999)
e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. Desta forma, a
OIT tem um papel importante para o desenvolvimento das sociedades em um momento
que a legislação social para o mundo do trabalho ganha corpo transnacional.

FONTE: <https://bit.ly/3h83hd7>. Acesso em: 26 maio 2020.

42
TÓPICO 3 — COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

FIGURA 11 – TEMAS AMPLOS DE TRABALHO DA OIT

Programas fundamantais da OIT


pleno emprego e da elevação do nível de vida.
salário mínimo vital para todos os que têm um emprego e ne-
cessitam dessa proteção.
reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva e da
cooperação entre empregadores e os trabalhadores.
extensão das medidas de segurança social com vista a asse-
gurar um rendimento de base a todos os que precisem de tal
proteção, assim como uma assistência médica completa.
proteção adequada da vida e da saúde dos trabalhadores em
todas as ocupações.
proteção da infância e da maternidade.
FONTE: Adaptado de Leitão (2016)

Podemos perceber, portanto, que conforme as relações comerciais,


industriais e financeiras tornam-se mais internacionalizadas, novos tipos de
interdependência entre os países começam a surgir. Assim, as situações citadas,
entram no grupo das “primeiras organizações internacionais” criadas, ou das
uniões administrativas internacionais, que tiveram por objetivo resolver problemas
técnicos e/ou econômicos a partir da cooperação multilateral (LEITÃO, 2016).

Este também foi o caso da União Internacional dos Telégrafos, de 1865, da


União Internacional de Pesos e Medidas, de 1875, e da União para a proteção dos
cabos submarinos, de 1884.

A expansão destas formas de cooperação multilateral era vista como


politicamente neutra, uma vez que não afetava a soberania tampouco as decisões
específicas dos Estados. A neutralidade ocorria porque, de um lado, concentravam-
se questões mais técnicas ou econômicas. Enquanto, de outro, questões políticas,
na medida em que os interesses nacionais só poderiam ser concretizados por
meio da cooperação internacional a ser realizada (LEITÃO, 2016).

Se durante a Primeira Guerra o debate das Relações Internacionais


foi impulsionado pelas teorias liberais e realistas, após o conflito, a ideia da
interdependência entre os Estados teve mais relevância – inclusive entre as
duas escolas citadas. É justamente a importância da interdependência para os
Estados, bem como para o estudo das Relações Internacionais que exigiu uma
forte cooperação entre os países. “A cooperação mútua daria margem para que
os liberais pensassem em uma sociedade internacional, com regras comuns de
convivência, havendo a lógica de supranacionalidade dessas normas” (MACIEL,
2009, p. 219).

43
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

Embora a Liga das Nações, por meio da figura do presidente norte-


americano Woodrow Wilson, tenha sido, de fato, criada com o propósito de
coordenar uma nova ordem mundial, das regras descritas nos “14 pontos de
Wilson” apenas quatro foram concretizadas. Os realistas não viam futuro em
uma instituição que impusesse regras para os Estados. O ideal de paz e a Liga
das Nações fracassam com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 acontece


sob o discurso da incapacidade de cooperação dos Estados e, de certa forma,
em substituição à Liga das Nações. A cooperação internacional começava a ser
pensada tanto para a resolução de disputas econômicas, sociais e políticas, quanto
para a construção de um cenário de paz contínua.

O tema da cooperação internacional já aparece na 1ª Carta da ONU, o


documento que estabeleceu a Organização das Nações Unidas, assinada pelos
50 países presentes na Conferência sobre Organização Internacional ocorrida em
São Francisco, entre 25 de abril e 26 de junho de 1945.

FIGURA 12 – BERTHA LUTZ, DA DELEGAÇÃO DO BRASIL, PARTICIPA DE REUNIÃO DE ELABO-


RAÇÃO DA CARTA DA ONU EM 15 DE JUNHO DE 1945

FONTE: <https://bit.ly/349ZTum>. Acesso em: 26 maio 2020.

44
TÓPICO 3 — COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

NOTA

A participação da brasileira Bertha Lutz foi fundamental para que o tema da


igualdade de gênero fosse incluído na Carta da ONU e essencial para a causa feminista
global. Apenas 3% dos 160 presentes na Conferência eram mulheres. FONTE: https://youtu.
be/UfJhUisAQJo.

Ao Artigo 1 do Primeiro Capítulo, um dos propósitos das Nações


Unidades menciona ser:

conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas


internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário,
e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião (ONU, 1945, p. 5-6, grifo nosso).

Além disso, o Capítulo IX da Carta da ONU é dedicado inteiramente ao


tema da “Cooperação internacional econômica e social”, em que são estabelecidos
os princípios gerais para a cooperação técnica entre os membros da ONU.

Desta forma, para que condições de bem-estar e de relações pacíficas entre


os países possa ocorrer, as Nações Unidades firmaram nessa Carta (ver Artigo 55)
o compromisso de favorecer a cooperação internacional, com vistas a solucionar
problemas econômicos, sociais, sanitários, entre outros.

O Artigo 56 é bastante explícito ao afirmar que para os propósitos de condições


econômicas, sociais e de paz serem atingidos, “todos os membros da Organização se
comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente”.

DICAS

Acesse a Carta das Nações Unidas em sua versão completa e em português di-
retamente no endereço das Nações Unidas Brasil: https://nacoesunidas.org/carta. Procure pelos
capítulos e artigos citados e veja na íntegra a importância do tema da cooperação internacional.

45
UNIDADE 1 — INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

Sobretudo, a cooperação internacional partiu de algumas experiências e


instituições para a resolução de situações mais específicas, como foi o caso da
União Internacional das Telecomunicações (UIT), para a criação de organizações
mais amplas e com a participação de muitos países pelo mundo. Assim, a
cooperação internacional tomou como objetivo o desenvolvimento pleno e a
inter-relação entre os Estados.

3 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL APÓS A SEGUNDA


GUERRA MUNDIAL

Pouco a pouco, a cooperação multilateral e a solidariedade internacional


vão ganhando espaço dos debates sobre o desenvolvimento dos Estados. Embora
entre 1944 e 1949 o foco dos movimentos de cooperação técnica entre os países
tenha sido no sentido de reconstrução da Europa devido à Grande Guerra Mundial.

O crescimento da ONU, enquanto espaço principal da discussão sobre


cooperação após 1949, é acompanhado pelos conflitos indiretos entre Estados
Unidos e União Soviética, bem como pela consciência latino-americana a respeito
dos problemas estruturais que impediam seu desenvolvimento.

Por meio de uma visão mais crítica, a cooperação internacional do


período pode ser entendida a partir do envio de divisas (recursos monetários)
das grandes potências econômicas para os países menos favorecidos, sendo estes
últimos, controlados política e economicamente pelos primeiros (MACIEL, 2009).
A cooperação internacional crescia, assim, em um contexto de constantes disputas
estratégicas entre Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, União Soviética,
entre outras fontes de poder.

Uma das formas de se perceber a cooperação internacional nos Estados


é por meio da disseminação do planejamento econômico a partir dos Governos
nacionais. O primeiro Plano Econômico organizado por algum Estado no mundo
foi executado pela União Soviética entre 1928 e 1933. Contudo, ainda não contava
com nenhum tipo de cooperação internacional, embora o número de funcionários
públicos soviéticos tenha passado de pouco mais de 100.000 para crescentes
5.880.000 no período (LIRA, 2006; LOPES, 1990).

Após a Segunda Guerra Mundial há um aperfeiçoamento das técnicas


e métodos de planejamento da economia a partir do Estado, que perpassa pela
lógica de levar o “progresso” das grandes potências aos países do chamado
“Terceiro Mundo”, cujas economias almejavam uma industrialização rápida e
aumento da renda per capita, notadamente, nas décadas de 1950 e 1960 – assim
como se apresenta no caso do desenvolvimento brasileiro.

O incentivo ao crescimento econômico para estabelecer um processo


de desenvolvimento serviu de orientação para um novo sistema de planos
nacionais de desenvolvimento por meio da cooperação internacional. Aqui,
46
o fluxo da cooperação internacional tinha caminho único: dos países mais
desenvolvidos para os menos desenvolvidos. Desta forma, a cooperação “se
tornou uma ferramenta mais disseminada, mas ainda prevalecia o conceito de
ajuda ou assistência internacional para atenuar as sequelas produzidas pelo
subdesenvolvimento” (MACIEL, 2009, p. 220). As dificuldades dos países
mais pobres eram vistas apenas por atores externos, os quais tornavam-se
doadores únicos de conhecimento e recursos técnicos. Levando os países menos
desenvolvidos à mera condição passiva e submissa.

Este foi o caso da Aliança para o Progresso. O programa de apoio


econômico promovido pelos Estados Unidos entre 1961 e 1970 tinha como proposta
proteger as políticas latino-americanas das ondas revolucionárias causadas pela
Revolução Cubana, condicionando apoio e ajuda internacional para a preparação
e implementação de programas nacionais de desenvolvimento econômico e social.
A aceitação generalizada do planejamento para acelerar o desenvolvimento deve-
se às resoluções da Carta de Punta del Este (1961), gerada e aprovada por 20 países
latino-americanos, com exceção de Cuba, durante a reunião da Organização dos
Estados Americanos, no Uruguai (LIRA, 2006; THE CHARTER, 1961).

Esta dinâmica de cooperação encontrava na América Latina, África e


Ásia territórios propícios para uma ideia pronta de desenvolvimento, oriunda
dos países dominantes (ESCOBAR, 2000). No entanto, a entrada do planejamento
econômico como necessidade de cooperação entre os países pobres e o mundo
desenvolvido economicamente resultava na alteração social e comportamental
da população e das condições estruturais locais em detrimento de concepções já
existentes e consolidadas em países que controlavam o processo econômico.

E
IMPORTANT

Os elementos de interesse econômico mostram que é preciso, portanto, certa


atenção à cooperação internacional promovida a partir da década de 1950 pelos países
do centro da organização econômica mundial. Não é à toa que muitas reações opostas
surgiram ao longo do tempo por parte das economias que discordavam da repartição do
mundo em grandes regiões de poder.

Uma das reações contrárias partiu dos próprios países europeus, com
os primeiros movimentos para a integração de alguns Estados em um mercado
comum já na década de 1950. O objetivo era garantir maior autonomia política e
econômica aos territórios. Este foi o caso do “Mercado Comum Europeu”, mais
conhecido por União Europeia, constituído em 1957 como uma união aduaneira
entre Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Em
1993, a União Europeia atinge a qualidade de mercado comum. O mercado

47
comum permite a livre movimentação de mão de obra, capital e serviços entre as
nações que são membros, além de não permitir a cobrança qualquer tipo de tarifa
ou outros tipos de barreiras comerciais entre seus membros e harmonizar suas
políticas comerciais (SALVATORE, 2007; UE, 2019).

Por parte das economias mais fragilizadas também houve oposição à


orientação econômica imposta pelos países desenvolvidos. Países mais pobres
“da África, Ásia e Europa exigiam a superação de um mundo dividido em zonas
de influência para que houvesse um ambiente mais favorável para a promoção do
desenvolvimento” (MACIEL, 2009, p. 221).

Na América Latina, muitas economias procuraram um desenvolvimento


mais amplo de suas sociedades através das teorias da Comissão Econômica para
América Latina e Caribe (CEPAL). Neste caso, a promoção da industrialização era
vista como elemento fundamental para superar a situação de subdesenvolvimento.
No Brasil, o Plano de Metas, executado entre 1956 e 1961, durante o governo
de Juscelino Kubitschek beneficiou-se sobremaneira desta perspectiva, pois, em
1953, formou-se uma comissão mista de técnicos da CEPAL e do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), cujo atributo era difundir no Brasil as
técnicas de planejamento econômico que se vinha desenvolvendo no interior
da CEPAL. O Plano de Metas teve amplo apoio desses estudos para formular
em tempo recorde as metas de Governo, apesar de o carro chefe tratar-se da
construção da nova capital em Brasília (FURTADO, 1985).

4 COOPERAÇÃO NORTE-SUL E SUL-SUL

A partir da maior parte das análises das Relações Internacionais a relação


entre os países do Norte do mundo e os países do Sul do Mundo é própria ao
sistema internacional. Os conflitos também são inerentes a esta dinâmica, uma
vez que as desigualdades políticas e econômicas são determinantes para o
estabelecimento de processos de cooperação.

Assim, o Norte é composto por países com alto grau de desenvolvimento


técnico e econômico, com domínio dos meios avançados de produção e do
conhecimento para a criação de novas tecnologias. O Sul, formado por países
subdesenvolvidos, exportadores de produtos primários e matérias-primas para
as economias do Norte. Quando o processo de produção é instituído a tecnologia
empregada é defasada, uma vez que os investimentos em Ciência e Tecnologia
são escassos (SILVA, 2011).

48
FIGURA 13 – DIVISÃO DO MUNDO EM HEMISFÉRIOS NORTE E SUL

FONTE: <https://bit.ly/3aBbkfM>. Acesso em: 26 maio 2020.

Desta forma, quando classificamos o mundo em desenvolvidos e


subdesenvolvidos, os subdesenvolvidos serão necessariamente dominados
política e economicamente pelos países desenvolvidos. Poderíamos ainda
classificá-los como países do centro ou da periferia da economia capitalista. Seja
qual for a nomenclatura para os grupos de países, a cooperação Norte-Sul sempre
ocorre por meio de uma relação repleta de desigualdades.

NOTA

  O Norte se enxerga essencialmente como provedor de conhecimento e


percebe o Sul como consumidor deste. O Norte pensa, sabe, dissemina, dá conselhos. O
Sul não sabe, aprende, recebe, implementa. O Norte produz conhecimento, o Sul, dados e
informação (TORRES, 2005, p. 1 apud SILVA, 2011, p. 74).

Uma das situações que escapa desta lógica mais antagônica diz respeito
às relações entre Brasil e Alemanha na área espacial. Em 1969 o primeiro acordo
de cooperação foi assinado pelos países para o desenvolvimento da Ciência &
Tecnologia. O acordo resultou no convênio estabelecido entre o Centro Técnico
Aeroespacial (CTA) do Brasil e a Agência Espacial Alemã (DRL), cujas operações
ocorrem até os dias de hoje.

Segundo as classificações de ambos os países, Alemanha estando ao


Norte, e Brasil, ao Sul, teríamos a clássica cooperação Norte-Sul, bem como todos
os entraves já apresentados e discutidos. O Brasil seria o país dominado pela alta
competência alemã.

49
Contudo, existem diferentes centros e diferentes periferias no sistema
mundial. Portanto, se Estados Unidos e Inglaterra são o centro, a Alemanha é a
periferia deste centro. Já o Brasil, é o centro da periferia ao Sul. Portanto, nenhum
dos países encontra-se na extremidade do sistema, tornando a distância entre os
países menor do que em outros casos. Assim, é possível que países desenvolvidos
e subdesenvolvidos estabeleçam algum tipo de cooperação (SILVA, 2011).

FIGURA 14 – PRIMEIRO FOGUETE DESENVOLVIDO ENTRE BRASIL E ALEMANHA, “VS-30/ORION


VO1”, NO ANO 2000

FONTE:<https://bit.ly/2Q3y6DN>. Acesso em: 26 maio 2020.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha sofreu diversas restrições em


áreas consideradas estratégicas, tal como a aeroespacial. Assim, certos experimen-
tos tecnológicos e científicos apenas puderam ser realizados por meio de parcerias.
Já o Brasil não possuía nenhum tipo de restrição política ou econômica, mas o seu
nível de desenvolvimento não era suficiente para atingir os objetivos científicos.
Por este motivo que a cooperação científica e tecnológica entre Brasil e Alemanha
é vista com bastante particularidade entre as cooperações Norte-Sul (SILVA, 2011).

Por outro lado, a cooperação proposta pela ONU a partir de 1945 ainda se
restringia a uma ajuda financeira vinculada aos interesses políticos e estratégicos
das grandes potências. Assim, como forma de atender às reações de oposição a esta
dinâmica, na Assembleia Geral da ONU de 1959 o conceito de assistência técnica
foi revisto e substituído pelo de cooperação técnica. O objetivo era promover uma
fonte de trocas mais saudável entre os países envolvidos no sentido de garantir os
interesses mútuos dos Estados envolvidos (MACIEL, 2009).

50
Contudo, o mesmo sistema que garantia aos países subdesenvolvidos,
inclusive ao Brasil e aos demais países latino-americanos, acesso ao crédito a
partir das instituições financeiras internacionais, também promovia demasiada
dependência destas economias aos países desenvolvidos devido ao endividamento
externo. Os blocos de poder emergidos após a Segunda Guerra Mundial criam,
portanto, diversas barreiras à cooperação internacional pensada no interior da
ONU.

É neste contexto, embora um pouco mais tarde, que a ONU também


desenvolve um programa de Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento
(CTPD) na década de 1970, justamente para propiciar uma cooperação mais
horizontal entre os países que ali se enquadravam. O Plano de Ação de Buenos
Aires (PABA) que surge neste momento da CTPD foi importante para delimitar
as diretrizes de uma nova etapa de cooperação internacional (MACIEL, 2009;
PINO, 2014).

A reinvindicação dos países subdesenvolvidos já vinha desde a década


de 1950. Os pontos levantados iam ao encontro de melhorias na ordem política,
econômica e social dos países, os quais alegavam o legado de exploração colonial
como o principal fator para a falta de estrutura interna e estabilidade econômica
(SILVA, 2011).

O desenvolvimento da Cooperação Técnica entre Países em


Desenvolvimento como Unidade Especial junto à ONU vem justamente como
contraposição à tradicional cooperação Norte-Sul. Desta forma, no interior das
Nações Unidas a CTPD ficou compreendida como o ponto central da cooperação
Sul-Sul.

NOTA

A origem da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD)


pode ser atribuída à resolução da Assembleia Geral da ONU, que estabeleceu, em 1972, a
formação, no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
de uma unidade especial para servir de grupo de trabalho para o tema da CTPD. Em 1978,
a Unidade Especial do PNUD realizou a conferência na capital argentina da qual resultou
o Plano de Ação de Buenos Aires, considerado o marco inicial de promoção e difusão do
conceito de CTPD (LOPES, 2008, p. 23).

A cooperação propiciada por meio da CTPD a partir das Nações Unidas


não representava uma novidade para a cooperação internacional; a novidade está
na importância deste mecanismo para os países do Sul, ao consideraram como um
relevante meio para o alcance do desenvolvimento no longo prazo (PINO, 2014).

51
A crise da década de 1980, seja a propiciada pelo preço internacional
do petróleo, seja pelo endividamento junto aos bancos internacionais, atingiu
fortemente os países da América Latina que já haviam entrado em um processo
de industrialização. A falta de acesso constante aos recursos monetários que
possibilitaram um acelerado ritmo de crescimento econômico desde a década de
1950 limitava os processos de cooperação internacional.

No âmbito da ONU, os recursos monetários disponibilizados tinham foco


nas economias de elevada pobreza, deixando de lado economias que já haviam
alcançado certa estabilidade econômica, tal como o Brasil e diversos países do Sul
(MACIEL, 2009).

Ao longo da década de 1990 os programas de desenvolvimento da ONU


enfocaram fortemente os temas da pobreza e da sustentabilidade, com propostas
de ajuda aos países com menores Índices de Desenvolvimento Humano e alto
nível de pobreza. Mais tarde, foram implementados os Objetivos do Milênio
(ODM) com a realização da Cúpula do Milênio no ano 2000, os quais serviram de
orientação para a cooperação internacional a partir da ONU.

A Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento passou, então,


a ser denominada Unidade Especial do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) para cooperação Sul-Sul (SU/SSC – Special Unit for
South-South Cooperation).

Um dos aspectos que cabe enfatizar é que utilizar o termo cooperação


Sul-Sul sem uma clara definição de seu conteúdo pode gerar um conhecimento
bastante enviesado sobre suas dinâmicas (SILVA, 2011). Isto ocorre porque tanto
há o entendimento sobre uma cooperação para o desenvolvimento pleno dos
países, mas, também, da cooperação como um mecanismo para a articulação dos
países do Sul em direção de uma ordem mais democrática.

E então, os temas desenvolvidos aqui na Unidade 1 estão ficando claros


para você? Depois de realizados estes estudos sobre a cooperação internacional,
fique atento/a à revisão e realize as autoatividades para melhor avaliar os
conteúdos.

Até o momento as instituições foram tratadas de forma mais genérica. É


importante saber que cada grupo ou área das Relações Internacionais possuem
instituições com regimes internacionais específicos. Princípios, normas,
regras e procedimentos decisórios fundamentam e diferenciam as instituições
internacionais.

Percebeu que o tema dos regimes internacionais pode ser bem complexo,
não é mesmo? A Unidade 2 será dedicada a esta e outras compreensões. Até lá!

52
LEITURA COMPLEMENTAR

A MIOPIA BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DA PAZ


INTERNACIONAL

Ramon Blanco

Basta um olhar minimamente atento ao cenário internacional para


perceber que a superação de conflitos violentos e a construção da paz são pilares
fundamentais. Logo, não é exagerado dizer que as operações de paz, sobretudo
aquelas realizadas sob a alçada das Nações Unidas, são uma dinâmica central das
relações internacionais contemporâneas. Portanto, não é por acaso que o Brasil,
acertadamente, procura aumentar sua relevância internacional apoiando-se em
uma maior atuação nessa esfera.

Contudo, a inserção brasileira no que toca à construção da paz interna-


cional é míope na medida em que se baseia fundamentalmente no mero envio
de efetivos (militares, policiais e peritos militares) para as operações de paz. Por
isso, a inserção do país nessa temática acaba por ser periférica. Para visualizar
claramente a miopia brasileira, é necessário ter em mente o que são as operações
de paz e, sobretudo, a função destas na política internacional.

A construção da paz internacional

As características de uma operação de paz, assim como o entendimento de


paz subjacente, modificaram-se de modo significativo ao longo do tempo. Durante
a Guerra Fria, a ideia de conflitualidade internacional limitava-se à visualização
de determinado tipo de conflito – os interestatais. Isso trazia um entendimento de
paz essencialmente estadocêntrico e militarizado. Nesse contexto, eram excluídos
da reflexão os assuntos e atores não estatais, assim como as fontes desses conflitos
violentos que fossem internas aos Estados. Dessa forma, a paz limitava-se ao
mero cessar-fogo entre Estados e sua construção era um assunto basicamente de
políticos, diplomatas e militares.

Assim, as operações de paz eram pensadas de modo a dar resposta a esse


tipo de conflitualidade e restringiam-se a um entendimento bastante limitado
de paz e de sua construção. Isso, é óbvio, trazia implicações às características
das operações de paz. Nesse período, estas basicamente significavam o envio
de um pequeno contingente militar ao terreno, levemente armado, que servia,
grosso modo, como um amortecedor entre dois Estados beligerantes. Elas
realizavam atividades como patrulhamento de zonas neutras, serviam de tampão
e instrumento de construção de confiança entre as partes em conflito, além de se
encarregarem da supervisão e manutenção do cessar-fogo.

Com o fim da Guerra-Fria, as características das operações de paz, assim


como o entendimento de paz inerente a elas, modificaram-se. Em primeiro lugar,

53
passou-se a dar atenção a um distinto tipo de conflitualidade – os conflitos
intraestatais. Assim, as estruturas internas desses conflitos, antes invisíveis,
passaram a ser problematizadas. Mais do que isso, a construção da paz passou,
no pós-Guerra Fria, a ser a operacionalização da profunda reestruturação da
dimensão interna dos Estados onde tais conflitos violentos ocorrem.

Consequentemente, as operações de paz foram transformadas de modo


que pudessem dar resposta a essa nova situação. Elas tiveram seu escopo de
atuação ampliado e aprofundado, e incorporaram diferentes elementos. Além de
integrarem também civis em suas atividades, elas passaram a atuar em esferas
tão diversas como manutenção da lei e da ordem; realização de eleições; escrita
de constituições; fomento dos direitos humanos; reforma dos setores da polícia
e do exército; (re)estruturação da esfera econômica; e (re)construção do Estado,
para mencionar apenas algumas.

A inserção brasileira na construção da paz

Apesar da atuação brasileira em operações de paz ter ganhado mais


notoriedade recentemente, o país participa desse instrumento internacional desde
seu início. O Brasil participou em mais de 70% das operações de paz já autorizadas
pela ONU, atuando em mais de trinta países em diferentes continentes e enviando
ao terreno mais de 46 mil militares e policiais.

Apesar de longevo, é possível perceber diferentes graus de engajamento


brasileiro nas operações de paz em distintos momentos. Durante a Guerra Fria,
a participação do país não era destacada. A exceção foi a missão enviada a
Suez (Unef I), na segunda metade da década de 1950, na qual sua atuação foi
acentuada. O engajamento do país começou a aumentar a partir dos anos 1990.
Nesse período, ressaltou-se a participação brasileira em uma operação de paz
enviada a Angola (Unavem III) na segunda metade da década.

Contudo, apesar de crescente no fim do Século XX, seu real ponto de


inflexão relativamente se deu a partir dos anos 2000. Mais precisamente em 2004,
com a participação brasileira em uma das operações de paz enviadas ao Haiti – a
Minustah. Nesta, o país passou a ter atuação e responsabilidade sem precedentes.

Por um lado, o Brasil chegou em 2004 a ser o 15º maior contribuinte de


efetivos em operações de paz (somando militares, policiais e peritos militares). Em
2003, o país ocupava somente a 51ª posição. A contribuição brasileira manteve-se
elevada e chegou a um novo pico após o terremoto que assolou o Haiti em 2010.
Entre 2010 e 2012, o Brasil saltou de 13º para 11º.

Por outro lado, desde o início da Minustah, o Brasil lidera o que talvez seja
sua esfera mais expressiva – o componente militar. Esse é um marco importante
para o país enquanto participante de operações de paz e revelador do grau de
comprometimento e de aceitação por parte de seus pares, que ele passou a ter
nesta esfera. Não por acaso, o Brasil atualmente lidera o componente militar da

54
operação de paz enviada ao Congo (Monusco). Isso é bastante significativo, dado
que essa é a maior operação de paz em atividade.

A miopia da inserção brasileira

À primeira vista, observando o aumento de tropas enviadas ao terreno


e o ganho de responsabilidades em diferentes operações de paz, pode parecer
que o Brasil se insere de modo bastante qualificado na esfera da construção da
paz internacional. Contudo, essa é uma leitura enganosa e míope. Ao contrário,
por mais paradoxal que possa parecer, quanto mais o Brasil pauta sua inserção
nessa matéria fundamentalmente pelo envio de tropas – que é o que em essência
o país faz –, mais ele participa de modo ativo da construção de sua própria
subalternidade e posição periférica na questão da paz internacional.

Para perceber tal paradoxo, superar tal miopia e começar a construir


uma inserção mais qualificada no que se refere à paz internacional, faz-se
necessário apreender, sobretudo, o papel que as operações de paz têm na política
internacional. Para isso, é preciso compreender que elas se desenrolam em uma
estrutura internacional longe de estar esvaziada ideologicamente e que, por isso,
impera uma clara divisão internacional do trabalho no que toca à construção da
paz internacional.

Nessa estrutura, os países do Norte responsabilizam-se pela definição do


que significa paz e pelo modo como esta deve ser construída pelo globo. Já os
países do Sul são encarregados da construção de uma paz à imagem da definição
concebida por aqueles. Tal dinâmica desenvolve-se em um ambiente internacional,
sobretudo dentro da ONU, ainda fortemente pautado pela ideia de que a adesão
aos princípios liberais está diretamente ligada à paz e à prosperidade interna e
internacional.

Não por coincidência, por um lado, a construção da paz no cenário


internacional passou a ser não o genuíno esforço de superar diferentes violências
e graves privações que as populações em cenários pós-conflito vivem, e sim a
busca, amplamente malsucedida, da mera institucionalização indiscriminada de
democracias neoliberais nesses locais. Por outro lado, são os países do Sul que
mais contribuem com efetivos para as operações de paz. Em 2014, por exemplo,
as dez primeiras posições foram ocupadas, respectivamente, por Bangladesh,
Índia, Paquistão, Etiópia, Ruanda, Nepal, Nigéria, Gana, Senegal e Egito.

Portanto, as operações de paz acabam sendo um dispositivo com um obje-


tivo duplo. Primeiro, transpor estruturas políticas, econômicas e sociais do centro
para a periferia do cenário internacional, configurando-se como possivelmente um
dos mais refinados instrumentos atuais de governança global. Em segundo lugar,
pacificar – o que é distinto de construir a paz – zonas e populações da cena interna-
cional, em sua larga maioria do Sul, entendidas, e muitas vezes construídas, como
turbulentas. Tudo isso, e é precisamente aqui que fica mais evidente quão refinado
é o instrumento, sendo levado a cabo pelos próprios países do Sul, o Brasil incluído.

55
Inserir-se principalmente por meio de envio de efetivos denota o óbvio
– um limitado entendimento de paz como o simples inverso da guerra. Assim,
dentro dessa lógica, atuar na paz internacional é meramente enviar tropas ao
terreno. Não é por acaso que quem conduz tal discussão no país é, sobretudo, o
Ministério da Defesa.

Uma inserção qualificada do país nessa matéria passa necessariamente


por um engajamento em profundidade na disputa pela concepção de imaginários
globais relativos à paz internacional. Passa por inserir-se na discussão global
acerca da definição do que é paz e de como esta deve ser construída no terreno.
Ao propor a noção de “Responsabilidade ao Proteger” na ONU, em 2011, a
presidenta Dilma Rousseff tentou algo nesse sentido. Entretanto, além de vazia
teoricamente, a proposta, por não buscar alterar estruturalmente o modo como a
paz é refletida, reforça a posição periférica do Brasil nessa matéria.

Para participar dessa discussão, o país deve, com urgência, alargar seu
entendimento de paz. Isso não quer dizer que deva abdicar de contribuir com
efetivos. Entretanto, uma inserção mais qualificada passa também por aglutinar,
de modo integrado e coordenado, diferentes tipos de atores e instituições em sua
atuação na construção da paz internacional. Para além da violência observável,
algo que o envio de tropas pode ajudar a minimizar, é preciso ter em conta outros
tipos de violência, menos visíveis e mais estruturais, formados por condições
políticas, econômicas e sociais injustas que com frequência estão nas raízes dos
conflitos violentos pelo globo. É nesse ponto que a construção da paz se liga, por
exemplo, à ideia de desenvolvimento e chega ao nível dos indivíduos.

Assim, faz mais sentido o Brasil ter uma atuação multidimensional, em


conjunto com a população local e consoante as visões de paz desta última, em
esferas como segurança, política, economia, educação, saúde, infraestrutura,
desenvolvimento humano, entre outras. Isso poderia passar, por exemplo, pela
inclusão de civis e de instituições como a Agência Brasileira de Cooperação, a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as organizações do
Sistema S (Senar, Senac, Senai, Sebrae), universidades, entre outros, dentro da
lógica, narrativa e ação brasileira no tocante à construção da paz em cenários pós-
conflito.

Uma atuação mais qualificada nessa esfera potencializa, inclusive,


a consecução de um antigo objetivo da diplomacia brasileira – um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU. Contudo, superar a miopia da
inserção brasileira em relação à paz internacional exige necessariamente uma
maior abertura à discussão sobre a matéria com diferentes setores da sociedade.
Resta saber se o país está à altura desse grande desafio e, sobretudo, quando sua
inserção na construção da paz internacional deixará de ser um assunto quase que
exclusivo de políticos, diplomatas e militares.

FONTE: BLANCO, R. A miopia brasileira na construção da paz internacional. Le Monde Diplo-


matique. Edição 103, 4 de fevereiro de 2016. Disponível em: https://bit.ly/2Q2XQ3h. Acesso
em: 26 maio 2020.

56
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• As instituições que surgiram desde o Século XIX tiveram o objetivo de


proporcionar um relacionamento mais eficiente entre os Estados.

• A relevância da interdependência entre os atores internacionais propiciou e


exigiu uma forte cooperação entre os países.

• A cooperação internacional já aparece na 1ª Carta da ONU, o documento que


estabeleceu a Organização das Nações Unidas.

• Após a Segunda Guerra Mundial, o incentivo ao crescimento econômico serviu


de orientação para um novo sistema de planos nacionais de desenvolvimento
por meio da cooperação internacional.

• A cooperação Norte-Sul tende a ocorrer por meio de uma relação repleta de de-
sigualdades, contudo, é possível que países desenvolvidos e subdesenvolvidos
estabeleçam algum tipo de cooperação, como foi o caso de Alemanha e Brasil.

• Na década de 1970, a ONU desenvolve um programa de Cooperação Técnica


entre Países em Desenvolvimento (CTPD) para propiciar uma cooperação
mais horizontal entre os países do Sul.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

57
AUTOATIVIDADE

1 De que forma a cooperação ganha espaço no ambiente internacional?

2 De que forma a cooperação internacional entre os países do Norte e os


países do Sul tende a acontecer?

3 Como ocorre a cooperação internacional entre os países do Sul?

58
UNIDADE 2 —

REGIMES INTERNACIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender os conceitos elementares dos regimes internacionais;

• analisar as visões das Relações Internacionais a respeito dos


regimes internacionais;

• caracterizar os regimes internacionais na área de segurança;

• examinar o histórico do Conselho de Segurança da Organização


das Nações Unidas (ONU) e a experiência da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1
– PRINCÍPIOS E CONCEITOS DOS REGIMES
INTERNACIONAIS

TÓPICO 2 – REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS


RELAÇÕES INTERNACIONAIS

TÓPICO 3 – REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

59
60
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

PRINCÍPIOS E CONCEITOS DOS


REGIMES INTERNACIONAIS

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! Chegamos à segunda unidade do livro de Instituições,


Regimes e Organizações Internacionais. Após a análise mais detalhada dos
aspectos institucionais que conformam a dinâmica das Relações Internacionais,
que nos dedicamos na Unidade 1, nas páginas a seguir, estudaremos questões
ligadas aos regimes que fundamentam a economia e a sociedade em suas
atividades internacionais.

Princípios, normas, regras e procedimentos são termos que você verá em


muitos momentos ao longo desta unidade do livro didático, pois é por meio destes
conceitos-chave que o arcabouço político de temas bastante amplo é discutido do
ponto de vista internacional.

O estudo dos regimes internacionais permite que você possa ter uma
compreensão mais aprofundada sobre a organização social internacional a partir
de diferentes temáticas, tais como a econômica, ambiental, de direitos humanos ou
de segurança. Embora estes e outros temas sejam frequentes nas análises políticas
dos países, a perspectiva das mudanças dos regimes ou interna aos regimes
facilita a leitura dos movimentos internacionais relacionados a temas específicos.
Além disso, as visões das teorias das Relações Internacionais divergem quanto ao
entendimento deste conceito, resultando em leituras também divergentes sobre
os regimes internacionais e os seus impactos no ambiente nacional e internacional.

Assim, muitas são as perguntas que emergem neste contexto: Como


podemos compreender os regimes internacionais? Quais são suas conceituações?
Os regimes são alterados ao longo do tempo? Ou são os parâmetros internos que
sofrem mudanças? As teorias das Relações Internacionais entendem os regimes
da mesma forma? Os regimes são, de fato, relevantes? Como os regimes são
operados nas políticas internacionais do mundo real?

Estas também são dúvidas suas? Pois bem, aqui, na Unidade 2,


procuraremos estudá-las de uma forma bastante didática, embora existam
diferentes referenciais teóricos para cumprir o entendimento sobre a temática.

Esperamos que você tenha ótimos estudos! Vamos começar?

61
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

2 VISÕES, PERSPECTIVAS E O DESENVOLVIMENTO DOS


REGIMES INTERNACIONAIS

Os regimes internacionais podem ser vistos em todas as esferas das Re-


lações Internacionais. Assim, os atores internacionais encontram-se inseridos em
diversas formas de regimes internacionais, sejam mais formalizados ou mais in-
formalizados. Quando um chefe de Estado recebe um simples telefonema, por
exemplo, variadas circunstâncias prévias podem denunciar um intrincado jogo
político rodeado por interesses já conhecidos ou até mesmo desconhecidos (MA-
CHADO; SANTOS, 2009). Talvez, ainda, estejam em campo muitas movimenta-
ções e mobilizações sociais que definem as regras dos regimes internacionais do
mundo no qual vivemos e construímos relações sociais específicas.

Entre as definições mais utilizadas para compreendermos os regimes


internacionais, duas delas se destacam e se complementam a partir do ponto de
vista de Oran Young e Stephen D. Krasner.

Para ambos os teóricos, os regimes internacionais são definidos como


princípios, normas, regras e procedimentos para a tomada de decisão de atores
internacionais, cujas expectativas governam e convergem os atores em direção a
uma determinada área temática das Relações Internacionais (KRASNER, 1982;
YOUNG, 1982).

Como podemos entender o que são os princípios, as normas, as regras e os


procedimentos? Os princípios são as crenças ou as convicções por parte dos atores
internacionais em fatos, causas e questões morais do contexto em que atuam.
As normas são padrões de comportamento previamente definidos em termos
de direitos e obrigações, seja por meio de legislações ou acordos firmados. Já as
regras são prescrições ou proscrições especificas para uma determinada ação a
ser colocada em prática. E, por fim, os procedimentos são práticas predominantes
para fazer e executar a decisão coletiva durante a tomada de decisões por distintos
atores internacionais (KRASNER, 2012; SILVA, GONÇALVES, 2010).

62
TÓPICO 1 — PRINCÍPIOS E CONCEITOS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

FIGURA 1 – ELEMENTOS DE DEFINIÇÃO DOS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: O autor

Entendidos os elementos que compõem a definição dos regimes


internacionais é preciso levar em conta que os regimes internacionais se
diferenciam dos acordos internacionais, pois, os acordos internacionais são
entendidos por meio de arranjos político-sociais firmados, normalmente, de
forma única e com curta duração. Já os regimes internacionais não são alterados
no curto prazo, uma vez que não perdem sua validade em cada alteração de
poder ou de interesses dos Estados. O propósito dos regimes internacionais está
justamente em facilitar a constituição dos acordos entre atores internacionais,
inclusive aqueles pactuados entre os Estados (KRASNER, 2012).

Assim, os regimes internacionais procuram não apenas consolidar


acordos por meio de normas e expectativas que tornem possível a cooperação
internacional, mas, além disso, promover uma cooperação concisa entre os
Estados e/ou demais atores internacionais para o longo prazo.

Se compararmos os regimes internacionais com os acordos internacionais,


os regimes exigem maior rigor dos Estados para o cumprimento de seus princípios
e normas, pois, quando um Estado decide aderir a um regime, suas políticas e
ações nos campos político, social e econômico devem ir ao encontro dos critérios
estabelecidos pelo regime, configurando certa limitação da liberdade de ação do
Estado (MACHADO; SANTOS, 2009).

63
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Um exemplo está nos regimes internacionais estabelecidos para o “não


bombardeio” de espaços nacionais considerados santuários, tais como construções
religiosas e históricas ou embaixadas e consulados, os quais promovem cooperação
permanente entre os Estados que o compõem.

Mesmo que não foram poucos os casos em que tais regras foram
desobedecidas. Tal como em setembro de 2012, quando extremistas líbios do
grupo Ansar al-Shariah atacaram o consulado dos Estados Unidos na cidade de
Banhazi na Líbia, matando o embaixador Chris Stevens. Ou em 2004, em que
oito pessoas morreram após a denotação de um carro-bomba por militantes
muçulmanos do lado de fora da embaixada da Austrália, em Jacarta na Indonésia
(ESTADÃO, 2018).

Em essência, os regimes internacionais buscam o alcance de interesses


no longo prazo, em que sejam considerados princípios e normas de aceitação
geral pelo conjunto dos atores internacionais. Assim, os regimes internacionais
almejam uma reciprocidade ou um ganho mútuo para as partes envolvidas a
partir dos resultados obtidos. “Quando os Estados aceitam a reciprocidade eles
sacrificam os interesses de curto prazo na expectativa de que os outros atores
retribuam esse sacrifício no futuro” (KRASNER, 2012, p. 95).

QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DOS ACORDOS E REGIMES INTERNACIONAIS

Acordos internacionais Regimes internacionais


Firmado de forma individual Arranjos político-social robustos
Com curta duração Com longa duração
Procuram consolidar normas Promovem cooperação internacional
Requerem a aceitação de um pequeno Buscam reciprocidade entre os atores
grupo de atores envolvidos
FONTE: O autor

A reciprocidade nos regimes internacionais ocorre de forma semelhante a


uma cidadã que cuida das roupas no quintal de uma vizinha quando a previsão
é de chuva: mesmo que não exista uma norma ou regra que oriente os benefícios
dessa parceria, no longo prazo os ganhos são mútuos para os moradores e, talvez,
sejam ampliados para os demais vizinhos. A situação é simples, mas pode ser útil
para exemplificar os custos de curto prazo dos regimes internacionais em vista
dos possíveis benefícios futuros.

64
TÓPICO 1 — PRINCÍPIOS E CONCEITOS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

DICAS

Conheça um pouco de Stephen D. Krasner. Durante a década de 1980, a evo-


lução do campo de estudo sobre as instituições internacionais promoveu a ampliação das
pesquisas relativas aos regimes internacionais. Neste contexto, Stephen D. Krasner foi res-
ponsável por uma extensa conceituação dos regimes internacionais, os quais são funda-
mentais à área ainda na atualidade. Stephen D. Krasner é professor Graham H. Stuart de
Relações Internacionais na Universidade Stanford (Estados Unidos), onde é diretor adjunto
sênior de Ciências Sociais da Escola de Ciências Humanas e Ciências. Foi diretor do Center
on Democracy, Development and the Rule of Law (CDDRL/Stanford) e é membro sênior da
Freeman Spogli Institute for International Studies (FSI) e da Hoover Institution.

STEPHEN D. KRASNER EM ENTREVISTA NO CONSELHO DE SEGURANÇA


DOS ESTADOS UNIDOS

FONTE: <https://bit.ly/3iPlyMA>. Acesso em: 2 jun. 2020.

Em 2002, atuou como Diretor de Governança e Desenvolvimento no Conselho de Se-


gurança Nacional dos Estados Unidos. De fevereiro de 2005 a abril de 2007 foi Diretor
de Planejamento de Políticas no Departamento de Estado dos Estados Unidos. Enquanto
estava no Departamento de Estado, Krasner era uma força motriz por trás da reforma da
assistência externa, projetada para direcionar com mais eficácia a ajuda externa americana.
Desde 2009, ele é membro do Conselho de Administração do Instituto de Paz dos Estados
Unidos.

Em Stanford, foi presidente do departamento de Ciência Política entre 1984 e 1991, atuou
como editor da importante revista científica International Organization de 1986 a 1992, foi
diretor adjunto do Freeman Spogli Institute (FSI) de 2008 a 2013 e decano associado sênior
de ciências sociais de 2010 a 2013. Antes de trabalhar em Stanford em 1981, lecionou na
Universidade de Harvard e na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles).

FONTE: <https://cddrl.fsi.stanford.edu/people/stephen_d_krasner>. Acesso em: 2 jun. 2020.

65
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Os regimes internacionais existem, portanto, para criar cenários propícios


aos acordos, à negociação internacional, e à cooperação internacional de longo
alcance, já que tem como objetivo regularizar o comportamento entre os atores
internacionais e controlar os efeitos esperados.

Por isso, é comum perceber uma demanda natural por regimes a partir
dos próprios atores internacionais, uma vez que por meio dos regimes são obtidas
informações sobre os seus próprios membros, tais como objetivos, interesses e o
cumprimento dos acordos estabelecidos, além de reduzir os custos de negociação
quando são implementados espaços próprios para uma negociação continuada
(SILVA; GONÇALVES, 2010).

Uma vez entendida esta concepção mais elementar sobre os regimes


internacionais é preciso afundar a compreensão respeito dos quatro elementos do
conceito de regime internacional. Vamos lá? Lembrando que são aqueles elementos
expostos na figura anterior: princípios, normas, regras, procedimentos.

Para isso, podemos dividir princípios e normas, de um lado, e regras e


procedimentos, de outro lado. Isto é importante porque é possível que existam
muitas regras e procedimentos diferentes durante as tomadas decisões, mas
que são consistentes com os mesmos princípios e normas. Desta forma, se os
princípios e as normas permanecerem os mesmos, as mudanças nas regras e nos
procedimentos são consideradas mudanças internas nos regimes internacionais.

Tais mudanças seriam internas ao regime internacional, por exemplo, se o


financiamento público a partir do Banco Mundial sofresse um aumento repentino
de demanda por parte dos países mais pobres. Os princípios e as normas para
este tipo de captação de recursos monetários seriam os mesmos, mas as regras e
procedimentos teriam que ser alteradas para que os países pudessem continuar a
realizar os processos de financiamento.

E
IMPORTANT

As mudanças nos regimes internacionais (ou as mudanças internas dos re-


gimes) envolvem alterações nas regras e nos procedimentos de tomada de decisões pelos
atores internacionais.

A figura a seguir sintetiza este entendimento demonstrando que diferentes


regras e procedimentos podem compor um determinado conjunto de princípios e
normas de um regime internacional.

66
TÓPICO 1 — PRINCÍPIOS E CONCEITOS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

FIGURA 2 – INCIDÊNCIA DE REGRAS E PROCEDIMENTOS EM UM REGIME INTERNACIONAL

FONTE: O autor

Agora, quando há uma alteração nos princípios e nas normas ocorrem


mudanças do próprio regime internacional. Uma vez que os princípios e as
normas possuem as características definidoras de um regime internacional.
“Quando normas e princípios são abandonados ocorre ou uma mudança para
um novo regime ou o desaparecimento dos regimes de determinada área das
relações internacionais” (KRASNER, 2012, p. 95).

Este seria o caso de uma mudança de paradigma político e econômico


de um Estado, por exemplo. Desde fins da década de 1980, a dinâmica da
globalização econômica e financeira provocou fortes mudanças nos regimes
internacionais quanto à organização política dos Estados. Com a predominância
do neoliberalismo, os Estados permitiram que certos setores econômicos-chave
fossem conduzidos pela iniciativa privada e organizados pelo mercado. Assim,
as mudanças nos princípios e nas normas deram espaço à formação de um novo
regime econômico internacional.

E
IMPORTANT

As mudanças entre regimes (ou as mudanças dos próprios regimes) envolvem


alterações completas de normas e princípios praticadas pelos atores internacionais.

67
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

A situação das mudanças no regime internacional ou entre os regimes


internacionais também poderia ser exemplificada a partir da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Se os princípios da OMC, que estão embasados
no livre comércio, fossem alterados para ideias neomercantilistas, haveria uma
alteração na própria essência do regime de comércio, ou talvez resultaria em sua
substituição por outro regime internacional. Contudo, se houvesse alterações nas
regras de resolução de conflitos sobre o comércio entre países existentes dentro
do regime da OMC, a natureza dos princípios não seria alterada. O regime
internacional de comércio seria mantido as com alterações propostas (SILVA;
GONÇALVES, 2010).

TUROS
ESTUDOS FU

Na Unidade 3 deste livro didático, nós estudaremos com maior detalhamento


as operações de algumas instituições internacionais, entre elas, a Organização Mundial do
Comércio (OMC).

Acompanhe na figura a seguir as duas situações de alterações nos regimes


internacionais, seja quando há formação de um novo regime internacional ou
quando há a modificação de um regime internacional.

FIGURA 3 – IMAGEM X ALTERAÇÕES NOS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: O autor

Entendeu a diferença de mudanças nos regimes para mudanças entre


regimes? Pois bem, além dessas situações há também a possibilidade do
enfraquecimento de um regime internacional.

68
É possível dizer que um regime internacional enfraquece quando seus
princípios e normas, suas regras e procedimentos tornam-se menos coerentes
entre si. Ou, ainda, um regime enfraquece quando as ações praticadas pelos
atores que o compõem são crescentemente inconsistentes com os princípios e as
normas, bem como com as regras e os procedimentos (KRASNER, 2012).

Sinteticamente, o enfraquecimento dos regimes pode ocorrer por


duas razões: “(1) incoerências mútuas entre os princípios, normas, regras e
procedimentos; (2) inconsistência entre esses elementos e o comportamento
efetivo de seus membros” (SILVA; GONÇALVES, 2010, p. 243).

Muitas situações do passado e da atualidade revelam que os regimes


de segurança internacional vêm enfraquecendo ao longo do tempo, seja pelo
assassinato de diplomatas por terroristas, por escutas descobertas em embaixadas,
ou pelo desenvolvimento de tecnologias de espionagem. Os conflitos mais
recentes entre Irã e Estados Unidos mostram a descontinuidade de regras e
procedimentos, mas, também, de princípios e normas dos regimes internacionais
(ver notícia a seguir).

E
IMPORTANT

O enfraquecimento dos regimes internacionais pode ser decorrente (1) de uma


incoerência entre os elementos que definem um regime internacional ou (2) devido a uma
inconsistência no comportamento dos atores que compõem o regime internacional.

Veja mais sobre o caso de Irã e Estados Unidos a partir da notícia a seguir:

NOTA

Deutsche Welle Notícias – O mais alto comandante do setor de inte-


ligência e das forças de segurança do Irã foi morto nesta sexta-feira (03/01/2020), num
ataque com drones no aeroporto de Bagdá ordenado pelo presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump.

O comandante, o general Qassim Soleimani, era líder da poderosa Força Quds da Guarda
Revolucionária do Irã, responsável pelo serviço de inteligência e por conduzir operações
militares secretas no exterior. Ele foi morto – assim como vários membros de milícias ira-
quianas apoiadas por Teerã – quando um drone americano MQ-9 Reaper disparou mísseis
contra um comboio que deixava o aeroporto.
FONTE: <https://bit.ly/2YeKDZr>. Acesso em: 2 jun. 2020.

69
FIGURA – ENFRAQUECIMENTO DE REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: <https://bit.ly/375rqNj>; <https://bit.ly/2MkNMk8>. Acesso em: 2 jun. 2020.

TUROS
ESTUDOS FU

Fique atento, pois ao fim desta unidade do Livro, no Tópico 3, você estudará
com maior profundidade o tema dos regimes de segurança internacional.

Por meio dos conceitos vistos até aqui a respeito dos regimes
internacionais é possível perceber que os Estados e demais atores que operam no
cenário internacional amparam-se nos regimes de diferentes formas, tais como
(MACHADO; SANTOS, 2009):

• Na redução da incerteza e da insegurança: quando Estados submetem-se a


regimes internacionais conhecidos por ambas as partes, os rumos políticos e
sociais também passam a ser mais bem conhecidos e seguros.
• Na estabilização das expectativas mútuas futuras: as tomadas de decisões
futuras, mesmo que desconhecidas, tornam-se mutuamente mais previsíveis.
• Na minimização dos custos de transação: com o estabelecimento de um
regime internacional, os ganhos mútuos são ampliados em detrimento dos
princípios e normas estabelecidos.
• Na produção de informações pelos próprios regimes: é possível que base de
dados próprias sejam criadas e manipuladas pelos atores que compõem um
regime internacional.
• Na previsão de um conjunto de regras a serem assumidas: o conjunto de
regras e procedimento passa a ser previamente discutido e assumido pelas
partes de um regime internacional.
• Na garantia de repetição das interações entre os atores: há facilitação para
um planejamento de longo prazo, garantindo que as interações ocorram com
previsibilidade.

70
Sejam regimes que promovam maior segurança aos Estados e atores
internacionais, sejam regimes relacionados a áreas de atuação específicas, o que
os regimes trazem em comum é a continuidade dos princípios e normas, das
regras e procedimentos de operação estabelecidos.

Que tipos de regimes realmente já foram firmados entre os atores


internacionais que conformam as Relações Internacionais? Veja, no quadro
a seguir, alguns exemplos de regimes, as áreas em que atuam, bem como um
resumo de seus objetivos.

QUADRO 2 – EXEMPLOS DE REGIMES INTERNACIONAIS

Área Sigla Nome Objetivo


Tratado de não Proli- Limitar a proliferação de
Segurança TNP
feração Nuclear armas nucleares
TRATADO Proibição de Armas Tratado de Criar uma
Segurança DE TLATE- Nucleares na América zona livre de armas
LOLCO Latina e Caribe nucleares
Segurança Organização do Trata- Organizar a segurança
OTAN
Coletiva do do Atlântico Norte coletiva
Acordo Geral de
GATT/ Tarifas e Comércio/ Regular e promover o
Econômica
OMC Organização Mundial comércio internacional
do Comércio
Fundo Monetário Cooperação monetária /
Econômica FMI
Internacional estabilidade financeira
Banco Internacional
Desenvolvi- Reduzir a pobreza / pro-
BIRD para a Reconstrução e
mento mover o desenvolvimento
o Desenvolvimento
União Postal Coordenar Serviços
Comunicação UPU
Internacional Postais
Organização Marítima Segurança marítima e
Transportes OMI
Internacional eficácia da navegação
Supervisionar a atividade
BASILÉIA Acordo de Capital de
Finanças bancária / capital /
II Basileia
mercado financeiro
Convenção contra o
Combater o crime transna-
Crime – Crime Organizado
cional
Transnacional
Convenção-Quadro
Estabilizar a concentração
Mudança das Nações Unidas
CQNUMC de gases do efeito estufa
climática sobre a Mudança do
na atmosfera
Clima
Metas de redução das
Mudança
– Protocolo de Kyoto emissões de gases poluen-
climática
tes

71
Reduzir as emissões de
Mudança
– Acordo de Paris gases do efeito estufa a
climática
partir de 2020
Delinear e proteger uni-
Direitos hu- Declaração Universal
DUDH versalmente os direitos
manos dos Direitos Humanos
humanos básicos
FONTE: Adaptado de Machado e Santos (2009, p. 179-180)

TUROS
ESTUDOS FU

Muitos destes regimes internacionais ainda serão estudados neste livro didáti-
co. Além dos regimes de segurança internacional, no Tópico 3 desta unidade, estudaremos
os regimes ligados à área econômica, dos Direitos Humanos, e do meio ambiente, ao longo
da Unidade 3.

De modo mais amplo, os regimes internacionais se manifestam em


diferentes áreas de atuação e por diferentes formas de concepção. Seja a partir
de temas ligados ao comércio, direitos humanos, segurança, meio ambiente,
telecomunicações ou transportes, os regimes estão presentes em basicamente todas
as áreas relevantes para as relações sociais em âmbito internacional. A rigor, podem
apresentar-se de natureza bilateral (entre Estados), multilateral (entre Estados e
organizações internacional), regional (que compreendem uma região específica) ou
global (que se aplicam ao mundo todo) (SILVA; GONÇALVES, 2010).

DICAS

Para uma leitura bastante atual e menos teórica sobre os Regimes Internacio-
nais, leia esta entrevista (Theory Talk #21) com o próprio Stephen Krasner, em: https://bit.
ly/3gb6hE9. (Disponível apenas em inglês, mas facilmente traduzível pelo Google).

Leia uma das perguntas da entrevista: “Em 1982, você definiu regimes internacionais como
"princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão
em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área das
relações internacionais". Desde então, o construtivismo incorporou o estudo de regimes de
normas internacionais. Os regimes internacionais são tão salientes como quando você o
definiu em 1982, e a dinâmica deles é compreensível sem o construtivismo social?

Krasner: O trabalho sobre regimes internacionais em 1982 foi um esforço coletivo, e devo
admitir que naquele momento não fazia ideia do que essa definição implicava. Se eu fosse
reescrever o capítulo agora, ofereceria três definições diferentes de regimes internacionais

72
– a definição construtivista que você mencionou; uma definição neoliberal, que é: “regi-
mes são princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão que resolvem
problemas de falha de mercado”; e há uma definição realista, que é: “regimes são princípios,
normas e procedimentos de tomada de decisão que refletem os interesses dos estados
mais poderosos do sistema”.

Pois bem, caro acadêmico! Depois de bastante teoria sobre os regimes


internacionais, vamos analisar um caso real? Evidentemente que uma situação
isolada não reúne todas as conceituações vistas neste tópico, mas, permite que
você tenha uma breve noção para analisar outras tantas experiências a respeito
dos regimes internacionais. Acompanhe o quadro a seguir.

ESTUDO DE CASO – O REGIME ANTÁRTICO

Com 14 milhões de km² e 70% das reservas mundiais de água, a


Antártida permaneceu, durante muito tempo, fora das principais negociações
internacionais, sobretudo no que concerne à possibilidade de integração de
elementos políticos, econômicos e estratégicos do sistema internacional. Isso
começou a mudar na década de 1950, e, em 1959 foi assinado o Tratado Antártico,
cuja prescrição mais importante foi o congelamento das reinvindicações de
soberania sobre o continente. Assim, emergiram dois grupos: países-membros
do sistema antártico, com pretensões de soberania (Argentina, Chile, Inglaterra,
Nova Zelândia, França, Noruega e Austrália), e países liderados pela Malásia,
que reivindicavam uma internacionalização da Antártida na condição de
patrimônio comum da humanidade.

Com a evolução dos temas e, em espacial, a ampliação da agenda das


Relações Internacionais, percebe-se que a questão da Antártida não se limita a
seus aspectos de soberania ou internacionalização, mas articula-se, atualmente,
na perspectiva do crescente interesse despertado pela questão ambiental. O
continente, portanto, tornou-se palco de atuação de diversos atores.

73
ESTAÇÃO ANTÁRTICA COMANDANTE FERRAZ (EACF), BRASILEIRA, EM OPERAÇÃO DESDE 1984

FONTE: <https://bit.ly/2z1adYG>. Acesso em: 18 maio 2020.

Aplicando-se a teoria de regimes ao caso antártico, vale, primeiramente,


lembrar que eles são princípios, normas, regras e procedimentos que
convergem para um tema comum. Podem ter como norma, por exemplo,
um tratado internacional pactuado entre governos, a fim de regular as ações
dos diversos atores em cena – o caso do Tratado Antártico. Contudo, os
regimes ambientais também preveem procedimentos que abarcam os vetores
tecnológico e cultural em desenvolvimento com foco na proteção de um bem
coletivo global. Assim sendo, o regime antártico não se restringe ao Tratado,
mas, contempla a participação de vários atores das Relações Internacionais,
tais como o Greenpeace (ONG).

Portanto, novos tipos de atores transnacionais, mais sensíveis à


ciência moderna, à tecnologia e às mudanças econômicas e ecológicas,
têm quebrado o monopólio do Estado na gestão administrativa do sistema
internacional, conjuntura propiciada, em grande medida, pelos novos meios
de comunicação. São agentes sociais que estabeleceram vínculos inovadores
extraestatais, “baseando-se em contatos, coligações e interações através das
fronteiras nacionais ante os quais os órgãos centrais da política externa estatal
ou supranacional têm relativa, ou nenhuma, capacidade regulatória” (VILLA,
2001, p. 3).

FONTE: Adaptado de Silva; Culpi (2017, p. 236-237).

Conseguiu perceber como este tema se difunde no mundo real? No caso


da Antártica, muitos atores e tratados podem se sobrepor, já que os interesses
pelo espaço geográfico em questão são variados. Assim como as regras e
procedimentos, cujas alterações ao longo do tempo, não representam uma ruptura
do regime, mas apenas sua manutenção.

74
DICAS

Despertou curiosidade sobre o caso da Antártida? Veja fotos desde o seu des-
cobrimento em 1820 até o Tratado Antártico de 1959, assistindo ao vídeo Nerdologia de
história: quem descobriu e de quem é a Antártida? Disponível em: https://bit.ly/316qqH1.

TRATADO ANTÁRTICO

FONTE: <https://bit.ly/2CDaXoy>. Acesso em: 2 jun. 2020.

Acadêmico! Esperamos que ao final deste tópico você tenha compreendido


o arcabouço conceitual sobre os regimes internacionais. O objetivo é que as teorias
aqui desenvolvidas sejam úteis ao entendimento de situações do mundo real.

Antes de continuar para o próximo tópico desta unidade do livro didático,


veja os tópicos de resumo e realize as questões de autoatividades. Tenha bons estudos!

75
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os regimes internacionais são definidos como princípios, normas, regras e


procedimentos para a tomada de decisão de atores internacionais.

• Os princípios são as crenças dos atores internacionais em fatos, causas e


questões morais do contexto em que atuam.

• As normas são padrões de comportamento previamente definidos em termos


de direitos e obrigações firmadas.

• As regras são prescrições ou proscrições especificas para uma determinada


ação a ser colocada em prática.

• Os procedimentos são práticas predominantes de execução das decisões


coletivas por distintos atores internacionais.

• Os acordos internacionais são firmados de forma individual, com curta


duração, procuram consolidar normas, e requerem a aceitação de um pequeno
grupo de atores.

• Os regimes internacionais são arranjos político-sociais robustos, com longa


duração, promovem cooperação internacional, e buscam reciprocidade entre
os atores envolvidos.

• Os regimes internacionais buscam uma reciprocidade ou um ganho mútuo


para as partes envolvidas.

• Cenários propícios aos acordos, à negociação internacional, e à cooperação


internacional de longo alcance são criados a partir dos regimes internacionais.

• Quando são alteradas as regras e os procedimentos há uma mudança interna


nos regimes internacionais.

• Quando são alterados os princípios e as normas há uma mudança do próprio


regime internacional.

76
AUTOATIVIDADE

1 A que se referem os quatro conceitos que definem os regimes internacionais?

2 Quais são as principais características dos regimes interacionais?

3 Qual é a diferença entre mudança internas nos regimes de mudanças nos


próprios regimes internacionais?

77
78
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS


RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1 INTRODUÇÃO

Olá, acadêmico! Neste tópico, nós daremos continuidade ao entendimento


dos conceitos relativos aos regimes internacionais a partir das diferentes visões
que os regimes passaram a ter no interior das teorias das Relações Internacionais.
Desta forma, poderemos perceber que a dinâmica dos movimentos que os regimes
podem apresentar, bem como sua relevância em explicar as relações sociais e
políticas, variam conforme a perspectiva teórica adotada.

Se a organização dos espaços nacionais é resultado das relações de


poderes e dos interesses presentes nos diversos atores nacionais e internacionais,
os regimes internacionais pouco influenciam os resultados alcançados. Será que
esta leitura é totalmente verdadeira?

Talvez os atores nacionais e internacionais nem sempre tenham a


capacidade de criar as melhores condições possíveis para um Estado quando agem
de forma isolada. Portanto, haveria casos em que as relações de poder seriam
contrabalanceadas. Todavia, se os resultados alcançados pelos Estados a partir
de uma determinada organização social tendem para certa padronização, seria
possível afirmar que as padronizações são oriundas de um conjunto de normas
delineadas internacionalmente, portanto, amparadas por algum tipo de regime.

Foi possível perceber diferenças de análise? São justamente estas


perspectivas que iremos aprofundar com os conteúdos deste tópico. Bons estudos!

2 REGIMES INTERNACIONAIS NO DEBATE DAS TEORIAS DAS


RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As conceituações em torno dos regimes internacionais mostram que


esta perspectiva de entendimento das relações entre os atores internacionais
pode contribuir sobremaneira para a teorização do próprio campo das Relações
Internacionais. Contudo, o debate sobre os regimes internacionais no interior
desta área de estudo não é unânime. Ou seja, não há uma concordância geral
entre as teorias das Relações Internacionais a respeito da natureza, função e
importância dos regimes internacionais.

79
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Estas divergências quanto à função dos regimes internacionais existem


porque a partir de um posicionamento teórico os regimes são entendidos como
meros reflexos dos interesses comuns entre os atores que conformam um regime.
A partir de outra perspectiva, os regimes podem representar uma proliferação de
determinados valores que se queiram imprimir a outros atores; valores tendem
a modificar percepções sobre um ou mais assuntos e acabam orientando ações e
decisões tomadas. Além destas percepções, os regimes também são vistos como
a manifestação do poder de Estados hegemônicos sobre os demais membros da
sociedade internacional (SILVA; GONÇALVES, 2010).

De maneira mais didática, podem ser distinguidas três visões das Relações
Internacionais sobre a ideia dos regimes internacionais: 1) visão estrutural
convencional, 2) visão estrutural modificada, 3) visão grociana.

Enquanto a visão estrutural convencional entende o conceito de regime


internacional como inútil, a visão estrutural modificada revela que os regimes são
relevantes para o cenário dos atores internacionais, ainda que em condições muito
específicas. Já pela visão grociana os regimes são interpretados como variáveis
bastante disseminadas no sistema internacional.

Há, portanto, uma diferença clara entre essas três visões, uma vez que
entendem o impacto e as consequências das variáveis causais devido aos regimes
internacionais de forma distinta. Vamos analisar com mais profundidade este
tema? Nas páginas seguintes você entenderá as disparidades implícitas às três
visões dos regimes internacionais.

NOTA

A partir de outros autores das Relações Internacionais as três visões a respei-


to dos regimes internacionais também são denominadas de visão neorrealista (estrutural
convencional), visão neoliberal (estrutural modificada), e visão cognitivista (grociana). Ou,
ainda: teorias baseadas no poder (estrutural convencional), teorias baseadas no interesse
(estrutural modificada), e teorias baseadas no conhecimento (grociana). Contudo, essas
divisões são similares em seu conteúdo, a não ser por diferenças técnicas muito detalhadas
(MACHADO; SANTOS, 2009).

80
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 4 – VISÕES E CARACTERÍSTICAS SOBRE OS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: O autor

O esquema básico de causa e efeito dos regimes internacionais entende


que os regimes são variáveis intervenientes que se localizam entre as variáveis
causais básicas, tais como poder e interesses, e os consequentes os resultados
e comportamentos. Ou seja, os regimes são variáveis que interferem as
consequências causadas pelas relações de poder e de interesses intrínsecas aos
atores internacionais.

A figura a seguir procura exemplificar os elementos deste esquema. Veja


se você consegue identificar todos os elementos citados.

FIGURA 5 – ESQUEMA BÁSICO DE CAUSA E EFEITO DOS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: Adaptado de Krasner (2012, p. 96)

Portanto, é sobre a relevância da variável interveniente – Regimes – o


debate entre as três visões. Vamos estudar cada uma delas? Acompanhe os itens
a seguir.

81
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

2.1 VISÃO ESTRUTURAL CONVENCIONAL

A partir da visão estrutural convencional os regimes são elementos que


ofuscam e obscurecem as relações de poder e interesses. E, por isso, o conceito é,
inclusive, malvisto, já que não dá transparência aos jogos de poder presentes nos
atores que se relacionam no contexto internacional.

As relações entre poder e interesses são entendidas como as mais


importantes neste conjunto. E, além disso, são vistas como as próprias causas
que fundamentam o comportamento dos Estados no espaço internacional, pois
um regime internacional é facilmente desestruturado se as relações de poder são
perturbadas ou se a percepção dos interesses dos Estados que formam o regime
sofre uma alteração ao longo do tempo (KRASNER, 2012).

Do ponto de vista teórico, esta visão sobre os regimes é caracterizada pelo


uso do paradigma da Escola Realista das Relações Internacionais, representada
pelos autores Kenneth Waltz, John Mearsheimer, Joseph M. Grieco, Robert Gilpin,
Stephen Krasner, Susan Strange (MACHADO; SANTOS, 2009).

A partir da visão estrutural convencional os regimes são completamente


excluídos do esquema de causa e efeito, já que seu impacto nos resultados
e nos comportamentos dos atores é visto como irrelevante. Assim, há “uma
conexão direta entre mudanças em fatores causais básicos (sejam políticos, sejam
econômicos) e mudanças em comportamentos e resultados” (KRASNER, 2012,
p. 97). Uma vez que os regimes geram pouco ou nenhum impacto, as variáveis
causais básicas têm resultado direto nos comportamentos evidenciados.

[Susan Strange] acredita que o conceito de regime seja inútil ou, pelo
menos, seja uma interpretação errônea da realidade internacional e
se, por acaso, eles realmente existem, esses esconderiam a verdadeira
cena internacional, ou seja, as relações de poder e interesses nacionais
(MACHADO; SANTOS, 2009, p. 181, grifo nosso).

E
IMPORTANT

A visão estrutural convencional não considera os regimes internacionais


relevantes e os exclui do esquema básico de causa e efeito dos regimes.

Um exemplo que pode nos ajudar a pensar sobre a visão estrutural con-
vencional é por meio da dinâmica do mercado. A característica fundamental do
mercado é a impessoalidade entre compradores e vendedores – ainda mais em

82
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

um contexto de atuação dos mercados dominado pela tecnologia – em que os


preços são definidos pelas próprias trocas.

Os atores do mercado, sejam indivíduos, empresas, grupos e setores


econômicos ou Estados, são considerados isolados, com interesses próprios e
egoístas. Desta forma, os atores que dão dinâmica ao mercado agem de acordo
com relações de poder e de interesses previamente definidas, sendo pouco ou
nada dispostos ao cumprimento de princípios e normas, regras e procedimentos
dos regimes internacionais (KRASNER, 2012).

FIGURA 6 – IMPESSOALIDADE DA DINÂMICA DO MERCADO

FONTE: <https://bit.ly/3kWRqRh>. Acesso em: 2 jun. 2020.

As variáveis causais básicas, compostas aqui em nosso exemplo


pelas relações de poder e percepção de interesses dos atores do mercado, não
são interferidas por nenhuma outra variável na formação de determinado
comportamento e no alcance de certos resultados – conforme demonstrado na
imagem a seguir.

A compreensão da economia brasileira, por meio desta visão, se daria


pela dinâmica existente entre os donos de empresas e trabalhadores, monopólios
e oligopólios comerciais (brasileiros e estrangeiros) e o próprio Estado brasileiro,
sem que os regimes internacionais pudessem interferir nos resultados e no
comportamento final.

83
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

FIGURA 7 – VISÃO ESTRUTURAL CONVENCIONAL SOBRE OS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: O autor

Os princípios e as normas, as regras e os procedimentos dos regimes


internacionais podem até perdurarem ao longo do tempo, mas possuem um
impacto limitado no comportamento dos atores e nos resultados alcançados.
Com um grau de influência das instituições questionável, o comportamento
apresentado decorre de uma lógica mais direta de ações e consequências
(MACHADO; SANTOS, 2009).

Conseguiu entender esta primeira visão sobre os regimes internacionais?


Agora já sabemos que as teorias das Relações Internacionais possuem compreensão
diferenciada sobre este tema. Vamos estudar agora a visão estrutural modificada?

2.2 VISÃO ESTRUTURAL MODIFICADA

A partir da visão estrutural modificada os regimes internacionais


somente são vistos com impacto significativo em situações específicas. Por meio
desta perspectiva entende-se que o mundo é formado por Estados soberanos,
cujos objetivos são alcançados pela maximização de suas relações de poder e de
interesses.

Deste modo, os regimes têm a função básica de coordenar o comportamento


dos Estados para que os resultados e objetivos sejam alcançados nas diferentes
áreas de interesse (KRASNER, 2012). E devido a esta percepção, os regimes
podem sim gerar impacto nas relações de poder e alterar o comportamento e
resultados finais, fazendo parte do esquema de causa e efeito ao tornar-se uma
variável interveniente.

Quanto ao contexto teórico, esta segunda visão é uma posição intermediária


entre a escola Liberal clássica e a escola Realista clássica, a partir dos trabalhos
de Robert O. Keohane, Joseph S. Nye, e Arthur A. Stein. Atualmente, é a corrente
teórica predominante sobre regimes internacionais (MACHADO; SANTOS, 2009).

A visão estrutural modificada defende que os regimes internacionais são


úteis quando resultados “ótimos” não podem ser alcançados em virtude de ações
individuais não coordenadas e orientadas, tais como na situação do Dilema do
Prisioneiro da Teoria dos Jogos.

84
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Os regimes também seriam relevantes quando o comportamento autôno-


mo dos atores internacionais leva a resultados desastrosos para ambos os lados
– aqui a situação seria do Jogo do Galinha da Teoria dos Jogos.

Há, portanto, o entendimento de que os regimes podem produzir efeitos mais


benéficos quando as tomadas de decisão individuais dos Estados não permitem uma
coordenação internacional (KRASNER, 2012; MACHADO, SANTOS, 2009).

NOTA

O conceito Ótimo de Pareto foi introduzido pelo economista, sociólogo e


engenheiro italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) para explicar uma situação em que os re-
cursos de uma economia são alocados de tal maneira que nenhuma reordenação diferente
possa melhorar a situação de qualquer pessoa (ou agente econômico) sem piorar a situa-
ção de qualquer outra. Esta noção econômica foi amplamente difundida nos assuntos es-
tratégicos, principalmente, na Teoria dos Jogos, pela qual implica que dentre várias opções
de ação, se deve escolher a opção em que um dos componentes do sistema se beneficie
da opção, contudo, sem que os demais membros sejam prejudicados (MACHADO; SAN-
TOS, 2009; SANDRONI, 1999).

Relembre essas situações anteriores da Teoria dos Jogos por meio das
informações a seguir.

E
IMPORTANT

Dilema do Prisioneiro e Jogo do Galinha

O Dilema do Prisioneiro da Teoria dos Jogos traz uma situação em que dois suspeitos, A
e B, são presos pela polícia. A polícia não tem provas suficientes para os condenar, então
separa os prisioneiros em salas diferentes e oferece a ambos o mesmo acordo:

85
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

1. Se um dos prisioneiros confessar (e trair o outro) e o outro permanecer em silêncio, o


que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de prisão.
2. Se ambos ficarem em silêncio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode con-
dená-los a 6 meses de prisão para cada um.
3. Se ambos confessarem (e traírem o comparsa), cada um leva 5 anos de prisão.
Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem
certeza da decisão do outro, já que não podem conversar. A questão que o dilema propõe
é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir?
A situação de um “ótimo” de Pareto seria alcançada aqui, portanto, se ambos ficassem em
silêncio, resultando em um menor prejuízo para o coletivo dos envolvidos.

FONTE: <http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/capitulo.asp?cap=m6>.

O termo Jogo do Galinha vem do inglês “chicken game”, em que neste contexto, a palavra
chicken quer dizer “covarde”. Este jogo é mais conhecido por uma cena do filme “Nos tem-
pos da Brilhantina” com John Travolta e Olívia Newton-John. A cena mostra o protagonista
do filme, dentro de um carro acelerando contra um outro sujeito em linha reta. A aposta é
que quem desviar o carro primeiro perde o seu carro.

Na teoria, este jogo é pensado de duas formas: se os dois jogadores não podem ou po-
dem fazer acordos. Se eles não podem fazer acordos existem as opções de alguém des-
viar e perder o carro, ou os dois baterem e perderem os dois carros e as vidas. Já, se há a
possibilidade de fazer acordo, os dois podem acelerar e desviarem no mesmo momento,
acordando que cada um fica com o seu carro. Quando há acordo, chamamos de estratégia
colaborativa (configurando um “ótimo” de Pareto), quando não há, chamamos de confron-
to. Muitas vezes, de posse de todas as informações os agentes encontram um meio de
colaborarem, ainda que esta colaboração seja contra o melhor resultado individual possível.
É claro que se um jogador acelerar o carro e o fizer de forma a amedrontar o outro, ele
ganha, mas se o outro fizer a mesma coisa, os dois perdem.

FONTE: <https://jornalggn.com.br/analise/o-brasil-e-o-jogo-do-galinha>. Acesso em: 2 jun. 2020.

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=ns2S_rKd_As>. Acesso em: 2 jun. 2020.

Os resultados a partir das situações da Teoria dos Jogos demonstram que


os regimes internacionais podem ter um grande impacto em um mundo cujos
cálculos individualistas seriam insuficientes dada a complexidade das situações
em que Estados e demais atores internacionais estão constantemente inseridos.

86
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Desta forma, os “regimes ajudam Estados em seus próprios interesses,


coordenando seus comportamentos e evitando resultados subótimos” (MACHA-
DO; SANTOS, 2009, p. 183).

E
IMPORTANT

Escrito de outra forma, a visão estrutural modificada entende que os regimes


internacionais são necessários quando as soluções individuais não produzem o com-
portamento e resultados adequados.

“Se existe um movimento geral em direção a um mundo de


interdependência complexa [...] o número de áreas temáticas em que os regimes
podem ter importância está aumentando” (KRASNER, 2012, p. 98).

Contudo, os regimes internacionais podem não ser relevantes em situações


do Jogo de Soma Zero – em o ganho de um jogador representa necessariamente
a perda para o outro jogador. Nestes casos, os Estados agem no sentido de
maximizar seus interesses autônomos em detrimento dos interesses dos demais
Estados.

Por isso que os regimes na área de segurança foram mais escassos ao longo
do tempo, por se aproximarem mais de jogos de soma zero do que os regimes na área
econômica, por exemplo. A conclusão é que puras motivações de poder, com exclusivos
objetivos de ganhos de interesses, impedem a constituição de regimes internacionais
(KRASNER, 2012). A visão estruturalista modificada percebe os regimes internacionais
surgindo e tendo um impacto significativo, mas apenas em específicas condições.

A partir da visão estrutural modificada podemos reajustar o modelo


básico de causa e efeitos dos regimes internacionais. Veja a imagem a seguir.

FIGURA 8 – VISÃO ESTRUTURAL MODIFICADA SOBRE OS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: Adaptado de Krasner (2012, p. 98)

87
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Neste caso temos um modelo misto em que, pelo caminho “a”, ocorre uma
ligação direta entre as variáveis causais básicas e o comportamento correspondente
e resultados, sem que os regimes sejam utilizados e/ou cumpridos. Já pelo caminho
“b” há uma conexão com os regimes internacionais, os quais configuram-se como
variáveis que interferem o comportamento correspondente e resultados oriundos
das relações de poder e de interesses.

A visão estrutural modificada entende que em circunstâncias de pouco


conflito as tomadas de decisão com base em interesses puramente individuais não
levam a resultados excelentes ou “ótimos”. Assim, por meio desta perspectiva,
determinados resultados podem ser beneficiados com a adoção da dinâmica dos
regimes internacionais.

De toda forma, “regimes internacionais proporcionam uma estrutura


informacional, determinam uma base aceitável para redução de conflitos e formam uma
base para se determinar o que é legítimo entre os atores e, consequentemente, moldam as
expectativas nas interações” (MACHADO; SANTOS, 2009, p. 184, grifo nosso).

Um exemplo estaria no já citado Tratado de Não Proliferação de Armas


Nucleares, que procura justamente evitar a disseminação de pesquisas nucleares
para fins não pacíficos. A capacidade de os regimes interferirem conflitos significa
que variáveis de poder são alteradas pelos regimes, ou seja, as próprias relações
internacionais são modificadas. Por isso que a efetividade dos regimes dependerá
do grau de coesão das políticas internas de interesses comuns (políticas com
valores sociais) e a distribuição de poder na sociedade (MACHADO; SANTOS,
2009).

Você conseguiu entender os aspectos que caracterizam esta segunda visão


sobre os regimes internacionais? Pois bem, agora veremos um pouco mais sobre
a visão grociana (ou cognitivista).

2.3 VISÃO GROCIANA (OU COGNITIVISTA)


A visão grociana é pautada por uma perspectiva bastante diferente das duas
visões anteriores, pois entende que os regimes internacionais são fenômenos dissemi-
nados em todos os sistemas políticos (KRASNER, 2012). Neste contexto existe a defesa
de que os regimes são importantes e estão presentes tanto em áreas de forte solidarie-
dade, tais como em questões de distribuição de alimentos ou água, quanto em áreas
de bastante conflito, como foram e são os processos de colonização e/ou colonialismo.

Os autores responsáveis pela elaboração desta perspectiva teórica são


Raymond Hopkins, Donald Puchala, Oran Young, Robert Cox, Alexander Wendt,
John G. Ruggie. Uma vez que a compreensão a respeito dos regimes internacionais
está em sua difusão por todas as interações políticas, a própria criação dos regimes
independe de uma vontade inicial, já que a simples ação mútua dos atores no
espaço internacional é produtora de regimes (MACHADO; SANTOS, 2009).

88
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

NOTA

“Cognitivista não é uma Escola da Teoria das Relações Internacionais. É a jun-


ção de inúmeras outras escolas, excluindo-se realistas e liberais, que possuem elementos
comuns em suas análises sobre regimes. O que une os cognitivistas é a crítica a teorias
racionalistas que tratam identidades e interesses estatais como elementos que lhes são
dados exogenamente” (MACHADO; SANTOS, 2009, p. 185).

Antes de continuarmos, você sabe a que se refere o termo grocianismo?


Leia o texto a seguir:

E
IMPORTANT

O termo grocianismo

O grocianismo tem inspiração nas análises de Hugo Grócio sobre as relações entre os
Estados, sobretudo na sua obra “O Direito da Paz e da Guerra”. Contudo, é a partir da deno-
minação do racionalismo de Martin Wight que o uso do termo começa a ser empregado.
Tal como Martin Wight estabeleceu, o racionalismo refere-se a uma perspectiva que rompe
com a divisão clássica entre realismo e idealismo, identificando um caminho intermediário
entre as duas tradições. Neste sentido, racionalismo é um sinônimo para o termo grocia-
nismo. Racionalismo ou grocianismo, significa uma possibilidade intermediária entre uma
interpretação hobbesiana, ou realista e outra kantiana ou revolucionista. O artigo “Interna-
tional theory: three traditions” publicado por Wight em 1987 inaugura a terminologia.

FONTE: Adaptado de Frota; Monteiro (2016, p. 95).

De volta ao grocianismo enquanto ponto de vista para os regimes


internacionais, veja na imagem a seguir como é representado o modelo de causa
e efeito dos regimes internacionais na visão grociana.

89
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

FIGURA 9 – VISÃO GROCIANA SOBRE OS REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: Adaptado de Krasner (2012, p. 99)

Perceba que o quadro dos resultados e comportamentos é alterado para


“comportamento padronizado”. Isto ocorre pela interpretação de que os Estados
e os atores internacionais que atuam com e pelo Estado se sentem, na maioria das
vezes, restringidos por princípios e normas, regras e procedimentos – estruturas
próprias aos regimes. Ou seja, os limites sociais e políticos pelos quais os Estados
atuam resultam em comportamentos mais ou menos padronizados.

Por isso que há uma relação mútua entre o comportamento padronizado


e os regimes – demonstrado na imagem anterior pelas setas duplas. “O
comportamento padronizado inevitavelmente gera expectativas convergentes.
Isso leva a um comportamento que se torna convencional, criando expectativas
de que haja repreensão a desvios das práticas em uso [nos regimes]” (KRASNER,
2012, p. 99).

Assim, esta visão compreende que, de uma forma ou de outra, os regimes


estarão presentes, já que os comportamentos padronizados, transformados em
comportamentos convencionais, passam a produzir normas reconhecidas pelo
conjunto dos atores internacionais. É justamente este compêndio de normas
reconhecidas a característica elementar dos regimes.

E
IMPORTANT

Na visão grociana os regimes estão presentes em todos os sistemas, já que


determinados comportamentos padronizados nos quais os Estados estão inseridos geram,
necessariamente, um conjunto de normas reconhecidas pela sociedade.

90
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS EM TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Qualquer padrão de comportamento dentro da esfera internacional


gera expectativas generalizadas entre os atores, reprimindo qualquer
tentativa antagônica [ou contrária] à conduta padronizada. O que
significa que nenhum comportamento nas relações internacionais
pode persistir sem que um regime o respalde (MACHADO; SANTOS,
2009, p. 185, grifo nosso).

Se o observador encontra um padrão de atividades inter-relacionadas e as


conexões desse padrão são compreendidas, deve existir algum tipo de normas e
procedimentos em funcionamento” (KRASNER, 2012, p. 99). Isto é, há indícios de um
regime em funcionamento quando as ações de um Estado produzem certo padrão de
atividades que se relacionam entre si e que são reconhecidas pela sociedade.

A visão grociana, diferentemente da estrutural modificada, passa a


considerar o mercado como um regime internacional, pois os padrões de
comportamento presentes na dinâmica do mercado são impregnados por
significados normativos que persistem por um longo período de tempo.

NOTA

Em sentido geral, o termo Mercado designa um grupo de compradores e


vendedores que estão em contato suficientemente próximo para que as trocas entre eles
afetem as condições de compra e venda dos demais. Um mercado existe quando compra-
dores que pretendem trocar dinheiro por bens e serviços estão em contato com vende-
dores desses mesmos bens e serviços. Desse modo, o mercado pode ser entendido como
o local, teórico ou não, do encontro regular entre compradores e vendedores de uma
determinada economia (SANDRONI, 1999).

Assim, “o mercado precisa estar impregnado por um ambiente social mais


amplo que alimenta e sustenta as condições necessárias para o seu funcionamento”
(KRASNER, 2012, p. 99, grifo nosso). Os comportamentos padronizados dão
origem ao Mercado (regime). Por sua vez, o Mercado acentua, modifica e é
modificado constantemente pelos padrões de comportamento, gerando uma
relação mútua.

Isto ocorre porque os regimes são vistos aqui como resultado das ações
dos indivíduos em sociedade. Ou seja, são produtos coletivos que não existem
fora das relações sociais humanas. Como também não são necessariamente
formalizados, pois podem resultar de simples interações sociais, os regimes
não podem ser modificados por um ator individual, apenas coletivamente
(MACHADO; SANTOS, 2009).

91
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Ademais, um elemento importante é adicionado à visão grociana: as


elites. Segundo essa visão, os Estados não são estruturas soberanas limitadas
apenas pelo equilíbrio do poder – os “poderes e interesses” das visões anteriores.
Mas, orientados fortemente pelas elites internacionais, as quais são consideradas
legítimos atores internacionais (KRASNER, 2012). “As elites agem no interior
de uma rede de comunicações, incorporando regras, normas e princípios, que
transcendem as fronteiras nacionais” (KRASNER, 2012, p. 100). As elites possuem
laços nacionais e transnacionais que limitam o controle dos Estados sobre as
movimentações em suas fronteiras, bem como dificultam o domínio do conjunto
dos aspectos que conformam o sistema internacional.

Ficaram evidentes as distinções sobre as três visões apresentadas?


Acompanhe uma rápida síntese no quadro a seguir:

QUADRO 3 – SÍNTESE DAS VISÕES SOBRE OS REGIMES INTERNACIONAIS


• Os argumentos estruturais convencionais não levam os regimes a sério: se
as variáveis causais básicas mudam, os regimes também mudam. Os regi-
mes não têm impacto independente ou autônomo sobre o comportamento.
• Os argumentos da visão estrutural modificada [...] veem os regimes como
importantes somente quando uma tomada independente de decisão leva a
um resultado indesejado.
• A perspectiva grociana aceita os regimes como uma parte fundamental de
toda interação humana padronizada, incluindo os comportamentos no sis-
tema internacional.
FONTE: Adaptado de Krasner (2012, p. 100)

Por meio destas “leituras” sobre os regimes internacionais podemos


perceber que os regimes são melhor assumidos a partir da visão grociana,
embora não sejam totalmente irrelevantes para as visões estrutural convencional
e modificada. A preocupação maior não deve ser a de afirmar se os regimes
são aceitos ou não, mas entender quais são os pressupostos básicos do sistema
internacional.

Se a visão estrutural modificada entende os regimes como um fenômeno


cuja presença deve ser analisada com rigor; na visão grociana, os regimes são
aceitos como um fenômeno disseminado e significativo do sistema internacional
(KRASNER, 2012).

Chegamos ao fim de mais um tópico, acadêmico! Revise as principais


ideias no Resumo e faça as questões de autoatividade.

92
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Para a visão estrutural convencional os regimes internacionais são elementos


que obscurecem as relações de poder e de interesses próprias aos atores in-
ternacionais.

• Os regimes internacionais para a visão estrutural convencional possuem pou-


ca importância.

• As variáveis causais básicas resultam diretamente nos comportamentos evi-


denciados na visão estrutural convencional.

• A visão estrutural modificada entende que o impacto dos regimes internacio-


nais é visto apenas em situações específicos.

• Os Estados buscam maximizar suas relações de poder e de interesses, os


regimes internacionais podem contribuir para o alcance destes objetivos, a
partir da visão estrutural modificada.

• Os regimes internacionais são úteis para a visão estrutural modificada quan-


do resultados “ótimos” paretianos não são possíveis de se alcançar de forma
individualizada. Na visão estrutural convencional, há o entendimento que
os regimes internacionais são menos relevantes (quando resultados “ótimos”
são alcançados), mas, também, a compreensão que eles devem existir para
que melhores resultados sejam alcançados.

• A visão grociana entende que os regimes internacionais são fenômenos disse-


minados em todos os sistemas políticos.

• Há uma relação mútua entre o comportamento padronizado observado e os


regimes internacionais, a partir da visão grociana, por isso de uma forma ou
outra os regimes estarão presentes.

93
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos entender a visão estrutural convencional para os regimes


internacionais?

2 E quanto à visão estrutural modificada: qual seu entendimento sobre os


regimes internacionais?

3 Quais os avanços trazidos pela perspectiva grociana para a compreensão


dos regimes internacionais?

94
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

REGIMES DE SEGURANÇA
INTERNACIONAL

1 INTRODUÇÃO

Olá, acadêmico! Este é o último tópico da Unidade 2 do Livro Didático


de Instituições, Regimes e Organizações Internacionais. Após estudarmos os
conceitos relativos aos regimes internacionais (temas dos Tópicos 1 e 2), iremos
analisar o funcionamento dos regimes a partir de temáticas específicas.

Neste tópico, a ênfase será para os regimes de segurança internacional,


com especial atenção à Organização do Tratado do Atlântico Norte, a OTAN, e
ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, a ONU. Todavia,
procuraremos trazer um panorama dos regimes de segurança internacional pelo
mundo.

Cabe lembrar que esta abordagem dos regimes internacionais e seus


específicos temas terá continuidade na Unidade 3. Lá, daremos ênfase às questões
econômicas, ambientais e de direitos humanos.

Desejamos uma ótima leitura do material a seguir. Acesse nossas dicas


e vídeos para melhor compreender os temas estudados. E não se esqueça de
realizar as autoatividades ao final do tópico. Bons estudos!

2 HISTÓRICO DA SEGURANÇA INTERNACIONAL NO MUNDO


Para pensar o tema segurança ao longo do tempo podemos separá-lo em,
pelo menos, três abordagens distintas. A segurança coletiva, em que entendia a
segurança como um benefício da organização de Estados na defesa conjunta. A
segurança comum, enfatizando que a segurança deve ser uniforme e não apenas
relacionada à área militar. A segurança cooperativa, que avança para além da
segurança somente enquanto defesa, a partir da perspectiva da segurança como
prevenção. Vamos entender melhor estas abordagens?

A iniciativa de se pensar um referencial teórico e prático para o conjunto


de ideias em torno da segurança ocorre com o final da Primeira Grande Guerra
Mundial, como consequência da existência de violência organizada por diversos
países do mundo. Assim, os Estados passam a reconhecer a necessidade de uma
relativa unidade com o fim de organizar estratégias de defesa em conjunto.

95
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Com a criação da Sociedade das Nações (SDN), também conhecida por


Liga das Nações, em 1919, foi estabelecida a primeira organização internacional
de Estados modernos com objetivos claros de segurança internacional e o
estabelecimento de acordos de paz. A Liga das Nações procurava prevenir a
ocorrência de futuros atos de violência internacionalmente organizada. Com a
eclosão da Segunda Grande Guerra Mundial acabou extinta em 1946.

Uma das críticas à Liga das Nações foi quanto ao seu entendimento do
próprio conceito de segurança em si, o qual enfatizava quase exclusivamente os
aspectos militares da segurança internacional. Com a identificação das fraquezas
da Liga das Nações, já em 1934 a terminologia “segurança coletiva” começa a
ser utilizada com maior frequência pelos Estados e demais atores internacionais
(DIAS; MOTA; RANITO, 2011).

Finalizados os conflitos da Segunda Grande Guerra Mundial, novos


acordos foram realizados com pretensões de paz mundial. Neste contexto,
em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), cujos objetivos
aumentaram o escopo de análise da segurança coletiva. O entendimento, a partir
da ONU, incluía outros elementos à segurança, não exclusivamente militares.
Contudo, “com a divisão ideológica que marcou a Guerra Fria e um certo bloqueio
nas decisões da ONU, os Estados tendiam a organizar-se e agrupar-se de acordo
com a sua ideologia política” (DIAS; MOTA; RANITO, 2011, p. 6, grifo nosso). Já
que os tratados de segurança possuem uma forte base na política era necessário
um apoio político mais intenso para que os atores internacionais (organizações,
instituições, Estados) que discutissem esse tema tivessem relativo sucesso.

DICAS

Certamente você já ouviu falar nas siglas CIA e KGB. Assista ao vídeo a seguir
sobre a Guerra fria para saber a importância destas agências de espionagem para a dinâmi-
ca da bipolaridade mundial. Disponível em: https://bit.ly/2DYJLl2.

96
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

GUERRA FRIA

FONTE: <https://bit.ly/34l1zl7>. Acesso em: 2 jun. 2020.

Neste sentido, a segurança coletiva atingiu o ponto mais elevado de seu


desenvolvimento a partir de dois novos acordos internacionais. Representando
o lado da América do Norte e dos países capitalistas da Europa Ocidental foi
assinado em 1949 o Tratado do Atlântico Norte, que deu origem à OTAN, sigla da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (em inglês, NATO ⁻ North Atlantic Treaty
Organization). Do lado dos países socialistas do Leste Europeu e da União Soviética
formou-se em 1955 o Pacto ou Tratado de Varsóvia (DIAS; MOTA; RANITO, 2011).
Estes tratados representaram a divisão do mundo no período devido ao contexto
da Guerra Fria, já que o Tratado de Varsóvia foi criado justamente para contrapor-
se à aliança militar intergovernamental criada a partir da OTAN.

E
IMPORTANT

A segurança coletiva ganha amplo espaço de debate com o término dos grandes
conflitos mundiais, mas é revalorizada com a criação da OTAN e do Tratado de Varsóvia.

A questão da segurança, cuja origem e desenvolvimento encontra-se nos


cenários das Grandes Guerras Mundiais, recebe renovada relevância e atenção
política com os desdobramentos da Guerra Fria. Uma das formações conceituais
que ganha espaço é a partir do dilema de segurança internacional, pelo qual se

97
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

discute o uso da força de forma reconhecida ou a interrupção e o bloqueio de


agressões por meio de alianças internacionais.

Acompanhe a importância do dilema de segurança para o desenvolvimento


histórico da própria segurança internacional.

E
IMPORTANT

Dilema de segurança internacional

O dilema de segurança internacional se origina da seguinte forma: de modo geral, os Es-


tados dependem prioritariamente de si mesmos para garantir sua segurança própria, seja
quanto à segurança nacional e interna do país, seja quanto às ameaças externas inter-
nacionais. Isto ocorre porque não há uma única autoridade central no mundo capaz de
assegurar amplo apoio neste sentido.

Contudo, ao promover o aparelhamento nacional com meios militares suficientes para ga-
rantir sua segurança própria, cada Estado promove, também, um desequilíbrio nas relações
de poder internacional. Se o Estado-membro de um sistema regional cresce militarmente
haverá uma percepção de insegurança entre os governantes dos Estados vizinhos.

Consequentemente, novas políticas de aparelhamento militar são criadas também por


outros Estados, culminando em uma generalizada campanha de melhoria da capacidade
militar entre os Estados. O resultado dessa corrida armamentista é uma perda do nível de
segurança para todos os Estados, mesmo aqueles que sequer participaram da disputa.

APARELHAMENTO MILITAR NORTEAMERICANO E SOVIÉTICO

FONTE: <https://bit.ly/2Q9VFuO>. Acesso em: 2 jun. 2020.

Neste cenário, três fatores são essenciais ao dilema de segurança. O primeiro deles diz res-
peito à estrutura do próprio sistema internacional que dificulta a criação de mecanismos
coletivos de segurança, induzindo os Estados a preocuparem-se apenas com sua própria
segurança.

98
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

O segundo fator é a crescente diferenciação da natureza dos armamentos militares, os


quais passaram a ser usados tanto para defesa quanto para o ataque, devido aos avanços
tecnológicos. Quando armas de defesa são percebidas como instrumentos para a agres-
são, os Estados tendem a aumentar sua capacidade de defesa, a qual pode, por sua vez,
suscitar atenção a outros Estados.

Por fim, o dilema de segurança é também promovido pela questão da comunicação im-
perfeita entre os Estados, já que a avaliação das reais intenções de cada Estado perpassa
pela lógica da geopolítica mundial. Se historicamente foram criados tensões e conflitos
que alimentaram desconfianças mútuas entre Estados, a corrida armamentista é constan-
te. Em casos de cooperação mútua, os interesses econômicos e políticos passam a ser
mais relevantes do que as disputas militares. Assim, o dilema de segurança poderia ser
superado a partir das relações firmemente estabelecidas pelas democracias de grandes
potências econômicas.

FONTE: Adaptado de Silva e Gonçalves (2010).

Neste contexto, a noção mais tradicional de segurança é ampliada para


o conceito de segurança comum a partir do Relatório “Segurança Comum” no
âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). O termo foi desenvolvido
originalmente por Olaf Palme, então primeiro-ministro da Suécia, que em 1982
foi responsável pelo relatório da Comissão Independente para Desarmamento
e Questões de Segurança da ONU – o qual ficou conhecido como Relatório
“Segurança Comum”.

Embora a publicação do Relatório tenha despertado diversas críticas


ao conceito devido a sua atenção excessiva ao domínio político-militar e suas
questões securitárias, comparado à ideia anterior sobre segurança, a segurança
comum passa a incluir novas e variadas perspectivas. Veja alguns desses novos
posicionamentos sobre segurança:

Assume a existência da deslegitimação global de uso de força (além da


autodefesa), a reestruturação e redução do armamento militar, as políticas
de cooperação que naturalizariam a tensão entre o Pacto de Varsóvia
e a Otan, a partilha de tecnologia, o fortalecimento das instituições
internacionais, a adopção de padrões internacionais de direitos humanos,
das liberdades civis e dos direitos básicos económicos e, por fim, a
desmilitarização nuclear (DIAS; MOTA; RANITO, 2011, p. 7).

Desta forma, a segurança comum pode ser definida como um programa


de ação que compreende a segurança como um problema internacional
compartilhado entre adversários. Ou seja, não se trata de um problema nacional
de um ou outro país de forma isolada. E, além disso, a segurança comum entende
que as medidas tradicionais de segurança, que procuram aumentar a segurança
de um Estado (ou grupo), estão, na verdade, agravando o problema ao invés de
resolvê-lo (DIAS; MOTA; RANITO, 2011).

99
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

E
IMPORTANT

A segurança comum não vê o problema da segurança de forma isolada em


cada Estado, mas como um programa de ação para ser compartilhado internacionalmente,
inclusive entre adversários.

Com o fim da Guerra Fria, em 1991, o conceito de segurança é expandido


para a ideia de segurança cooperativa. A disposição em cooperar mutuamente
surge quando Estados passam a contribuir para a segurança ampla de todos,
abrangendo áreas antes não debatidas no âmbito da segurança, tais como a
economia e o meio ambiente.

A ampliação do escopo da área de segurança é importante já que na


década de 1960, quando o conceito aparece pela primeira vez, as duas áreas de
intervenção privilegiadas eram a militar e a política. Embora já se considerava
relevante a cooperação entre inimigos na superação de conflitos futuros (DIAS;
MOTA; RANITO, 2011).

ATENCAO

Na década de 1990, o conceito de segurança cooperativa procurou substituir


os conceitos anteriores de segurança coletiva e de segurança comum com o cessar dos
conflitos da Guerra Fria.

Um dos avanços relevantes quanto à segurança cooperativa estava na


mudança de foco das ações e programas relativos à segurança. Se os conceitos
anteriores se preocupavam na extinção da violência ocorrida em determinado
contexto militar-político; na segurança cooperativa a ênfase se refere à prevenção
da violência em suas múltiplas áreas (DIAS; MOTA; RANITO, 2011).

Por meio do desenvolvimento histórico da noção de segurança é possível


perceber que as discussões sobre a perspectiva e o termo mais adequado no âmbito
das Relações Internacionais foram frequentes. Por isso, cabem questionarmos por
um momento: de que forma as teorias das Relações Internacionais entendem a
segurança?

100
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

Tanto a perspectiva neorrealista quanto a neoliberal compreendem a


“anarquia internacional” e os Estados como atores centrais à segurança, embora
analisem os efeitos da anarquia de forma diferenciada. Os neorrealistas veem
dificuldades de cooperação devido às desconfianças e o medo devido à anarquia.
Os neoliberais veem nas instituições e nos regimes as possibilidades de cooperação
(CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016).

Portanto, para os neoliberais a segurança coletiva está amparada em duas


condições: nas afinidades e diferenças ideológicas, étnicas e culturais entre os
Estados; e, no acordo democrático entre os Estados a respeito da relação entre
segurança internacional e políticas de segurança nacional. Desta forma, “o
aumento de transparência e a diminuição dos custos de transação fazem com que
as instituições afetem a disposição dos Estados para cooperar em longo prazo”
(CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016, p. 66).

Veja nos quadros da imagem a seguir os fatores pelos quais a segurança está
relacionada, independente do conceito de segurança que se considere mais relevante.

QUADRO 4 – FATORES DA SEGURANÇA COLETIVA

FONTE: Adaptado de Baccarini (2009, p. 111 apud Stromberg (1956, p. 255)

Independentemente da forma que sejam resolvidas as dificuldades para


se estabelecer laços de cooperação relacionados à segurança internacional, o tema
perpassa por diferentes regimes uma vez que os Estados em paz devem estar
prontos e institucionalmente preparados à prevenção de conflitos e guerras.

A concepção de segurança internacional pode ser vista ainda a partir de


dois entendimentos distintos: enquanto uma “obrigação moral e universal” ou
enquanto concerto entre as grandes potências econômicas. O primeiro é relativo
à Liga das Nações, e o segundo, se refere à ONU.

Desta forma, a partir da Liga das Nações entendia que a paz poderia ser
alcançada por meio da unanimidade das decisões a serem tomadas e acordadas
entre os membros, ou seja, a partir de um consenso global a respeito da democracia
em detrimento da guerra e anarquia. Quanto à ONU, as decisões para o pacto
entre as grandes potências ocorreriam por meio do Conselho de Segurança da
ONU e a unanimidade entre os membros permanentes. Além disso, há o poder
de veto dos membros permanentes para que nenhuma decisão seja tomada em
oposição a seus interesses (BACCARINI, 2009).

101
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Enquanto regime, a segurança coletiva pode ser elaborada: 1) com


objetivo de manter determinadas condições sociais, políticas e econômicas de um
Estado (manter um status quo). 2) com foco na permanência de procedimentos
pacíficos de segurança, utilizando a força militar e bélica apenas como autodefesa
(BACCARINI, 2009; CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016).

A primeira elaboração da segurança coletiva como um regime se aproxima


da ideia de “obrigação moral e universal”, “em que qualquer agressor pode ser
confrontado pelas sanções coletivas, o que requer uma definição comum de
agressão e a disposição de agir onde quer que a agressão ocorra” (BACCARINI,
2009, p. 114). A segunda, não apresenta de definição explícita sobre o que é
agressão, mas ampara-se na Carta das Nações Unidas. Assim, a autoridade do
Conselho de Segurança não se limita a atos específicos de agressão, embora o
própria Conselho julgue quando é necessário preservar a paz.

A ampla diferenciação no entendimento de áreas como a da segurança


internacional nas Relações Internacionais se deve à elevada quantidade de atores
que compreendem e competem entre si, já que a segurança é um dos objetivos
fundamentais dos Estados.

Os realistas veem grande dificuldade na segurança coletiva em virtude da


existência de grandes potências econômicas e nos processos de autoajuda. Assim,
há uma barreira bastante forte para se vencer “dilema do prisioneiro” devido
ao “dilema da segurança” (CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016). O aumento da
segurança nacional de um Estado diminui automaticamente a segurança de
outros Estados, quiçá a segurança internacional.

Os neorrealistas entendem que os regimes de segurança internacional são


valiosos, mas, difíceis de serem alcançados. Isto ocorre porque o acordo a respeito
de questões de segurança baseadas no autointeresse podem ser custosas no interior
de um regime: o medo em violar os itens acordados é um dos fatores que fazem
com que os atores abandonem os regimes (CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016).

Foram entendidas algumas das perspectivas a respeito da segurança


internacional nas Relações Internacionais? E o desenvolvimento do regime de
segurança ao longo do tempo? Pois bem, nos próximos itens estudaremos os
casos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e do Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Vamos lá?

3 ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE


(OTAN)

As relações de poder compõem o contexto das Relações Internacionais


de forma ampla, assim como já estudamos nos temas da Unidade 1 deste livro
didático. Desta forma, a institucionalidade das Relações Internacionais no que

102
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

diz respeito à segurança coletiva está diretamente ligada à trajetória histórica da


Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Se a preocupação com a segurança mundial decorre com maior relevância


do fim da Segunda Grande Guerra Mundial, período em que interesses e forças
passam por certa acomodação, a ideia de criação da OTAN já existe antes do
término da Guerra. Em 1941, Estados Unidos e Reino Unido assinaram a Carta
do Atlântico, composta por princípios de auxílio mútuo entre os países membros
contra inimigos comuns, tendo como objetivo a paz e a segurança mundial
(COSTA, 2006).

Após a Segunda Guerra Mundial, outros acordos, neste sentido, foram


firmados, tal como o Tratado de Bruxelas, em 1948, que procurou fortalecer as
articulações políticas e econômicas dos países vencedores da Guerra. França,
Reino Unido, Bélgica, Holanda e Luxemburgo formalizaram o Tratado como um
instrumento internacional de cooperação política e de defesa militar.

Como forma de ampliar as relações dos Estados Unidos com os países


da Europa ocidental e impor-se política e economicamente frente à União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 4 de abril de 1949, foi assinado o
Tratado do Atlântico Norte. Este tratado promovido pelos Estados Unidos é
relevante para o contexto histórico pois tinha prazo de duração indeterminado
e serviu como base jurídica para a constituição da OTAN. Neste momento, os
12 membros fundadores foram os cinco países que compunham o Tratado de
Bruxelas, Estados Unidos e Canadá. Foram convidados, ainda, Dinamarca,
Islândia, Itália, Noruega e Portugal (COSTA, 2006).

FIGURA 10 – PRESIDENTE NORTE-AMERICANO HARRY TRUMAN DURANTE A ASSINATURA DO


TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE

FONTE: <https://bit.ly/2XSQUJw>. Acesso em: 2 jun. 2020.

103
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Ao longo dos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial, a polarização


que marcou a Guerra Fria era cada vez mais evidente, oferecendo condições para
que em 20 de setembro de 1951 fosse, de fato, criada a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN) (COSTA, 2006). Estava explícita a personalidade jurídica
da Organização, cujas propostas definiam perante o cenário internacional o bloco
político e econômico de Estados opostos à chamada União Soviética – a qual teve
seu pedido de entrada negado em 1954 por Estados Unidos e Reino Unido.

Mais tarde, Grécia, Turquia e Alemanha ocidental também são convidadas


à OTAN. O cenário de alianças e parcerias estratégicas em torno da OTAN
forçam URSS na formalização de acordos opostos, os quais resultaram na criação
do já citado Tratado de Varsóvia. Assim, em 14 de maio de 1955 é assinado o
tratado proposto pela URSS, unindo Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária,
Tchecoslováquia, Hungria, Polônia e Romênia.

Conforme mencionado anteriormente, o Tratado de Varsóvia delimitou de


forma clara o bloco que se oporia à OTAN, mas, também, formalizou os próprios
contornos institucionais da Guerra Fria:

A luta entre os dois blocos – capitalista-ocidental e socialista-oriental


– e seus arranjos militares seriam a marca registrada da Guerra Fria,
que se arrastaria por décadas e colocaria à margem o paradigma de
segurança coletiva, forjado com o Conselho de Segurança da ONU
(COSTA, 2006, p. 135, grifo nosso).

Nas décadas seguintes, entre 1950 e 1980, a preocupação esteve relacionada


à proliferação de armas nucleares, tema que possui um capítulo à parte, contudo,
é ao longo da década de 1980 que se inicia certa reorganização do cenário político
em que a OTAN se encontrava inserida. Após a entrada de Mikhail Gorbachev
como dirigente maior da URSS e secretário-geral do Partido Comunista, variadas
transformações nas relações do país com o mundo contribuem na alteração
da antiga bipolaridade mundial. Enfim, a queda do muro de Berlim em 1989,
e a independência dos Estados do Leste Europeu, culminam na dissolução do
Tratado de Varsóvia em 1991, encerrando o momento histórico em que a OTAN
se conectava diretamente à Guerra Fria.

DICAS

Conheça mais sobre as principais características da OTAN a partir do próprio hotsi-


te da organização. Na seção “O que é a NATO?” (em português) há um conteúdo com imagens
e informações apresentadas de foram muito dinâmica, confira em: https://bit.ly/3gd1pOS.

104
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

Entre a década de 1990 e a atualidade a OTAN teve um desenvolvimento


no sentido de aproximar antigos adversários políticos e formar de novas diretrizes
de segurança e paz na área Euroatlântica. Sobretudo, com a criação do Conselho
de Associação Euroatlântica (CAEA), países não membros puderam tornar-se
parceiros, ressignificando a dinâmica da segurança coletiva pós Segunda Guerra
Mundial e ampliando seu escopo de atuação.

Neste sentido foi criada, por exemplo, a Parceria para a Paz (PfP –
Partnership for Peace) de 1994, um programa mais amplo que aproximou países do
centro e do leste europeu e garantiu mais estabilidade entre os territórios (COSTA,
2006). Além do Diálogo Mediterrâneo (de 1994), envolvendo os sete países da
região mediterrânea (Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Mauritânia, Marrocos,
Tunísia); da Iniciativa de Cooperação de Istanbul (de 2004), envolvendo, Barém,
Kuwait, Catar, Emirados Árabes Unidos; e de outras parcerias com Estados que
não fazem parte dessas estruturas regionais, os chamados “Parceiros globais”
(criada em 2010) (NATO, 2020a).

Veja no quadro a seguir a ampliação da OTAN ao longo do tempo, cujo


desenvolvimento resultou na composição atual de 29 membros, além dos 21
parceiros no âmbito da PfP.

QUADRO 5 – ESTADO E CONDIÇÃO DE ENTRADA NA OTAN

Estado Entrada
Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos,
França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, 1949: membros originários
Noruega, Portugal, Reino Unido
Grécia e Turquia 1951: membros aderentes
Alemanha 1955: membro aderente
Espanha 1982: membro aderente
República Tcheca, Hungria, Polônia 1999: membros aderentes
Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia,
2004: membros aderentes
Eslováquia, Eslovênia
Albânia, Croácia 2009: membros aderentes
Montenegro 2017: membros aderentes
Armênia, Áustria, Azerbaijão, Bielo-Rússia,
Bósnia e Herzegovina, Cazaquistão, Finlândia,
Parceiros a partir do programa
Geórgia, Irlanda, Macedônia, Malta, Moldávia,
Parceira para a Paz
Quirguistão, Rússia, Sérvia, Suécia, Suíça, Taji-
quistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão
FONTE: Adaptado de Costa (2006) e Nato (2020b)

Ademais, outros dois fatos são marcantes para o desenvolvimento da


OTAN: a Guerra da Bósnia e os ataques terroristas do 11 de setembro nos Estados
Unidos. O primeiro deles diz respeito à Guerra da Bósnia e Herzegovina,
que ocorreu entre 1992 e 1995, cujo desfecho dividiu o país em duas entidades

105
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

políticas autônomas a partir do acordo de Paz de Dayton: a Federação da Bósnia e


Herzegovina (Bosniakisch-kroatische Föderation, na imagem a seguir) e a República
Sérvia (Republika Srpska, na imagem a seguir), além do distrito de Brčko (Brčko-
Distrikt, na imagem a seguir) – um território livre e comum para as duas entidades.

FIGURA 11 – DIVISÃO PÓS-GUERRA DA BÓSNIA-HERZEGOVINA

FONTE: <https://bit.ly/2Q9qyiI>. Acesso em: 2 jun. 2020.

106
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

NOTA

O acordo de Paz de Dayton firmado oficialmente em Paris em dezembro de


1995, após negociados os termos da paz no estado de Ohio nos Estados Unidos, estabe-
leceu a Bósnia e Herzegovina como um estado único, democrático e multiétnico, pondo
fim à Guerra.

FONTE: <https://bit.ly/2YxfqRF>. Acesso em: 2 jun. 2020.

Como resposta às crises na Bósnia e Herzegovina, a OTAN conduziu sua


primeira grande operação fora do território de algum de seus Estados-membros.
Sob as instruções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas
(ONU), a Força de Implementação liderada pela OTAN (IFOR – Implementation
Force) foi enviada em dezembro de 1995 para implementar os aspectos militares
do acordo de Paz de Dayton. Um ano depois a IFOR foi substituída pela Força de
Estabilização da OTAN (SFOR – Stabilization Force) (COSTA, 2006; NATO, 2020c).

As ações da OTAN, cujas operações terminaram apenas em 2004, ajudaram


a manter um ambiente seguro e facilitar a reconstrução do país após a guerra.
Atualmente, o papel de estabilização política e econômica no país está vinculado
à União Europeia, contudo, a OTAN mantém uma sede militar na capital Sarajevo
que complementa as atividades da União Europeia e auxilia na reforma da defesa
e no combate ao terrorismo. É neste contexto que a Bósnia e Herzegovina tornou-
se um país parceiro da OTAN em dezembro de 2006 (NATO, 2020c).

Entretanto, um episódio, durante as operações da OTAN, na Bósnia e


Herzegovina, colocou em evidência à prioridade suprema (primazia) do Conselho
de Segurança da ONU em agir com a força, alterando o paradigma de segurança
criado em 1945. O fato se deve à intervenção militar da OTAN em março de 1999,
quando um bombardeio não oficialmente autorizado pela ONU foi realizado na
antiga Iugoslávia (então formada por Sérvia e Montenegro) com a justificativa
de solucionar um conflito que poderia levar a uma catástrofe humanitária na
Europa. O mandado explícito do Conselho de Segurança da ONU, por meio da
Resolução nº 1.244, só ocorreu em junho de 1999 (COSTA, 2006).

Na entrada do Século XXI, a OTAN segue sua dinâmica de cooperação inter-


nacional junto à Bósnia e Herzegovina, mas passa a enfrentar um novo grande desafio
relativo ao terrorismo internacional. Os ataques terroristas ao World Trade Center e ao
Pentágono nos Estados Unidos em 2001, conhecidos como o 11 de setembro, abriram um
novo campo de intervenções militares e motivaram a OTAN invocar pela primeira vez
na história a cláusula de defesa coletiva de seu Tratado Constitutivo (artigo 5º). Atenden-
do aos princípios da segurança coletiva, o artigo 5º entende que a agressão a qualquer um
dos membros da OTAN é o mesmo que atacar a todos os seus membros (COSTA, 2006).

107
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Outros atentados de extremistas violentos após o 11 de setembro também


contribuíram para a mudar a tônica da OTAN, tais como o de Istambul (Turquia),
em novembro de 2003, o ataque ao sistema de trens urbanos de Madri (Espanha),
em 11 de março de 2004, ao sistema de transporte público em Londres (Inglaterra)
em 7 de julho de 2005, e o atentado à casa de shows Bataclan, em Paris (França),
em 13 novembro de 2015 (NATO, 2020a).

Desde 2004 a OTAN assumiu oficialmente funções em Cabul, no Afeganistão,


sua primeira ação fora da área euroatlântica, a partir dos acontecimentos em torno
da chamada “Guerra ao Terror” promovida pelos Estados Unidos como resposta
ao 11 de setembro, mas que envolveu diversas instituições e países como uma
estratégia global de combate ao terrorismo.

FIGURA 12 – A GUERRA GLOBAL AO TERROR

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/2Q780Qh>. Acesso em: 2 jun. 2020.

108
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

A partir de um cenário de certa estabilidade dos Estados, a atuação da


OTAN articula-se para garantir segurança e liberdade aos indivíduos contra o
extremismo de grupos violentos. Em 2011, por exemplo, a crise na Líbia chamou
ampla atenção mundial quando a OTAN desempenhou um papel crucial
para ajudar a proteger os civis sob ataque de seu próprio governo, conforme
determinação da Organização das Nações Unidas (NATO, 2020a).

FIGURA 13 – ORGANOGRAMA DO ORÇAMENTO ANUAL DA OTAN, 2004

FONTE: Adaptado de Costa (2006, p. 138)

No organograma anterior é possível acompanhar a distribuição do


orçamento da OTAN ao longo do período de um ano. Dos 900 milhões de dólares
utilizados, mais de 80% foram destinados à estrutura militar ($750 milhões);
pouco mais de 15% ($150 milhões) à estrutura civil.

Além destas cifras, outros $700 milhões são destinados anualmente


ao Programa da OTAN de investimento e segurança, destinado a melhorias
estratégicas de Estados membros, para operações especiais de manutenção da
paz, como as citadas, IFOR, SFOR, e ações no âmbito de programas como o PfP
(COSTA, 2006).

109
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Após conhecermos o funcionamento da Organização do Tratado do


Atlântico Norte (OTAN), no item seguinte, veremos outra estratégia internacional
no âmbito da segurança, a partir do Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas (ONU). Vamos lá?

4 CONSELHO DE SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS


NAÇÕES UNIDAS (ONU)

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é um órgão criado


em 1945 conjuntamente com a própria ONU e possui as mais importantes
funções dentro da organização. Sua principal função e responsabilidade diz
respeito à manutenção da paz e da segurança internacional. Neste sentido, cabe
enfatizar que se trata do único órgão do mundo que pode enviar decisões que
são obrigatórias a todos os membros da ONU, e inclusive autorizar o envio de
intervenções militares para que determinadas decisões sejam cumpridas (ONU,
1945).

Quanto a sua composição, o CSNU é formado por cinco membros


permanentes, os quais possuem poder de veto sobre as decisões tomadas e as
resoluções criadas, e dez membros não permanentes. Os membros permanentes
são os países considerados grandes potências mundiais, cujo consenso entre eles
poderia inibir novas grandes guerras. Deste modo, os membros permanentes
são Estados Unidos, França, Reino Unido, República Popular da China e Rússia
(ONU, 1945).

Os membros não permanentes são eleitos pela Assembleia Geral da ONU


por um período de dois anos, “tendo especialmente em vista, em primeiro lugar,
a contribuição dos membros das Nações Unidas para a manutenção da paz e da
segurança internacionais e para os outros propósitos da Organização e também
a distribuição geográfica equitativa” (ONU, 1945, grifo nosso).

110
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

FIGURA 14 – REUNIÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, CÂMARA DO


CONSELHO, NOVA IORQUE

FONTE: <https://bit.ly/3eNGAcj>. Acesso em: 2 jun. 2020.

A partir destes elementos em sua formação, o CSNU abrigava o


posicionamento das grandes potências mundiais, cuja decisão só acontecia quando
todos os membros permanentes tivessem a mesma opinião sobre um mesmo
conflito. Quando isso não ocorria, sobretudo, em decorrência da Guerra Fria e da
consequente bipolarização mundial, o CSNU se encontrava paralisado devido
poder de veto de cada um dos membros permanentes (BACCARINI, 2009).

Desta forma, durante a Guerra Fria foi difícil o estabelecimento de um


regime de segurança internacional uma vez que os interesses das superpotências
em bipolaridade eram complexos para serem removidos e construída alguma
forma de regime. A cooperação entre Estados Unidos e ex-União Soviética para
a manutenção da paz não significou um regime de segurança, de fato, a partir do
CSNU, pois as restrições realizadas são justificativas para o interesse próprio de
cada Estado em afastar conflitos diretos e destruição própria. Pois, as condições
mínimas para um regime ser estabelecido dizem respeito à manutenção das
relações sociais e políticas por meio forças não coercitivas, com objetivo de ganhos
individuais e possíveis perdas. Esta não foi uma condição observada durante a
Guerra Fria, já que os Estados alteraram e romperam as regras de acordo com os
interesses momentâneos próprios (BACCARINI, 2009).

O contexto de criação do CSNU e da própria ONU trouxe esperanças da


possibilidade da instituição se fortalecer como um grande e coeso espaço decisório
mundial após a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, que cumprisse por meio do poder de
veto de seus membros permanentes os objetivos não alcançados pela Liga das Nações.

111
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Contudo, muitas das confianças depositadas foram em vão com o


subsequente desencadeamento da Guerra Fria, resultando, por exemplo, na
Guerra da Coreia na década de 1950, que dividiu as macrorregiões norte e sul do
país, e na criação tanto da OTAN quando do Pacto de Varsóvia – “organizações”
que abrigavam interesses distintos e fomentavam a bipolaridades de poderes
(LOPES; CASARÕES, 2009).

Após a Guerra Fria, com a dissolução da ex-União Soviética, houve uma


redistribuição internacional do poder, passando a incluir países da Europa e da
Ásia, a chamada Eurásia. Contudo, a proliferação de armas nucleares e tecnologias
que ampliam a territorialidade de cada Estado por meio da comunicação, retoma-
se um cenário complicado para a conformação de uma segurança ampla e coletiva
para os Estados. A partir desta situação é possível perceber três visões distintas:
realista, liberal e institucionalista.

Para os realistas, o rearranjo de poder entre as potências mundiais e,


sobretudo, a desigualdade entre o poder, eleva a dificuldade para um consenso.
Portanto, há uma divergência sobre a mudança da bipolaridade para a
multipolaridade aumentar ou não o número e a complexidade dos conflitos.

Os liberais entendem que com o fim da Guerra Fria, e com a OTAN assu-
mindo posição de dar prosseguimento à cooperação, a democratização soviética
contribuiu para uma segurança compartilhada, com interesses econômicos e po-
líticos que incluíam o arranjo anterior à Guerra Fria. Os incentivos do mercado e
a aproximação dos interesses, aumentam os ganhos relacionados à mútua coope-
ração (BACCARINI, 2009).

Por fim, para os institucionalistas, a adaptação às normas do CSNU, e da


ONU como um todo, e a possibilidade de ganhos mútuos como forma de condu-
zir a segurança coletiva aos Estados seriam somadas às condições apresentadas
por liberais e realistas. “As instituições ajudam a regularizar os interesses dos
Estados se envolvendo no início da disputa e minimizando os incentivos para o
escalonamento de ambições ou do medo” (BACCARINI, 2009, p. 122, grifo nos-
so). Embora o aumento do número de atores que compõem o CSNU e demais ins-
tituições relacionadas à segurança tornar a cooperação entre as grandes potências
ainda mais complexa.

Por outro lado, quando a Guerra Fria já sinalizava na direção de seu


término, o cenário de efetividade do CSNU e da ONU era bastante promissor
devido às resoluções criadas e aprovadas relativas à conflitos mundiais: a guerra
Irã-Iraque terminou em 1988 após a aprovação de uma resolução pelo Conselho de
Segurança; as forças soviéticas abandonaram o Afeganistão no período de 1988-
1989 sob intermediação do secretário-geral da ONU; a independência política da
Namíbia foi finalmente conseguida, com base em uma resolução do Conselho de
Segurança de 1978; em 1989, as forças cubanas iniciaram a retirada de Angola; e
as forças de manutenção da paz da ONU estavam obtendo êxito crescente pela
América Central (LOPES; CASARÕES, 2009).

112
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

Acompanhe, no gráfico a seguir, os dados sobre as resoluções da ONU


aprovadas junto ao CSNU desde sua criação. O fim da Guerra Fria tem um efeito
imediato no número médio de resoluções da ONU. Entre 1985 e 1995 o número
de resoluções aprovadas aumentou quase 80%, passando de 580 para 1.035. No
período anterior o aumento fora de 51%.

GRÁFICO 1 – NÚMERO CUMULATIVO DE RESOLUÇÕES APROVADAS NO CONSELHO DE SE-


GURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1955-2005

FONTE: Lopes e Casarões (2009, p. 21)

Da mesma forma que as resoluções aprovadas contam um pouco da his-


tória sobre a atuação do CSNU, sobretudo, no momento pós-Guerra Fria, a dimi-
nuição dos vetos às resoluções propostas pelo CSNU também é relevante para
entender este contexto. Veja a evolução dos dados da tabela a seguir.

TABELA 1 – RESOLUÇÕES VETADAS NO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS


NAÇÕES UNIDAS POR MEMBRO PERMANENTE, 1946-2002

China França Rússia Reino Unido Estados Unidos Total


1946-1955 1 2 76 0 0 79
1956-1965 0 2 26 3 0 31
1966-1975 2 2 7 8 12 31
1976-1985 0 9 6 11 34 60
1986-1995 0 3 2 8 24 37
1996-2002 2 0 0 0 5 7
Total 5 18 117 30 75 245
FONTE: Adaptado de Lopes e Casarões (2009, p. 21)

113
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Os indicadores positivos mostravam que os instrumentos de resolução de


conflitos a partir do CSNU e da ONU tornavam possível o funcionamento de um
sistema internacional de segurança, sobretudo, com o fim da Guerra Fria.

Pois bem, acadêmico, ao longo da Unidade 2 deste livro didático, foi possível
trazer um grande conjunto conceitual a respeito dos regimes internacionais, bem
como o contexto das discussões deste tema no interior das Relações Internacionais.
Por fim, estudamos o primeiro dos regimes internacionais selecionados, relativos
à segurança internacional.

114
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

LEITURA COMPLEMENTAR

ENTRE O NORTE E O SUL: O PAPEL DO BRASIL NO SISTEMA


INTERNACIONAL DE SEGURANÇA

Sarah-Lea John de Sousa

Introdução: um sistema internacional em mudança

O Brasil, enquanto potência emergente do Sul, está assumindo um papel cada


vez mais importante no cenário internacional em geral e no âmbito da segurança
em particular. Sua posição híbrida entre o Norte e o Sul, sua preferência pela
diplomacia e a negociação na solução de conflitos e seu apoio ao multilateralismo
são os fatores-chave que determinam seu papel no sistema internacional. Nos
últimos anos, foram realizados vários estudos sobre as mudanças no sistema
internacional. Muitos desses estudos se concentram na análise dos recursos
materiais do poder, como o tamanho e o crescimento econômico dos diferentes
atores. No caso das pesquisas em segurança internacional, costumam-se focalizar
o gasto militar, o tamanho das Forças Armadas e a tecnologia militar.

[...]

Cada vez mais, os Estados abrem mão do enfoque tradicional voltado


unicamente para a segurança nacional. Está sendo definido, portanto, um conceito
mais amplo centrado nos indivíduos, que relaciona a segurança a aspectos-chave do
desenvolvimento humano. Além disso, a crescente percepção de novas ameaças e
desafios globais, entre eles os desastres naturais, a mudança climática e o terrorismo
transnacional, exige maior cooperação entre os diferentes atores do sistema internacional.

A emergência das novas potências do Sul, que tentam ter voz ativa e
aumentar sua influência internacional, é um dos sinais mais evidentes dos processos
de mudança. Neste contexto, o Brasil constitui um exemplo de particular interesse.
No presente ensaio, será analisado seu papel no sistema internacional de segurança,
marcado por sua identidade híbrida Norte-Sul, seus importantes – embora limitados
– recursos militares e seu interesse em apoiar a paz e a estabilidade no mundo.
Também serão considerados os fatores ideacionais subjacentes à participação do
Brasil em diferentes regimes e instituições internacionais.

Brasil: “nova” potência militar?

Há mais de duas décadas, o Brasil está entre os 20 países com maior


gasto militar do mundo, o equivalente a cerca de 1% do gasto total mundial. Na
América Latina, responde por um terço do gasto total e é a maior potência militar.
Contudo, o Brasil não conta com armas nucleares e, portanto, está excluído do
clube das grandes potências militares – integrado pela Índia, por exemplo.

115
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Embora os gastos militares tenham aumentado em média 10% ao ano até


2002, Luiz Inácio Lula da Silva, em seu primeiro ano de governo, reduziu esses
gastos em 7,3%, passando de 15,4 a 11,7 milhões de dólares. As razões que mo-
tivaram Lula a cortar o orçamento militar são internas e externas. Por um lado, a
crise financeira da Argentina afetou a economia brasileira, freou seu crescimento e
obrigou o governo a reduzir o gasto militar. Por outro, o novo presidente priorizou
significativamente a área social e aumentou o orçamento dos programas voltados
à luta contra a pobreza, ao combate à fome, ao acesso à educação fundamental e
ao sistema de saúde. Neste sentido, o Brasil se diferencia de outras potências emer-
gentes, como a China e a Índia, na medida em que o propósito de aumentar sua
influência no mundo não se associa ao incremento dos gastos militares.

Embora o gasto militar – 1,5% do PIB – tenha se mantido relativamente


baixo no início do governo de Lula, mais tarde ele tornou a aumentar. Quando
o Brasil assumiu a liderança da Missão das Nações Unidas para a Estabilização
do Haiti (MINUSTAH), em 2004, o orçamento militar se incrementou novamente
até atingir, em 2007, os 15 milhões de dólares que, como foi mencionado anterior-
mente, eram gastos em 2002 antes do governo do PT.

Quanto ao desenvolvimento tecnológico-militar, vale salientar o lança-


mento do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) em 2002. Esse sistema de
satélites de nova tecnologia visa sobretudo controlar e combater o tráfico ilegal
de drogas e armas de maneira rápida e eficaz, além de vigiar e evitar ações guer-
rilheiras nas zonas fronteiriças com a Colômbia. Apesar de manter uma posição
neutra em relação ao conflito colombiano, o objetivo do Brasil é impedir que ele
se espalhe no seu território.

A indústria militar brasileira não é muito significativa em âmbito inter-


nacional. Durante a década de 80, na fase final da ditadura, as grandes empresas
militares ainda usufruíam de subvenções e apoio estatais. O Brasil era um claro
exportador na área militar: era o 11º exportador militar do mundo e o líder entre
os países em desenvolvimento, graças à produção de armas de alta qualidade,
fácil manuseio e baixo custo. No entanto, com a diminuição da demanda mun-
dial de armamento nos finais dos anos 80 e a transição para a democracia, teve
início um processo de privatizações e de redução significativa do apoio estatal às
empresas da indústria militar. Desse modo, o setor foi perdendo aos poucos a sua
importância. Hoje, somente a Embraer, empresa especializada na aviação civil e
militar, tem peso no mundo. Mesmo que o Brasil não desempenhe um papel rele-
vante na indústria militar internacional, continua a ser um país de trânsito e está
entre os 30 primeiros atores no comércio mundial neste setor.

A identidade do Brasil no âmbito da segurança internacional

O Brasil é, por seu peso demográfico, territorial, econômico e militar, um


país continental, que divide fronteira com 10 das 12 nações sul-americanas, porém,
enfrenta enormes desafios internos, regionais e globais. A dissolução da fronteira

116
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

entre o interno e o externo, no contexto da globalização, torna ainda mais complexos


os problemas e os desafios que o Brasil tem de encarar no âmbito da segurança.
Não é possível combater, por exemplo, a violência urbana e o crime organizado
sem cooperar, regional e internacionalmente, na luta contra o narcotráfico.

Por sua localização sul-americana, o Brasil, em nenhum momento de sua


história, esteve no centro das tensões internacionais. Sempre viveu em um en-
torno relativamente pacífico e não se envolveu em conflitos interestatais desde o
fim da Guerra do Paraguai, em 1870. Tudo isso ajudou a consolidar uma tradição
diplomática baseada na negociação pacífica, promovida sobretudo pelo Barão do
Rio Branco, ministro das Relações Exteriores entre os anos 1902 e 1912 e pai da
diplomacia brasileira, que negociou com êxito as fronteiras definitivas com os
países vizinhos. Tradicionalmente, o Brasil tem visto suas fronteiras como linhas
de cooperação e não de separação.

Partindo desse contexto, o Brasil define sua identidade internacional


como uma potência emergente de dimensões continentais, com especial interesse
na integração regional como modo de promover o desenvolvimento e a estabili-
dade, elementos que considera básicos para seu próprio desenvolvimento. Sendo
a diplomacia o instrumento prioritário de sua política exterior, o Ministério das
Relações Exteriores, Itamaraty, caracteriza-se, já desde a época do Barão do Rio
Branco, por seu alto profissionalismo.

A intenção do Brasil de desempenhar um papel decisivo no cenário in-


ternacional e de se apresentar como “defensor” dos interesses do mundo em de-
senvolvimento frente às grandes potências, sem questionar as regras e as normas
internacionais dominantes, é particularmente visível desde o início do governo
FHC, como parte de uma estratégia continuada ativamente por Lula. Nesta pers-
pectiva, o Brasil está conseguindo transformar sua identidade híbrida entre o
Norte industrializado e o Sul em vias de desenvolvimento em um verdadeiro
valor agregado. Marca assim uma diferença importante em relação aos outros
países que integram o grupo BRIC (a Rússia, a Índia e a China), que contam com
importantes recursos militares – especialmente a China e a Rússia – e adotam
uma estratégia internacional muito mais agressiva e claramente voltada a ganhar
um espaço entre as grandes potências.

Esses princípios definem a identidade do Brasil no âmbito da segurança


internacional. A promoção da paz e do desenvolvimento através de organismos
multilaterais, bem como o chamado à mediação e à diplomacia, constitui um pilar
importante da política exterior, como salientaram Lula e seu chanceler, Celso
Amorim. O Brasil ganha projeção como potência pacificadora e estabilizadora na
sua região. Essa identidade de potência regional se reflete na ideia da criação do
Conselho Sul-Americano de Defesa. Esse foro ou organismo serviria ao projeto
global brasileiro de ganhar mais prestígio, uma vez que esse objetivo está ligado
à consolidação de seu papel como potência regional imprescindível que atua, se
necessário, até como árbitro ou facilitador.

117
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

Fora da região, especialmente do ponto de vista de alguns países euro-


peus, o Brasil é visto como uma potência regional pacificadora e estabilizadora,
que promove o desenvolvimento econômico em sua vizinhança e uma política
conciliadora e de negociação. Ao mesmo tempo, é visto como uma potência emer-
gente com a qual é preciso contar e que convém ser levada em consideração nos
debates internacionais que tentam fomentar o multilateralismo. A Alemanha, por
exemplo, define o Brasil como um “país âncora”, enquanto a União Europeia ini-
ciou, em julho de 2007, um processo de associação estratégica com o país.

Um novo enfoque em segurança

O papel atual do Brasil no âmbito da segurança internacional se reflete em


sua participação ativa nos organismos multilaterais. Os diplomatas brasileiros
veem esses organismos como espaços privilegiados na busca do objetivo máximo
da política exterior: a obtenção de condições favoráveis para o desenvolvimento
do país. Isso pressupõe avançar na construção de um ambiente favorável para
sua posição de potência emergente e para o desenvolvimento nacional no que diz
respeito à melhora do nível de vida e ao maior crescimento econômico.

Vendo-se como defensor dos interesses do mundo em desenvolvimento, o


Brasil defende a democratização e a institucionalização dos processos de tomada
de decisões nos foros multilaterais. Neste contexto, leva adiante sua campanha
por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O
gigante sul-americano quer que os países emergentes do Sul aumentem sua voz
e sua participação para garantir um sistema mais representativo e um organismo
baseado na transparência e nos princípios democráticos.

Mas, apesar de assumir um papel cada vez mais ativo como potência pa-
cificadora em sua região e no mundo, o Brasil enfrenta desafios internos que são
ainda mais complexos em um contexto de globalização e de dissolução entre o
externo e o interno. Nesse sentido, cabe ressaltar especialmente o tráfico de bens
ilícitos (drogas e armas) e a violência urbana e rural em espaços em que o Esta-
do está (quase) ausente. Essa ambiguidade entre desafios internos, intimamente
relacionados ao mundo globalizado, e a crescente participação no cenário inter-
nacional enfrentando problemas e ameaças transnacionais, reflete-se em sua já
mencionada identidade como potência emergente do Sul.

Brasil nas missões de paz

Durante os últimos 60 anos, o Brasil participou de quase 30 missões de


paz sob as bandeiras das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados
Americanos (OEA). Essa contribuição, embora tenha sido, na maioria das vezes,
apenas simbólica em termos de recursos financeiros e de pessoal, serviu para
demonstrar o interesse do Brasil na promoção da paz e da segurança, encami-
nhando seus esforços através dos canais multilaterais existentes. Por não estar
envolvido em conflitos interestatais nem enfrentar conflitos armados internos, o

118
TÓPICO 3 — REGIMES DE SEGURANÇA INTERNACIONAL

país conseguiu aproveitar sua situação relativamente pacífica para promover a


paz e a segurança nos âmbitos regional e internacional com certa credibilidade.

O Brasil participou da primeira missão de paz documentada na América


do Sul em meados do Século XIX, quando integrou as operações militares que
acabaram com a ditadura de Rosas na Argentina. A pedido do governo do país
vizinho, a Divisão de Observação brasileira permaneceu até 1856, contribuindo
para a paz e a estabilidade regionais. O interesse em garantir a harmonia regional
também se reflete na participação brasileira na Comissão Militar Neutra, após a
Guerra do Chaco entre o Paraguai e a Bolívia.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU e da OEA, o


Brasil passou a participar das missões de paz sob o mandato dessas organizações
internacionais em diferentes regiões do mundo, mas sobretudo na América
Latina, no Caribe e nos países de língua portuguesa da Ásia e da África. Até o
golpe militar de 1964, o Brasil participou de missões de paz nos Bálcãs, no Canal
de Suez, no Congo e na Guiné Equatorial. Os presidentes Juscelino Kubitschek
(1956-1960), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964) tentaram uma maior
participação no cenário internacional através do desenvolvimento de uma política
externa independente, que procurava ao mesmo tempo contribuir para a paz e se
distanciar das estratégias de Washington.

O Brasil abandonou essa política durante a ditadura militar, quando foi ins-
tituída a Doutrina da Segurança Nacional – impulsionada pela Escola Superior de
Guerra e dirigida aos militares de alta patente. A última participação foi a do ano
1965, na República Dominicana: sob o mandato da OEA, o Brasil teve um papel de
destaque na Força Armada Interamericana com um total de 1.100 efetivos. Não have-
ria experiências semelhantes nos anos seguintes. De certo modo, o regime autoritário
interrompeu a emergência do Brasil como potência pacificadora regional e global.

A transição para a democracia coincidiu com o surgimento de um novo


conceito de segurança no cenário internacional, em particular na ONU. Novos
assuntos e desafios começaram a preocupar a comunidade internacional a partir
das mudanças produzidas com o fim da Guerra Fria e a globalização. Tais mu-
danças afetam o papel e as funções dos Estados e criam conexões mais estreitas
entre diferentes lugares do mundo. O conceito de segurança ligado unicamente
ao Estado Nacional soberano foi sendo abandonado, consolidando-se, em contra-
partida, o que hoje se denomina “segurança humana”. Esta abrange a segurança
contra a violência e a perseguição, bem como a segurança alimentar e econômica,
e tem como foco os indivíduos ameaçados e não apenas a segurança nacional do
Estado. Temas como o narcotráfico, a mudança climática e a proteção dos direitos
humanos fazem parte dessa nova perspectiva.

Nesse contexto, o Brasil vem mostrando um interesse crescente por se


inserir no sistema internacional globalizado, influir na agenda internacional e de-
sempenhar um papel mais importante. Desde a década de 90, as Forças Armadas

119
UNIDADE 2 — REGIMES INTERNACIONAIS

brasileiras participam cada vez mais de missões de paz na América Latina, na


África e, por vezes, na Ásia e na Europa.

Vale salientar o papel do Brasil com relação às ex-colônias portuguesas. O


Brasil foi, por exemplo, o primeiro país do mundo a reconhecer a independência
de Angola em 1975. Entre 1988 e 1997, o governo brasileiro, como parte de uma
missão da ONU, mandou para esse país aproximadamente 1.200 pessoas – entre
efetivos do pessoal militar, observadores policiais, agentes de saúde, engenheiros
e técnicos. Em Moçambique, o Brasil assumiu a liderança militar da Operação
das Nações Unidas para Moçambique (ONUMOZ). Também desempenhou um
papel importante em Timor Leste, onde – com o apoio de Portugal, da Indonésia
e do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan – ajudou a organizar uma con-
sulta popular que resultou na independência desse país. Apesar das restrições
orçamentárias da época, o Brasil participou ativamente e atuou como mediador
entre a Indonésia e as autoridades timorenses.

O papel do Brasil no Haiti é chave. É um precedente importante, uma vez


que nunca teve papel tão decisivo em nenhuma missão anterior. Em 2004, o Brasil
aceitou o convite da ONU e, apesar das duras críticas que recebeu, até de dentro
do próprio partido do governo, o interesse em projetar a imagem de uma potência
pacificadora em âmbito global primou na hora de tomar a decisão. As Forças
Armadas apoiaram a intervenção no país caribenho, o mais pobre da América
Latina. Em termos técnicos, a participação na MINUSTAH é um bom treinamento,
que serve para melhorar suas capacidades quanto à tecnologia e aos mecanismos
inovadores. Através do envio de tropas e engenheiros, e dos programas de
desenvolvimento bilaterais e multilaterais, o Brasil vincula o conceito amplo
de segurança humana com políticas favoráveis a um desenvolvimento humano
sustentável, que ajudem a produzir um contexto que permita que o Haiti saia
da crise. O Haiti recebe ajuda do Brasil para o desenvolvimento, e a Agência
Brasileira de Cooperação está realizando diferentes projetos nesse país.

Considerações finais

O papel ativo do Brasil nas missões de paz da ONU, em particular no


Haiti, é um exemplo de sua estratégia de inserção internacional e da função
que pretende desempenhar no mundo. Na sua condição de país em vias de
desenvolvimento, mas com enorme peso político, geográfico e econômico, o Brasil
busca a consolidação de sua voz em um mundo a cada vez mais globalizado e
interdependente.

FONTE: SOUSA, S-L. J de. Entre o Norte e o Sul: o papel do Brasil no sistema internacional de
segurança. Nueva Sociedad especial em português, outubro de 2018, p. 123-132. Disponível
em: https://bit.ly/319L88Y. Acesso em: 3 mar. 2020.

120
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Liga das Nações, em 1919, estabeleceu a primeira organização internacional


de Estados com objetivos claros de segurança internacional.

• Com a criação da ONU, em 1945, o entendimento sobre a segurança passou


a incluir outros elementos não exclusivamente militares.

• Com a Guerra Fria, a segurança coletiva passa a ser vista pelas iniciativas da
Otan, em 1949, e do Tratado de Varsóvia, em 1955.

• A questão da segurança recebe renovada relevância e atenção política com


os desdobramentos da Guerra Fria.

• O dilema de segurança internacional discute que a corrida de cada Estado


por proteger-se internamente de seus inimigos provoca uma diminuição da
segurança coletiva.

• A preocupação da OTAN entre 1950 e 1980 esteve relacionada à proliferação


de armas nucleares.

• Já entre a década de 1990 e a atualidade a OTAN teve um desenvolvimento


no sentido de aproximar antigos adversários políticos e formar de novas
diretrizes de segurança e paz.

• O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) nasce em 1945 con-


juntamente com a ONU. Sua principal função diz respeito à manutenção da
paz e da segurança internacional.

• Durante a Guerra Fria, o CSNU encontrou-se “paralisado”, uma vez


que as decisões só ocorriam com a aprovação de todos os seus membros
permanentes.

• Após a Guerra Fria, o cenário de efetividade do CSNU foi bastante promissor


devido às resoluções criadas e aprovadas relativas à conflitos mundiais.

121
CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

122
AUTOATIVIDADE

1 Explique o contexto de criação da OTAN e do Tratado de Varsóvia.

2 O que é chamado dilema de segurança internacional?

3 Escreva sobre a atuação da OTAN a partir dos exemplos citados no livro didático.

123
124
UNIDADE 3 —

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• Compreender a formação do regime internacional de comércio a


partir das experiências de integração econômica;
• Analisar o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e a
Organização Mundial do Comércio (OMC).
• Entender a formação histórica do regime internacional dos Direitos
Humanos;
• Compreender a relevância da Carta da ONU para o contexto dos
Direitos Humanos;
• Analisar as liberdades fundamentais a partir dos Estados, bem como
os direitos econômicos e sociais, na busca pelo desenvolvimento
dos povos.
• Conhecer as instituições e organizações internacionais que se
articulam no âmbito das discussões sobre sustentabilidade
• Interpretar a formação do regime internacional de Mudanças
Climáticas;
• Examinar o papel da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 –­ MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

TÓPICO 2 – REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

TÓPICO 3 – REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

125
126
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

MULTILATERALISMO E COMÉRCIO
INTERNACIONAL

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, vamos iniciar agora a última unidade do Livro Didático de


Instituições Regimes e Organizações Internacionais. Já temos muito conhecimento
acumulado até o momento, contudo, é importante o aprofundamento de alguns
regimes internacionais que permeiam os Estados e as organizações internacionais
na atualidade.

Assim, ao longo da Unidade 3, nós veremos com maior atenção os regimes


internacionais relacionados ao comércio, aos direitos humanos e à questão ambiental.

Neste primeiro tópico, denominado “Multilateralismo e comércio


internacional” serão exploradas as formas mais comuns de integração entre os
Estados, por meio dos acordos bilaterais, bem como a evolução das integrações
internacionais a partir blocos econômicos.

A dinâmica dos blocos econômicos possui grande relevância ao regime


internacional de comércio. Desta forma, iremos nos concentrar no caso da União
Europeia (UE), do Acordo de Livre Comércio da América do Norte, conhecido por
NAFTA e do Mercado Comum do Sul, o MERCOSUL. Os três blocos econômicos
passaram e vêm passando por mudanças recentes importantes: você conhece
alguma delas? Fique atento à leitura!

Ademais, aqui no tópico teremos uma seção dedicada aos acordos multilaterais,
os quais envolvem outros atores internacionais. Deste modo, você entenderá a formação
e a dinâmica por trás do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), bem como o
processo de criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Vamos lá? Desejamos ótimos estudos!

2 INTEGRAÇÃO ECONÔMICA E O REGIME INTERNACIONAL


DE COMÉRCIO

Conforme vamos avançando no estudo dos regimes internacionais, nós


começamos a percebê-lo em diferentes cenários e temas. Não é diferente com
as relações especificamente econômicas. O campo da Economia se manifesta nas
Relações Internacionais por muitas formas, contudo, neste tópico, procuraremos
127
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

estudar a formação e a atualidade do regime internacional de comércio.

Antes de estudarmos o tema em questão, cabe uma diferenciação importante:


está claro para você que regimes internacionais e organizações internacionais são
conceitos diferentes? Os regimes internacionais agrupam tratados, normativas,
legislações e regimentos internacionais sobre um determinado tema. Por isso que
o definimos um conjunto de princípios e normas, regras e procedimentos dos
atores internacionais para a tomada de decisão. E quais atores são esses? É neste
momento que entram em cena as organizações internacionais, que se referem às
instituições burocratizadas que atuam internacionalmente no interior dos regimes
internacionais. São as organizações que criam e discutem tratados internacionais,
debatem normativas, e chegam a consensos a serem seguidos pelos Estados.

A partir dos conceitos de regime internacional que tivemos a oportunidade


de estudar, neste livro didático, o regime internacional de comércio pode ser
expresso como um mecanismo de governança, cujos princípios e normas, regras
e procedimentos, tem por objetivo a cooperação e integração internacional das
relações econômicas (SILVA; HERREROS; BORGES, 2018).

Se ao longo do século XX a dinâmica do regime internacional de comércio


resultou em um espaço bastante sólido de acordos internacionais, a virada
para o século XXI trouxe incertezas que alteraram demasiadamente o contexto
do comércio internacional devido aos novos desafios impostos no âmbito da
globalização do capitalismo contemporâneo.

Entre os desafios está a crescente interdependência dos Estados, cujos


interesses diversos geraram distintos graus de integração econômica ao longo do
tempo. Como ocorre essa integração econômica entre os Estados?

De forma mais geral, é possível diferenciar o grau de integração econômica


a partir de algumas formas fundamentais pelas quais os Estados realizam
comércio e acordos econômicos entre si. Vejamos as características fundamentais
de cada uma delas.

Acordos de comércio preferencial. Esses acordos procuram garantir o


comércio internacional com um volume menor de barreiras para a circulação de
bens e serviços entre as nações participantes do acordo. Embora, essa forma de
integração econômica seja um modelo mais informal, uma das vantagens está no
imposto para importação ser inferior ao imposto daqueles países cujas economias
não são participantes do acordo de comércio preferencial (SALVATORE, 2007).

Dois exemplos importantes são o “Esquema de Preferências da


Comunidade Britânica” (British Commonwealth Preference), criado na década de
1930 na Grã-Bretanha, e o “Sistema Geral de Preferências”, composto por diversos
países do mundo, do qual o Brasil também é beneficiário.

128
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

FIGURA 1 – PRIMEIROS-MINISTROS DURANTE A CONFERÊNCIA DA COMMONWEALTH – 1944

Da esquerda para a direita, estão os primeiros-ministros, Rt.


Hon. W. L. Mackenzie King (Canadá), Rt. Hon. Jan Smuts (África
do Sul), Rt. Hon. Winston Churchill (Reino Unido), Rt. Hon. Peter
Fraser (Nova Zelândia) e Rt. Hon. John Curtin (Austrália).
FONTE: <https://bit.ly/2FwMQca>. Acesso em: 22 jul. 2020.

Área de livre comércio. A integração econômica promovida pelas áreas de


livre comércio corresponde a uma forma em que todas as barreiras comerciais são
removidas entre aqueles que são membros. Contudo, cada país-membro mantém
suas próprias barreiras comerciais com aqueles países que não participam do
acordo (SALVATORE, 2007).

Aqui, os exemplos estão: i) na “Associação Europeia de Livre Comércio”


(AELC), criada em 1960 e formada por Reino Unido, Áustria, Dinamarca,
Noruega, Portugal, Suécia e Suíça; ii) no “Acordo de Livre Comércio da América
do Norte” (NAFTA), criado em 1993 e composto por México, Estados Unidos
e Canadá; e, iii) no “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUL), criado em 1991,
por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Esses três casos serão vistos com mais
detalhes ainda neste tópico do livro.

129
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 2 – CERIMÔNIA INICIAL PARA A CRIAÇÃO DO NAFTA, 1992

Da esquerda para a direita, em pé, estão: Presidente mexicano Carlos Salinas de Gorta-
ri; Presidente norte-americano George H. W. Bush; Primeiro-Ministro canadense Brian
Mulroney. Sentados: Secretário de Comércio e Desenvolvimento Industrial do México,
Jaime Serra Puche, Representante Comercial dos Estados Unidos Carla Hills; Ministro do
Comércio Internacional do Canadá Michael Wilson.
FONTE: <https://bit.ly/3h88AZU>. Acesso em: 22 jul. 2020.

União aduaneira. Entre seus países membros não é permitido nenhum tipo
de tarifa ou barreira comercial, assim como no caso das áreas de livre comércio.
Além disso, as uniões aduaneiras procuram harmonizar suas políticas comerciais
(SALVATORE, 2007). Um exemplo é quando uma união aduaneira estabelece
alíquotas comuns a todos os seus parceiros comerciais do resto do mundo.

Em 1957, o “Mercado Comum Europeu”, mais conhecido por União


Europeia, foi constituído como uma união aduaneira entre Alemanha Ocidental,
França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. O caso do Mercosul nasceu como
uma área de livre comércio e em 1995 tornou-se uma união aduaneira.

130
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

FIGURA 3 – DIFERENTES CASOS DE UNIÕES ADUANEIRAS

FONTE: <https://bit.ly/3gd3qdN>. Acesso em: 22 jul. 2020.

Mercado comum. Esta forma de integração vai além da área de livre


comércio e da união aduaneira. Ou seja, além de não permitir qualquer tipo de
tarifa ou outros tipos de barreiras comerciais entre seus membros e harmonizar
suas políticas comerciais, o mercado comum permite a livre movimentação de mão
de obra, capital e serviços entre as nações que são membros (SALVATORE, 2007).

Neste caso, cabe destacar a União Europeia que atingiu a qualidade de


mercado comum em 1993. Este bloco econômico será estudado a seguir.

União econômica. Neste caso, as políticas monetária e fiscal do Estados-


membros são unificadas, além de cumprir com todos os critérios das formas de
integração até aqui citadas. Desta forma, a união econômica representa a forma
mais elevada de integração econômica dada à complexidade de negociação e
acordo entre as partes envolvidas (SALVATORE, 2007).

Aqui, temos a situação da “Benelux”, uma união econômica estabelecida


entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo após a Segunda Guerra Mundial, com o
intuito de estimular o comércio e eliminar as barreiras alfandegárias, além de
realizar uma coordenação única das políticas econômicas, financeiras e sociais.

131
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 4 – UNIÃO ECONÔMICA DE BENELUX

FONTE: <https://bit.ly/2E6ch3W>. Acesso em: 23 jul. 2020.

Conforme acompanhamos pelas formas de integração econômicas


mencionadas, as disposições possíveis para o comércio internacional são diversas,
as quais resultaram em um regime internacional de comércio que passou por
significativas mudanças (SILVA; HERREROS; BORGES, 2018).

As áreas de livre comércio ou uniões aduaneiras, por exemplo, possuem


características específicas para cada integração formada. Ou seja, não há um
modelo único ou padronizado para o estabelecimento das integrações econômicas.
Em alguns casos, até mesmo houve alterações em suas formas de integração ao
longo do crescimento e amadurecimento econômico dos países que os compõem.

Acompanhe, na figura a seguir, a evolução dos níveis de integração econô-


mica. Veja que as características dos acordos de comércio preferencial estão contidas
na Área de livre comércio. Já, na União aduaneira estão presentes as características
das duas formas de integração anteriores (Acordos de comércio preferencial e Área
de livre comércio). Ou seja, a União econômica é composta por todas as caracterís-
ticas das integrações econômicas mencionadas. Procure entender esta dinâmica.

132
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

FIGURA 5 – EVOLUÇÃO DOS NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

FONTE: O autor

A integração e cooperação econômica do regime internacional de comércio


resultou na formação blocos políticos entre os Estados com foco exclusivo na área
econômica, os chamados blocos econômicos. Vamos estudá-los um pouco mais?
Fique atento ao próximo item.

3 BLOCOS ECONÔMICOS: OS CASOS DE UNIÃO EUROPEIA,


ACORDO DE LIVRE COMÉRCIO DA AMÉRICA DO NORTE E
MERCADO COMUM DO SUL
As formas elementares de integração econômica dos países nos permitem
perceber que a questão espacial-econômica vem assumindo forte relevância
quanto à organização do regime internacional de comércio.

As vantagens econômicas para a integração de países são largamente


estudadas pelos economistas, bem como as vantagens políticas, por cientistas
políticos e de outras áreas. A dinâmica da globalização dos territórios, acirrada
a partir da década de 1980 fez com que pessoas, mas, principalmente, produtos/
serviços e recursos monetários, circulassem com relativa facilidade pelo mundo.

Desta forma, as experiências de integrar territórios em forma de “blocos”


de países também se tornaram mais fluidas e, até mesmo, necessárias, dadas as
necessidades de obtenção de recursos produtivos e capital humano. Ou seja, é
de interesse das economias capitalistas que tanto produtos/serviços circulem,
mas, também, as pessoas, já que o fluxo de mão de obra é fundamental para o
crescimento econômico. Pelo lado monetário, a troca entre indivíduos e empresas
133
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

também é facilitada quando há uma unificação da moeda utilizada, daí advém a


criação do Euro, por exemplo.

Como se formaram blocos econômicos? Estudaremos agora três casos


muito relevantes para a economia política internacional: a “União Europeia”, o
“Acordo de Livre Comércio da América do Norte”, conhecido por NAFTA, e o
“Mercado Comum do Sul”, o MERCOSUL.

3.1 UNIÃO EUROPEIA – UE


A partir das formas de integração econômica foi possível perceber que
os blocos econômicos existentes atualmente passaram por diferentes arranjos ao
longo do tempo. Não é diferente para o caso europeu.

A União Europeia (UE), primeiramente denominada como Mercado


Comum Europeu, foi fundada em 1957, a partir da assinatura do Tratado de
Roma pelos então países membros: Alemanha Ocidental, França, Itália, Bélgica,
Holanda e Luxemburgo (UE, 2020).

Nos anos subsequentes, houve ajustes relativos ao livre comércio e às


tarifas aplicadas, sendo que em sua origem a tarifa externa comum ficou definida
como a média entre as tarifas existentes nos países signatários em 1957. Onze
anos depois, em 1968, foi permitido o livre comércio de produtos industrializados
dentro da União Europeia, bem como um preço único para os produtos de origem
agrícola. Já em 1970 houve uma restrição da circulação de capital e mão de obra
nos países membros (SALVATORE, 2007).

Até 1995, o número de países membros passou de seis para quinze, com a
entrada do Reino Unido, Dinamarca e Irlanda em 1973; a Grécia, em 1981; a Espanha
e Portugal, em 1986; e Áustria, Finlândia e Suécia, em 1995 (SALVATORE, 2007).

Como vimos, a União Europeia foi criada no formato de uma união


aduaneira, mas, em 1993, ela torna-se um mercado comum, já que neste período
são removidas todas as barreiras remanescentes quanto ao livre comércio de
bens, serviços e fluxo recursos – inclusive mão de obra – entre os membros do
bloco (SALVATORE, 2007; UE, 2020).

Em 2004 e nos anos posteriores novos membros foram aceitos ao bloco,


chegando atualmente (julho de 2020) ao número de 27 Estados-membros, após a saída
do Reino Unido em 2020. Ainda, Albânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia e
Turquia são candidatos à entrada no bloco (UE, 2020). Acompanhe na figura a seguir.

134
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

FIGURA 6 –- ESTADOS-MEMBROS E BANDEIRA DA UNIÃO EUROPEIA

Legenda do mapa:
Países Na língua local Sigla
 Alemanha Deutschland DE
 Áustria Österreich AT
België / Belgique /
 Bélgica BE
Belgien
 Bulgária България BG
 Chipre Κύπρος CY
 Croácia Hrvatska HR
 Dinamarca Danmark DK
 Eslováquia Slovensko SK
 Eslovênia Slovenija SI
 Espanha España ES
 Estónia Eesti EE
 Finlândia Suomi / Finland FI
 França France FR
 Grécia Ελλάδα GR
 Hungria Magyarország HU
 Irlanda Éire IE
 Itália Italia IT
 Letônia Latvija LV
 Lituânia Lietuva LT
 Luxemburgo Luxembourg LU

135
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

 Malta Malta MT
 Países Baixos Nederland NL
 Polónia Polska PL
 Portugal Portugal PT
 República
Česká republika CZ
Checa
 Roménia România RO
 Suécia Sverige SE
Candidatos
 Albânia Shqipëria AL
 Macedônia
Македонија MK
do Norte
 Montenegro Crna Gora / Црна Гора ME
 Sérvia Србија RS

 Turquia Türkiye TR
FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/3hcI5CH>. Acesso em: 23 jul. 2020.

Dentre todos os benefícios com a constituição da União Europeia, talvez


o de maior relevância seja quanto à organização política estabelecida, resultando
em uma comunidade econômica de nações.

NOTA

A saída do Reino Unido marcou a história da União Europeia, já que tem desde
sua criação, muitos países entraram na União Europeia, mas nenhum deles havia saído.
Esse movimento ficou conhecido como Brexit (British exit, saída britânica, em português).
Desde 2016, o tema vinha sendo debatido amplamente no país, cuja saída, que seria rea-
lizada em 2019, foi confirmada apenas em 31 de janeiro de 2020. Ao longo de todo o ano
de 2020 o Reino Unido passará por uma fase de implementação da saída, com a criação de
fronteiras e acordos de comércio entre o país e a União Europeia.

3.2 ACORDO DE LIVRE COMÉRCIO DA AMÉRICA DO


NORTE – NAFTA

A partir de 1º de janeiro de 1994 entrou em vigor o Acordo de Livre


Comércio da América do Norte, mais conhecido pela sigla em inglês NAFTA
(North American Free Trade Agreement), assinado por Canadá, Estados Unidos e

136
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

México, com objetivo de gerar livre comércio de bens e serviços na região dos
três países. O acordo foi uma expansão do “Tratado de livre comércio Canadá-
Estados Unidos” (Canada-US Free Trade Agreement) de 1989, ao incluir o México
(AGUILAR, 2020).

Ao final de década de 1980, o acordo com Canadá, então o maior parceiro


comercial norte-americano, já previa a eliminação de barreiras comerciais tarifárias
e não tarifárias. Em conjunto com a economia mexicana ainda não existiam acordos
de comércio, embora que em 1990 o México já representasse o terceiro maior parceiro
comercial dos Estados Unidos, atrás do Canadá e do Japão. Desta forma, o principal
impacto gerado com o NAFTA diz respeito ao comércio entre Estados Unidos e
México, uma vez que o Canadá se juntou às negociações apenas com o objetivo
de garantir que seus interesses fossem protegidos (AGUILAR, 2020; SALVATORE,
2007). Acompanhe na figura a seguir os países que compõem o NAFTA.

FIGURA 7 – ESTADOS-MEMBROS E BANDEIRA DO NAFTA

FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/2Yirben>. Acesso em: 23 jul. 2020.

Quanto aos benefícios com a formação do bloco para o Estados Unidos cabe
destacar o aumento da concorrência nos mercados de bens e recursos produtivos,
bem como a diminuição dos preços de muitos produtos para os consumidores
norte-americanos.

137
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Desde sua implementação, em 1994, até 2002, o NAFTA gerou um


aumento de 130% entre o comércio dos Estados Unidos com o México. Uma vez
que a economia norte-americana é 20 vezes maior que a mexicana, os ganhos
relativos ao PIB foram bem maiores para o caso do México. Contudo, como os
salários dos trabalhadores norte-americanos são seis vezes mais elevados que o
dos mexicanos, era esperada uma redução nos empregos de baixa qualificação
nos Estados Unidos, já que seriam estes os empregos a serem explorados no
México (mão de obra não especializada) (SALVATORE, 2007).

O livre comércio entre os países permitiu que os Estados Unidos


importassem componentes intensivos em mão de obra do México, mas
mantivessem operações mais complexas – com salários mais altos – dentro do
próprio país (Estados Unidos). Uma das condições para a realização do NAFTA
estava na aprovação de uma série de outros acordos relacionados ao mundo do
trabalho, tais como normas ambientais e sobre as condições de trabalho.

TUROS
ESTUDOS FU

Neste momento já podemos observar a inter-relação entre os regimes in-


ternacionais na área econômica e ambiental, tema que será discutido no Tópico 3 desta
unidade do livro didático.

O objetivo era evitar que empresas norte-americanas deslocassem unidades


industriais para o México e tirassem vantagens das regulamentações mais
flexíveis quanto à mão de obra, que diz respeito ao já crescente desenvolvimento
das chamadas indústrias maquiladoras. Os acordos alinhados à criação do
NAFTA também procuraram proteger alguns setores norte-americanos contra
ondas de importação que pudessem trazer algum prejuízo para a industrial local
(SALVATORE, 2007). Saiba mais sobre as indústrias maquiladoras a seguir.

NOTA

O que são as indústrias maquiladoras mexicanas

“As empresas maquiladoras são aquelas que realizam a manufatura parcial, encaixe ou
empacotamento de um bem sem que sejam as fabricantes originais” (ARRIETA, 2019, s.p.).
Ou seja, são empresas estabelecidas no México criadas com o único fim de importar pro-
dutos intermediários dos Estados Unidos para montagem ou encaixe de produtos finais a

138
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

serem exportados de volta, utilizando mão de obra mexicana de baixíssimo salário com o
propósito de reduzir os custos de produção das empresas norte-americanas.
Uma vez que as maquiladoras possuem, normalmente, capital estadunidense, japonês, co-
reano, canadense e alemão, com reduzido capital de propriedade nacional, os investimen-
tos estrangeiros no setor foram amplamente beneficiados por cargas tarifárias quase nulas
promovidas pelo NAFTA, além do baixo custo de transporte devido à localização próxima à
fronteira entre México e Estados Unidos (local onde se se concentram as maquiladoras) e o
descumprimento de normas ambientais. Sem mencionar, ainda, no contexto de utilização
intensiva de segmentos trabalhistas nacionalmente mais explorados, como é o caso da
mão de obra feminina (ARRIETA, 2019).

INDÚSTRIA MAQUILADORA NO MÉXICO

FONTE: <https://bit.ly/2EfstzQ>. Acesso em: 23 jul. 2020.

Em 2004, somente a indústria maquiladora mexicana foi responsável por 46% das exporta-
ções nacionais totais do México, no valor de 86,95 bilhões de dólares. Para comparação, o
conjunto das exportações brasileiras em 2004 foi de 95 bilhões de dólares (ARRIETA, 2019).

Oficialmente, o NAFTA teve fim em 2018, após a chegada do presidente


Donald Trump aos Estados Unidos. Contudo, nem todas as regras acordadas fo-
ram extintas. Desde então, um novo acordo vem sendo discutido entre os países,
sobretudo, quanto às regras comerciais, para que não prejudiquem o emprego
tanto de mexicanos quanto de norte-americanos. O novo acordo, denominado
United States-Mexico-Canada Agreement – USMCA, vem sendo chamado de NAF-
TA 2.0, por substituir o NAFTA, ou T-MEC (em espanhol, Tratado entre México,
Estados Unidos e Canadá), e procura renovar as tarifas para a indústria, discutir
novas políticas para o comércio digital, sem que os direitos trabalhistas sejam
desprezados (USTR, 2020).

139
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

NOTA

A página eletrônica do USMCA pode ser visualizada em https://ustr.gov/usmca, bem


como o texto completo do acordo assinado em novembro de 2018: https://bit.ly/2CLkmdU.

O documento foi assinado em 1º de outubro de 2018 durante a cúpula do


G20 em Buenos Aires, na Argentina. Entrará em vigor após ser aceito por todas
as esferas legislativas dos três países membros.

É importante acompanhar as notícias econômicas relativas ao recentemente


criado USMCA, cuja proposta procura dar novo impulso ao comércio entre
Canadá, Estados Unidos e México, já amplamente discutido no âmbito do NAFTA.

3.3 MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL

Embora o Mercosul seja denominado “mercado comum”, conceitualmente


vimos que não se trata, de fato, de um mercado comum. Em sua origem, em
1991, o Mercosul surge como uma área de livre comércio, com a participação
de Argentina e Brasil, mas, em 1995, torna-se uma união aduaneira, com a
participação de Paraguai e Uruguai. Em 2013, a Venezuela é incorporada ao
bloco, mas, desde dezembro de 2016, o país encontra-se suspenso por tempo
indeterminado do bloco por não cumprir com as diretrizes do grupo no que diz
respeito à promoção e proteção dos direitos humanos (BANDEIRA, 2020; CULPI,
2014). Acompanhe na figura a seguir os países que compõem o bloco econômico.

140
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

FIGURA 8 – ESTADOS-MEMBROS E BANDEIRA DO MERCOSUL

FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/34sfea7>. Acesso em: 23 jul. 2020.

O processo de integração organizado pelo Mercosul teve início em 1988


com o “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento Brasil-Argentina”,
prevendo um espaço econômico comum aos dois países em um prazo máximo
de dez anos.

Primeiramente, ambos os países deveriam harmonizar suas políticas


aduaneira, comercial, agrícola, industrial e de transportes e comunicações, bem
como a coordenação de políticas monetária, fiscal e cambial. Já em um segundo
momento seriam adequadas as demais políticas necessárias ao estabelecimento
de um mercado comum.

Com o Tratado de Assunção, o qual teve adesão também do Uruguai e do


Paraguai, o prazo para implantação da união aduaneira foi antecipado para 1994.
Contudo, foi com a criação da Tarifa Externa Comum (TEC), que se teve o marco
do início efetivo do Mercosul, em 1º de janeiro de 1995 (BANDEIRA, 2020).

Com a TEC foi criada a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), cujo


conteúdo menciona códigos e respectivos bens com tarifas específicas de impor-

141
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

tação para os países que compõem o Mercosul.

Por meio destes mecanismos, o Mercosul padronizou a nomenclatura dos


produtos exportados e importados entre seus países membros, bem como criou
um regime tarifário comum. Acessando a lista podemos saber, por exemplo, que
o produto com NCM 0103.10.00 (Animais vivos da espécie suína, reprodutores
de raça pura) possui tarifa de 0% para importação. O NCM 0103.91.00 (Animais
vivos da espécie suína, outros, de peso inferior a 50 kg) possuem tarifa de 2%
(BRASIL, 2020a; MERCOSUL, 2020).

NOTA

Você pode conhecer a lista completa da NCM e respectivas TEC por meio do
site do próprio Mercosul, acessando: https://bit.ly/2Qcjima.

As crises do Brasil, em 1999, e da Argentina, em 2002, com reflexos amplos


na desvalorização das moedas nacionais, estremeceram bastante as relações entre
os principais integrantes do bloco, com forte receio de um colapso do Mercosul
como um todo. Em janeiro de 2003, as situações econômicas, financeiras e políticas
já haviam sido estabilizadas, de modo que as negociações junto ao Mercosul
puderam ser retomadas.

Embora coberta de desafios, a integração econômica por meio do Mercosul


teve uma mudança recente, com o anúncio do “Acordo de Associação Mercosul-
União Europeia”, realizado em julho de 2019 entre o Mercosul e a União Europeia.
As discussões que resultaram no acordo já eram antigas, pois, oficialmente, desde
1999 os integrantes dos dois blocos procuravam alinhar suas propostas para
promover o livre-comércio.

E
IMPORTANT

O pacto entre União Europeia e Mercosul é o primeiro no mundo que ocor-


re entre dois blocos econômicos, e também o maior acordo comercial já realizado na
história. Aqui temos uma evidência importante sobre a importância dos blocos econômi-
cos para a dinâmica do regime internacional de comércio.

142
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

NOTA

Um resumo informativo do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia foi


elaborado pelo governo brasileiro e publicado em julho de 2019. Trata-se do documento oficial
mais recente âmbito dessa discussão. Você pode conhecê-lo em: https://bit.ly/2CLdDjY.

Com o pacto, os produtos industriais, por exemplo, terão eliminação de


100% nas tarifas para exportação. “Alguns produtos agrícolas de grande interesse
do Brasil também terão suas tarifas eliminadas, como suco de laranja, frutas e
café solúvel” (BRASIL, 2020b, s.p.). Além da eliminação ou redução de barreiras
tarifárias, as quais envolvem muitos produtos, barreiras não tarifárias também
foram acordadas, como é o caso da participação do Mercosul no mercado de
licitações da União Europeia.

O anúncio público e político do acordo é resultado das negociações


preliminares que dão início a todo o processo normativo. O acordo deve entrar
em vigor, de fato, em 2021, ou mais tarde, após os dois blocos realizarem a revisão
técnica e jurídica dos termos acordados. Somente a partir deste momento o acordo
contará com uma data para a assinatura definitiva por parte de seus membros,
para que então siga aos respectivos Congressos dos países do Mercosul e o
Parlamento Europeu (LANDIM; NEVES; COLETTA, 2020).

Conforme foi perceber, o tema da integração internacional e dos blocos eco-


nômicos é bastante atual e dinâmico. Para que você fique atualizado quanto às mu-
danças não deixe de conferir as notícias econômicas sobre os blocos econômicos!

4 O ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO (GATT)


E A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO
O regime internacional de comércio foi sendo composto por diversas
formas de organização e integração dos Estados e de suas economias. Foi possível
perceber até o momento que algumas experiências têm âmbito internacional e
outras são mais nacionalmente localizadas a partir de acordos bilaterais.

Desta forma, cabe-nos aprofundar a dinâmica multilateral do regime


internacional de comércio a partir do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, o GATT,
bem como sobre a Organização Mundial do Comércio, a OMC. Você se lembra daquela
distinção que fizemos entre regime internacional e organizações internacionais? Pois
bem, a partir de agora iremos aprofundar o estudo sobre as organizações internacionais.
Neste caso, relativas ao comércio internacional. Vamos lá!?

143
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

O tema dos acordos internacionais teve início já na década de 1930,


quando a questão da redução das tarifas comerciais coordenada para o âmbito
internacional foi pensada como uma política comercial. Nesse período, os Estados
Unidos aprovaram a Lei Smoot-Hawley, cujas determinações aumentaram as
alíquotas das tarifas de importação norte-americanas de forma abrupta. A lei foi
considerada de grande irresponsabilidade pela análise de diversos economistas,
uma vez que prejudicou fortemente a economia e contribuiu para aprofundar a
dinâmica de crescimento já afetada pela Grande Depressão.

Após alguns anos, o governo norte-americano concluiu que as tarifas


precisariam ser reduzidas. Contudo, foi justamente essa decisão que impulsionou
a formação de acordos bilaterais – os quais se referem a acordos realizados apenas
entre os Estados. Como qualquer redução de tarifa enfrentaria a oposição de
alguns políticos, já que em seus distritos muitas empresas beneficiavam-se com
o aumento das tarifas, a solução era vincular a redução das tarifas com alguns
benefícios concretos para as empresas exportadoras. Assim, os Estados Unidos
passaram a estabelecer acordos com países que exportavam para lá: ofereciam
redução das tarifas de entrada em troca da redução das tarifas de saída. Os dados
mostram que as negociações bilaterais contribuíram na redução das tarifas médias
norte-americanas de 59% em 1932 para 25% após a Segunda Guerra Mundial
(KRUGMAN; OBSTFELD, 2010).

Embora as negociações bilaterais fossem muito vantajosas, os seus


impactos acabavam atingindo – e beneficiando – também outras economias que
estavam relacionadas àquelas que negociavam os acordos. Por exemplo: se as
tarifas para importação do café brasileiro fossem reduzidas por algum país,
outros produtores de café, como a Colômbia, também se beneficiariam com o
aumento do preço mundial do café. Por isso que a próxima etapa dos acordos
para o comércio internacional ocorreria por meio dos acordos multilaterais, os
quais envolvem Estados e organizações internacionais.

Em 1947, portanto, logo após a Segunda Guerra Mundial, um grupo de


23 países iniciou o processo de realizar negociações multilaterais de comércio por
meio de um conjunto provisório de normas que ficou conhecido como Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT (a sigla é oriunda da denominação
em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade). O GATT garantiu a redução
multilateral de tarifas durante toda sua operação até meados da década de 1990.

As regras de conduta no âmbito do GATT eram monitoradas a partir de uma


sede física em Genebra, na Suíça, cujas principais restrições que o acordo estabelece
sobre o comércio internacional podem ser visualizadas na figura a seguir.

144
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

FIGURA 9 – PRINCIPAIS RESTRIÇÕES NO ÂMBITO DO GATT

FONTE: Adaptada de Krugman e Obstfeld (2001)

Desde sua criação em 1947 até 1994 o GATT, oficialmente, era apenas o
agrupamento dos acordos multilaterais realizados, embora sua influência na
economia mundial fora muito mais ampla do que apenas um conjunto de leis
internacionais. Contudo, suas “partes contratantes”, os Estados, não faziam parte
de uma organização internacional.

Este cenário se altera em 1995 com a criação da Organização Mundial do


Comércio (OMC), cujo objetivo foi dar um corpo formal ao GATT, uma vez que
suas normas e lógica básica do sistema permanece a mesma até a atualidade.

NOTA

Você sabia que o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo é o atual diretor-geral


da Organização Mundial do Comércio? Ele concorreu e assumiu o cargo para o período
entre 2013 e 2017, mas em fevereiro de 2017, foi indicado por consenso entre os membros
da OMC para permanecer no cargo até agosto de 2021. Contudo, após sete anos à frente
da OMC, Roberto Azevêdo decidiu deixar o cargo exatamente um ano antes do término no
mandato, em agosto de 2020, por motivos pessoais.

FONTE: <https://bit.ly/3hip4in>. Acesso em: 20 jul. 2020.

145
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Uma das dinâmicas bastante relevantes quanto à OMC é o processo de


vinculação de tarifas. Quando uma tarifa é vinculada, o país em que a tarifa está
vinculada compromete-se a não elevar a alíquota da tarifa no futuro. Quase todas as
tarifas dos países desenvolvidos estão, hoje em dia, com suas alíquotas vinculadas.
Dos países em desenvolvimento, cerca de 75% das alíquotas são vinculadas. Há
alguma mobilidade quanto à vinculação, pois um país pode aumentar alguma
alíquota caso outros países concordem, mas a exigência significa fornecer uma
compensação por meio da redução de outras alíquotas de importação. Ao longo
dos últimos 50 anos a dinâmica da vinculação de tarifas vem se mostrando bastante
eficiente, e conta com poucos retrocessos (KRUGMAN; OBSTFELD, 2010).

Para que os debates em torno da política comercial internacional fossem


avançando ao longo do tempo o GATT criou um mecanismo chamado rodada
comercial, no qual governantes de um grande número de Estados reúnem-se
para negociar políticas para o comércio internacional, sobretudo, reduções de
tarifas e outras medidas com foco na liberalização do comércio.

Deste modo, oito rodadas foram realizadas desde a criação do GATT em


1947, sendo que a última delas concluída, a Rodada Uruguai, foi responsável
pela da criação da OMC. Em 2001, deu-se início à nona rodada comercial, que se
encontra em exercício desde então, conhecida por Rodada de Doha.

FIGURA 10 – PETER SUTHERLAND, PRESIDENTE DO COMITÊ DE NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS,


ENCERRA AS NEGOCIAÇÕES DA RODADA URUGUAI, DEZEMBRO DE 1993

FONTE: <https://bit.ly/2FM4jh2>. Acesso em: 23 jul. 2020.

146
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

As cinco primeiras rodadas tiveram o formato de acordos bilaterais em


conjunto, no qual um país negociava a redução de tarifas com dois outros países
no mesmo acordo. Essa possibilidade de realizar acordos mais amplos contribuiu
para a redução substancial de tarifas.

Em 1967 concluiu-se a sexta rodada comercial, conhecida como Rodada


Kennedy, pela qual se procurava reduzir 50% das tarifas dos principais países
industrializados, com foco nas tarifas a se isentar, e não na redução de produtos
em específico. Os resultados mostram que a rodada teve êxito em reduzir as
tarifas médias em torno de 35%.

A sétima rodada, Rodada Tóquio, foi concluída em 1979 e permitiu a


redução média das tarifas de 31% para os Estados Unidos, 27% para a União
Europeia e 28% para o Japão (SALVATORE, 2007).

4.1 A RODADA URUGUAI

A última rodada comercial do GATT já finalizada foi a Rodada Uruguai,


cujas negociações se estenderam entre 1986 e 1994. A oitava rodada foi a mais
ambiciosa de todas as anteriores rodadas de negociações comerciais multilaterais,
cuja participação contou com a presença de representantes de 123 países. Foi,
também, a mais debatida: os desacordos entre Estados Unidos e União Europeia,
sobretudo, França, em relação aos subsídios agrícolas, atrasaram a conclusão das
negociações em pelo menos três anos (SALVATORE, 2007).

O objetivo específico da Rodada Uruguai foi verificar a proliferação


de um novo protecionismo comercial e reverter sua tendência; abarcar os
setores serviços, agricultura, investimentos estrangeiros, bem como o tema da
proteção dos diretos de propriedade intelectual para a agenda das negociações
internacionais; e, melhorar os mecanismos de resolução de litígios (controvérsias)
(SALVATORE, 2007).

As principais disposições do acordo assinado em meados de 1994 podem


ser visualizadas no quadro a seguir:

147
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

QUADRO 1 – PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES DA RODADA URUGUAI

As tarifas impostas sobre produtos industrializados devem ser


reduzidas de uma média de 4,7% para 3%, e a parcela relativa
a bens com tarifa zero deve aumentar de 20/22% para 40/45%.
Tarifas
As tarifas para produtos farmacêuticos, equipamentos de cons-
trução, equipamento médicos, derivados do papel e aço foram
totalmente removidas.
As nações devem substituir as cotas de importação sobre produ-
tos agrícolas e têxteis/vestuário por tarifas menos restritivas. Ta-
Cotas
rifas sobre produtos agrícolas devem ser reduzidas em 24% nas
nações em desenvolvimento e em 36% nas nações desenvolvidas.
As exportações agrícolas subsidiadas devem ser reduzidas em
Subsídios 21%. Os subsídios do governo para a pesquisa industrial estão
limitados em 50% dos custos de pesquisa aplicada.
As nações podem temporariamente aumentar as tarifas ou ou-
Salvaguardas tras restrições contra uma onda de importações que prejudique
gravemente um determinado setor interno.
O acordo prevê uma proteção de 20 anos em relação a patentes,
Propriedade marcas registradas e direitos autorais, mas permite um período
intelectual de adaptação gradual para a proteção de patentes de produtos
farmacêuticos para países em desenvolvimento.
O acordo elimina a exigência de que investidores estrangei-
Investimentos ros adquiram componentes localmente ou que exportem tanto
quanto importam.
Organização Houve a substituição do secretariado em torno do GATT pela
Mundial do criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), também
Comércio em Genebra, na Suíça.
FONTE: Adaptado de Salvatore (2007, p. 109-110)

De forma mais geral, os resultados da Rodada Uruguai podem ser agrupados


em duas grandes categorias: a liberalização do comércio e a reforma administrativa.

Quanto à liberalização do comércio podemos perceber pelas informações


do quadro anterior que muitas das medidas procuravam restringir as barreias
comerciais e reduzir as tarifas para importação. Neste contexto, os setores
econômicos da agricultura e do vestuário foram os que receberam maior atenção
no âmbito das negociações realizadas.

O Japão, por exemplo, precisou substituir suas cotas de importação para


produtos agrícolas por tarifas que não poderiam ser aumentadas no futuro. Outro
alvo foi a Política Agrícola Comum da União Europeia, cujos subsídios robustos
às exportações forçavam o aumento do preço mundial dos produtos agrícolas.
Já no setor têxtil, um dos focos foi relativo à extinção do Acordo Multifibras,
eliminando todas as restrições quantitativas ao comércio de produtos têxteis e
roupas. Em 2005 conseguiu-se a eliminação de todas as cotas de importação do
âmbito do Acordo Multifibras (KRUGMAN; OBSTFELD, 2010).

148
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

NOTA

O Acordo Multifibras (Multi-Fiber Arrangement) colocou um limite para as ex-


portações de produtos têxteis produzidos em 22 países até o início de 2005.

No Gráfico 1 é possível visualizar as médias das alíquotas de tarifas dos


Estados Unidos entre 1900 e 2003 relacionadas com a ocorrência das rodadas
comerciais promovidas pelo GATT.

GRÁFICO 1 – MÉDIA DAS ALÍQUOTAS DE TARIFAS E OCORRÊNCIA DAS RODADAS COMER-


CIAIS, ESTADOS UNIDOS, 1900-2003

FONTE: Salvatore (2007, p. 109)

Perceba por meio do gráfico que as rodadas comerciais promovem uma


redução ampla na média das alíquotas das tarifas comerciais dos Estados Unidos
com o resto do mundo. Obviamente, não são as únicas fontes de explicação, mas
possuem grande relevância para a criação desse cenário de comércio internacional.

Por outro lado, os resultados da Rodada Uruguai estão nas mudanças


administrativas e institucionais da política econômica internacional por meio
da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 1995, a OMC
substituiu o secretariado formado para conduzir as operações do GATT em
Genebra. “A OMC se tornou a organização que os opositores da globalização
149
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

amam odiar; ela tem sido acusada pela esquerda e pela direta de agir como
uma espécie de governo mundial, minando a soberania nacional” (KRUGMAN;
OBSTFELD, 2010, p. 174). É possível perceber, assim, o forte poder econômico
centralizado pela instituição.

Como já mencionado, do ponto de vista legal, o GATT era um acordo


provisório entre países, mas que na prática foi utilizado desde sua criação em
1947 até 1994. Já a OMC é, de fato, uma organização internacional.

Contudo, os objetivos fundamentais continuaram os mesmos, tanto que


a maior parte do texto original do GATT foi incorporado às normas da OMC.
Entretanto, se o GATT se preocupava exclusivamente ao comércio de bens, as
regulamentações da OMC abrangeram também o setor de serviços, tais como as
operações de bancos, seguradoras, consultorias, entre outros, criando, assim, o
Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (GATS – General Agreement on Trade in
Services). Os acordos no âmbito do GATS ainda possuem pouco impacto, mas
seu propósito principal está em servir como base para futuras negociações para
o setor de serviços.

Outro avanço importante da OMC diz respeito à atenção ao tema da


propriedade intelectual, cujas reestruturações produtivas em 1990 e anos
subsequentes reorganizaram a forma de produção, criando setores inteiramente
novos. Basta pensarmos que Google, Facebook, Uber, Netflix são os grandes
produtos da atualidade, cuja dependência de “propriedade intelectual” substituiu
a dependência do capital físico. Como a proteção de patentes e direitos autorais
tornou-se fundamental, sobretudo, em mercados globalizados, a OMC também
criou o Acordo de Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio
(TRIPS – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property).

4.2 A RODADA DE DOHA

As negociações internacionais sobre o comércio, as quais compõem


o regime internacional de comércio na atualidade, têm espaço no contexto da
Rodada de Doha, a qual teve início na cidade de Doha, capital do Qatar, em 2001.
Doha contou, até o presente momento, com conferências posteriores em Cancún
(2003), Genebra (2004), Paris (2005), Hong Kong (2005), Bali (2013) e Nairóbi
(2015). Contudo, a atual rodada comercial da OMC encontra-se em uma situação
de inércia indeterminadamente, já que nenhum amplo acordo foi assinado pelas
economias participantes (SILVA; HERREROS; BORGES, 2018).

O objetivo geral da rodada foi buscar o livre comércio e o crescimento


econômico, com ênfase nas necessidades dos países em desenvolvimento, cujas
negociações incluem os temas: Agricultura, acesso a mercados para bens não
agrícolas (NAMA); comércio de serviços, regras (sobre aplicação de direitos
antidumping; subsídios e medidas compensatórias; subsídios à pesca e acordos
regionais); comércio e meio ambiente (incluído o comércio de bens ambientais);

150
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

facilitação do comércio e alguns aspectos de propriedade intelectual; além de


uma discussão horizontal sobre tratamento especial e diferenciado a favor de
países em desenvolvimento (BRASIL, 2020c).

Atribui-se o fracasso da Rodada de Doha ao sucesso das rodadas anteriores,


pois as reduções tarifárias acordadas anteriormente permanecem em vigor, bem
como a dinâmica do comércio mundial, que se encontra muito mais “livre”, do
ponto de vista das barreiras comerciais, do que em qualquer outro período da
história da economia moderna.

As barreiras comerciais que ainda existem são relativamente baixas,


de modo que os ganhos potenciais com a liberalização maior da economia são
pequenos. Estas informações podem ser visualizadas na tabela a seguir, que
contém estimativas do Banco Mundial sobre a procedência dos ganhos de bem-
estar com a eliminação das barreiras restantes ao comércio e dos subsídios à
exportação. Entre os bens manufaturados, os dois setores que se destacam são
agricultura e têxteis, com ganhos potenciais mais elevados, cujas negociações
dependem fortemente das disputas políticas de cada país.

TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS GANHOS POTENCIAIS DO LIVRE COMÉRCIO

Liberalização plena de:


Agricultura Têxteis e Todos os
Economia Outros bens
e alimentos vestuário bens
Países desenvolvidos 46 6 3 55
Países em desenvolvimento 17 8 20 45
Todos 63 14 23 100
FONTE: Krugman e Obstfeld (2010, p. 178)

São perceptíveis os ganhos elevados dos países desenvolvidos no setor


de agricultura e alimentos quando comparados com os ganhos dos países em
desenvolvimento. Contudo, no contexto mais geral, quando envolvemos todos
os bens ou setores econômicos, há certa distribuição dos ganhos para ambas as
economias.

O fato é que a participação dos países nas rodadas comerciais vem


aumentando ao longo do tempo, bem como o percentual de corte nas tarifas
para importação. A tabela a seguir procura trazer um panorama das rodadas
de negociações comerciais realizadas pelo GATT e pela OMC e, também, os
principais ajustes acordados multilateralmente pelos países. Acompanhe!

151
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

TABELA 2 – AS RODADAS COMERCIAIS DO GATT, 1947-1993, E A RODADA DA OMC, 2001

Número de Percentual
Ano Local/Nome países Matéria abordada de corte em
participantes tarifas
1947 Genebra 23 Tarifas 21
1949 Annecy 13 Tarifas 2
1951 Torquay 38 Tarifas 3
1956 Genebra 26 Tarifas 4
Genebra
1960-1961 26 Tarifas 2
(Rodada Dillon)
Genebra
Tarifas e medidas
1964-1967 (Rodada 62 35
antidumping
Kennedy)
Tarifas, medidas
Genebra
não tarifárias,
1973-1979 (Rodada 102 33
acordos
Tóquio)
multilaterais
Tarifas, medidas
não tarifárias,
agricultura,
Genebra
serviços, produtos
1986-1993 (Rodada 123 34
têxteis, propriedade
Uruguai)
intelectual, solução
de litígios, criação
da OMC
Liberalização do
comércio global na
2001 (não Doha Não
144 agricultura, bens
concluída) (Rodada Doha) acordado
industrializados e
serviços
FONTE: Adaptada de Salvatore (2007, p. 111)

Por meio dos mecanismos criados a partir da OMC as negociações sobre


o comércio internacional tem um espaço político próprio, tão controverso quanto
os desafios internos e próprios a cada nação.

Sérios problemas ainda tumultuam o cenário internacional de comércio,


tal como as desavenças comerciais entre Estados Unidos e União Europeia a
respeito de diversos setores produtivos; os subsídios e tarifas bastante elevados
mundialmente para produtos agrícolas; a tendência de divisão da economia
mundial em blocos comerciais de acordos bilaterais; e, o estabelecimento de
padrões das condições de trabalho, os quais se alinham à dos direitos humanos
ambientais e a questões ambientais.

152
TÓPICO 1 — MULTILATERALISMO E COMÉRCIO INTERNACIONAL

Estes últimos temas, os direitos humanos e a questão ambiental, são debates


que dominam diversas outras “arenas” internacionais. Nos tópicos seguintes,
veremos com maior detalhamento a respeito destes regimes internacionais.
Vamos em frente!?

153
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• As áreas de livre comércio correspondem a uma forma em que todas as bar-


reiras comerciais são removidas entre aqueles que são membros.

• As uniões aduaneiras, além de eliminar as barreiras comerciais, procuram


harmonizar as políticas comerciais dos países que as compõem.

• O mercado comum permite a livre movimentação de mão de obra, capital e


serviços entre as nações que são membros, além de contar com os benefícios
das demais formas de integração econômica.

• A união econômica representa a forma mais elevada de integração econômica


dada a complexidade de negociação e acordo entre as partes envolvidas.

• A União Europeia (UE) foi fundada em 1957 como uma União Aduaneira,
mas em 1993 torna-se um Mercado Comum composto, atualmente, por 27
Estados-membros, após a saída do Reino Unido.

• O NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte, foi firmado em


1994 entre Canadá, Estados Unidos e México com objetivo de gerar livre
comércio de bens e serviços na região dos três países.

• Oficialmente, o NAFTA teve fim em 2018, mas nem todas as regras acordadas
foram extintas e um novo acordo vem sendo organizado entre os três países.

• O Mercosul foi criado em 1991 como uma área de livre comércio entre Argen-
tina e Brasil, mas torna-se em 1993 uma união aduaneira com a participação
de Paraguai e Uruguai.

• Em 1947 um grupo de 23 países iniciou o processo de realizar negociações multilaterais


de comércio por meio do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

• Na década de 1990 as diretrizes do GATT foram sendo substituídas com a


criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

• Atualmente, as negociações internacionais sobre o comércio vêm ocorrendo a


partir da Rodada de Doha, no âmbito da OMC.

154
AUTOATIVIDADE

1 Cite um exemplo de uma área de livre comércio e de uma união aduaneira.

2 O que é um Mercado comum? Existe um caso atual para esta forma de


integração econômica?

3 Escreva um pouco sobre o caso da União Europeia.

4 Comente sobre o contexto de criação do GATT e da OMC.

5 O que podemos entender por Rodada de Doha?

155
156
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

REGIMES INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS

1 INTRODUÇÃO

Olá, acadêmico! Neste tópico iremos estudar as organizações internacionais


e os regimes internacionais a partir da grande área dos Direitos Humanos. No
tópico anterior, você estudou a dinâmica econômica no contexto internacional,
agora, verá aqui, a inter-relação entre economia e sociedade para a defesa e a
garantia plena dos Direitos Humanos aos indivíduos e aos distintos coletivos.

A partir de que momento histórico se fala em garantia dos Direitos


Humanos? Qual é a participação e atuação da ONU para a discussão dos Direitos
Humanos? Existe um amadurecimento da discussão nesta área? Quais são
os temas que entraram na pauta recentemente? É necessário falar de Direitos
Humanos na atualidade? São muitas as perguntas que suscitam quando se fala
em Direitos Humanos, e para algumas delas você encontrará respostas ao longo
das páginas a seguir.

Não são raras as notícias relacionadas à violação dos Direitos Humanos


no Brasil e no mundo. Escravidão de trabalhadores, autoritarismo de chefes de
Estado, tortura a condenados, assassinatos em massa de populações rurais. Não
são situações comuns, e saltam aos olhos da política internacional.

Caberia um Estado julgar seus próprios crimes? Uma organização


internacional deve interferir nas políticas domésticas dos Estados? A discussão em
torno dos Direitos Humanos procura justamente democratizar universalmente o
acesso a decisões que são consenso mundial.

Até que ponto as Organizações Internacionais têm o domínio sob situações


que ferem os Direitos Humanos? São tantas e complexas as indagações que você
pode estar perdido. Vamos com calma, neste tópico, nós teremos espaço para
esclarecer a grande área temática dos Direitos Humanos. Bons estudos!

2 HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO


Por meio dos temas que procuramos apresentar e analisar neste livro
didático foi possível entender a importância do conceito de regime internacional
para os estudos relacionados às Relações Internacionais. Um dos benefícios em
se ter clareza quanto aos regimes internacionais diz respeito em seu auxílio para

157
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

o entendimento da atualidade das Relações Internacionais, tal como o caso do


regime de segurança internacional.

Aqui, cabe lembrar que dentre as definições mais utilizadas para compre-
endermos os regimes internacionais, duas delas se destacam e se complementam
a partir do ponto de vista de Oran Young e Stephen D. Krasner.

Este referencial teórico foi amplamente estudado na Unidade 2. Lá, vimos


que para ambos os teóricos, os regimes internacionais são definidos como princípios,
normas, regras e procedimentos para a tomada de decisão de atores internacionais,
cujas expectativas governam e convergem os atores em direção a uma determinada
área temática das Relações Internacionais (KRASNER, 1982; YOUNG, 1982).

Dito de outra forma, os regimes internacionais se referem aos padrões


pelos quais os Estados e demais atores internacionais regulam os seus modos
de interação em torno de uma área particular. Neste momento, portanto, iremos
aprofundar os estudos dos regimes internacionais a partir da área específica das
Relações Internacionais relativa aos Direitos Humanos.

FIGURA 11 – DIREITOS HUMANOS E REGIMES INTERNACIONAIS

FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/39EtIE4>; <https://bit.ly/2BIZS4R>. Acesso em: 23 jul. 2020.

Os regimes internacionais dos Direitos Humanos são amparados pelos


princípios da dignidade humana, do igual valor, e da igualdade em direitos a
todos os indivíduos de forma universal. Para reforçar a interpretação sobre o
conjunto universal dos individuais é possível falar em igualdade de direitos para

158
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

“todos os membros da família humana”, conforme mencionado na Declaração


Universal de Direitos Humanos (1948) da ONU, sem que exista nenhum tipo de
distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião (MUÑOZ, 2017). De modo
a caracterizá-los, os Direitos Humanos são descritos como direitos:

• universais – pois pertencem a todos os seres humanos, independentemente


de quaisquer diferenças;
• indivisíveis – uma vez que a concretização de um dos direitos depende da
também concretização dos demais;
• irrenunciáveis – se acaso se pudesse renunciar aos direitos humanos, se
estaria a renunciar a própria condição de humano;
• inalienáveis e imprescritíveis – já que não podem ser transferidos de
titularidade, seja por doação, por meio oneroso, pois são inerentes à condição
humana e não dependem de tempo determinado para o exercício da
titularidade (CADEMARTOR; SANTOS, 2016, p. 76).

ATENCAO

Lembre-se de que os Direitos Humanos defendem a igualdade de direitos a to-


dos os indivíduos, e são caracterizados como direitos universais, indivisíveis, irrenunciáveis,
inalienáveis, imprescritíveis.

O tema dos direitos humanos passa a receber forte atenção com os episódios
violentos propiciados pelas Grandes Guerras Mundiais e, principalmente,
devido às barbáries nazistas contra os seres humanos. O tratamento das pessoas
pelo Estado que estava implícito no conceito de Estado soberano não atingia o
reconhecimento de diferentes culturas e povos pelo mundo, levando à consciência
de que os direitos humanos não poderiam permanecer submetidos unicamente
às autoridades dos Estados (SILVA; GONÇALVES, 2010).

É neste contexto que ocorre a reunião do Tribunal de Nuremberg, com


o objetivo de julgar os crimes cometidos pelos nazistas durante a guerra. Veja a
seguir a importância do Tribunal para os Direitos Humanos:

159
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

E
IMPORTANT

O Tribunal de Nuremberg

O Tribunal de Nuremberg recebeu este nome devido à reunião na cidade de Nuremberg,


na Alemanha, logo após a Segunda Guerra Mundial. Entre 1945 e 1949, o Tribunal de Nu-
remberg julgou 199 homens, sendo 24 deles líderes nazistas, acusados de crimes de guerra
e contra a humanidade.

RÉUS NO TRIBUNAL DE NUREMBERG

FONTE: <https://bit.ly/32bDqKR>. Acesso em: 23 jul. 2020.

O Tribunal tornou-se um marco no campo do Direito, das Relações Internacionais e da


História devido à forte operação montada no imediato pós-guerra: foram mobilizados
dezenas de tradutores, guardas, secretárias, promotores, conselheiros legais, juízes, jorna-
listas, médicos e psicólogos, além de organizados milhares de documentos, a partir de um
fluxo interminável de telegramas enviados e recebidos e com suporte de um novíssimo
sistema de tradução simultânea da IBM.

Sua criação ocorreu a partir de um acordo entre representantes da ex-URSS, dos Estados
Unidos, da Grã-Bretanha e da França. Dentre os réus julgados e condenados estava o
braço direito de Adolf Hitler, Hermann Göring, condenado à morte na forca, mas que co-
meteu suicídio na prisão com a utilização de uma cápsula de veneno.

Para o contexto dos Direitos Humanos a relevância está em abrir caminhos para a justi-
ça em nível internacional, levando à criação do Tribunal Peal Internacional em 2002 nos
Países Baixos, um tribunal permanente para o julgamento de crimes internacionais graves

160
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

cometidos por indivíduos, tais como genocídio, crimes de guerra, crimes de agressão e
crimes contra a humanidade (CARVALHO, 2017).

DICAS

Para aprofundar o seu entendimento sobre o início do debate internacional re-


lativo aos Direitos Humanos, assista ao filme “Julgamento em Nuremberg”. Há uma versão
de 1961, com direção de Stanley Kramer e outra versão mais recente, em cores, dos anos
2000. Não perca!

Além do Tribunal de Nuremberg, que desencadeou diversas negociações


diplomáticas de instituições internacionais e do direito internacional, o contexto
pós-Segunda Guerra colocou em evidência o tema dos Direitos Humanos por meio
das novas constituições federais que foram elaboradas dali em diante, inclusive nos
países ocupados pelas potências vencedoras, tais como Alemanha e Japão, e dos
países colonizados por economias centrais. Todos os povos e governos passam a
aceitar a defesa dos Direitos Humanos como uma questão central em suas políticas.
Assim, a Guerra levou a um movimento de internacionalização dos Direitos
Humanos, mas, também, de universalização (SILVA; GONÇALVES, 2010).

A formação de um regime internacional de Direitos Humanos se inicia


com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, cujo objetivo
central está na promoção ampla dos direitos aos indivíduos. No preâmbulo de sua
Carta de constituição houve um comprometimento com os direitos humanos para
além das bases territoriais de cada Estado (CADEMARTOR; SANTOS, 2016). A
Carta também já previa em seu conteúdo a criação de uma Comissão de Direitos
Humanos, que ocorreu em 1946 a partir de seu Conselho Econômico e Social.
Foi em 1948 durante a Assembleia Geral da ONU em Paris que definitivamente
o tema entrou na agenda internacional por meio da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH).

O conjunto formado pelo “Pacto Internacional dos Direitos Civis e


Políticos”, o “Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”
(ambos aprovados pela ONU em 1966 com posterior adesão dos Estados) e a
“Declaração Universal dos Direitos Humanos” formam a chamada Carta
Internacional dos Direitos Humanos.

A partir deste contexto conceitual e institucional é que se deu o nascimento


desta específica área temática como um regime internacional precisamente como já
o definimos por aqui, estabelecido por um conjunto de princípios, normas, regras

161
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

e procedimentos. Desde então, “o regime internacional dos direitos humanos não


deixou de desenvolver-se e consolidar-se como um elemento importante dentro
da arquitetura institucional internacional” (MUÑOZ, 2017, p. 172).

Diversos tratados internacionais de Direitos Humanos e outros


instrumentos foram sendo adotados e aprimorados para que o corpo do direito
internacional dos Direitos Humanos pudesse ser expandido até a atualidade.
Como é o caso da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de
Genocídio (1948), da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial (1965), da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), da Convenção
sobre os Direitos da Criança (1989) e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (2006) (ONU, 2020).

Os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelecem


uma série de direitos concretos a serem garantidos pelos Estados, cujos titulares
finais são os indivíduos. Estes direitos vão desde a proibição de prisões e exílios
arbitrários até o direito a repouso e lazer, limitação das horas de trabalho e férias
remuneradas (ONU, 2009).

No artigo 3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos consta


que “os Estados Partes no presente Pacto se comprometem a assegurar a homens
e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e políticos enunciados no
presente Pacto” (BRASIL, 1992a, grifo nosso).

Já no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,


em seu artigo 7º, é mencionado que “os Estados Partes do presente Pacto
reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e
favoráveis” (BRASIL, 1992b, grifo nosso).

Os numerosos instrumentos internacionais dos Direitos Humanos


procuram, portanto, delinear um conjunto de direitos aos indivíduos e diversas
obrigações dos Estados para com suas sociedades por meio de uma ampla
quantidade de normas e regras. Ademais, as citadas Convenções determinam
o banimento de situações como a tortura, execuções arbitrárias, genocídio ou
a destruição de povos, discriminação racial ou religiosa, além de estabelecer
diretrizes para ações como o acesso à saúde e educação, e acessibilidade às
pessoas com deficiência (MUÑOZ, 2017).

As próprias Cartas fundacionais de algumas organizações internacionais


também apresentam um conjunto maior ou menor de órgãos e procedimentos
para que as normas do regime internacional de Direitos Humanos possam ser
plenamente implementadas. Este é o caso da Carta da ONU e os procedimentos
junto ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e da Carta da
Organização dos Estados Americanos (OEA) com os termos da Convenção
Americana de Direitos Humanos.

162
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Os órgãos dos regimes internacionais de Direitos Humanos também


são responsáveis por um constante movimento de monitoramento e proteção
quanto ao cumprimento ou violação das normas estabelecidas pelos regimes
internacionais que os Estados se comprometeram cumprir (MUÑOZ, 2017).

Com base no histórico dos Direitos Humanos que vimos até aqui foi possível
perceber que se trata de um regime internacional bastante amplo, uma vez que
se refere a um assunto que avança para diversas subáreas temáticas. Quais são os
regimes internacionais de Direitos Humanos existentes? Como podemos agrupá-los?

Embora os instrumentos internacionais que contém as normas dos


Direitos Humanos sejam numerosos, bem como os principais órgãos de tomada
de decisões e implementação, poderíamos agrupar os regimes internacionais de
Direitos Humanos a partir de suas áreas de afinidade, pois, existem instrumentos
internacionais e respectivos órgãos de tomada de decisões que se referem a direitos
para todos os indivíduos, tais como os direitos econômicos, sociais e culturais, ou
os direitos civis. Também aqueles que se referem a direitos específicos, como é o
exemplo do combate à tortura e desaparecimentos forçados. Ou ainda, poderíamos
agrupar os regimes a partir de grupos específicos de indivíduos. Aqui estariam
os direitos garantidos às mulheres, às crianças, às pessoas com deficiência, e aos
trabalhadores migratórios.

Entretanto, para facilitar o entendimento dos regimes internacionais de


Direitos Humanos é mais comum que se agrupem os instrumentos internacionais
e os principais órgãos de tomada de decisões e implementação em torno de cada
Organização internacional distinta.

Nos quadros a seguir, você poderá visualizar o conjunto de instrumentos


e órgãos que compõem cada um dos seguintes regimes internacionais de Direitos
Humanos:

• Regime da Organização das Nações Unidas (ONU), ou regime universal.


• Regime do Conselho da Europa (CE) ou regime europeu.
• Regime da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou regime interamericano.
• Regime da União Africana (UA) ou regime africano.

163
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

QUADRO 2 – REGIME UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS

Organização Principais instrumentos Principais órgãos de


Regime
internacional internacionais tomada de decisões
Regime Organização Carta da ONU
universal das Nações Conselho dos Direitos
Unidas Declaração Universal dos Humanos
(ONU) Direitos Humanos
Convenção Internacional
Comitê para a
sobre a Eliminação de todas
Eliminação da
as Formas de Discriminação
Discriminação Racial
Racial
Pacto Internacional de Comitê de Direitos
Direitos Econômicos, Sociais e Econômicos, Sociais e
Culturais Culturais
Pacto Internacional de Comitê de Direitos
Direitos Civis e Políticos Humanos
Convenção Internacional Comitê para a
sobre a Eliminação de todas Eliminação da
as Formas de Discriminação Discriminação contra a
contra a Mulher Mulher
Convenção contra a Tortura
e outros Tratamentos ou
Comitê contra a Tortura
Penas Cruéis, Desumanas ou
Degradantes
Convenção sobre os Direitos Comitê dos Direitos da
da Criança Criança
Convenção Internacional
sobre a Proteção dos Direitos Comitê de Direitos
de todos os Trabalhadores dos Trabalhadores
Migratórios e de seus Migratórios
Familiares
Convenção sobre os Direitos Comitê dos Direitos das
das Pessoas com Deficiência Pessoas com Deficiência
Convenção Internacional
Comitê contra os
para a Proteção de todas
Desaparecimentos
as Pessoas contra os
Forçados
Desaparecimentos Forçados
FONTE: Adaptado de Muñoz (2017, p. 175)

Não existe, portanto, uma codificação única para o regime dos Direitos Hu-
manos, suas regras e princípios encontram-se em diversas fontes, como é o caso da
Declaração Universal da ONU, com abrangência espacial de validade universal.

164
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Em outros casos, como os que serão vistos a seguir, o âmbito espacial é regio-
nalizado, pois tem validade somente em territórios especificamente determinados.

QUADRO 3 – REGIME INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Organização Principais instrumentos Principais órgãos de


Regime
internacional internacionais tomada de decisões
Regime Organização Comissão
interamericano dos Estados Carta da OEA Interamericana de
Americanos Direitos Humanos
(OEA) Declaração Americana Corte Interamericana
de Direitos e Deveres do de Direitos Humanos
Homem

Convenção Americana
sobre Direitos Humanos

Convenção
Interamericana para
Prevenir e Punir a
Tortura

Protocolo Adicional à
Convenção Americana
em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e
Culturais, Protocolo de
“San Salvador”

Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência
contra a Mulher,
Convenção de “Belém do
Pará”

Convenção
Interamericana sobre
Desaparecimento
Forçado de Pessoas

Convenção
Interamericana para a
Eliminação de todas as
formas de Discriminação
contra as Pessoas com
Deficiência
FONTE: Adaptado de Muñoz (2017, p. 176)

165
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

QUADRO 4 – REGIME EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS

Organização Principais instrumentos Principais órgãos de


Regime
internacional internacionais tomada de decisões
Regime Conselho da Estatuto do Conselho da
Comitê de Ministros
europeu Europa (CE) Europa
Convênio Europeu para
a proteção dos Direitos
Corte Europeia de
Humanos e Liberdades
Direitos Humanos
Fundamentais (e seus 14
protocolos)
Comitê de Especialistas
Carta Social Europeia Independentes e
Comitê Governamental
Convênio Europeu para
Comitê Europeu
a Prevenção da Tortura e
para a Prevenção da
das Penas ou Tratamentos
Tortura
Desumanos ou Degradantes
FONTE: Adaptado de Muñoz (2017, p. 176-177)

QUADRO 5 – REGIME AFRICANO DE DIREITOS HUMANOS

Principais Principais órgãos


Organização
Regime instrumentos de tomada de
internacional
internacionais decisões
Regime União Africana Carta Constitutiva da
africano (UA) União Africana Comissão Africana
dos Direitos
Carta Africana sobre Humanos e dos
Direitos Humanos e Povos
dos Povos
Protocolo à Carta Corte Africana de
Africana sobre Direitos Direitos Humanos e
Humanos e dos Povos dos Povos
sobre o Estabelecimento
de uma Corte Africana
sobre Direitos Humanos
e dos Povos

Protocolo à Carta
Africana sobre Direitos
Humanos e dos Povos
sobre os Direitos das
Mulheres na África

Carta Africana sobre os


Direitos e o Bem-Estar
da Criança
FONTE: Adaptado de Muñoz (2017, p. 175-177)

166
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Analisando os quadros anteriores é possível perceber que cada Organiza-


ção internacional possui um instrumento principal relativo à garantia de Direitos
Humanos para a coletividade dos indivíduos, seja por meio de suas Cartas cons-
titutivas, Estatutos ou pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Em paralelo, Conselhos e Comissões se responsabilizam pelas tomadas de deci-
sões e implementação dos termos assegurados.

Contudo, o combate e prevenção à tortura, à desigualdade de gênero, e a pro-


teção das crianças são temas recorrentes nas Organizações internacionais dos Direitos
Humanos. Nestes casos, Convenções, Protocolos, Cartas e Convênios são utilizadas
como instrumentos internacionais de proteção. Esses temas mais específicos também
são todos amparados pelas decisões de seus respectivos órgãos internacionais.

DICAS

A ONU disponibiliza um canal exclusivo para denúncias oficiais de violações


aos direitos humanos ao Conselho dos Direitos da ONU, bem como à Comissão Interame-
ricana de Direitos Humanos da OEA. Saiba mais em: https://bit.ly/3l9IDLR.

Com a criação da Comissão dos Direitos Humanos junto à ONU em 1948,


o regime internacional de direitos humanos passa, de fato, a existir. O desenvolvi-
mento desse regime internacional ocorre na década de 1970, quando a Comissão
dos Direitos Humanos decide monitorar situações reais de violação de direitos
humanos nos países. A própria Carta da ONU era utilizada como normativa in-
ternacional. Contudo, a Comissão foi afetada pela politização internacional, que
determinava a seleção de seu monitoramento da questão dos direitos humanos,
fato que levou a sua dissolução e substituição a partir da criação do Conselho dos
Direitos Humanos em 2006 (MUÑOZ, 2017).

DICAS

Conheça mais sobre a composição e o funcionamento do Conselho dos Direi-


tos Humanos da ONU por meio do vídeo: https://youtu.be/mVeaY_jYUnw.

167
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

3 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos correlatos aos Direitos Humanos são conhecidos por direitos de


segunda geração: os direitos civis, culturais, políticos, econômicos e sociais. Com a
Declaração Universal da ONU de 1948 diversos instrumentos relacionados aos direitos
de segunda geração ou segunda dimensão foram proclamados e aprofundados dali
em diante. A causa desse movimento estava na dinâmica de industrialização dos
países, geradora de graves problemas sociais e econômicos. Embora estivessem
consagradas formalmente liberdades e igualdades, no campo prático, a liberdade não
se aplicava a todos os indivíduos e a desigualdade social e econômica se ampliava
gradativamente (CADEMARTOR; SANTOS, 2016; LEITE, 2014).

Os direitos sociais já ficam latentes a partir das Revoluções de 1848, a


chamada Primavera dos Povos. Como característica geral o evento reuniu uma
série de revoluções europeias que questionavam os regimes autocráticos de
governo, as crises econômicas, além de problemas sociais (ver a figura a seguir).

Contudo, o reconhecimento dos direitos sociais ocorre apenas no início


do século XX com a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado,
da Rússia, de 1917, e com a criação da Organização Internacional do Trabalho, na
Conferência de Washington, em 1919. Foram a Constituição do México de 1917
e a Constituição de Weimar de 1919, que consagraram oficialmente os direitos
sociais (CADEMARTOR; SANTOS, 2016).

FIGURA 12 – AS REVOLUÇÕES DE 1848

FONTE: <https://bit.ly/3l6Ufzh>. Acesso em: 23 jul. 2020.

168
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

A grande área dos Direitos Humanos e os temas mais específicos dos


direitos de segunda geração são relacionados ao campo da ética e da moral e
vistos de forma diferenciada entre as teorias das Relações Internacionais.

A teoria realista tende a considerar a humanidade uma abstração e,


portanto, o reconhecimento dos interesses ou direitos da humanidade é uma
luta dispensável. O foco não está no indivíduo, mas nos atores internacionais,
os quais procurarão legitimar seus próprios interesses. Não seria possível inserir
a área dos Direitos Humanos como uma preocupação fundamental dos atores
internacionais. Assim, os regimes internacionais dos Direitos Humanos aparecem
como um desvio no direito internacional ao trazer o indivíduo para o debate a
nível internacional (CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016).

No caso da Interdependência Complexa, que estudamos ao longo da


Unidade 1 deste livro didático, a preocupação está em compreender os atores
internacionais e suas redes de interdependência, mas sem que princípios éticos e
morais sejam mencionados como parte do arcabouço teórico. Contudo, “mudanças
tecnológicas, ambientais, financeiras geram impactos nas decisões de política dos
estados, principalmente porque afetam indivíduos” (CADEMARTOR; SANTOS,
2016, p. 76). Os temas discutidos no âmbito dos Direitos Humanos, desde à tortura
e ao trabalho escravo, até as correntes migratórias e aos refugiados, são desafios
pelos quais os Estados enfrentam na contemporaneidade e estão implícitos na
análise da interdependência complexa.

E
IMPORTANT

A relevância dos Direitos Humanos se deve aos Estados compartilharem in-


teresses e valores comuns, os quais são regidos e garantidos por diferentes organizações
internacionais. As relações de interdependência, por sua vez, são desenvolvidas justamente
entre os Estados e na atuação dos atores na esfera internacional.

Por meio desta reflexão é possível perceber que o Estado se encontra


no centro das discussões sobre os Direitos Humanos. Como esse entendimento
evoluiu ao longo do tempo?

Embora tenha recebido nomenclaturas diversas pela História, os Direitos


Humanos fazem parte de teorias e conceitos desde os séculos XVII e XVIII, a partir
dos chamados “direitos naturais”. Posteriormente foram convertidos em direitos
humanos e fundamentais com as Revoluções Francesa e Americana. Essa concepção
de direitos humanos, que funda os Estados liberais, é conhecida como a primeira
geração dos direitos humanos, em que as sociedades deveriam ser constituídas
por indivíduos livres e de iguais direitos (SILVA; GONÇALVES, 2010).

169
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

É deste contexto que emana a compreensão sobre direitos inerentes e


inalienáveis a cada ser humano que, portanto, antecedem os direitos atribuídos
pelos Estados. Pois, o poder e direitos dos Estados, por sua vez, deriva da
vontade de um povo com liberdades fundamentais garantidas. Em meados do
século XX, os direitos humanos fundamentais são, também, vinculados à ideia de
bem comum, à defesa de seres humanos livres de qualquer tipo de escravidão –
da física a material (CADEMARTOR; SANTOS, 2016).

NOTA

Os direitos naturais são direitos que nascem da condição humana. A corrente


que defende essa ideia, chamada de jusnaturalista, afirma que os seres humanos têm direi-
tos inalienáveis e irrevogáveis, que independem de qualquer legislação criada por gover-
nos. Não devem ser confundidos com os direitos humanos, que nascem de leis e tratados
internacionais como a Declaração dos Direitos Humanos, da ONU. Também não devem
ser confundidos com direitos fundamentais, que são os direitos humanos positivados por
um determinado governo.

FONTE: <https://bit.ly/34mLATi>. Acesso em: 23 jul. 2020.

Podemos perceber que as “gerações” ou “dimensões” são relevantes para


o entendimento dos Direitos Humanos ao longo do tempo. Veja no quadro a se-
guir uma síntese dos temas que estão compreendidos em cada geração dos Direitos
Humanos. Cabe enfatizar que a classificação dos Direitos Humanos em gerações
não se refere a uma hierarquia de superioridade. Ou seja, a terceira geração não é
superior à segunda; a primeira geração está contida na segunda e assim por diante.

QUADRO 6 – GERAÇÕES E RESPECTIVOS TEMAS DOS DIREITOS HUMANOS

Direitos Civis
Primeira geração
Direitos Políticos
Direitos Econômicos
Segunda geração Direitos Sociais
Direitos Culturais
Direito ao Desenvolvimento
Terceira geração Direito ao Meio Ambiente
Direito à Paz
FONTE: Adaptado de Casado Filho (2012, p. 40)

170
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Após as duas Grandes Guerras Mundiais e durante a Guerra Fria com


a criação da ONU, o conceito de Direitos Humanos ganha espaço na agenda
internacional com a publicação da Declaração Universal. É então que os já
referidos direitos de segunda ordem recebem maior relevância. Estes direitos
são considerados novos, uma vez que não havia mais a necessidade de se evitar
a intervenção do Estado na esfera da liberdade, mas um esforço na efetivação
desses direitos a partir dos Estados.

As lutas das massas trabalhadoras e dos movimentos socialistas europeus


desde fins do século XIX traziam a insatisfação das camadas sociais inferiores com
as limitações impostas pelos Estados liberais, exigindo-se, fundamentalmente,
a democratização ampla do Estado. Um dos resultados materializou-se com
a conquista do sufrágio universal, que garantia o voto a todos os cidadãos,
embora tenha ocorrido em diferentes períodos para diferentes países (SILVA;
GONÇALVES, 2010).

Isto resulta em uma transição das liberdades mais abstratas para as


liberdades e direitos materialmente concretos. Além de ser observada uma
transição das liberdades individuais – sem que estas, obviamente, sejam ignoradas
– para as liberdades sociais, como o direito à greve e quanto aos limites na jornada
de trabalho (CADEMARTOR; SANTOS, 2016).

FIGURA 13 – GREVE DE METALÚRGICOS NO ABC PAULISTA EM 1979

FONTE: <https://bit.ly/3j1st5p>. Acesso em: 24 jul. 2020.

171
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

NOTA

As greves que ocorreram no Brasil entre 1978 e 1980, principalmente a partir dos
trabalhadores do setor metalúrgico paulista, marcaram o ressurgimento das greves e das mani-
festações sindicais no Brasil, as quais eram fortemente reprimidas pela ditadura militar. O movi-
mento que procurava negociar reajustes de salários era considerado ilegal pelo governo.

FONTE: <https://bit.ly/2E7YkCS>. Acesso em: 24 jul. 2020.

No período Contemporâneo (atualidade), os Direitos Humanos são


entendidos como textos jurídicos de ordem internacional. Ou seja, se referem às
Convenções, Pactos e Declarações de Direitos que visam garantir um mínimo de
dignidade ao ser humano (conforme os casos apresentados anteriormente).

Desta forma, os direitos humanos são entendidos a partir do Direito


Internacional dos Direitos Humanos (de abrangência universal) e do Direito
Nacional dos Direitos Humanos (de abrangência territorial limitada). O
Direito Nacional proclama os direitos internacionalmente previstos em âmbito
nacional por meio dos Direitos Fundamentais: os direitos humanos presentes na
Constituição Federal de cada Estado e território geográfico (CADEMARTOR;
SANTOS, 2016). No caso do Brasil, desde a Constituição Federal de 1988, os
direitos consagrados internacionalmente possuem aplicação direta ao território
nacional com uma formulação bastante abrangente sobre os Direitos Humanos
(TRINDADE, 2006).

Acompanhe o texto a seguir e conheça a ONG Anistia Internacional, cujas


ações possuem forte impacto para o contexto global da defesa dos direitos humanos.

E
IMPORTANT

Anistia Internacional: informações gerais

Uma das manifestações da discussão sobre os direitos humanos está na criação de ins-
tituições para além dos Estados e das organizações mencionadas até aqui por meio de
Organizações não governamentais (ONGs), tal como a ONG Anistia Internacional. A ONG
foi criada pelo britânico Peter Benenson a partir da violação de liberdade civil de estudantes
em uma manifestação do início da década de 1960. Atualmente, a Anistia Internacional
atua em mais de 150 países e conta com um movimento global com mais de 7 milhões
de apoiadores. O objetivo é claramente lutar pelo cumprimento dos direitos humanos para
todos e todas, independente do país de origem ou condição política.

172
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

A ONG tem relativa importância para o caso brasileiro: seu primeiro relatório global sobre
tortura foi sobre o Brasil, cujas violações brutais dos direitos humanos no período da dita-
dura militar, resultaram no primeiro documento a trazer uma lista de torturados e tortura-
dores em 1972. Em 1977 a Anistia Internacional recebe o Prêmio Nobel da Paz por todo o
trabalho desenvolvido até aquele momento.

A Anistia Internacional também atua para a implementação do já mencionado Tribunal


Penal Internacional, por meio do lançamento de uma campanha global para sua criação. A
partir de diversas campanhas globais, a Anistia Internacional ocupa um espaço importante
no debate sobre os direitos humanos. Em 2001, por exemplo, seu estatuto é reformulado
para que os direitos de segunda geração também componham suas lutas.

Os direitos humanos dos refugiados é foco de campanhas desde 1997; a mortalidade das
populações que vivem em favelas, da população negra; a liberdade de expressão; a tortura
e as penas de morte; os direitos reprodutivos; a justiça internacional; os abusos corporati-
vos; as prisões deliberadas pelo mundo: são apenas alguns exemplos das frentes de atua-
ção dessa importante organização para o contexto mundial dos direitos humanos. Desde
2012 o Brasil conta com uma sede da Anistia Internacional na cidade do Rio de Janeiro
(ANISTIA INTERNACIONAL, 2020).

DICAS

Não deixe de conhecer o trabalho desenvolvido pela Anistia Internacional por


meio de seu endereço eletrônico oficial: https://anistia.org.br. Além de sua rede social no
Instagram: @anistiabrasil.

Uma nova fase da discussão a respeito dos Direitos Humanos se refere à terceira
geração e coincide com o fim da Guerra Fria, que representa à queda do socialismo real
e a expansão do modo de produção capitalista no mundo, por sua vez, fomentada pela
dinâmica da globalização da ideologia centrada no capital (CADEMARTOR; SANTOS,
2016). Embora esta seja uma leitura bastante crítica da organização econômica mundial
após os acontecimentos do período, aqueles problemas econômicos e sociais de
segunda geração perduravam e se agravavam ano a ano.

Passou-se a discutir a priorização dos direitos individuais sobre os direitos


sociais, e reivindicar a equivalência entre essas classes de direitos. Os direitos
naturais, de igualdade formal, a respeito do direito à vida e à liberdade não impunham
obrigações aos Estados, mas, apenas, sua abstenção. Já os direitos de segunda geração
que, como vimos, figuravam como consequências sociais da organização econômica,
exigiam comprometimento e responsabilidade por parte dos Estados.

Agora, na dinâmica da globalização, os desequilíbrios humanos,


ambientais e econômicos são trazidos à tona e impulsionam movimentos de
reação social, cujas características rearticulam redes sociais globais, tais como

173
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

o Fórum Mundial Social. “Esses movimentos sociais de diferentes grupos e


indivíduos passaram a questionar as consequências e decisões políticas no
contexto da globalização, impulsionando a proliferação de novos textos jurídicos
sobre direitos humanos” (CADEMARTOR; SANTOS, 2016, p. 78).

Embora os Estados preservem relativo grau de soberania e poder político,


sua primazia quanto aos Direitos Humanos não é a mesma na atualidade. A
capacidade de os Estados lidarem prioritariamente com problemáticas específicas,
cada população passa a ser questionada a partir de experiências novas de governança
global, seja por meio de movimentos, grupos, redes ou organizações engajadas em
um debate público transnacional (CONCEIÇÃO; VALDEVINO, 2016).

Uma das origens deste processo está nas formas diferenciadas de ação
social que já existiam desde a década de 1970, cujas agendas políticas eram
voltadas à ecologia, à paz, à educação. Pouco a pouco, tais debates assumiram
corpo de Organizações Não Governamentais (ONGs) transnacionais, dando
origem à Conferências internacionais e passando a publicar documentos jurídicos
de caráter global (CADEMARTOR; SANTOS, 2016).

TUROS
ESTUDOS FU

No último tópico desta unidade, estudaremos os regimes internacionais de


meio ambiente, os quais se inserem nas mais recentes abordagens e discussões em torno
dos direitos humanos.

A terceira geração dos Direitos Humanos tem suas bases estendidas para
diversos atores sociais nacionais e internacionais que atuam fortemente na defesa
dos Direitos Humanos a partir delas ou de arenas distintas daquelas organizadas
pelos Estados nacionais.

174
TÓPICO 2 — REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

FIGURA 14 – ÍNDIOS GUARANI KAIOWÁ SÃO RECEBIDOS NA CÂMARA, 2017

FONTE: <https://bit.ly/3gqR3Lz>. Acesso em: 24 jul. 2020.

Aqui estão os direitos que abrangem a solidariedade e a fraternidade, a


proteção de grupos humanos e, portanto, são difusos e coletivos, pois buscam
o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio
ambiente e qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico
e cultural (LEITE, 2014).

Por tratar-se de direitos universais, exigem esforços globais e entre diferentes


atores para sua efetivação. Traduzem-se, assim, no “início de um processo social,
coletivo e político de grupos humanos que buscam reconfigurar a concepção
individualista dos direitos humanos” (CADEMARTOR; SANTOS, 2016, p. 78).

A discussão em torno dos Direitos Humanos em sua terceira geração


perpassa pela questão dos níveis de desenvolvimento e, sobretudo, nas
desigualdades das relações sociais e econômicas em que o mundo se encontra
dividido. Por isso, a defesa de temas referentes ao próprio desenvolvimento,
à paz, ao meio ambiente, às relações de consumo e ao patrimônio comum da
humanidade (LEITE, 2014).

Cabe enfatizar que os Direitos Humanos continuam em constante processo


de discussão, aprimoramento de seus instrumentos e reorganização dos atores
que atuam em sua defesa. Não há um consenso no âmbito teórico sobre novas
dimensões dos Direitos Humanos, contudo, variados temas passam a entrar na
pauta quando a humanidade é objeto de estudo.

175
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Estas novas abordagens são descritas na quarta dimensão dos Direitos


Humanos a partir da própria dinâmica econômica e financeira da globalização,
a partir das situações da engenharia genética, da biotecnologia, da inseminação
artificial em humanos. Estes últimos temas são relativos aos biodireitos, em que
pesam o risco à dignidade e ao bem-estar humano. Na quinta dimensão estariam
os direitos virtuais, oriundos das tecnologias da informação, do ciberespaço, e da
realidade virtual em geral (LEITE, 2014).

Pois bem, caro acadêmico, chegando ao final deste tópico, não deixe
de conferir os itens de revisão a seguir. Em seguida, realize as autoatividades
sugeridas. Vemo-nos no próximo e último tópico do livro. Até breve!

176
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os regimes internacionais dos Direitos Humanos são amparados pelos prin-


cípios da dignidade humana, do igual valor, e da igualdade em direitos a
todos os indivíduos de forma universal.

• Os Direitos Humanos são descritos como direitos universais, indivisíveis, ir-


renunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis.

• O regime internacional de Direitos Humanos se inicia quando o tema entra


na agenda internacional por meio da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos (DUDH).

• Diversos outros tratados internacionais sobre o tema dos Direitos Huma-


nos contribuíram para compor o regime internacional de Direitos Humanos,
como é o caso da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

• O Regime da Organização das Nações Unidas (ONU) é considerado o regime


universal tendo como principal instrumento a Declaração Universal dos Di-
reitos Humanos.

• Os regimes internacionais dos Direitos Humanos também foram regionali-


zados a partir do Regime do Conselho da Europa (CE) ou regime europeu;
Regime da Organização dos Estados Americanos (OEA) ou regime interame-
ricano; e, Regime da União Africana (UA) ou regime africano.

• Os direitos humanos de primeira geração são aqueles que garantiram liberda-


de aos indivíduos a partir dos próprios Estados liberais, tais como os direitos
civis e políticos.

• Os direitos civis, culturais, políticos, econômicos e sociais são reconhecidos


como direitos humanos de segunda geração.

• A terceira geração dos direitos humanos se refere ao direito ao desenvolvi-


mento, do meio ambiente e da paz.

• Na terceira geração estão os direitos que abrangem a solidariedade e a frater-


nidade, a proteção de grupos humanos.

177
AUTOATIVIDADE

1 Em que momento se iniciam as discussões para a formação de um regime


internacional de Direitos Humanos?

2 De que forma podemos agrupar e organizar os regimes internacionais dos


Direitos Humanos?

3 Qual é a diferença entre as gerações ou dimensões dos direitos humanos?

4 Escreva sobre a discussão proposta pela terceira geração dos direitos humanos.

5 Qual é a relevância da discussão dos direitos humanos no âmbito da inter-


relação entre os Estados nacionais?

178
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

REGIMES INTERNACIONAIS DE
MEIO AMBIENTE

1 INTRODUÇÃO

Olá, novamente, acadêmico! Estamos chegando ao fim do Livro Didático


de Instituições, Regimes Organizações Internacionais. Esperamos que sua jornada
de estudos tenha sido muito bem aproveitada. Ainda nos falta aprofundar uma
última área temática do âmbito dos regimes internacionais, embora as áreas
estudadas aqui não sejam, obviamente, as únicas em operação na dinâmica da
política internacional.

A ênfase deste último tópico estará no campo do meio ambiente, pelo qual
poderemos estudar a formação do regime internacional de Mudanças Climáticas.
Em um primeiro momento, entenderemos a evolução histórica do desenvolvimen-
to sustentável e sua relevância no contexto internacional, podendo, assim, analisar
as organizações internacionais criadas e os acordos internacionais firmados para
a consecução dos objetivos mais amplos de desenvolvimento para os indivíduos.

Este panorama internacional da discussão ambiental é fundamental para


que a atuação da Organização das Nações Unidas possa ser entendida a partir da
Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, bem como os
movimentos para a ratificação de importantes acordos ambientais internacionais,
tais como o Protocolo de Kyoto.

O regime internacional de Mudanças Climáticas, bem como a área am-


biental como um todo tem se mostrado como uma das mais complexas na atu-
alidade, seja devido aos amplos aspectos políticos, sociais e econômicos que se
encontra inserido, seja pelo motivo de sua discussão ser bastante atual. Portanto,
fique atento as nossas dicas e tenha um ótimo período de estudos!

2 A FORMAÇÃO DO REGIME INTERNACIONAL AMBIENTAL


Nos tópicos e unidades deste livro didático já tivemos a oportunidade
de estudar muitos temas relativos às Relações Internacionais e aos Regimes
Internacionais, passando pela Política, Economia, Segurança, Direitos Humanos,
entre outros mais pontuais. Agora, um novo tema entra na pauta de discussão: o
meio ambiente.

179
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

A problemática ambiental como um todo está diretamente relacionada às


discussões sobre o desenvolvimento. Ou melhor: sobre o tipo de desenvolvimento
mais ou menos adequado à realidade econômica, social e política de cada país e
região. Seria possível imaginar em uma forma ou modelo de desenvolvimento
único para todos os indivíduos? Talvez seja evidente garantir Direitos Humanos
para todos, por exemplo. E, portanto, haverá um consenso. Quais seriam as
plataformas políticas mais viáveis à consecução deste objetivo mais amplo?
As respostas para estas perguntas foram discutidas em torno da temática do
desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável teve sua utilização difundida de forma


ampla e em grande parte dos países do mundo a partir da década de 1980.
Contudo, seu surgimento está no questionamento de um modelo massificante
e predatório de desenvolvimento, sobretudo, a partir da década de 1950. Por
meio desta perspectiva, a produção em larga escala resultava numa associação
da noção de bem-estar ao consumo exacerbado dos indivíduos, modelo que
questionava o próprio projeto de modernidade em curso.

A partir destes problemas iniciais mais amplos, que dizem respeito à


organização das sociedades como um todo, a questão ambiental ganha relevância
entre as décadas de 1960 e 1970 devido às visões preservacionistas, bem como
ao movimento ambientalista a partir da criação de diversas Organizações Não
Governamentais (ONG) (COSTA, 2008). Portanto, num primeiro momento, a
preocupação estava em preservar o meio ambiente da ação humana: a natureza
devia ser intocada. É quando se acentua a criação de Florestas Nacionais e dos
Códigos Florestais (legislação) específicos para o meio natural. Somente nos anos
1980 é que o tema passa a relacionar a preocupação ambiental com o acelerado
crescimento econômico mundial.

A base cognitiva para o “pensamento ambiental” foi sendo formada pela


interpretação do significado da poluição ambiental e desastres naturais provocados
pelo homem. Especialmente, no caso dos Estados Unidos, por exemplo: o ar poluído
em Los Angeles, a morte lenta do Lago Erie, derramamentos de óleo e o projeto de
inundar o Grand Canyon, ocuparam grande parte do jornal New York Times com
artigos ambientalistas. Se em 1960 cerca de 150 artigos sobre o tema foram escritos
no periódico, em 1970 este número passa para 1.700 (SACHS, 2003).

DICAS

Você sabia que a WWF (World Wide Fund for Nature) foi a primeira Organiza-
ção não Governamental (ONG) criada para debater a temática ambiental em nível mundial?
A WWF foi criada em 1961 na Suíça e vem contribuindo fortemente com o movimento
ambientalista mundial, embora críticas recentes apontem para a participação da ONG em

180
TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

atividades comerciais prejudiciais à biodiversidade. A origem do movimento ambientalista


também está ligada à ONG Greenpeace, criada no Canadá em 1971 como forma de im-
pedir testes nucleares do governo dos Estados Unidos na costa do Alasca. As explosões
ocorrem, mas a história do grupo tomou o mundo.

FONTE: <https://bit.ly/3j25DKV; https://bit.ly/2EeBWaP; https://bit.ly/3l6GDEh>. Acesso em:


24 jul. 2020.

A literatura sobre o tema revela que a expressão “desenvolvimento sus-


tentável” teve sua utilização mais antiga em 1968 na realização das “Conferências
sobre a biosfera”, em Paris, e sobre “Aspectos Ecológicos do Desenvolvimento In-
ternacional”, em Washington (COSTA, 2008). As posições predominantes na dis-
cussão enfatizavam: a criação de mecanismos de proteção ambiental para a cor-
reção de problemas decorrentes do desenvolvimento econômico; e a reversão da
intensidade do crescimento demográfico para se atingir uma população estável.

Um aspecto relevante no debate que se iniciava dizia respeito à separação


entre meio ambiente e sociedade. Sendo todos nós constantemente dependentes
do meio natural, seja na produção de alimentos, roupas, casas e automóveis, o
desafio estava em assumir um compromisso simultâneo com o meio ambiente,
mas, também, com as demandas de uma sociedade pautada no consumo. O
desenvolvimento dos países já industrializados na década de 1960 só foi possível
devido à utilização exaustiva de recursos naturais globais. De que forma os
demais países superariam suas dificuldades renunciando à utilização massiva de
tais recursos? Este aspecto que diferencia os países mais desenvolvidos dos menos
desenvolvidos marcou profundamente o debate sobre os limites e possibilidades
da sustentabilidade.

As Conferências sobre sustentabilidade, realizadas ao longo do tempo,


trouxeram como resultado um caminho intermediário entre visões extremas. De
um lado, tinha-se uma confiança excessiva de soluções a partir da tecnologia.
Aliás, esta confiança também estava na economia capitalista em superar suas
próprias crises, bem como em superar as limitações dos recursos naturais. Outra
visão previa a catástrofe do planeta devido ao aumento da população e da
utilização completa do meio natural.

Desta forma, um espaço de debate sobre as questões ambientais e sociais


vinha se formando, principalmente, por meio de diversas conferências e eventos
ao redor do mundo. Entre as mais importantes estão as “Conferências das Nações
Unidades sobre o Meio Ambiente Humano”, organizadas pela Organização das
Nações Unidades (ONU), com o intuito de reunir governantes, pesquisadores
e entidades para debater a temática do desenvolvimento sustentável (COSTA,
2008).

181
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

E
IMPORTANT

A primeira destas Conferências ocorreu em Estocolmo, capital da Suécia, em


1972, e é considerada como um marco na discussão ambiental em nível internacional, uma
vez que foi responsável por popularizar o termo “desenvolvimento sustentável”. Ela ficou
conhecida por Conferência de Estocolmo.

CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO, REALIZADA EM 1972

FONTE: <https://bit.ly/2EhDQaB>. Acesso em: 24 jul. 2020.

A Conferência em Estocolmo é responsável por inaugurar uma agenda


ambiental internacional. Ou seja, é quando a discussão sobre a utilização dos
recursos não renováveis ganha dimensão internacional, uma vez que diversos
países, tanto os pobres quanto os ricos, procuravam modos comuns para
resolver problemas que afetavam diversas populações. Esta e as subsequentes
conferências reuniram os chefes de Estado de mais de 100 países, além de mais de
400 instituições governamentais e não governamentais.

Outro marco neste âmbito se refere à publicação em 1987 do Relatório


Bruntland – Nosso futuro comum, que representou o início da generalização do
discurso sobre o desenvolvimento sustentável. O relatório foi organizado a partir
da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, uma Comissão
interna da Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso é comum atribuirmos
à década de 1990 o título de “Década da Sustentabilidade”.

182
TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

DICAS

O Relatório Nosso Futuro Comum ficou conhecido como Relatório Bruntland


porque foi coordenado pela então primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Bruntland. Ela
assumiu a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU em 1983
e participou das atividades de pesquisa até a publicação do Relatório. Você pode acessar o
documento na íntegra por meio do link: https://bit.ly/3iZGe4A.

FONTE <https://bit.ly/3ggIiUR>. Acesso em: 24 jul. 2020.

O que se pode perceber é que o tema vai ganhando cada vez mais espaço
na discussão internacional sobre o desenvolvimento. O Relatório de 1987 “[...] não
representa uma inovação quanto às formulações feitas em Estocolmo quinze anos
antes, mas reafirma sua necessidade e urgência, constituindo um fortalecimento
político do termo” (COSTA, 2008, p. 82).

A divulgação de imagens de satélite, na década de 1980, que mostravam


o “buraco na camada de ozônio” sobre a Antártida traz o Relatório Bruntland
para o centro das atenções internacionais ao questionar o impacto planetário das
ações humanas. Mais tarde, estudos científicos reforçaram ainda mais o tema, ao
comprovar que a origem da destruição do ozônio estava em substância inventada
no início do século XXI e utilizadas em larga escala no ambiente produtivo
(FELDMANN, 2003).

183
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 15 – CAPA DO RELATÓRIO BRUNTLAND E A DEFINIÇÃO OFICIAL

FONTE: CMMAD (1991, p. 46)

A definição oficial sobre o que é desenvolvimento sustentável representa


um consenso possível a respeito do desenvolvimento, pois não procura discutir
os tipos de desenvolvimento existentes e possíveis, ou os modelos e as alternativas
para a resolução dos problemas econômicos, sociais e ambientais. A ênfase está
no chamado compromisso intergeracional, que procura garantir adequadas
condições de vida para as populações presentes, mas, também, possibilitar que as
gerações futuras possam atingir graus de vida adequados sem serem prejudicadas
por nosso estilo de vida atual.

Não há dúvidas de que a generalização do conceito de desenvolvimento


sustentável ampliou sobremaneira a discussão sobre os modelos de sociedade que
podemos ter. O conteúdo da proposta para a sustentabilidade do desenvolvimento
vem alcançando diversas interpretações. Ou seja, embora haja consenso sobre os
fins e objetivos do desenvolvimento sustentável, existe uma constante disputa
teórica e, também, política quanto aos meios, procedimentos e à forma para, de
fato, alcançarmos um desenvolvimento mais sustentável.

É deste amplo espectro político e social que emana a formação de um


regime internacional sobre o meio ambiente.

As Conferências sobre sustentabilidade tiveram por objetivo unificar


globalmente o debate por meio de ratificação de acordos internacionais, planos
de ação e metas para o desenvolvimento sustentável, além da criação de agências
de proteção ambiental.

Um dos importantes avanços trazidos pela Conferência de Estocolmo foi


relativo à criação de um espaço dentro da própria ONU para o debate constante
sobre os problemas oriundos dos tipos de desenvolvimento existente nos
diferentes territórios.

184
TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

Com a criação, em 1972, do Programa das Nações Unidas para o Meio


Ambiente (PNUMA, sigla em português para United Nations Environment
Programme-UNEP), a ONU, em conjunto com os Estados e demais atores nacionais
e internacionais, passa a coordenar as ações da “Declaração sobre o Ambiente
Humano”. Esta Declaração reuniu 26 princípios para um desenvolvimento
mais adequado e um Plano de Ação Mundial. Foi um passo importante, pois se
tratou de um direcionamento discutido entre governantes de diversos países,
pesquisadores de Universidades e instituições da sociedade civil organizada.

FIGURA 16 – LOGOMARCA DO PROGRAMA CRIADO PELA ONU

FONTE: <https://bit.ly/3hhHNKI>. Acesso em: 24 jul. 2020.

Com relação aos primeiros acordos internacionais firmados sobre o tema,


vale citar o Protocolo de Montreal, publicado em 1987. O acordo foi criado a
partir da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) e
procurou trocar informações em nível internacional, estudar e proteger a camada
de ozônio. Oficialmente nomeado, “Protocolo de Montreal para Substâncias
que Destroem a Camada de Ozônio”, tem por objetivo o controle e redução
progressiva de diversas substâncias químicas que destroem a camada de ozônio.

Por ele se previu a eliminação gradual, por exemplo, dos clorofluorcarbonos


(CFC), capazes de destruir a camada de ozônio, que eram utilizados na produção
de refrigeradores. Atualmente, 197 países já assinaram o acordo. O Brasil aderiu ao
Protocolo em 1990, sendo que em 2010 os CFC tiveram seu consumo proibido no país.

Em 2016, durante a 28ª Conferência das Partes, houve uma atualização


do Protocolo que incluiu os hidrofluorcarbonos (HFC) à lista de substâncias
químicas controladas e renovou as metas de redução no consumo para algumas e
completo não uso de outras substâncias. Os HFC servem de substituto aos CFC e
HCFC (hidroclorofluorcarbonos). Embora os HFC não causarem danos à camada
de ozônio, contribuem fortemente e de forma negativa ao sistema climático global
(PROTOCOLO DE MONTREAL, 2017).

185
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Veja, no quadro a seguir, os prazos para a redução do consumo total de


HCFC para o caso do Brasil.

QUADRO 7 – CRONOGRAMA DAS REDUÇÕES NO CONSUMO DOS HCFC

Linha de base = média no consumo nos anos 2009 e 2010


2013 → congelamento da linha de base
Etapa 1
2015 → redução em 16,6% em relação à linha de base
2020 → redução em 39,3% em relação à linha de base
Etapa 2
2021 → redução em 51,6% em relação à linha de base
2025 → redução em 67,5% em relação à linha de base
Etapa 3 2030* → redução em 97,5% em relação à linha de base
2040 → redução em 100% em relação à linha de base
* O consumo residual (2,5%) poderá ser usado apenas para o setor de serviços.
FONTE: Adaptado de Protocolo de Montreal (2017)

Acadêmico! Voltando ao tema das conferências, cabe destacar que, após


Estocolmo, a mais importante delas ocorreu no Brasil, em 1992: a Cúpula da Terra
do Rio, também conhecida por Rio-92 ou Eco-92. Nesta Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento participaram 179 governos
contando com mais de 20 mil pessoas, de 9 mil instituições não governamentais,
com o objetivo de debater os problemas ambientais globais.

Debateram-se as energias alternativas, a produção de toxinas, os povos


originários, as questões climáticas, o tema da água, entre tantos outros que
permeiam o desenvolvimento sustentável. Além de influenciar as questões
relacionadas aos direitos humanos, o desenvolvimento social, as mulheres e
os assentamentos humanos. Isto é, percebeu-se que os problemas ambientais
estavam ligados às condições econômicas e à justiça social (ONU, 2020).

186
TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

FIGURA 17 – CONFERÊNCIA DA ONU SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO REALIZA-


DA NO RIO DE JANEIRO EM 1992

FONTE: <https://glo.bo/31hZ9lf>. Acesso em: 24 jul. 2020.

Passados vinte anos desde a Conferência de Estocolmo, um dos resultados


da Rio-92 se refere à criação de grandes acordos internacionais, tais como:

• Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, composta por 27


princípios para o desenvolvimento sustentável.
• Agenda 21, que tratou de uma proposta de planejamento para desenvolvimento
sustentável, com objetivos, planos e estratégias.
• Declaração de Princípios das Florestas, o primeiro em escala internacional
que contém orientações e recomendações sobre o manejo e conservação das
florestas de todo o mundo.
• Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(UNFCCC), o qual definiu a resposta global às questões climáticas.
• Convenção sobre Diversidade Biológica, com foco na conservação e uso
sustentável dos recursos genéticos (CAPINZAIKI, 2015; ONU, 2020).

Ainda durante a década de 1990, com o objetivo de atender às


recomendações da Rio-92, foi criado o Protocolo de Kyoto. Neste caso, a ênfase
estava no comprometimento em reduzir a emissão dos gases que provocam o
efeito estufa e que suas emissões fossem comercializadas.

187
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

TUROS
ESTUDOS FU

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e o Pro-


tocolo de Kyoto serão mais bem estudados ainda neste tópico do livro.

Após dez anos da realização da Rio-92, ocorreu na África do Sul, a Cúpula


da Terra de Joanesburgo ou Rio+10, 2002. Novamente, milhares de pessoas do
mundo inteiro reúnem-se para tratar especificamente do tema da sustentabilidade
gerando o “Plano de Implantação de Joanesburgo”, contendo questões sociais,
da pobreza, e da saúde mundial. Como grande objetivo a Conferência procurou
reforçar os compromissos políticos assumidos com a sustentabilidade desde 1992.

FIGURA 18 – MESA DA CONFERÊNCIA DE JOANESBURGO OCORRIDA NA ÁFRICA DO SUL EM 2002

FONTE: <https://bit.ly/2Ed2WY8>. Acesso em: 24 jul. 2020.

Na subsequência dos eventos internacionais realizados no âmbito da


ONU, cabe ser citado aqui, por fim, a Conferência Rio+20, realizada, novamente,
no Rio de Janeiro, em 2012, marcando os vinte anos da Rio-92 e contribuindo
para (re)construir a agenda sobre sustentabilidade para o desenvolvimento nas
próximas décadas.

A Conferência teve dois temas principais: (1) Economia verde no contexto


do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (2) Estrutura ins-
titucional para o desenvolvimento sustentável (RIO+20, 2020).

188
TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

O que se pode ver é que o tema da pobreza permanece como fundamento


básico para se pensar o desenvolvimento das sociedades desde as décadas de
1960 e 1970. E, no segundo grande tema, a questão do (novo) institucionalismo
é colocado na pauta das discussões. Ou seja, qual é o papel das instituições
(Estado, mercado, organizações temáticas) na condução do desenvolvimento
contemporâneo?

FIGURA 19 – LOGOMARCAS DA CONFERÊNCIA RIO+20 REALIZADA NO RIO DE JANEIRO EM 2012

FONTE: <https://bit.ly/2X9tNuo>; < https://bit.ly/2DgjPAu>. Acesso em: 24 jul. 2020.

FIGURA 20 – CHEFES DE ESTADO REUNIDOS DURANTE A REALIZAÇÃO DA RIO+20

FONTE: <https://bit.ly/2FMsDzm>. Acesso em: 24 jul. 2020.

Veja uma síntese histórica das conferências e acordos mais importantes


realizados no mundo sobre desenvolvimento sustentável na imagem a seguir.

189
UNIDADE 3 — ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 21 – CONFERÊNCIAS E ACORDOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

FONTE: O autor

Agora que já conseguimos revisar a ampla discussão sobre desenvolvi-


mento sustentável a partir das Conferências da ONU, bem como entender os
instrumentos criados, podemos nos aprofundar ainda mais na dinâmica dos re-
gimes internacionais no interior da área ambiental a partir das chamadas Mudan-
ças Climáticas. Vamos lá?

3 CONVENÇÃO ⁻ QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE


MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O PROTOCOLO DE KYOTO

Uma vez que a temática ambiental dialoga com a organização global das
sociedades a partir do uso dos recursos naturais, mas, também sobre suas relações
econômicas, sociais e políticas, o regime internacional de Mudanças Climáticas
tornou-se um dos mais complexos e relevantes regimes internacionais da atualidade.

Os principais instrumentos criados no âmbito do regime internacional


de Mudanças Climáticas foram a Convenção ⁻ Quadro das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas, de 1992 (em inglês, United Nations Framework
Convention on Climate Change – UNFCCC), e o Protocolo de Kyoto, de 1997.

190
TÓPICO 3 — REGIMES INTERNACIONAIS DE MEIO AMBIENTE

E
IMPORTANT

A Convenção-Quadro é um tratado internacional que resultou da Conferência


Rio-92, prevendo a estabilização da concentração dos gases do efeito estufa. A partir da
Convenção-Quadro abriu-se espaço para a criação de mecanismos de controle das emis-
sões, tal como o Protocolo de Kyoto.

Uma primeira aproximação do tema nos remete ao esquema a seguir:

FIGURA 22 – REGIME INTERNACIONAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

FONTE: O autor

Para entendermos a questão dos regimes internacionais de mudança


climática é interessante observar a distinção ou separação dos Estados
democráticos feita entre o liberalismo e o comunitarismo.

A exceção do Japão, o liberalismo é a perspectiva política que predomina


nos Estados democráticos, cuja característica fundamental está do domínio do
indivíduo sobre os grupos sociais. Esta corrente percebe que o mercado deve
orientar a política, cujas ações isoladas de cada agente econômico, ao buscar seus
próprios ganhos, contribuem para o resultado coletivo. Há uma crença no sistema
de meritocracia, e na participação representativa nas tomadas de decisão a partir
dos partidos políticos (VIOLA, 2002).

Devido ao processo de organização social atual, o comunitarismo ocupa


um lugar secundário nos Estados democráticos. Os avanços foram pontuais,

191
mas substantivos, tal como a partir do famoso “Maio de 1968”, resultado de
diversas manifestações estudantis mundo a fora, mas que convergiu a revoltas de
operários, mulheres, negros, homossexuais, ambientalistas, além de todo o tipo
de embate quantos aos regimes militares e autoritários do período.

Demais traços do comunitarismo foram escritos a partir da utopia da


sociedade civil mundial com o fim da Guerra Fria, e ganharam força com as
grandes manifestações antiglobalização em Seattle em 1999, as quais resultaram em
outras tantas junto às edições do Fórum Econômico Mundial e das reuniões do G-8,
chegando ao 1º Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001 (VIOLA, 2002).

FIGURA 23 – MAIO DE 1968 EM PARIS

FONTE: <https://bit.ly/2YlMkVd>. Acesso em: 24 jul. 2020.

A ênfase dada pelo comunitarismo é oposta ao liberalismo, pois defende o


predomínio do grupo sobre o indivíduo: as relações sociais coletivas resultam em
ganhos maiores e mais democráticos do que as ações individualizadas. Assim, o
predomínio também deve ser da política sobre o mercado, cuja participação política
é ampla e realizada por meio de múltiplas estruturas associativas (VIOLA, 2002).

O fato é que as questões ambientalistas surgem pela vertente comunitarista


da década de 1960, mas passam a migrar aos Estados liberais. Na década de
1980 e seguintes, houve uma necessidade crescente de cooperação internacional,
exigindo muita flexibilidade nas negociações, seja por meio da formação de
regimes internacionais econômicos, sociais ou ambientais, os quais estremeceram
as bases soberanas destes Estados e contrariaram os interesses individuais em
razão dos benefícios coletivos (VIOLA, 2002). É evidente que os problemas de
Mudança Climática devem ser tratados como bens comuns e coletivos globais,
cujas soluções não podem restringir-se aos interesses individuais de um Estado.

192
Os regimes internacionais de Mudanças Climáticas surgem justamente
do enfrentamento de problemas que são comuns à humanidade. Um exemplo está
no “uso” da atmosfera. Trata-se de um bem público global, mas sua utilização é
limitada a sua capacidade de absorver poluição ou gases de efeito estufa ao ponto
que não interfira na saúde humana ou no clima do planeta. As ações de um dos
atores não devem excluir a possibilidade de uso dos demais atores que compõem
o regime internacional de Mudanças Climáticas (VIOLA, 2002).

Existem atores que poderiam ficar ausentes dos limites impostos pelo regime
internacional? Obviamente que não. Daí advém a complexidade natural que esta
dimensão dos regimes internacionais impõe aos atores internacionais envolvidos.

A concepção dos regimes internacionais de Mudanças Climáticas também


se convenciona a partir de um sistema imbricado de princípios e normas, regras
e procedimentos pactuados entre Estados e demais atores internacionais. Além
disso, há de se considerar estes regimes internacionais como um processo de
desenvolvimento que favorece a proteção de um bem coletivo global (VIOLA,
2002). Portanto, o regime internacional de Mudança Climática,

não se restringe aos acordos estabelecidos na Convenção do Rio de


Janeiro e no Protocolo de Kyoto, mas prevê também a necessidade de
uma consciência pública favorável a estabilizar o clima e de um vetor
tecnológico que favoreça o investimento em tecnologias não intensivas
em carbono (VIOLA, 2002, p. 28).

Deste cenário passam a surgir instrumentos para que tais problemas


coletivos e globais pudessem ser entendidos e acompanhados ao longo do
tempo. A formação de uma comunidade científica específica foi crucial para que
a temática fosse apresentada ao público e ganhasse visibilidade, além de entrar
na pauta política internacional de discussão.

Um primeiro passo na direção de uma convenção internacional sobre o


clima ocorre por meio da Constituição em 1988 do Painel Intergovernamental
sobre Mudança do Clima (conhecido pela sigla IPCC, Intergovernmental Panel
on Climate Change) (VIOLA, 2002). O IPCC se refere a um gigantesco grupo que
reúne pesquisadores de diversos países e procurou fornecer subsídios sólidos
para a comunidade científica e pública durante toda a década de 1990 e até a
atualidade. As informações são agrupadas nos “Relatórios do IPCC”, que somam
cinco até hoje. Além dos relatórios principais, outros tantos foram publicados
como os de cunho metodológico, técnicos ou especiais.

193
DICAS

O mais recente Relatório do IPCC foi publicado em 2018 e possui uma versão
em português que pode ser visualizada na íntegra em: https://www.ipcc.ch/site/assets/uplo-
ads/2019/07/SPM-Portuguese-version.pdf. Este relatório mostra que as atividades humanas já
causaram 1,0 °C de aquecimento global, sendo provável que este aumento chegue a 1,5 °C
entre 2030 e 2052. O IPCC possui um endereço eletrônico repleto de informações atualiza-
das sobre as questões climáticas. Não perca! Conheça-o: https://www.ipcc.ch.

Contudo, desde o início dos anos 2000, o IPCC vem alertando sobre o
impacto do aquecimento global para a vida humana na Terra. Os prejuízos são
para os ecossistemas naturais, para a agricultura, para as estruturas urbanas,
para as regiões costeiras e a para a própria saúde humana. As evidências vêm
dos estudos sobre os fenômenos climáticos mais recentes, relativos a tormentas,
furacões, secas prolongadas, ondas de calor, inundações, entre outros episódios
mais ou menos localizados regionalmente (VIOLA, 2002).

Historicamente, portanto, após a instituição do IPCC, houve a realização


da Rio-92, com a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre o
Mudanças Climáticas, cujas atividades foram operacionalizadas a partir de 1994
ao promover uma interação sistemática entre os atores internacionais sobre a
temática das mudanças climáticas. As arenas-chave nesse processo ocorreram em
torno das Conferências das Partes da Convenção de Mudança Climática (COP),
promovidas pela própria Convenção-Quadro (CAPINZAIKI, 2015).

A 1ª Conferência das Partes da Convenção de Mudança Climática (COP1)


ocorreu em Berlim, em 1995. O então presidente norte-americano Clinton defendia
uma posição de estabelecer metas obrigatórias tanto aos países “emergentes”
quanto para os considerados “em desenvolvimento”, ambos classificados à parte
do Anexo I. O Brasil exerceu um papel importante neste momento na defesa
desses países, argumentando que naquela primeira fase do Protocolo não seria
apropriado o estabelecimento de compromissos relacionados às emissões, posição
que teve apoio do Japão, um importante ator internacional neste processo, isolando
as reinvindicações norte-americanas (BARROS, 2011; VIOLA, 2002).

194
NOTA

O Anexo I da Convenção-Quadro se refere aos países industrializados que fa-


ziam parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) até
1992 e os países de Europa Central e Leste com economias em transição a uma economia
de mercado. Os países em desenvolvimento não fazem parte do Anexo I. Todos os países
da América Latina, por exemplo, não fazem parte do Anexo I (BENITES, 2015).

As ações da Convenção-Quadro por meio das Conferências das Partes


foram importantes no contexto do regime internacional de Mudanças Climáticas
devido à criação de uma estrutura de recompensas para a cooperação internacional,
cuja ênfase esteve no mercado de créditos de carbono.

Na 2ª Conferência das Partes (COP2), ocorrida em 1996 em Genebra, foram


negociadas especificamente as metas para a redução da emissão de Gases de
Efeito Estufa (GEE). Neste momento, se introduz pela primeira vez na história dos
regimes internacionais de Mudanças Climáticas a perspectiva de comercialização
de cotas de emissões de carbono. O objetivo das cotas de carbono era flexibilizar
a redução das emissões para os países do Anexo I (CAPINZAIKI, 2015).

DICAS

Para saber mais sobre a participação brasileira no regime internacional de Mu-


danças Climáticas, acesse o artigo de Ana Flávia Granja e Barros, “O Brasil na governança
das grandes questões ambientais contemporâneas, país emergente?”, publicado pelo IPEA
em 2011. Disponível em: https://bit.ly/32brV6l.

Entre a COP2 e a COP3, a ser realizada em Kyoto no Japão em 1997, os mo-


vimentos para a formulação do Protocolo de Kyoto já passam a acontecer, cujos de-
lineamentos se tornariam uma referência para o regime internacional de Mudanças
Climáticas. A assinatura do Protocolo de Kyoto ocorre durante a 3ª Conferência das
Partes, estabelecendo uma meta de redução de emissões de GEE em 5,2% para os
países do Anexo I, utilizando como referência o ano de 1990 (CAPINZAIKI, 2015).

Um dos maiores obstáculos para o consenso em torno do Protocolo de Kyoto


foi devido à oposição dos Estados Unidos em ratificar o Protocolo. Já que em 1990,
período base para o acordo, os Estados Unidos respondiam com 25% das emissões
mundiais de combustíveis fósseis, seriam eles os responsáveis pelas maiores

195
reduções das emissões. Assim, a recusa dos Estados Unidos gerava um impasse
significativo, uma vez que a vigência do acordo estava vinculada a participação dos
países que representassem ao menos 55% das emissões totais de GEE.

A alternativa encontrada naquele momento para a resolução do conflito


da participação norte-americana se deu com as discussões sobre o Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL permitia que os países desenvolvidos
cumprissem parte de suas metas de redução de emissões por meio do
financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável aplicados nos países
emergentes e em desenvolvimento (BENITES, 2015; CAPINZAIKI, 2015). Ou seja,
as metas de emissões reais dos países desenvolvidos que não fossem cumpridas
poderiam ser compensadas através de projetos de desenvolvimento sustentável
em espaços nacionais que se enquadram à parte do Anexo I.

Por outro lado, o MDL revela um caráter assimétrico de cooperação


internacional uma vez que os países mais ricos têm a possibilidade de pagar
monetariamente aos países mais pobres pelo descumprimento das metas de
emissões de gases poluentes (STEINER; RODRIGUES, 2009).

A América Latina mostrou-se pioneira no desenvolvimento de projetos


no âmbito do MDL, a partir da ratificação local do Protocolo de Kyoto por alguns
países já em 1999. Quando o Protocolo entrou em vigor em 2005, a América
Latina possuía 46 projetos, chegando em 2006 com 259 registrados no Conselho
Executivo do MDL, 49% da quantidade global registrada (BENITES, 2015).

Acompanhe no gráfico a seguir os dados sobre a distribuição dos projetos


de MDL registrados na América Latina durante o primeiro período de metas do
Protocolo, entre 2005 e 2012.

GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DE PROJETOS DE MDL REGISTRADOS NA AMÉRICA LATINA NO


PERÍODO 2005-2012 DO PROTOCOLO DE KYOTO

FONTE: Adaptado de Benites (2015, p. 5)

196
As negociações posteriores junto às Conferências das Partes seguiram
com variados obstáculos relativos aos acordos sobre o regime internacional
de Mudanças Climáticas. A segunda fase da COP 6, que ocorreu em Bonn, na
Alemanha, em 2001, marcou a saída definitiva dos Estados Unidos do processo
de negociação em torno do Protocolo de Kyoto: “a diplomacia americana alegou
que as metas de redução seriam muito onerosas para sua economia, além de
ressaltar o fato de que não existiam limites de emissão de GEE para os países em
desenvolvimento” (CAPINZAIKI, 2015, p. 206).

Como resultado, a União Europeia passa a assumir a frente na condução


do Protocolo de Kyoto e do MDL. Contudo, apenas em fevereiro de 2005, o
Protocolo de Kyoto entraria em vigor, após a entrada da Rússia (em novembro
de 2004), garantindo que os países participantes do acordo representassem ao
menos 55% das emissões totais de GEE. Neste mesmo ano, entre novembro e
dezembro, é realizada a COP 11, em Montreal, no Canadá, em conjunto com a 1ª
Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto (MOP1, do inglês, Meeting of Parties,
ou também chamada, Conference of Meeting of Parties – CMP1), pela qual passam
a ser discutidas questões relacionadas exclusivamente ao Protocolo de Kyoto
(CAPINZAIKI, 2015; UNFCCC, 2020).

Relembrando: a partir de 1995, portanto, são realizadas anualmente


Conferências das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas, as chamadas
COP, tornando-se o principal espaço de debates e negociações em torno da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre o Mudanças Climáticas. Com a
entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em 2005, as COP são acompanhadas das
Reuniões das Partes do Protocolo de Kyoto, as MOP. É fundamentalmente deste
cenário que emana o contexto do regime internacional de Mudança Climática.

Confira, no quadro a seguir, um panorama destes eventos internacionais


por meio do histórico de locais e datas de realização.

197
QUADRO 8 – DATAS E LOCAIS DE REALIZAÇÃO DAS CONFERÊNCIAS DAS PARTES DA CONVENÇÃO
DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (COP) E REUNIÕES DAS PARTES DO PROTOCOLO DE KYOTO (MOP)

COP1 - Berlim, Alemanha, 1995 COP14/CMP4 - Poznan, Polônia, 2008


COP15/CMP5 - Copenhague, Dinamarca,
COP2 - Genebra, Suíça, 1996
2009
COP3 - Kyoto, Japão, 1997 COP16/CMP6 - Cancún, México, 2010
COP4 - Buenos Aires, Argentina, 1998 COP17/CMP7 - Durban, África do Sul, 2011
COP5 - Bonn, Alemanha, 1999 COP18/CMP8 - Doha, Catar, 2012
COP6 - Haia, Holanda, 2000 COP19/CMP9 - Varsóvia, Polônia, 2013
COP7 - Marrakesh, Marrocos, 2001 COP20/CMP10 - Lima, Peru, 2014
COP8 - Nova Delhi, Índia, 2002 COP21/CMP11 - Paris, França, 2015
COP22/CMP12 - Marrakesh, Marrocos,
COP9 - Milão, Itália, 2003
2016
COP10 - Buenos Aires, Argentina, 2004 COP23/CMP13 - Bonn, Alemanha, 2017
COP11/CMP1 - Montreal, Canadá, 2005 COP24/CMP14 - Katowice, Polônia, 2018
COP12/CMP2 - Nairobi, Quênia, 2006 COP25/CMP15 - Madri, Espanha, 2019
COP26/CMP16 - Glasgow, Escócia, 2020
COP13/CMP3 - Bali, Indonésia, 2007
(adiada devido à Covid-19)
FONTE: Adaptado de Proclima (2020)

Em termos mais amplos, a questão ambiental e o regime internacional


de Mudanças Climáticas vêm tendo notável relevância no campo de diversas
organizações internacionais, inclusive nas discussões de outros regimes
internacionais, tais como os relacionados à área econômica ou dos direitos
humanos. Como pudemos compreender, a complexidade do regime internacional
de Mudanças Climáticas está na inter-relação entre temáticas locais e internacionais
com impactos amplos ao conjunto da vida na Terra.

Acadêmico, chegamos ao fim do tópico sobre os regimes internacionais


de Meio Ambiente e ao Livro Didático de Instituições, Regimes e Organizações
Internacionais. Esperamos que os conteúdos e dicas apresentados tenham
propiciado um ótimo momento de estudos para você. Não se esqueça de realizar
as autoatividades. Desejamos um ótimo andamento em seu curso!

198
LEITURA COMPLEMENTAR

COP25 CHEGA A ACORDO FINAL COM POUCOS AVANÇOS

Entre impasses e atrasos, países prometem metas climáticas mais ambi-


ciosas em 2020. Brasil quase bloqueia aprovação do documento ao se opor a arti-
gos. Chefe da ONU e ambientalistas criticam resultado da cúpula.

Os países reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças


Climáticas (COP25) finalmente chegaram a um consenso sobre um acordo final
neste domingo (15/12/2019), após estenderem a cúpula em Madri por 40 horas
além do prazo oficial.

Quase 200 países participaram da conferência da ONU na capital


espanhola, iniciada há duas semanas, em meio a pedidos urgentes da ciência e
da sociedade civil para que sejam intensificadas e aceleradas as ações mundiais
contra o aquecimento global.

O documento, intitulado "Chile-Madri, hora de agir", foi admitido após


um tenso debate com o Brasil, que inicialmente se recusou a reconhecer o papel
que os oceanos e o uso da terra desempenham nas mudanças climáticas.

O acordo final da COP25 estabelece que os países terão de apresentar em


2020 compromissos mais ambiciosos para reduzir as emissões a fim de enfrentar
a emergência climática e cumprir as metas estabelecidas junto ao Acordo de Paris
sobre o clima, de 2015.

Segundo o texto, o conhecimento científico será "o eixo principal" a


orientar as decisões climáticas dos países para aumentar a sua ambição, que deve
ser constantemente atualizada de acordo com os avanços da ciência.

O documento inclui ainda "a imposição" de que a transição para um


mundo sem emissões tem de ser justa e promover a criação de empregos.

Um dos principais objetivos da COP25, a discussão sobre um quadro re-


gulatório para um sistema de mercado de carbono – sob o qual países que emi-
tiram menos podem vender créditos de CO2 a países mais emissores – acabou
ficando de fora do documento. O tema será debatido separadamente.

A conferência visava finalizar um conjunto de medidas para a


implementação do Acordo de Paris, cuja meta é limitar o aumento da temperatura
global a 2 ºC em relação aos níveis da era pré-industrial, esforçando-se, porém,
para não passar de 1,5 ºC até o fim do século.

199
Neste mês, a ONU afirmou que limitar o aquecimento global a 1,5 ºC exi-
giria uma queda nas emissões globais de carbono de mais de 7% ao ano até 2030.
Enquanto isso, cientistas alertam que a janela para impedir que o clima da Terra
atinja pontos irreversíveis está se fechando rapidamente.

Impasse com o Brasil

Após horas de negociações sobre um acordo político final, que atrasou em dois
dias o fim da cúpula em Madri, a presidente da COP25 e ministra do Meio Ambiente
do Chile, Carolina Schmidt, submeteu à votação neste domingo o documento.

Representantes de várias delegações pediram a palavra para algumas


objeções. Suíça fez isso justificando que não teve conhecimento do acordo com
antecedência; Egito e Malásia disseram ter tido dificuldades para acessar o docu-
mento no site da conferência.

Em seguida, o Brasil se pronunciou para manifestar sua relutância em


aprovar um texto que incluía referências em dois parágrafos (30 e 31) ao papel
dos oceanos e do uso da terra no clima global – respaldado por vários relatórios
científicos nos últimos meses.

A intervenção brasileira – cuja delegação é encabeçada pelo ministro do


Meio Ambiente, Ricardo Salles – gerou uma cascata de declarações de rejeição e
reivindicação da importância dos oceanos e da terra no clima, segundo informou
a agência espanhola Efe.

Intervieram contra a proposta do Brasil de eliminar esses parágrafos os


representantes da Indonésia, Costa Rica, Tuvalu, Belize, Austrália, Nova Zelândia,
Ilhas Marshall, União Europeia (UE), Egito, Canadá, Argentina, Butão, Suíça e
Rússia, que pediram à delegação brasileira que desistisse dessa solicitação a fim
de desbloquear o documento.

A presidente da COP25 chegou a pedir duas vezes ao Brasil para que


desbloqueasse o acordo. "Isso é algo muito importante, e eu agradeceria se vocês
pudessem aprovar esse documento", afirmou Schmidt.

Em uma primeira intervenção, a delegação brasileira disse que não


poderia aceitar esses parágrafos porque "minavam" o equilíbrio do resto do texto,
que descreveu como "muito valioso". Diante da insistência da chilena, o Brasil
recuou e comunicou formalmente que aceitava o acordo na íntegra, o que foi
recebido com aplausos no plenário da conferência.

Após a divulgação do documento, o ministro Salles publicou um vídeo


no Twitter em que critica a "visão protecionista, de fechamento do mercado", que
segundo ele prevaleceu nesta COP25.

200
"COP25 não deu em nada. Países ricos não querem abrir seus mercados de
créditos de carbono. Exigem medidas e apontam o dedo para o resto do mundo, sem
cerimônia, mas na hora de colocar a mão no bolso, eles não querem. Protecionismo e
hipocrisia andaram de mãos dadas o tempo todo", escreveu o brasileiro na postagem.

Ao centro, de vermelho, a presidente da COP25, a chilena Carolina Schmidt

Críticas ao acordo

Ativistas ambientais e Estados menores, bem como o secretário-geral da


ONU, António Guterres, também não ficaram satisfeitos com o acordo negociado em
Madri ao longo dessas duas semanas, lançando duras críticas ao texto neste domingo.

"Estou decepcionado com os resultados da COP25", afirmou Guterres. "A


comunidade internacional perdeu uma importante oportunidade de mostrar maior
ambição em mitigação, adaptação e financiamento para enfrentar a crise climática".

Após um ano de catástrofes relacionadas ao clima, incluindo tempestades,


inundações e incêndios florestais, bem como greves semanais de milhões de
jovens, esperava-se que os governos enviassem um sinal claro de sua disposição
em enfrentar a crise climática.

"Essas conversas refletem quão desconectados os líderes dos países estão


da urgência da ciência e das demandas de seus cidadãos nas ruas", declarou
Helen Mountford, vice-presidente para Clima e Economia do think tank World
Resources Institute. "Eles precisarão acordar em 2020".

Segundo os críticos, o documento final da cúpula em Madri não passa de


uma declaração modesta que falhou em fazer um apelo claro e inequívoco aos
países para que aumentem suas metas de redução de emissões no próximo ano.

"A COP25 demonstrou a falta de ambição coletiva dos maiores emissores do


mundo", afirmou Li Shuo, especialista em clima e energia do Greenpeace na China.

201
Carlos Fuller, representante da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, que
devem ser duramente atingidos pelas mudanças climáticas e o consequente aumento
do nível do mar, disse que tais nações apelaram por metas mais rígidas, mas acabaram
sendo deixadas de lado enquanto países maiores dominaram as negociações.

"Somos parte desse processo ou não?", questionou Fuller neste domingo,


em conversa com repórteres. No sábado, ele já havia criticado o andamento
das negociações. "Todas as referências à ciência ficaram mais fracas, todas as
referências à melhoria da ambição desapareceram. Parece que preferimos olhar
para trás a olhar para o futuro", declarou.

Com os atrasos para aprovar a declaração final, a COP25 tornou-se a


edição mais longa das cúpulas do clima realizadas pela ONU. O evento, que
ocorre em Madri devido à desistência do Chile de sediá-lo devido aos protestos
contra o governo de Sebastián Piñera, superou a COP17, que se prolongou por 36
horas além do previsto em 2011.

FONTE: WELLE, D. COP25 chega a acordo final com poucos avanços. 2019. Disponível em:
https://bit.ly/3hmAeTg. Acesso em: 2 jul. 2020.

202
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O desenvolvimento sustentável foi difundido em grande parte dos países


do mundo a partir da década de 1980, por meio do questionamento dos
modelos de desenvolvimento em curso.

• Um espaço de debate sobre as questões ambientais e sociais foi formado,


principalmente, por meio de diversas conferências internacionais sobre a
sustentabilidade.

• A Conferência de Estocolmo é considerada um marco na discussão


ambiental em nível internacional, responsável por popularizar o termo
“desenvolvimento sustentável”.

• Os principais instrumentos criados no âmbito do regime internacional de


Mudanças Climáticas foram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas, de 1992, e o Protocolo de Kyoto, de 1997.

• O liberalismo é a perspectiva política que predomina nos Estados democrá-


ticos, cuja característica fundamental está do domínio do indivíduo sobre os
grupos sociais.

• A ênfase dada pelo comunitarismo é da defesa do predomínio do grupo


sobre o indivíduo, mostrando que as relações sociais coletivas resultam em
ganhos maiores e mais democráticos do que as ações individualizadas.

• Em 1988 foi criado o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima,


um grupo que reúne pesquisadores de diversos países e fornece subsídios
sólidos para a comunidade científica e pública.

• A interação entre os atores internacionais ocorre a partir das Conferências


das Partes da Convenção de Mudança Climática (COP), desde 1995.

• Durante a 3ª Conferência das Partes ocorreu a assinatura do Protocolo de


Kyoto, que estabeleceu uma meta de redução de emissões de GEE em 5,2%
para os países do Anexo I

• Em 2005 ocorreu a 1ª Reunião das Partes do Protocolo de Kyoto, pela qual


passam a ser discutidas questões relacionadas exclusivamente ao Protocolo
de Kyoto.

203
CHAMADA

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pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

204
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos entender a importância do desenvolvimento sustentável


para o regime internacional de meio ambiente?

2 Como é composto o regime internacional de Mudanças Climáticas?

3 Como podemos entender a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre o


Mudanças Climáticas?

4 Escreva sobre o Protocolo de Kyoto.

5 O que é Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)?

205
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