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A prática

psicanalítica
numa teoria da clínica da autenticidade

Para avaliação da Ícone Editora


A prática psicanalítica
numa teoria da clínica da autenticidade

Para avaliação da Ícone Editora

César de Oliveira Ferreira Silva


São José dos Campos, Brasil
Este livro foi digitado e editado usando o software LATEX.

Copyright © 2022 César de Oliveira Ferreira Silva


Introdução

Propositalmente uso a palavra “cura”

v
vi
Conteúdo

1 Transferência: de motor da análise à resistência 1


1.1 A transferência positiva e a negativa . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 A contratransferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.3 Há um desejo “de ser” analista ou desejo “de” analista? . . . . . . 1

2 As direções do tratamento 3
2.1 O espaço analítico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.2 Analisar: um trabalho de transformação a dois . . . . . . . . . . 3
2.3 A neurose de transferência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.4 As resistências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.5 A contratransferência no centro do trabalho do analista . . . . . 3
2.6 O trabalho interpretativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.7 As mudanças ligadas ao trabalho analítico . . . . . . . . . . . . . 3

3 Os quatro tempos de uma cura psicanalítica 5


3.1 Retificação subjetiva em direção ao gozo . . . . . . . . . . . . . . 5
3.2 Instauração e reconhecimento da neurose de transferência . . . . 5
3.3 Mergulho no abismo do significante . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
3.4 Encontro com a própria voz em estado neutro . . . . . . . . . . . 5

4 A análise é terminável ou interminável? 7


4.1 A histericização do discurso: o que é o feminino? . . . . . . . . . 10
4.2 A recusa do feminino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

5 Matemas 11
5.1 R. S. I. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
5.2 Os Quatro Discursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
5.3 O Grafo do Desejo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
5.4 Esquema R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
5.5 Esquema I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
5.6 Esquema L . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
5.7 Fórmulas da Sexuação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

6 Momento de não concluir 23

vii
viii CONTEÚDO
Capítulo 1

Transferência: de motor da
análise à resistência

1.1 A transferência positiva e a negativa


1.2 A contratransferência
1.3 Há um desejo “de ser” analista ou desejo
“de” analista?

1
2CAPÍTULO 1. TRANSFERÊNCIA: DE MOTOR DA ANÁLISE À RESISTÊNCIA
Capítulo 2

As direções do tratamento

2.1 O espaço analítico


2.2 Analisar: um trabalho de transformação a
dois
2.3 A neurose de transferência
2.4 As resistências
2.5 A contratransferência no centro do trabalho
do analista
2.6 O trabalho interpretativo
2.7 As mudanças ligadas ao trabalho analítico

3
4 CAPÍTULO 2. AS DIREÇÕES DO TRATAMENTO
Capítulo 3

Os quatro tempos de uma


cura psicanalítica

3.1 Retificação subjetiva em direção ao gozo


3.2 Instauração e reconhecimento da neurose de
transferência
3.3 Mergulho no abismo do significante
3.4 Encontro com a própria voz em estado neu-
tro

5
6CAPÍTULO 3. OS QUATRO TEMPOS DE UMA CURA PSICANALÍTICA
Capítulo 4

A análise é terminável ou
interminável?

Freud deixa bem evidente que não são os fatores terapêuticos que
definem um final de análise, pois isso recai em uma normatização. Ainda
que Freud não tenha se detido na formalização das vicissitudes da transferência
ao longo do processo de análise tal qual Lacan, uma leitura atenta do meu texto
freudiano favorito, “Análise terminável e interminável” (FREUD, 2018[1937]),
deixa claro que discutir os critérios terapêuticos de cura naquela época (1937)
era perda de tempo, pois já se sabia há muito tempo que a cura psicanalítica se
dava por meio do amor transferencial, ou seja, o processo transferencial já tinha
sido “desvendado” e não era a questão de como a psicanálise cura que precisava
ser discutido, mas sim mapear quais são as questões que impedem a cura psica-
nalítica, por meio deste processo transferencial. Neste texto, particularmente,
Freud destaca o trabalho silencioso da pulsão de morte, mas o importante aqui
agora é ver que a análise levará a impasses que serão enfrentados pelo sujeito,
e que talvez não seriam enfrentados sem a neurose de transferência criada na
análise. A análise fraturou as identificações que o sujeito por meio de parado-
xos, que colocam à luz do dia o engano criado pelo sujeito para, supostamente,
“garantir” sua sobrevivência. Este sujeito não está dado antes de uma análise.
O analisante chega na entrevista preliminar com um “eu” que mais parece uma
concha do que um corpo de carne. Deste “eu” que chega em análise pode emer-
gir um sujeito. Na análise de um sujeito, a neurose com que ele chega será
substituída por uma neurose artificial, a neurose de transferência.
A estruturação do sujeito (barrado pela castração na neurose, ou não, na
psicose) é a obtenção de algum estatuto simbólico, alguma significação,
para que o sujeito seja algo distinto do Real do gozo. É uma defesa contra ser
objeto de uma demanda imaginária do Outro, contra se perder como objeto do
gozo do Outro. Quando a significação prevalece sobre a demanda imaginária,
há sujeito. O interesse do conceito lacaniano do Outro é chamar a atenção sobre
o fato de que a determinação de um sujeito se decide no campo da linguagem e

7
8 CAPÍTULO 4. A ANÁLISE É TERMINÁVEL OU INTERMINÁVEL?

segundo cálculos que não coincidem com laços intersubjetivos. É por isso que a
psicanálise não permite uma prevenção. Por patógenas que nos apareçam algu-
mas situações familiares, não é possível deduzir, destas situações, coisa alguma
sobre o destino do sujeito. O Outro é o lugar de todos os significantes menos
um, o significante que falta é aquele que significaria a si mesmo, significaria este
Outro. Por isso dizemos que não há Outro do Outro.
A aposta neurotica é que haja “ao menos um” que saiba lidar com a
Demanda do Outro. Então, o saber vai ter um sujeito suposto, e a problemática
de defesa vai se jogar na relação de dívida deste sujeito com o “ao menos um”
que sabe. Já o psicótico não tem esta barreira, e se enreda no círculo infernal da
Demanda do Outro. É uma errância. Não há sujeito suposto saber no psicótico.
O que faz o saber inconsciente de um sujeito não pode ser calculado a partir da
singularidade dos membros da sua família. É algo que só pode ser calculado no
discurso. A presença efetiva dos membros da família geralmente produz como
efeito um aumento das resistências do analista, porque ele vai acreditar num
cálculo possível do saber inconsciente do sujeito a partir da singularidade dos
desejos inconscientes dos membros da família.
O que é decisivo para o sujeito não são as relações intersubjetivas,
mas sim os cálculos discursivos nos quais significantes se organizam sem respei-
tar o jogo das intenções ou mesmo dos desejos singulares dos falantes. É muito
impactante ler tão explicitamente como a abordagem lacaniana não trata do
romance familiar, mas sim da constituição do sujeito estruturalmente. A fora-
clusão do significante Nome-do-Pai é uma questão preliminar a todo tratamento
da psicose pois na neurose há o recalque do significante Nome-do-Pai através
da castração, enquanto na psicose isso não acontece, se joga fora (foraclui) este
significante. É uma categoria negativa à neurose, o que de maneira alguma fala
que a psicose é o negativo da neurose, pois não há castração aqui, como na
neurose, mas sim uma categoria negativa: a primeira forma de compreender a
psicose seria diferenciá-la da neurose e da perversão pela não-castração. No seu
esforço de virar a face à castração, o neurotico dá respostas significantes, pois
sua constituição subjetiva é em relação à significação fálica. Se fizer uma re-
troação imaginária sobre o complexo de Édipo teremos que na mãe (dentro das
vicissitudes do seu Édipo) operou um pai, como metáfora paterna, produzindo
nela uma falta e, assim, um desejo. Falta produzido em relação (e na relação)
com sua mãe e apoiada na sua privação em relação à premissa fálica.
O Nome do Pai será qualquer significante que indique a castração
do Outro. O Nome do Pai, apoiando-se no desejo materno, produzirá, como
castração simbólica, a separação da criança e o efeito de um sujeito sexuado e
desejante. Esta separação tira o valor fálico do corpo da criança. Da mesma
maneira que algo da mãe está perdido, algo da criança também está. Este é
o ponto de interseção de duas carências. A castração produz a perda de um
objeto, o objeto causa do desejo, por meio de uma operação necessária que é a
lei contra o incesto (inconsciente). Se o sujeito não é o que pensava ser, essa
operação o deixa com as perguntas: quem sou?, o que é que desejo?, o que é que
o Outro deseja de mim? O sintoma responde a isso com o que tem de sofrimento
9

e de prazer. O sujeito faz do seu sintoma e suas produções uma suposta posição
subjetiva. O sujeito não é o sintoma, mas ali está articulado. Sua neurose será
a defesa que utilizará frente à angústia que lhe provoca a castração do Outro
e uma maneira particular de apelar ao Nome do Pai para que o defenda da
suposta demanda do Outro.
Fraturar a identificação do sujeito á suposta significação do desejo
do Outro abre a dimensão da castração do Outro e questiona o objeto
a. O fim da análise possibilitará o reencontro com a condição desejante que,
além das imaginarizações do objeto, tocará na experiência do seu fantasma
fundamental, esse objeto que no Real, para o desejo do Outro, é nada, para o
seu desejo é carência constitutiva e na definição do seu ser não é mais do que
resto, o objeto perdido.
Qual seria a conclusão da cura? Talvez a cura se conclua somente
quando o sujeito sai da demanda e não espera mais nada da análise, quando
o sujeito não pede mais nada ao analista. Mas essa definição não é suficiente.
Pode-se sair da análise por cansaço ou por decepção. E pode ser que o sujeito
que não espera mais nada da análise se desloque - desloca a sua demanda para
a psicologia, para a psiquiatria - não pede mais à análise, mas... vai pedir
medicamentos, drogas. Vai deslocar a sua demanda para as seitas, para a
biologia molecular, para a Gestalt, para o esoterismo, etc. Pode ser, ainda,
que o sujeito que não pede mais nada a seu analista desloque sua demanda a
outro analista e assim. entra em reanálise. Desse modo, não é suficiente dizer
que se conclui a cura quando o sujeito não pede mais.
Conclusão da cura não é um deslocamento da demanda para ou-
tros lugares e outras pessoas. É algo muito misterioso, que está mais para
a desaparição profunda, radical, autêntica, da demanda. Desaparição incons-
ciente da demanda, da própria desaparição do lugar da demanda, da própria
possibilidade de esperar algo da demanda feita a um Outro.
Freud leva a análise até o rochedo da castração para os meninos e
a inveja do pênis para as meninas. Lacan propõe que no fim de uma
análise o analisando atravesse a falta fálica em direção à causa de
desejo, propondo que a posição do feminino em final de análise está
além do rochedo da castração.
Haverão diversas variantes do sofrimento psíquico ao longo de uma vida, e
sua imprevisibilidade é um fato a ser considerado e assimilado no final de uma
análise. Talvez essa tenha sido a queixa que o levou a se tornar analisando, e
agora sua aceitação é o passaporte de saída da análise.
(FREUD, 2014[1891])
(AMIGO, 2008)
(BALINT, 1952)
(BALINT, 1950)
(LECLAIRE, 1977)
(LACAN, 1998[1966])
(POMMIER, 1990)
(LACAN, 1995[1956-7])
10 CAPÍTULO 4. A ANÁLISE É TERMINÁVEL OU INTERMINÁVEL?

4.1 A histericização do discurso: o que é o fe-


minino?
4.2 A recusa do feminino
Capítulo 5

Matemas

5.1 R. S. I.
Para Lacan, nunca é Um, mas sempre são no mínimo Três. Explico: não se
sabe o que está na origem do problema de cada um, mas nunca será uma coisa
só, será no mínimo três. Um: uma coisa causou todo o resto; qualquer coisa
que se coloque no lugar deste Um, será Deus. Haveria a opção de encontrar o
Dois invés do Um, que é o que parece ser dito por Freud quando ele apresenta
um conflito originário em lugar de um causador essencial. Mesmo no dualismo,
acaba caindo-se no monismo pois se pergunta qual dos dois veio primeiro.
Lacan adverte o analista a não conduzir a análise buscando uma unidade
final nem uma unidade inicial, mas sempre trabalhar contando três. Não é um
sentido, no fundo, a ser encontrado, essa aposta tende a infinitizar a experiência
analítica.
O que faz sentido: Imaginário
O que faz corpo: Imaginário
O que for nítido: Imaginário
Imaginário

Corpo

Sentido
JA
a

Real Simbólico

11
12 CAPÍTULO 5. MATEMAS

A tripartição estrutural introduzida por Lacan desde sua conferência pro-


nunciada em julho de 1953 na Sociedade Francesa de Psicanálise, “O simbólico,
o imaginário e o real”, e, a partir daí, desenvolvida em diferentes direções, é
aquela que irá permitir uma compreensão da angústia dentro do quadro clí-
nico destacado por Freud em Inibições, sintomas e angústia. Lacan abordará
o assunto no seminário de 1974-75, R.S.I., no qual pretende rever uma série
de questões sob a ótica, recém-introduzida por ele, do nó borromeano. Lacan
falará aqui da propriedade borromeana da estrutura como a radical indissoci-
abilidade dos três registros real, simbólico e imaginário. No centro êx-timo do
nó borromeano - ao mesmo tempo interno e externo, que pode ser observado
ao transformarmos o nó numa esfera armilar borromeana, Lacan irá inscrever
o objeto a, furo em torno do qual a estrutura psíquica borromeana se constrói.
Ele irá introduzir aqui a noção de troumatisme - palavra-valise que, ao associar
o furo (trou) ao trauma (traumatisme), revela que o verdadeiro trauma é o furo,
e, logo, ele é contingencial: não há como não haver trauma. A noção, essen-
cial para a psicanálise, de "trauma como contingência"é nomeada por Lacan
em um de seus escritos,77 mas já havia sido explicitada por Freud de modo
cabal quando ele afirmou: “Os ’traumas sexuais infantis’ foram, de certa forma,
substituídos pelo ’infantilismo da sexualidade’.

Nesse seminário, Lacan irá fazer os registros R.S.l. trabalharem em sua pro-
priedade borromeana para destacar três regiões de interseção correspondentes
a três formas de gozo em sua relação com o objeto a: entre o real e o simbólico,
Lacan nomeia o gozo fálico; entre o imaginário e o real, o gozo do Outro; e
entre o simbólico e o imaginário situa o gozo (jouissance) do sentido - jouisens,
termo que em francês abarca ainda pela homofonia a dimensão da escuta “j’oui”
(“eu ouço”). Além disso, Lacan concebe três diferentes invasões de um registro
sobre outro para indicar nelas a clássica trilogia clínica freudiana: a invasão
do simbólico no real corresponde ao sintoma; a invasão do imaginário no sim-
bólico corresponde à inibição; e a invasão do real no imaginário corresponde à
angústia.

Tais invasões de um registro sobre outro partem de definições depuradas


que Lacan fornecerá de cada um desses registros. Elas não estão reunidas em
Lacan do modo que se segue, mas uma leitura atenta de seus seminários e escri-
tos desemboca necessariamente nelas. Trata-se de definições precisas, podemos
dizer até minimalistas - nos moldes dos últimos seminários de Lacan, que são
ao mesmo tempo densos e concisos -, que depuram todos os desenvolvimentos
lacanianos anteriores em torno da questão do sentido: o imaginário é definido
como da ordem do sentido; o real, Lacan o considera o não-sentido ou não senso,
ou seja, o avesso do imaginário; quanto ao simbólico, podemos resumir toda a
concepção lacaniana do significante afirmando-o enquanto eminentemente biná-
rio (baseada na lógica exposta por Freud em alguns trabalhos e, em especial, em
1911, no artigo "A significação antitética das palavras primitivas") e definindo-o
como da ordem do duplo sentido.
5.1. R. S. I. 13

Imaginário
(consistência)

nt
cie
Corpo co
ns falso
In furo

ão
Sentido

biç
Angústia

Ini
Re
pre
se
Mort Simbólico

Ciência
nt

da vida

JA a
ão
(furo)
Préc
real onsc
ient
furo


Vida Sin
to
ma

Φ
Real
(ek-sistence)

Real: não-sentido
Simbólico: duplo sentido
Imaginário: sentido

Se o simbólico inclui as dimensões da ambiguidade, a anfibologia, o equí-


voco, o duplo sentido - todos termos que sublinham a estrutura de cabeça de
Jano com a qual Freud concebeu as formações do inconsciente; o imaginário
é precisamente a amputação do simbólico de sua característica primordial, ele
representa a redução desse duplo sentido ao sentido unívoco. Quanto ao real,
Lacan dirá que ele é “o estritamente impensável”, o ab-sens, o sentido enquanto
ausente, o sem sentido - todos termos que exaltam a principal característica do
real: que ele é impossível de ser simbolizado.

Inibição: I → S
Sintoma: S → R
Angústia: R → I

Outra característica do real deve ser aqui destacada: a irreversibilidade. O


real sempre presentifica aquilo que na estrutura psíquica escapa a seu domínio:
a flecha do tempo e a morte são seus exemplos mais lídimos. Associadas uma
à outra, ambas são irreversíveis. A irreversibilidade fundamental do real ajuda
a compreender uma qualidade igualmente essencial do simbólico, a reversibi-
lidade. No campo do simbólico, estamos em cheio no registro do reversível:
digo algo hoje que posso desdizer amanhã, e mesmo voltar a afirmar o ponto
14 CAPÍTULO 5. MATEMAS

inicial no terceiro dia. Tratados simbólicos entre as nações podem ser refeitos
em momentos diferentes. Tais características de reversibilidade do simbólico e
irreversibilidade do real parecem se produzir em torno das diferentes “versões”
imaginárias. Assim, quando se afirma que o imaginário é da ordem do sentido,
é preciso entender que, quando o sentido se produz, ele se coagula imagina-
riamente e tende por isso a se cristalizar. Seu grande inimigo é o real, que,
ao se apresentar, barra suas pretensões totalitárias. A chance de o imaginá-
rio ser salvo do real avassalador é o simbólico, que lhe empresta plasticidade e
possibilidade de se reorganizar em novas versões.
Assim, a inibição é o efeito da invasão do simbólico pelo imaginário (I →
S), isto é, ela representa a redução máxima do duplo sentido ao sentido uní-
voco; o sintoma, sendo a invasão do real pelo simbólico (S → R), tem como
paradigma excelente o sintoma histérico, que subverte a anatomia e expressa
simbolicamente os dois lados (duplo sentido) do conflito neurótico: a verdade
de seu desejo inconsciente e a resistência a ele; a angústia representa a invasão
do imaginário pelo real (R → I), isto é, do sentido pelo não-sentido; o trauma
implica essa mesma forma de invasão, isto é, a irrupção do não senso radical
do real no seio da homeostase de sentido imaginário. Mas, nesse caso, trata-se
de um choque extremo, cuja força pode ser devastadora e levar a capacidade de
simbolização do sujeito a se deparar com seus limites.

5.2 Os Quatro Discursos

Discurso do Mestre Discurso do Universitário

S1 S2 S2 a

S a S1 S

Discurso da Histérica Discurso do Analista

S S1 a S

a S2 S2 S1

Discurso do Capitalista

S S2

a S1
5.2. OS QUATRO DISCURSOS 15

Discurso do Mestre Discurso do Universitário


impossibilidade
S1 S2 S2 a

S a S1 impotência S
| é iluminada pela regressão do: | é iluminada pela regressão do:

Discurso da Histérica Discurso do Analista


impossibilidade
S S1 a S

a impotência S2 S2 S1

Os lugares são:
o agente o outro
a verdade a produção

Os termos são:
S1 : o significante-mestre
S2 : o saber
S: o sujeito
a: o mais-gozar

Discurso do Mestre
impossibilidade
S1 S2

S a

Discurso do Universitário Discurso da Histérica


S2 a S S1

S1 impotência S a impotência S2

Discurso do Analista
impossibilidade
a S

S2 S1
16 CAPÍTULO 5. MATEMAS

5.3 O Grafo do Desejo


Justifica-se o uso da topologia considerando que a estrutura teórica/formal da
psicanálise deve coincidir com a estrutura téorico/formal do sujeito. Ele apre-
senta cinco dimensões desta justificativa, no caso, que a topologia:
1. ignora a forma,
2. não considera nenhuma função de tamanho ou distância mensurável,
3. permite uma relação entre o dentro e o fora,
4. subverte uma certa concepção da relação sujeito/objeto,
5. opera com invariantes (propriedades estruturais)
O desejo implica o resíduo que sobra da diferença estrutural entre neces-
sidade e demanda. O grafo do desejo é fundado na oposição necessidade -
demanda - desejo.
NECESSIDADE (objeto particular) aquém da DEMANDA (do Outro, prova
de amor, incondicionalidade) além do DESEJO (objeto a, condição absoluta,
inconsciente, diferente das vontades)
O sujeito, na direção da cura, se articula parcialmente na via do desejo por
uma via elíptica.

S S′

S ∆

A é um lugar estritamente simbólico, portanto, um lugar significante, um


lugar no sentido topológico. Quando se produz a mensagem que vem do Outro,
se produz pela pontuação (função do Outro com a qual o analista opera). A
pontuação tem estrutura simbólica, um tempo de corte e escansão, e não de
duração.
O sujeito da linguagem está em função da demanda, ou seja, com o Outro
(A) e ao menos dois significantes articulados. A diferença entre o neurotico e o
psicótico é se opera ou não com a função “além da demanda”.
O problema no campo das psicoses é que o psicótico fica preso no circuito
da demanda e não há para ele um além da demanda, ou seja, não há desejo
para ele.
5.3. O GRAFO DO DESEJO 17

O desejo é a interdição do gozo “entre linhas” (entre os patamares do grafo),


e é a Lei que funda o “entre linhas”.
Na psicose, a foraclusão cai sobre o significante do Nome do Pai, que é o
significante da lei no Outro. Já na neurose a foraclusão cai sobre o significante
do sujeito.
O Nome do Pai é o ponto de basta, que abotoa de forma estável a topologia
quaternária dos quatro pontos de cruzamento do grafo do desejo.
Há mais sujeito na psicose do que na neurose.
A estruturação do sujeito (barrado pela castração na neurose, ou não na
psicose) é a obtenção de algum estatuto simbólico, alguma satisfação, para que
o sujeito seja algo distinto do Real, do gozo.
É uma defesa contra ser objeto de uma demanda imaginária do Outro, se
perder como objeto do gozo do Outro. Quando a significação prevalece sobre a
demanda imaginária, há sujeito.
A aposta neurotica é que haja “ao menos um” que saiba lidar com a Demanda
do Outro. Então o saber vai ter um sujeito suposto, e a problemática de defesa
vai se jogar na relação de dívida do sujeito com o "ao menos um"que sabe.
Já no psicótico não tem essa barreira, e se enreda no círculo infernal da
demanda do Outro. É uma errância. Não haveria sujeito suposto saber no
psicótico.
No grafo do desejo, I(A) implica tomar como significante do Outro que, ao
isolá-lo e fazê-lo representar o Um (I), fornece ao Outro (A) a onipotência, com
a qual acreditamos que está investido quem encarna o lugar do Outro.
Se I(A) é um significante do Outro, o ideal simbólico seria lido como “Um
de (A)”. O Outro encarna o lugar da Fala e desse lugar recebe seu poder, e
há um deslocamento que é, precisamente, uma transferência do poder da Fala
para quem ocupa esse lugar, mediante o isolamento de um significante que o
transforma no Um do significante. Esta função do Um em relação com o poder
será elaborado em torno do "significante mestre".

s(A) s(A)
A

Significante Voz
eu/moi i(a)

I(A) S

No grafo do desejo, o um do Outro, I(A), funciona como inscrição da oni-


potência, em relação com o significante da falta do Outro, S( A ).
A onipotência é do Outro, não do eu.
18 CAPÍTULO 5. MATEMAS

A direção da cura implica dizer não à via da identificação; A sublimação é


a modalidade de encontrar o outro, a nova via, enquanto a idealização é a força
recalcadora da neurose.

Para Freud, a análise termina no limite da angústia de castração para o


homem e da inveja do pênis para mulher. Para Lacan, existe a possibilidade do
analisando fazer algo absolutamente novo, no além da demanda do Outro.

O falo é o significante privilegiado da marca. É privilegiado pois designa


a rede dos termos literais significantes, dando lastro na neurose, sendo marca
do significado não-unívoco que se impõe quando torna-se o falo como referente.
O significante fálico não varia com a história cronológica do sujeito, já o ideal
muda. O falo como marca literal equivale à cópula lógica. - ϕ é o falo imaginário
(negativado) tal como opera a castração. Φ é o falo simbólico (como significante)
e não opera como falta.

O inconsciente é um falar a respeito do Outro. É como Outro que o sujeito


deseja, é no lugar do Outro que se deseja. O problema do nosso desejo é que
nunca é nosso. A estrutura não é de um "eu desejo", mas sim de um "se
deseja". Daí se nasce a ficção do "eu desejo", quando o objeto vira emblema
do desprendimento da demanda do Outro no "eu o desejo".

Não há desejo independente da Demanda do Outro.

Qual a ficção do desejo do analista? O analista terá que suportar que o


sujeito o coloque como desejante a respeito dele como objeto, daí Lacan intro-
duz o fantasma como suporte do desejo, que será a forma de elaborar desta
obscuridade que é a demanda do Outro.

Função do fantasma: sustentar que a clínica da pergunta é a prática analítica


da neurose, a clínica do desejo. Clínica suportada pela pergunta, pergunta
estruturada pelo fantasma.

É justamente onde se manifesta a falta da existência ao sujeito que o sujeito


se sustenta. A pergunta: sou aí onde me pergunto quem sou.

Mas onde se constitui o fantasma que sustenta o sujeito? Do lado do sujeito


ou do lado do Outro?
5.3. O GRAFO DO DESEJO 19

Chè vuoi?

d
(S♢a)

s(A) s(A)
A

m i(a)

I(A) S

A pergunta se formula no Outro, ninguém sabe da índole de seu fantasma


se não o faz com o Outro.
Se cada vez que enunciamos uma demanda se produz o além da demanda, o
sujeito requer uma palavra que o tire dessa dialética, mas o desejo não é senão
a impossibilidade dessa fala. Ao tentar fazer S2 resgatar o efeito de S1 , irá
apenas cavar o abismo entre ambos.
S é a indicação da inexistência de uma palavra que apague o efeito da
palavra no sujeito falante.
Quando se estabelece a função do Outro (A) não estamos diante da trans-
ferência, mas da sugestão. Transferência (sem. 11) significa a manobra que do
lugar do Outro (A) é feita para produzir a atualização em ato da realidade do
inconsciente enquanto sexual.
A frustração prevalece sobre a gratificação porquê abre o caminho de saída
possível da captura no campo do Outro. Trata-se de fazer com que o objeto se
veja determinado pelo desejo (lembrar que a demanda anula o objeto particular
da necessidade, produzindo assim o objeto causa do desejo).
O sujeito não pode ver, por ser estruturalmente velada, que o eu não é o eu,
que o desejo não é "eu desejo x"do fantasma e também não vê que a dialética
do desejo e do fantasma determina a do eu e a imagem do outro.
Outro existe como inconsciência e concerne ao desejo na medida do que lhe
falta e do que não sabe, mas isso é o que mais instiga meu desejo, por isso meu
desejo não é pura referência a um objeto. A , o Outro, como aquilo que não
atinjo.
O fantasma é a estrutura que dá suporte ao desejo. A fantasia é a montagem
do simbólico e do imaginário que contorna o fantasma. A pulsão é o mais
consciente do fantasma.
O que sustenta o desejo é o fantasma, não o objeto. O sujeito se sustenta
como desejante em relação a um conjunto significante cada vez mais complexo,
como o falo sendo o indexador da diferença ao longo desta cadeia.
20 CAPÍTULO 5. MATEMAS

(S♢D)
S(A) (S♢D)
Gozo Castração

(S♢a) d

s(A) s(A)
A

Significante Voz
m i(a)

I(A) S

O vínculo humano se dá por sugestão (imaginária) ou transferência (simbó-


lico).

Sugestão será o efeito da palavra que recebe o sujeito de qualquer semelhança


(pequeno outro) elevado à função de Outro (A), isso também é reconhecimento,
e é condição evidente para entrada em análise.

Transferência será a colocação em ato da realidade do inconsciente sendo


esta real. Para haver transferência, o analista precisa localizar-se "entre as
duas cadeias"do grafo, não satisfazendo a demanda.

A pulsão é para o instinto como o aparelho é para o corpo biológico.

O Outro não entra na pura pulsão, mas sim no enodamento da pulsão com
o desejo e o amor.

No grafo, saímos do Outro (A) e fechamos o circuito em S( A ) só pela via


da pulsão S losango D.

A cada vez que uma certa satisfação pulsional seja proibido ao sujeito S
pelo Outro (A), será inevitável que a proibição se localize no sujeito como gozo.

Não há sujeito sem Outro. Não há Outro do Outro, mas sim o Outro
do sujeito. A identidade A = A é interditada no simbólico. O complexo de
castração é a marca da interdição sobre o gozo infinito. Sempre que o gozo
se articula ao desejo, o falo lhe dará corpo mediante a parte "sacrificada"na
castração, se o gozo não se articula ao desejo, o que lhe dará corpo será a zona
erógena.
5.4. ESQUEMA R 21

5.4 Esquema R

φ i M
S a
I

R
m

a′ A
I P

5.5 Esquema I
M
r
eu
at
re

a
C

(s’adresse à nous)
le

i jouissance transsexualiste
ar
p

de
er

la
b
im creatu

m
to
a ge

S
e

is

Φ0
la
re

I R P0
creatur le
l a pa
re
u

ro
t

s
éa

de
cr
la

I
e

où se maintient le créé
d

a′
r
tu

(aime sa femme)
fu

5.6 Esquema L
O esquema L, introduzido por Lacan na última parte do seminário sobre “O eu
na teoria e na técnica da psicanálise”, visa distinguir o imaginário do simbólico
e indicar que a presença de um terceiro (eixo simbólico) - o Outro - se situa para
além da relação entre eu e o outro (eixo imaginário), e aponta para a dimensão
do sujeito do inconsciente. Nesse esquema, depreendemos alguns pontos teóricos
essenciais: a direção da seta que vem do Outro na direção do sujeito mostra
que este é produzido pelo discurso do Outro, o que inclui seu desejo, amor e
gozo; o eu (a), imagem corporal constituída originalmente a partir do estádio
do espelho, se constitui a partir da imagem do semelhante (a′ ), mas sempre
pela intervenção do simbólico (A) - a criança só manifesta a reação de júbilo
22 CAPÍTULO 5. MATEMAS

correspondente à assunção da imago após o assentimento simbólico vindo do


Outro (o adulto que a acompanha na aventura do estádio do espelho ratifica a
percepção de sua imagem especular).
(Es) S a ′ outro

a
ri
á
in
ag
im
ão

in
ç
la

c on
re

sc
ie
nt
e

(eu) a A Outro
Este esquema é retomado no início do Seminário seguinte, “As Psicoses”,
na medida em que uma de suas primeiras aplicações foi de fato compreender
a função do imaginário na estabilização das psicoses. Nele se veem dois eixos
distintos: o eixo do imaginário, eixo da comunicação e do sentido, que liga o
eu ao outro; e o eixo do simbólico, que une o sujeito ao grande Outro, eixo da
mensagem subjetiva singular e da evocação do inconsciente.

5.7 Fórmulas da Sexuação

∃x Φx ∃x Φx
∀x Φx ∀x Φx
S S(A)

a La
Φ
Capítulo 6

Momento de não concluir

A meta da psicanálise é que o sujeito obtenha uma certa margem


de liberdade em relação ao lugar que ocupou como objeto do desejo como
desejo do Outro. O desejo de analista busca a diferença absoluta que permita a
separação do sujeito na experiência. Este desejo permite ao analisando aceder ao
limite em que pode aparecer um amor não submetido ao regime da lei instaurada
pelo significante do Nome do Pai e da metáfora paterna, mas submetido ao
regime do encontro contingente.
A noção de inconsciente não deveria servir jamais para que eu me esconda.
É necessário dar uma volta a mais, topologicamente falando. Esta liberdade
não é mais sobre saber mais de mim mesmo (já que o inconsciente é uma função
operante, e não um balde a ser esvaziado, com um dentro e um fora), mas sobre
o reconhecimento das minhas determinações.
A psicanalista Silvia Amigo formulou a ideia de “fracasso da fantasia” para
disciplinar, lacanianamente, o que seria um estado-limite (já que os pacientes
borderlines fizeram os analistas enxergarem-nos como neuroticos com núcleos
psicóticos e comportamentos perversos, ou seja, jogando fora a ideia de estrutura
psíquica). Um paciente borderline sofreria de um “fracasso” na entrada em
sua fantasia (AMIGO, 2008). Se há fracasso da fantasia, é porque haveriam
sucessos. Entendo isso como uma brecha para normatização.
Cada sujeito fracassa de forma singular em sua entrada na fantasia.
Uma análise pode promover um ambiente para assumir este fracasso singular e
manejá-lo, o sujeito tocar sua vida, dentro da liberdade das determinações do
sujeito ali constituído.

23
24 CAPÍTULO 6. MOMENTO DE NÃO CONCLUIR
Referências

AMIGO, S. Clínica dos Fracassos da Fantasia. Rio de Janeiro: Cia de Freud,


2008.
BALINT, M. Changing therapeutical aims and techniques in psycho-analysis.
International Journal of Psycho-Analysis, Institute of Psychoanalysis (Bri-
tish), v. 31, p. 117–124, 1950.
BALINT, M. New beginning and the paranoid and the depressive syndro-
mes. International Journal of Psycho-Analysis, Institute of Psychoanaly-
sis (British), v. 33, p. 214–224, 1952.
FREUD, S. Análise terminável e interminável. In: FREUD (1937-1939) - Obras
completas Volume 19. São Paulo: Companhia das Letras, 2018[1937]. v. 19,
p. 58–96.
FREUD, S. Sobre a concepção das afasias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2014[1891].
LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998[1966].
LACAN, J. O Seminário, livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1995[1956-7].
LECLAIRE, S. Desmascarar o real. Lisboa: Assírio Alvim, 1977.
POMMIER, G. O desenlace de uma análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1990.

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26 REFERÊNCIAS

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