Você está na página 1de 28

ANTONIO COSTELLA

XILOGRAVURA: MANUAL PRÁTICO

Editora Mantiqueira
Campos do Jordão
1987
2

SUMÁRIO

1. XILOGRAVURA – CONCEITO.................................................................................................... 03

2. XILOGRAFIA AO FIO E XILOGRAFIA DE TOPO....................................................................... 04

3. MADEIRAS............................................................................................................................... 05

3.1. MADEIRAS PARA XILOGRAFIA AO FIO.................................................................... 06

3.2. MADEIRAS PARA XILOGRAFIA DE TOPO................................................................ 07

4. FERRAMENTAS........................................................................................................................ 10

4.1. FERRAMENTAS PARA XILOGRAFIA AO FIO............................................................ 1o

4.2. FERRAMENTAS PARA XILOGRAFIA DE TOPO........................................................ 13

5. GRAVAÇÃO DA MATRIZ.......................................................................................................... 14

6. IMPRESSÃO............................................................................................................................. 17

6.1. IMPRESSÃO À MÃO................................................................................................. 19

6.2. IMPRESSÃO COM PRENSA...................................................................................... 20

7. IMPRESSÃO A CORES............................................................................................................. 22

7.1. IMPRESSÃO A CORES COM UMA SÓ MATRIZ........................................................ 22

7.2. IMPRESSÃO A CORES COM VÁRIAS MATRIZES..................................................... 24

8. EDIÇÃO.................................................................................................................................... 25

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................... 28
3

1. XILOGRAVURA – CONCEITO

Xilografia é uma palavra composta pelos termos gregos xylon e graphein que significam,
respectivamente, “madeira” e “escrever”. Xilografia significa, portanto, a maneira de
escrever ou gravar com o emprego de matrizes de madeira.

Para a produção de uma matriz xilográfica toma-se um pedaço de madeira


adequadamente escolhida e preparada e, obedecidas certas condutas, entalha-se nele um
desenho ou texto. Depois, entinta-se essa matriz que, em seguida, é prensada sobre uma
folha de papel. Agindo como um carimbo, a matriz imprime o desenho ou texto no papel,
originando uma gravura. Essa gravura, assim obtida, chama-se XILOGRAVURA.

A xilogravura é um múltiplo. Com a mesma matriz, em sucessivos entintamentos e


prensagens, podem ser produzidas numerosas cópias que serão, afinal, assinadas pelo
artista.

Como técnica de multiplicação, a xilografia se insere no vasto universo das Artes Gráficas
e, nele, enquadra-se no ramo das técnicas de impressão em relevo. Diz-se que a xilografia
é uma técnica de impressão em relevo porque a tinta é passada para o papel pelas partes
salientes, altas, em relevo da matriz. Veremos ao tratar da impressão, que o entintamento
da matriz se faz com um rolo de borracha rígido. Quando se passa o rolo, a tinta, sendo
viscosa, não escorre para as partes mais baixas e não invade os entalhes da matriz. Assim,
por ocasião da impressão somente levarão tinta para o papel aquelas partes mais altas,
isto é, em relevo.

Caso o leitor queira ter uma compreensão mais pormenorizada do conjunto de técnicas
de Artes Gráficas, que, além de técnicas em relevo, engloba técnicas a entalhe, no plano e
por permeação, aconselhamos a leitura de nosso livro “Introdução à Gravura e História da
Xilografia”, já que o espaço, aqui, não comporta as digressões que naquela obra pudemos
desenvolver.
4

2. XILOGRAFIA AO FIO E DE TOPO

Há duas espécies de xilografia: xilografia ao fio e xilografia de topo.

Na xilografia ao fio, também chamada de madeira deitada, o xilógrafo lança mão de uma
tábua, isto é, de um pedaço de madeira cujo corte se fez na mesma direção em que estão
dispostas as fibras da árvore, isto é, o corte se fez da copa à raiz, longitudinalmente ao
tronco.

Na xilografia de topo, também denominada madeira em pé, não se utilizam tábuas. O


xilógrafo entalha em um disco ou taco de madeira obtido com o corte transversal da
árvore. Ao cortar o tronco, a lâmina da serra opera em um plano perpendicular à direção
das fibras do lenho.

Embora em ambas utilize-se a madeira para produzir a matriz, as duas técnicas diferem
muito entre si. Diferem as ferramentas, diferem as espécies de madeira empregadas,
diferem as maneiras de trabalhar… Com tantas diferenças não é de espantar que venham
a diferir também os resultados. De fato, as linguagens artísticas de uma e outra técnica,
às vezes, distanciam-se muito. Enquanto a linguagem da gravura ao fio tende a valer-se
de grandes áreas lisas contrastadas, a da xilografia de topo se compraz com o uso da
linha branca e de meio-tons obtidos por traços finíssimos. Essa minudência que, aliás, é
marca peculiar da xilografia de topo, geralmente é impossível de ser obtida em tábuas de
xilografia ao fio, por causa da interferência das fibras da madeira. Na xilografia de topo as
fibras ficam dispostas perpendicularmente ao plano de trabalho e por isso não
interferem.

Tão marcantes são as diferenças entre os dois tipos de xilografia que, em alguns idiomas,
como por exemplo o espanhol, o vocábulo xilografía é reservado para a maneira de
trabalhar a madeira ao fio, preferindo-se para designar a técnica de topo a expressão
grabado en madera ou grabado en madera a contrafibra. Do mesmo modo, os ingleses,
embora possuindo a palavra xylography, preferem chamar de wood cut ou wood cut
printmaking a técnica ao fio, enquanto à madeira de topo denominam wood engraving.
5

Em português, usamos xilografia como denominação comum às duas técnicas, do mesmo


modo que o fazem os franceses, para os quais xylographie vale tanto para madeira ao fio,
quanto de topo, diferenciando-as uma da outra como bois de bout e bois de fil.

A xilografia iniciou sua História trabalhando em tábuas. Só muito depois, do final do


século XVIII em diante, a técnica de topo se difundiu. Tendo em vista os objetivos deste
livro, não poderemos nos deter em análises históricas. Por isso, permitimo-nos
novamente encaminhar o leitor ao nosso trabalho “Introdução à Gravura e História da
Xilografia”, no qual poderá conhecer a evolução da xilografia no mundo e no Brasil.

3. MADEIRAS

Dentre as técnicas de impressão, a xilografia é a menos onerosa e a menos exigente em


equipamentos e matéria-prima. O material para a produção da matriz, a madeira, é
barato. Baratíssimo, se comparado às placas de cobre utilizadas na calcografia, isto é, na
gravura em metal. A madeira, ademais, é um material fácil de ser encontrado e sua
preparação para trabalhos xilográficos ão apresenta grandes dificuldades.

É comum, entretanto, os xilógrafos desenvolverem com relação à madeira um crescente


amor, que os leva a testar espécies raras, encendo incríveis dificuldades para obtê-las. Ais
do que amor, o xilógrafo chega a nutrir uma reverência quase mística, pois um pedaço de
madeira é parte de um ser vivo e nela se entremostra todo o milagre da Criação. Às vezes,
depois de preparar o taco, o xilógrafo sente prazer em simplesmente passar a mão sobre
ele ou mesmo apreciá-lo com o olhar, admirando-o longamente. Compreende-se, a
madeira lixada e polida é uma substância agradável ao tato e sua textura harmoniosa e
rica é um encantamento para os olhos.

Há casos em que o xilógrafo se compraz em obter a madeira, ele mesmo, a partir da


própria árvore. Por exemplo, meu livro “Xilopoemas” foi impresso, em grande parte, com
tacos de pereira do meu próprio quintal. E não o fiz por capricho, nem para “parecer
diferente”. É que a madeira de pera se presta magnificamente para a xilografia de topo,
técnica usada naquele livro, e a árvore estava ao alcance de minha mão.
6

Talvez não seja um exagero poético afirmar que a xilografia promove forte e profunda
ligação entre o ser humano e a própria natureza.

Para aqueles que venham a se empolgar com a xilografia a ponto de buscar madeiras nos
pomares ou nas florestas, transmito um conselho que recebi de experimentados
madeireiros e serradores. Para que a madeira não venha a rachar é preciso que a árvore
seja cortada em mês cujo nome não tenha “R” (maio, junho, julho e agosto) ou, em se
tratando de outros meses, que a árvore seja cortada em fase lunar de quarto minguante.

Embora ninguém seja obrigado a buscar madeiras in natura, pois existem mil maneiras de
facilmente as obter em qualquer centro urbano, há todo um vasto e fascinante caminho a
ser desbravado por aqueles que queiram testar as potencialidades da riquíssima flora do
Brasil no campo da xilogravura.

3.1. MADEIRAS PARA XILOGRAFIA AO FIO

Em princípio, qualquer madeira pode servir para xilografia ao fio. A escolha depende dos
resultados pretendidos. Se o xilógrafo pretende explorar os veios da madeira, como fez
Edvard Munch, poderá lançar mão da cerejeira ou mesmo do mogno. Se outro preferir
cores lisas, chapadas, com as da Escola Ukiyo-ê japonesa, terá que usar madeira sem
veios; por exemplo, a imburana. Alguém com o atrevimento de Picasso poderá gravar em
cima de uma prosaica tábua de caixão de cebolas, mantendo inclusive os defeitos e
imperfeições da tábua como parte da composição da gravura.

De um modo geral, porém, a madeira mais conveniente para a xilografia ao fio é aquela
que seja dócil ao corte, sem entretanto perder a resistência, para não se deformar por
ocasião da prensagem. Para ser dócil ao corte é preciso que a madeira não seja muito
dura. Para resistir à prensagem é necessário que não seja muito mole. Satisfazem bem a
essas exigências o cedro (Cedrela angustifolia), o mogno (Swietenia macrophylla) e a
imburana (Torresea). Também serem a cerejeira, o louro, a castanheira e a imbuia.

A madeira dos pinheiros, tanto Pinus quanto Araucaria, pode ser usada, mas suas fibras
interferem no corte e, se não houver suficiente cuidado, elas estalam e deixam rebarbas.
Placas de compensado podem ser largamente usadas para gravar ao fio. São melhores as
7

placas que tenham a lâmina exterior de cedro ou de imbuia. Ao trabalhar com


compensado, porém, é indispensável estar atento para não aprofundar muito o corte,
pois, se a ferramente entrar em atrito com a cola que une as camadas da madeira,
perderá o fio rapidamente.

Tendo em vista a grande variedade de espécies de madeiras e a confusão que seus nomes
populares estabelecem a respeito delas, variando de região para região, acreditamos que
a melhor maneira de obter material conveniente seja visitar uma marcenaria. Como os
pedaços de madeira necessários para gravar não costumam ser grandes, podem ser
escolhidos no monte de pontas e recortes. Usando a imaginação, às vezes o formato
bizarro de um retalho pode até ser bem aproveitado na composição da gravura. Ao
escolher madeira em montes de refugo, convém descartar os pedaços que tenham
defeitos ou marcas, pois eles interferirão desfavoravelmente. Quanto aos tipos de
madeira, o marceneiro poderá ajudar com sugestões a respeito de suas características.

A preparação da madeira para gravar ao fio é tarefa muito simples. A madeira deve ser
serrada para que assuma o formato e as medidas desejadas. Um retângulo de 15 cm. por
20 cm. vai muito bem para começar um exercício. Depois de cortada, a madeira deve ser
bem lixada, até que desapareçam quaisquer marcas ou imperfeições, ficando sua
superfície lisa e uniforme. Fazem exceção a essa regra, é claro, aqueles raríssimos casos
em que o xilógrafo deseja manter as marcas ou imperfeições como parte integrante da
obra. Para que o lixamento se faça de modo uniforme e de maneira menos cansativa,
aconselha-se envolver a lixa em um taco de madeira.

3.2. MADEIRAS PARA XILOGRAFIA DE TOPO

A obtenção de madeira para xilografia de topo oferece mais dificuldades do que para
xilografia ao fio. Nas serrarias não são encontrados discos de madeira cortada de topo, já
que, usualmente, para atender ao mercado, as toras são desdobradas em tábuas. Nas
marcenarias pouco ou nada difere a situação, uma vez que nelas também se trabalha co
tábuas e compensados. No entanto, mais adiante daremos sugestões para contornar
facilmente esses problemas.
8

Na Europa e nos Estados Unidos, os xilógrafos contam co a enorme vantagem de


poderem comprar placas de madeira já preparadas. Há firmas nas quais, mantendo-se
uma tradição que vem do século passado, esquadrejam-se pequenos discos de buxo
(Buxus sempervirens) cortados de topo, que, depois de reunidos por meio de encaixes,
formam placas lisas de todos os tamanhos imagináveis. A madeira do buxo é considerada
insuperável para trabalhos de xilografia de topo.

A madeira para xilografia de topo deve ser muito dura para que se deixe cortar pelo buril
sem lascar e sem formar rebarbas, gerando um sulco de bordas absolutamente lisas e
firmes; e deve ser compacta, oferecendo, depois de lixada, superfície absolutamente lisa e
massa indeformável à prensagem.

As madeiras duras e pesadas possuem fibras muito compactadas, enquanto as madeiras


tenras e levas apresentam fibras reunidas em malha larga. Nestas, os discos apresentam
“poros” em sua superfície, originados pelo corte transversal das fibras e dos canais da
malha. Esses “poros” interferem e desviam o curso do buril, além de marcarem sua
presença, quando da impressão, produzindo incontáveis e minúsculos sinais brancos.
Para entender bem este aspecto da questão é preciso ter sempre em mente que, em se
tratando de xilografia de topo, qualquer corte na matriz, qualquer rachadura, qualquer
risco por mínimo que seja produz no papel, quando da impressão, um sinal visível e nítido.

Tendo em vista as características exigidas, as mais indicadas no Brasil para xilografia de


topo são a madeira da Pereira (trata-se da Pirus communis, a planta frutífera que produz a
pera; não confundir com outra árvore de igual nome, não frutífera, a da Peroba
(Aspidosperma polyneuron), a do Guatambu (Aspidosperma populifolium) e Guatambu-
branco (Aspidosperma olivaceum); e a do Nó-de-pinho, corpo extremamente duro
formado nos pontos de inserção dos ramos no tronco do pinheiro (Araucaria angustifolia).
São também boas as madeiras do Pau-marfim (Balfourodendron riedelianum), da
Laranjeira (Citrus sinensis, planta frutífera), da Macieira (Pirus malus, planta frutífera) e da
Ameixeira (Prunus domestica e Prunus salicina, plantas frutíferas). Excelentes, embora um
pouco dura demais, a do Jacarandá (Dalbergia nigra) e a da Aroeira (Astronium
urundeuva). Òtimas para o buril, mas com tendência a rachar sob a pressão da prensa: o
Ipê ou Pau-d'arco (Tabebuia) e o Plátano (Platanus orientalis). A goiabeira (Psidium
guajava, planta frutífera) produz tacos aproveitáveis que, entretanto, às vezes
9

apresentam áreas moles nas quais dificulta-se o trabalho, principalmente do buril raiado,
pois, ao avançar, o buril só corta bem quando encontra madeira firme pela frente.

Oswaldo Silva, em seu importantíssimo livro “Gravuras e gravadores em madeira” (vide


referências), depois de indicar o Guatambu como a “melhor madeira brasileira para
xilografia”, menciona o Pequiá marfim ou Aspidosperma eburneum, colocando-o quase no
mesmo nível. Elogia também o Guaçatunga, segundo ele “uma Flacurtácea, do gênero
Casearia, a 'C. inequilatera'”. Lembra ainda, dentre outras, como de menor qualidade o
Tapinhoã, o Açoita-cavalo e o Genipapeiro.

Como obter madeira para xilografia de topo?

Quem reside na cidade de São Paulo pode encontrar discos de Guatambu à venda no
Horto Florestal da Secretaria de Agricultura, situado no bairro do Tremembé. Ali
trabalhou o xilógrafo A. Koller que, após pesquisas, também deu preferência àquela
madeira.

Em qualquer cidade há, entretanto, uma outra maneira facílima de conseguir boa
madeira. Basta localizar nas vizinhanças uma casa em construção na qual estejam
armando o telhado. Nas obras, é comum empregarem-se vigas de peroba de 6 cm. x 16
cm., e sempre sobram pontas que podem até ser obtidas de graça.

Serrarias e marcenarias também são locais de visita aconselhável, porque, embora nelas
as tábuas sejam o material mais encontradiço, ali às vezes podem ser encomendadas
madeiras cortadas de topo.

Para pessoas mais próximas da zona rural, o auxílio de lenhadores pode ser precioso,
assim como o de fruticultores. Neste aspecto, considero-me um privilegiado. Residindo
em Campos do Jordão, obtenho facilmente Pereira e Nó-de-pinho, madeiras que
considero superiores ao Guatambu para xilografia de topo.

A madeira, quando obtida a partir da árvore pelo próprio xilógrafo, deve,


preferencialmente, ser posta a secar, com casca, em cavalete ou suporte que a isole do
contato direto com o chão ou paredes, em local ventilado, mas bem protegido de sol e
chuva, durante um ano ou mais.

Obtida a madeira, a menos que já esteja cortada em discos, ela deve ser levada a uma
serraria ou marcenaria a fim de ser cortada em “fatias”. Os discos podem ser depois
10

reduzidos a quadriláteros com o uso de um formão. Caso se pretenda evitar o trabalho a


formão, o tronco, antes, deve ser serrado longitudinalmente, formando quatro lados
esquadrejados, de tal modo que, ao ser cortado de topo, produza tacos de superfícies
quadradas, em vez de discos. É muito importante que essas operações sejam realizadas
em serras circulares ou de fita (com carrinho ou guia) para que as duas faces de cada
disco ou taco se mantenham em planos rigorosamente paralelos. É extremamente difícil
conseguir esse resultado trabalhando com serrote.

A espessura dos discos ou tacos pode ser de 2 a 4 centímetros, dependendo da


resistência da madeira e da extensão da área de superfície. À medida que aumente a área,
aconselha-se aumentar, ainda que milimetricamente, a espessura. Na hipótese de a
matriz destinar-se à impressão tipográfica, a espessura da madeira deve ser 23,3
milímetros, isto é, 2,33 centímetros, medida que corresponde à altura do tipo padrão em
tipografia.

Os discos ou tacos devem ser lixados até que sua superfície fique lisa como vidro. Como
vidro mesmo! Qualquer mínimo risco tornar-se-á uma linha branca terrivelmente visível na
gravura. É aconselhável fazer-se um desbaste inicial com emprego da lixadeira de fita
motorizada na marcenaria. Depois, dá-se o acabamento em casa, à mão ou com lixadeira
elétrica manual. Caso o acabamento se faça por lixamento manual, repetimos e insistimos
que convém envolver a lixa em um taco de madeira. Assim, o trabalho fica muito menos
cansativo e o lixamento se mantém sempre no mesmo plano, evitando-se a ocorrência de
ondulações na superfície tratada.

4. FERRAMENTAS

4.1. FERRAMENTAS PARA XILOGRAFIA AO FIO

As ferramentas básicas necessárias para xilografia ao fio são a faca, o formão e a goiva. A
palavra “faca” está aqui empregada com sentido bastante amplo. Abrange não só as
facas incluídas nas coleções usuais de ferramentas, como também qualquer canivete de
11

aço bem temperado ou outra lâmina cortante adaptada. Formão é um instrumento


igualmente cortante cuja lâmina, entretanto, trabalha em posição perpendicular à direção
da força empregada, isto é, a 90 graus em relação ao eixo do cabo. Goiva é um tipo de
formão com lâmina curva. As goivas podem ser abertas, fechadas e em forma de “v” ou
triangulares. São encontradas no mercado ferramentas ao estilo oriental e ao estilo
ocidental, podendo o gravador utilizar com igual proveito umas ou outras, ou ambas.

Embora o gravador faça uso de ferramentas que, substancialmente, são as mesmas do


escultor, é preciso ter sempre em vista que a xilografia não exige entalhes profundos. Os
cortes xilográficos têm uma profundidade irrisória, não ultrapassando um ou dois
milímetros. Por isso, as ferramentas do xilógrafo podem ser em geral menores e mais
delicadas do que as do escultor, e quase sempre são movidas pela simples pressão da
mão. Em casos excepcionais, quando se imponha uma ação mais enérgica, poderá ser
usado um pequeno martelo de madeira ou, melhor ainda, um cilindro de madeira.

Essas ferramentas são perigosas, caso usadas sem as devidas cautelas. Uma ferramenta
nunca deve ser acionada com a lâmina virada em direção ao corpo, sob pena de correr-
se o risco de acidentes gravíssimos, até fatais. A ferramenta sempre deve trabalhar com
a lâmina sendo empurrada para longe do corpo. É prudente que os inexperientes e as
crianças trabalhem com instrumentos do tipo oriental, pois ao menos são menores e de
metal mais frágil e curto.

Para que se trabalhe com segurança é necessário que a madeira fique muito bem fixada.
Quando a madeira está mal fixada, costuma soltar-se de repente sob a pressão da
ferramente e esta, então, resvala, desviando-se e atingindo, perigosamente, locais
indesejados, não raro a mão esquerda. Ou mão direita, se o gravador for canhoto.

Uma bancada de marceneiro é muito cômoda para fixar e trabalhar a madeira. No


entanto, com a falta de espaço que caracteriza as habitações de hoje, pouca gente pode
dar-se ao luxo de possuí-la. A bancada não fará nenhuma falta, desde que se construa um
simples equipamento. Toma-se um pedaço de compensado de 40 cm. x 40 cm., mais ou
menos, e dois pedaços de sarrafo também de 40 cm. de comprimento. Os sarrafos devem
ser pregados, em paralelo, em extremidades opostas do compensado, um em uma das
faces e o outro na face oposta.
12

Essa “bancada portátil” adaptar-se-á a qualquer mesa. O sarrafo de baixo garante o


travamento do conjunto na mesa e o sarrafo de cima servirá de apoio e escora para a
madeira a ser trabalhada.

Assim, a madeira só encontrará resistência quando se acionarem os instrumentos em


direção à escora, isto é, em direção que se afasta do corpo, afastando-se juntamente o
risco de acidentes. Será conveniente trabalhar sentado em uma cadeira, pois quando se
trabalha em pé há a tendência de o corpo debruçar-se sobre a mesa e,
imperceptivelmente, pode ocorrer de as ferramentas serem orientadas contra o corpo.

Apesar do apoio do sarrafo da “bancada portátil”, será entretanto necessário segurar a


matriz com a mão esquerda, enquanto a mão direita aciona a ferramenta (os canhotos,
por favor, invertam o exemplo e a explicação). A mão esquerda, porém, deve ficar abaixo
do nível da matriz e sempre aquém da área de ação da ferramenta. Geralmente, basta
empurrar com as pontas dos dedos a madeira contra o sarrafo.

Antes de se propor a gravar um trabalho definitivo, o principiante deve tomar um taco de


madeira e experimentar todas as ferramentas, uma a uma, sem pressa, para sentir suas
possibilidades, e deve esforçar-se por fazer o maior número possível de sinais diferentes.
Em seguida, imprimindo com esse taco sobre papel, deve observar como os cortes,
mesmo os mais banais, se transformam em linas ou áreas de branco e de preto, algumas
delas por si só bastante interessantes.

Ao gravar, é preciso também atenção para o fato de que a gravura apresenta o inverso do
que se entalhou na madeira. Se entalho o desenho de uma montanha à direita, ela ficará à
esquerda na gravura; se quero criar uma linha negra, devo entalhar dois sulcos paralelos
poupando a madeira entre eles, pois ela originará a linha na estampa; e assim por diante.

Para que o trabalho de entalhe se faça de maneira cômoda e produtiva, é preciso que os
instrumentos cortem bem. Ferramentas sem fio cansam e não produzem nada. As
ferramentas devem ser constantemente afiadas em pedra de amolar de granulação bem
fina, na qual se deixam pingar algumas gotas de óleo de máquina (óleo tipo “Singer”). Os
formões e as facas são afiados com movimentos de vai e vem na mesma direção da
lâmina. As goias exigem movimentos de vai e vem circulares. As goivas em “v” são
afiadas como se fossem dois formões planos, amolando-se um lado de cada vez.
13

4.2. FERRAMENTAS PARA XILOGRAFIA DE TOPO

O instrumento essencial para xilografia de topo é o buril. O buril se constitui de uma fina
barra de aço duríssimo, cortada em chanfro, formando um bisel de 30 a 45 graus 1 em uma
das extremidades, sendo que na outra se ajusta um cabo hemisfério de madeira. Ao
manuseá-lo, acomoda-se o cabo na palma da mão, enquanto os dedos polegar, indicador
e médio seguram a barra metálica. O dedo anular fica livre para apoiar-se sobre a madeira
quando o buril entra em ação, mantendo-se, então, a barra metálica com pequeno ângulo
em relação à superfície da madeira. À medida que se move o buril para frente, seu bisel
vai cortando a madeira e deixando nela um sulco. O sulco será mais profundo ou mais
raso, mais largo ou mais estreito de acordo com a pressão exercida pela mão e de acordo
com o tipo de buril empregado.

Os principais tipos de buril, dos quais damos a seguir os nomes acompanhados da


respectiva denominação inglesa: buril losango (graver lozenge-shaped blade), buril
quadrado (graver square blade), buril elíptico ou onglette (spitsticker), buril faca (tint
tool), buril reto (flat scorper), buril redondo (round scorper) e buril raiado (multiple tool).

Para começar a praticar, um buril losango e um buril raiado são suficientes. O buril faca se
presta para traços finíssimos com os quais se produzem fundos e meio-tom. Os buris reto
e redondo servem para desbastar áreas maiores, funcionando, respectivamente, como
diminutos formão e goiva.

O buril sempre deve trabalhar empurrado para frente . Quando se deseja cortar em curva,
a matriz é que deve ser girada, enquanto o buril continua a seguir em frente.

Para maior mobilidade da matriz, é comum apoiá-la sobre uma almofada de couro,
redonda e cheia de areia fina. O diâmetro da almofada pode variar de acordo com o
tamanho das matrizes usualmente trabalhadas pelo gravador. É comum o diâmetro de
cerca de 20 cm. Em sua falta, a almofada pode ser substituída precariamente por um livro
grosso envolvido em papelão.

Madeiras adequadas e convenientemente preparadas são cortadas com facilidade pelo


buril bem afiado, que nelas deixará sulcos de bordas limpas e firmes. A afiação de um buril
exige, entretanto, muita atenção e paciência. Utiliza-se, para afiá-lo, uma pedra de
1
Buris para gravação em metal têm chanfro de 45 a 60 graus.
14

Arkansas, que é encontrada, em geral, em loas fornecedoras de equipamentos para


joalheiros. Na falta de pedra de Arkansas, pode ser usada lixa de caixas de fósforo. Neste
caso, convém desmontar a caixa e colar as lixas em um suporte rígido, para que fiquem
bem planas. Pedras de amolar comuns só podem ser usadas se tiverem granulação
finíssima e, mesmo assim, costumam causar desgaste excessivo. Os buris são afiados
atritando-se suave, mas firmemente, a face chanfrada (em bisel) sobre a pedra ou lixa de
caixa de fósforo. Para que a face chanfrada não fique “desbeiçada”, isto é, abaulada
perto das arestas, é necessário, durante a afiação, segurar o buril pela haste de aço, bem
perto da ponta, e não pelo cabo.

Os sulcos deixados pelo buril são às vezes tão finos que se torna conveniente ter à mão
uma lente de aumento. Embora não seja indispensável, a lente pode auxiliar bastante
quando for necessário observar certos pormenores da gravação.

A riqueza de pormenores e a sutileza dos traços obtidos na xilografia de topo tornam


indispensável uma iluminação adequada, principalmente durante períodos muito longos
de trabalho. É adequada a iluminação razoavelmente intensa, porém difusa. Luz vinda de
um foco único e direto, como o de um spot, é péssima, por provocar reflexos incômodos.
O ideal é encostar a mesa de trabalho abaixo de uma janela de vidros foscos, sentando-se
o xilógrafo de frente para a janela, de tal modo que a matriz fique entre ele e a janela. Se
os vidros não forem foscos, aplica-se na janela uma folha de papel vegetal fino, que lhe
tampe todo o vão. Assim, a luz, coada pelo papel, se difundirá na justa medida sobre a
mesa de trabalho. Para trabalhar à noite, pode ser usado o mesmo expediente,
colocando-se por trás do papel o lustre que servirá de fonte luminosa.

Uma última informação: onde comprar um buril? É possível encontrar buris à venda em
lojas que fornecem materiais e ferramentas para ourivesaria.

5. GRAVAÇÃO DA MATRIZ

A gravação da madeira para transformá-la em matriz é um trabalho estimulante por ser,


antes de mais nada, um ato de criação. Como todo ato de criação, impõe devotamento e
15

concentração totais, o que, por sua vez, pressupõe espírito tranquilo e um certo
isolamento. Não devemos tentar trabalhar, especialmente em se tratando de xilografia
de topo, quando um compromisso imediato nos mantenha sob tensão. Não nos
referimos a situações em que nos encontramos tristes ou preocupados com problemas
mais ou menos remotos, a respeito dos quais nada podemos fazer de imediato. Nesses
casos, a xilografia até ajuda a descontrair. Difícil é trabalhar quando sabemos que algo
deve ser feito imediatamente e depende somente de nós fazê-lo. Usando exemplos: a
preocupação com uma grande dívida que devemos pagar daqui a três meses não nos
impede de trabalhar, mas saber que há alguém na sala ao lado esperando para falar
conosco, mesmo para um simples bate-papo, pode tornar-se insuportável.

Ademais, antes de iniciar uma gravação, é preciso ter em mente que a madeira não faz
milagres. As xilogravuras têm, é certo, uma enorme força intrínseca, fruto de poderosos
contrastes de branco e preto que outras técnicas de desenho e gravura só raríssimas
vezes conseguem. No entanto, esse vigor plástico não é fruto do acaso. Muito pelo
contrário, resulta da ação do artista. Erram, portanto, aqueles que tomam um taco de
madeira e começam a cortá-lo sem prévia meditação, como se apenas do lenho
dependesse o êxito do trabalho.

Toda gravura deve ser precedida de um estudo. Alguns gravadores realizam esse estudo
mentalmente, mas a maioria o faz com lápis e papel. Destes, uns traçam apenas parcos
esboços, enquanto outros desenham até as minúcias. Há também os que trabalham com
o lápis diretamente sobre a madeira. Todos, entretanto, de um jeito ou de outro, fazem
um estudo prévio.

Aconselhamos, em especial aos principiantes, que façam estudos com lápis e papel,
dispensando, porém, o excesso de minudências, pois a linguagem da xilogravura é
diferente daquela do lápis, não se justificando, portanto, fazer com lápis pormenores que
serão diferentes, ou mesmo impraticáveis, quando transferidos para a madeira.

Feito o estudo, é necessário transferi-lo para o taco. Se as linhas do desenho forem muito
simples, a cópia poderá ser feita à mão, com o lápis atuando diretamente sobre a
madeira, não esquecendo, porém, o xilógrafo de que tudo deverá ser desenhado
invertido, ao contrário. Para transferir o desenho do papel para a madeira, melhor mesmo
será utilizar papel-carbono. Toma-se uma folha de papel-carbono e coloca-se sobre a
16

mesa de trabalho com a face carregada de tinta voltada para cima. Sobre ela aplica-se o
papel desenhado. À medida que, com um lápis duro, se vai pressionando e percorrendo
as linhas do desenho, estas vão sendo impressas no verso do papel pelo carbono. Ao fim
do processo ter-se-á, nas costas do papel, o inverso do desenho original, como se este
fosse visto por trás. Caso alguém não queira sujar o verso do papel no qual se contém o
desenho original, basta colocar entre este e o carbono uma outra folha de papel, na qual
se fixará o desenho invertido. Outra maneira de inverter o desenho, aliás bem mais
simples, consiste em aplicar sobre ele uma folha de papel vegetal, na qual ele pode ser
copiado a lápis por transparência. Depois, a simples inversão da folha redundará na
inversão do desenho. Obtida a inversão do desenho, o passo seguinte será transferi-la
para a madeira, o que se faz sem dificuldades, outra vez com o auxílio do papel-carbono.
Agora, o carbono é colocado com a parte carregada de tinta voltada para o bloco. Sobre
ele se aplica a inversão do desenho e, à medida que o lápis percorre suas linhas, elas se
transferem para a madeira (se a madeira for escura e o carbono também, pode-se antes
esfregar sobre ela um pouco de cal; se madeira e carbono forem claros, entinta-se
previamente a madeira com o rolo de impressão. Esses simples expedientes realçarão o
contraste e tornarão mais visíveis os traços a carbono). As linhas deixadas pelo papel-
carbono sobre a madeira podem ser repassadas com caneta hidrográfica, a fim de
garantir que não se apaguem com o posterior manuseio. Na explicação acima transcrita
pressupõe-se, é óbvio, que o desenho do estudo original tenha respeitado as dimensões
do taco de madeira a ser empregado, pois as transferências se fazem sempre em igual
escala.

Ao iniciar o entalhe, é preciso lembrar que qualquer corte em excesso converte-se em


defeito definitivo. Diferentemente do erro do lápis, que a borracha apaga, o descuido na
madeira não tem retorno. Nem por isso o xilógrafo deve trabalhar apavorado. Para evitar
problemas, basta agir com cautela, sem afobação e, principalmente, tirar seguidas Provas
de Estado. Chama-se Prova de Estado a prova que o xilógrafo imprime sobre papel
durante o decorrer da gravação, para cientificar-se de como está evoluindo o trabalho (no
capítulo “Impressão da gravura” o leitor encontrará orientação necessária para imprimir,
motivo pelo qual não descrevemos aqui o ato de impressão).
17

É aconselhável, em uma primeira sessão, entalhar apenas as linhas básicas do desenho e,


logo, tirar uma Prova de Estado. Com essa primeira prova nas mãos, o xilógrafo começa a
sentir onde deve e onde não deve intervir. Cautelosamente, volta ao taco de madeira e
entalha mais um pouco. De imediato, tira uma segunda prova e, assim, segue em frente,
sem pressa, entremeando as sessões de entalhe com sucessivas Provas de Estado.

Depois de muitas provas, às vezes mais de dez, o artista atinge o resultado final
pretendido.

6. IMPRESSÃO

No mundo da gravura, o momento mais emocionante é o da impressão da matriz. Como


afirmou Jaume Pla em seu livro “Grabado Calcografico” (Cf. Referências), “nem mesmo o
gravador mais tarimbado pode evitar a impaciência e a emoção”. É curioso, mas a
emoção é igualmente intensa tanto ao se tirar uma simples Prova de Estado, quanto ao se
chegar à prova fina, à prova Bon à Tirer, a partir da qual se iniciará a tiragem da edição.
A impressão pressupões disponibilidade de papel e tinta, e exige alguns equipamentos.
Não nos alongaremos no estudo do papel por ser vastíssima essa matéria, enquanto que
este livro pretende apenas divulgar o essencial para quem se inicia no campo da
xilografia2. O principiante pode lançar mão do papel que melhor lhe convenha, dando
preferência aos mais texturados para xilogravuras ao fio e aos mais lisos para xilogravuras
de topo. Depois, percebendo a necessidade de melhorar seu trabalho, procurará em lojas
de materiais artísticos papéis mais confiáveis, chegando até a comprar papel de trapo
italiano ou alemão ou, então, o chamado papel de arroz japonês. Quando deixar de ser
principiante e se sentir verdadeiramente um xilógrafo, crescerá dentro dele o interesse
pelo papel e procurará ler livros que versem o assunto, consultará artistas mais
experientes, visitará especialistas e até fábricas de papel. Não tem sido raros os casos de
gravadores que acabaram por produzir seu próprio papel.

2
A respeito da história do papel, sugerimos a leitura de nosso livro “Comunicação do grito ao satélite”. Com
relação à conservação e restauração de papéis, sugerimos o livro “O papel”, de Edson Motta e Maria L. G.
Salgado. Os livros de Chamberlain e o de Dawson trazem bons capítulos a respeito do papel. Todos os
títulos e autores aqui mencionados estão arrolados nas Referências que se encontram na parte final deste
livro.
18

Algo que importa saber desde logo é o seguinte: o papel é um material mais resistente do
que as pessoas em geral pensam. Desde que fabricado com matéria-prima conveniente e
desde que bem protegido, o papel pode durar indefinidamente. Embora pouco resistente
em relação a agressões mecânicas, o papel recebe das fibras de celulose, que o
constituem, uma notável resistência química. Dentre seus vários inimigos, os dois piores
são a umidade e o sol. A umidade facilita a proliferação de microrganismos que se
alimentam da cola misturada à pasta de celulose, tornando o papel frágil como um mata-
borrão. O sol, por seu turno, envelhece-o, deixa-o quebradiço. Segundo Edson Motta (Cf.
Referências), para o papel, “cada 100 horas de sol equivalem a 20 anos de
envelhecimento à luz intensa”.
A tinta utilizada em xilografia é, geralmente, a tinta tipográfica. Quem não tiver em sua
cidade uma loja especializada em material tipográfico, poderá, entretanto, encontrar por
perto alguma tipografia que lhe venda meio quilo de tinta. Aconselhamos usar tinta de
primeira linha e, de preferência, já dotada de secante.
Agora, comecemos a imprimir. Os equipamentos necessários serão apresentados ao
longo da descrição.
A tinta deve ser retirada da lata com o auxílio de uma espátula e transferida, em pequena
quantidade, para a superfície de uma pedra lisa ou de um vidro. Um pedaço de mármore
polido, resto de uma pia de cozinha que se quebrou, pode servir. Há quem use uma pedra
litográfica. O mais fácil de obter é um pedaço de vidro grosso de 40 x 60 cm., mais ou
menos, com os cantos lixados, isto é, sem bordas cortantes. Uma opção barata pode ser
a de procurar um vidro temperado e plano em funilarias ou locais de desmanche de
automóveis; é vidro muito resistente.
Em seguida, a tinta é estendida sobre a pedra ou vidro pela ação do rolo de entintamento
(se a tinta estiver densa demais, pode-se pingar sobre ela algumas gotas de óleo de
linhaça. Em geral, porém, a tinta já vem da fábrica com a consistência adequada). O
entintador é composto de um cilindro de borracha montado sobre um eixo metálico
ajusta a um suporte dotado de cabo. É o mesmo instrumento que os tipógrafos e
linotipistas empregam para entintar matrizes com as quais tiram provas em tira-prova
manual.
Quando a tinta estiver espalhada uniformemente sobre a pedra ou vidro, passa-se ao
entintamento da matriz. A operação consiste em rolar o cilindro de borracha, já
entintado, sobre a matriz, para transferir-lhe tinta. O xilógrafo fola o cilindro na tinta e
depois na matriz, na tinta e depois na matriz, repetindo a operação até que a matriz
tenha recebido o entintamento necessário. Em se tratando de xilografia de topo, a
19

operação deve ser repetida uma dezena de vezes, pois não se deve espalhar muita tinta,
nem carregar demais o rolo, sob pena de, ao passar sobre a matriz, a tinta entupir os
finíssimos cortes de buril. Nas matrizes de topo, a tinta, portanto, deve ser passada a
pouco e pouco.
Em qualquer hipótese, quando se entinta a matriz pela primeira vez é frequente a tinta
“sumir”, porque uma parte dela é absorvida pelos capilares da madeira. Por isso, feito o
primeiro entintamento, é aconselhável deixar a matriz em repouso durante alguns
minutos, até que os poros da madeira se saturem de tinta. Depois, entinta-se de novo,
agora para imprimir.
Já sabemos que a xilografia é uma técnica de impressão em relevo, isto é, a tinta não
penetra nas cavidades e sulcos da matriz; fixa-se nas partes salientes por meio das quais
se transfere para o papel. Essa transferência exige uma certa pressão, que pode ser
produzida de várias maneiras.

6.1. IMPRESSÃO À MÃO

A maneira mais acessível, quanto ao custo do equipamento, é a impressão com colher.


Entinta-se a matriz e sobre ela se aplica a folha de papel. A seguir, fricciona-se o verso do
papel com uma colher de pau, bem lixada, sem arestas nem defeitos, a título de brunidor.
Desse modo, a tinta é forçada a passar para o papel. É conveniente que este seja leve,
quase transparente, como, por exemplo, o papel de arroz, pois assim, à medida que se
trabalha com a colher, vão se sobressaindo as áreas nas quais a tinta já se mudou da
matriz para o papel. O trabalho não é difícil, mas exige um certo treino. Ninguém deve
esperar bom resultado na primeira tentativa. A cada tentativa seguinte, porém, o
resultado será mais compensador (se o papel usado for muito frágil, é de prudência
manter um pedaço de cartão entre ele e a colher. O pedaço de cartão vai sendo mudado
de lugar pela mão esquerda, enquanto a direita aciona a colher). Para exercícios, pode-se
usar papel de seda.

Xilogravuras impressas à mão, principalmente quando ao fio, são muito apreciadas. A


título de justificação histórica, basta lembrar que todas as gravuras japonesas da Escola
Ukiyo-ê foram produzidas por esse processo. Com o baren de bambu, equivalente oriental
de nossa colher, imprimiram-se gravuras que alcançaram dezenas de milhares de cópias.
20

6.2. IMPRESSÃO COM PRENSA

A impressão pode ser feita também com prensa. Ao xilógrafo basta a prensa de rosca.
Diferentemente da gravura em metal, a xilografia não exige prensa de cilindros. Nada
impede que uma prensa de cilindros seja usada, desde que entre eles se garanta o espaço
necessário, pois a matriz xilográfica é muito mais grossa que a calcográfica. Ademais,
quem quiser trabalhar com máquina de impressão motorizada deverá utilizar uma prensa
de cilindros. A prensa de cilindros tem a vantagem de produzir uma pressão muito mais
intensa, no entanto seu preço é consideravelmente maior. As prensas de rosca ainda
podem ser encontradas com relativa facilidade, até mesmo em ferros-velhos. São aquelas
velhas prensas que se usavam para tirar cópias em livros fiscais e, antigamente, eram
encontradas nos escritórios de contabilidade e nas casas comerciais.

Com o emprego da prensa, a impressão se torna menos trabalhosa e mais rápida. No


mundo da xilogravura de topo, é a forma de impressão mais usada, inclusive por causa do
parentesco histórico que, no século passado, enlaçou a xilografia de topo à tipografia.

Para imprimir é necessário uma “bandeja” de madeira, que servirá de berço. Pode ser um
pedaço de compensado cuja medida será algo menor que a largura da boca da prensa.
Sobre o compensado estende-se um feltro grosso, geralmente comprado em uma selaria,
pois é o mesmo feltro que se enfia entre a sela e o lombo do cavalo. Sobre o feltro deita-
se o papel e, afinal, em cima deste aplica-se a matriz entintada. O conjunto assim formado
é enfiado na prensa, na qual será prensado vigorosamente. Saindo da prensa, o conjunto
é recolocado sobre uma mesa e, com mão firme e decidida, retira-se o taco, levantando-
se-lhe um dos lados enquanto a extremidade oposta continua apoiada sobre o papel.
Para evitar borrões, o gesto não pode ser tremido ou interrompido; deve ser rápido, mas
sem afobação.

Eis, enfim, a gravura pronta.

Também se pode imprimir usando a disposição inversa. Coloca-se na “bandeja” a matriz


com a parte entintada voltada para cima. Sobre ela aplica-se o papel e, por último, sobre
o papel coloca-se o feltro. Esta disposição, aliás, é a mais ortodoxa, pois na impressão
com prelo sempre foi a ordem adotada. Cada gravador é livre para escolher a disposição
que lhe pareça mais cômoda. Não deve esquecer, porém, que o feltro vai sempre junto ao
21

papel, atrás dele, para protegê-lo e para evitar que, com a pressão, as bordas da matriz
acabem por cortá-lo.

As gravuras devem ser postas a secar durante um tempo que variará de acordo com a
natureza da tinta (tintas que contenham maior quantidade de secante, obviamente
secarão mais rápido). Existem no mercado secadores com gavetas de arame, com os
quais se podem pôr a secar muitas cópias em pequeno espaço. Para tiragens reduzidas,
talvez baste espalhar as gravuras sobre uma mesa até que sequem. Um expediente
barato e prático consiste em estender-se um varal de fio de nylon (linha de pesca) no qual
se dependuram as cópias por meio de prendedores de roupa, tomando-se cautela para
que a pressão por eles exercida não deixe marcas no papel.

A qualidade da impressão é de capital importância no processo de produção de gravuras.


Uma impressão mal feita pode prejudicar, e muito, o resultado final. Além da tarimba, que
só o tempo permite conquistar, é indispensável respeitar algumas regras básicas, dentre
as quais a mais importante de todas é a limpeza. O trabalho de impressão exige muita
limpeza e o local onde ele será executado deve ser, no mínimo, varrido com pano úmido.
Qualquer impureza que fique flutuando no ar pode revelar-se um desastre, seja sujando a
tinta, seja ocasionando falhas na gravura ao assentar-se sobre a matriz. Com gravuras de
topo o problema pode atingir as raias do dramático, pois qualquer mínima imperfeição
pode ser perceptível em contraste com os delicados sinais deixados por finos buris.

Outra regra a respeitar é também de limpeza: a limpeza das mãos. Ao longo de uma
tiragem convém lavar as mãos com frequência, para evitar que o inocente resvalo de um
dedo sujo inutilize o exemplar já gravado. É aconselhável, além disso, apanhar os papéis
com uma pinça de lata, que pode ser feita pelo próprio xilógrafo. A mesma pinça pode ser
feita de papelão.

Terminada a impressão, limpa-se a matriz, esfregando-a sobre jornal. Arremata-se a


limpeza passando sobre ela um pano embebido em solvente (querosene ou tíner).
Quando se acabou de imprimir uma Prova de Estado e se pretende, logo a seguir, após
alguns entalhes mais, tirar outra prova, convém aplicar pouco solvente, caso contrário a
nova prova poderá sair borrada por misturar-se o solvente co a tinta.
22

Linhas atrás, aconselhamos colocar pouca tinta na pedra ou vidro. Agora explicamos o
porquê. Desde que sai da lata a tinta começa a “sujar-se”. Ao cabo de uma tiragem, por
mais cuidado que se tome, a tinta já estará carregada de boa dose de impurezas. Por isso,
a tinta que sobra deve ser guardada em outra lata e só deve ser utilizada para tirar Provas
de Estado, nunca para uma impressão definitiva.

Ao fim de um dia de trabalho, a pedra ou o vidro, bem como o rolo entintador, devem ser
lavados com solvente esparrado por meio de pincel grosso e enxugados com jornal, que
funciona como ótimo absorvente.

Uma observação final: o papel de impressão deve ser sempre bem maior que a matriz.
Vale dizer: é necessário que a gravura ostente sempre amplas margens brancas, a toda
volta. A gravura em papel exíguo parece asfixiada. Perde a força.

7. IMPRESSÃO A CORES

A impressão a cores pode ser feita utilizando-se uma matriz ou empregando-se várias
matrizes. A impressão a cores com o emprego de uma única matriz conduz, em geral, a
resultados mais modestos, não permitindo a liberdade criativa da impressão com várias
matrizes. O uso de várias matrizes, uma para cada cor, favorece, ademais, a multiplicação
das cores e dos tons graças à fusão das tintas superpostas ao longo das sucessivas
impressões.

7.1. IMPRESSÃO A CORES COM UMA SÓ MATRIZ

A maneira mais acessível, quanto ao custo do equipamento, é a impressão com colher.


Entinta-se a matriz e sobre ela se aplica a folha de papel.

A primeira delas é a técnica chamada “arco-íris”: aplicam-se as várias tintas na matriz,


cada cor na área que lhe compete de acordo com o que predeterminou o artista. Nesta
técnica, costuma ser inviável o uso do rolo entintador, salvo na rara hipótese de as linhas
divisórias entre as cores serem rigorosamente retas. Na impossibilidade de empregar o
23

rolo, pode-se usar uma borracha (de apagar lápis) grande. A borracha é molhada na tinta
e, depois, “martelada” na matriz em repetido sobe-desce da mão. Espalhar tinta sobre a
matriz com pincel raramente dará certo, não só por ele enfiar tinta nos sulcos, como
também por deixar sinais de sua passagem, o que contraria a linguagem das artes
gráficas. É importante que as fronteiras entre as várias cores sejam bem demarcadas e
respeitadas, para que as gravuras saiam iguais umas às outras. Se saírem desiguais, não se
poderá falar de uma tiragem, mas sim de sucessivas monotipias.

Outra maneira de fazer impressão colorida com uma única matriz consiste em serrar a
matriz, depois de pronta, em tantas partes quantas virão a ser as áreas de cor. A matriz,
após o corte, ficará parecendo um quebra-cabeças e, para a impressão, cada um de seus
pedaços será entintado com uma cor diferente. A impressão pode ser feita em uma única
prensagem, reunidos todos os pedaços para recompor a matriz inteira, ou em prensagens
sucessivas, uma para cada pedaço, isto é, uma para cada cor. O resultado costuma ser
bem pobre e um problema sério é o da linha branca que denuncia o lugar onde a serra,
mesmo sendo tico-tico, retirou substância à madeira.

A terceira maneira consiste em trabalhar a matriz até o ponto em que esteja pronta para
imprimir a cor mais clara, de uma sequência que o gravador tem em mente. Imprimem-se,
então, com essa cor, tantas cópias quantas devam ser as gravuras da edição completa
imaginada. Em seguida, o xilógrafo volta a trabalhar na mesma matriz, retirando madeira
aqui e ali, como lhe pareça necessário, até deixá-la pronta para imprimir uma segunda cor,
que será mais escura que a anterior. Imprime-se sobre as cópias sua segunda cor. Volta,
de novo, o artista a trabalhar a matriz e, assim, prossegue trabalhando e imprimindo, a
cada vez uma nova cor sempre sobre as mesmas cópias. Ao cabo do processo, teremos
tantas gravuras prontas quantas tenham sido as cópias e uma única matriz, que
corresponde apenas à última cor. Essa técnica exige grande domínio no entalhe, porque o
corte errado marcará com sua presença em várias impressões, e muita vivência no uso da
cor, pois a futura gravura deve estar imaginariamente composta e colorida na cabeça do
artista desde o começo do trabalho. Esta técnica equivale à impressão com diversas
matrizes, com a diferença de que, aqui, a cada impressão uma matriz é destruída,
restando ao final apenas a da última versão.
24

7.2. IMPRESSÃO A CORES COM VÁRIAS MATRIZES

A melhor maneira de conseguir-se boa impressão a cores consiste em preparar uma


matriz para cada cor. Haverá sucessivas impressões, pois a cada vez se prensará uma das
matrizes sobre o papel. As impressões devem se iniciar com as matrizes responsáveis
pelas cores mais claras e terminar com aquelas que imprimirão as cores escuras. A maior
dificuldade que este método oferece é fazer as sucessivas matrizes serem impressas
rigorosamente no mesmo local do papel. Em outras palavras, as impressões das matrizes
de cores sucessivas devem coincidir umas sobre as outras para que a gravura não fique
“tremida”. Para conseguir bom resultado, o impressor deve valer-se de um registro.
Chama-se registro o sinal por meio do qual se marca a posição das matrizes em relação ao
papel, para que as impressões se façam todas no lugar devido.

Uma forma de registrar consiste em desenhar no berço (“bandeja de madeira”) os


lugares das várias matrizes e marcar um local, nas bordas do berço, onde se fixará sempre
o papel (pressupõe-se, é óbvio, que as matrizes serão colocadas com a parte entintada
voltada para cima, e sobre elas se aplicará o papel). Como entre o local de cada matriz e o
local de fixação do papel há uma relação que é uma constante, as impressões cairão
sempre no local desejado, ao longo das sucessivas prensagens.

Outro tipo de registro é o kento dos japoneses. Consiste em fazer dois sinais nos blocos
de madeira à margem do desenho entalhado. Esses sinais servirão de guia para aplicação
do papel. Este sistema traz para o próprio bloco o sinal de fixação de papel, que o
método anterior apunha no berço, mas tem o inconveniente de inutilizar as margens da
gravura, pois, onde teríamos as belas e amplas margens brancas, teremos o sinal do
kento. Desde que o gravador se conforme com gravuras sem margens…

Ainda um método cabe lembrar aqui: o método das agulhas. Tomam-se duas agulhas
longas e finas. Imprime-se normalmente a primeira cópia. Antes de levantar o papel,
espetam-se as duas agulhas em extremidades opostas da matriz. Toma-se a cópia e
aplica-se sobre outro bloco de madeira. Ali se espetam as agulhas nos mesmos orifícios
deixados no papel pela primeira operação. Com isso, marca-se no segundo bloco a
posição relativa dos furos deixados no primeiro. Deste segundo bloco, que passará a ser o
bloco-chave, transferem-se essas posições relativas para todas as outras matrizes
25

preparadas para as várias cores. Daí em diante, para cada impressão, cada folha de papel
que deva ser impressa será estendida, antes de mais nada, sobre o bloco-chave, e então
transpassada pelas agulhas que penetrarão os dois pequenos orifícios por elas mesmas
abertos na primeira operação. Em seguida, o papel é transportado, ainda transfixado
pelas agulhas, até a matriz entintada. Ali, as agulhas serão enfiadas nos orifícios
respectivos, e o papel, usando-as como guia, será baixado. Acomodado o papel sobre a
matriz, retiram-se as agulhas e prensa-se. E assim sucessivamente…

Este livro não ambiciona mais do que ser um simples manual introdutório à Xilografia. Por
isso, não nos alongaremos no tema da impressão a cores. Acreditamos que o principiante
deva forçosamente começar a trabalhar com gravuras em uma só cor. Depois, com o
tempo, desenvolverá, se quiser, impressões coloridas. Escrevemos “se quiser”, e
grifamos, porque ninguém é obrigado a pôr cor em suas gravuras. Aliás, existem até hoje,
embora em minoria, gravadores muito ortodoxos que, deliberadamente, não praticam
gravura em cor. Entendem eles que a linguagem tradicional, a força criativa e a beleza
peculiar da gravura estão no preto-e-branco.

Cá para nós: quase concordamos co eles.

8. EDIÇÃO

Ninguém produz uma trabalhosa matriz xilográfica para tirar apenas uma cópia. Todo o
longo a afanoso trabalho de entalhe destina-se a gerar muitos exemplares por meio da
impressão. Denomina-se edição a esse conjunto de exemplares impressos, devidamente
numerados e assinados.
A numeração da tiragem é lançada, a lápis, no lado esquerdo da margem inferior da
gravura, e logo abaixo da área impressa. Ali, o artista apõe dois números separados por
uma barra: o primeiro corresponde ao exemplar em sua ordem sequencial de impressão,
o segundo indica o total de cópias da edição e, por isso, repete-se igual em todas elas.
Uma edição de 50 cópias, por exemplo, será numerada com os seguintes números: 1/50
para a primeira cópia, 2/50 para a segunda cópia, 3/50 para a terceira… 50/50 para a
última. Com cada matriz o xilógrafo somente pode fazer uma edição, e a indicação do
26

número de cópias é a garantia dada ao comprador de que haverá no mundo apenas


aquela quantidade de exemplares. Por tradição, admite-se que o artista, mesmo
vendendo a edição completa a um marchand, tire cerca de 10% (dez por cento) de cópias,
além da tiragem declarada, para si mesmo com intuito de guardar, dar ou vender. Essas
cópias Extras são denominadas Provas de Autor, abreviadamente P.A. Para ser honesto, o
gravador deve numerar essas cópias P.A., indicando não só o número de ordem de cada
uma, como também o total da tiragem. Entre a edição normal e a edição de Provas de
Autor, só deve haver uma diferença: as P.A. se numeram com números romanos,
enquanto a edição normal leva algarismos arábicos. Reaproveitando o exemplo acima,
podemos dizer que, para uma edição de 50 cópias, admitem-se 5 Provas de Autor, assim
numeradas: I/V, II/V, III/V, IV/V e V/V. Como nem todos os gravadores obedecem a regra
que manda atribuir números romanos às Provas de Artista, convém, por amor à clareza,
colocar antes do número a inscrição “P.A.”. Assim: P.A. I/V, P.A. II/V, P.A. III/V, P.A. IV/V e
P.A. V/V. As Provas de Estado (P.E.) das quais falamos no capítulo 5 (Gravação da matriz)
também podem ser numeradas, mas com simples numerais em sequência, mesmo
porque não se pode adivinhar quantas P.E. serão feitas até chegar-se ao final da gravação.
Desse modo, as Provas de Estado vão sendo numeradas assim: P.E. 1, P.E. 2, P.E. 3, etc.
Quando um artista se torna muito famoso, sempre surgem colecionadores ávidos por
Provas de Estado de suas gravuras. Embora a Prova de Estado não corresponda à obra
acada e, para o artista, seja esteticamente inferior aos exemplares da edição, a verdade é
que, no dizer de Orlando da Silva, “o estado, além da raridade, vale pelo conhecimento
que dá do temperamento do artista. Pode-se ler a personalidade através dos estados
como se faz com o manuscrito, na grafologia”. O xilógrafo deve guardar seus P.E.,
mesmo que não tencione vendê-los. Deve mantê-los organizados em pastas, ainda que
simples e de papel de embrulho, pois, a par do enorme conteúdo afetivo que encerram,
servem de ensinamento para as gravações futuras.
Além do número, as gravuras devem levar a assinatura do artista. Este as assina, uma a
uma, a lápis, no lado direito da margem inferior da gravura, logo abaixo da área impressa.
Ao assinar, ele atesta a veracidade da numeração e fica responsável por ela, e também
autentica a autoria da gravura. Junto à assinatura, convém lançar a data de sua
impressão; pelo menos, o ano.
No espaço que medeia entre o número e a assinatura pode ser escrito, a lápis, o título da
obra. Embora não seja muito comum, é permitido ao artista acrescentar, junto ao título,
dedicatória a um amigo ou outra mensagem que lhe pareça conveniente.
27

Se as gravuras não foram impressas pelo próprio artista, é lícito que o impressor também
assine as cópias, indicando sua participação com as letras IMP, abreviatura de impressit,
isto é, “imprimiu”, em latim.
Número, assinatura, título, todos são escritos a lápis porque o grafite não criará
problemas quando o papel, marcada pelo tempo e pelos fungos, precisar ser clareado
com emprego de agentes químicos.
Terminada a edição, numeradas e assinadas todas as gravuras, a matriz deve ser
inutilizada com dois talhes cruzados, ou serrada em pedaços. Alguns gravadores não têm
coragem (eu também!) de destruir a matriz que trabalharam com tanto carinho. Nesse
caso, podem optar por cortar-lhe apenas um canto ou entalhar nela sua assinatura (no
passado, a assinatura entalhada e, daí impressa, não tinha esse significado).
A menos que o xilógrafo já tenha seu nome bem firmado no mercado de arte, não
chegará a tirar edições de cada matriz que prepare, pois tamanho número de gravuras
ultrapassará em muito a quantidade de compradores disponíveis. Neste caso, o autor
pode lançar mão de um simples estratagema: edita, de cada matriz, apenas as provas de
autor e, ao expor seus trabalhos, notando preferência marcada do público por
determinadas gravuras, fará delas edições completas.
De todas as gravuras, quer editadas, quer não, o xilógrafo deverá fazer uma ficha para
seu arquivo, na qual indique o título da gravura, a data de preparação da matriz e da
edição, a técnica empregada, o tipo de madeira usada, o número das provas de autor e a
tiragem da edição completa, e eventualmente outras anotações que tenham alguma
utilidade futura ou representem descobertas em seu infindo aprendizado. É óbvio que,
em vez de fichas, o gravador poderá lançar mão de um caderno, se assim preferir.
28

REFERÊNCIAS

AVERMATE, Roger. La gravure sur bois moderne de l'Ocident. Paris: Dorbon Ainé, 1928.
BLISS, Douglas Percy. A history of wood engraving. Londres: J. M. Dent, 1928.

BLUM, André. Les origines du papier, de l'imprimerie et de la gravure. Paris: Tournelle, 1935.
CASTLEMAN, Riva. Prints of the twentieth century: a history. Londres: Thames & Hudson, 1978.

CENNINI, Cennino. Il libro dell'arte. Vicenza: Neri Pozza, 1971.


CHAMBERLAIN, Walter. Wood engraving. Londres: Thames & Hudson, 1978.

___________________. Woodcut printmaking and related techniques. Londres: Thames &


Hudson, 1978.

COSTELLA, Antonio. Comunicação do grito ao satélite. Campos do Jordão: Mantiqueira, 1984.


________________. Introdução à gravura e história da xilografia. Campos do Jordão:
Mantiqueira, 1984.
________________. Para apreciar a arte. Campos do Jordão: Mantiqueira, 1985.

DAWSON, John. Guia completa degrabado e impresion tecnicas y materiales. Madri: Blume, 1982.
DIDOT, Ambroise Firmin. Essai typographique et bibliographique sur l'histoire de la gravure sur
bois. Paris, 1863.
FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e letra – introdução à bibliologia brasileira, a imagem
gravada. São Paulo: Edusp, 1976.
GUSMAN, Pierre. La gravure sur bois em France au XIXe. siècle. Paris: Albert Morancé, 1929.

HIND, Arthur Mayer. An introduction to a history of woodcut, with detailed survey of work done
in the fifteenth century. Boston: Houghton Mifflien, 1935.

LEITE, José Roberto Teixeira. A gravura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Artes Gráficas
Gomes de Souza, 1965.

McMURTRIE, Douglas C. O livro – impressão e fabrico. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1969


MOTTA, Edson; SALGADO, Maria Luiza Guimarães. O papel – problemas de conservação e
restauração. Petrópolis: Museu de Armas Ferreira da Cunha, 1971.
PLA, Jaume. Tecnicas del grabado calcografico y su estampación. Barcelona: Blume, 1977.

RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. Rio de Janeiro: Kosmos, 1946.
____________. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Nacional, 1977.

SERVOLINI, Luigi. La xilografia. Verona: Mondadori, 1950.


SILVA, Orlando da. A arte maior da gravura. São Paulo: Espade, 1976.

SILVA, Oswaldo. Gravuras e gravadores em madeira – origem, evolução e técnica da xilografia.


Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941.

Você também pode gostar