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Re#exões acerca d'O povo


brasileiro
Este ensaio tem por objetivo traçar um
raciocínio em relação a como se deu o
processo de formação daquilo que
conhecemos por cultura brasileira, buscar
uma compreensão de onde tal cultura,
que se encontra nos dias dias de hoje de
forma tão complexa, de fato tem suas
raízes, como esta dita cultura se formou.
E para tanto, procuraremos trabalhar
com a ajuda de dois autores, o primeiro,
Darcy Ribeiro, que nos contribuiu de
forma essencial ao escrever “O povo
brasileiro”, ao traçou aquelas que podem
ser chamadas de três matrizes do povo
brasileiro, a saber, o negro, o indígena e o
branco colonizador, imigrante, e desta
forma contribuiu imensamente ao afirmar
ser a mestiçagem pedra fundamental do
povo brasileiro; e Thomas Skidmore, que
no seu livro “Uma história do Brasil”, nos
auxilia a compreender as nuances da
formação de todo um povo brasileiro,
seus conflitos e entrelaçamentos...
O texto a seguir traça um panorama
em relação ao livro de Darcy Ribeiro
intitulado 'O Povo brasileiro, A formação
e o sentido do Brasil', e o filme de mesmo
nome, que para explanar acerca da
formação do povo brasileiro tal como o
identificamos atualmente, utiliza-se de
três matrizes, a saber a matriz tupi, a
matriz lusa e a matriz afro. A
miscigenação resultante da fusão do afro,
com o entre-choque do caldeamento do
invasor português, com índios nativos.
Para compreendermos nossas raízes e
partirmos para o que nos indica, em
direção ao futuro. Pois bem, ao traçar
uma busca pelas raízes da formação do
povo, o autor procura responder a
questão 'Quem são os brasileiros?', sendo
esta formação sendo traduzida na
miscigenação das raças, mostrando que
somos constituídos bem mais partindo
das diferenças que das semelhanças.
Neste belíssimo documentário de
Darcy Ribeiro podemos perceber a
reinvenção e invenção de um território
brasileiro, até a necessidade lusa de uma
descoberta oficial, em 1500, sendo que o
território já existia, aqui já havia uma
humanidade diferente, uma comunidade
indígena cuja única finalidade da vida era,
além de conjugar-se com a natureza,
unicamente viver. Existiram por séculos,
conhecendo detalhadamente a natureza,
usando e domesticando as plantas que
existiam na natureza, coexistindo com
elas. Povos indígenas convivendo em
comunidades. Mergulhado em sua
própria cultura, ele é auto suficiente,
conseguindo fazer redes com folhas de
bananeiras, e tem a capacidade de
identificar incontáveis espécies,
Convivendo e trabalhando com elas a seu
bel-prazer, de maneira harmoniosa. Na
força de sua cultura ele se basta, sabendo
fazer tudo o que ele possa porventura
necessitar ao longo de sua trajetória.
Então chegamos à conclusão que o luso
colonizador já encontrou um país
denominado, habitado e 'domesticado',
repleto de referências herdadas dos
indígenas, e do negro escravizado, que foi
brutalmente trazido nos navios negreiros,
arrancados de suas terras e escarrados
em nosso continente.
Os índios eram voltados à guerra e a
festa, havendo uma função social em
relação a ambas. Poesia, musica, vinho,
dança e a guerra. Sendo que esta última,
tomava importância crucial, havendo uma
importante função social relacionada a
guerra, que refletia a forma como os tupis
se encaminhavam ao longo dos espaços,
das gerações. Com os inimigos, eram
implacáveis, havia uma ética na batalha,
onde não havia espaço para espírito da
covardia. Ele podia ser devorado
fisicamente, mas jamais moralmente.
Ótimos guerreiros, arqueiros. Existia
uma estética na guerra. Eles passavam o
dia se vilipendiando e xingando-se para
mais tarde caírem numa batalha corporal.
Os prisioneiros que os tupis faziam na
guerra eram sacrificados e comidos por
toda a tribo, sendo este um momento
máximo para a aldeia, que devorava aos
prisioneiros em grande festa. No ritual
que precedia a antropofagia, os
prisioneiros eram levados, primeiro pelas
mulheres e crianças ao meio da aldeia,
onde eram raspados os seus pelos, então
os índios promovem a uma grande festa,
onde todos comem e bebem e se
divertem juntos, inclusive os prisioneiros.
Estes ainda recebem índias, para diversos
favores, inclusive sexuais. No dia
seguinte, todos em volta da 'ibiratema', o
tacape que dá cabo à execução, cantando
e dançando, o prisioneiro se encontra
amarrado ao redor de todo o corpo com
uma grossa corda que se chama
'muçurana', e então com a frase: 'Quero
matar-te pois tua gente matou e comeu
também a muitos dos meus amigos', ao
que o prisioneiro responde, que 'mesmo
morto, outros amigos seus ainda saberão
vingar-me.' Assim, o prisioneiro é
golpeado na nuca, de modo que acaba lhe
saltando os miolos, no que as mulheres no
mesmo instante apanham o corpo, lhe
raspam a pele e enfiam-lhe um pedaço de
pau no ânus e o colocam imediatamente
no fogo. A índia, aquela que lhe prestara
os serviços sexuais lhe chora um choro,
ritualístico, e ai então o corpo é cortado
em pedaços e assado, para logo após ser
repartido por todos os indivíduos. Com as
vísceras, as mulheres faziam um fervido
juntamente com uma papa, que era
servido às crianças. O matador fica
recolhido em sua rede, digerindo, sem
participar do banquete, do ato da morte.
Os grupos indígenas coexistem com
muitas semelhanças entre si, todos sabem
das informações que circulam. O chefe,
num grupo indígena cumpre o papel de
mediador, mestre de cerimônias, porem
ele jamais dá ordens, até seria motivo de
riso para um índio receber ordens de
outro índio.
Darcy Ribeiro nos descreve, que para
os índios é muito importante a herança,
sendo que eles guardam de maneira
impressionante os nomes de seus
antepassados, ele nos cita inclusive do
fato do índio que citou para ele 1.100
nomes de sua árvore genealógica.
Quanto aos negros, eles foram trazidos
para o Brasil principalmente da costa
ocidental africana. Oriundos de três
grandes grupos culturais. Infelizmente a
contribuição negra acaba sendo mais
passiva do que ativa, o que não impediu o
negro de ter importância crucial na
cultura brasileira. De acordo com o
próprio Darcy Ribeiro, “Essa parca
herança africana-meio cultural e meio
racial-, associada Às crenças indígenas,
emprestaria entretanto à cultura
brasileira, no plano ideológico, uma
singular fisionomia cultural.” (Ribeiro,
1995, p. 117)
O que podemos captar acerca dos negros
é o fato de que os mesmos se sentem,
bem como se comportam como se
pertencentes a uma única etnia. Os
negros, mesmo encarcerados nos guetos
da escravidão, fizeram o Brasil e
participaram da civilização de seu tempo.
Vemos, na cultura lusitana, uma
fidelidade religiosa direcionada a igreja
católica apostólica romana, uma camada
que se julgava superior, a imposição de
sua forma de forma de falar, o português,
e gostava de se ter como parte da gente
metropolitana, de não se fazer parte
daqui.

O que se percebe então é que somos a


criação de um novo gênero humano, física
e culturalmente falando, oriundo da
mescla, da mestiçagem, e que não se
reconhecia como indígena, negro africano
ou branco colonizador. Uma nova cultura
então se formava, tendo as páginas em
branco para escrever sua trajetória.

"[...] Todos nós, brasileiros, somos carne


da carne daqueles pretos e índios
supliciados. Todos nós brasileiros somos,
por igual, a mão possessa que os
supliciou. A doçura mais terna e a
crueldade mais atroz aqui se conjugaram
para fazer de nós a gente sentida e
sofrida que somos e a gente insensível e
brutal, que também somos. Como
descendentes de escravos e de senhores
de escravos seremos sempre servos da
malignidade destilada e instilada em nós,
tanto pelo sentimento da dor
intencionalmente produzida para doer
mais, quanto pelo exercício da
brutalidade sobre homens, sobre
mulheres, sobre crianças convertidas em
pasto de nossa fúria. A mais terrível de
nossas heranças é esta de levar sempre
conosco a cicatriz de torturador impressa
na alma e pronta a explodir na
brutalidade racista e classista." (Ribeiro,
1995, p.120).
Nosso próximo autor é Thomas
Skidmore, que com sua obra “Uma
história do Brasil”, contribui para a
reflexão acerca da formação do que hoje
chamamos de povo brasileiro. Dou início
a minha reflexão a partir do cap. II que
intitula-se ´crise do sistema colonial e
emergência de um Brasil independente´,
onde nos damos conta de que nossa
história, por mais que seja relativamente
jovem, é marcada por revoluções
intrínsecas de cunho social, político e
econômico. Basicamente, por influência
da elite colonial brasileira que se formava,
quando esta passou a ver os seus
interesses econômicos e políticos
gradualmente sendo apartados dos
interesses da coroa portuguesa. Nosso
território, em meados de 1750 a 1830 era
ocupado por índios e escravos, que se
organizavam em quilombos, promovendo
um clima de muitas revoltas. Era inclusive
uma época em que as exportações
estavam se dinamizando aqui no país.
Simultaneamente vivia-se em um clima de
revolução intelectual, provocada pelo
iluminismo, com os seus ideais de
liberdade, bem como o ´comichão´ para a
formação para as bases do pensamento
científico. Surgem diversas tensões no
Brasil, como a Inconfidência mineira, que
era um “movimento criado por oligarcas,
em seu próprio interesse, onde a
revolução em nome do povo era mera
justificativa.” (SKIDMORE)
Podemos identificar uma
hierarquização relativa a cor que o
indivíduo possuía, sendo que a cor era o
que definia a posição social e política que
os filhos de negros com brancos
ocupavam, os chamados mulatos. Vemos
inclusive que os mulatos de pele
relativamente clara eram aceitos como
brancos. Cria-se por esta época a noção
popular de que o mulato seria um
indivíduo astuto, ambicioso e portanto
indigno de confiança.
Em 1808 chega às terras brasileiras a
família real, fugindo da invasão
napoleônica, e junto com a família nobre,
chegam as alterações políticas, culturais e
econômicas, que marcaram para sempre
nossa maneira de pensar,
comportamento, enfim, com nossa
cultura sendo então forjada a partir de
tais alterações, e da forma como elas se
mesclaram aos grupos que se
encontravam presentes no território
durante este período. É claro que a
chegada da família real acarretou em um
estranhamento, bem como de alterações
fortíssimas na cultura dos brasileiros.
Tínhamos então um país constituído
com uma minoria branca, formado pela
elite portuguesa, que nutriam o medo de
que os negros e índios, por serem muito
mais numerosos, tomassem de alguma
forma o poder, a exemplo da revolução
Haitiana, ou então temiam pelo futuro da
elite hegemonicamente branca, que
contabilizava apenas com 5% da
população. A partir do século XIX
podemos observar que há um
entrelaçamento maior entre negros,
índios e brancos, categorizando uma
constituição de mestiçagem.
Já no Cap. IV, “A criação do Brasil
moderno” Skidmore prossegue nos
traçando um perfil do povo brasileiro,
durante o período de 1870 a 1910. O
autor defende a ideia de que a cultura
brasileira já havia de alguma forma se
consolidado no Brasil, principalmente
após a independência e tantos outros
movimentos que abalaram a virada do
século, onde a industr8ialização atingia
níveis jamais supostos anteriormente, a
revolução industrial, bem como a
intensificação das mobilizações dos
conflitos sociais, frutos da mesma que
abalaram a todos de forma
verdadeiramente profunda. Vimos no fim
do século uma série de mudanças, como a
inclusão de ideias republicanas,
abolicionistas, que acabou tecendo
diversas leis, como a Lei do ventre livre,
de 1871, que declarava livre os que a
partir daquele momento nascessem, a Lei
do sexagenário, de 1885, e finalmente a
assinatura da Lei Áurea, culminando com
o fim da escravidão, em 1888. Ideias
abolicionistas apoiavam na verdade que o
custo de um escravo era mais alto que o
custo de um empregado, em termos
gerais... Era lucrativo ter escravos? Caso a
resposta fosse negativa, e era, então
como transformar aos escravos em
consumidores, inseri-los, ainda que
precariamente, no mercado de trabalho?
Além disso, a pressão estrangeira para o
fim da escravidão, que era considerado
um obstáculo ao ´processo de
modernização do país´, era gigantesca, e
cada vez maior. Percebemos que não foi
um ato de bondade humana a Princesa
Isabel ter assinado a Lei Áurea, mas antes
foi a junção de interesses que não mais
comportavam a escravidão como algo que
pudesse ser transformado em lucro.
Com isso percebeu-se a necessidade de
´branquear´ a população, Isso acabou,
inclusive, estimulando a imigração ao
país, principalmente na região sul e
sudeste. Com uma ideia de país moderno,
onde aqueles considerados de pele mais
escura eram postos à margem da
sociedade, e tinham que ser obrigados a
morar mais distante do centro, enfim, o
processo de exclusão social, como pode-
se notar deu-se desde cedo no país, com a
marginalização, é claro, dos escravizados.
Esta condição acabou gerando uma
estratificação social fortíssima, sendo a
cor da pele a marca para a definição do
status social que o indivíduo poderia
possuir dentro da sociedade. Com isso,
percebia-se uma rejeição ao considerado
diferente, sendo a própria diferença
traduzida como um sinônimo de
inferioridade.

Podemos perceber que a nossa cultura


foi algo intrinsecamente construído dia a
dia, produto de uma mescla física e
cultural de diversas vertentes, sendo
traduzidas de forma um tanto complexa
em nossos dias.
Por último, faço um breve comentário
acerca do filme “Burn!”, obra fundamental
do cineasta italiano Gilo Pontecorvo,
acerca da forma como o homem branco
colonizador pode se tornar opressor,
carrasco, sem vacilar em derramar o
sangue de quem quer que seja para
alcançar o poder. Por mais que o filme
tenha a falsa aparência de ser uma trama
simples, ele desenvolve-se demonstrando
as entranhas de como se deu o processo
de colonialismo e imperialismo europeu.
Uma reflexão política dura, seca e
realista, a de Pontecorvo, com um
processo que também poderia ter sido o
nosso.Vemos o povo se regozijar, porem
sabemos que é tudo um enorme engodo,
pois o dominador apenas trocou o nome,
e os meios de oprimir, não mais
fisicamente mais através da opressão
econômica. Como ficar de alguma forma
indiferente quando se percebe a
manipulação de centenas de indivíduos
que lutam para ter algo para comer, feito
animais brigando por moedas atiradas ao
chão.
E nos dias de hoje, quem exerce a
opressão sob nós? Desconfiamos
seriamente que o opressor apenas trocou
a máscara, mudou o discurso, porém pode
estar oprimindo tanto, ou mais, do que
naqueles dias. Cabe a nós identificarmos?
Até onde a cultura brasileira foi oprimida,
estancada, desestruturada e reconstruída
por determinadas elites? E quais foram os
caminhos encontrados pelas formas
culturais marginalizadas para sobreviver
e mesclar-se com tanta facilidade a noção
de uma identidade brasileira? Caberia
afirmar que existe tal identificação?

Bibliografia

• RIBEIRO, Darcy; O povo brasileiro,


evolução e sentido do Brasil, São Paulo,
Cia. Das Letras, 1995
• SKIDMORE, Thomas, Uma história do
Brasil, Paz e Terra
• PONTECORVO, Gillo; Burn!; 1969;
112min,

Isis Rost
Enviado por Isis Rost em 29/06/2015
Código do texto: T5293248
ClassiCcação de conteúdo: seguro

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