Você está na página 1de 5
Consultor Juridico conjurcombr PRATICA TRABALHISTA Assédio moral contra as mulheres no meio ambiente de trabalho 5 de agosto de 2021, 10h44 Por Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes De acordo com as pesquisas, as mulheres sofrem mais assédio moral que os homens no ambiente laboral [1]. E, segundo os dados, 76% das trabalhadoras relatam ja terem sido vitimas de violéncia e assédio no trabalho, Mas o que seria 0 assédio moral? Registrem-se abaixo as palavras do procurador do trabalho Henrique Correa [2] "(..) O assédio moral é a conduta reiterada no sentido de desgastar 0 equilibrio emocional do sujeito passivo, seja por meio de atos, palavras, gestos, que vise o enfraquecimento da vitima ou ao seu desequilibrio emocional, O assédio moral pode ser dividido em: 1) Assédio moral vertical: é aquele que ocorre em relagao de hierarquia. Pode ser descendente, da chefia em diregdo aa chefiado, ou dio ascendente, do chefiado em relacao a chefia. 2) As: moral horizontal: verifica-se quando hd tentativa de desequilibrio emocional oriundo de colegas em relagao a outro colegas. 3) Assédio moral organizacional ou straining: ocorre quando todos os trabathadores da empresa séio vitimas de terror psicolégico com ameacas de sofrer castigos caso metas de producéo néo sejam atingidas”. Dito isso, impende frisar que recentemente foi sancionada a Lei 14.188/21, que criou o tipo penal de violéncia psicolégica contra a mulher, com pena de reclusao de seis meses a dois anos, além de multa, De acordo com a nova lei, o Cédigo Penal sofreu alteragdes, sendo inserido o artigo 147-B, © qual passu a dispor o seguinte: "Causar dano emocional a mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas agées, comportamentos, crengas e decisées, mediante ameaga, constrangimento, humilhacdo, manipulagdo, isolamento, chantagem, ridicularizagdo, limitagao do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuizo @ sua satde psicolégica e autodeterminagao". Frisa-se, por oportuno, que, inobstante a recente alteraco legislativa, existe o Projeto de Lei n® 1.521, de 2019, em tramite na Comissdo de Constituigao ¢ Justiga do Senado, para tipificar o assédio moral. Atualmente, o projeto encontra-se aguardando designagao do relator [3]. Vale destacar ainda que 0 Ministério Pablico do Trabalho dispde de uma cartilha sobre a violéncia contra as mulheres no trabalho [4]. Esse documento tem por objetivo elucidar concepgées referentes a violéncia contra a mulher, e que podem ter consequéncias ambiente de trabalho. A referida cartilha preceitua que o assédio moral no trabalho "consiste em condutas abusivas, reiteradas e sistemdticas, manifestadas por meio de comportamentos, palavras, gestos e agressées leves, que interferem na dignidade humana e direitos fundamentais das vitimas (liberdade, igualdade e direitos de personalidade de outrem), por meio da humilhacdo e constrangimento, e que resulta em prejuizo as oportunidades na relagdo de emprego ou na expulsdo da vitima de seu ambiente de trabalho". De outro norte, o Comité Permanente pela Promogao da Igualdade de Género ¢ Raga do Senado Federal também aborda a tematica em uma cartilha [5], assim como o Conselho cional do Ministério Pablico [6]. Observa-se, portanto, que o assédio moral é caracterizado por condutas repetitivas no meio ambiente do trabalho que ofendam a dignidade da pessoa humana, causando angistia e padecimento. Se é verdade que 0 assédio moral pode ocorrer do empregador para o empregado, de igual modo, este pode acontecer entre os préprios colaboradores. E cedigo que as mulheres enfrentam mais dificuldades quando assunto é o assédio moral — até porque so, na pritica, as maiores vitimas no ambiente de trabalho — situagdo essa resultante de sua vulnerabilidade. Decerto, a mulher, além de ter de lidar, muitas vezes, com o preconceito, ainda enfrenta inameros desafios, tais como: diferenga salarial em relagao aos homens; falta de oportunidades para o crescimento profissional e as miiltiplas jornadas decorrentes do trabalho — afazeres dom icos e filhos, dada a cultura machista arraigada em nossa sociedade. Entrementes, outro ponto que gera a desigualdade, ¢, de igual sorte, inseguranga a mulher, se refere 4 maternidade. E, diante de tal contexto, identifi se com certa frequéncia, infelizmente, a ocorréncia do assédio moral contra a mulher no ambiente de trabalho, sendo que, alias, na maioria das vezes, tal conduta nao é punida, e nem sempre ¢ perceptivel. Citem-se aqui alguns exemplos de assédio moral contra as mulheres: impossibilitar ou punir as gestantes de comparecer em consultas médicas; exigir que nao engravidem; desvalorizar, de forma sumiria, suas opinides técnicas nas dreas de conhecimento que atuam; desmoralizar a mulher na frente de outros trabalhadores homens; ignorar a presenga feminina; dispender tratamento desrespeitoso ¢ humilhante em razo do sexo; criar constrangimento ¢/ou exposigao da intimidade, entre outros. Alguns dos principais motivos para que essas condutas nao sejam penalizadas, ou, pior, para que ndo cheguem ao conhecimento dos responsaveis (quando praticados entre os colaboradores), esto relacionados ao medo da mulher de ser desligada da empresa, ou até mesmo por receio de que as suas dentincias sejam desvirtuadas. Portanto, a empresa tem o dever ¢ a obrigagao de combater 0 assédio moral no ambiente de trabalho, Nesse prumo, 0 artigo 932, inciso III, do Cédigo Civil [7] trata da responsabilidade objetiva do empregador, pela reparagao civil, por atos praticados pelos seus empregados. Alias, a conduta de assédio moral, além de poder configurar dano moral propriamente dito, ensejando inclus ive o pagamento de uma indenizagao, ainda pode acarretar na rescisiio indireta do contrato de trabalho, conforme ja se pronunciou 0 Tribunal Superior do Trabalho [8]. Uma das formas de combate as condutas assediadoras seria estabelecer politicas preventivas e corporativas, com a instauragao de procedimentos de seguranga transparéncia, e que garantam acima de tudo a denunciante que a sua denincia nao ird Ihe causar uma represilia. Nesse desiderato, ac s eficaz, com critérios previamente estabelecidos, além de trazer tranquilidade, encoraja em igual sentido a mulher a romper 0 siléncio. Outra forma de lutar contra o assédio moral seria a implementagdo de uma rede de apoio as mulheres, com profissionais especializados, garantindo a saiide fisica e mental da trabalhadora, acolhendo-a, visando a superar a violéncia sofrida para que resgate a sua autoestima. De modo semelhante, medidas outras podem ser adotadas pela empresa a exemplo de treinamentos corporativos explicativos, de modo que é fundamental que a empresa invista em politicas de igualdade entre homens e mulheres. E certo que, se nado houver um tratamento preventivo e de orientago quanto as atividades toxicas no ambiente laboral, dificilmente o cenario ira se alterar, tendo em vista que, muitas vezes, as condutas sao praticadas em virtude dos conceitos culturais e estruturais outrora resultados de uma sociedade patriarcal. Em arremate, verifica-se que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres t&m raizes histéricas e, portanto, é necessdria uma mudanga, tanto na forma de pensar, quanto na forma de agir das empresas, para romper os padrées de séculos atras, ¢ que nao podem mais continuar. [1] Disponivel em hey brasileiras-ja-sofreram-violencia~ ies.agenciapatriciagalvao.org,br/violencia-em-dados/76-das- assedio-no-trabalho/ . Acesso em 02.08.2021. [2] Correa, Henrique. Curso de Direito do Trabalho — Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 1134, [3] Disponivel em https://www25,senado.leg, br/web/atividade/materias/-/materia/135758 -Acesso em 02.08.2021. 03.08.2021. [7] Artigo 932. Sao também responsaveis pela reparagdo civil: (...). III - 0 empregador ou comitente, por seus empregados, servigais e prepostos, no exercicio do trabalho que Ihes competir, ou em raziio dele; [8] RR-1592-09.2012.5.09.0673, 6* Turma, relator ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 13/12/2019. Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comité Técnico da Revista Sintese Trabalhista e Previdencidria, coordenador Académico do projeto “Pratica Trabalhista” (Revista Consultor Juridico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na area juridica trabalhista com foco nas empresas, escritérios de advocacia ¢ entidades de classe, ¢ membro pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporaneo do Trabalho ¢ da Seguridade Social da Universidade de Sao Paulo (Getrab-USP). Leandro Bocchi de Moraes é pés-graduado /ato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pés-graduado Jato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiga Desportiva da Federagao Paulista de Jud6, membro da Comissao Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP ¢ pesquisador do Nucleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de So Paulo - NTADT/USP. Revista Consultor Juridico, 5 de agosto de 2021, 10h44

Você também pode gostar