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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

Centro de Ensino à Distância (CED)

Licenciatura em Ensino de História – 2º ano

Cód: 708214244.

Trabalho de Didactica de História I.

Tema:

 Epistemologia da historia e didáctica de história: O sujeito e objecto de estudo


da História; Relação do sujeito e objetivo da história na produção de
Conhecimento; A verdade Histórica.

Discente: Docente:

Amélia Amade Ferreira do Rosário Dr. Celso Queha

Quelimane

2022
Índice
Resumo..............................................................................................................................3

Introdução..........................................................................................................................4

Objectivos da pesquisa...................................................................................................4

Metodologia de pesquisa...............................................................................................5

Estrutura do trabalho......................................................................................................5

Epistemologia da historia e didáctica de história..............................................................6

Da epistemologia à identidade histórica........................................................................6

Da Consciência Histórica ao Humanismo tolerante e cívico.........................................7

Da Função Social da História às implicações didáticas.................................................8

O sujeito e objecto de estudo da História........................................................................10

Os sujeitos da história e a produção das fontes...........................................................10

Sujeitos, objectos da história.......................................................................................11

Verdade histórica.............................................................................................................12

Referências bibliográficas...............................................................................................15

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Resumo
A articulação entre investigação e produção científica na área da História e os
programas escolares ocupa os debates internacionais. A importância concedida pelos
decisores educativos às ciências da educação reforçou a transversalidade dos saberes em
detrimento das especificidades epistemológicas. A divisão tradicional entre saber e
saber-fazer sai fragilizado, e a luta pela inscrição de uma didática ancorada no saber
disciplinar percorre um caminho nem sempre facilitado. A maturidade hoje assumida
pela Educação Histórica leva-nos de regresso à epistemologia do saber histórico,
assumida como a melhor estratégia para levar o aluno a aprender segundo regras
específicas da construção desse saber, transformando-o, pelo conhecimento adquirido,
num verdadeiro utilizador do passado para uma efetiva intervenção cívica no presente.

Palavras chaves: Epistemologia. História. Sujeito. Objectivo.

Abstract

The articulation between research and scientific production in the field of History and
educational programmes, occupies the international debates. The importance given to
the sciences of education by educational deciders have reinforced crosscut knowledge
over epistemological specificities. The traditional division between theoretical and
empirical knowledge becomes more fragile and the struggle for the inscription of a
didactics anchored in the disciplinary knowledge conducts a path that not always is
made easier. The maturity assumed nowadays by Historical Education, takes us back to
the epistemology of the historical knowledge, assumed as the best strategy to make the
student learn according to specific rules in that construction of knowledge and
transforming him, by the acquired knowledge, in a true user of the past for an effective
civic intervention in the present.

Keywords: Epistemology. History. Subject. Object.

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1. Introdução
Segundo Holien Gonçalves Bezerra, a história só pode ser concebida como resultado de
sujeitos históricos, percebida através da trama traçada pelas relações sociais no tempo,
envolvendo as ações dos indivíduos, a construção de identidades pessoais e colectivas,
além de estruturas.

O sujeito histórico não estaria presente nas acções individuais, mas, ao contrário, estaria
configurado a partir das inter-relações complexas, duradouras e contraditórias entre as
identidades sociais e as pessoais.

Em outras palavras, todos nós seriamos construtores da história, simultaneamente,


sujeitos da e na história, embora nossas ações só possam ser consideradas relevantes à
medida que integradas a uma conjuntura mais ampla.

Antes, seria uma construção, consciente ou inconsciente, paulatina e imperceptível de


agentes sociais que constituem os sujeitos que pertencem às estruturas.

Entretanto, nem sempre os indivíduos comuns foram vistos como sujeitos históricos.

Na realidade esta abordagem é relativamente recente.

Ao longo da maior parte da história da humanidade somente os heróis, os reis e as


pessoas notáveis tiveram status de agentes efetivos da historicidade, sendo merecedores
de uma posição na história.

O inicio da percepção das pessoas comuns, como sujeito histórico foi acompanhado de
intensas discussões acerca de seu lugar no entendimento da história, envolvendo,
inclusive, debates sobre o papel do historiador na construção da narrativa, também ele
um agente histórico.

1.1. Objectivos da pesquisa


Objectivo geral

A presente pesquisa tem como objectivo central, compreender a epistemologia da


historia e didáctica de história.

Objectivos específicos

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 Conhecer os sujeitos e o objecto do estudo da História;
 Identificar a relação do sujeito e objetivo da história na produção de
Conhecimento;
 Descrever as vicissitudes da verdade histórica.

1.2. Metodologia de pesquisa


Para a presente pesquisa, optei em usar a pesquisa bibliográfica, tendo feito assim uma
coleta de dados a partir de artigos, livros e revistas científicas para utilizar como
citações.

1.3. Estrutura do trabalho


No capítulo introdutório é apresentada a introdução, os objectivos do estudo: geral e
específico que se esperam alcançar e a justificativa. Depois, é apresentada a definição
do problema de pesquisa, e a metodologia.

No segundo capítulo é apresentada a revisão da literatura, onde diferentes autores


apresentam os principais delineamentos acerca da Epistemologia da historia e didáctica
de história.

No último capítulo são apresentadas conclusões recomendações, referencia


bibliográfica utilizada para a elaboração do trabalho.

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2. Capitulo II: Revisão da literatura

2.1. EPISTEMOLOGIA DA HISTORIA E DIDÁCTICA DE HISTÓRIA

2.1.1. Da epistemologia à identidade histórica


Se aprender não significa mais a aquisição de um saber pronto e acabado contido nos
livros e na cabeça dos professores, não é mais possível ensinar sem levar em
consideração o modo pelo qual o conhecimento foi elaborado... E quais as
possibilidades de mudança no futuro. Afinal trata-se de um saber vivo e não morto. E o
elemento verdadeiramente vitalizador da tarefa educativa assim concebida é a história.
(Amaral, 2012, p.64)

A preocupação com a articulação entre a investigação e a produção científica na área da


História e os conteúdos programáticos veiculados nos espaços educativos básicos ou
secundários ocupa os debates internacionais, pelo menos desde 1937, data em que
Lucien Febvre e Marc Bloch escreveram um artigo intitulado “Pour le renouveau de
l’enseignement historique” (Bloch; Febvre, 1937, p.113-129). Embora ciclicamente o
problema seja novamente reequacionado, as primeiras décadas do século XXI
trouxeram para dossiês de revistas significativas e para a bibliografia pontos de vista
que evidenciam a pertinência do enfoque.

De Antoine Prost nas suas Douze lections sur l’histoire (1996) a François Hartog no seu
excelente Croire en l’histoire (2013) foi evidente um crescente interesse “pela reflexão
epistemológica” (Catroga, 2010, p.24) reiterada quando Hartog pergunta se “não se terá
entrado na época do historiador epistemólogo” (ibidem, p.24). Acrescenta Catroga que
“tem-se por certo que a prática teórica da historiografia ficará mais rica se souber
mesclar a epistemologia com a operação que visa explicar/compreender o passado e não
separá-las, como algum pós-modernismo pretende com a redução da historiografia à
questão exclusivamente formal da escrita” (ibidem, p.24). Este recentramento na
identidade científica da História exige a presença “de um sujeito epistémico, histórica e
socialmente situado no espaço e no tempo; de um texto (toda a investigação culmina
numa narração); e de destinatários (os receptores)” (ibidem, p.26). A problemática
assume-se como norteadora da pesquisa (parte primeira de um nível documental), mas a
que outras naturalmente se sucedem como a explicativa ou interpretativa e finalmente a
escrita. Estes níveis de consecução do produto científico, iremos encontrar também na
educação histórica e na transposição didática permitindo e aceitando que a
comunicação/narrativa dos alunos possa ser algo diferente na forma, mas idêntico no

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mecanismo compreensivo. Esta nova Didática é também ela resultado, a montante, de
um novo historiador que lendo “o explícito e o implícito, o declarado ou silenciado, o
afirmado ou proibido, o incluído ou excluído, o objetivado ou o lacunar, define no
interior do corpo documental, unidades, conjuntos, séries, relações” (ibidem, p.27) que
servirão de suporte à sua narrativa explicativa de uma problemática previamente
enunciada. Aqui podemos não apenas já vislumbrar etapas da transposição didática mas
também uma avaliação que pode passar por um texto escrito onde a sua validade se
encontra mais na argumentação do que na posição/interpretação dos factos enunciados,
por exemplo, numa situação problema.

2.1.2. Da Consciência Histórica ao Humanismo tolerante e cívico


A história fornece argumentos, informações, prepara o indivíduo para aparecê-lo em
público, o ser em público, o ser em sociedade, que irá se defrontar com a divergência...
A história forma pessoas preparadas para argumentar, para defender ideias em público,
para comparecer ao mundo público em defesa de teses e convicções, apanágio das
sociedades democráticas contemporâneas. (Albuquerque Jr., 2012, p.34).

Enraizados na identidade da nossa área científica, precisamos ter e partilhar com os


outros, em particular os nossos alunos, uma consciência que deve ser sobretudo a
habilidade de nos distanciarmos do presente em direção ao passado aceitando que o
ponto de partida, mas também o de chegada, será a “consciência histórica”
(Albuquerque Jr., 2012, p.34). Num esclarecedor quadro de sistematização dos quatro
tipos de consciência da História (tradicional, exemplar, crítica e genética), Rüsen
identifica seis elementos e fatores através dos quais eles são caraterizáveis: experiência
do tempo trazida desde o passado; formas de significação histórica; orientação da vida
exterior; orientação da vida interior; relação com os valores morais e relação com o
raciocínio moral (Rüsen, 2010, p.63).

Numa sociedade de consensos impostos, onde a moralidade é um conceito


preestabelecido e a estabilidade uma tradição, onde a nossa vida é regida por modelos
pré-formatados, onde é difícil ser-se diferente e os modelos culturais ou sociais regem-
se pela influência/permanência, é evidente que a História é sobretudo um somatório de
tempos curtos, imediatos, memorizáveis para a posteridade. O caminho para a nossa
contemporaneidade exigiu-nos uma evolução substantivada em tipos de consciência
diferentes, consolidados em olhares que implicaram uma mudança de posturas sobre os
contextos. Se no mundo moderno a exemplaridade ainda condicionava muito a nossa
capacidade de intervenção (exceto talvez já na sua fase final do século XVII-XVIII

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quando tanto a revolução científica como o iluminismo nos evidenciou a racionalidade
de outros argumentos) é, sobretudo nos séculos XIX e XX que a consciência crítica
marca a sua aparição e justificação.

Neste registo, o ensino da História deve dar prioridade às mudanças, ao estudo dos
conflitos e das diferenças que marcam as organizações coletivas. Mais do que os dados
factuais, ela (disciplina escolar) deve fornecer os meios para a sua análise e para um
olhar em perspetiva, mais do que simplesmente situado. Atinge-se assim o patamar da
consciência histórica genética que deve saber utilizar as transformações dos modelos
para ser capaz de produzir um outro, intrinsecamente seu e aceitável perante o contexto
em que vive, já que na sua vida exterior vai ter necessidade de conviver com diferentes
pontos de vista, mas também interiormente deve perceber que a mudança é natural e que
é a própria mudança temporal que se converte num elemento nevrálgico para a
validação dos valores morais. Veremos que didaticamente esta nova consciência
implicará a necessidade de saber transformar um quadro conceptual inicial (tácito e por
vezes preconceituoso) num outro mais sofisticado onde ideias mais substantivas,
conceitos de segunda ordem ou competências para pensar historicamente o mundo
sejam a marca de outro Humano.

2.1.3. Da Função Social da História às implicações didáticas


Comecemos pela ideia de escola, hoje tão discutida, mas que se revela essencial para
depois olharmos para as disciplinas que a “habitam”. O debate costuma normalmente
apresentar duas visões opostas. Por um lado “l’école comme un sanctuaire indifférente
aux enjeux de societé” (De Cock; Picard, 2009, p.108).

Aqui a disciplina de História carateriza-se como uma narrativa consensual,


aparentemente neutra e que serviria para fomentar consensos politicamente corretos.

Sabemos que nunca será fácil garantir uma transposição didática que incorpore noções
como trauma, amnésia ou passado doloroso. Conhecemos as tensões entre os saberes
académicos e as práticas de ensino, muitas vezes agudizadas pelos debates mediáticos
ou pelos jogos políticos. Mas também aqui há que saber distanciar-nos do presente
imediato para, depois de uma viagem pelo tempo, regressarmos apetrechados com a
capacidade de pensar historicamente.

Num tempo dos inutensílios, na curiosa referência do poeta Manoel de Barros (Lima,
2015, p.8), há espaço para as humanidades na contemporaneidade, e aí o papel

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insubstituível do pensamento crítico consolida-se trazendo do passado a experiência
acumulada que só a História nos pode dar.

As entradas anteriores deste artigo ressaltam sobretudo a identidade científica da


História e o papel cultural e cívico da sua abordagem em contexto escolar, num registo
onde termos ou conceitos como “cultura comum” e “património” aparecem muitas
vezes como a razão de ser da narrativa histórica. Importa agora alargar esse enfoque,
caraterizando melhor a sua função social e de que forma o tipo de didática influencia
essa mesma função.

Várias são as concepções de História que hoje coexistem na nossa sociedade,


destacando-se na linha de Martineau (2010) e De Cock (2009):

a) A dos eruditos que a veem como matéria cultural (manifestação de grande


cultura) que deve ser transmitida aos alunos, constituída por um conhecimento
factual do passado que eles podem mobilizar e integrar nos seus discursos ou
simples concursos televisivos;
b) A do grande público para quem a História constitui uma referência constituindo
uma cultura pública comum;
c) A dos nostálgicos que ressaltam do passado as personagens míticas e
paradigmáticas que podem constituir referências “emulatórias” para a juventude;
d) A dos comprometidos para quem a História deve legitimar causas, formar
patriotas, desenvolver a consciência nacional e até explicar o comportamento
eleitoral da população;
e) A dos “amantes” do passado que se apaixonam com frequência por romances
históricos, séries televisivas, filmes, documentários e para quem a escola deve
desenvolver (e garantir) esta paixão;
f) Ados pragmáticos para quem a História é uma “passagem obrigatória”, matéria
de exame imprescindível para a obtenção de um diploma;
g) A dos “clínicos” para quem a História tem fins terapêuticos, servindo, sobretudo
para cicatrizar feridas do passado, reconhecer o papel dos esquecidos e das
vítimas, pacificar sociedades através da administração da “tolerância temporal”.

Mas sabemos também que a História permite reviver o passado encontrando pontos de
referência que diminuem a angústia e a incerteza do presente. O quadro de referência
que a história dos homens fornece minimiza a importância dos nossos problemas,

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subalterniza aquilo que nos parece essencial, evidencia as permanências naquilo que
muda, garante estabilidade e racionalidade nas decisões.

2.2. O sujeito e objecto de estudo da História

2.2.1. Os sujeitos da história e a produção das fontes.


Desde a antiguidade, o conceito de história, em si, sempre conduziu a visão da
participação do homem enquanto ser ativo que produz o passado ao viver o presente.

A história humana só existe porque é produzida por sujeitos que a vivenciaram,


deixando vestígios que puderam chegar ao presente, fontes interpretadas pelos
historiadores para o entendimento, ao mesmo tempo, daquilo que foi e do agora.

No entanto, a influência das acções humanas sobre o passado e sua vinculação com a
produção de fontes só passou a ser evidenciada a partir do século XIX, quando a história
iniciou sua busca pela cientificidade, procurando a legitimação da ciência para a
construção de seu discurso.

A Escola Metódica de Leopold Von Ranke forjou um conceito de história, vinculado


com a produção da verdade, através do método crítico, onde, segundo José Carlos Reis,
o sujeito não se anula apenas se esconde, se autocontrola; é produtor da história, mas
deve permanecer nas sombras.

Marx adoptou uma postura diferente, para ele, o sujeito deveria assumir sua
subjetividade.

A verdade, não sendo universal, mas pertencendo a um grupo social, conduz a um


conhecimento histórico produzido objetivamente, parcial e relativo; o sujeito é produtor
activo da história, embora inserido na massa, o que anula suas acções individuais.

Essas relações criam linguagens e saberes para legitimarem as ações coletivas, dirigidas
pelas individualidades que moldam os contextos.

O homem, para Foucault uma invenção recente, é sujeito da história, mas é também
modelado por normas ou regularidades das quais não têm consciência, tendo suas ações
individuais restringidas pelas relações de poder na sociedade.

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O que conduz ao conceito de geração de Dilthey trata-se de pensar a historicidade como
sendo compartilhada. O tempo histórico representaria a permanência e seqüência de
gerações, deixando sinais, marcas, que são buscadas pelo historiador.

No contexto do século XIX, Dilthey apontou o caminho da história, da vida, tornando o


apreender o mundo dos homens através do estudo das suas experiências no passado uma
missão da história, unindo filosofia e historicidade.

Embora seja difícil enquadrá-lo em algum rótulo, Dilthey estaria entre um historicismo
romântico e um epistemológico por buscar compreender o homem enquanto ser
histórico, compreender a alteridade e todos os aspectos da vida de um povo.

Para ele, a história é mudança e o que permanece é compreensão, a comunicação entre


homens diferentes, sendo o homem definido pela experiência vivida e a verdade,
resultando em sua transformação em sujeito ativo do processo histórico.

2.2.2. Sujeitos, objectos da história.


O homem é a convivência no tempo, seu passado, presente e futuro, neste sentido, não é
apenas agente histórico, mas também sujeito na história, à medida que, ao mesmo tempo
em que faz e participa das ações sociais individuais e coletivas, ele é o que fez, portanto,
sujeito e objecto da história.

Somos todos seres no mundo, produtores e produtos do conhecimento e das relações


sociais, objectos de análise da história.

O que equivale a dizer que o sujeito tem sua missão universal inscrita na sua condição
objetiva, pois sendo sujeito da é também sujeito na história, centro da epistemologia
histórica.

A vida real em que o sujeito se insere, nas relações, é afetada pelo outro, fazendo com
que o sujeito que pergunta, replique e responda, tornado os indivíduos objetos.

Em certa medida, foi Copérnico que colocou o homem no centro dos acontecimentos.

Ao substituir o geocentrismo pelo heliocentrismo, demonstrando que a terra não era o


centro do universo, mas apenas mais um astro dentre inúmeros outros, gravitando em
torno do sol, também apenas uma estrela dentre muitas outras, iniciou uma revolução na
mentalidade.

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Deslocou a atenção de Deus para o homem, abrindo caminho, inclusive, para o
humanismo renascentista.

Entretanto, como aconteceu no caso dos indivíduos enquanto sujeitos históricos,


inicialmente, apenas os ilustres foram tratados como objetos da história, situação que se
manteve inalterada até o século XIX.

Justamente quando o positivismo e a escola metódica forjaram a concepção cientificista


da história, optando por buscar, em documentos oficiais, uma narrativa dos fatos
políticos e da vida das grandes personalidades.

2.2.3. Verdade histórica


Então o que nos resta, qual a possibilidade de tocarmos, pela pesquisa, algo da verdade?
O conceito de verdade histórico visa a podermos identificar uma estrutura que se repete,
porém modificada pela realização de desejo, pelas percepções, que são perturbadas pela
linguagem.

A repetição da representação deformada gera o delírio, mas quando esta repetição


compulsiva carrega consigo um retorno do passado seria uma verdade histórica. Mas o
que seria um retorno do passado? O que se repete não é a representação, ou o sentido
ligado a representação, mas uma certa estrutura discursiva, que, no caso de Freud em
Atenas, seria a reapresentação da dúvida sobre a existência da Acrópole; no caso do
monoteísmo, seria a reapresentação do chefe da horda no Deus único; no Homem dos
Lobos, seria a reapresentação da castração na alucinação da decepação do dedo,
retomada no texto inacabado “Clivagem do Eu nos processos de defesa”, texto este,
escrito na mesma época dos outros textos abordados neste artigo, e que refere uma
busca da verdade histórica no trabalho clínico e abre para uma discussão sobre o
diagnóstico.

O conceito de verdade articulado ao conceito de memória nos questiona no sentido de


que a diferença entre o objecto e a representação do objeto é crucial, não conseguimos
sair da representação para ter um acesso direto ao mundo em si, mas isso não quer dizer
que não teríamos a possibilidade de acesso a verdade histórica como chama Freud.

E porque seria uma verdade histórica? A memória é a representação do passado, que já


é uma representação, o que por se repetir nos proporciona o caráter de verdade, pois

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sem repetição como falar de verdade? A repetição, neste caso, não se refere somente ao
sentido (imaginário) ou a forma (simbólico), mas ao equívoco (real) que se reflete no
estranhamento de Freud frente a Acrópole, no delírio do dedo decepado do Homem dos
Lobos e no delírio de um Deus onipotente no monoteísmo.

Freud, neste texto, lança mão de dois conceitos, desrealização e despersonalização, para
relacionar dois termos nada simples, memória e verdade. Talvez, como estamos as
voltas com a Grécia, podemos recorrer a duas noções gregas: “eikon” como a
representação presente de uma coisa ausente, e “phantasma” ou fantasia, que referem,
desde Platão e Aristóteles, de modos diferentes, a confusão entre memória e imaginação
ou onde o equívoco se liga a invenção.

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3. Capitulo III: Conclusões e considerações finais.

Ao longo da história da história, a própria definição teórica do que deveria ser entendido
por história sofreu alterações sensíveis, algumas mais visíveis do que outras, mas todas
engajadas na discussão em torno da narrativa mais adequada do passado, da
possibilidade concreta de leitura deste passado através das fontes, da natureza do
trabalho do historiador, entre outros debates relevantes.

Destarte, como ressaltou Jacques Le Goff, não existe sociedade sem história, o que
conduz ao conceito de historicidade, o pertencer de cada individuo ao seu tempo e
espaço, os aspectos comuns que todos os homens de determinada época compartilham e
dos qual ninguém pode escapar, quer sejam historiadores profissionais ou não.

A despeito de a história ser considerada por alguns como distinta da memória, a verdade
é que a historicidade humana não existiria sem a memória ou a recordação do passado e
que o historiador é o interprete daquilo que se passou, reduzindo, em certo sentido, a
liberdade individual de entendimento do presente.

A história, como afirmou Massimo Mastrogregori, expressa uma tradição de


lembranças, ordenadas com o apoio de relatos e visões particularizadas, forjando uma
memória coletiva que, não correspondendo exatamente como as coisas foram, na maior
parte das vezes, legitima a ordem política e ideológica estabelecida e, em raras ocasiões,
cumprindo aquela que deveria ser sua missão, questiona a realidade.
Assim, em grande medida, a história pretende ser uma narrativa que recorda o passado
para contribuir com a memória da coletividade, mas não passa de literatura verossímil
que costura a si mesma com a memória e a imaginação dos sujeitos da e na história.

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3.1. Referências bibliográficas

MASTROGREGORI, Massimo (2006 p.65-93). A história escrita: teoria e história da


historiografia. São Paulo: Contexto.

FREUD, Sigmund (1987). Construções em Análise. in: Obras Completas. Vol. XXIII
Rio de Janeiro; Imago Ed.

FREUD, Sigmund (1987). Esboço de psicanálise. in: Obras Completas. Rio de Janeiro;
Imago Ed., Vol.XXII.

LE GOFF, Jacques (1994). História e Memória. Campinas: Unicamp.

DILTHEY, Wilhelm (2005). História da filosofia. São Paulo: Helmus.

AMARAL, Maria Nazaré de C. P (2012. p.51-65). Ciências do espírito: relações entre


história e educação. In: GONÇALVES, Márcia de Almeida [et al.] (Org.) Qual o valor
da História Hoje? Rio de Janeiro: Ed. FGV.

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de (2012. p.21-39.). Fazer defeitos nas memórias:
para que servem o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia de Almeida
[et al.] (Org.) Qual o valor da História Hoje? Rio de Janeiro: Ed. FGV.

FOULCALT, Michel (2003.). A arqueologia do saber. Lisboa: Almedina.

DE COCK, Laurence; PICARD, Emmanuelle (2009). La fabrique scolaire de l’histoire:


illusions et désillusions du roman national. Marseille: Agone.

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