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Joao Fragoso e Manolo Florentino O arcaismo como projeto Mercado atlantico, sociedade agréria ¢ elite mercantil em uma eco 5 colonial tardia 5 = Rio deJanciro,c.1790-c18 | EES. = 5 4 edigio revista eampliada, ©, See i si! 2g Sees 5 = r= g & Fee ey é32 4 225 q ewnuesgTo a wi Rio de Janeiro Es ob gfe g SEs 8 ass 5 aEE Gi J0KO FRAGOSO E MANOLO FLORENTINE nha heterogénea. Entretanto, sem um maior aprofundamento, © continente negro aparece como portador de uma oferta elas. tica e pouco custosa de forga de trabalho, cuja realizagdo por intermédio do tréfico permitiria 4 empresa escravista adotar uma 6gica microecondmica bastante rentivel e reificadora.” Outro ponto comum, apenas insinuado por Caio Prado e Furtado, mas firmemente explicitado por Novais e Gorender, refere-se ao carter metropolitano dos negécios negreiros, que se estruturariam e funcionariam em prol do capital comercial eutopen. A reprodusio fisica dos cativos — e, pois, a do pro prio sistema escravista brasileiro — seria externa & formagio colonial, néo apenas porque viria de fora dela o agente produ- tivo maior (o escravo), mas também e sobretudo porque seriam externos 08 recursos € as fragdes econdmicas viabilizadoras do comércio de almas.* Eis aqui uma conseqléncia légica em mo- delos que assumem serem os plantadores 0 pélo hegeménico da sociedade colonial, com 2 mais completa atrofia dos setores mercantis ali presentes. Mesmo quando se aponta para a possi- bilidade de parcos niveis de acumulagées enddgenss, exclui-se ‘© setor mercantil colonial. Do ponto de vista te6rico, a necessi- dade estrutural de financiamento exterior, sobretudo no que se refere ao trafico, impossibilitaria pensar na existéncia de uma verdadeira sociedade escravista no Brasil. Além disso, Gorender observa que, em termos macroeconémicos, a reprodugio exter- na da escravidio funcionaria como um potente mecanismo de desacumulagio, com profundas e negativas conseqliéncias para © desenvolvimento do Brasil. Por tudo isso nao chega a sur- preender que, aos defensores da especificidade do modo de FR, op. ct, pp, 133-137, | , 208 © 214; ef tb. NOVAIS, op. cit, pp. 104-105, | SGORENDER, op. cit, p. 544 40 © ARCAISMO Como PROJEFO produgio escravista na América, Joio Manuel Cardoso de Mello, dando como certo que 0 trafico atlantico se tratasse de uma empresa constituida e subordinada ao capital mercantil metro- politano, pergunte: (..) que modo de produgio ¢ este que no se reproduz finter- namente]...? EM BUSCA DE UMA NOVA ABORDAGEM Seguindo os passos de Caio Prado, Novais e Ciro Cardoso, cre- mos que compreender a instauragio da economia colonial passe necessariamente por entender a economia e sociedade lusitanas do Antigo Regime. Afinal, a Colénia resultou da expansio metropolitana, ¢ a estruturagio de seu sistema produtivo obe- decen as vicissitudes do projeto portugués de colonizagio. Urge, pois, ao menos esbogar os tragos gerais da peculiar estrutura portuguesa moderna, no intento de encontrar as raizes da for- magio colonial brasileira. Se tomarmos o século XVIII lusitano, observaremos o am- plo dominio de estruturas agrérias tradicicnais, configurando, ‘em principio, a tipica paisagem do Antigo Regime: a aristocra- cia controlava, direta ou indiretamente, metade das terras e seus pares eclesidsticos cerca de 30%.” A cidade nio se desenvolvia, travada pelo predominio de atividades eminentemente mercan- tis ¢ administrativas. A inddstria era sinénimo de produgéo IMELLO, Joio MC, de. Ocapitaismo tanto, So Paulo, Braslense, 1982, pa SGODINHO, Vitotino M, Estrutura da antiga sociedade portuguesa, Lise } boa, Aredia, 1975, pp. 85-93. a jokor artesanal assentaca em pequenas e médias oficinas, sendo ex- cegio a manufatura mais complexa.™ Para sermos mais exatos, o arcaismo dessa estrutura era tio radical que chegava a diferir até mesmo dos padrées cléssicos gne marcavam as sociedades do Antigo Regime. Por exemplo: durante 0 século XVI, 0 panorama agricola era de atrofia tecnolégica ¢ demografica, estimando-se que 0 campesinato somasse apenas 1/3 da populagio — dado estranho até mesmo as cconomias de tipo antigo. Em contrapartida, os segmentos formados pelo clero (no século XVI havia um membro da Igreja para cada grupo de 36 habitantes), fidalgos e mercadores abar- cavam outro tergo, cabendo a parcela restante a attifices, tra- balhadores manuais, marinheiros, pescadores, servidores e ocicsos."* Podem-se questionar estes niimeros, mas o fato € que a agri- cultura era incapaz de prover os recursos necessérios a manuten- do da sociedade, tendéncia que se agravava desde muito. Se até 0 século XIV a importacio de alimentos era episddica, ocorren- do epenas em épocas de escassez, no século XVII importava-se de 15% a 18% dos cereais consumidos." Simultaneamente, a agricultara exportadora expandia-se, centrada sobretudo em vi- nhas ¢ oliveiras — por volta da época da Restauracio, os cereais ocupavam 900 mil hectares contra os 600 mil dos cultivos des- tinados a venda no exterior.” MEALCON, Francisco J. C. A dpoca pornbalina, Sia Panlo, Atica, 1982, p. 263, SGODINHO, op. cit, p. 104 SGODINHO, Vitorino M, Ensaios I. Lisboa, $4 da Costa, 1978, p. 27, HANSON, Carl A. Economia e sociedade no Portugal barroco, Lisboa, D Quixote, 1986, p. 222, © ARCAISMo como PROJETO A colonizacio ultramarina transformou-se em precondigio para a perpetuagio dessa estrutura, Como resposta inicial as dificuldades de uma sociedade aristocratica abalada pela crise do século XIV e a necessidade de afirmagio de um jovem Esta- do nacional, a Expanséo Maritima e a ultericr colonizagio ame- ricana modificariam a antiga sociedade e economia lusitanas para preservé-las no tempo. Fis o papel da transferéncia da ren- da colonial para a Metr6pole: a manutenga de uma estrutura parasitéria, consubstanciada em elementos como a hipertrofia do Estado; a hegemonia dos Grandes da aristocracia que, ta ou indiretamente, viviam dos recursos de Ultramar; e 0 sus- tento de categorias sociais como o fidalgo-mercador € de sua contrapartida, © mercador-fidalgo."* ‘Ao longo dos séculos XIV e XV, a sociedade lusa testemu- nharia uma série de fendmenos que nfo apenas condicionariam a sua historia, mas também a da futura América portuguesa. Durante a baixa Idade Média, a nobreza portuguesa se multi- plicaria. Entretanto, o crescimento das cidades (leia-se comér- cio mercadores) e o fim da Reconquista cristi no século XUL, conjugados aos efeitos da crise do século XIV (rarefagio de mio- de-obra e queda das receitas senhoriais), criariam um novo ce- nario para a nobreza — caracterizade pela ameaga de diminuicio de seus privilégios e de seu predominio social, Como tentativa de reverter tal quadro (que, afinal, era tam- bém europen), eclodiram as guerras de 1367-70, 1372-73 e 1381-83 contra Castelo” e, fora da pentnsula, reiteraram-se conflitos como a guerra dos Cem Anos ¢ adas Duas Rosas na NGODINHO, Estruturany op. city p. 115; BOXER, Charles R. O império colonial portuguts, 1415-1825. Lisbos, Edigbes 70, 1981, pp. 303-323 Sobre 0 tema ver MATTOSO, J. Histria de Portgul — A 2monanguia fee del, Lisboa, Earp, a. pp. 491-493, J0A0 FRAGOSS E MANOLO FLORENTING Inglaterra quatrocentista.” Outro aspecto desse mesmo cené- rio eram as continuas desordens politicas e a tensio social. Para Portugal, semelhante quadro seria acrescido por mais um. ingrediente: a formagio do Estado nacional sob a égide da jovem dinastia de Avis (1383-85), sempre prestes a sucumbir a Castela, um vizinho bem mais poderoso, Era este o contexto que permite entender a evolugio do expansionismo Inso. Em face do perigo representado por uma fidalguia ociosa — 0 que aumentava as ‘tensdes internas ¢ levava a incursdes aventurciras no pais vizinho, arevelia do rei—, D. Joao optou por Ceuta. A expedigao de 1415 representava a possibilidade de direcionar para o Marrocos a aris- tocracia em crise, garantindo assim a estabilidade social interna e posterganido os problemas com Castela. Mais do que isto, esta expedigio foi levada a cabo em nome da monarquia, o que refor- ava a autoridade de Bl Rey.* Comegava a desenhar-se uma pi tica para a qual a expanséo para além-mar surgia como possibilidade de fortalecer © Estado e afirmar a nova dinastia. O reino percebia-se como uma ilha, caja condigio de sobre vivéncia, em fungio de sua debilidade no tabuleiro politico e econémico enropeu, dependia da neutralidade, virando as cos- tas para a Europa ¢ voltando-se para 0 occano — i.e., para 0 Marrocos ¢ para o Atlantico. Mas mesmo no norte africano as coisas no foram faceis. Os continuos reveses no Marrocos leva- riari a Coroa a resignar-se ao custeio da expansio comercial, & colonizagio de espagos vazios e A dominagio de redes comerciais. Daf termos, em 1439, o inicio da formagio do senhorio insular — constituido inicialmente pelo arquipélago dos Agores — do infante D. Henrique. Tratava-se de concessio dada pelo seu ir- “STHOMAZ, Lois, De Cute a Timor. Lisboa, Dit, 1994, p. 27. ‘dem, pp. 39, $7 97 “idem, pp. $9 e 81 ae O ARCAISMO come PROJE-O mao e regente D. Pedro, com a qual pretendia afastar o Navega- dor do Marrocos. Na mesma época, os dois irméos enviavam caravelas para as costas africanas com intuitos mercantis. Em 1448, comecava-se a assistir & complementaridade eco- nOmica entre as diferentes pegas do nascente sistema: os escra- vos apresados na Berbéria trabalhavam nas plantagées de agiicar da Madeira; o trigo produzido nas ills do Atintico era tro- cado pelo ouro do Sudo; e especiarias como o agiicar eram ne- gociadas na Europa. No mesmo ano proibia-se 0 corso ao sul do Bojador, 0 que significava a vit6ria do comércio. Por essa €poca as iniciativas comerciais dos infantes se faziam acompa- har cada vex mais de perto pelos grupos mercantis e pela fidalguia. Ja no reinado de D. Joao II dava-se a instalagao do Castelo de Sao Jorge de Mina, por meio do qual a Coroa con- trolava sobretudo o comércio de ouro e de escravos africanos, Na segunda metade do século XV tornou-se claro que a neu- tralidade portuguesa na Europa era elemento indissoliivel da ordenagao de seu império ultramarino. Igualmente, o Ultramar surgia como base do Estado nacional constituido & sombra da realeza e que, 20 mesmo tempo, se afirmava a custa da aristo- cracia, embora garantindo-the os meios de sustento.** © Estado portugués de fins do século XV ocupava um espago privilegiado na atividade comercial, como armador, mercador, explorando monopélios ete. Nao surpreende que, em 1506, 65% de suas receitas se originassem desses tratos, e que doze anos de- pois a percentage subisse para 68%. Passados cem anos, 0 qua- dro pouco se modificaria, ¢ em 1607 © 1619 os ganhos provenientes do comércio ¢ do Ultramar somavam mais de 70% das receitas da Coroa, quando 0 comércio interno € as rendas “dem, pp. 126, 125 € 147, JOA0 FRAGOSO & MANOLO FLORENTING funcdiéries no chegavam a 1/4, Em suma, se em principios do século XVI cerca de 2/3 da renda estatal provinham do trafico maritimo, tal perfil ainda vigia durante a segunda metade do sé culo XVIIL Se estes niimeros mostram que © Antigo Regime portugués dependia, direta e indiretamente, do império comercial, 20 demostrarem que o Estado nfo se nutria da renda fundidria cles também insinuam que esta continnava a transferir-se para a aristo- ‘racia ¢ para o clero, reforgando a agricultura tradicional.“ Mas a existincia do império nfo significava, para as principais casas se- nhoriais, apenas a possibilidade de apropriar-se de uma parcela ‘maicr da renda agriia. Afinal, Portugal era um pats deterras pobres, —ice, onde a renda fundidria era por definigio escassa. Logo, por intermédio da Coroa os grandes fidalgos recebiam do Ultramar parte significativa dos seus ganhos. E o que sugere, por exemplo, as rubricas das despesas do reino em 1607, Nesse ano, a Coroa des- pendia 562:030$941 réis para sustento da aristocracia, em gastos como tengas (pensdes dadas por servigos prestados), moradias (tencas de valor variado usufrufdas por nobres), ordenados e ju- ros." A soma destes gastos representava cerca de 40% de todas as receitas da Coroa, alcangando 52% das provenientes do além-mar. CE Apéndice §, GODINHO, Enseias.., op. ct, pp. 87-72 “Cl, PEDREIRA Jorge M. ¥ Estrutera industrial mercado colonial — Por ‘tngol ¢ Brasil (1780-1530). Lisbos, Difl, 1994, passim. GODINHO, Ensaiosu. op. cit, p. 71. Para o entendimento das tenga, moradias, rdenados ¢ jos, ver SERRAO, Joel. Fameno dieiondro de his. tiria de Portugo. Lisboa, Figneirnhas, 1987, “Para vin quadro, no século XY, de dependéncia econ6mica da grande no brezaIusa em face das benesses fomnecidas pela Coroa, ef PEREIRA, J. C."A renda de una grande casa seahorial de quinhentos" in: Actas das primenas jarnadas de biséria modem Lisboa, Centco de Histérin da Universidade de Lsboa, 1986, vol. , pp. 789-819 Por meio do sistema de mercés as rendas ultramarinas re- forcavam o carater corporativo da monarquia portuguesa, “cujos encargos correspondem basicamente a estrutura feu- dal-corporativa do beneficio”.”” O sistema de mercés, surgi- do em meio as guerras de Reconquista contra os mugulmanos, previa que o rei concedesse sobretudo A aristocracia terras € privilégios (arrecadagio dos dircitos régios) em recompensa por servigos prestados.* Por meio deste sistema a Coroa con- tinnamente criava e recriava uma hierarquia social fortemente desigual, baseada em privilégios."' Em 1434, a Lei Mental re- gulou essas doagdes. Entre outros aspectos, estabeleciam-se mecanismos de transmiss4o generacional dos bens da Coroa em uma mesma casa aristocrética, poderdo as doagées s rem retiradas pelo rei — o que se observou, por exemplo, em meados do século XVII. Uma das conseqiiéncias dessas pr: ticas foi a formagio de uma aristocracia constitufda nio tan- to por grandes proprietérios, como na Inglaterra e Franga, ‘mas principalmente por beneficisrios dos favores reai tre 1750 © 1792, por exemplo, trinta das 52. casas da alta WHIESPANHIA, A. M.A fazonda”, sn: HESPANHA, A. M. (coord). Hist ade Portugal — Antigo Regimo, Lshos, Estampa, 1993, p. 228 "NETO, M. Sobral. ‘A persisténcia senhorial", in: MAGALHAES, J. R (coord.). Historia de Portugal — No alvorecer da moderuidade. Lisboa, Ed. Bstumps, 1993, p. 16: 58 posavel que, para o melhor entendimento das meteésdistribuidas pelo Rei, sa il a nogdo de “economia do Dom”, de Marcel Mauss Sociologia # antrepologia. Sto Pano, EPU, 1974). O movimento de dae pressupae re- cxber e retribuite, desse modo, se estabelecem relapSessociis euja marca € 0 desequilbrio ea dopendéneia. ortanto, os privilégiosconcedidos permitiam, 4 Coroa estabelecer vinculos de subordinacie com a aristocracia , conse _ghentemente,ensejavam 0 fortalecimento da autoridade rel. P 0 deste conceito na andlise do Antigo Repime perragats, ver XAVIER, A. &c HESPANHIA, A. M. “As redes de clientelaces", n: HESPANHA, op. cit, pp. 382-386. JOO FRAGOSO E MANOLO FLORENTING nobreza do pais tinham mais de 50% dos seus rendimentos retiredos dos bens concedidos pela Coroa.# ‘No Portugal do Antigo Regime, em especial depois da Res- tauragio de 1640, a aristocracia se identificava com os servigos A monarquia Tratar-se-ia de uma elite cortesi que monopoli- zava os principais cargos e oficios no pago, no exército e nas col6rias. Como remuneragio, recebia novas concessdes régias, que poderiam ser acumuladas ou adquirir a forma de novos ser- vicos, como a administragao de mais bens da Coroa ou de pos- tos de maior prestigio® Outra forma de remuneracio de servigos era a concessio de postes da administracio real no ambito do Império. Foi o que fez D. Joao Ill a D. Francisco Rolim, o qual, em dificuldades finan- ceiras na metr6pole, recebeu o posto de capitic-mor na India Alifs, é no Estado da {ndia onde mais claramente se nota 0 alcan- ce ulramarino do medieval sistema de distribuigao de beneficios. ‘Ali os portugueses nao mudaram as estruturas produtivas preetistentes, contentando-se com 0 domfnio sobre certos cireui- tos do comércio. Calcado nesses eixos, 0 sistema econémico da Asia portuguesa sustentava-se no comércio € na redistribuigio. A Coroa concedia postos administrativos ¢ militares que proporcio- navam, além dos vencimentos, privilégios mercantis, viagens ma- ritimas em regime de exclusividade ou de isengio de taxas e as “liberdades da India” — ou seja, 0 dircito de transportar gratuita- mente, nas embarcagées reais, mercadorias em regime privado.** MONTEIRO, N. Gongsla, “Poder senhoral, esaturo nobilifrguiso ari ‘peracia’ in: HESPANHA, op. cit, pp. 333-370. SMONTEIRO, N, Gongala, O crepivculo dos grandes (1750-1832). Lis- toa, Imprensa Nacional da Casa da Moeds, 1998, pp. 227-234 e 503-511. MMAGALHAES, JR, "A Sociedade”, in: MAGALHAES, JR. (coord), His- Brit 09. City p. ADD STHOMAZ, op. cit, pp. 271 « 430. © ARcATsMo como PRoJETO ‘As mercés eram concedidas de acordo com dois critérios: posigio social do postulante ao beneffcio e a importéncia dos servigos prestados. Na {ndia combinavam-se as mercés com pra- ticas mercantis ¢, de acordo a Subrahmanyam, 0 comércio rea- lizado por funcionérios era uma constante na histéria da presenga portuguesa.* Portanto, nfo se estranha que, no sécu- lo XVII, os capities de Malaca chegassem a se utilizar de sua posigéo para criar monopélios comerciais de curta duragio.” Através do sistema de mercés no além-mar e na propria ad- ministragio do Império somos remetidos & categoria de “fidal- go-mercador”, Desde muito a historiografia portuguesa a emproga para tentar explicar a preservagio da estrutura social aristocratica no pais. No inicio da década de 1990, Thomaz agregaria outros aspectos referentes a ela. Segundo ele, o prin- cipal veiculo do comércio ultramarino do século XV a meados do século XVII nao era a burguesia, mas sim o préprio Estado, sendo os seus agentes majoritariamente os pequenos nobres.* Os segmentos de origem aristocratica que, por faléncia de suas casas ou transformagio em segunddes — preteridos pelo siste- ma de heranga imposto pela Lei Mental‘ —, se viam desem- pregados no reino, percebiam no servigo das Conquistas a possibilidade de recuperar o status perdido. Assim, por meio da categoria fidalgo-mercador podem-se apreender movimentos de SUBRAHIMANYAM, S. O iimpéro astico portuzats, 1500-1700. Lisboa, Dife, sp. 326; of th. THOMAZ, op. cit, p. 31. STHOMAZ, op. cit, pp. 567-590. CE RAU, Virginia. Estudos sobre a histéria econtmica e socal do Antigo Regime. Lisboa, Ed. Presenga, 1984; € GODINEO, Esiratura... op. cit, patsim. STHOMAZ, op. cit, p. 153. “por esta lel apenas 0 fill ease velho herdava os direitos de sua casa aristo exttiea. Joo FRAGOSO £ MANOLO FLORENTINO setores da aristocracia que enriqueciam no Ultramar para am- pliar efou manter terras, rendas ¢ prestigio na metrépole. Por meio de fortunas assim acumuladas, familias fidalgas institufam ou ampliaram morgados em Portugal. So exemplos desse mo- vimento os Albuquerque ¢ os Saldanha, titulares, respectivamen- te, no governo da fndia ¢ de Angola/Rio de Janeiro, além do caso de Duarte Sodré Pereira, antigo governador de Pernam- buco. Observe-se que a concessio de postos e privilégios no Ultra- mar nao era um beneficio concedido apenas aos diferentes es- tratos da aristocracia, estendendo-se a antigos soldados ou pessoas de origem plebéia. Da mesma maneira que os fidalgos, estes também vislumbravam em tais fungdes a possibilidade de enriquecer. Se sobrevivesse as. campanhas militares e misérias do Oriente, por exemplo, um soldado podia solicitar a0 rei pen- s6es ou recompensas. Uma ver que a Coroa decidisse ser ele digno de recompensa, esta em geral assumia a forma de doa- ‘gdes de cargos (capitio de fortaleza, escrivéo da fazenda real etc.), de concessses de viagem comercial ou ainda de um posto ‘em aguma obscura feitoria. Na maioria dos casos as doagées assumiam a forma de serventia por trés anos ¢, por serem freqlentes, muitas vezes faziam os pretendentes esperarem dé- cadas at€ ocupar o posto almejado, Em determinadas circuns- tincias, tais beneficios reais podiam ser doados e mesmo vendidos a terceiros. WSilva, M. J. ©. Fidelgos-mercadores no stoulo XVI. Lisbos, Imprensa Na- sional, 1952; MAGALHAES, J.R, *A sociedade", in: MAGALHAES, J. R. (coord), Historia. 0p. cit, pp. 487-507 pe 285 Em resumo, a Expansio Maritima serviu ao fortalecimen- to da autoridade estatal. A aristocracia fundiéria em crise, per- mitiu contrabalangar a queda das rendas agrfcolas derivada da depressio agraria ¢, posteriormente, fazer frente continua po- ‘reza do Reino.* Por fim, para os demais grupos sociais 0 Im- pério aparecia como a possibilidade de enriquecimento e melhoria de status, ° a atividade agricola por si s6 no podia manter a dominagio aristocritica. Logo, a participacio direta ou indireta dessa fra- sao na exploragio do comércio ultramarino ja tinha deixado de ser eventual para se transformar em condigio sine qua non para sua sobrevivéncia. A redefinigao da acumulagio mercantil como elemento de sustentagio da posigéo aristocratica tradu- zia-se, igualmente, numa politica contréria & constituigao de companhias monopolisticas mercantis que pudessem fortalecer as posisdes dos grandes comerciantes. Havia ainda uma alian- ‘60 tacita entre os fidalgos e o pequeno comércio, no sentido de prevenir o crescimento dos grandes mercadores e, pois, contré- ria 4 modernizagao que eles porventura pudessem implementar. Fenémeno desse tipo pode ter estado, por exemplo, na base do sculo XVIIL assistiu A sedimentagio desse quadro, quando ‘Um exemplo das seculares dificuldades agririas de Portugal em meio & Eu- ropa Modetna pode ser ilusteado pelo século XVI que teve como uma ea racteratca a continua alta das pregos de cereais. Considerando o custo dos ‘grios — entze 1501-1520, igual a 100 —, motarse-ia até 1500 a seguinte ‘evoluso dos pregos para diferentes partes da Europa: a Inglaterra ele subi tia para 425; na Espanha (Castela Novae Valéneia, para 376; ena Franca, para 651 (KRIEDTE, Peter. Feudaliona tard y ecpital mercantil.Barcslo- 13, Grialbo, 1985, p. 67) Em Portugal, al rendénca ina adquiir a forma de catistofe social, em fongio da pobrena de suas tercas. Tendo por base as vvendas do igo de Sio Miguel (Agores) em Lisboa observarse que até 1594 (1515=100) 0 sew prego aumeataria para 880 — SODINHO, VM. Intro- gio a bistrie econbmica. Lisboa, Horizonte, sd, p. 17; i i JoA0 FRAGOSO £ MANOLO FLORENTINE fiasco da Companhia Geral do Comércio do Brasil, em mea- dos do século XVIL* Enfim, prevaleciam valores nio-capitalistas, para os quais ascender na hierarquia social necessariamente implicava tornar- se membro da aristocracia, Daf a grande propensio dos meios mercantis & aristocratizagio, a canalizagio e esterilizagéo de vultosos recursos adquiridos na esfera mercantil para ativida- des de cnnho senhorial.#* Daf também poder-se assumir que “atraso” portugués, em pleno século XVIII, nfo se constituisse em mero anacronismo, fruto de uma putativa incapacidade de acompanhar 0 destino manifesto capitalista europeu; a0 con- trério, 0 arcaismo era, isto sim, um verdadeiro projeto social, cujaviabilizagao dependia, no fundamental, da apropriagio das rendas coloniais. As tentativas de modernizagio assentadas na manufatura, ocorridas no Setecentos € no Citocentos, somente surgiram em meio a conjunturas nas quais a reprodugio desse tipo de projeto se via ameagadas uma vez passado o perigo, 0 ideal arcaico retornou com forga total. © capital mercantil portugués deve ser tomado como um dos exemplos mais radicais do modelo de circulagio cuja repro- dugio se baseia naquilo que Marx chama de “lucro sobre a ali- enagéo”: comprar barato para vender caro é a lei e, por isso, 0 monopétio € 0 seu veiculo.7 Com uma diferenga fundamental “CE GODINHO, Eserucur D. “Teagos gerais do sistem de earseterizagio, 1475-1 Lisboa, dy p- 964. SGODINHO, Estutura.. ap. ct, p.103; SMITH, David G. “Old Christian Merchants and the Foundation of tae Company, 1649", in: Hispanic American: Review, 1974, $4, 2, p. 259; RAL, op. cit, pp: 2935 SGODINHO, Eserucera... op. cit, capttalo V. MARX, Karl. El capita. México DF, Fondo de Csltura Econdmica, 1975, wl. 3, pp. 318-319, op. cit pp. 89-93; € ALMEIDA, José R. C. de comércio portagués no Atlintico — Esbogo 50", im: Primeiras jornadas de historia moderna, 52 em relagio, por exemplo, a estrutura do capital mercantil in- glés, holandés e mesmo francés da Epoca Moderna: a ativida- de comercial lusitana tinha por fim iiltimo a permanéncia de uma sociedade arcaica, nfo chegando a assumir os contornos revoluciondrios que desempenhava em outros pafses. Logo, a esterilizagéo dos recursos apropriados na esfera colonial acaba~ vva por ser tio volumosa que a capacidade de financiar até mes- mo as atividades essenciais & sua reprodugio parasitiria (navios, armazenamento, seguros etc.) se tornava limitada, Por certo, a recente historiografia portuguesa destaca que, na segunda metade do século XVIII, tal cendrio comegaria a mudar.* ‘Teriamos entio 0 fortalecimento de um grupoempresarial burgués eo crescimento da produgao manufatureira, Contudo, mesmo esse ‘rescimento se faria tendo como pano de fundo o Tmpério, princi- palmente o mercado comprador brasileiro e a arrematagio de impostos. A “burguesia® criada sob os auspicios de Pombal nijo chegou a controlar 0 comércio ultramarino — sua forga bascava- se principalmente nos contratos do Estado. Ademais, como essa mesma historiografia demonstra, uma vez passados os efeitos conjunturais das guerras napoleénicas, quando se observou certa exforia pelas mercadorias coloniais comercializadas por Portugal, a década de 1820 caracterizou-se pela perda dos entrepostos de Lisboa ¢ do Porto. Uma das conseqiéncias da concorréncia estran- geira foi a queda das exportagdes portuguesase, com ela, definhou- se 0 setor chave da primeira “revolugio industrial” lusa. Indiistria nascente, os téxteis de algodio foram atingidos em cheio, mal sobrevivendo nas décadas seguintes® “Aer, entre outros, ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império. Lise boa, Aftontamento, 1993; PEDREIRA, op. cit, tem especial, ALEXANDRE, op. cit, parte Vi, em expecial p. 792. 83 Joho FRAGOSO E MANOLO FLORETING ‘As novidades “burguesas” do século XVIII no se assentaram ‘em mudangas estruturais como, por exemplo, a formagio de um mercado interno capaz. de sustentar uma crescente produgio in- dustrial. Nao se criaram as condigdes econémicas necessérias para que as exportagdes manufaturciras portuguesas pudessem con- correr com a de outros paises europeus no mercado brasileiro depcis de 1808, ¢ muito menos depois de 1820. Por tudo isso, 0 capital mercantil metropolitano voltava-se quase que integral- mente para a apropriagio do resultado final da atividade econd- mica colonial — ou seja, 0 sobretraballio dos eativos contido no fluxo comercial entre Brasil e Portugal. Tal sitaacéo constitui, em si mesma, a primeira varidvel que ajudava a modelar a economia colonial. Em face de um projeto colonizador que prescindia de uma burguesia metropolitana forte, era teoricamente facil A eco- nomia colonial adquirir certa antonomia, desde que fosse capaz de reproduzir seus fatores constitutivos. De acordo com os modelos explicativos vistos, tais fatores redvndariam em uma agricultura extensiva, cujareiteragio tem- poral dependeria, sobretudo, da existéncia de uma oferta elis- tica de homens, terras ¢ alimentos. Assim combinados, eles se adequariam in totum a um quadro geral caracterizado por bai- os niveis de capitalizagio ¢ técnicas agricolas rudimentares. Contudo, assumindo que as terras se constitufssem efetivamente ‘em recursos abertos, verifica-se que alimentos € cativos se inse- riam no processo de reprodugio da agroexportacio por meio do mercado, Em outras palavras: a estrutura de produgio co- lonial gerava seus mercados de homens ¢ alimentos, o que, por suave7, viebilizava a aparigio de circuitos internos de acumula- ao para além das trocas com a Europa. © estudo do caso do Rio de Janeiro demonstrara que a re- produgio da economia colonial tardia se dava em meio a um © ARCATSMo COMO PROVETO ‘mercado colonial e atlantico de natureza nao-capitalista. A mao- de-obra cativa era produzida na Africa, por mecanismos nao- econémicos, e tinha por fundamento a montagem e/ou consolidagao de hierarquias sociais internas ao continente ne- ‘gro. Por estar calcada na violéncia, tal produgio implicava a apropriagio de trabalho social alheio, o que, por seu turno, re- dundava em baixos pregos da mercadoria humana. A isto se agregava a existéncia, no proprio espago colonial, de um am- plo mosaico de formas de produgio nfo capitalistas — que se utilizavam do trabalho escravo, da peonagem, do camponés etc. —, geradoras de uma oferta de alimentos ¢ de insumos bésicos a baixos custos. Homens ¢ alimentos constituiam duas das principais varid- veis do que aqui designamos mercado atlantic. Se a elas agre- garmos a estratégia pragmati apropriagio dos resultados finais da exploragio colonial —, es- taremos diante das precondigées fundamentais para a emergén- cia e posterior hegemonia do capital mereantil da Colénia. © quatro esbogado, ao afirmar-se em meio a uma fragil di- visio social do trabalho, implicava uma débil circulagio de nu- a da Metropole — cingida & merario ¢ bens, 0 que, por sua vez, redundava na rarefagio dos mecanismos de crédito. Estava dado o contexto inicial para a preeminéncia do capital mercantil residente, que, 20 deter a liquidez do sistema, controlava os mecanismos de financiamento ¢, pois, a prépria reprodugao da economia. Acrescente-se, por fim, que os baixos custos mediante os quais essa economia se reiterava ensejavam a esterilizagio de parcelas expressivas do sobretrabalho social — sob diversas formas (entesouramento, gastos conspicuos, etc.). Jé se vera no ter sido gratuito que os grandes comerciantes (os negociantes de grosso trato) constituis- sem a verdadeira elite colonial JOA0 FRAGOSO € MANOLO FLONEKTING ‘Uma economia assim estruturada, marcada pelo controle in- terno de fatores baratos de produgio, desfrutava uma relativa ‘autonomia em face das fluuagées do mercado internacional. Logo ‘que ¢ estudo do easo do Rio de Janeiro permita constatar tal au- ‘tonomia, poderemos redefinir os pressupostos da propria insergio da formagio colonial ao mercado exterior. Em suma, seremos obtigados a indagar acerca dos objetivos mais profundos que re- geriam a reprodugio dessa estrutura relativamente autOnoma, 0 ponto de vista assumido por este trabalho é 0 de que, para além das fragées dominantes coloniais, a consecugio do projeto colotizador, mais do que criar um sistema monocullfor ¢ exporta- dor, visava a reproduzir em continuidade (j.e., 0 tenrpo) uma hi- cerarquia altamente diferenciada. Por se tratar de estratificagio assentada no escravismo, sua viabilizagio tinha por pressuposto a propria reprodugio das relagGes de poder: afinal, eram mecanis- ‘mos extra-econémicos 0s vetores que impeliam 0 cativo ao traba- tho. A consequéncia mais palpavel desse contexto seria a necessidade da permanente reprodugio ampliada da empresa escravista, Por ter como fundamento a continua recriagéo da diferenciagio soci- al, ela ndo poderia estar completamente & mercé das futuagées do ‘mercado internacional; caso contririo, a cada fase B cortesponderia uma verdadeira revolugao nas relagGes sociais vigentes. Daf a in- cessante busca da empresa por expandir-se também em meio as con- junturas desfavordveis — seja incrementando o volume da produgio, seja pela adogio de novos produtos. Desse movimento dependia a manutencéo do poder das elites coloniais. Buscamos aferie as idéias até aqui expostas sobretudo median- te omanejo de documentagio cartoréria manuscrita propicia & quantificagao. Na medida em que este tipo de material inexistia, ou que a reflexio nio demandasse medigio, langamos mio de ‘manuscritos de natureza qualitativa. Tanto em um caso quan- to no outro, procuramos complementar a andlise por meio de fontes primarias impressas e de trabalhos de segunda mio. Por sua estrutura interna — de formato praticamente inva- Fiével no tempo —, pela abrangéncia das informagies que se reiteram e que permitem a abordagem econémico-social e, em particular, por abarcarem uma quantidade impar de agentes socioeconémicos, privilegiamos o trabalho com quatro gran- des corpus documentais relativos 20 Rio de Janeiro: as listagens de entradas de navios no porto carioca, impressas ou manus- critas; os cédices de entradas e saidas de tropeiros na Corte; os inventitios post-mortem e as escrituras piblicas de compra e venda. Com 0 primeiro estabelecemos as flutwagées do comércio atlantico entre a Africa ¢ 0 porto do Rio de Janeiro. Trata-se de procedimento importante, pois a posigo de grande centro redistribuidor de méo-de-obra, desfrutada pelo porto carioca, permitiu tomar os movimentos de expansio e retracio das im- portagées de negros como sélidos indices das fluruages da eco- nomia do Sudeste colonial tardio, sobretudo de seu micleo dindmico — o préprio Rio de Janeiro. Temos, ainda, as séries de entradas de navios com géneros para o abastecimento ¢ a ex- portagio, Todo esse material permitiu aprofundar questées tam- ‘bem importantes como os perfis de concentracio dos negécios © amontagem da geografia do comércio para o Rio de Janeiro. “Também langamos mao dos registros de saidas de tropas com escravos do mercado carioca para diversas regides interioranas, A estrutura dessa documentagao ensejou a abordagem dos pa- drdes de redistribuigao (seja do ponto de vista das fluruagdes 87 J0A0 FRAGOSO E MANOLO FLORENTING do mercado interno de cativos, seja em termos empresariais) € os niveis de concentracio do mercado de escravos. ‘Outro importante corpo documental é formado por cer- ‘ca de mil inventirios post-nsortem. Trata-se de uma fonte ho- mogénea, maciga ¢ reiterativa no tempo, logo, propicia & quaniificagao. Ela ensejou a aferigio de questées fundamen- tais, em particular aquelas relativas 4 hierarquizagio € 4 com- posigio das fortunas escravistas, além da montagem do perfil da propria economia da praga do Rio de Janeiro. Os inven- ‘tirios de alguns dos mais importantes negociantes cariocas possibilitaram o estabelecimento do padrao das fortunas dos grandes empresirios, o qual pode ser comparado ao perfil geral das fortunas cariocas, também montado a partir de in- ventirios. © quarto mais importante corpo documental quantificavel 6 formado por aproximadamente § mil escrituras piblicas de compra ¢ venda, encontradas no acervo do Arquivo Nacional (RJ). Sao registros de parte substantiva das operagées mercan- tis ocorridas no Rio de Janciro entre a dltima década do século XVIII e as duas primeiras do seguinte, as quais se prestaram a diversas abordagens. Com esse material buscou-se obter 0 perfil do mercado em movimento, 0 que foi feito por meio da agre- .gacdo das diversas transagbes em grandes setores. Posteriormente analisou-se 0 peso de cada um desses setores, tanto pela freqhén- cia de escrituras quanto do valor manejado. Este procedimento ensejou a detecgio daqueles ramos ligados as atividades rentistas ¢ especulativas enquanto os que mais mobilizavam os agentes ecorémicos ¢ 0s valores transacionados. Por outro lado, 0 crn- zamento entre este material ¢ as faixas de fortunas estabelecidas a partir dos inventarios post-mortem possibilitou medir o nivel de concentragio do mercado. ‘Todo esse conjunto de fontes quantificaveis foi utiizado jun to a documentos priméios de natureza qualitativa. Referimo- nos a correspondéncias oficiais, alvaris, decretos e Ordens Régias em geral, Gragas Honorificas, crdnicas manuscritas impressas, além de memérias e reflexes dos agentes coevos. ‘Merece particular destaque o levantamento e anilise de todo 0 acervo da Junta do Comércio, no Arquivo Nacional, entre 1808 ea década de 1830. Composto pelos mais diversos tipos de Processos comerciais, correspondéncias mercantis, portarias e balangos de pagamentos, esse acervo permitiu-nos abordar té- picos da maior importancia, como os méveis da hegemonia do capital comercial do Rio de Janeiro em diversos ramos da cir- culagio e a rentabilidade da empresa negreira. 39 movimentos intimamente ligados: a mudanga nas formas de acamulagio, culminando com a hegemonia de uma comuni- dade de comerciantes de grosso trato como elite econémica da regido tratada; € a transformagao do Rio na principal praga ‘mercantil do AtKintico Sul, tendo a seu redor circuitos mercan- tis que abrigavam o comércio de importagio-exportagao, 0s negécios de redistribuicao de produtos estrangeiros (europeus, africanos e asifiticas) no Brasil e o comércio colonial interno do Sudeste-Sul coloniais. ‘A pRODUGAO Entre 1790 ¢ 1840, a economia fluminense esteve amplamente atrelada a algumas das caracterfsticas estruturais destacadas por nossos classicos. O trabalho escravo dominava 0 campo e as ci- dades, com a maioria dos cativos concentrando-se no meio tu- ral, sobretudo nas grandes unidades acucareiras em plena expansio. Os engenhos disseminavam-se por toda a regio, es- pecialmente pelo norte fluminense, ¢ até a década de 1830 cons- titafam 08 maiores elos com o mercado internacional (a partir dai a cafeicultura tendeu a suplantar © agticar na panta de ex- portagoes). Ao seu lado encontravam-se intimeros pequenos € médios estabelecimentos dedicados & agricultura de alimentos, também escravista, Nas plantations, nas propriedades voltadas para o abastecimento e mesmo nas cidades, a reproducio fi da escravaria eferuava-se basicamente por meio do trafico atlan- tico. ‘A propriedade escrava encontrava-se disseminada por toda a capitania e por todos os estratos sociais livres — nunca me- nos de 85% dos inventariados das cidades e do agro possufam (i7s0-e07) (1780-1007) (T8N0-1H5) (1210-1895) Prooretrios Esoravat Propretirbe Esctavos © ARCAIsMo como PRovETe cativos. Mesmo levando em consideragio os problemas metodolégicos inerentes ao estudo de fortmnas a partir de in- ventarios post-mortem — que no abarcariam a totalidade dos agentes socioecondmicos, pois nem todos os falecidos tinham bens a inventariar —, era indubitSvel o contexto marcadamente escravista. GRAFICO 1; Flutuagdes (6) da estrutura de posse de escravos entre os pequenos (1 a 9), médios (10 a 19) grandes plantéis (+ 20), agro do Rio de Janeiro, 1790-1835 ° 0 2 0 © © o 0 © 0 10 * Erocvones Cmedios WH crancos FONTE: Aptndice E, Essa dilatada disseminagio no encobria a enorme concen- tragio dos cativos em poucas mios, Atendc-se somente as pro- priedades rurais, o Grafico 1 indica que, durante os vinte anos @ 1oA0 FRAGOSC | MANOLO FLORENTING anteriores a chegada da Corte lisboeta, metade dos proprietirios de escravos do agro fluminense eram peqnenos produtores — na verdade, quase um terco deles eram camponeses escravistas abas- tados, possidares de cinco a nove cativos. ‘Tratava-se de pessoas vinculadas & produgio de alimentos, seja para as grandes fazen- das, sea para niicleos urbanos como a cidade do Rio de Janeiro. Deis em cada dez estabelecimentos eram plantations e estabeleci- rmentos a elas ligados na condigio de fornecedores de cana (gros- s0 modo, o conjunto das propriedades que possuriam mais de vinte cativos).. Antes de 1808, era alto 0 nivel de concentragio da eseravaria: enquanto as grandes propriedades detinham pon- co mais da metade dos cativos, metade das unidades produti- vas possaia apenas dois entre cada dez escravos. Isso reforga nio apenas a idéia da existéncia de grandes propriedades ex- portadoras de base escravista, mas também sua continuidade ne tempo. Tal perfil se exacerbou por meio da aceleragio do trifico, subseqitente a abertura dos portos ao comércio inter- nacional. Estes dados ensejam algamas conclusGes. Em primeiro lugar, jase disse, a propriedade escrava era altamente, ‘disseminada pelo tecido social, sindnimo aqui de que camadas variadas da popu- lagio se encontravam compronetidas com a escravidao, indepen- dentemente da extensio de suas posses. Mas o alto grau de concentragéo da propriedade escrava nos coloca nao apenas di- ante de uma sociedade possuidora de escravos, mas sobretudo ante ‘uma sociedade escravista, definida como aquela na qual o prin- pal objetivo da renda extraida ao escravo 6 a reiteragio da di- ferenga socioeconémica entre a elite escravocrata e todos os outros homens livres."* io de area de produgio para o mercado interna- cional pode ser aferida a partir das exportag6es de agiicar branco entre 1796 ¢ 1811: do porto do Rio safa 1/3 das ex- portagdes coloniais do produto, o que o tornava o principal plo exportador da Colénia. Entre 1796 e 1807, antes por- tanto da invasio de Portugal por tropas de Junot, cabia a0 Rio a preponderancia tanto das importagdes como das ex- portagdes. Comparado Bahia dessa época, o Rio detinha 38% das importagGes brasileiras e 34% das exportagées glo- bais (aquela regido registrava, respectivamente, 27% e 26%). Naeescala requerida pelas empresas escravistas fluminenses, areprodusio dos cativos dependia do trifico negreiro. Do pon- to de vista demogréfico, o perfil sexo-etétio da escravaria do Rio assumia um cardter claramente recessivo. Tanto antes quanto depois da abertura dos portos coloniais, o predomi- nio dos adultos era absoluto: eles nunca perfaziam menos da metade de todos escravos, e seu niimero chegavaaser trés vezes maior que 0 dos infantes (que representavam apenas dois ou trés em cada dez escravos). Além disso, poucos cativos alcan- gavam a faixa de mais de quarenta anos de idade, A quanti- dade de escravos superava a de escravas em todos os grandes grupos etérios, sobretudo entre os adultos (vejam-se os grafi- cos 2€ 3). “CE. FINLEY, Moses I. Esoravido antiga tdeologia moderna, Rio de Janei- +0, Graal, 1991, pp. 64-85, MARRUDA, José J. de A. O Brasil no comércio celonial, Sia Paulo, Ati, 1980, pp. 136, 134-155, 200 FRAGOSO E MANOLO FLORENTINE GRAFICO 2: Disteibuigéo (por mil), dos grandes grupos etitios ¢ sexuais escravos dos meios rural e urbano do Rio de Janeiro, 1790-1807 mais do40 anos 48240 anos oats anos 400-300-200 1000100200 300400 Pleveuce Cleviouts fl ticanes E atearas FONTE: ARQUIVO NACIONAL. Inventitios post-mortem (1790-1807). Supondo que essa populagio dependesse apenas de si para a realizagio de sua reproducio fisica e que, além disso, houves- se um equilibrio entre os sexos em todas as faixas etarias, ainda assim ela no conseguiria repor-se adequadamente. Situagio que, incependentemente dos nfveis de manumissées, era agravada pela alta mortalidade, visto serem poucos os individuos a al- cangar mais de quarenta anos. Daf se infere uma populagio rumo ao declinio rapido e marcante, tendéncia que, ao se per petmar, redundaria em declinio absoluto. Contudo, 0s dados dis- poniveis acerca da evolugéo da populagio eserava fluminense ‘mestram ter ela crescido em termos absohutos entre a iiltima dé- cada do século XVIII ¢ a Independéncia: 82.448 cativos em 1789, 150.549, 34 anos depois. © ARCAISMO COMO PROJETO GRAFICO 3: Distribuigo (por mi), dos grandes grapos etdtios e sexuais escravos dos meios rural e urbano do Rio de Janeiro, 1810-32 mals de 40 anos 1a40arcs Dattanes 400 300-200-1000) 400200900400 Doculos Oroulas MAKIcenos GAicanas FONTE: ARQUIVO NACIONAL. Inventitios post-mertom (1810-32). A resposta para esse aparente paradoxo é cue 0 Rio de Janeiro contava com um flaxo externo ¢ continuo de mao-de-obra que repunha sua escravaria. A esse respeito, os graficos 2 ¢ 3 so con- clusivos, indicando ter sido 0 trafico atlantico a variével respon- sivel pelos desequilibrios estruturais que tomnavam recessivo o perfil demogritico dos cativos ¢, simultaneamente, o fator de reversio dessa tendéncia. Eles mostram que os africanos representavam_ 2/3 dos escravos com mais de 14 anos de idade, e que as mulheres nascidas na Africa alcangavam a mesma proporgio entre as escra- vas de sexo feminino acima desta idade; os homens africanos re- resentavam 80% dos cativos do sexo masculino adultos ¢ idosos, Joo FRAGOSO € MANOLO FLORENTING ‘Com que conjuntura internacional defrontou-se essa economia entre 1790 ¢ 1830? Do ponto de vista do mercado internacional, o periodo em questo situava-se em um ciclo Kondratieff extensivo a 1792+ 1850. Nele, a fase A (de crescimento) abarcava ointervalo 1792- 1815, marcado pelas Guerras Napolednicas ¢ 0 Bloqueio Continental. Tanto na Inglaterra quanto na Franga intensifica- ram-se a concentracio urbana ¢ as mudangas no padrio de vida, nas atividades industriais e agricolas, além da ampliagio das tro- casinternacionais. A fase B (de depressio), por sua vez, envolveu ‘0s anos 1816-1850, caracterizados pela crise de transformagao da indGstria e pelo desenvolvimento do capitalismo pa trimonial-industrial na Frangas pelas dificuldades do carro-chefe da Revolusao Industrial inglesa — o setor téxtil —, das quais derivou a reorientacéo dos investimentos para novos ramos, ‘como as estradas de ferro e a construgio naval; e pelo incre- mento da penetragio do capital britanico nas Américas € india. Para Portugal, desde 1810 a crise se evidenciaria com forga por meio da queda geral dos pregos.” Respondendo a essas determinagSes exteriores, as exporta- ées globais do Rio de Janeiro cafram 1896 anualmente entre 17199 ¢ 1811. Resultado natural, dado que, no mesmo interva- Jo, os pregos internacionais do agticar despencaram em quase 6% ao ano, 20 mesmo tempo em que o volume do produto ex- portado retraiu-se em cerca de 23%. A combinagio desses dois fatores determinou a queda das receitas em 20% ao ano. Trata- vva-se de uma crise profunda e prolongada, ¢ 03 dados coligidos por W, \W. Posthumus indicam terem os pregos do agticar em Ams- MAURO, Frederic. A expansdo européia, 1600-1870. Sto jonciraEdusp, 1980, p. 274. Tider, asl on © ARcAlsNo como Pnosero terda caido a uma média anual de 11% entre 1813 e 1819 — para 1821-31 tal queda situava-se em torno de 3% ao ano.* O mesmo panorama recessivo pode ser detectado com relagio aos pregos externos do café para 1821-1833, perfodo em que caf- ram cerca de 7,5% ao ano. Havia, portanto, a mais perfeita congruéacia entre o pano- rama externo e algumas caracteristicas da economia fluminense, Se remetermos esse quadro geral & apreciagio dos classicos modelos de explicagao da economia colonial, deveremos espe- rar amais completa débacle da estrutura produtiva fluminense, pois, de acordo com tais modelos, esta diltma nao possuiria flutuages proprias. Contudo, os dados de que dispomos apontam para um sen- tido contrério & recessio generalizada. Se antes se viu que a agroexportagio fluminense crescia rapidamente desde o timo quarto do século XVIUI, tal tendéncia se manteve até pelo me- nos 1830: dos 324 engenhos e propriedades a eles ligadas no norte fluminense em 1800, passou-se para quatrocentos em. 1810, e para setecentos em 1828. O Oitocentos assistiu ainda ao crescimento da cultura cafeeira na provincia, com o que, em determinadas éreas, a populagao passou de 292 habitantes, em 1789, para 15.700 em 1840 — um crescimento de 5.300%! As exportagdes de café passaram de 160 arrobas, em 1792, para 318.032 em 1817, 539.000 em 1820, 1.304.450 em 1826, 1,958,925 em 1830 e 3.237.190 em 1835. Durante os anos 20 € 30, tal crescimento ocorreu em meio a uma conjuntura de fla- grante retracdo dos pregos internacionais do café. Mas, que- “SPOSTHUMUS, W. We Inquire into the Price in Holland, Leiden, ES. Beil, 1343, passim. ‘CLEVELAND, op. cit, p: 22 JoAo FRAGOSO & MANOLO FLORENTINO dz de cerca de 7% anuais detectada para o intervalo de 1821- 1836, corresponden um aumento do volume da producio ex- portavel de cerca de 4% ao ano. Por certo, a expansio da agroindéstria agucareira ¢ do café foi a grande responsivel pelo incremento dos nfveis de concen- tracio da propriedade escrava ulterior & chegada da familia real. A partir de entio, as plantations, que detinham pouco mais da ‘metade dos cativos, passaram a concentrar 3/4 dos mesmos. Se a este dado agregarmos a informacio de que os grandes plantadores passaram de 20% dos proprietérios inventariados para 1/3 dos mesmos, nio poderemos deixar de concluir que a plantation e suas fornecedoras cresceram fisicamente, i. ¢., mul- tiplicando-se espacialmente € concentrando um nimero cada vez maior de catives (veja-se 0 Grafico 1). ‘A Corte também ctescia. Se entre 1760 e 1780 sua popula- fo aumentou 29%, tal indice foi ainda maior entre 1799 ¢ 1821 (160%). Tomando-se a provincia como um todo, nota- se que sua populagio passou de 168.849 habitantes, em 1789, para $91,000 em 1830 — um crescimento de 250%, Naquele ano conviviam na cidade do Rio de Janeiro 16.807 escravos, que representavam 43% da populacéo nrbana global. Ainda com relagio aos escravos, nio é impossivel que eles representassem 57% da populago da Corte em 1834." Consoante essa expansio geral tanto da populagio quanto da agrocxportagio fluminense, detecta-se 0 incremento da im- portagio de géneros coloniais para o abastecimento desses dois, nicleos de demanda, Assim, as entradas de naus provenientes de outros portos brasileiros registram que as exportagSes de *KARASCH, Mary C. Slave Life in Rio de Jansiro, 1808-1850, Princeton, Princeron University Press, 1987, p. 6. Nometo de Eeravos charque do Rio Grande do Sul para o porto carioca cresceram 249% entre 1799 ¢ 1822. Com relagio & farinha de mandioca (produzida em diversas zonas, desde o sul da Bahia até Santa Catarina), 0 aumento foi de 307% para o mesmo periodo. Res- salte-se que charque ¢ farinha eram componentes basicos da dieta das camadas populares livres e dos escravos. Temos ainda o enorme incremento das entradas de africa- nos através do porto carioca. De 1790 a 1830, atracaram mais de 1,500 negreiros, cnjas entradas eresceram a uma média anu- al de cerca de 596. Traduzidas em escravos, elas significaram a importagio de cerca de 700 mil escravos (cf. Grafico 4). Acei- tando-se que o Brasil tenha importado 3,6 milhdes de africa- nos entre os séculos XVI e XIX, os 41 anos de importagées cariocas representam cerca de 1/5 dos desembarques de 350 anos! GRAFICO 4: Flutuagées dos desembarques de escravos provenientes da Atriea no porto do Rio Jancico, 1790-1830 1790 ERERZ S22 222 22283822 FONTE: FLORENTINO, Manolo. Em costas negrat: "ma bist6ria do tbfico de escravos entre a Africa @ a Rio de Janciea (séculos XVIII e XIX). Sto Panlo, ‘Companhia das Lets, 1997, p. SI 1830 J0K0 FRAGOSO € MANOLO FLORENTINE Todos esses dados demonstram cabalmente a capacidade de a economia colonial crescer mesmo na fase B internacio- nal. Isso por si s6 seria suficiente para detectar certa autono- mia de seus movimentos frente aos do mercado externo. Uma prova final de que essa economia tinha flutuagSes préprias é que, mesmo quando as exportagdes retrocediam, nem todas as principais variaveis da economia colonial assumiam seme- Thante tendéncia, Assim, se 6 corto que, entre 1799 ¢ 1811, as receitas das exportagées portuarias cariocas cafram em apro- ximadamente 18% ao ano, no mesmo intervalo os desembar- ques de africanos cresceram 0,4% ao ano. Ao longo desse intervalo, além disso, as receitas provenientes das entradas de naus com charque e farinha cresceram, respectivamente, 496 € 10% anualmente. ACIRCULAGAO De acordo com Fernando Novais, co superivit portugués expressava um efetivo ganho de mono- pélio, pois fundava-se sobre a diferenga dos pregos (baixos) desses produtos nas coldnias, e (altos) nos mercades interna- cionais. (..) No perfodo analisado [1796-1807], € em fungao da exportagio dos produtos brasileiros que 0 comércio por- tugués consegue ser superavitério; noutros termos, € porque © comércio colonial portugués é defictatio que seu comércio exterior € superavitério.* SNOVAIS, op. cit, p- 293 2 ARCAISMo COMO PROIETO ‘Nesta passagem, segundo Valentim Alexandre, o historia- dor paulista expressa um dos fundamentos do proprio Sistema Colonial: 0 acimulo de déficits por parte da Metr6pole portu- guesa nas sas relagdes comerciais com o Brasil para, posterior- mente, transformé-lo em superdvit na revenda dos produtos coloniais no mercado internacional. Mas, para Alexandre, 0 cenrio das relagdes comerciais entre Portugal e 0 Brasil na pas- sagem do século XVIII para o século XIX seria marcado por tendéncias exatamente opostas: Lisboa acumularia superdvits, ainda mais potencializados com a reexportacio dos produtos coloniais no mercado internacional O movimento que leva- ria Alexandre a proceder tal inversio seria a consideragio, den- tre os bens importados por Lisboa ao Brasil, do particular papel dos metais preciosos enquanto meios universais de pagamen- tos. Os metais seriam, para o ps resultante do comércio dos restantes produtos.* vendedor, uma forma de financiamento do déficie © ouro amoedado, em particular, serviria, portanto, para saldar as reiteradas perdas coloniais para com a Metrépole nes- Levado as diltimas conseqiéncias, tal raciocinio retorna, de certo modo, aos postulados de Fernando Novais e, no limite, implica a débacle da economia colonial. Em se tratando de “ALEXANDRE, op. cit, cap. 1. Sider, p. 63 areada, embora constando entre 08 autores criticados por Alexandre, afc- ma que oouree wotada pelo Rio de Janeiro cra “pincipalments, de res: sa de moeda metal para 08 particulares do Reino a fim de remunerar as importagies de mercadoris feitas pelos comersiantes do Rio de Janciro™ op. cit, p. 157

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