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Resenha Crítica

ACHUGAR, Hugo. Weltliteratur ou cosmopolitismo, globalização, “literatura mundial” e


outras metáforas problemáticas. Trad. de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2006, pp. 65-80.
Bianca Tereza da Silva Alves

Hugo Achugar (nasceu em 1944, de Montevidéu) é um poeta, ensaísta e pesquisador


uruguaio, lecionou no ensino secundário, até que, demitido pela ditadura, viajou para a
Venezuela e trabalhou como um pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos
Rómulo Gallegos em Caracas. Ele tem sido um professor universitário na Venezuela, Estados
Unidos e Uruguai. Ensinou na Universidade de Miami. Desde 2008 atua como Diretor
Nacional da Cultura no Ministério da Educação e Cultura do Uruguai. 
O texto é um ensaio ou work in progress na tentativa de debater algumas metáforas
usadas mundialmente, ou ate mesmo tanto na academia do primeiro mundo como na latino-
americana. O tema esta relacionado com a cultura e a literatura latino-americanas, mais
precisamente com a narrativa contemporânea. O texto tem uma organização pouco
convencional e está dividido em quatro cenas. A encenação consiste em adaptar a escritura
dramática do texto para uma escritura cênica, ou seja, a consolidação do texto por meio do
ator e do espaço cênico, numa duração vivenciada pelos espectadores. O espaço é projetado
em palavras e o texto é inscrito no espaço gestual do ator. No texto de Achugar, as cenas
foram raciocinadas como unidades básicas que focam e desenvolvem certo ponto ou
argumento. Elas possuem, nesse sentido, certa autonomia. Contudo, ligam-se entre si
formando uma rede que cobre um determinado espaço, delimitando-o.
A Primeira Cena, “Almoçando na casa de Goethe”, consiste em trechos de um diálogo
entre Goethe e o seu secretário Eckerman, no ano de 1827. Achugar avalia como a cena
primordial da história da literatura contemporânea um diálogo do dia 31 de janeiro, em que
Goethe faz um comentário sobre um livro de romance chinês que esta lendo, diz que os
homens do livro são iguais aos do ocidente, onde “tudo é razoavelmente burguês”, nele se
encontram alguns elementos como “localismo versus universalismo e estranheza e
familiaridade”, ou seja, uma aversão entre o cosmopolitismo e o exótico. No mesmo diálogo
Goethe formula pela primeira vez a noção de Weltliteratur (literatura mundial) em oposição a
Nationalliteratur (literatura nacional), onde fala “hoje, a literatura nacional não significa
grande coisa; chegou o momento da literatura mundial, e todos devemos contribuir para
apressar o advento dessa época”, ou seja, as pessoas devem se informar do que esta sendo
publicado em outras nações, mas não devem ter um ou outro como modelo, pois assim não
irão absorver o que esta sendo dito, devem ter uma mente aberta para o novo. A tradução de
Weltliteratur coloca uma questão importante para a literatura comparada, em que o termo
poderia ser literatura cosmopolita ou universal ou mundial, vemos que a tradução pode ir para
todas elas, pois ela esta atrelada a um contexto histórico da época, onde surgia uma “nova
ordem mundial”, com os processos de independência dos países americanos no século XVIII
(primeiro momento pós-colonial da modernidade) e com a Consolidação da Santa Aliança,
que para Goethe foi um tanto benéfico para humanidade, pois era uma tentativa de
homogeneização mundial e a determinação de uma concepção da humanidade a nível
mundial, além de representar um dos processos de globalização na história. A
homogeneização de mundo de Goethe se realiza nas decorrências ideológicas da noção de
Weltliteratur que compreende uma espécie de imperativo ético e estético e na concepção de
universalidade presente no pensamento do século XX. Achugar faz uma contraposição entre a
interpretação do termo Weltliteratur de Goethe com a de Edward Said no texto “Wordly
Humanism versus the Empire-Builders”, em que Said aborda que o termo esta atrelado a
filologia e ao “humanismo mundial”, que pode ser percebida como uma generosidade e
hospitalidade para com o outro que em questão seria as obras de autores estrangeiros. Nesta
primeira parte o autor mostra como os diálogos de Goethe sobre outro tipo de literatura vêm a
fazer uma iniciação para a primeira aparição do termo Weltliteratur e como pode ser
relacionado com a literatura mundial, universal ou cosmopolita. Para as suas teorias ele lança
mão de uma boa contextualização histórica sobre a época, trazendo o Congresso de Viena e a
Consolidação de Santa Aliança. Achugar escolhe o texto de Edward Said para fazer uma
diferenciação de interpretação sobre Weltliteratur, essa diferenciação é muito breve e pouco
explorada. Consideramos que esta primeira parte faltou alguns elementos conceituais e que
pode ser de fácil entendimento para os leitores, que já possuam um conhecimento prévio
sobre o assunto.
A Segunda Cena, “Também na Europa, porém alguns anos mais tarde”, Goethe já havia
falecido e é ambientada em Paris de 1848, quando se instaurou a República Francesa, mas
houve outro acontecimento importante neste mesmo ano, que foi a publicação do Manifesto
Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, em que eles afirmam que “a produção intelectual
de uma nação converte-se em patrimônio comum a todas”, onde uma literatura nacional
forma-se uma literatura universal, aqui vemos o termo Weltliteratur ser usado novamente,
mesmo que não possua uma identificação que Marx e Engels fizeram referência de Goethe.
Neste novo cenário o contexto do termo aparece no âmbito do novo mercado mundial no qual
a burguesia, para Marx e Engels “deu um novo caráter cosmopolita” à produção e ao consumo
de todos os países, levando em conta o momento teórico e literário. O autor propõe discutir
nesta cena dois pontos importantes: que de acordo com Wallerstein “temos usado a linguagem
da globalização cultural há várias centenas de anos” e o “campo semântico” (que neste
sentido não é universal) onde coexistem o Weltliteratur, a literatura mundial, universal e o
caráter cosmopolita. O autor aborda que a noção de Weltliteratur esta “indissoluvelmente
ligada ao estabelecimento de uma nova ordem mundial como ao desenvolvimento de um
mercado mundial”, ou seja, os produtos fabricados em um país acabam sendo consumidos em
vários outros. Nessa segunda parte o autor mostra como a literatura nacional se transforma em
literatura mundial, inserida novo mercado mundial, trazendo autores de grande prestígio com
Karl Marx e Friedrich Engels. A questão sobre o “campo semântico” poderia ter sido mais
discutida, pois parece que não foi bem explicada. Ponderamos que esta segunda parte poderia
ter sido mais bem escrita, mas é de fácil entendimento para os leitores, desde que possuam um
conhecimento prévio sobre o assunto.
A Terceira Cena, “Cento e cinquenta anos mais tarde e em língua espanhola”, o autor
antes de iniciar a discussão sobre os universais e sobre a distância entre a construção do
universal em Goethe e a de alguns teóricos contemporâneos, como exemplo o autor cita
Franco Moretti e Judith Butler, ele expõe alguns problemas que surgem na literatura latino-
americana contemporânea. A partir disso o autor cita alguns textos: Prólogo de Álvaro Fuguet
e Sergio Gómez à antologia de Mc Ondo (1999), “Questiones previas” a Líneas aéreas
(1999), do espanhol Eduardo Becerra, Manifiesto del Crack, dos mexicanos Volpi, Urroz,
Padilha, Chávez e Palou, e “Narrativa hispano-americana, Inc.” (2002) de Jorge Volpi, e
ressalta que apesar da diversidade desses textos eles apresentam diversos temas como: a
relação entre mercado e literatura, o desejo de romper com os estereótipos gerados pelo
triunfo e a hegemonia do “realismo mágico”, a necessidade de questionar o “selo” ou a
“marca” narrativa hispano-americana; e que todos esses textos estão vinculados com o atual
processo de globalização ou de mundialização da cultura. O autor então escolhe o texto do
Volpi (2002), por achar este texto mais relevante para sua argumentação, ressalta que
qualquer um dos outros textos citados é igualmente pertinente e destaca que o texto de
Becerra foi escrito a partir de uma perspectiva europeia e exige uma análise diferente ou
especifica. Logo a seguir o autor destaca partes do texto de Volpi que servirão para
exemplificar reforçar suas ideias mais a diante. No antepenúltimo parágrafo ele utiliza a
citação para confirmar as suas considerações em relação a pertinência de tensões de dilemas:
nacional versus universal/mundial, globalização e mercado diante de resistências locais; que
também estão presentes em Goethe e em Marx. O autor diz que essa citação lhe permite reunir
diferentes matizes que o tema adquire nos escritores hispanos ou latino-americanos que se
auto erigem como os representantes da nova ordem ou da nova escrita. No penúltimo
parágrafo o autor faz um breve resumo das ideias presentes no texto de Volpi em três tópicos.
E por fim conclui, relacionando as ideias de Volpi em Manifiesto del Crack e da antologia de
Mc Ondo a argumentações próximas às de Goethe, que atendia à nova ordem mundial
estabelecida pelas potências hegemônicas europeias do momento. Logo depois diz que o que
se conhece como a justificativa intelectual de uma nova escrita ou nova ficção, é, no melhor
dos casos, o nouveau frisson, segundo Victor Hugo, o que aparece ainda hoje como “última
cena” de uma antiga história. Nessa terceira parte o autor antes de entrar de fato em outro
assunto que virá na quarta parte desse texto, ele deseja realizar um adendo. Aqui ele utiliza de
autores e seus textos para fundamentar suas ideias, ele consegue nos passar um bom número
de autores que fortificam suas teorias. Quando ele escolhe o texto de Volpi porque o
considera mais relevante para a sua argumentação, ele consegue raciocinar e convencer bem
relacionando e mostrando que com base no que Volpi diz, as suas ideias estão corretas. Ele
nos traz o que ele mesmo chama de “enorme citação” que são partes retiradas do texto de
Volpi, que são favoráveis para ele reforçar as suas ideias e que mais adiante servirão para ele
criar o breve resumo no penúltimo parágrafo; o que o ajuda a explicar os seus leitores sobre o
assunto que ele relata. O autor ainda relaciona Volpi com Goethe e Marx, e no fim cita Victor
Hugo utilizando um dizer do mesmo, o que traz ainda mais força para cumprir o seu propósito
inicial de expor certos problemas que surgem na literatura latino-americana contemporânea.
Consideramos que esta terceira parte foi muito bem escrita e de fácil entendimento para os
leitores, claro que já possuam um conhecimento prévio sobre o assunto tratado.
A Quarta Cena, “Em várias línguas e lugares ao mesmo tempo: projetando, novamente,
a cena”, o autor começa nos mostrando uma afirmação de Franco Moretti “Penso que é tempo
de que voltemos à antiga ambição da Weltliteratur: afinal, a literatura ao nosso redor é agora,
sem dúvida, um sistema planetário. A questão não é realmente o que devemos fazer, a questão
é como fazê-lo”. Depois (em tradução de nosso próprio autor) ele analisa e nos expõe as ideias
de Moretti acerca da literatura mundial, quando Moretti considera que a “literatura mundial”
não é um “objeto”, mas um “problema” e quando Moretti diz que a hipótese necessária para
lidar com esse problema se encontra na ideia do “sistema mundo” de Wallerstein (e via
Wallerstein em Braudel) um sistema que é simuladamente uno y desigual. Logo a seguir o
autor discute as ideias de Moretti, retorna a trazer partes do que Moretti diz acerca dessa
discussão, e cita Goethe quando diz que Moretti introduz metáforas que tentam resolver a
oposição proposta por ele (literatura nacional versus literatura mundial). Continuando, nosso
autor volta a raciocinar nas ideias de Moretti citando outros autores que ele se aproxima ou se
opõe, como: Saskia Sassen e Volpi, respectivamente. Como penúltimo assunto o autor traz
uma afirmação de Emily Apter (2003) a respeito de Moretti e não somente a ele, mas a
respeito de outros paradigmas também como: “Literatura global”, Cosmopolitismo, Literatura
mundial, Transnacionalismo literário, Estudos pós-coloniais e estudos diaspóricos; e discute
sobre esses assuntos relacionando-os com a Weltliteratur e outros aspectos. Por fim nesse
penúltimo assunto ele chega a uma conclusão em questão do que fazer com a narrativa
contemporânea na América Latina, relacionando ideias de Moretti, Volpi e outros. E o último
assunto dessa quarta e última parte o autor discute sobre o tema dos universais (implícito
desde o início na noção formulada por Goethe de Weltliteratur), questionando se é isto, o que
queremos dizer quando dizemos que algo é universal? Ou o que tem valor ou significado
universal? E nos mostra em sua própria tradução, afirmações de Butler, Laclau e Zizek. A
partir disso o nosso autor raciocina com as ideias de Blutler e trás vários outros autores e
pensadores para reforçar e chegar em alguma conclusão a cerca desse assunto. Nessa quarta
parte vemos que o autor de fato realizou um ótimo trabalho, nos trouxe muita informação para
se basear, fundamentar e exemplificar suas ideias e discussões. A quantidade de autores
citados é excelente por que realmente faz com que seu leitor seja convencido pelos nomes
fortes de grandes autores. Os trechos trazidos dos textos dos autores que ele explicita nessa
obra são bem discutidos, destrinchados e relacionados de maneira muito inteligente ao
fortificar e concluir suas ideias. Esta quarta parte requer mais atenção dos leitores ao lê-la,
porque possui uma grande quantidade de informações e raciocínios, e obviamente requer um
alto conhecimento prévio do assunto aqui tratado.
Este ensaio tem bons argumentos para mostrar como uma literatura nacional se torna
uma literatura universal, trazendo também um escopo histórico para fundamentar a
argumentação. Podemos ver que o Weltliteratur é uma comunicação intercultural, onde se
aparece o que há de comum entre as diferentes culturas, sem que se extinga a personalidade
que se baseia em diferenças nacionais, ou seja, o texto não fundamenta em ideias de
homogeneização cultural, onde uma cultura é superior a outras. Mesmo sendo um bom ensaio,
ele não é uma leitura para leigos, pois é necessário ter um conhecimento do assunto para que
possa entendê-lo em sua totalidade, principalmente na quarta cena que é mais complexa.

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