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Instituições e Reforma

Psiquiátrica
Prof. Reynaldo de Azevedo Gosmão

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. Reynaldo de Azevedo Gosmão

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

G676i

Gosmão, Reynaldo de Azevedo

Instituições e reforma psiquiátrica. / Reynaldo de Azevedo


Gosmão – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

156 p.; il.

ISBN 978-65-5663-916-1
ISBN Digital 978-65-5663-912-3

1. Saúde mental. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 150

Impresso por:
Apresentação
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Instituições e
Reforma Psiquiátrica, tema que aborda várias questões, desde o nascimento
do hospital psiquiátrico e a psiquiatria como disciplina; os movimentos
de reforma da psiquiatria; até a reforma psiquiátrica como processo social
complexo: dimensões teórico-conceitual, sociocultural, técnico-assistencial
e jurídico-política; reforma psiquiátrica brasileira; atenção psicossocial;
CAPS (Centro de Atenção Psicossocial); rede de atenção psicossocial;
desinstitucionalização; hospital e internação e estigma e conceito da loucura.

Na Unidade 1, abordaremos sobre a institucionalização da loucura,


falaremos sobre o processo de reforma psiquiátrica e as suas nuances diante
da estigmatização e conceituação da loucura, como os sujeitos inseridos nesse
meio eram tratados e, consequentemente, como e por que essas instituições
psiquiátricas foram decaindo e abrindo espaço para novas políticas de saúde
mental, abrangendo a promoção e a prevenção de saúde.

Em seguida, na Unidade 2, estudaremos sobre a história e o conceito


de saúde coletiva, bem como o movimento da reforma psiquiátrica e a
luta antimanicomial no Brasil. Abordaremos também, sobre a ditadura e a
redemocratização, abrangendo o movimento sanitarista no país. Além disso,
falaremos como se dá a criação e legislação do Sistema Único de Saúde (SUS),
quais são os seus objetivos e princípios organizativos de saúde mental.

Por fim, na Unidade 3, aprenderemos sobre os desafios da reforma


psiquiátrica e programas alternativos, bem como a inserção do psicólogo na
saúde mental e no SUS, as instituições atuais e os equipamentos de saúde
pública. Falaremos sobre os compromissos éticos e sociais da psicologia,
também sobre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e outros
instrumentos com a inserção do psicólogo; clínica ampliada e desafios atuais
do psicólogo. Na sequência, discutiremos sobre novas perspectivas da luta
antimanicomial e os seus desafios.

Portanto, esperamos que façam bom proveito das leituras, dicas e


aprendizados que irão ver a seguir.

Boa leitura e bons estudos!


Prof. Reynaldo de Azevedo Gosmão
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA ................................................... 1

TÓPICO 1 — CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES .............................................................................. 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES .................................................................................................... 3
2.1 INSTITUCIONALIZAÇÃO NO MUNDO .................................................................................. 4
2.2 INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL: HISTÓRIA DOS HOSPITAIS
PSIQUIÁTRICOS ............................................................................................................................ 6
2.3 NASCIMENTO DA PSIQUIATRIA X CRIAÇÃO DOS PRIMEIROS HOSPÍCIOS NO
BRASIL.............................................................................................................................................. 8
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 10
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 11

TÓPICO 2 — CONCEITO DE LOUCURA ...................................................................................... 13


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 13
2 CONCEITO DE LOUCURA ............................................................................................................ 13
2.1 A LOUCURA NA VISÃO DA PSICANÁLISE.......................................................................... 15
2.2 LOUCURA E SAÚDE . ................................................................................................................. 16
2.3 LOUCURA E ESTIGMA .............................................................................................................. 18
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 21
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 22

TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA ................................................ 25


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 25
2 HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA ...................................................................... 25
2.1 PROMOÇÃO DA SAÚDE ........................................................................................................... 30
2.2 ACOLHIMENTO .......................................................................................................................... 31
2.3 PREVENÇÃO DE DOENÇA........................................................................................................ 37
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 41
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 46
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 49

UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA ............................................. 53

TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA ..................................... 55


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 55
2 A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA............................................................ 55
2.1 A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA ......................................................... 60
2.1.1 Movimento da reforma psiquiátrica ................................................................................. 64
2.1.2 Luta antimanicomial no Brasil . ......................................................................................... 66
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 71
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 72
TÓPICO 2 — DITADURA NO BRASIL ........................................................................................... 75
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 75
2 DITADURA BRASILEIRA................................................................................................................ 75
2.1 REDEMOCRATIZAÇÃO E LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL ............................... 80
2.2 MOVIMENTO SANITARISTA.................................................................................................... 80
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 82
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 83

TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO............................. 85


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 85
2 OBJETIVOS DO SUS......................................................................................................................... 85
3 PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS E SAÚDE MENTAL............................................................. 87
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 94
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 99
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 100

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 102

UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS


ALTERNATIVOS.........................................................................................................103

TÓPICO 1 — NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO PSICÓLOGO


E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA SAÚDE MENTAL........................ 105
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 105
2 INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA SAÚDE MENTAL............................................................. 105
2.1 TRABALHO DA PSICOLOGIA E DE OUTROS PROFISSIONAIS DA SAÚDE............... 107
2.2 INSERÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA SAÚDE MENTAL................. 109
2.3 INSTITUIÇÕES ATUAIS DE SAÚDE MENTAL..................................................................... 111
2.4 EQUIPAMENTOS DE SAÚDE PÚBLICA................................................................................ 113
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 116
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 117

TÓPICO 2 — COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO.............................................................. 119
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 119
2 COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA................................................... 119
2.1 O COMPROMISSO SOCIAL PARA ALÉM DE UMA ATUAÇÃO...................................... 121
2.2 COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO...... 122
2.3 SUAS E ATENÇÃO SOCIAL...................................................................................................... 123
2.4 CLÍNICA AMPLIADA................................................................................................................ 125
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 129
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 130

TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE


TERAPÊUTICO NO SUS.......................................................................................... 133
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 133
2 INSERÇÃO DO PSICOLÓGO NO SUS...................................................................................... 133
2.1 INSERÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS.......................................... 135
2.2 DESAFIOS ATUAIS DO SUS..................................................................................................... 137
2.3 NOVAS PERSPECTIVAS DA LUTA ANTIMANICOMIAL E SEUS DESAFIOS............... 139
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 143
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 149
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 150

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 152
UNIDADE 1 —

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
LOUCURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer o contexto das instituições psiquiátricas;

• compreender o movimento de institucionalização no Brasil;

• conhecer a história dos primeiros hospitais brasileiros e os novos


substitutos desses serviços;

• entender o conceito de saúde;

• discutir e problematizar o conceito de loucura e sua estigmação.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES

TÓPICO 2 – CONCEITO DE LOUCURA

TÓPICO 3 – HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES

1 INTRODUÇÃO
Abordaremos os cenários das instituições, refazendo o percurso teórico da
construção do contexto de instituições, a institucionalização no mundo e ainda, a
institucionalização no Brasil, contando a história dos hospitais psiquiátricos e a sua
importância para os conceitos de loucura e de doença mental, verificada a loucura
como uma categoria socialmente construída, bem como a identificação das forças
envolvidas no processo de legitimação do objeto enquanto doença mental.

Conforme aponta Resende (2007, p. 38),


[...] as primeiras instituições psiquiátricas surgiram em meio a um
contexto de ameaça à ordem e à paz social, em resposta aos reclamos gerais
contra o livre trânsito de doidos pelas ruas das cidades; acrescentem-se
os apelos de caráter humanitário, as denúncias contra os maus tratos
que sofriam os insanos. A recém-criada Sociedade de Medicina engrossa
os protestos, enfatizando a necessidade dar-lhes tratamento adequado,
segundo as teorias e técnicas já em prática na Europa.

De acordo com Engel (2001, p. 330), a partir de então, se deu a propagação


de instituições que eram destinadas aos alienados, assinalando “a formulação de
políticas públicas de tratamento e/ou repressão dos doentes mentais, identificados
com base nos limites cada vez mais abrangentes da anormalidade”, distingue-se
como um processo desencadeado no Brasil entre os anos 1830 e os anos 1920,
marcado por continuidades e descontinuidades.

Portanto, entende-se que em um contexto extremamente propício à


desumanização, às estratégias de ganho financeiro e, em meio a disputas na
política, as instituições se consolidavam, tirando o direito de ir e vir de muitos,
principalmente, dos mais necessitados de cuidado e de proteção.

2 CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES
Podemos entender por instituição, se dirigindo ao mundo psiquiátrico,
um local de residência ou trabalho, onde existem sujeitos em situação semelhante,
que ficam separados, de certa forma, da sociedade ou de qualquer meio social
possível. Este lugar no passado, muitas vezes, foi considerado como uma prisão,
visto que as pessoas ficavam fechadas, tinham horários para realizar as suas
atividades rotineiras e, ainda, dependiam dos funcionários para tais práticas.

3
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

Estas instituições ou melhor, estabelecimentos sociais, podem ser apresentados


de diversas formas. Uma delas é responsável por cuidar de pessoas, que pensam
ser incapazes.

De acordo com Oscar, Costa e Vianna (2005, s. p.), “o modelo de atenção
em saúde mental estabelece intermediações entre o técnico e o político e nele
devem estar presentes os interesses da sociedade bem como o saber técnico, as
diretrizes políticas e os modos de gestão dos serviços públicos”. Isso significa que
é por meio da definição de um modelo assistencial que elaboramos as ações de
saúde a serem realizadas, delimitando as normas de atendimento, e traçando um
perfil compatível com os objetivos almejados.

Segundo Oscar, Costa e Vianna (2002), o modelo se direciona para


a organização das práticas nesta área. Fazendo uma breve retrospectiva da
história, podemos ver que, na época da criação de instituições asilares, o intuito
era transferir e responsabilizar o cuidado aos doentes mentais dos hospitais
gerais para essas instituições, como forma de excluir os sujeitos “incapazes” de
conviver em sociedade. A partir disso, os asilos tiveram como função primordial
o tratamento médico, que traz o louco como sujeito da razão. Dessa forma, o
que se pode ver é que o hospício apresentou a desigualdade social de forma
extremamente distorcida e fora da realidade.

Assim sendo, concluímos que essas instituições e todo o seu processo


dentro do contexto de saúde mental visavam somente tapar lacunas que a própria
sociedade impunha, de modo a esconder os verdadeiros problemas advindos do
isolamento, de maus tratos, da falta de serviços básicos de saúde e de sobrevivência.

Por um lado, podemos observar como a psiquiatria tratava doentes


mentais, utilizando de cientificidade, ao passo em que exclui completamente a
singularidade dos sujeitos, tirando, inclusive, a sua liberdade de escolha, sendo
colocados em meio à miséria e ao abandono, o que vai de encontro a uma distorção
entre a teoria e a prática.

2.1 INSTITUCIONALIZAÇÃO NO MUNDO



A história da instituição psiquiátrica no mundo implica em descrever
um mundo no qual as pessoas tinham histórias destituídas ou quase invisíveis,
não eram sujeitos individuais de sua própria vida. Desse modo, podemos
entender como a tendência dessas instituições era o fechamento, uma vez que,
sua configuração e métodos levava a uma aniquilação do sujeito, do EU. Essa
reestruturação seria estimulada frente a práticas inerentes, ao sujeito que sofre.

As esferas da sociedade passaram a ser entrelaçadas ao saber científico,


que começou a ditar normas e regras de bom comportamento e interveio na
vivência dessas pessoas. Como consequência, a população foi perdendo o espaço,
a escuta e até mesmo o meio social, desencadeando as instituições de isolamento.

4
TÓPICO 1 — CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES

Essas instituições se deram de forma a contemplar um novo tipo de relação com os


mais necessitados, sejam eles pobres, moradores de rua, criminosos, doentes, de
forma geral, aqueles que apresentavam algum risco para a sociedade. O principal
objetivo era a precaução e o controle social, como forma de minimizar custos,
energia e criação de estratégias para combate-las.

FIGURA 1 – PINTURA DE HOMEM SOZINHO UM ESPAÇO AZUL

FONTE: <https://bit.ly/3FqmKlO>. Acesso em: 1 jul. 2021.

Assim, foram criadas várias instituições para comportar essas pessoas que
apresentavam algum desvio ou algo incompatível com o que achavam pertinente
na época. No ano de 1910, foram criadas duas instituições, chamadas de asilos, o
chamado Asilo de Órfãs de São Vicente de Paula e o Asilo de Mendicidade Irmão
Joaquim, ambos em Florianópolis (SC). Já em 1930, se deu a inauguração da
penitenciária no bairro da Pedra Grande, em Florianópolis (SC). É nesse contexto,
que se dá a criação do serviço de assistência a psicopatas, intitulado durante o
governo de Nereu Ramos em 1940, Instituto Psiquiátrico Colônia Santana, em
São José (SC).

ATENCAO

Conceito de asilos: "A casa de assistência social onde são recolhidas para
sustento ou também para educação, pessoas pobres e desamparadas como mendigos,
crianças abandonadas, órfãos, velhos etc.” (GENTIL FILHO, 1999, p. 21).

5
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

Com a criação e inauguração dessas instituições, a modernização


da sociedade andou junto com o isolamento dos sujeitos que apresentavam
“comportamentos antissociais”. Isso porque, passou a fazer parte da segurança
pública a exclusão dos isolamentos, considerados nocivos e maus exemplos. Essa
prática foi adotada tanto na Europa, a partir do final do século XVIII, como no
Brasil, em fins do século XIX, com o estabelecimento de novas configurações
política e social dadas à loucura. Como mencionado anteriormente, os asilos ou
espaço asilar passaram a representar a construção de novas formas de política
pública e relações sociais (OLIVEIRA, 2021).

FIGURA 2 – INSTITUIÇÃO TEM FUNÇÃO SOCIAL

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/physician-doctor-black-269075324>.
Acesso em: 1 jul. 2021.

Conforme menciona Zenoni (2000, p. 66), as funções social e clínica da


instituição, antes de ter um objetivo terapêutico, são “uma necessidade social, sendo
que uma função não anularia a outra: “Sem o limite da função social, a instituição
corre o risco de se transformar em um lugar de alienação, de experimentação e,
sem o limite da função terapêutica corre o risco de ser simplesmente suprimida”.


2.2 INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL: HISTÓRIA DOS
HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS

No século XIX, com a chegada da Família Real ao Brasil, o Estado decide


fazer da “loucura”, objeto de intervenção. Nesse mesmo momento histórico, com
a independência da nação, a “loucura” é vista como um desserviço à população,
no qual os loucos eram apenas restos e apresentavam riscos à sociedade. Atitudes
agressivas e/ou incompatíveis com os chamados bons comportamentos não eram
mais toleradas, e essas pessoas não podiam mais ter o direito de ir e vir. Com
isso, “seu destino passou a ser os porões das Santas Casas de Misericórdia, onde
permaneciam amarrados e vivendo sob péssimas condições de higiene e cuidado”
(PASSOS, 2009, p. 104).

6
TÓPICO 1 — CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES

FIGURA 3 – QUARTO EM ANTIGO HOSPITAL ABANDONADO

FONTE: <https://shutr.bz/3oGgccz>. Acesso em: 12 jul. 2021.

Na legislação de 1934, existiu um substitutivo que parecia mais flexível,


mais abrangente e que seria capaz de garantir alguns direitos aos indivíduos que
ali se inserissem. No entanto, foram apontados dois problemas:

1) proibição da construção de hospitais públicos e a contratação ou financiamento


de novos leitos psiquiátricos pelo SUS, configurando uma espécie de “reserva
de mercado” e impedindo a modernização do parque hospitalar;
2) desautorização da existência de asilos não hospitalares, negando o direito de
asilo aos portadores de transtornos mentais (GENTIL FILHO, 1999).

Nos anos de 1920 e 1930, o principal modelo de assistência em hospitais


era a internação; em âmbito psiquiátrico, essa seria a forma mais correta para
evitar outros males. No entanto, na verdade, o intuito principal era tirar de cena,
excluir da sociedade, pessoas que pudessem oferecer algum tipo de perigo ou
risco. Portanto, seria uma forma de proteção e alienação mental de todos.

FIGURA 4 – INTERNAÇÃO PSQUIÁTRICA EXCLUÍA PESSOA PARA “EVITAR MALES”

FONTE:<https://shutr.bz/3FshZs2>. Acesso em: 1 jul. 2021.

7
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

O Instituto Raul Soares tinha como oferta e propaganda espaços de lazer,


como biblioteca, música, jogos, exercícios físicos ao ar livre, entre outros, além de
oferecer trabalho em tarefas voluntárias pelas quais os pacientes se interessavam
e conseguiam realizar. No entanto, em 1927, com a direção de Alexandre C.
Drummond, foi transformada em um depósito de pessoas.

2.3 NASCIMENTO DA PSIQUIATRIA X CRIAÇÃO DOS


PRIMEIROS HOSPÍCIOS NO BRASIL
De acordo com Machado et al. (1978, p. 376), “o nascimento da psiquiatria
no Brasil só é compreendido a partir da medicina, responsável por colocar a
sociedade como um objeto que deveria ter controle social”. Na época, conforme
o autor, o hospício era considerado o principal meio de terapia, como dizia a
Sociedade de Medicina e Cirurgia: “aos loucos o hospício”. Portanto, viu-se que
os critérios e regras estabelecidas vinham da própria medicina social, como forma
de conter indivíduos desviantes das condutas corretas.

Com a criação dos primeiros hospícios, novos textos e práticas foram


esboçados na medicina e um dos principais objetivos era de colocar a reclusão
dos loucos em pauta. Esses primeiros hospitais tinham como característica
principal o isolamento. Ainda de acordo com Machado et al. (1978, p. 431), o
isolamento foi “característica básica do regime médico e policial do Hospício
Pedro II”, esse último inspirado em modelos asilares. Eles acreditavam ser
necessário o isolamento da família em apenas um caso específico, para loucos que
vagavam nas ruas, pois se vagavam em ruas não tinham condições financeiras
para tratamento desses pacientes. Em contrapartida, para famílias ricas que
escolhessem e se propusessem manter seus entes nos hospícios, a internação não
deveria ser imposta. Podemos ver claramente diferenças no tratamento tanto
antes da entrada no hospício como já inserido nesse mundo.

Conforme aponta Resende (2007, p. 38),


[...] as primeiras instituições psiquiátricas surgiram em meio a um
contexto de ameaça à ordem e à paz social, em resposta aos reclamos gerais
contra o livre trânsito de doidos pelas ruas das cidades; acrescentem-se
os apelos de caráter humanitário, as denúncias contra os maus tratos
que sofriam os insanos. A recém-criada Sociedade de Medicina engrossa
os protestos, enfatizando a necessidade dar-lhes tratamento adequado,
segundo as teorias e técnicas já em prática na Europa.

Com a ideia de exclusão das minorias (loucos), foram construídos
asilos, casas de correção, hospícios, hospitais psiquiátricos, entre outros. Sendo
caracterizado por um período de “redimensionamento das políticas de controle
social, cuja rigidez e abrangência eram produzidas pelo reconhecimento e pela
legitimidade dos novos parâmetros definidores da ordem, do progresso, da
modernidade e da civilização” (ENGEL, 2001, p. 331). Essa exclusão, dada de forma
errônea, “tinha como consequência o enclausuramento de homens e mulheres
livres que só aguardavam pelo dia de suas mortes” (JABERT, 2005, p. 714).

8
TÓPICO 1 — CONTEXTO DE INSTITUIÇÕES

De acordo com Venâncio (2007, p. 1417), nesta época, “as ações político-
assistenciais para a área da psiquiatria eram dadas a partir de um processo de
modernização, centralização e nacionalização da assistência mais ampla em saúde.”
Entre 1940 e 1950, os hospitais foram cada vez mais se expandindo, e passou a ser
condenado nomes como asilos, retiro ou ‘recolhimento, afirmando então, somente
o nome de hospital psiquiátrico. Dessa forma, com a visibilidade dessas instituições
e da medicina psiquiátrica, “os instrumentos precisavam seguir o mesmo padrão,
foram introduzidos no país, o choque cardiazólico, a psicocirurgia, a insulinoterapia
e a eletroconvulsoterapia” (AMARANTE, 1995, s. p.).

NTE
INTERESSA

Choque cardiazólico: criado por Ladislau Von Meduna (1896-1964), era uma
terapêutica que provocava convulsões para atingir a cura e abrir um novo campo terapêutico.
Psicocirurgia: responsável por modular a performance do cérebro e, assim, afetar mudanças
na cognição, com a intenção de tratar ou aliviar a severidade das doenças mentais.
Insulinoterapia: tem o objetivo de manter a glicemia no sangue controlada. O plano a ser
seguido inclui os tipos de insulina que precisam ser administrados, os horários e as doses.
Eletroconvulsoterapia: é a aplicação de um estímulo elétrico, a partir de dois eletrodos
colocados na parte frontal da cabeça, capaz de induzir a convulsão, que só é vista no
aparelho de encefalograma.

Podemos concluir que as terapias somáticas aplicadas aos doentes mentais


se caracterizavam quase que exclusivamente, por intervenções de caráter clínico,
mas, muitas vezes, aplicado ou realizado de forma errônea e imprecisa. Hoje em
dia são práticas proibidas e excluídas pela população.

9
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Instituição, se dirigindo ao mundo psiquiátrico, é um local de residência


ou trabalho, onde existem indivíduos em situação semelhantes, que ficam
separados, de certa forma, da sociedade. No passado, foi considerada como
uma prisão, visto que as pessoas ficavam fechadas, tinham horários para
realizar as suas atividades rotineiras e ainda dependiam dos funcionários
para tais práticas.

• As instituições psiquiátricas, no início, foram pensadas e surgiram em meio


a ameaças de ordem política e social, com o foco de responder às diversas
reclamações da população quanto ao livre arbítrio dos ditos “doidos” pelas
ruas; acrescentem-se os apelos de caráter humanitário, as denúncias contra os
maus tratos que sofriam os insanos.

• A história das instituições psiquiátricas no mundo implica em descrever um


ambiente em que as pessoas tinham histórias destituídas ou quase invisíveis,
não eram sujeitos individuais de sua própria história. Desse modo, a sua
configuração e métodos levava a uma aniquilação do sujeito, do EU.

• Somente em junção à medicina, a psiquiatria foi compreendida e responsável


por fazer da sociedade um objeto com limitações e controle social. Na época, o
hospício era considerado o principal meio de terapia, como dizia a Sociedade
de Medicina e Cirurgia: “aos loucos o hospício”.

10
AUTOATIVIDADE

1 Com base nos principais objetivos das instituições psiquiátricas, vemos


que elas exerciam função social e cultural em disciplinar fisicamente e
mentalmente os sujeitos que nelas estavam inseridos, assim, seguiam
padrões e estratégias semelhantes e nada personalizadas a todos. Sobre
estas instituições, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Consideradas na época, o principal instrumento terapêutico capaz de


enclausurar e disciplinar indivíduos que apresentavam perigo para a
sociedade e/ou possuíam algum tipo de desvio comportamental na
conduta humana.
b) ( ) São hospitais especializados no tratamento medicamentoso de
qualquer indivíduo que apresente comorbidades.
c) ( ) Todas as instituições psiquiátricas oferecem cuidados como: alimentação,
medicação, terapia ocupacional, terapias com psiquiatras e psicólogos,
gratuitamente.
d) ( ) O seu principal objetivo era prender as pessoas que cometessem algum
crime ou passassem por processos judiciais.

2 O Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) foi criado em 1941,


vinculado ao Ministério da Educação e Saúde. No período, predominavam
os hospitais públicos, responsáveis por 80,7% dos hospitais psiquiátricos
no Brasil. Sendo na época os asilos, o Juqueri, o Hospital de Alienados e o
São Pedro, estes exerciam um papel orientador da assistência psiquiátrica,
como o principal instrumento de intervenção sobre a doença mental
(PAULIN, TURATO, 2004). Com base nos asilos mencionados, analise as
sentenças a seguir:

I- O Hospital Psiquiátrico do Juqueri é uma das mais antigas e maiores


colônias psiquiátricas do Brasil, localizada em Franco da Rocha, na região
metropolitana de São Paulo.
II- O Hospital de Alienados também foi chamado de O Hospício de Pedro II,
criado em 1841.
III- Designado como Hospital São Pedro até 1925, passou a ser chamado
Hospício São Pedro até 1961.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

11
3 Para o desenvolvimento da sociedade no Brasil, fez-se necessário implantar
novas formas de organização do convívio social. As políticas médico-
sanitaristas foram as principais responsáveis por essa nova metodologia,
ditando novas regras e normas a serem seguidas. De acordo com essas regras
e normas, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A principal norma era ditar os comportamentos da população, como


sendo aceitos ou não em sociedade.
( ) Tinham como regra intervir a qualquer momento necessário, mesmo sem
a escolha do indivíduo.
( ) Gerar para a população mais espaço e assistência médica e psiquiátrica.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A institucionalização da loucura, desde o início, assumiu uma amplitude


que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como esta era
praticada na Idade Média. Ela tem valor de invenção, uma vez que designa
um evento decisivo. Disserte sobre esse evento decisivo dentro da época.

5 No início do percurso histórico da psiquiatria no Brasil, foram criados


os primeiros manicômios. A maioria deles tinha o intuito de substituir a
cadeia pública, local destinado ao recolhimento de “alienados” das ruas.
Dessa forma, vemos que os primeiros hospitais eram apenas um depósito
de gente, onde não cabia amenizar o sofrimento do outro, mas livrar a
sociedade dele. Neste contexto, disserte sobre a forma como os manicômios
da época praticavam as suas atividades.

12
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

CONCEITO DE LOUCURA

1 INTRODUÇÃO
Agora, no Tópico 2, abordaremos o conceito de loucura, relacionando
à loucura e a saúde e à loucura e o estigma. Discutiremos sobre os conceitos de
loucura das instituições de psiquiatria e saúde mental, e compreenderemos o que é
loucura para a saúde mental e, ainda, se existe um diálogo entre a psiquiatria com a
mesma, como forma de buscar e aprender o conceito de loucura nas diversas áreas
que a abrangem.

Apontaremos uma reflexão teórica acerca da percepção e da conceituação
da loucura, experenciada ou não, e, como consequência, as formas de lidar e
agir frente a ela. O que vale ressaltar é que a história da loucura sofreu muitas
transformações ao longo dos anos, e poderemos ver, nitidamente, como, em cada
época, as formas de vê-la e analisa-la mudaram.

No atual momento, ela ainda pode sofrer mudanças, mas, talvez, para
avanços na saúde e na psiquiatria, abrangendo diversas outras áreas que possibilitem
uma ligação mais humanizada, cuidadosa e que tenha, principalmente, liberdade de
escolha. Porém, para isso, é necessário que exista uma reelaboração de concepções,
de práticas e de formas para se relacionar com a loucura, para que não seja repetida
(SILVEIRA; BRAGA, 2005).

2 CONCEITO DE LOUCURA
Para Foucault (1972), a loucura é vista como uma problemática modificada.
Ou seja, ela é colocada como excluída, da qual não se libertará. “Se o homem para
de ser livre ao passo em que pode ser louco, o pensamento, como exercício de
soberania de um indivíduo que se atribui o dever de perceber o verdadeiro, não
pode ser insensato” (FOUCAULT, 1972, p. 236).

A loucura era vista como algo que devia ser escondido, alienado e posto
como algo negativo e condenável, além de julgado pela própria sociedade.
Como poderia eu negar que estas mãos e este corpo são meus, a menos
que me compare com alguns insanos, cujo cérebro é tão perturbado
e ofuscado pelos negros vapores da bílis, que eles asseguram
constantemente serem reis quando na verdade são muito pobres, que
estão vestidos de ouro e púrpura quando estão completamente nus,
que imaginam serem bilhas ou ter um corpo de vidro? (DESCARTES,
1953, p. 268).

13
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

Para Júnior e Medeiros (2007, p. 61), estabeleceram-se três grupos temáticos


principais:
1. Conceitos de loucura como doença psiquiátrica - em especial como
psicose e esquizofrenia.
2. Conceitos de loucura na interface doença psiquiátrica tradicional/
modificação e crítica dos conceitos psiquiátricos pela saúde mental
- incluindo conceitos psicológico-filosóficos de loucura, os quais
estabelecem uma área de interpenetração entre a psiquiatria e a
saúde mental.
3. Conceitos histórico-sociais de loucura relacionados à
institucionalização psiquiátrica. Talvez seja este o campo de teorização
que faz mais justiça às intenções de boa parte dos pesquisadores
que se dedicam à saúde mental como campo de saber autônomo
e independente, em superação ao campo psiquiátrico no que diz
respeito à produção de conhecimento e mesmo à sua teorização
como integrante da própria institucionalização da loucura.

FIGURA 5 – A LOUCURA JÁ FOI VISTA COMO ALGO A SER ESCONDIDO PELA SOCIEDADE

FONTE: <https://shutr.bz/2Yq93lC>. Acesso em: 12 jul. 2021.

O conceito de loucura dada como doença para a psiquiatria, traz,


principalmente, a esquizofrenia, sendo como entidade nosológica autônoma. Já
para Lopes (2001, p. 30), a loucura é dada como psicose (“psicose propriamente
dita fica sendo a esquizofrenia”), ele acrescenta ainda que “a loucura descrita
pelos trágicos gregos, a loucura descrita na Bíblia, é a mesma loucura de hoje, do
homem que mora em apartamento em qualquer cidade do mundo. Psicose [é] igual
à loucura”. Assim, podemos perceber que a loucura estabelecida historicamente
tem uma configuração distorcida da realidade, visto que o trabalho da psiquiatria
é elucidar o senso comum (VILLARES; REDKO; MARI, 1999).

14
TÓPICO 2 — CONCEITO DE LOUCURA

E
IMPORTANT

Esquizofrenia: termo geral que designa um conjunto de psicoses endógenas,


cujos sintomas fundamentais apontam a existência de uma dissociação da ação e do
pensamento, expressa em uma sintomatologia variada, como delírios persecutórios,
alucinações, esp. auditivas, labilidade afetiva etc.

A esquizofrenia é vista como uma doença médica de caráter orgânico


puro e que a própria psiquiatria estabeleceu através de concepções populares, de
achismos. É uma doença tratada como fenômeno de existência real.

2.1 A LOUCURA NA VISÃO DA PSICANÁLISE


De acordo com Santos (1999), sobre a sua análise na psicanálise de Winnicott,
responsável por ter contribuído para uma compreensão e uma terapêutica de
pacientes psicóticos, afirma que “a psicose é como uma falha entre o ambiente
(relações parentais, principalmente) e o sujeito no decurso do desenvolvimento
psíquico individual; ou uma falha desenvolvimental que ocorreria em nível mais
primitivo ou regressivo que os conflitos emergentes na neurose”. Assim sendo,
ele completa com a seguinte afirmativa:
A psicose leva até os estágios mais primitivos do desenvolvimento e
da organização da mente, quando ainda não se fixou uma diferença
nítida entre o self e o não self [...] A psicose está ligada à privação
emocional em um estágio anterior àquele em que o bebê possa perceber
esta privação [...] já que ele se encontrava em um estágio evolutivo que
ainda não o capacitava a se diferenciar minimamente do ambiente [...],
ocasionando uma incapacidade absoluta de se relacionar com objetos”
(SANTOS, 1999, p. 615).

Ainda de acordo com a psicanálise, mas desta vez por análise de Freire
(1999, p. 569) sobre a fala de Jacques Lacan:
que não veio um dia no simbólico, ou seja, o foracluído, o não inscrito,
reaparece como exterior à realidade psíquica. Lacan precisa que esse
foracluído não se refere a qualquer representação da realidade, mas ao
que constitui esta realidade como simbólica, a saber, o Nome do Pai
[...], o operador que separa, que barra a relação da criança com a mãe,
permitindo à criança vir a significá-la.

Desse modo, podemos compreender que, para a psiquiatria que vê a


loucura como sendo uma doença, um desvio ou até mesmo um comportamento
inadaptável, a cura seria através ou em direção da própria adaptação do sujeito à
sociedade, assim como a sociedade se adaptar a essas questões.

15
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

FIGURA 6 – APOIO É FUNDAMENTAL PARA ENFRENTAR A DOENÇA

FONTE: <https://shutr.bz/2YuRPnu>. Acesso em: 1 jul. 2021.

Como podemos ver, alguns conceitos de loucura apresentam discordância


entre os psiquiatria e a saúde mental. Assim, de acordo com Júnior e Medeiros (2007,
p. 73), “nos é apontado que do primeiro lado existe a loucura como sendo uma doença
médica, de caráter genético e orgânico. Por outro lado, vemos uma rejeição explícita
da essência biológica na explicação psiquiátrica da loucura e que não se reduz a esse
biologicismo”. Além disso, a loucura também é colocada como sequela e consequência
de internações hospitalares/psiquiátricas, pelas quais os sujeitos passam por traumas,
medos, frio e fome, resultando no que chamam de doença. Essa doença então é vista
como parte da intolerância e estigmatização social (JÚNIOR; MEDEIROS, 2007).

2.2 LOUCURA E SAÚDE


Por muito tempo, pacientes com problemas de saúde mental foram
direcionados e mantidos em manicômios, vinculados a uma estrutura extremamente
miserável e desumana. Para sair dessa estrutura e mudar as práticas e estratégias
utilizadas, muitas dificuldades foram postas e havia sempre a necessidade de
reformular e elaborar a concepção de loucura, pois só assim algo seria transformado.

FIGURA 7 – MENINA CONSOLA AMIGA POR TELEFONE

FONTE: <https://bit.ly/3uPB3v2>. Acesso em: 12 jul. 2021.

16
TÓPICO 2 — CONCEITO DE LOUCURA

Dessa forma, seria necessário a implantação de uma política de saúde


mental que estivesse em consonância e de acordo com diretrizes constituídas no
processo da Reforma Psiquiátrica, e além disso, era necessário que houvessem
recursos disponíveis para atuar nessa nova perspectiva de atenção e gestão em
saúde mental.

ATENCAO

“O desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil esteve estreitamente


associado à criação do SUS, à descentralização da administração da saúde no país,
à mobilização de profissionais e a mudanças sociais e culturais da sociedade brasileira”
(ALMEIDA, 2019, s.p).

Graças à política de saúde mental iniciada nos anos 1980, o Brasil conquistou
um lugar no campo da saúde mental global. Isso devido ao país ter sido um dos
primeiros a implantar com sucesso uma política nacional de saúde mental.

Com a grande demanda e diante da realidade de muitos países, não só o
campo da saúde precisava de assistência, mas também o campo da saúde mental.
Ainda mais por se tratar de desamparo a moradores de rua, mais necessitados
e desfavorecidos. Justamente por essas questões, a implantação desses serviços
gerava também esperança, perspectiva de ter alimento, atendimento médico,
psicológico, odontológico adequados e serviço social (OLIVEIRA; PASSOS, 2007).

FIGURA 8 – ASSISTÊNCIA GERA ESPERANÇA

FONTE: <https://bit.ly/3BliDVx>. Acesso em: 1 jul. 2021.

17
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

Para Paiva (2003, p. 22), a política nacional de saúde mental nos últimos
anos tem sido orientada na seguinte direção: “Trabalha-se com a defesa da
reforma psiquiátrica, por ela ser imbuída dos ideais de uma sociedade igualitária
e humana, primando pela reinserção social dos excluídos, baseando-se nos
princípios de liberdade, igualdade e fraternidade”, sinalizando uma sociedade
livre da opressão, preconceito e ignorância (PAIVA, 2003).
Portanto, não se trata do não reconhecimento da condição de cidadania
dos enfermos mentais de um simples desvio de rota operando sobre
um fundo reconhecido de positividade dos seus legítimos direitos
sociais, mas de uma positividade que nunca existiu de fato e de direito,
sendo esta atribuição de positividade uma ilusão constitutiva da
psiquiatria como saber no nosso imaginário. Enfim, a exclusão social
da figura da doença mental da condição de cidadania estabeleceu-se
estruturalmente na tradição cultural e histórica do Ocidente quando,
num lance decisivo, o campo da loucura foi transformado no campo da
enfermidade mental, na aurora do século XIX (BIRMAN, 1992, p. 73).

Para tanto, é extremamente necessário e importante que haja manifestações


afim de mobilizar a luta pelo resgate da cidadania e dos direitos humanos,
principalmente no que diz respeito a práticas de reabilitação psicossocial.
Somente assim, parte dos excluídos conseguirão restituir a sua cidadania plena
ou, pelo menos, parcial.

2.3 LOUCURA E ESTIGMA


De acordo com Moreira (2008, p. 2), “o estigma é definido como uma diferença
indesejada, um atributo pejorativo que implica na intolerância do grupo”. Embora
se saiba que as doenças mentais são estigmatizadas em muitas partes do mundo,
ainda é pouco compreendido os processos culturais pelos quais essa configuração é
produzida, sendo através da própria sociedade e ainda, com outras doenças.

Ao falarmos sobre estigma, é necessário que se discuta sobre a temática de


autonomia. Isso porque, ao ser rotulado ou estigmatizado, é retirado do sujeito o
seu “eu”, a sua autonomia, a sua liberdade de escolha. Ou seja, o sujeito que sofre
com tal rótulo é tratado como se não tivesse vida própria, sempre à mercê do outro.

Cohen (2009, p. 221) destaca a importância da autonomia para o sujeito:


A autonomia é a capacidade de autogoverno, de livre arbítrio
quanto à regência de seu próprio destino, no fazer ou não fazer, no
ir ou não ir, no aceitar ou no recusar e assim por diante, concedida
pouco a pouco, por parâmetros biológicos e de convívio social, que
afastam os seres humanos dos animais e criam os contornos de
sua personalidade. Este valor, a autonomia, envolve a proteção da
privacidade, da confiabilidade e da procura de ações que se baseiem
em um consentimento informado, opondo-se a qualquer forma de
coerção, mesmo que seja justificada por eventuais benefícios sociais.

18
TÓPICO 2 — CONCEITO DE LOUCURA

Nesse processo de estigmatização, rotulação ou exclusão, o sujeito deixa de


se sentir como parte da sociedade, como pessoa humana, e passa a ser tratado e visto
como objeto, muitas vezes, sem liberdade de opinar sobre o próprio tratamento.
Consequente a isso, vem a baixa estima, o desestímulo ao paciente de persistir
no tratamento, o que ainda pode agravar o quadro e acabar sendo levado a uma
internação psiquiátrica. “Esse sujeito, uma vez internado, perde a sua subjetividade
ao ser somente mais um. A resposta da sociedade a um quadro de qualquer doença
nunca poderá ser mais dolorosa que a própria enfermidade” (BUSSINGUER;
ARANTES, 2016, p. 11).

FIGURA 9 – ESTIGAMA TRAZ PESO NEGATIVO

FONTE: <https://shutr.bz/3ag0e0E>. Acesso em: 12 jul. 2021.

O estigma é dado a algo ou alguém como uma marca socialmente imposta


pela sociedade, afim de que rotule aquilo. Isso acontece de diversas formas, seja
em ordem racial, religiosa, política, física ou como mencionamos, no caso de
alguma doença. Por ser sempre imposto de forma a ofender alguém, traz consigo
um peso negativo e acaba por afastar os sujeitos de seu convívio social, como
forma de não precisar lidar com aquilo novamente.

Para Goffman (2004, p. 7), “o estigma pode se apresentar sob três tipos,
a saber: as deformidades físicas; as culpas de caráter individual e os tribais ou
de raças. Quanto ao estigma da loucura, este se enquadra nas culpas de caráter
individual”. Ou seja, o estigma é capaz de atravessar um fato social que permeia
a sociedade e atinge a dignidade das pessoas que são de certa forma, atingidas).

Ele ainda aponta que:


Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua
inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando
algumas vezes a animosidade baseada em outras diferenças, tais
como a classe social. Utilizamos termos específicos de estigma como
aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário como fonte de
metáfora e representação, de maneira característica, sem pensar no seu
significado original (GOFFMAN, 2004, p. 8).

19
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

De acordo com publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de


2008, milhões de pessoas sofrem de perturbações mentais no mundo. Em 2005,
estimava-se que 154 milhões sofriam de depressão e 25 milhões de esquizofrenia,
além de distúrbios relacionados ao abuso de drogas e de álcool. Diante desses
dados alarmantes e preocupantes, temos o dever e a obrigação de lutar pela
ruptura do estigma da loucura e de qualquer outro que possa existir. Para ajudar
pessoas que lutam por uma vida digna e respeitosa, contribuindo ainda, para a
inclusão social (OMS, 2008).

FIGURA 10 – MUDANÇA DE PARADIGMA FOCA NA INCLUSÃO

FONTE: <https://shutr.bz/3oDXW3H>. Acesso em: 1 jun. 2021.


Ainda de acordo com a OMS (1946, s. p), o conceito estabelecido para saúde
é de que “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Dentre esses fatores,
é preciso que exista uma vida cotidiana significativa, participação social, lazer e
autonomia de escolhas (OMS, 1946).

20
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A loucura é vista como uma problemática modificada; a psiquiatria a vê como


sendo uma doença, um desvio ou até mesmo um comportamento inadaptável,
a cura seria através ou em direção da própria adaptação do sujeito à sociedade,
assim como, a sociedade se adaptar a essas questões.

• Existe uma grande discordância entre as considerações da psiquiatria e as


considerações da saúde mental. Assim, nos é apontado que, de um lado, existe
a loucura como sendo uma doença médica, de caráter genético e orgânico. Do
outro lado, vemos uma rejeição explícita da essência biológica na explicação
psiquiátrica da loucura e que não se reduz a esse biologicismo.

• Existe a necessidade da implantação de uma política de saúde mental que


esteja em consonância com as diretrizes constituídas no processo da reforma
psiquiátrica, e que estivem disponíveis recursos para atuar nessa nova
perspectiva de atenção e gestão em saúde mental.

• É importante que mobilizações sociais no campo da saúde mental aconteçam


e lutem pelo resgate da cidadania e dos direitos humanos, principalmente, no
que diz respeito a práticas de reabilitação psicossocial.

• O estigma é capaz de atravessar um fato social que permeia a sociedade e atinge


a dignidade das pessoas que são, de certa forma, excluídas ou estigmatizadas.

21
AUTOATIVIDADE

1 Com base nas concepções da psiquiatria quanto ao conceito de loucura e


suas esferas, podemos ver uma realidade totalmente distorcida, pela qual
se tem a cura como algo improvável e impossível de realização. Além disso,
podemos ver que muitas coisas são retiradas do sujeito que se submete a
um hospital psiquiátrico. Com relação aos bens que são retirados do sujeito,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Autonomia, liberdade de escolha no tratamento, convívio social,


atividades prazerosas cotidianas.
b) ( ) Bens materiais, dinheiro, moradia e comida.
c) ( ) Voz, dinheiro, roupas e moradia.
d) ( ) Sanidade, bens materiais, dinheiro e voz.

2 Considera-se na psiquiatria, a loucura como sendo uma doença médica, de


ordem genética e orgânica. Um desvio ou até mesmo um comportamento
inadaptável, que tinha como foco a esquizofrenia. Com base nisso, analise
as sentenças a seguir:

I- É um distúrbio da mente dividida, é marcada por surtos em que o mundo


real acaba substituído por delírios e alucinações.
II- Não provoca alterações no comportamento, indiferença afetiva, pensamentos
confusos e dificuldades para se relacionar com pessoas.
III- Designa um conjunto de psicoses endógenas, cujos sintomas fundamentais
apontam a existência de uma dissociação da ação e do pensamento.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Com a implantação de políticas de saúde mental, o sistema de saúde mental


obteve muitas melhorias, visto que se constituiu na reforma psiquiátrica,
momento histórico e simbólico para o conceito de instituições e loucura.
De acordo com os princípios e as normativas necessárias para implantação
dessas políticas, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A implantação de políticas de saúde mental traria mais construções de


hospitais psiquiátricos, asilos e manicômios.
( ) As políticas de saúde mental precisam estar em consonância com
as diretrizes constituídas no processo da reforma psiquiátrica, além
da necessidade de obter recursos disponíveis para atuar nessa nova
perspectiva de atenção e gestão em saúde mental.
( ) Foi responsável pela divisão entre uma época de desumanização e outra
de transformações importantes na saúde mental.

22
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 A loucura pode ser compreendida em diversas esferas e de variadas formas,


inclusive dentro de disciplinas diferentes e autores que fomentam discussões
acerca do assunto. Assim sendo, disserte sobre a loucura em pelo menos três
esferas diferentes.

5 Ao mencionar sobre a implantação de políticas de saúde mental, faz-


se necessário que as mobilizações sociais continuem acontecendo em
consonância com a realidade em questão. Neste contexto, disserte sobre os
aspectos que serão objetivos de luta dessas mobilizações.

23
24
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos a história e a política de saúde
coletiva, a promoção da saúde e também a prevenção de doença, sob um
pensamento crítico. Analisaremos também as suas contribuições teóricas no
âmbito da saúde mental, principalmente, como forma de resgatar e apresentar as
limitações das políticas dadas nesse mesmo contexto.

Com a criação do SUS no Brasil, podemos ver uma grande diferença no
âmbito de poder, visto que, no início, o foco era na magnitude de recursos e no
espaço favorável para a construção da cidadania social. Hoje já podemos ver o
objetivo principal voltado para o financeiro, cujo interesse maior é acessar recursos
altos e que antes eram proibidos. Assim, de acordo com Scheffer (2015, p. 665),
“observa-se um movimento muito mais associado ao fortalecimento da ideia de
construção de uma “cidadania consumista” – o acesso à saúde pela via do consumo,
sob o domínio do capital –, contrário à forma de acesso por meio do direito à saúde”.

Conforme aponta Teixeira (1989, p. 21), “se, por um lado, a cidadania,


enquanto relação individual de direito entre o cidadão e o Estado, é a
negação da existência das classes sociais, por outro lado, seu reconhecimento,
contraditoriamente, foi imprescindível para a constituição, organização e luta das
classes dominadas”. Partindo desse pressuposto, a cidadania ao ser colocada como
categoria fundamental para uma suposta reforma sanitária, se coloca como sendo
um espaço de fortalecimento das minorias, de luta e esperança (TEIXEIRA, 1989).

2 HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA


Ao falarmos de saúde coletiva, o próprio termo “coletiva” nos remete
a questões sociais, que perpassam a saúde do individual para o coletivo, isso
por meio de planejamento, de técnicas, de organização e de responsabilidade.
Conceber a saúde através da coletividade e, em seu âmbito público, é o que
permite pensar nas contingências sociais que interferem na saúde individual,
por exemplo, moradia e acesso à água tratada são políticas de saúde através de
transversalidades com políticas sanitárias, urbanística e de moradia.

Segundo Paim e Almeida Filho (2014, p. 314):

25
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

A junção da Saúde Coletiva, a Reforma Sanitária Brasileira (RSB) e o


Sistema Único de Saúde (SUS), garante um modelo de acolhimento,
assistência e integração com objetivo de atender toda a população, em
questão de prevenção e promoção de saúde.

O atendimento à população se dá por meio de serviços, que, por direito,


devem ser acessíveis a todos, de forma gratuita e igual para todos, sem distinção
de classe social, cor, raça, entre outros. Além disso, é importante que haja
transparência em informações e no tratamento às pessoas.

FIGURA 11 – MÉDICOS CONTECTADOS PARA ATENDER AOS PACIENTES

FONTE: <https://shutr.bz/3FmDJ8z>. Acesso em: 12 jul. 2021.

O sistema, por meio das suas legislações e políticas de ação para os


profissionais da saúde, foi um primeiro grande passo, uma vez que, anteriormente
às normativas do SUS, não havia normas e diretrizes que ajudassem na construção
e sustentação do SUS propagando um planejamento para que o acesso fosse
universal. Em contrapartida, vemos um modo de institucionalização crítico para
que haja aperfeiçoamentos dos saberes, práticas, experiências no SUS. O que vem
como consequência, uma crise no sistema de saúde para que haja avanços.

E
IMPORTANT

O SUS foi criado em 1988 pela Constituição Federal brasileira e determina que
é dever do Estado garantir saúde a toda a população brasileira. O SUS atende todos que
procuram as suas unidades de saúde ou têm necessidade de atendimento de emergência,
sendo um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo; único a garantir assistência
integral e completamente gratuita.

26
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

Além de todos esses aspectos, o SUS também atua em serviços de baixa,


média e alta complexidade, auxilia na vigilância epidemiológica e sanitária,
assistência farmacêutica, atenção hospitalar, serviços de urgência e emergência,
distribuição gratuita de medicamentos e pesquisas na área da saúde.

FIGURA 12 – EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E INTEGRADA EM PROL DA CIDADANIA

FONTE: <https://shutr.bz/2Ys1ScU>. Acesso em: 1 jun. 2021.

Assim, a saúde coletiva não pode levar em conta e nem ser compreendida
como um conjunto de ações isoladas. Por isso, se torna necessário um processo
comum e a importância das “ciências da conduta”, como mencionado por Paim e
Almeida Filho (2014, s.p.). Essas ciências seriam a Sociologia, a Antropologia e a
Psicologia, todas aplicadas à saúde. A utilização adequada, a partir de conhecimento
sociocultural e psicossocial, facilitaria a relação do prestador de serviço e do usuário,
além da possibilidade de uma integração das equipes juntamente com a população
(PAIM; ALMEIDA FILHO, 2014).

De acordo com Nunes (1996), as bases do pensamento social em relação à


saúde se moldaram na metade do século XIX, através de movimentos europeus de
reforma sanitária e de reforma médica. Esses movimentos tiveram a capacidade
de trazer ideias liberais e de conscientizar quanto ao papel da esfera social para
atingir e, supostamente, solucionar problemas relacionados à saúde, medicina e
públicos em geral. “Em um segundo momento, no término da segunda guerra
mundial, que foi detectada a incorporação de uma abordagem do social em saúde”.
A partir disso, muitas mudanças e transformações foram implantadas e praticadas
em todos os países, afetando diversos níveis que iam desde a educação à saúde
(NUNES, 1996, p. 57).

Como aponta Almeida (2019), alguns progressos podiam ser vistos. Entre
2001 e 2014, houve uma redução significativa do número de leitos em hospitais
psiquiátricos: de 53.962, em 2001, para 25.988, em 2014. Isso já estava acontecendo
desde a década anterior, quando muitos hospitais psiquiátricos foram encerrados,
devido à falta de requisitos básicos para a implantação e para a prática. Essas
mudanças ocorreram inclusive, em decorrência de denúncias de violações de
direitos humanos. Outro ponto importante é que a desinstitucionalização foi um
processo organizado e planejado antecipadamente.

27
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

FIGURA 13 – CORREDOR VAZIO DO HOSPITAL

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/empty-hospital-hallway-611606933>.
Acesso em: 12 jul. 2021.

Conforme Paiva (2003, p. 22) enfatiza, a política nacional de saúde mental


tem sido orientada da seguinte forma:
Trabalha-se com a defesa da reforma psiquiátrica, por ela ser imbuída
dos ideais de uma sociedade realmente igualitária e humana, primando
pela reinserção social dos excluídos, como são os loucos, baseando-se
nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Enfim, por uma
sociedade livre da opressão, preconceito e ignorância.

Em decorrência das mudanças e de novas perspectivas, alguns serviços


sociais foram implementados para substituir os serviços baseados no hospital.
Alguns deles foram:

• CAPS: tinha como responsabilidade resgatar pacientes com transtornos


mentais graves e persistentes.
• CAPS-I: tinha como objetivo prestar atendimento a crianças e adolescentes.
• CAPS-AD: atender pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool e
de abuso de substâncias (ALMEIDA, 2019).

Ambos faziam parte da estrutura de saúde pública e coletiva.

DICAS

No documentário Eu não sou louco (2014), são abordadas várias questões


sobre a vida de usuários e suas experiências dentro dos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) no Brasil. Quatro frequentadores da rede e uma ex-frequentadora contam suas
histórias e o que tudo aquilo representa para eles. Desde suas buscas por ajuda, seus
traumas até o seu dia-a-dia dentro dos CAPS. São relatos pessoais, guiados pelas visões
que seus protagonistas têm a respeito da sua própria saúde mental.

28
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

Além destes serviços mencionados acima, criou-se também o programa “Volta


para Casa”. O objetivo era apoiar financeiramente pacientes desinstitucionalizados,
e que tivessem sido submetidos a internações ininterruptamente durante pelo
menos um ano. Além disso, o programa oferecia acesso a um gerenciamento de
casos fornecido pelos CAPS de sua área residencial, que incluía cuidados e apoio
na resolução de problemas de documentação de âmbito civil.

Os recursos financeiros que antes eram utilizados pelos hospitais psiquiátricos
passaram a ser deslocados para serviços comunitários, possibilitando possíveis
financiamentos de serviços substitutivos na comunidade, como os mencionados
acima. Porém, algumas questões apareceram, o financiamento era insuficiente
para o intuito proposto, além de recursos humanos. Outros fatores também foram
apontados, como a qualidade da informação produzida pelos serviços, a integração
da saúde mental na atenção primária e a sustentabilidade das associações de
usuários. Colocando em pauta vários desafios a serem vencidos, principalmente,
quanto à ampliação do acesso e integração da saúde mental com a atenção primária,
o desenvolvimento de respostas de internação de agudos no hospital geral e a
articulação entre os vários componentes do sistema (ALMEIDA, 2019).

FIGURA 14 – PROGRAMA AJUDA FINANCEIRAMENTE PACIENTES DESINSTITUCIONALIZADOS

FONTE: <https://shutr.bz/3ag2m8E>. Acesso em: 1 jul. 2021.

Com a experiência do Brasil na implementação de uma política de saúde


mental, houve também uma transformação no que diz respeito ao sistema nacional
de saúde mental, acessibilidade e qualidade nos serviços prestados. Ainda,
mesmo com todos os progressos alcançados ou, pelo menos, almejados, alguns
desafios estão em pauta e poderão ser enfrentados a qualquer momento. Diante
disso, é faz necessário que os esforços sejam para a construção de um consenso
alargado, que dê continuidade e flexibilidade aos progressos já existentes.

29
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

2.1 PROMOÇÃO DA SAÚDE


A promoção da saúde entra como uma relação de cuidado com o outro,
e vemos que, por décadas, o atendimento ao doente mental no Brasil esteve
ligado ao modelo centrado no hospital, no qual a única forma de tratamento era
a internação, o isolamento e o afastamento da família, bem como do convívio
social. Em 1970, como vimos, a modificação do modelo asilar foi implementada
por meio de lutas e conquistas da reforma psiquiátrica, a qual ainda vem se
consolidando e se tornando realidade.

Com todas essas questões em plano, novas estratégias voltadas a pacientes


com histórico de transtorno mental, quanto à reabilitação e a uma nova vida
fora dos hospitais psiquiátricos se deu de forma gradativa, com a proposta de
valorização do cuidar e com uma nova forma de pensar o processo saúde-doença.
Essas estratégias visam, sobretudo, uma ressignificação do conceito de loucura,
das práticas realizadas e também dos novos serviços que serão prestados,
norteados somente pelo modelo de atenção à saúde de forma positiva.

De acordo com Jorge et al. (2011), a saúde mental visa atingir um cuidado
integral. Para tal, utiliza as relações de cuidado como instrumento de sua prática.
“E essas ferramentas relacionais envolvidas no processo de trabalho se articulam
sob as próprias relações, demandas, necessidades e envolvimento no cuidado.
Existe a potência afetiva que um sujeito tem com o outro, cheio de significados e
sentimentos” (JORGE et al. 2011, p. 3.054).

FIGURA 15 – CONCEITO DA PALAVRA “SINGULAR” EM CUBOS

FONTE: <https://shutr.bz/3oB9x3D>. Acesso em: 12 jul. 2021.

Esse tipo de afeto, que abrange também o acolhimento, funciona como


um dispositivo capaz de (re)estruturar o cuidado em saúde mental, de modo a
ressaltar a subjetividade e a singularidade de cada sujeito.

30
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

2.2 ACOLHIMENTO
Em qualquer campo de atuação e profissionalismo, as relações interpessoais
são de extrema importância. No contexto de saúde, vale lembrar que existem
os prestadores de serviço e os consumidores. Por esse motivo, existem algumas
implicações no que diz respeito à medida em que nos aproximamos e também nos
encontros entre usuários dos serviços oferecidos com quem oferece. De fato, para
que um usuário fique satisfeito, é fundamental uma boa relação, que vai desde a
recepção até o atendimento final. Isso quer dizer que uma pessoa que procura por
algum serviço, seja ele qual for, quer ser acolhida e, de certa forma, compreendida.

Porém, temos visto que esse tipo de relação vem seguindo um padrão,
pelo menos no campo da saúde. Padrão esse que se faz pela “recepção”, “triagem”
e “atendimento”. No que tange ao sentido das necessidades dos prestadores de
serviços, cabe atuar de maneira eficiente e dar soluções breves e mais adequadas
em cada situação. Ao falarmos sobre o acolhimento, comunicamos também a
humanização e a solidariedade para com o outro, de forma que o reconheçamos
como sujeito. É importante que os profissionais da saúde se voltem para uma
atenção individualizada a cada usuário.

Sobre o acolhimento, existem diversas formas que são consideradas e que


as pessoas buscam em seus atendimentos. Entre elas estão:
• atenção;
• cortesia/ respeito;
• rapidez e agilidade para tratar assuntos de emergência;
• tentativa de resolução dos problemas apresentados;
• orientações e/ou explicações sobre algo que não esteja claro;
• escuta personalizada (FALK, 2010, p. 4).

FIGURA 16 – EMPATIA É UMA FORMA DE ACOLHER

FONTE: <https://shutr.bz/3FmEKxp>. Acesso em: 12 jul. 2021.

31
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

A relação entre os profissionais de saúde bem como com seus usuários


deve se pautar na sensibilidade quanto ao sofrimento/angústia do outro. O que
torna o assunto tão complexo, pois, na maioria das vezes, somos formados para
lidar com a doença, com o físico do paciente até pela agilidade do atendimento.
Porém, vale lembrar que a forma como a Instituição se organizou, na divisão
de grupos e ações, influenciará nos comportamentos tanto dos prestadores de
serviço como dos usuários. Ou seja, o tratamento dado é mútuo.

Diante disso, fica claro a importância dessa relação entre quem precisa e
quem oferece, de forma a minimizar futuros problemas, doenças, internações e
gastos desnecessários com coisas que poderiam ser solucionadas preventivamente.

Agora no que diz respeito à assistência ao sujeito com algum tipo de


sofrimento mental, o modelo predominante e com alta demanda foi o hospitalar.
Porém, com a reforma psiquiátrica, foi permitida a inclusão de conceitos importantes
que por tantos anos estiveram fora do âmbito da conceituação de loucura, como
a desospitalização, desinstitucionalização, reabilitação psicossocial, cidadão e
sujeito. Dados os serviços substitutivos trazem consigo essas ressignificações, de
modo a dar novas formas de cuidado, garantindo o respeito à diferença, como
menciona Cavalcanti (2000, s. p.), “fazer das experiências da loucura algo que
possa transmitir na cultura, sem exclusão da subjetividade, ou seja, sustentando
a possibilidade do sujeito” e ainda, “o problema não está tanto em ‘pirar ou não
pirar’, mas em o que se faz com esta ‘piração’ [...] ajudá-lo a fazer desta tragédia
existencial algo que vale a pena”.

Referindo- se aos termos desospitalização, desinstitucionalização, seguem


seus conceitos. Confira.

Desospitalização: é definida como um processo que busca a humanização


de pacientes que se encontram hospitalizados. Tem como principal objetivo
oferecer a estes indivíduos uma recuperação mais rápida e bem-sucedida em seu
domicílio, buscando racionalizar a utilização dos leitos hospitalares e trazer mais
qualidade de vida.

Desinstitucionalização: o movimento da desinstitucionalização surge


no cenário mundial como um projeto de transformação da função social da
instituição psiquiátrica. “É caracterizada por ser um processo não apenas técnico,
administrativo, jurídico, legislativo ou político; é, acima de tudo, um processo
ético, de reconhecimento de uma prática que introduz novos sujeitos de direito e
novos direitos para os sujeitos” (AMARANTE, 1995, s. p.).

Segundo Saraceno (2001, p. 176), “a desinstitucionalização difere da


desospitalização quando considera que simplesmente esta saída do hospital não
é suficiente para a participação social. É necessário um processo de superação das
condições de dependência institucional”, ou seja, é preciso inserir novamente esse
paciente ao social, de forma a contemplar todas os seus direitos novamente. Nesse

32
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

sentido, ele propõe uma construção da cidadania, a restituição da contratualidade


do sujeito nos aspectos da rede social, do habitat com a família e do trabalho com
valor social. Com finalidade a reabilitação psicossocial (SARACENO, 2001).

E
IMPORTANT

Reabilitação psicossocial “é entendida como ações que buscam modificar


os níveis de relação de domínio, abrindo novos meios para se estabelecer relações entre
comunidade, serviços, profissionais, familiares e sujeitos” (SARACENO, 2001, p. 176). Ela
preconiza as trocas afetivas, materiais e sociais embasadas pela contratualidade com a
rede de apoio.

FIGURA 17 – CONSCIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL COM COR DE FITA VERDE LIMÃO NA MÃO
AJUDANDO

FONTE: <https://shutr.bz/3DjBoti>. Acesso em: 1 jul. 2021.

No texto O que significa acolher?, Luis Maciel (2018, s. p.) apresenta o que
é acolher:
É lugar comum na psicologia falar em acolhimento. Todas as
abordagens falam de alguma forma sobre o acolhimento, sobre
sua importância e necessidade em espaços de ajuda. Mas poucas
conseguem, de fato, colocar em prática o movimento e a atitude diante
de outras pessoas, principalmente as mais necessitadas.

Rogers, por meio de diversos estudos e pesquisas, ainda no modelo


experimental, nos deixou evidências empíricas a respeito das
consequências da atitude genuinamente empática e da consideração
positiva incondicional para a mudança terapêutica da personalidade.
Isso significa que ele conseguiu demonstrar a importância de uma
atitude de acolhimento para o desenvolvimento, bem como para a
promoção da saúde psicológica individual e coletiva.

33
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

Mas o que, de fato, significa acolher? A atitude de acolhimento


nada mais é que escutar e estar à disposição/entregue ao que o
outro está trazendo. Trata-se de uma postura respeitosa ao valor do
outro e dos direitos do ser humano. Dessa forma, antes de qualquer
comportamento, o acolhimento se mostra na forma que me coloco
presente para o outro. Se acredito no valor e no potencial do outro,
irei, naturalmente, adotar uma postura de respeito frente a ele. Essa
atitude será comunicada pela atenção que dedico ao mesmo, bem
como através da minha expressão corporal.

Dessa forma, acolhimento se mostra por meio de uma consideração,


uma valorização que percebemos, mesmo que subliminarmente, na
postura do outro.
Além dessa postura, Rogers também chama a atenção para outra
atitude que caracteriza o acolhimento: a empatia. Mas como se
manifesta a atitude empática?
Para além de uma mera repetição de palavras, a atitude empática se
mostra em nosso desejo de compreender o outro: suas dores, seus
sentimentos e o significado daquilo que o mesmo está passando, seja
nas relações interpessoais, no trabalho ou em qualquer outro contexto.
Faz parte da empatia também um cuidado para reconhecer o outro
naquilo em que ele é diferente, pois, apesar de humanos, vivemos e
damos sentidos diferentes para aquilo que vivemos.

A relação e diálogo entre um prestador de serviço da área de saúde e um


paciente/usuário/família baseia-se no acolhimento, na escuta, no atendimento
personalizado e na resolubilidade da problemática de saúde desses sujeitos,
transversalizando toda a terapêutica. Esse vínculo então favorece a democratização
e o papel de facilitador no acesso às práticas em saúde, construindo confiança, laços
e valorização mútua na medida em que constrói laços afetivos, confiança, respeito
e a valorização dos saberes dos usuários/família/trabalhadores de saúde. Desse
modo, propicia também a autonomia. Essa já entra como o resgate da cidadania e
dos direitos básicos dessas pessoas (JORGE et al. 2011, p. 3.058). Como aponta Santos
(1999, p. 62), “todo mundo tem direito à igualdade quando a diferença discrimina,
e todo mundo tem direito à diferença quando a igualdade descaracteriza”.

A Carta de Ottawa, originada da 1ª Conferência Internacional sobre


Promoção da Saúde, documento fundador do movimento atual da promoção da
saúde, realizada em Ottawa, no Canadá, em 1996, diz o seguinte: “as ações de
promoção da saúde [...] objetivam assegurar oportunidades e recursos igualitários
para capacitar todas as pessoas a realizar completamente seu potencial de saúde”
(BRASIL, 2001, p. 21). Isso de fato parece propiciar “ambientes favoráveis, acesso
à informação, a experiências e habilidades na vida, bem como oportunidades
que permitam fazer escolhas por uma vida mais saudável” (BRASIL, 2001, p. 21).
Diante disso, fica fácil compreender que pode e deve existir um diálogo entre
a promoção da saúde e a saúde mental, ao que diz respeito à autonomia e a
responsabilidade compartilhadas

34
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

FIGURA 18 – CARTA DE OTTAWA FUNDA O MOVIMENTO ATUAL DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

FONTE: <https://shutr.bz/3ah5mkW>. Acesso em: 12 jul. 2021.

A Política Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL, 2006, p. 12) traz a


definição de promoção da saúde como:
[...] um mecanismo de fortalecimento e implantação de uma política
transversal, integrada e intersetorial, que faça dialogar com as diversas
áreas do setor sanitário, os outros setores do Governo, o setor privado
e não governamental e a sociedade, compondo redes de compromisso
e corresponsabilidade quanto à qualidade de vida da população em
que todos sejam partícipes na proteção e no cuidado com a vida.

A promoção de saúde abarca aspectos que estruturam o processo saúde-


doença no país; ela entra como amparo a diferentes esferas, como a violência,
desemprego, falta de saneamento básico, falta de acesso à educação, fome, entre
outros. Segundo a Carta de Ottawa, como mencionada acima, ajuda a potencializar
e flexibilizar formas de intervenção, acolhimento e favorece ainda no quesito de
autonomia e liberdade de escolha da população.
[...] os modos como sujeitos e coletividades elegem determinadas
opções de viver como desejáveis, organizam suas escolhas e criam
novas possibilidades para satisfazer suas necessidades, desejos e
interesses pertencem à ordem coletiva, uma vez que seu processo de
construção se dá no contexto da própria vida (BRASIL, 2006, p. 7).

Esse diálogo entre as políticas de saúde mental e de promoção da saúde


opera de forma direta e indireta na autonomia e na cidadania dos sujeitos em
questão. Com base nisso, podemos ver que a direção à reabilitação psicossocial
do usuário em sofrimento psíquico necessita desse diálogo para acontecer, sendo
capaz de produzir fortalecimento para a vida das pessoas por ele acolhidas.

35
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

DICAS

“O documentário Em nome da razão (1979) foi idealizado e realizado


justamente quando, no Brasil, efetivava-se o início do processo de abertura política, com
seus avanços e retrocessos. A pauta de reivindicações e de negociações que se configura
nas tensões entre a ditadura militar e a sociedade civil é densa, mas destaca-se, para que
se possa conceber o projeto do filme, a luta pelo fim da censura, que tende a aquecer a
imprensa e, consequentemente, a opinião pública. Os atendimentos eram centrados nos
hospitais psiquiátricos, onde crescia, excepcionalmente, um mercado privado da saúde
mental, financiado pela Previdência Social” (GOULART, 2010, on-line, grifo nosso).

Outro ponto importante dentro da promoção de saúde é que ela influencia


também as condições e a qualidade de vida. Por isso, tem sido ocupada por
políticos e pensadores ao longo da história. Johann Peter Frank escreveu em seu
célebre, no século XVIII: “que a pobreza e as más condições de vida, trabalho,
nutrição etc. eram as principais causas das doenças, preconizando, mais do que
reformas sanitárias, amplas reformas sociais e econômicas” (SIGERIST, 1956, s.
p). Por vez, Rosen (1979) completou que a situação de saúde dos ingleses era
afetada “pelo estado dos ambientes social e físico, reconhecendo, ainda, que a
pobreza era, muitas vezes, a consequência de doenças pelas quais os indivíduos
não podiam ser responsabilizados e que a doença era um fator importante no
aumento do número de pobres” (ROSEN, 1979, p. 86).

NTE
INTERESSA

Johann Peter Frank foi um médico sanitarista alemão, formado pela


Universidade de Estrasburgo e com doutorado na Universidade de Heidelberg, nomeado
chefe sanitarista na região da Lombardia, em 1785, sendo considerado então, o fundador
do sanitarismo moderno.

36
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

2.3 PREVENÇÃO DE DOENÇA


O Brasil tem sofrido diversos processos de transição demográfica,
epidemiológica e nutricional desde a década de 1960, obtendo assim um aumento
significativo da prevalência de doenças crônicas. Seguindo uma tendência
mundial, diante desse aumento, teve como resultado a diminuição das taxas de
fecundidade e de natalidade; no quesito expectativa de vida, sendo a proporção
de idosos em relação aos demais grupos etários. Essa Transição Epidemiológica,
estruturou um novo perfil de morbimortalidade, sendo o crescimento da
morbimortalidade por doenças crônicas e doenças infecciosas.

Com a urbanização cada vez mais acelerada e apertada, alta demanda ao


acesso a serviços de saúde, desencadeia um aumento agressivo e progressivo na
qualidade de vida da população, tornando os padrões de ocorrência das doenças
novos desafios para a esfera da saúde e também para setores governamentais.
Vale ressaltar que a prevenção sempre sai mais barata do que o tratamento,
em caso de doenças crônicas, visto que custam caro para o SUS, e os maiores
desafios impostos ainda são os financiamentos. Por exemplo, se essas doenças
não são controladas e/ou prevenidas, é demandando uma maior assistência
médica, que vai desde pesquisas científicas a tecnologias de alto padrão, o que,
consequentemente, só vai gerando mais gastos e investimentos pesados por algo
que poderia ser controlado (MALTA et al, 2006).

FIGURA 19 – MORTALIDADE PROPORCIONAL SEGUNDO CAUSAS

FONTE: Malta et al. (2006, p. 49)

37
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

Alguns fatores contribuíram para esta mudança no padrão de mortalidade,


inclusive a própria mudança demográfica do país, que apresenta, em suas cinco
macrorregiões – Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, de acordo com
Malta et al. (2006, p. 50),
[...] uma heterogeneidade demográfica e socioeconômica bastante
grande, que se reflete em distintos padrões de mortalidade e de
morbidade. Seu enfrentamento, tanto na prevenção quanto na atenção
às pessoas já acometidas, exige respostas diferenciadas por parte dos
gestores estaduais e municipais.

Conforme apontam Leavel e Clark (1976, s. p.):


A saúde pública é a ciência e tem capacidade de evitar doenças,
prolongar a vida e desenvolver a saúde física e mental e a eficiência, por
meio de esforços organizados da comunidade, para o saneamento do
meio ambiente, o controle de infecções na comunidade, a organização
de serviços médicos e paramédicos para o diagnóstico precoce e o
tratamento preventivo de doenças.

Os conceitos que abarcam a saúde pública refletem diretamente naqueles


da epidemiologia, pois são indissociáveis, um depende do outro. Sabemos
que a epidemiologia é a “ciência que estabelece e avalia métodos e processos
usados pela saúde pública para prevenir doenças” (CORDEIRO et al, 2010, p.
41). Dessa forma, ela representa um suporte e apoio na orientação de sua e de
outras atuações, assumindo um papel de prevenção e promoção de saúde. Essa
ação de prevenção pode incluir o movimento de profissionais da área da saúde,
que ficam responsáveis pela decisão técnica, ação direta e ação educativa. De um
modo geral, eles são os principais agentes nesse setor.

A prevenção pode ser feita tanto na pré-patogênese como na patogênese.


Dentro dos fatores pré-patogênicos são incluídas a promoção da saúde e a proteção
contra determinado tipo de doença. Já a prevenção secundária é realizada no
indivíduo, já sob a ação do agente patogênico, já em estado de doença, incluindo
diagnóstico e tratamento. Por fim, a prevenção terciária trabalha para evitar a
incapacidade por meio de medidas destinadas à reabilitação. Veja a seguir as
explicações sobre cada tipo de prevenção.

1) Prevenção primária: o objetivo é evitar ou até mesmo remover fatores de risco


ou causais antes que se desenvolva a doença. Este tipo de prevenção é focado
em nível individual, grupal ou na população em geral.
2) Prevenção secundária: “visa à detecção precoce de problemas de saúde em
indivíduos, muitas vezes, assintomáticos. Aqui, algumas medidas apropriadas
são aplicadas para interromper e reestabelecer possíveis evoluções da doença.”
3) Prevenção terciária: “o intuito é se pautar em atividades clínicas que
previnem a deterioração ou complicações após o estabelecimento da doença”
(CORDEIRO et al., 2010, p. 43).

38
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

Para que esses objetivos citados sejam atingidos, torna-se necessário que
intervenções da medicina preventiva e da medicina curativa entrem no contexto.
Por vezes, vemos que a prevenção é exercida através da terapêutica, mas também
existem ações de caráter não médico, que trazem melhoria significativa ao bem
estar do sujeito e da família.

De acordo com a OMS (2006, s. p.), “a prevenção e o tratamento adequados


de certos transtornos mentais e comportamentais podem reduzir os índices de
suicídio, sejam essas intervenções orientadas para indivíduos, famílias, escolas
ou outros setores da comunidade em geral”. O reconhecimento e tratamento de
doenças como depressão, ansiedade, abuso de drogas e álcool podem ser a chave
para a prevenção, e, inclusive, para prevenir o suicídio.

FIGURA 20 – NUVEM DE PALAVRAS SOBRE PREVENÇÃO DE SUICÍDIO

FONTE: <https://shutr.bz/3oDEHqY>. Acesso em: 1º jul. 2021.

Diante da promulgação da Constituição de 1988 e com a sanção das Leis


nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/1990, foi criado e regulamentado
o SUS no Brasil, o que alavancou o pregresso no sistema de saúde. No entanto, as
suas ações devem obedecer aos seguintes princípios e diretrizes:

• universalidade: a saúde como um direito de cidadania de todas as pessoas,


cabendo ao Estado assegurá-lo;
• equidade: princípio de justiça social, que procura tratar desigualmente os
desiguais e investir onde há mais necessidade;
• integralidade: considera a pessoa como um todo. Pressupõe a promoção da
saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação e a integração
entre as demais políticas públicas;
• descentralização e comando único: descentralização de poder e de
responsabilidades entre as esferas de governo.
• regionalização e hierarquização: os serviços devem ser organizados em uma
área geográfica por níveis de complexidade crescente;
• participação popular: por meio dos conselhos e conferências de saúde, com o
objetivo de formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política de
saúde (CORDEIRO et al., 2010, p. 43).
39
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

De qualquer forma, a prevenção na área da saúde mental, em seus


diferentes níveis, essas novas formas e práticas do SUS, ela já existia bem antes
disso e tinha o mesmo intuito, garantir legalmente a assistência na área de
prevenção em saúde.

As normas gerais sobre defesa e proteção da saúde, oriundas da Lei nº 2.312,


de 3 de setembro de 1954 (revogada pela Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990,
concordavam com o atendimento psiquiátrico extra-hospitalar. Assim, destaca-se
o artigo 22, da Lei nº 2.312/1954, que aponta que: “O tratamento, o amparo e a
proteção ao doente nervoso ou mental serão dados em hospitais, em instituições
para-hospitalares ou no meio social, estendendo a assistência psiquiátrica à família
do psicopata” (BRASIL, 1954). No entanto, a previsão e garantia em lei de fato
possui algumas lacunas e vem sendo negligenciada no País.

40
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

LEITURA COMPLEMENTAR

‘É UM PACOTE DE MEDIDAS QUE DESCONSTRÓI A REFORMA


PSIQUIÁTRICA’

Katia Machado - EPSJV/Fiocruz

Entrevista concedida ao Portal da EPSJV, às vésperas da Comissão


Intergestores Tripartite (CIT) votar a reformulação da Política, por Pedro
Gabriel Delgado, militante da luta antimanicomial, à frente do processo de
desinstitucionalização psiquiátrica, prevista pela Lei nº 10.216/2001, e professor
do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

EPSJV/Fiocruz - O que significa essa minuta divulgada pelo Ministério da


Saúde neste início de dezembro, alterando a Política Nacional de Saúde Mental?
Entre as modificações propostas pelo ministério está a manutenção de leitos em
hospitais psiquiátricos, a ampliação de recursos para comunidades terapêuticas e
a limitação na oferta de serviços extra hospitalares.

Pedro Gabriel Delgado - Eu acho que esse pacote proposto pelo ministro
[da saúde] Ricardo Barros tem que ser entendido no seu conjunto. É um
pacote de medidas que desconstrói a reforma psiquiátrica, a proposta de
desinstitucionalização e a atenção comunitária, ou seja, toda uma rede de saúde
mental que acompanha o processo de saída dos pacientes dos longos períodos de
internação. É um pacote que privilegia o atendimento hospitalar, que aumenta os
recursos para os hospitais psiquiátricos e destina recursos muito volumosos para
as comunidades terapêuticas, que já vêm recebendo recursos volumosos desde
2016, e, consequentemente, diminui os recursos da rede comunitária de atenção.
Nós já estamos com sete mil vagas em comunidades terapêuticas, e isso tende a
aumentar, na contramão da Lei da Reforma Psiquiátrica nº 10.216.

EPSJV/Fiocruz - Que interesses estão por trás da proposta do Ministério da


Saúde?

Pedro Gabriel Delgado - O processo brasileiro de reforma psiquiátrica conquistou


o apoio dos usuários – se você conversar com os usuários que passaram pelo sistema
manicomial e que hoje estão no sistema comunitário, observará depoimentos
enfáticos de melhoria das condições de vida –, bem como dos familiares, embora
ainda haja por parte de alguns certa ilusão de que o tratamento no regime de
hospitalização poderá resolver o problema, especialmente quando se trata das
questões do uso de álcool e outras drogas. No entanto, ao mesmo tempo em
que se reconhece um grande apoio à reforma psiquiátrica, há também grupos
e segmentos que não apoiam a proposta há bastante tempo, por várias razões,
inclusive em face de um conservadorismo no campo da saúde mental, de que
o tratamento tem que ser pela via da institucionalização. Todavia, certamente,
residem nessa proposta outros interesses. O focal é o desmonte do SUS, tanto

41
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

que este governo que está aí é o mesmo que propôs e está fazendo mudanças na
Política Nacional de Atenção Básica, que diz que o SUS é maior do que deveria ser.
É o mesmo ministro que diz que não é ministro do SUS, que é ministro da saúde, e
que é publicamente ligado aos interesses dos planos de saúde privados, ligado ao
sistema financeiro. O atual ministro [da saúde] não esconde sua preferência pelo
setor privado, fala inclusive em planos populares de saúde. Além disso, ao propor
a hospitalização, você aumenta a prescrição irracional de psicotrópicos. Trata-
se de um modelo ambulatorial que não se presta à organização de um sistema
comunitário de atenção em saúde mental. Esse tipo de proposta restringirá o
acesso ao modelo de atenção multidisciplinar, ou seja, ele ampliará o que se
chama no mundo inteiro de “lacuna de tratamento”.

EPSJV/Fiocruz - Essas medidas afrontariam as diretrizes da política de


desinstitucionalização psiquiátrica, prevista na Lei nº 10.216/2001, e violariam as
determinações legais em relação à atenção e ao cuidado de pessoas com transtorno
mental, estabelecidas na convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e
na Lei Brasileira de Inclusão?

Pedro Gabriel Delgado - Esse conjunto de medidas afronta diretamente a Lei nº


10.216. São, portanto, ilegais. A Lei da Reforma Psiquiátrica aponta que o tratamento
tem que ser feito em base comunitária, assegura a desinstitucionalização como um
eixo da política de saúde mental. Afronta, também, as convenções relacionadas
aos direitos da pessoa com deficiência, incluindo as pessoas que sofrem com
transtornos mentais. Esse conjunto de medidas está sendo hoje (14) apresentado
à Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Essa comissão é formada por gestores
do SUS, pessoas que têm uma responsabilidade social e ética. Cada uma delas - o
presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), do Conselho
Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde, do Conselho Nacional de Secretarias
Municipais de Saúde (Conasems), todos têm responsabilidades em relação a essas
medidas. A CIT foi criada como um dos órgãos colegiados de direção do SUS em
1990 e, hoje, especialmente, deve afirmar a sua autonomia e a sua independência
em relação ao Executivo federal. A Comissão tinha a obrigação de tirar da pauta
essa proposta e devolver para uma discussão no âmbito do SUS, porque esse é
um pacote que não foi discutido pela sociedade. Não se pode desmontar uma
política que é amparada por lei e consensuada em quatro conferências nacionais
de saúde mental. Seria uma irresponsabilidade dos gestores da CIT.

EPSJV/Fiocruz - Até porque a reforma psiquiátrica é fruto de uma construção


coletiva...

Pedro Gabriel Delgado - Ela foi aprovada, discutida e aprovada por meio de
um processo de discussão que se deu em quatro conferências nacionais de
saúde mental. O processo de conferências que o SUS construiu é extremamente
participativo, acontece em todos os municípios, estados e no âmbito federal.
Então, não se pode mudar uma política construída coletivamente, já consolidada,
com um pacote.

42
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

EPSJV/Fiocruz - A nova fórmula apresentada é uma maneira de se injetar


recursos no atendimento hospitalar, deixando em segundo plano o modelo de
atendimento hoje existente, baseado em uma rede e no atendimento ambulatorial
e multidisciplinar?

Pedro Gabriel Delgado - Sem dúvida. Há um cálculo inicial de aumento de R$


240 milhões por ano de despesas com a área hospitalar. Além disso, estão sendo
propostos, eu acho, cerca de R$ 270 milhões nesse pacote só para as comunidades
terapêuticas, que também são instituições de tratamento fechado, ou seja, não
são comunitárias. É um conjunto de medidas hospitalocêntricas e, portanto,
contrárias à nº Lei nº 10.216. Mas acho também importante destacar que, desde o
ano passado, os serviços comunitários, como os CAPS, os consultórios de rua e as
residências terapêuticas estão sendo sucateados pelo governo federal e, também,
por governos estaduais e alguns governos municipais. Há situações muito
graves envolvendo os CAPS, como falta de medicação, alimentação, limpeza,
condições de habitabilidade em residências terapêuticas etc. A rede de atenção
comunitária está sendo sucateada, realçando um desinteresse do governo neste
modelo de atenção à saúde mental. Com essas medidas apresentadas agora, só
fica comprovado que o investimento que o governo quer é hospitalocêntrico.

EPSJV/Fiocruz - A minuta atual do MS não contraria também medidas anteriores


e mais recentes, como a Portaria nº 2.644, de outubro de 2009, que reagrupou
classes para os hospitais psiquiátricos e reajustou os respectivos incrementos de
modo a desestimular a internação de longa permanência e, também, a internação
em hospitais de grande porte, porque já estava exaustivamente comprovado que
a qualidade da assistência piorava na medida em que se aumentam os números
de leitos?

Pedro Gabriel Delgado - Certamente. É um conjunto de medidas hospitalocêntrico,


que retoma o estímulo ao hospital de longa permanência. Na verdade, é uma
proposta que o Ministério faz para que o hospital psiquiátrico reassuma a
centralidade do sistema de atenção à saúde mental. Volto a dizer: é um conjunto
de medidas que não pode ser aprovado pela Comissão Intergestores Tripartite. A
CIT tem que retirar esse pacote da pauta e propor uma análise mais aprofundada.

EPSJV/Fiocruz - Qual a argumentação que o movimento da luta antimanicomial


fez junto à CIT?

Pedro Gabriel Delgado - São várias manifestações de movimentos sociais, de


professores universitários, de associações de usuários e de familiares para pedir à
CIT que não vote esse conjunto de medidas e faça cumprir seu papel regulatório
e de pactuação. Mas há, também, por parte do Ministério da Saúde, uma forte
pressão em cima dos gestores. Por isso que eu digo: o gestor da saúde tem que
afirmar agora sua autonomia, sua independência. Os gestores não podem se
submeter à pressão que esse governo costuma fazer sobre todos os setores, e está
fazendo agora sobre os gestores do SUS que fazem parte da CIT. Acho que o local
da resistência da reforma psiquiátrica são os serviços da saúde mental que foram

43
UNIDADE 1 — A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA LOUCURA

criados a partir da Lei nº 10.216, os cerca de três mil serviços comunitários de


saúde mental. Esses serviços serão a trincheira da resistência caso essa proposta
de desconstruir a reforma psiquiátrica siga adiante.

EPSJV/Fiocruz - Ao que tudo indica, reunida hoje (14), a CIT vetou qualquer
ampliação da capacidade já instalada de leitos psiquiátricos em hospitais
especializados, reafirmando o modelo assistencial de base comunitária, mas
autorizou a ampliação da oferta de leitos hospitalares qualificados para a
internação de pacientes com quadros mentais agudos. O que isso significa? Qual
a sua avaliação sobre essas deliberações?

Pedro Gabriel Delgado - Há um jogo de palavras entre ‘capacidade instalada’ e


‘ampliação de leitos’. Concretamente, autoriza-se ampliação de leitos psiquiátricos
em hospital especializado, em hospitais psiquiátricos convencionais. Capacidade
instalada é um dado que diz respeito à estrutura geral do hospital, mesmo que um
leito não esteja ativo ou não credenciado. Na prática, isso significa que autoriza
a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos, o que vai contra a Lei nº 10.216.

EPSJV/Fiocruz - Uma das novidades da resolução da CIT é a criação da


modalidade de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), com funcionamento 24
horas, prestando assistência de urgência e emergência, para ofertar linhas de
cuidado em situações de cena de uso de drogas, especialmente o crack, de forma
multiprofissional e intersetorial. Como você observa essa proposta?

Pedro Gabriel Delgado - É mais provável que um serviço que estão chamando
de CAPS-AD III, instalado na cena de uso, com esta perspectiva de ampliar o
estoque de leitos em comunidades terapêuticas e com toda a ideologia de
institucionalização no conjunto do pacote, seja um serviço de contenção, sirva
de porta de entrada involuntária de usuários de drogas nessas cenas de uso.
Conversei com outros colegas do campo de Álcool e Drogas e eles entendem que
esse serviço não será um CAPS AD III, mas sim um contêiner que servirá como
porta de entrada para tratamento em regime fechado.

EPSJV/Fiocruz - Essa proposta do atual governo tem alguma repercussão no


cenário internacional, uma vez que a reforma psiquiátrica brasileira é reconhecida
no mundo?

Pedro Gabriel Delgado - O ministro da saúde não sabe ou não quer saber, mas
a experiência brasileira está sendo observada, nesse momento, por vários países
do mundo e pela OMS e Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Essa
proposta de desconstrução da reforma psiquiátrica certamente produzirá reações
internacionais contra o Brasil. O país não pode ficar submetido a uma decisão isolada
do Ministério da Saúde, atendendo a interesses, por exemplo, do sistema privado
de saúde, porque a reforma psiquiátrica brasileira tem história e está consolidada,
apesar de todas as dificuldades e de ser um processo que ainda não terminou.
Entre os organismos internacionais, é um exemplo a ser seguido, especialmente em

44
TÓPICO 3 — HISTÓRIA E POLÍTICA DE SAÚDE COLETIVA

função da complexidade de um país que tem 200 milhões de habitantes. O Brasil foi
o único no atual contexto a realizar um processo de mudança no sistema de saúde
mental em âmbito nacional, com uma dimensão continental.

EPSJV/Fiocruz - Você participou do processo de desinstitucionalização psiquiátrica,


ou seja, do Movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira. O que significou esse
processo para os usuários do SUS e familiares?

Pedro Gabriel Delgado - A desinstitucionalização é um processo social extremamente


importante em todos os países do mundo, que assegura às pessoas que têm
sofrimento mental grave, bem como às pessoas com deficiências, uma alternativa
de vida que é muito melhor que viver dentro de estabelecimentos fechados por
longos períodos. A desinstitucionalização não é somente um desafio para o
campo da saúde mental, é também parte dos direitos humanos. É importante
contextualizar isso, porque essa preocupação existe no mundo desde os anos
1960 e continua sendo um dos principais desafios da atualidade para as políticas
públicas de todos os países, não somente do Brasil. O que é importante destacar
é que o Brasil é um dos países que conseguiu realizar uma tarefa, que não está
completa, de desinstitucionalização de um número expressivo de pacientes
que viviam em estabelecimentos de longa permanência e fez isso com muito
cuidado do ponto de vista da inclusão social. Criou a Lei do Programa De Volta
Pra Casa [nº 10.708, de 31 de julho de 2003], que assegura aos pacientes que
tenham permanecido em longas internações psiquiátricas um subsídio mensal
para a sua sobrevivência, os serviços de apoio de caráter aberto, comunitário e
multidisciplinar, como os CAPS e as residências terapêuticas, destinadas a pessoas
com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas
e impossibilitadas de retornar às suas famílias de origem. E fez isso em uma escala
que chama a atenção do mundo todo. Posso assegurar que a experiência brasileira
é vista com muito respeito e admiração, validada em declarações e documentos
oficiais, por organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde e
a Organização Pan-Americana da Saúde.

FONTE: Adaptado de <https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/e-um-pacote-de-medidas-


que-desconstroi-a-reforma-psiquiatrica>. Acesso em: 1º jul. 2021.

CHAMADA

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45
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Entre 2001 e 2014 houve uma redução significativa do número de leitos em


hospitais psiquiátricos: de 53.962 em 2001 para 25.988 em 2014, devido à falta
de requisitos básicos para a implantação e a prática. Essas mudanças ocorreram
inclusive, em decorrência de denúncias de violações de direitos humanos.

• Em decorrência das mudanças e de novas perspectivas, alguns serviços


sociais foram implementados para substituir os serviços baseados no hospital.
Alguns deles foram o CAPS, CAPS-I e CAPS-AD.

• Os recursos financeiros que antes eram utilizados pelos hospitais psiquiátricos


passaram a ser deslocados para serviços comunitários, possibilitando
possíveis financiamentos de serviços substitutivos na comunidade.

• Com a experiência do Brasil na implementação de uma política de saúde


mental, houve também uma transformação no que diz respeito ao sistema
nacional de saúde mental, acessibilidade e qualidade nos serviços prestados.

• O diálogo entre as políticas de saúde mental e de promoção da saúde, opera de


forma direta e indireta na autonomia e na cidadania dos sujeitos em questão.
Com base nisso, podemos verificar que a direção e a reabilitação psicossocial do
usuário em sofrimento psíquico necessitam desse diálogo para acontecer, sendo
capaz de produzir fortalecimento para a vida das pessoas por ele acolhidas.

• Existem alguns tipos de prevenção, como a primária, cujo o objetivo é evitar


ou até mesmo remover fatores de risco ou causais antes que se desenvolva a
doença. Este tipo de prevenção é focado em nível individual, grupal ou para
a população em geral. A prevenção secundária visa à detecção precoce de
problemas de saúde em indivíduos, muitas vezes, assintomáticos. Por fim, a
prevenção terciária, que tem como intuito se pautar em atividades clínicas que
previnem a deterioração ou complicações após o estabelecimento da doença.

• A prevenção e o tratamento adequados de certos transtornos mentais e


comportamentais, podem reduzir os índices drásticos de doenças crônicas,
sejam essas intervenções orientadas para indivíduos, famílias, escolas ou outros
setores da comunidade em geral. O reconhecimento e o tratamento de doenças
como depressão, ansiedade, abuso de drogas e álcool podem ser a chave para a
prevenção do suicídio.

46
AUTOATIVIDADE

1 Com base nos recursos financeiros antes implantados em hospitais


psiquiátricos e agora em serviços comunitários, podemos compreender
nitidamente que eles estavam sendo usados de forma errônea e desumana
para com seus pacientes, visto que muitos não tinham o que comer dentro
dos hospitais psiquiátricos. Sobre os benefícios que trouxeram, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Implantação de programas de acolhimento e cuidado para família,


crianças, adolescentes e pacientes com histórico de abuso de drogas e
álcool.
b) ( ) Pagamento de dívidas anteriores, mas ainda não se conseguiu
mudanças significativas.
c) ( ) Trouxe mais desafios do que soluções, visto que precisava de mais
pessoas para trabalhar nos programas de acolhimento e cuidado.
d) ( ) Ajudou na expansão de novos hospitais psiquiátricos.

2 Considerando-se as mudanças e as novas perspectivas oriundas da reforma


psiquiátrica, vimos que alguns serviços sociais foram implementados para
substituir os serviços baseados no hospital. Esses serviços visavam atender
à população e promover mais qualidade de vida. Com base nas definições
e objetivos do CAPS, analise as sentenças a seguir:

I- O enfoque do CAPS é prestar atendimento a crianças e adolescentes, somente.


II- Exemplos de CAPS são o CAPS-I e CAPS-AD.
III- Sobre o CAPS-AD, entende-se que o programa tem como objetivo principal
atender pacientes com problemas relacionados ao uso de drogas, em geral.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Diante da importância da relação e diálogo entre um prestador de serviço


da área de saúde e um paciente/família, verificamos como os hospitais
psiquiátricos deixavam a desejar nesta comunicação, de forma a isolar
os seus pacientes de qualquer convívio social e tirar a autonomia até do
próprio tratamento. Diante deste contexto, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) É preciso que haja escuta, atendimento personalizado e resolubilidade


da problemática de saúde dos sujeitos que buscam por esses serviços,
transversalizando toda a terapêutica.

47
( ) Não opera de forma direta e indireta na autonomia e na cidadania dos
sujeitos em questão.
( ) Pacientes que estejam em sofrimento psíquico têm capacidade de
direcionar a reabilitação psicossocial.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A prevenção e a promoção de saúde, além do tratamento adequado de


certos transtornos mentais e comportamentais, podem reduzir até os
índices de suicídio, sejam essas intervenções orientadas para indivíduos,
famílias, escolas ou outros setores da comunidade em geral. Isso significa
que toda a população tem o direito de ser amparada enquanto sujeito que
sofre. Disserte sobre a importância dessas esferas para a saúde dos sujeitos.

5 Sobre a saúde coletiva e suas interfaces, entendemos que é uma área de


conhecimento multidisciplinar construída na interface dos conhecimentos
produzidos pelas ciências biomédicas e pelas ciências sociais. Neste contexto,
disserte sobre os principais objetivos da saúde coletiva e como eles se dão.

48
REFERÊNCIAS
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mudanças em curso. Cad. Saúde Pública 2019, [s. l.], v. 35, n. 11, 2019.

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52
UNIDADE 2 —

MOVIMENTO DE REFORMA
PSIQUIÁTRICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• analisar a ampliação do conceito de saúde coletiva;

• conhecer os aspectos sociais e políticos da reforma psiquiátrica;

• compreender a luta antimanicomial, o movimento sanitarista e a


redemocratização do Brasil;

• aprender sobre a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

TÓPICO 2 – DITADURA NO BRASIL

TÓPICO 3 – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

53
54
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos sobre a história e o conceito de
Saúde Coletiva, refazendo o percurso sócio histórico e teórico de atravessadores
que contingenciaram a construção de um saber sobre a implementação da saúde
coletiva no Brasil.

Diferente do que se pensa a respeito ao fazer saúde, é recente a compreensão


de saúde coletiva, por mais que os conhecimentos médicos sejam difundidos
há séculos. Inicialmente, fazer saúde estava muito atrelado a uma perspectiva
individualista, na qual cada indivíduo era compreendido em sua singularidade e,
também, as queixas individuais pouco se relacionavam a marcadores sociais, como a
pobreza, o desenvolvimento sanitário, a racialidade e o desenvolvimento econômico.

Diante disso, podemos dizer que a inserção da nomenclatura “coletiva”


ou “social” ao conceito de saúde é a marcação de uma mudança de paradigma
nas ciências da saúde, saindo de uma perspectiva individualista para uma
perspectiva que comporte organizações, técnicas e saberes que coadunam com
políticas transversais, por exemplo: acesso à moradia, a controle de vacinação
coletiva, à rede básica de saneamento, ao transporte, ao esporte e à cultura.

2 A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA


Antes de adentrarmos efetivamente no conceito de saúde coletiva,
retomaremos o que era dito como saúde em tempos anteriores para que sejam
compreendidas as transformações e as perspectivas que ocorrem com a chegada
do conceito de saúde coletiva.

Quando falamos de saúde, inicialmente, vale ressaltar que saúde não é


um conceito estático, o que era compreendido como saúde em séculos passados já
não faz mais parte do cenário contemporâneo. Afinal, o que é saúde? A resposta
mais objetiva e sintética que pode ser dada a essa pergunta corresponde dizer que
saúde se equivale a uma conjuntura social e política de determinada época.

A saúde não está fora das condições sócio-históricas de um determinado
tempo, o que faz com que a saúde seja compreendida de diferentes formas por
grupos sociais, períodos históricos, ou até mesmo por campos específicos do saber.

55
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Como aponta Scliar (2007, p. 30), o conceito de saúde


reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural. Ou seja:
saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá
da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais,
dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas. O mesmo,
aliás, pode ser dito das doenças. Aquilo que é considerado doença
varia muito. Houve época em que masturbação era considerada uma
conduta patológica capaz de resultar em desnutrição (por perda da
proteína contida no esperma) e em distúrbios mentais. A masturbação
era tratada por dieta, por infibulação, pela imobilização do “paciente”,
por aparelhos elétricos que davam choque quando o pênis era
manipulado e até pela ablação da genitália. Houve época, também,
em que o desejo de fuga dos escravos era considerado enfermidade
mental: a drapetomania (do grego drapetes, escravo). O diagnóstico
foi proposto em 1851 por Samuel A. Cartwright, médico do estado
da Louisiana, no escravagista sul dos Estados Unidos. O tratamento
proposto era o do açoite, também aplicável à “disestesia etiópica”,
outro diagnóstico do doutor Cartwright, este explicando a falta de
motivação para o trabalho entre os negros escravizados.

A partir desses exemplos, fica evidente que a saúde, assim como a doença,
corresponde a saberes que são formulados em dada época. Muitas vezes, esses
saberes correspondem a interesses de classes dominantes, ou seja, de grupos que
estão no poder e que desejam fazer gestão das políticas culturais, econômicas e
sociais de forma segregadoras e até mesmo violenta.

Outros exemplos, além dos apresentados por Scliar (2007), podem ser
encontrados na história da Classificação Internacional de Doenças (CID) e no
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), da Associação
Psiquiátrica Americana (APA), que já rotulou como doença o período menstrual,
a disforia de gênero, entre outros fatores que são refutados pela comunidade
científica na atualidade.

FIGURA 1 – CONFIGURAÇÃO DA DOENÇA

FONTE: <https://shutr.bz/3oFkelJ>. Acesso em: 23 jul. 2021.

56
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

Diante disso, a relação que se estabelece entre saúde e doença não pode ser
pensada fora do seu aspecto sociopolítico, até mesmo nos pressupostos religiosos,
por exemplo, a lepra, que era conhecida na comunidade judaica cristã como uma
doença que deveria ser evitada e estigmatizada, pela crença de que a doença era
uma punição para aqueles que não seguiam os dogmas religiosos. Segundo Scliar
(2007, p. 30), “a doença era sinal de desobediência ao mandamento divino”.

Em outros períodos históricos, a saúde era compreendida como não


doença, como se esses fatores fossem indissociáveis e radicalmente um oposto do
outro. Segundo Scliar (2007, p. 33):
No Oriente, a concepção de saúde e de doença seguia, e segue,
um rumo diferente, mas de certa forma análogo ao da concepção
hipocrática, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.), onde a “doença tem uma
causa natural e sua origem supostamente divina reflete a ignorância
humana”. Falasse de forças vitais que existem no corpo: quando
funcionam de forma harmoniosa, há saúde; caso contrário, sobrevêm a
doença. As medidas terapêuticas (acupuntura, ioga) têm por objetivo
restaurar o normal fluxo de energia (“chi”, na China; “prana”, na
Índia) no corpo. Na Idade Média europeia, a influência da religião
cristã manteve a concepção da doença como resultado do pecado e a
cura como questão de fé; o cuidado de doentes estava, em boa parte,
entregue a ordens religiosas, que administravam inclusive o hospital,
instituição que o cristianismo desenvolveu muito, não como um lugar
de cura, mas de abrigo e de conforto para os doentes. Mas, ao mesmo
tempo, as ideias hipocráticas se mantinham, através da temperança
no comer e no beber, na contenção sexual e no controle das paixões.
Procurava-se evitar o contra naturam vivere, viver contra a natureza. O
advento da modernidade mudará essa concepção religiosa.

Por um longo período, as premissas citadas anteriormente se perpetuaram.


Inclusive, há resquícios, ou melhor, heranças desses pensamentos que envolvem,
até os dias atuais, o senso comum. Fazendo um salto histórico, somente no século
XVII essa perspectiva de doença ligada apenas ao caráter biológico ou religioso
começa a ser rompida, através das premissas de René Descartes, em que “ele
postulava um dualismo mente-corpo” (SCLIAR, 2007, p. 34).

A perspectiva de René Descartes abre um leque de estudos sobre a


interação do físico com o psíquico, como as doenças e o processo de saúde se dá
através de contingenciamentos simultâneos. Outro importante avanço que se deu
nos estudos sobre saúde e doença aconteceu
no laboratório de Louis Pasteur e em outros laboratórios, o microscópio,
descoberto no século XVII, mas até então não muito valorizado, estava
revelando a existência de micro-organismos causadores de doença
e possibilitando a introdução de soros e vacinas. Era uma revolução
porque, pela primeira vez, fatores etiológicos até então desconhecidos
estavam sendo identificados; doenças agora poderiam ser prevenidas
e curadas (SCLIAR, 2007, p. 36).

57
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

As formulações estruturais sobre a saúde que compreendemos na


contemporaneidade foram criadas apenas no final do século XX, quando passamos
por duas guerras mundiais, pandemias, endemias, criação de cursos de medicina,
descobrimento de novas áreas do conhecimento, como a psicologia, a psicanálise,
a psiquiatria, a fisioterapia e a odontologia, sendo o conceito universal de saúde
criado no final da segunda guerra mundial.
O conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde foi divulgado
na carta de princípios de 7 de abril de 1948 (desde então o Dia Mundial
da Saúde), implicando o reconhecimento do direito à saúde e da
obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde. A história do
conceito de saúde diz que “Saúde é o estado do mais completo bem-
estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”.
Este conceito refletia, de um lado, uma aspiração nascida dos
movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão
do socialismo. Saúde deveria expressar o direito a uma vida plena, sem
privações. Um conceito útil para analisar os fatores que intervêm sobre
a saúde, e sobre os quais a saúde pública deve, por sua vez, intervir,
é o de campo da saúde (health field), formulado em 1974, por Marc
Lalonde, titular do Ministério da Saúde e do Bem-estar do Canadá -
país que aplicava o modelo médico inglês (SCLIAR, 2007, p. 36-37).

O modelo médico inglês defendido por Marc Lalonde, que perpassa


aos princípios da Organização Mundial de Saúde, pode ser compreendido nos
seguintes eixos, como aponta Scliar (2007).

QUADRO 1 – EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SAÚDE

FONTE: Scliar (2007, p. 37)

A evolução do conceito de saúde, de forma ampla, está relacionada aos


movimentos políticos que acontecia no mundo. Com o final da segunda guerra
mundial e com a ascensão da defesa da democracia, passa-se a olhar a concepção
de bem-estar social como um princípio defendido por diversas nações.

No Brasil, somente com o final da ditadura militar que a compreensão de


saúde é reafirmada no seu caráter social e coletivo, com a criação de instituições de
proteção social, bem como a demanda de criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

58
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

FIGURA 3 – SAÚDE VISTA PELO SEU CARÁTER SOCIAL E COLETIVO

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/global-148179677>. Acesso em:


28 jul. 2021.

Inclusive, a redemocratização está intimamente ligada com os interesses


populares de reforma sanitária, com a reforma psiquiátrica e com a defesa e
construção de políticas de atenção básica de saúde.
Como resultado de uma crescente demanda por maior desenvolvimento e
progresso social. Eram anos em que os países socialistas desempenhavam
papel importante na Organização - não por acaso, Alma-Ata ficava na
ex-União Soviética. A Conferência enfatizou as enormes desigualdades
na situação de saúde entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos;
destacou a responsabilidade governamental na provisão da saúde e a
importância da participação de pessoas e comunidades no planejamento
e implementação dos cuidados à saúde (SCLIAR, 2007, p. 38).

Esses avanços permitiram uma nova roupagem nas estratégias políticas


de saúde entre os países. Os principais pontos destacados por essas rupturas,
conforme Scliar (2007), são:

• as ações de saúde devem ser práticas possíveis e socialmente aceitáveis;


• devem estar ao alcance de todos; portanto, disponíveis em locais acessíveis à
comunidade;
• a comunidade deve participar ativamente na implantação e na atuação do
sistema de saúde;
• o custo dos serviços deve ser compatível com a situação econômica da região
e do país.

As perspectivas promulgadas com esses avanços sociais modificaram


radicalmente as vertentes de saúde, gerando os serviços em cuidados primários e
embasamentos para novas possibilidades de saúde, por exemplo, a correlação com
áreas de desenvolvimento econômico, saneamento básico, nutrição, entre outras.

59
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Nossa Constituição Federal de 1988, artigo 196, evita discutir o conceito


de saúde, mas diz que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”. Este é o
princípio que norteia o SUS. E é o princípio que está colaborando para
desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres
humanos (SCLIAR, 2007, p. 39).

Através desse percurso histórico, é possível considerar que o conceito de


saúde sempre estará em transformação, uma vez que, com esse conceito, não é
possível pensar distante dos anseios e interesses científicos, populares, políticos
e culturais.

2.1 A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA


A concepção de saúde corresponde aos interesses políticos e especificidades
de uma dada cultura. Na América Latina, diferentemente da realidade estadunidense
e da realidade europeia, o fazer saúde demanda conhecimentos específicos e que
comporte as diferentes desigualdades que estão no bojo social dos países latino-
americanos.

FIGURA 4 – SAÚDE E JUSTIÇA SOCIAL

FONTE: <https://shutr.bz/3uThrpS>. Acesso em: 28 jul. 2021.

No movimento de redemocratização de diversos países localizados na


América Latina, a justiça social foi compreendida como ferramenta estrutural
para o acesso à saúde, à educação, ao esporte e à cultura. Nas demandas dos
movimentos em defesa da saúde como um direito universal, estava pautado, por
exemplo, o fim da ditadura, exemplo esse brasileiro.

Apenas com a Constituição de 1988, conhecida como a Constituição


Cidadã, com o término da ditadura militar, que o Brasil concretizou os avanços
em saúde coletiva, apesar deste conceito ter sido reconhecido na década de 1950.

60
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

FIGURA 5 – CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

FONTE: <https://shutr.bz/3iH3WVC>. Acesso em: 27 jul. 2021.

Segundo Osmo e Schraiber (2015, p. 207):


As origens do campo da saúde coletiva são situadas por Nunes (1994)
na década de 1950. Vieira-da-Silva, Paim e Schraiber (2014) reforçam
o final da década de 1970 utilizando como marco o surgimento do
termo saúde coletiva no Brasil e a criação da associação civil que
representaria o campo – a Associação Brasileira de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva (Abrasco) –, não negando as raízes apontadas por
Nunes em períodos anteriores. A saúde coletiva consolidou-se, então,
com esse nome e com suas especificidades no Brasil. Apesar de o nome
não ter sido adotado em outros países, muitos autores veem a saúde
coletiva como parte de um movimento mais amplo da América Latina,
como aponta o próprio Nunes (1994).

Segundo Nunes (1994, apud OSMO; SCHRAIBER, 2015), o campo de


saúde coletiva se divide em três grandes períodos:

1. pré-saúde coletiva, durou os primeiros 15 anos, a partir de 1955, e foi marcado


pela instauração do projeto preventivista;
2. o segundo vai até o final dos anos 1970, e é denominado fase da medicina social;
3. o terceiro vai do final dos anos 1970 até, pelo menos 1994, quando o autor
escreveu o artigo Saúde coletiva: história de uma ideia e de um conceito. O autor
considera este último segmento como sendo o período da saúde coletiva
propriamente dita. Segundo Nunes (1994 apud OSMO; SCHRAIBER, 2015,
p. 207), “a emergência desses projetos reflete, de um modo geral, o contexto
socioeconômico e político-ideológico mais amplo, como também as sucessivas
crises, presentes tanto no plano epistemológico, como das práticas de saúde e
da formação de recursos humanos”.

O terceiro momento que se inicia em 1970, em que é fortemente marcado


pelas lutas populares de redemocratização, onde havia uma organização civil
intensa que defendia a reforma sanitária. Torna-se indissociável a “aliança da saúde
coletiva com a democracia e os direitos humanos e sociais deve-se ao fato histórico

61
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

de que se gesta o campo em plena década de turbulências sociais e movimentos


reivindicatórios, dentro da luta contra a ditadura brasileira e pela reforma social”
(SCHRAIBER, 2008, p. 15 apud OSMO; SCHRAIBER, 2015, p. 211-212).

FIGURA 6 – REDEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA

FONTE: <http://mediapoollocal.fabrico.com.br/index.php/tagueadas/shutterstock_388028770>.
Acesso em: 28 jul. 2021.

Segundo Osmo e Schraiber (2015), o movimento da reforma sanitária


brasileira tinha como bandeira principal a luta pela democratização da saúde.
Paim (2009), citado por esses autores, defende que, muito além de um projeto de
reforma setorial da saúde, constituía-se como um amplo projeto de reforma social:
[...] como uma reforma social centrada nos seguintes elementos constituintes:

a) democratização da saúde, o que implica a elevação da consciência


sanitária sobre saúde e seus determinantes e o reconhecimento do direito à
saúde, inerente à cidadania, garantindo o acesso universal e igualitário ao SUS e
a participação social no estabelecimento de políticas e na gestão;

b) democratização do Estado e seus aparelhos, respeitando o pacto


federativo, assegurando a descentralização do processo decisório e o controle
social, bem como fomentando a ética e a transparência dos governos;

c) democratização da sociedade alcançando os espaços da organização


econômica e da cultura, seja na produção e distribuição justa da riqueza e do
saber, seja na adoção de uma ‘totalidade de mudanças’, em torno de um conjunto
de políticas públicas e práticas de saúde, ou seja, ainda mediante uma reforma
intelectual e moral (PAIM, 2008, p. 173 apud OSMO; SCHRAIBER, 2015, p. 212).
Em um cenário de crise no setor da saúde na segunda metade da década
de 1970 – apesar de haver um discurso oficial, por parte do governo,
com maior abertura ao social –, as medidas adotadas foram muito
limitadas diante dos determinantes dessa crise que “se expressava
pela baixa eficácia da assistência médica, pelos altos custos do modelo
médico-hospitalar e pela baixa cobertura dos serviços de saúde em

62
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

função das necessidades da população” (PAIM, 2008, p. 75). Nesse


mesmo período, “ocorreu um renascimento dos movimentos sociais,
envolvendo a classe trabalhadora, setores populares, intelectuais
e profissionais da classe média” (PAIM, 2008, p. 77). No âmbito da
saúde, esses movimentos articularam-se, tornando-se forças sociais
contrárias às políticas de saúde autoritárias e privatizantes (OSMO;
SCHRAIBER, 2015, p. 212).

FIGURA 7 – MOVIMENTOS POPULARES

FONTE: <https://shutr.bz/3uQZ7he>. Acesso em: 28 jul. 2021.

Para Osmo e Schraiber (2015, p. 214), a saúde coletiva perpassa a um novo


projeto engatado às críticas culturais vigentes no processo de redemocratização,
através de avanços sociais, legislativos e científicos:
O campo foi sempre desenvolvido em compromisso com a
democratização e com a luta pelos direitos humanos e sociais, em
um compromisso, como disse Donnangelo (1983), com o coletivo
desde sua origem: Essa multiplicidade de objetos e de áreas de
saber correspondentes – da ciência natural à ciência social – não é
indiferente à permeabilidade aparentemente mais imediata desse
campo a inflexões econômicas e político-ideológicas. O compromisso,
ainda quando genérico e impreciso, com a noção de coletivo, implica
a possibilidade de compromissos com manifestações particulares,
histórico-concretas desse mesmo coletivo, dos quais a medicina ‘do
indivíduo’ tem tentado se resguardar através do específico estatuto da
cientificidade dos campos de conhecimento.

Vale ressaltar que, no campo científico, a saúde coletiva também é


nomeada com os termos: saúde pública, medicina social, ou ainda saúde coletiva
e epidemiologia, sendo que há variâncias no modo de compreensão, absorção e
no modus operandi de cada conceito, não havendo consenso entre essas diferentes
nomeações.

63
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

O ponto de similaridade e convergência entre esses conceitos está situado


na interdisciplinariedade, ponto estruturante para a prática de uma saúde
que comporte condições sociais, históricas, cultural e ideológicas na área da
saúde, absorvendo preceitos da epidemiologia, das ciências sociais e humanas,
engenharia e habitação, administração entre outras áreas. De acordo com Osmo
e Schraiber (2015, p. 215), “uma característica muito associada à saúde coletiva
é a de ser um campo interdisciplinar (às vezes seus autores usam o termo
multidisciplinaridade, ou então transdisciplinaridade)”.

FIGURA 8 – INTERDISCIPLINARIEDADE

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/intersection-two-sets-115551478>.
Acesso em: 28 jul. 2021.

Segundo Osmo e Schraiber (2015, p. 15),


Nunes (1994) destaca que o campo se fundamenta na interdisciplinaridade
como possibilitadora de um conhecimento ampliado de saúde e na
multiprofissionalidade como forma de enfrentar a diversidade interna
ao saber/fazer das práticas sanitárias. A Saúde Coletiva necessita
pensar o geral e o específico. Para Birman (1991), o campo “admite
no seu território uma diversidade de objetos e de discursos teóricos,
sem reconhecer em relação a eles qualquer perspectiva hierárquica e
valorativa.

Neste tópico, foi possível compreender que a saúde coletiva é um campo
interdisciplinar, ou seja, construído por diversas áreas. Apesar de haver muitos
trabalhos para conceituar e definir os parâmetros de saúde coletiva, é um conceito
dinâmico, mas que tem por objetivo central incorporar aspectos sociais na saúde.

2.1.1 Movimento da reforma psiquiátrica


A perspectiva de saúde no mundo está intimamente ligada às políticas
nacionais e de estado. No Brasil, não é diferente. Os movimentos de saúde tiveram
avanços a partir das políticas de redemocratização. O próprio movimento da
reforma psiquiátrica se deu através de movimentos sociais e políticos:

64
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

O início do processo de reforma psiquiátrica no Brasil é contemporâneo


da eclosão do “movimento sanitário”, nos anos 70, em favor da
mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa
da saúde coletiva, equidade na oferta dos serviços, e protagonismo
dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de
gestão e produção de tecnologias de cuidado. Embora contemporâneo
da reforma sanitária, o processo de reforma psiquiátrica brasileira tem
uma história própria, inscrita num contexto internacional de mudanças
pela superação da violência asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na
crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por
um lado, e na eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais
pelos direitos dos pacientes psiquiátricos, o processo da reforma
psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de novas leis e normas
e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais
e nos serviços de saúde (BRASIL, 2005, p. 6).

O movimento de reforma psiquiátrica pode ser compreendido por


três grandes movimentos. O primeiro corresponde à crítica do modelo
hospitalocêntrico (1978-1991); o segundo à implantação da rede extra-hospitalar
(1992-2000) e o terceiro com a Lei nacional (2001 -2005) (BRASIL, 2005):

QUADRO 2 – MOVIMENTOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

FONTE: Brasil (2005, p. 7-8).

65
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Apesar de todos os avanços realizados, a reforma psiquiátrica é um


movimento que, para se sustentar permanentemente, precisa avançar em aparatos
legislativo. Durante os três principais movimentos realizados, foi possível um
ato disruptivo com orientação de aprisionamento da loucura, embora há muitas
outras demandas que necessitam ser revistas como o manicômio judiciário.

FIGURA 10 – MANICÔMIO JUDICIÁRIO

FONTE: <https://shutr.bz/3oHGJX3>. Acesso em: 27 jul. 2021.

NTE
INTERESSA

Estima-se que 4 mil cidadãos brasileiros estejam hoje internados


compulsoriamente nos 19 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico ou manicômios
judiciários em funcionamento no País. Estes hospitais, não sendo geridos pelo SUS, mas por
órgãos da Justiça, não estão submetidos às normas gerais de funcionamento do sistema
único de saúde, ao PNASH/Psiquiatria (com única exceção dos Hospitais de Custódia do Rio
de Janeiro), ou ao Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica.
São frequentes as denúncias de maus tratos e os óbitos nestes estabelecimentos.

2.1.2 Luta antimanicomial no Brasil


Os manicômios, de forma geral, tinham, em sua expectativa, o aprisionamento
das diferenças, mulheres solteiras, homossexuais, sujeitos que faziam uso de
substâncias eram aprisionados com uma perspectiva de higienização social de
cunho moral.

Com a ascensão do fascismo e de regimes autoritários, como no período


de ditadura, as diferenças, inclusive as ideológicas, eram repudiadas na esfera
social, seja através de privação de liberdade como em casos de morte.

66
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

FIGURA 11 – OPRESSÃO DO ESTADO ÀS DIFERENÇAS

FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/oppression-75789316>. Acesso em:


26 jul. 2021.

No período da ditadura militar no Brasil, houveram perseguições


políticas, baixo investimento na área de saúde, priorizando apenas recursos para
áreas como a infraestrutura. Poucos avanços tiveram na perspectiva de saúde
pública e coletiva. Para um indivíduo ter acesso à saúde, alguns critérios eram
avaliados, por exemplo, se havia registro formal de trabalho ou não. O modelo
de saúde que se tinha não era próximo ao modelo contemporâneo, que embasa o
SÚS por meio da premissa da universalidade.

Através de inquietações desse período, foi possível a coalisão de


movimentos sociais, que desaguaram na luta antimanicomial. Segundo Lüchmann
e Rodrigues (2007, p. 402):
Seguindo a trajetória de muitos outros movimentos sociais do
País, é no contexto da abertura do regime militar que surgem as
primeiras manifestações no setor de saúde, principalmente através
da constituição, em 1976, do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES) e do movimento de Renovação Médica (REME) enquanto
espaços de discussão e produção do pensamento crítico na área. É
basicamente no interior destes setores que surge o Movimento dos
Trabalhadores de Saúde Mental, movimento este que assume papel
relevante nas denúncias e acusações ao governo militar, principalmente
sobre o sistema nacional de assistência psiquiátrica, que inclui práticas
de tortura, fraudes e corrupção. As reivindicações giram em torno de
aumento salarial, redução de número excessivo de consultas por turno de
trabalho, críticas à cronificação do manicômio e ao uso do eletrochoque,
melhores condições de assistência à população e pela humanização dos
serviços. Este movimento dá início a uma greve (durante oito meses no
ano de 1978) que alcança importante repercussão na imprensa.

Para a consolidação dessas lutas, foi importante um movimento de


reconhecimento do cenário precário que eram os manicômios, com intervenções
desumanas e violentas. Com a vinda de Franco Basaglia ao Brasil, importante
psiquiátrica da reforma manicomial na Itália, o País criou força para enfrentar o
sistema precário da época.
67
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

O manicômio é a tradução mais completa dessa exclusão, controle


e violência. Seus muros escondem a violência (física e simbólica)
através de uma roupagem protetora que desculpabiliza a sociedade
e descontextualiza os processos sócio-históricos da produção e
reprodução da loucura. A ruptura com o modelo manicomial significa,
para o movimento, muito mais do que o fim do hospital psiquiátrico,
pois toma como ponto de partida, de acordo com Abou-Yd e Silva, a
crítica profunda aos olhares e concepções acerca deste fenômeno.
Significa a “contraposição à negatividade patológica construída na
observação favorecida pela segregação e articuladora de noções e
conceitos como a incapacidade, a periculosidade, a invalidez e a
inimputabilidade”. “Significa ainda mirar a cidade como o lugar da
inserção”; a possibilidade de ocupação, produção e compartilhamento
do território a partir de uma cidadania ativa e efetiva. Seguindo
concepção de Foucault, militantes do movimento, a exemplo de Paulo
Amarante, utilizam os termos louco e loucura numa perspectiva mais
ampla e geral: Talvez sem definição precisa, mas que se opõe à doença
mental, conceito construído pela psiquiatria que reduz a complexidade
daquela concepção mais geral, inespecífica, inexplicável em sua
totalidade, que é a de loucura, e que a reduz a apenas um distúrbio
biológico ou psicossocial (ou ambos). Então loucura se refere a esta
experiência humana de estar no mundo de uma forma diversa daquela
que o homem, ideológica e idealisticamente, considera como normal.
E louco é o sujeito destas vivências (“erlebenis”) e destas experiências.
(Depoimento pessoal. Paulo Amarante, pesquisador da Fundação
Oswaldo Cruz - FIOCRUZ) (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 402).

FIGURA 12 – LUTA ANTIMANICOMIAL

FONTE: <https://shutr.bz/3mxAqTi>. Acesso em: 28 jul. 2021.

Entre os principais tópicos da luta antimanicomial, tem-se:

1. a busca por uma radical transformação nas relações sociedade/louco/loucura


(LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007, p. 403);
2. reforma psiquiátrica;
3. dimensão técnico-assistencial – o cuidado em saúde mental é o elemento
motivador para esta dimensão; dimensão jurídico-político – ênfase nos direitos;
e dimensão sociocultural - modificar a concepção e o estereótipo que se mantém
sobre o louco e a loucura (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007 p. 404).

68
TÓPICO 1 — A HISTÓRIA E O CONCEITO DE SAÚDE COLETIVA

Nesse sentido, confira a seguir os aspectos desafiadores, segundo


Lüchmann e Rodrigues (2007, p. 405-406):
a) As divergências acerca da constituição identitária do movimento. Se
para alguns tornou-se cada vez mais necessária a autonomização dos
segmentos, para outros, essa autonomização implicaria em polarizar
artificialmente e de forma desnecessária conflitos dentro dos serviços e
grupos, como também no risco de aumentar a já frágil situação econômica
do movimento para bancar a própria organização e os encontros. Além
disso, aumentaria a fragmentação e isolamento político do movimento
como um todo, em um contexto (neoliberal) de forte competição por
recursos escassos entre os diversos ramos das políticas sociais e de saúde.

b) Os embates acerca da polarização entre prática institucional versus


mobilização social. Seguindo orientação mais geral do associativismo
no país em direção a um processo de institucionalização, tais embates
vêm pautando os debates no interior da sociedade civil brasileira e
estão marcados não apenas pelo contexto democrático, que abriu
diferentes canais de participação e controle social, como também pela
hegemonia de uma política de reforma do Estado caracterizada por
medidas de privatização, terceirização e redução dos direitos sociais.

c) As diferenças de recursos, de interesses e de poder entre os diferentes


segmentos que compõem o movimento antimanicomial. De acordo
com Vasconcelos, [o MLA vem] “reivindicando um reconhecimento
das características particulares dos usuários e familiares enquanto
atores políticos. Seria necessário, por exemplo, reconhecer os parcos
recursos econômicos e culturais da maioria dos militantes usuários e
familiares para a plena participação na vida associativa e política”. Há
que se ressaltar a importância de medidas e estratégias de ampliação
da qualificação dos militantes.

d) A relação ou articulação entre os diferentes atores, interesses e


identidades. Em vez de nos perguntarmos se o movimento deve ser
autônomo, de usuários, de familiares e /ou de trabalhadores, já que os
usuários e familiares vêm realizando seus encontros nacionais, parece
mais oportuno refletirmos acerca do reconhecimento da pluralidade e
das diferenças e da constituição de um campo ético político comum.
Para Lobosque, a ética diz respeito à constituição de um coletivo
político capaz de falar em seu próprio nome. Assim, reconhecer as
diferentes identidades pode, ao invés de implicar em fragmentações,
fazer valer o princípio da pluralidade e da construção de espaços
públicos que respeitem as diferentes falas e lugares dos diferentes
sujeitos. O tratamento igual dos diferentes requer um conjunto de
ações direcionadas para o “empoderamento”31 dos segmentos e
o respeito às suas especificidades. Trata-se, de maneira geral, do
reconhecimento das diferenças e do combate às desigualdades, no
fortalecimento de um campo ético-político pautado nos valores da
solidariedade, democracia e justiça social.

e) A combinação de diferentes estratégias de organização e luta, rompendo


com perspectivas maniqueístas que optam ou pela inserção institucional
ou pela mobilização social. Afinal, estas dimensões constituem
diferentes espaços da vida social que se impactam mutuamente. Quanto
aos conflitos sobre a organização do movimento – o modo como está
estruturado e organizado (a secretaria executiva, sua composição, suas
subsecretarias) – parece que ainda não se tem uma forma organizativa
que contemple uma ação “mais” conjunta e articulada.

69
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

f) Além da luta institucional (no interior das instituições de saúde, a


ocupação de espaços conselhistas, a articulação com a política partidária
e com os atores governamentais, etc.) e da ação sociocultural (tendo em
vista transformar as representações sociais), há que se preocupar com
a formação política dos militantes e com a ampliação de seus quadros.
A articulação em forma de redes, a utilização da mídia, a realização
de cursos e projetos de qualificação são, entre outros, importantes
medidas neste sentido. Além disso, problema também recorrente nos
movimentos sociais de maneira geral, a questão do financiamento
requer a discussão de como captar recursos para campanhas, encontros
e realização de projetos, entre outros. E, por último, a necessidade de
estabelecer um processo de avaliação da ação coletiva, já que os rumos
do movimento necessitam ser mais discutidos entre si, suas perspectivas
e suas responsabilidades.

70
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Saúde coletiva é a construção de um campo na área de saúde interdisciplinar.

• A interdisciplinariedade da saúde coletiva visa incorporar aspectos sociais,


políticos, ideológicos e econômicos na saúde.

• A reforma psiquiátrica está intimamente ligada à redemocratização e à


humanização dos atendimentos em saúde.

• A luta antimanicomial é um conjunto de atores sociais que visavam a uma


radical mudança nas relações sociedade/louco/loucura.

71
AUTOATIVIDADE

1 A luta antimanicomial no Brasil é indissociável de dois grandes outros


movimentos políticos e sociais que marcaram a história brasileira. Com
base nesta afirmativa, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Redemocratização e reforma sanitária.


b) ( ) Reforma sanitária e revolta das vacinas.
c) ( ) Privatização e redemocratização.
d) ( ) Reforma sanitária e hospitalização.

2 Com a redemocratização e com a construção do Sistema Único de Saúde,


diferentes pesquisadores engajados socialmente, bem como diversos
movimentos sociais, como o Movimento de Trabalhadores em Saúde,
buscavam a humanização dos atendimentos de saúde. Conforme essas
informações, analise as sentenças a seguir:

I- Com a perspectiva de saúde coletiva, fatores sociais como moradia, acesso a


saneamento básico e a outros fatores sociais eram incorporados no fazer saúde.
II- A saúde coletiva também foi nomeada como saúde pública.
III- O principal objetivo da saúde pública era manter a privatização.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Para o desenvolvimento da saúde pública no Brasil, fez-se necessário


implantar novas ferramentas estruturais para acesso à saúde, à educação,
ao esporte e à cultura. Nas demandas dos movimentos em defesa da saúde
como um direito universal, estava pautado, por exemplo, o fim da ditadura.
Com base nos principais movimentos da saúde coletiva, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O movimento pré-saúde coletiva durou os primeiros 15 anos, a partir de


1955, e foi marcado pela instauração do projeto preventivista.
( ) Vai até o final dos anos 1970, é denominado fase da medicina social.
( ) O terceiro vai do final dos anos 1970 até pelo menos 1994, surgimento do
conceito de saúde coletiva.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
72
4 A saúde coletiva é um campo interdisciplinar, ou seja, construído por
diversas áreas. Apesar de haver muitos trabalhos para conceituar e definir
os parâmetros de saúde coletiva, ele é um conceito dinâmico, mas que
tem por objetivo central incorporar aspectos sociais na saúde. Acerca do
exposto, disserte sobre saúde coletiva.

5 A redemocratização foi fundamental no avanço dos direitos humanos e


também na absorção das demandas sociais na política, principalmente, na
área da saúde com a construção do Sistema Único de Saúde. Através do
SUS, uma das normativas adotadas é a de universalização. Disserte sobre
este conceito.

73
74
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

DITADURA NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
O movimento de redemocratização no Brasil foi estruturante e elementar
para o retorno das liberdades civis e também para a retomada de políticas públicas
e sociais que estavam sendo cerceadas no período da ditadura.

O momento histórico brasileiro, marcado pela ditadura, foi uma época de


grandes sofrimentos, além do aprisionamento das pessoas que não se interessavam
por um regime autoritário. Neste período, os direitos civis, de forma ampla, foram
barrados.

Os movimentos que colidiram para a redemocratização brasileira são


indissociáveis dos movimentos contra a Ditadura.

2 DITADURA BRASILEIRA
O acesso à saúde, desde o período colonial no Brasil, é precário. No Brasil
Colônia, anos de 1500, as classes pobres de escravos não tinham tratamentos de
saúde; apenas os colonizadores e a família imperial contavam com assistência
médica de profissionais formados na Espanha, em Portugal e na Holanda.

Tanto no período reconhecido como Brasil Império (1808), quanto no Brasil


Republicano, que se inicia em novembro de 1889, a saúde não era absorvida como
um direito à dignidade humana, um direito universal, apenas as elites tinham acesso,
herança essa que ainda reverbera na qualidade de acesso à saúde nos dias atuais.

Foi preciso passar por sete constituições para que o Brasil reconhecesse,
de forma legal, a saúde como um direito universal. Veja as constituições a seguir:

1ª - Constituição de 1824 (Brasil Império).


2ª - Constituição de 1891 (Brasil República).
3ª - Constituição de 1934 (Segunda República).
4ª - Constituição de 1937 (Estado Novo).
5ª - Constituição de 1946.
6ª - Constituição de 1967 (Regime Militar).
7ª - Constituição de 1988 (Constituição Cidadã).

75
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

FIGURA 13 – DIREITO À SAÚDE

FONTE: <https://shutr.bz/3aj7JDY>. Acesso em: 28 jul. 2021.

Retomaremos agora momentos anteriores ao golpe militar, ditadura, para


a partir daí analisar os retrocessos e o impacto da ditadura na implementação da
saúde como um direito universal. De acordo com Carvalho e Santos (2015, p. 54-55):
Desde 1930, no início da chamada “Era Vargas”, começava-se a
estruturar o Estado de Bem Estar Social brasileiro, estendendo direitos
sociais ao rol de garantias liberais que já marcavam a realidade
brasileira desde o século XIX. (...) Nos anos seguintes, a saúde assumiu
grande importância em todos os governos, desde o governo do
Presidente Dutra (1946- 50) até João Goulart (1961-64), com destaque
para o período que o médico Juscelino Kubitschek esteve à frente da
Presidência da República, sendo responsável por importantes ações
como a criação do Departamento Nacional de Endemias Rurais e a
promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (Lops) em 1960,
último ano de seu mandato.

Desde a Era Vargas, o Brasil vinha dando os primeiros passos em direção


de políticas de saúde. No entanto, com a instabilidade política que antecipava
o período ditatorial, os avanços formais e legislativo não acompanharam os
avanços propostos por entidades da sociedade civil. De acordo com Carvalho e
Santos (2015, p. 55-56):
Paralelamente à instabilidade política que regia o País, diversos setores
da sociedade se propunham a discutir temas que seriam fundamentais
para a nova sociedade brasileira que se buscava constituir. A saúde, nesse
sentido, possuía uma agenda especial de debates. Em 1962, aconteceu,
em Recife, o XV Congresso de Higiene, no qual foi apresentado o
conceito ampliado de saúde, condições globais de trabalho, cuja
finalidade era consolidar uma nova política sanitária. Além disso,
reconheceu-se que, para minimizar o círculo vicioso entre pobreza
e doença, era necessário o desenvolvimento de um projeto nacional
baseado em reformas estruturais da sociedade e melhor distribuição
da riqueza nacional. Como consequência disso, em 1963, sob governo
de João Goulart, caracterizado pelos projetos de reformas de base, um
dos temas principais discutidos na III Conferência Nacional de Saúde
foi a municipalização dos serviços de saúde. Nessa conferência, foi
sugerida a criação de uma lei para todos os municípios criarem seus

76
TÓPICO 2 — DITADURA NO BRASIL

serviços de saúde. Pretendia-se, dessa forma, um modelo sanitário


descentralizado, que começasse pelo atendimento básico prestado por
auxiliares da saúde e se estendesse até o nível terciário (atendimento
médico hospitalar) (GIOVANELLA et al, 2008). Esse modelo traçava
algumas das diretrizes básicas em semelhança às que hoje constituem
o Sistema Único de Saúde (SUS). O Golpe Militar de 1964, no entanto,
depôs João Goulart e impediu que a proposta das reformas de base
fosse levada à frente e, com elas, retardava-se também as reformas que
eram discutidas por profissionais e acadêmicos da área da saúde. O
golpe que depôs o então presidente João Goulart representou, como é
sabido, uma profunda ruptura na estrutura política do País.

Antes do período ditatorial, principalmente no governo do Juscelino


Kubistchek, estavam sendo dados os primeiros passos na estruturação de políticas
públicas na área da saúde. No entanto, com o desajuste político e com a tomada
do poder por militares, as políticas de saúde sofreram um desmonte.

FIGURA 14 – DIREITO SOCIAL

FONTE: <https://shutr.bz/3AgL3ig>. Acesso em: 27 jul. 2021.

De acordo com Carvalho e Santos (2015, p. 56-57), a política ditatorial


servia-se de aspectos privatizante e liberal, tornando o acesso à saúde um serviço
a ser consumido:
A ordem democrática instaurada na Constituição de 1946 era rompida
após quase duas décadas e o governo que se instalava passava a atuar
por meio dos atos institucionais que visavam não apenas ordenar o
período que se seguia como dar legitimidade ao grupo que assumia
autoritariamente o comando do Estado. Na saúde, foi incentivada
a privatização dos serviços médicos, através da compra de serviços
pela Previdência, sob a forma de unidades de serviço. Palavras como
produtividade, crescimento, desburocratização e a descentralização
da execução de atividades passavam a ganhar centralidade no
discurso oficial (BERTOLOZZI; GRECO, 1996). No período do
General Médici, apesar de mantida a repressão, alguns dos direitos
sociais foram ampliados, com a extensão do direito de aposentadoria
e assistência médica aos trabalhadores rurais, empregadas domésticas
e a trabalhadores autônomos.

77
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Algumas instituições foram criadas no período ditatorial e serviram para


fomentar a saúde. No entanto, alguns desses institutos alocavam dinheiro em
instituições privadas para fortalecer as estruturas privadas através de convênios
públicos-privados. Diante disso, se apresenta uma problemática, uma vez que,
com a falta de recursos investidos na esfera pública, os equipamentos de saúde
pública ficavam descobertos.

Entre as políticas assistidas pelo governo no período da ditadura,


encontra-se:
No período do Regime Militar o governo continuou a implementar
institutos e a criar políticas na área da saúde como já vinha sendo
feito. Foram criados instrumentos burocráticos e normativos na área
social e da saúde. Em janeiro de 1967, foi implementado o Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS), centralizando administrativa
e financeiramente os benefícios dos trabalhadores assegurados. Foi
criado também o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS),
viabilizando a existência do Banco Nacional de Habitação (BNH), -
cujo objetivo era promover a construção e aquisição da casa própria,
especialmente pelas classes de menor renda – o Plano Nacional de
Saneamento (Planasa), o Programa de Integração Social (PIS); o
Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público (Pasep); o
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural) e o Fundo
de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Ações como a criação
da Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (SUCAM),
visando erradicar e controlar endemias, e o Programa de Interiorização
das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) também foram elaboradas.
Em 1972, empregadas domésticas passaram a ter direito à cobertura
previdenciária e, em 1973, trabalhadores autônomos (CARVALHO;
SANTOS, 2015, p. 58).

Com o fim da ditadura, houveram avanços à perspectiva da saúde coletiva,


descentralizando os serviços de saúde e permitindo a universalização. De acordo
com Carvalho e Santos (2015, p. 61),
em 1975, na V Conferência Nacional de Saúde, como atestam Ferreira e
Moura (2006), o governo percebeu que era imprescindível abandonar
o modelo de saúde curativo e individual e enfatizar os serviços de
prevenção coletiva. A descentralização começou a dar seus primeiros
passos a partir da criação das coordenadorias regionais de saúde, apesar
de as mesmas já serem mencionadas desde a III Conferência, em 1963.
Decorrente da crise do sistema de saúde previdenciário, iniciativas de
extensão de cobertura assistencial a nível estadual e municipal foram
reforçadas pelo governo. Uma dessas ações foi a elaboração de um
plano de reorganização da assistência à saúde, em 1980, o PREV-
SAÚDE, com características muito semelhantes ao projeto da reforma
sanitária, prevendo a implantação de uma rede de serviços básicos,
com a descentralização do setor, participação popular e integração
dos Ministérios da Saúde e da Previdência que, no entanto, devido a
intervenções externas, não foi colocado em prática (VARGAS, 2008).
Em 1981 o Plano CONASP (Conselho Consultivo de Administração
da Saúde Previdenciária) incorporou algumas propostas da
reforma sanitária, como as Ações Integradas de Saúde (AIS). As AIS
propiciaram o surgimento das Comissões Interinstitucionais de Saúde
(CIS), base para os Conselhos de Saúde e para a implantação, mais

78
TÓPICO 2 — DITADURA NO BRASIL

tarde, do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS),


a primeira aproximação estratégica para o SUS (VARGAS, 2008).
Em 1986 ocorreu em Brasília a VIII Conferência Nacional de Saúde,
primeira na história a contar com a participação de representantes da
sociedade, acontecendo no auge do processo de redemocratização do
país, representando, portanto, um marco dentro do movimento da
Reforma Sanitária. Assim como a criação das políticas e dos programas
foram debatidas com relação a sua influência para a criação do SUS,
os indicadores de saúde dos anos compreendidos pelo Regime Militar
no Brasil também podem ser debatidos. Uma análise rápida dos
indicadores de saúde aponta para uma melhoria na qualidade da saúde
da população brasileira daquela época. Segundo censos demográficos,
realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
entre 1950 e 1990, as taxas de mortalidade no Brasil, por mil nascidos
vivos, declinaram no decorrer desses anos.

FIGURA 15 – TAXA DE MORTALIDADE NO BRASIL POR MIL NASCIDOS VIVOS ENTRE 1960 E 1985

FONTE: Carvalho e Santos (2015, p. 62)

Ainda segundo Carvalho e Santos (2015, p. 70):


Somente com o fim do regime militar em 1985 foi possível que por
meio da VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) e sua proposta
de reforma sanitária por meio de um debate democrático bem como
pela criação de uma Constituição Federal (1988) a saúde alcançasse
seu conceito ampliado de estado de completo bem-estar físico, mental
e social, não apenas a ausência de doença. Só então garantiu-se,
também, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação e passou-se a compreender a saúde
como direito de todos e dever do Estado, conforme diz o caput do
artigo 196 da Constituição Federal. Assim, foi possível a criação do
Sistema Único de Saúde e suas Normas Operacionais Básicas, visando
garantir os princípios de descentralização, integralidade e participação
da comunidade, princípios já esboçados na ideia de municipalização
da saúde, da III Conferência Nacional de Saúde de 1963.

79
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Podemos concluir que, no período ditatorial, as políticas de saúde não


estavam atreladas à premissa do bem comum, permitindo acesso de forma
descentralizada e universal, apesar de terem sido criados também algumas
estruturas que beneficiavam os trabalhadores e permitiam o acesso à saúde.

2.1 REDEMOCRATIZAÇÃO E LUTA ANTIMANICOMIAL NO


BRASIL
A luta pelo fim da ditadura foi uma luta embasada na dignidade humana
e nos direitos humanos. Os movimentos antimanicomiais, os movimentos pela
reforma sanitária, bem como os movimentos de redemocratização tinham vários
interesses em comum.
É neste cenário de redemocratização e luta contra a ditadura,
relacionando a luta específica de direitos humanos para as vítimas
da violência psiquiátrica com a violência do estado autocrático, que
se constituiu o ator social mais importante no processo de reforma
psiquiátrica (RP). Isto irá influenciar de forma significativa a construção
das políticas públicas, não só na saúde, mas em outros setores (cultura,
justiça, direitos humanos, trabalho e seguridade social) (AMARANTES;
NUNES, 2018, p. 2068).

FIGURA 16 – LUTA SOCIAL

FONTE: <https://shutr.bz/3afSbRk>. Acesso em: 28 jul. 2021.

2.2 MOVIMENTO SANITARISTA


De forma similar à luta antimanicomial, a reforma sanitária se embasou
nos movimentos e contextos da luta contra a ditadura. Tendo maior expressão
na década de 1970, e sendo potencializada a partir da 8ª Conferência Nacional
de Saúde, realizada em 1986, com diversas personalidades políticas e sanitárias
como Sergio Arouca.

80
TÓPICO 2 — DITADURA NO BRASIL

O movimento sanitarista foi constituído por lideranças políticas, cientistas


e instituições universitárias, incorporando um conjunto de paradigmas sociais
para a perspectiva de saúde no Brasil.
De acordo com Souto e Oliveira (2016, p. 205),
O Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB) constituiu-
se no processo de amplas mobilizações da sociedade brasileira pela
redemocratização. Expressou a indignação da sociedade frente às
aviltantes desigualdades, à mercantilização da saúde e, configurou-se
como ação política concertada em torno de um projeto civilizatório de
sociedade inclusiva, solidária, tendo a saúde como direito universal
de cidadania.

Os movimentos populares colocaram no centro das políticas públicas


o direito dos cidadãos, principalmente, dando enfoque às desigualdades que
impedem diversos cidadãos de participarem de equipamentos de saúde.

Através do movimento da reforma sanitária deu-se a implementação da


lógica de saúde coletiva, na tentativa de incorporar questões sociais no fazer saúde.
Tornou-se indissociável da saúde as questões sanitárias, bem como moradia, o acesso
à água potável, o trabalho e o transporte. Todas essas ferramentas incorporam a
perspectiva de qualidade de vida e fatores preventivos ou facilitadores de possíveis
doenças.

A articulação da reforma sanitária, junto ao paradigma da saúde coletiva,


estruturou os instrumentos do SUS, inseridos na Constituição Federal de 1988,
tratando a saúde como um direito universal.

81
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial visam à reformulação da


compreensão da loucura com a sociedade, através de um aparato em que a
loucura seja aceita.

• Para o avanço da saúde pública e coletiva, foi necessária a redemocratização


para incorporar os aspectos da descentralização e da universalização.

• A saúde no Brasil, mesmo em períodos anteriores à ditadura, era incorporada


como um serviço para um grupo restrito da elite.

• A reforma psiquiátrica ainda demanda avanços.

82
AUTOATIVIDADE

1 A perspectiva da loucura era tratada de forma moralista. Sujeitos que


não atendiam as convenções sociais eram encarcerados em hospitais
psiquiátricos. O que estava em jogo não eram os transtornos mentais, mas
sim aspectos higienistas impostos por classes sociais dominantes e elitistas.
Com a reforma psiquiátrica e com a luta antimanicomial, quais foram as
reformulações propostas?

a) ( ) A reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial visavam à reformulação


da compreensão da loucura com a sociedade, através de um aparato
em que a loucura seja aceita socialmente, através da distinção dos
aspectos morais e as psicopatologias.
b) ( ) A reforma psiquiátrica visava à hospitalização dos sujeitos.
c) ( ) A luta antimanicomial visava à aplicação de testes de personalidade
para definir quem podia ou não viver em sociedade.
d) ( ) A reforma psiquiátrica buscava a privatização dos espaços de saúde.

2 O Sistema Único de Saúde, construído através de lutas e movimentos


sociais, incorporou o aspecto da saúde coletiva, que foi reforçado com a
constituição cidadã de 1988. Sobre a principal normativa do Sistema Único
de Saúde e da Constituição Cidadã, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Universalização por meio do SUS, e a saúde como um direito humano


por meio da Constituição Cidadã.
b) ( ) Individualização via SUS, e a saúde como um serviço a ser pago pela
Constituição Cidadã.
c) ( ) Centralização por meio do SUS, e a saúde como um serviço a ser pago
pela Constituição Cidadã.
d) ( ) Centralização via SUS, e a saúde como um direito humano por meio da
Constituição Cidadã.

3 No Brasil, muitas mudanças foram necessárias, tanto nas políticas quanto


na organização de serviços de saúde mental, devido às grandes reclamações
e à falta de profissionais e de recursos necessários para lidar com a grande
demanda. Tudo começou com o movimento antimanicomial, processo de
reforma psiquiátrica, no qual o principal objetivo era a busca incessante por
uma atenção e por atendimentos mais humanizados. Diante da instaurração
de serviços substitutivos, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

( ) Clínica ampliada.
( ) Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF).
( ) Sistema Único de Saúde (SUS).
( ) Atenção Básica.
( ) Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
83
Marque a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) F – V – F – F – F.
b) ( ) F – V – V – V – F.
c) ( ) V – F – V – F – F.
d) ( ) V – V – V – V – V.

4 Na perspectiva da universalização do SUS, o principal fator foi permitir


acesso a todos e aa todas sem fazer distinção entre classes sociais, gênero,
orientação sexual, religiosidade entre outras diferenças. A partir disso,
apresente as condições sócio-históricas que fortaleceram a perspectiva de
universalização da saúde.

5 A reforma psiquiátrica modificou radicalmente o modo de fazer os


cuidados em saúde mental com os seus usuários, uma ruptura no modelo
hospitalocêntrico para um modelo em que o tratamento fosse feito nas
malhas sociais. Diante disso, a reforma psiquiátrica modificou o tratamento
de saúde mental, de um modelo mais agressivo e hostil para tratamentos
mais humanizados e respeitando as singularidades dos pacientes. Apesar
de grandes avanços com a reforma psiquiátrica, ainda existem algumas
demandas a serem sanadas. Disserte sobre os desafios atuais da reforma
psiquiátrica.

84
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
A complexidade que abarca o conceito de saúde é vasta e densa. A saúde
não é uma marca de um campo de saber apenas, como as ciências médicas, mas
se dá na forma da qualidade de vida de uma sociedade em correlação a uma
dimensão psicossocial.

Por um grande período, a ciência entendia saúde como a não existência de


doenças, sem uma análise de como os laços afetivos poderiam prevenir doenças
como depressão, ansiedade, ou até mesmo doenças biológicas como pressão alta,
problemas cardíacos.

Na contemporaneidade, compreender a saúde requer duas diferenciações,


sendo a primeira a saúde coletiva e a segunda à saúde individual, ambas em
sua coexistência, objetivando “o bem-estar físico, mental e social, e não apenas a
ausência de doenças, o propósito almejado é que as pessoas consigam viver com
qualidade” (PAIM, 2009, p. 11).

Porém, para que a qualidade de vida caminhe próximo aos sujeitos e


usuários, sugere-se que a dimensão sociocultural se torne presente em todos os
trabalhos de promoção a saúde, assim “cada sociedade organiza o seu sistema de
saúde de acordo com as suas crenças e valores, sob a influência de determinantes
sociais” (PAIM, 2009, p. 12).

2 OBJETIVOS DO SUS
Para a garantia da saúde através do SUS, alguns princípios organizativos são
fundamentais para o bom funcionamento do sistema de saúde, como o esforço de
diferentes agentes que, coletivamente, somam esforços para a promoção de saúde.
Esses agentes podem estar vinculados à iniciativa pública, à iniciativa privada, às
filantropias, que juntos promovem o bem estar da sociedade na qual está situada.

Segundo Paim (2009, p. 15), o “que importa é sublinhar a ligação existente


dos profissionais e trabalhadores da saúde (agentes) com as organizações
(agências) mediante contratos de trabalhos, convênios ou credenciamentos, que
faz com que seja mais complexa a análise de um sistema de saúde”. Atualmente,
até na iniciativa privada o SUS se faz presente através de convênios ou tratamentos

85
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

de alta complexidade, o SUS, por sua grande capilaridade, é um sistema


que está presente em todo o Brasil, de Oiapoque ao Chuí, sendo uma política
suprapartidária, sendo defendida como uma política de Estado, para além de
interesses específicos do mercado ou de partidos.

O vigor do SUS está na garantia de saúde para todos, independente


da renda, crenças, cor, gênero, incorporando o objetivo geral de “preservar ou
restaurar a saúde, individual ou coletiva” (PAIM, 2009, p. 15).

Apesar dos grandes avanços do SUS, e da real importância para a nação


brasileira, a lógica neoliberal a todo tempo tenta privatizar setores do sistema,
retirando o seu caráter universal, embora a saúde não seja uma mercadoria e sim
um direito humano.

No entanto, o SUS é uma realidade não muito antiga, é um sistema jovem,


que demanda avanços e reforços para manter a sua lógica do atendimento universal
e para todos. No período da colónia, ter acesso à saúde era burocrático, demandando
uma autorização do rei para que se pudesse realizar consultas. A primeira Santa
Casa foi inaugurada em 1543, em Santos (SP), e as primeiras instituições tinham um
caráter filantrópico de assistência e de caridade ao povo pobre.

Já no século XIX, os municípios tinham responsabilidades sobre a


efetividade da saúde pública. No Império, houve a construção da Inspetoria Geral
de Higiene, na qual havia uma gestão maior, porém, as responsabilidades sobre
epidemias ou surtos de doenças eram das localidades municipais. Na república,
os estados assumiram as responsabilidades da gestão pública, no decorrer do
século XIX e XX, apontou-se a necessidade de compreender a saúde como algo
fundamental para a sociedade e para o processo de industrialização. Em todos
esses períodos, o conceito de saúde era fundamentado em não doença, apenas
com trabalhos de tratamento.

Em 1910, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP)


com a proposição de realizar campanhas sanitárias:
diante das epidemias e doenças endêmicas, além das campanhas
sanitárias lideradas por Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Emílio Ribas,
Belisário Penna e Barros Barreto, foram criados os códigos sanitários.
Houve também a implantação de instituições científicas voltadas
para a pesquisa biomédica, contribuindo para a formação de uma
comunidade científica e o estabelecimento de políticas de saúde
(PAIM, 2009, p. 21).

A construção de comunidades científicas, seja institucionalmente ou por


pesquisadores, interessados nas especificidades das endemias que acometia as
mais diferentes comunidades no território brasileiro, aproximou a saúde da
população brasileira, universalizando o seu acesso e tornando a saúde pública
em uma saúde incorporada às questões brasileiras.

86
TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

Dentro da história do SUS, momentos históricos, como a revolta das


vacinas, marcaram a ineficiência e a falta de um sistema de saúde organizado.
A saúde dos trabalhadores, bem como estratégias de controle de saúde eram
considerados como caso de polícia. O Brasil enfrentou momentos difíceis com
doenças, como a febre amarela, o amarelão, a tuberculose e a lepra.

Sistemas consolidados sobre saúde foram criados apenas nos anos de 1930,
“com a criação do Ministério do Trabalho, com a formação de três subsistemas de
saúde no Brasil vinculados ao poder público: saúde pública, medicina do trabalho
e medicina previdenciária” (PAIM, 2009, p. 22).

No período da ditadura militar no Brasil, os poucos avanços que tinham


sido feitos na área de saúde no Brasil sofreram grandes retrocessos. Estudos eram
censurados, uma grande parcela da população pobre não tinha acesso à saúde
básica, e as instituições eram mal distribuídas no território nacional.

No ano de 1953, foi criado o Ministério da Saúde do Brasil. A partir do ano


de 1975, com a sanção da Lei nº 6.229, foi criado o Sistema Nacional de Saúde,
com descrições de suas competências:
reforço no orçamento do Ministério da Saúde, com a cobertura de
serviços em saúde em áreas rurais, foi também organizado o Sistema
de Vigilância Epidemiológica, separado da vigilância Sanitária.
Programas de atenção a grupos prioritários. Em 1977, foi criado
o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS), Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), entre
outros (PAIM, 2009, p. 24).

Inicialmente, as políticas públicas em saúde eram pensadas através de


um modelo meritocrático e excludente, em que apenas trabalhadores formais e
com carteira assinada poderiam ser atendidos pelo sistema nacional de saúde;
por isso, a vinculação ao Ministério do Trabalho. Somente com o fim da ditadura
e com a reformulação da saúde como democracia foi que a saúde passa a ser um
sistema universal e para todos.

3 PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS E SAÚDE MENTAL


A mudança de perspectivas que desembocou na criação do SÚS advém
de diversos confrontos sociais e políticos que impediam a criação do sistema.
Empresários e a mídia daquela época e os resquícios da ditadura encaravam a
saúde como um bem a ser adquirido, como uma mercadoria.

A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, intelectuais,


pesquisadores e a sociedade civil organizada combateram essa lógica mercantil e
defenderam o Sistema Único de Saúde como um direito humano, ou seja, a saúde
como um direito a todos e a todas.

87
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

No período entre os anos de 1976 até o início dos anos 90, vários eventos
históricos e políticos fomentaram o SUS, através de reformulações e organização
de seus princípios, sendo um marco histórico a Constituição de 1988.

De acordo com Paim (2009, p. 28):


Com a Constituição da República de 1988, a saúde passou a ser
reconhecida como um direito social, isto é, inerente à condição de
cidadão. Assim, coube ao poder público e encargo de garanti-lo: A saúde
é direito de todos e dever do estado (art.196) Essa conquista política e
social pode ser atribuída a diversas lutas e esforços empreendidos pelo
Movimento de Reforma Sanitária, entre 1976 e 1988.

A saúde como uma garantia de direitos é uma reformulação de paradigmas,


ela deixa de ser um serviço exclusivo de determinadas classes sociais, por
exemplo, de classes de trabalhadores formais, como era preconizado em tempos
da ditadura, para ser universalizada a toda a população como um bem comum a
todos os brasileiros, como um princípio à dignidade e à cidadania humana, como
a moradia, a educação e a vida.

Principais avanços promulgados com a Constituição Federativa do Brasil


de 1988:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo


ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede


regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II- atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III- participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art.
195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
(Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional
nº 29, de 2000)
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos
derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I- no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar
prevista no § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II- no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação
dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os

88
TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que
forem transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 29, de 2000)
III- no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que serefere o art. 156 e dos recursos de
que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.(Incluído pela
Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco
anos, estabelecerá: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I- os percentuais de que trata o § 2º; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 29, de 2000)
II- os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde
destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos
Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a
progressiva redução das disparidades regionais; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
III- as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com
saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
IV- as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir
agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias
por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e
complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua
atuação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação
das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às
endemias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006) (Vide
Medida provisória nº 297. de 2006) Regulamento
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169
da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às
de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias
poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos
específicos, fixados em lei, para o seu exercício. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 51, de 2006)

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.


§ 1º- As instituições privadas poderão participar de forma
complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste,
mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2º- É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou
subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou
capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos
previstos em lei.
§ 4º- A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem
a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de
transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento
e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de
comercialização.

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras


atribuições, nos termos da lei:
I- controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de
interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos,
equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

89
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

II- executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem


como as de saúde do trabalhador;
III- ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV- participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico;
V- incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico
e tecnológico;
VI- fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu
teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII- participar do controle e fiscalização da produção, transporte,
guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e
radioativos;
VIII- colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o
do trabalho (BRASIL, 1988).

Nos artigos destacados anteriormente, está implementada a mudança


de paradigma, na qual a saúde é visada nos seus aspectos de prevenção. Por
exemplo, no art. 196, a saúde é defendida mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Assim, as transformações incorporadas na Constituição Federal ampliam


questões para além do âmbito médico, mas através de transversalidade, a saúde
é pensada em conjunto aos prismas sociais, econômicos e culturais. Em paralelo
à “educação, cultura, esporte, lazer, segurança pública, previdência e assistência
social, por sua vez, é capaz de reduzir o risco a doenças e agravos se compuserem
as políticas sociais” (PAIM, 2009, p. 29).

Para dar conta das diversidades da população atendida pelo SUS, as


normativas se dividiram em três âmbitos maiores, sendo o primeiro: promoção de
saúde, o segundo: proteção, e o terceiro: recuperação da saúde. Essas três esferas
não se excluem entre si. Essa tríade é relacionável e com atuações próximas, mas
com nuances e enfoques específicos. Vejamos a seguir as divisões propostas nas
normativas e recortadas por Paim (2009, p. 29):
Promoção de Saúde: fomentar, cultivar, estimular por intermédio
de medidas gerais e inespecíficas, a saúde e a qualidade de vida
das pessoas e das comunidades; importam boas condições de vida,
educação, atividade física, lazer, paz, alimentação, arte, cultura,
diversão, entretenimento, e ambiente saudável, entre outras.

Proteção da saúde: reduzir ou eliminar riscos, por intermédio de


medidas específicas, como vacinação, combate a insetos transmissores
de doenças, uso de cintos de segurança nos veículos e distribuição de
camisinhas para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis,
bem como controle da qualidade de água, alimentos, medicamentos e
tecnologias médicas; essas medidas são baseadas em conhecimentos
científicos que permitem identificar fatores de risco e proteção.

Recuperar a saúde: requer diagnóstico precoce, tratamento oportuno


e limitação do dano (doenças ou agravos), evitando complicações e
sequelas; as principais medidas são a atenção à saúde na comunidade
e à assistência médica ambulatorial, hospitalar e domiciliar (PAIM,
2009, p. 29).

90
TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

Como princípio organizativo e de implementação do SUS, o conceito de


universalização do SUS corresponde ao acesso irrestrito de todos os brasileiros
dentro do território nacional, “para além das barreiras, seja legal, econômica,
física ou cultural” (PAIM, 2009, p. 30).

Já concepção do acesso igualitário, corresponde ao tratamento dos usuários


por toda equipe que integra o SUS de forma respeitosa, sem discriminação racial,
de gênero ou econômica, livre de preconceitos e intolerâncias, “priorizando os
que mais necessitam para que se possa alcançar a igualdade” (PAIM, 2009, p. 30).

Para além dessas concepções básicas, outras discussões estão no campo


da saúde pública, como a descentralização do SUS. Os maiores acumuladores
de recurso do SUS são os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Já regiões
no nordeste e norte do País recebem um valor inferior comparado a esses dois
Estados, o que causa impactos nas políticas de prevenção, promoção e recuperação
da saúde nesses territórios.

Segundo Paim (2009, p. 30),


a descentralização busca-se adequar o SUS à diversidade regional
de um país continental como o Brasil, com realidades econômicas,
sociais e sanitárias muito distintas” Como forma de impulsionar
a descentralização, o SUS tem em seu arcabouço três orientações
fundamentais que estão de acordo com a constituição, sendo elas “1-
a descentralização, com direção única em cada esfera do governo; 2-
atendimento integral, com propriedades para as atividades preventivas,
sem prejuízo dos serviços assistenciais; 3- participação da comunidade.

Através dessas diretrizes, principalmente o incentivo à participação da


comunidade, cidades e municípios podem se organizar em conselhos participativos,
como ferramenta de implementação de políticas, ações de fiscalizações e
fortalecimento do SUS em seus diversos âmbitos.

O modelo do SUS só pode ser criado, fomentado, implementado através


do modelo democrático e participativo, isso não nega a existência de problemas
que devem ser enfrentados pelo SUS. Entretanto, o Sistema Único de Saúde é o
único modelo que encara radicalmente a saúde como um direito, e não visa ao
lucro em suas ações, o que permite a capilaridade do SUS em territórios com
baixo número de população, comunidades tradicionais indígenas com as mesma
qualidade e serviços dos territórios urbanos.

Além dos aspectos constitucionais, o SUS obteve sua legislação específica


por meio da Lei nº 8.080/90, a qual “dispõe sobre as condições para a promoção,
proteção e recuperação da saúde, bem como sobre a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes” (PAIM, 2009, p. 35).

Através da lei, a definição foi posta como um “conjunto de ações e


serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais
e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo
poder público, constitui o Sistema Único de Saúde (art, 4º)” (PAIM, 2009, p. 36).

91
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Princípios: a universalidade, a integralidade, a preservação da


autonomia das pessoas na defesa de sua integralidade física e moral, o
direito, por parte das pessoas assistidas, à informação sobre sua saúde,
a igualdade da assistência à saúde sem preconceitos e privilégios.

Diretrizes: utilização da epidemiologia para o estabelecimento de


prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
descentralização; participação da comunidade; divulgação de
informações. Regionalização e hierarquização da rede de serviço
de saúde; integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio
ambiente e saneamento básico; organização dos serviços públicos de
modo a evitar a duplicidade de meios para fins idênticos (PAIM, 2009,
p. 37, grifos do autor).

A partir dos princípios e das diretrizes, todos os serviços de saúde, sejam


por gestão federal, municipal ou estadual, precisam coexistir a partir desses
parâmetros, respeitando as suas finalidades e com diálogo constante.

Através da participação popular, seja por conselhos ou conferências, o


SUS vem ampliando as suas agendas que mobilizam e melhoram as ferramentas,
serviços e incorporam especificidades em sua defesa. Desde a sua implementação
nos anos 1980 até os dias atuais, o SUS tem mantido o seu vigor para manter seu
o caráter universal e de natureza pública.

Alguns setores da nossa sociedade com interesses econômicos e


privatizadores tentam sucatear o SUS para que a população acredite em uma
melhora do serviço de saúde pelas vias privadas. Entretanto, somente um
sistema público consegue atender à toda a população, independentemente de
suas condições econômicas e sociais e prestar tantas ações, como campanhas
de vacinação, atendimentos médicos, atendimentos de especialistas (nutrição,
psicologia, fisioterapia), cirurgias de grande, médio e pequeno porte com diversas
complexidades.

Mesmo na iniciativa privada, muitas instituições dependem do SUS com


finalidades de incentivo fiscais, ou até mesmo com o fomento de pesquisas e
produção científica. Reconhecer a sua importância não é abrir mão da luta pela
melhoria do SUS. Muitos avanços precisam ser feitos, mas o desmonte do SUS
implica em problemas de saúde em grande escala para a população nacional,
inclusive nos atendimentos realizados pela iniciativa privada que dependem de
pesquisas e dos aparatos científicos promulgado pelo SUS.

Segundo Paim (2009, p. 49), atualmente, mais de:


190 milhões de cidadãos brasileiros são beneficiados, com mais de 2
milhões de profissionais em atuação permanente, cerca de 90% do
mercado de vacinas é movimentado pelo SUS, com atendimentos
ambulatoriais que corresponde a 3,2 bilhões por ano, 453,7 milhões
de consultas médicas, 19,4 milhões de atendimento pré-natal, além
de atendimentos como transplantes, e especialidades médicas como
a oncológica.

92
TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

Com a democracia, o SUS é um dos principais direitos adquiridos pela


população brasileira, incluindo políticas nacionais para a erradicação da fome,
políticas de prevenção às infecções sexuais e HIV/AIDS, com capilaridades em
territórios, através dos postos de saúde da família (PSF), além do serviço próximo
à comunidade com os agentes comunitários.

O SUS é um conjunto de lutas sociais, defendido por trabalhadores da


saúde e por sindicatos, que desejam uma saúde igualitária e para todos e todas.
Através da humanização do SUS, tornou-se possível a reforma psiquiátrica,
uma vez que, além da regulamentação do trabalho dos profissionais de saúde,
houveram pressões de vários setores da sociedade para que os pacientes
psiquiátricos fossem tratados com respeito e humanização.

93
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

LEITURA COMPLEMENTAR

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)

Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma conquista do povo brasileiro,


garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, por meio da Lei
nº 8.080/1990. O SUS é o único sistema de saúde pública do mundo que atende
mais de 190 milhões de pessoas, sendo que 80% delas dependem exclusivamente
dele para qualquer atendimento de saúde.

O SUS é financiado com os impostos do cidadão – ou seja, com recursos


próprios da União, Estados e municípios e de outras fontes suplementares de
financiamento, todos devidamente contemplados no orçamento da seguridade social.

O SUS nasceu por meio da pressão dos movimentos sociais, que entenderam
que a saúde é um direito de todos, uma vez que, anteriormente à Constituição
Federal de 1988, a saúde pública estava ligada à previdência social e à filantropia.

Para que o acesso à assistência de saúde de qualidade não ficasse restrita


ao modelo privado ou à saúde complementar (Planos de Saúde), foi criado o
SUS, cujo sistema está em constante processo de construção e de fortalecimento.
Por isso, toda vez que o cidadão tiver uma denúncia, crítica ou reclamação, é
importante procurar a Ouvidoria do SUS.

Como se dá o financiamento do SUS?


De acordo com a Constituição Federal, os municípios são obrigados a
destinar 15% do que arrecadam em ações de saúde. Para os governos estaduais, esse
percentual é de 12%. Já o governo federal tem um cálculo um pouco mais complexo:
tem que contabilizar o que foi gasto no ano anterior, mais a variação nominal do
Produto Interno Bruto (PIB). Então essa variação é somada ao que se gastou no ano
anterior para se definir qual o valor da aplicação mínima naquele ano.

Quem pode usar o SUS?


Todos os brasileiros podem usar o SUS, porque todos nós contribuímos
com os nossos impostos para que ele funcione. O SUS é integral, igualitário e
universal, ou seja, não faz, e nem deve fazer qualquer distinção entre os usuários.
Inclusive, estrangeiros que estiverem no Brasil e por algum motivo precisarem de
alguma assistência de saúde, podem utilizar toda a rede do SUS gratuitamente.

Se eu pago consulta médica particular ou tenho plano de saúde, uso o SUS?


Sim, usa. Todos os brasileiros utilizam o Sistema Único de Saúde
(SUS) de alguma forma, pois o Sistema não se resume a atendimento clínico e/
ou hospitalar. No entanto, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
fiscaliza, regulamenta, qualifica e habilita os planos de saúde brasileiros. A ANS

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TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

é uma autarquia do Ministério da Saúde. É importante lembrar que o Ministério


da Saúde, por sua vez, realiza a gestão descentralizada e tripartite do SUS ao lado
das secretarias estaduais e municipais de saúde.

Quais outras ações de saúde pública são de responsabilidade do SUS?


As ações do SUS são diversas e englobam, por exemplo, o controle de
qualidade da água potável que chega à sua casa, a fiscalização de alimentos pela
da Vigilância Sanitária nos supermercados, lanchonetes e restaurantes que você
utiliza diariamente, a assiduidade dos aeroportos e rodoviárias, e inclusive, as
regras de vendas de medicamentos genéricos ou nas campanhas de vacinação,
de doação de sangue ou leite materno que acontecem durante todo o ano. Muitos
procedimentos médicos de média e alta complexidade, por exemplo, são feitos
pelo SUS, como doação de sangue, doação de leite humano (por meio de bancos
de leite humano), quimioterapia e transplante de órgãos, entre outros.

Quando utilizo os serviços de um hospital filantrópico também estou


utilizando o SUS?
Sim, está. No que se refere às Santas Casas e hospitais filantrópicos, o
Ministério da Saúde transfere os recursos para o gestor responsável (Estado ou
município) por meio de contrato, para que efetue os repasses aos estabelecimentos
de saúde ligados ao SUS. O recurso federal transferido é composto pela produção
de serviços, que tem a tabela do SUS como referência, e por incentivos diversos
que aumentam substancialmente o volume de transferências. Atualmente, 50%
dos valores transferidos para Estados e municípios já não é mais pela tabela SUS,
mas por incentivos e outras modalidades que priorizam a qualidade.

Qual é a porta de entrada do usuário no SUS?


A porta de entrada do usuário no SUS é na Unidade Básica de Saúde (UBS),
popularmente conhecida como posto de saúde. A UBS é de responsabilidade do
município, ou seja, de cada prefeitura brasileira. Para facilitar o acesso do usuário,
o município mapeia a área de atuação de cada UBS por bairro ou região. Por
isso, o cidadão deve procurar a unidade mais próxima da sua casa, munido de
documentos e de comprovante de residência (conta de água, luz ou telefone).

Como acontece o acolhimento do usuário do SUS na UBS?


Ao ir a uma UBS pela primeira vez, o usuário fará um Cartão do SUS e
receberá um número e/ou uma cor que irá identificar de qual equipe da Estratégia
da Saúde da Família (ESF) ele fará parte. Regularmente, a ESF acompanha a saúde
do usuário, sendo o elo da população com os profissionais de saúde da unidade.
É por meio da coleta de informações das equipes de ESF que é possível pensar em
ações de saúde pública de forma regional e personalizada.

O que é o Cartão do SUS?


O Cartão do SUS ou Cartão Nacional de Saúde é um documento gratuito
que reúne dados sobre quando e onde o usuário foi atendido em toda rede de saúde
pública. Se você ainda não tem um cartão, faça já o seu em qualquer Unidade Básica
de Saúde (UBS, também conhecida como posto de saúde). Por meio do cartão, os

95
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

profissionais da equipe de saúde podem ter acesso ao histórico de atendimento do


usuário no SUS. Ainda, o usuário pode acessar o Portal de Saúde do Cidadão para
ter acesso ao seu histórico de registros das ações e serviços de saúde no SUS. Além
disso, o Cartão do SUS é feito de forma gratuita em hospitais ou locais definidos
pela secretaria municipal de saúde, mediante a apresentação de RG, CPF, certidão
de nascimento ou casamento. O uso do cartão facilita a marcação de consultas e
exames e garante o acesso a medicamentos gratuitos.

Quais são os serviços de saúde que irei encontrar em uma UBS?


Na UBS, o usuário do SUS irá receber atendimentos básicos e gratuitos em
Pediatria, Ginecologia, Clínica Geral, Enfermagem e Odontologia, de segunda a sexta-
feira, de 8h às 17h. Os principais serviços oferecidos pelas UBS são consultas médicas,
inalações, injeções, curativos, vacinas, coleta de exames laboratoriais, tratamento
odontológico, encaminhamentos para outras especialidades clínicas e fornecimento de
medicação básica. As UBS fazem parte da Política Nacional de Urgência e Emergência,
lançada pelo Ministério da Saúde em 2003, estruturando e organizando a rede de
urgência e emergência no País, para integrar a atenção às urgências.

O que é uma UPA?


A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) são estruturas de complexidade
intermediária entre as UBS e as portas de urgência hospitalares, onde, em conjunto
com estas, compõe uma rede organizada de atenção às urgências. Com isso,
ajudam a diminuir as filas nos prontos-socorros dos hospitais. A UPA oferece
estrutura simplificada, com raio-X, eletrocardiografia, pediatria, laboratório de
exames e leitos de observação. Nas localidades que contam com UPA, 97% dos
casos são solucionados na própria unidade.

Quando devo procurar uma UPA?


Somente em casos de urgência e emergência traumáticas e não traumáticas.
Além disso, é a opção de assistência de saúde nos feriados e finais de semana
quando a UBS está fechada. Há também a situação em que o usuário pode ser
encaminhado da UBS para a UPA, dependendo da gravidade ou da necessidade
de um pronto atendimento ou qualquer situação de emergência. A UPA tem
consultórios de clínica médica, pediatria e odontologia, serviços de laboratório e
raio-x. Também conta com leitos de observação para adultos e crianças, salas de
medicação, nebulização, ortopedia e uma "sala de emergência" para estabilizar os
pacientes mais graves que, após o atendimento necessário para a estabilização do
quadro clínico, este paciente possa ser removido para um hospital.

Então, qual é o papel dos hospitais na rede do SUS?


O papel dos hospitais é oferecer ao usuário do SUS atendimento de saúde
especializado de média e alta complexidade, como cirurgias eletivas (realizada
em uma data adequada de acordo com a saúde do paciente) tratamentos clínicos
de acordo com cada especialidade. Para chegar ao hospital, geralmente, o usuário
é encaminhado depois de ser atendido por uma UBS ou UPA, dependendo de
cada caso. Tudo isso acontece devido ao processo de troca de informações entre
as redes de atenção à saúde no SUS.

96
TÓPICO 3 — SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: CRIAÇÃO E LEGISLAÇÃO

De acordo com a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP),


no âmbito do SUS, "os hospitais são instituição complexas, com densidade
tecnológica especifica, de caráter multiprofissional e interdisciplinar, responsável
pela assistência aos usuários com condições agudas ou crônicas, que apresentem
potencial de instabilização e de complicações de seu estado de saúde [...]".

Se na minha cidade não tem unidade de saúde de referência, como serei


atendido?
Você será atendido na Unidade de Saúde de Referência da sua região,
graças aos Consórcios Intermunicipais de Saúde. São ações entre municípios
próximos para a organização regional de ações e serviços de saúde, previstos
na lei orgânica do SUS (Lei 8.080/1990) e que garantam atendimento integral
à população dos municípios associados. Desse modo, para atender melhor a
população, os municípios cooperam entre si para que o atendimento possa ser
universalizado e igualitário a todos os usuários.

O SUS é usado como modelo de referência internacional por conta do seu


alcance e multiplicidade de serviços de saúde. É de responsabilidade da saúde
pública brasileira todas as ações da Vigilância Sanitária e da Vigilância Sanitária
de Zoonoses (imunização de animais; castração; controle de pragas; prevenção
e controle de doenças de animais urbanos e rurais etc.), além de campanhas de
vacinação, prevenção, controle e tratamento de doenças crônicas por meio das
equipes da Estratégia da Saúde da Família (ESF), além do tratamento oncológico
nos seus mais diversos níveis.

O SUS realiza ainda coleta para a doação de sangue, organização da rede


de banco de leite materno, além de transplante de órgãos e bancos de pele para
o tratamento de queimados, definição de regras para venda de medicamentos
genéricos e de distribuição gratuita de remédios. Outra curiosidade é que
internacionalmente, o SUS é exemplo de excelência na assistência e tratamento
de pessoas com Aids/HIV.

O que é Vigilância Sanitária?


A Vigilância Sanitária é um conjunto de medidas que têm como objetivo
elaborar, controlar e fiscalizar o cumprimento de normas e padrões de interesse
sanitário. Estas medidas se aplicam a medicamentos e correspondentes, cosméticos,
alimentos, saneantes e equipamentos e serviços de assistência à saúde. As normas
da Vigilância Sanitária também se referem a outras substâncias, materiais, serviços
ou situações que possam, mesmo potencialmente, representar risco à saúde coletiva
da população.

Trata-se de uma atividade multidisciplinar que regulamenta e controla a


fabricação, produção, transporte, armazenagem, distribuição e comercialização
de produtos e a prestação de serviços de interesse da Saúde Pública. Instrumentos
legais, como notificações e multas, são usados para punir e reprimir práticas que
coloquem em risco a saúde dos cidadãos.

97
UNIDADE 2 — MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável


por criar normas e regulamentos e dar suporte para todas as atividades da área
no País. A Anvisa também é quem executa as atividades de controle sanitário e
fiscalização em portos, aeroportos e fronteiras.

O modelo de gestão do SUS é descentralizado. Ou seja, governo federal


(União), Estados e municípios dividem a responsabilidade de forma integrada,
garantindo o atendimento de saúde gratuito a qualquer cidadão através da
parceria entre os três poderes. Em locais onde há falta de serviços públicos, o SUS
realiza a contratação de serviços de hospitais ou laboratórios particulares para
que não falte assistência às pessoas. Desse modo, estes locais também se integram
à rede SUS, tendo que seguir seus princípios e diretrizes.

É importante frisar que município, Estado e governo federal têm suas


respectivas responsabilidades para a gestão da saúde pública brasileira. Os
percentuais de investimento financeiro de cada um são definidos, atualmente,
pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, resultante da sanção
presidencial da Emenda Constitucional 29.

Por esta lei, municípios e Distrito Federal devem aplicar anualmente,


no mínimo, 15% da arrecadação dos impostos em ações e serviços públicos de
saúde, cabendo aos Estados 12%. No caso da União, o montante aplicado deve
corresponder ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido do
percentual relativo à variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano antecedente
ao da Lei Orçamentária Anual.

Participação Social
O Controle Social é a participação do cidadão na gestão pública, na
fiscalização, no monitoramento e no controle das ações do Poder Público.
Trata-se de um importante mecanismo de fortalecimento da cidadania para a
consolidação das políticas públicas que envolvam o SUS. A Constituição Federal
de 1988, por meio da Lei Orgânica da Saúde (Lei Nº 8142/90), criou uma nova
institucionalidade marcada por duas importantes inovações: a descentralização
que propunha a transferência de decisões para Estados, municípios e União, além
da valorização da participação social no processo decisório das políticas públicas
de saúde por meio dos Conselhos.

A Ouvidoria é o canal que o cidadão formaliza qualquer tipo de


manifestação sobre SUS. Por meio da Ouvidoria, o cidadão pode fazer a solicitação
de um serviço; pode denunciar a qualidade do atendimento recebido; pode
denunciar, por exemplo, cobranças indevidas por serviços de saúde prestados no
SUS; e até mesmo fazer uma sugestão.

FONTE: <https://www.saude.mg.gov.br/sus>. Acesso em: 21 jul. 2021.

98
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O Sistema Único de Saúde (SUS) é importante para a universalização e para a


humanização dos tratamentos em saúde.

• As legislações garantem a existência do SUS.

• O conceito de saúde deve ser entendido de forma ampliada, o que é defendido


pelo SUS.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

99
AUTOATIVIDADE

1 Com base na perspectiva de promoção de saúde que se trata de “fomentar,


cultivar, estimular por intermédio de medidas gerais e inespecíficas, a
saúde e a qualidade de vida das pessoas e das comunidades”. Mediante
a perspectiva de promoção de saúde sobre suas perspectivas basilares,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Importam boas condições de vida, educação, atividade física, lazer,


paz, alimentação, arte, cultura, diversão, entretenimento, ambiente
saudável, entre outras.
b) ( ) Desenvolver atividades sistêmicas psiquiátricas com a finalidade de
saúde mental.
c) ( ) Tange atividades permanentes para a distração e para o entretenimento
dos cidadãos.
d) ( ) Boas condições de vida a partir de segurança pública.

2 A Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã, trouxe


mudanças e novas perspectivas para a saúde. Com base nesse olhar, analise
as sentenças a seguir:

I- A saúde passou a ser reconhecida como um direito social, isto é, inerente


à condição de cidadão.
II- A incorporação da saúde na constituição cidadã é uma conquista política
e social.
III- A conquista política e social pode ser atribuída a diversas lutas e esforços
empreendidos pelo Movimento de Reforma Sanitária, entre 1976 e 1988.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A saúde como uma garantia de direitos é uma reformulação de paradigmas.


Ela deixa de ser um serviço exclusivo de determinadas classes sociais,por
exemplo, de classes de trabalhadores formais, como era preconizado em
tempos da ditadura, para ser universalizada a toda a população como
um bem comum a todos os brasileiros como um princípio à dignidade e
à cidadania humana como à moradia, à educação e à vida. Diante deste
contexto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas


sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação.
100
( ) São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre a sua regulamentação, fiscalização
e controle, devendo a sua execução ser feita diretamente ou através de
terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
( ) As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Como pilares estruturais da saúde, podemos subdividir em três ferramentas


primordiais, sendo a proteção da saúde, a promoção de saúde e a recuperação
da saúde. Disserte sobre o pilar de proteção de saúde.

5 Sobre a saúde coletiva e suas interfaces, entendemos que é uma área de


conhecimento multidisciplinar construída na interface dos conhecimentos
produzidos pelas ciências biomédicas e pelas ciências sociais. Neste contexto,
disserte sobre os principais objetivos da saúde coletiva e como eles se dão.

101
REFERÊNCIAS
AMARANTE, P.; NUNES, M. de O. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por
uma sociedade sem manicômios. Ciência & Saúde Coletiva [on-line]. n. 6, v. 23,
p. 2067-2074, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3DivNDt. Acesso em: 16 jul. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE.


Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde
mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma
dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília:
Ministério da Saúde, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
em: 17 set. 2021.

CARVALHO, R. B. de; SANTOS, T. dos. O direito à saúde no Brasil: uma


análise dos impactos do golpe militar no debate sobre universalização da saúde.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, [s. l.], v. 25, n. 27,
2015. Disponível em: https://bit.ly/3BpuT7p. Acesso em: 22 jul. 2021.

LÜCHMANN, L. H. H.; RODRIGUES, J. O movimento antimanicomial no


Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, [s. l.], v. 12, n. 2, p. 399-407, 2007. Disponível
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NICACIO, E. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira.


Cadernos de Saúde Pública, n. 3, v. 27, p. 612-613, 2011. Disponível em: https://
doi.org/10.1590/S0102-311X2011000300023. Acesso em: 6 ago. 2021.

OSMO, A.; SCHRAIBER, L. B. O campo da Saúde Coletiva no Brasil: definições


e debates em sua constituição. Saúde e Sociedade, [s. l.], v. 24, sup. 1, p. 205-218,
2015. Disponível em: https://bit.ly/3Dlwk7I. Acesso em: 14 jul. 2021.

PAIM, J. S. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.

SCLIAR, M. História do conceito de saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva,


[s. l.], n. 1, v. 17, p. 29-41, 2007. Disponível em:https://bit.ly/3oECYSk. Acesso
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SOUTO, L. R. F.; OLIVEIRA, M. H. B. de. Movimento da Reforma Sanitária


Brasileira: um projeto civilizatório de globalização alternativa e construção de
um pensamento pós-abissal. Saúde em Debate [on-line], n. 108, v. 40, p. 204-
218, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2YtZja0. Acesso em: 4 ago. 2021.

TENÓRIO, F. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais:


história e conceitos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, n. 1, v.
9, p. 25-59, abr. 2002. Disponível em:https://bit.ly/3iGKh8h. Acesso em: 16 jul. 2021.

102
UNIDADE 3 —

DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA


E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender sobre o processo de inserção de profissionais da saúde na


saúde mental;

• analisar a formação e papel profissional de profissionais da saúde no SUS;

• entender os desafios das instituições de saúde mental atuais;

• conhecer o conceito de clínica ampliada;

• estudar os desafios atuais na saúde mental, as novas perspectivas da


luta antimanicomial e os seus desafios.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO


PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

TÓPICO 2 – COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

TÓPICO 3 – INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE


TERAPÊUTICO NO SUS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

103
104
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO


PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 1, abordaremos sobre as novas perspectivas
de cuidado e saúde mental. No final da década de 1970, foi inserido diversos
trabalhos voltados para a saúde mental nos serviços de Saúde Pública. O objetivo
era apresentar novas possibilidades, que iam além dos hospitais psiquiátricos,
para haver menos gastos e atendimentos eficazes, conforme Carvalho e Yamamoto
(2002). Além dessas questões, “o serviço prestado por psicólogos (as) seria de
grande valia para reduzir atendimentos privados”, devido à crise econômica
daquela época (CARVALHO; YAMAMOTO, 2002, p. 1).

Na saúde pública, entra o Sistema Único de Saúde (SUS) como o principal meio
de atendimento a questões de saúde, perpassando por diversas questões políticas,
sociais, financeiras, entre outras. Sendo a maior rede de saúde no Brasil, na medida em
que expande, torna-se um grande empregador para diversos profissionais da área da
saúde, respondendo, assim, aos princípios básicos que lhe são cabidos. Dentre esses
profissionais de saúde, os (as) psicólogos (as) se fizeram presentes e necessários para
atuar nesse campo. As práticas e intervenções propostas pela psicologia se baseiam
no atendimento e no acolhimento individual de cada paciente, sempre prestando
atenção em sua singularidade e questões pessoais (ALMEIDA, 2004).

Neste contexto, se torna necessário ampliar os serviços oferecidos,


promovendo e contribuindo para um olhar voltado para o sujeito. Como parte
das equipes de saúde da família, poderia contribuir com uma ampliação do olhar
sobre os sujeitos, as famílias e a comunidade, e a partir disto, proporcionar uma
atenção à saúde mais ampliada, integrando os cuidados com a saúde mental e com
a saúde na atenção básica (como preconizado tanto pela disciplina da Psicologia
da Saúde, quanto pelo próprio Ministério da Saúde).

2 INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA SAÚDE MENTAL


Com a grande demanda em saúde no Brasil, torna-se cada vez mais
necessário e coerente que equipes interdisciplinares, formadas por profissionais
comprometidos e competentes, atuem de forma a oferecer os seus serviços a toda
a população, com um olhar voltado para a integralidade e para a atenção aos
usuários. Para isso, é importante que não exista somente a busca pela cura de
doenças, mas também a prevenção e a promoção de saúde.
105
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

A promoção da saúde entra como uma relação de cuidado com o outro.


Vemos que, por décadas, o atendimento ao doente mental no Brasil esteve
ligado ao modelo centrado no hospital, no qual a única forma de tratamento era
a internação, o isolamento e o afastamento da família, bem como do convívio
social. Em 1970, a modificação do modelo asilar foi implementada por meio de
lutas e conquistas da reforma psiquiátrica, a qual ainda vem se consolidando e se
tornando realidade.

A promoção de saúde atua diretamente nas comunidades, dando


autonomia para atuarem em melhorias na qualidade de vida e de saúde.
Dessa forma, é possível que as ações comunitárias, juntamente com decisões
populares relacionadas à saúde, sejam efetivadas e, posteriormente, implantadas,
possibilitando acesso a todos. Além disso, “a promoção da saúde tem sido
caracterizada dentro dos preceitos da integralidade, tanto no que concerne
aos problemas no processo saúde-doença-cuidado, quanto nas propostas de
superação dos mesmos” (BUSS, 2003, p. 16).

FIGURA 1 – PROMOÇÃO DA SAÚDE

FONTE: <https://bit.ly/3Am5aM4>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Assim, a equipe interdisciplinar é pautada como forma de estratégia para


atender todas as demandas e necessidades da população, possibilitando uma
abrangência maior frente aos usuários dos serviços. Para o Ministério da Saúde,
é importante que seja preconizado um modelo de atenção básica baseado na
integralidade da atenção.

Segundo Engel (1977, p. 136), “para a Psicologia da Saúde, as doenças


devem ser vistas como sendo causadas por uma multiplicidade de fatores e não
por um único fator causal. Essa abordagem adota o modelo biopsicossocial de
saúde e doença, baseado na teoria geral dos sistemas”.

Portanto, o que se defende é que haja uma equipe composta por


profissionais de diversas formações, a fim de desenvolver um trabalho conjunto
e integrado, para, assim, ter uma visão ampliada de saúde. Para Morin (1983, s.

106
TÓPICO 1 — NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

p.), “a inserção do profissional em uma equipe interdisciplinar supõe que cada


um desenvolva suficientemente sua competência até articular com as outras
competências (dos outros profissionais), que ligadas em cadeia, formariam o anel
completo e dinâmico do conhecimento”.

Assim sendo, concluímos sobre a importância da inserção do psicólogo


na área da saúde, inclusive na saúde mental, como forma de trabalhar e de tratar
demandas que abarcam a saúde física, mental e emocional em acompanhamento
com outros profissionais.

2.1 TRABALHO DA PSICOLOGIA E DE OUTROS


PROFISSIONAIS DA SAÚDE

De acordo com Gioia-Martins e Rocha Júnior (2001, p. 36), “o trabalho
do psicólogo em instituições de saúde remonta ao início do século XX, quando
surgiu a proposta de integrar a psicologia na educação médica”. Esse processo de
institucionalização se torna decisivo tanto para a psicologia como para o campo
da saúde, proporcionando atendimentos mais humanizados à população, com
acesso fácil e garantido, e não visando somente menos gastos e trabalho.

Diante de algumas articulações e experiências acerca da inclusão de


psicólogos no campo da Saúde Pública, viu-se necessário fortalecer e melhorar
as condições de vida da população. Com isso, a profissão se atentou a dar mais
visibilidade a práticas até então menos conhecidas e problematizadas, levantar
questões que possibilitassem novos canais de comunicação com o Estado, bem
como dar lugar à cidadania.

Ao pensarmos o compromisso social da psicologia, nos deparamos com


questões passadas e que fizeram parte da história da profissão. Vemos que,
desde os séculos XVI e XVII, pessoas de poder usavam o conhecimento acerca
da psicologia e do processo psicológico, principalmente, como forma de dominar
a população indígena. De acordo com Lopes (2005), o uso da psicologia ou pelo
menos o saber psicológico ocorreu a partir da medicina e da educação, sendo
influenciada pelo pensamento europeu - correntes liberais e positivistas.
Embasados numa ética norteadora, encontrem meios de atuar
como sujeitos da comunidade não necessariamente confrontando
os interesses partidários, mas despertando na comunidade a
conscientização e o interesse em participar do processo de construção
de políticas públicas na área social, garantindo assim a formação de
sujeitos mais conscientes e críticos de sua importância para a sociedade,
papel este, sobretudo, do psicólogo (NOBREGA, 2009, p. 6).

Posteriormente, o trabalho de psicólogos se deu em métodos de


prevenção e de avaliação de acidentes e higiene, assumindo papel de controle a
novas práticas, juntamente com outras ciências. Isso porque doenças infecciosas
se proliferaram em meio às aglomerações. Com várias pesquisas e produções

107
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

científicas caminhando em direção a estas questões, o que se encontrou foi


um racismo científico, ou seja, a cor da pele influenciava significativamente na
deturpação e na propensão a alguns vícios devido ao julgamento dos outros.
Na primeira metade do século XX, vê-se a luta pela modernização da sociedade
brasileira, além do interesse em defender a educação.

FIGURA 2 –EMPATIA COM O PACIENTE

FONTE: <https://bit.ly/3oF0LBD>. Acesso em: 21 jul. 2021.

Com isso, a psicologia foi ficando mais consolidada e independente,


avançando para diversas áreas e trabalhando em equipes e empresas afim de
complementar e de ser responsável por questões relacionadas à saúde mental.

ATENCAO

Compromisso social da psicologia:


• o trabalho do psicólogo deve visar à transformação social, que vai desde a mudança das
condições de vida da população até o acolhimento humanizado;
• é importante que a visão de intervenção seja pautada no indivíduo como um todo,
levando em consideração a sua realidade social;
• torna-se necessário extinguir a ideia de que a psicologia não tem nada a ver com o
social, mas sim que o sofrimento psíquico também pode ser relacionado com condições
objetivas de vida;
• o psicólogo deve pensar sua intervenção no sentido da promoção da saúde da
comunidade, ou seja, compreender o indivíduo em sua totalidade e realidade para,
então, intervir de fato;
• inovar e ser capaz de atender e intervir de acordo com as características do público-alvo,
se atentar sempre à adaptação da realidade que nos é apresentada.

108
TÓPICO 1 — NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

Partindo do pensamento de Michel Foucault acerca do compromisso


social da psicologia, propõe-se à articulação de três dimensões. Torna-se
necessário estudar verdadeiramente os discursos em questão, antes de descrever
a sua incidência. O indicado é não analisar os aspectos relacionados ao poder sem
antes verificar os saberes e a subjetividade pelo qual se apoiam e, por fim, mas
não menos importante, não identificar as subjetivações sem antes entender sobre
a política e as relações as quais os sustentam e o estruturam (GROS, 2011).

O compromisso social do psicólogo deve ser pautado na ciência, no estudo


e na ética.

FIGURA 3 – RESPONSABILIDADE SOCIAL COM MÃO VERDE E GLOBO

FONTE: <https://bit.ly/3oF1JxL>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Conforme menciona Zenoni (2000), a função social e clínica da instituição e


do trabalho profissional antes de ter um objetivo terapêutico, “é uma necessidade
social sendo que uma função não anularia a outra. Sem o limite da função
social, a instituição corre o risco de se transformar em um lugar de alienação,
de experimentação e, sem o limite da função terapêutica corre o risco de ser
simplesmente suprimida” (ZENONI, 2000, p. 66).

2.2 INSERÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA


SAÚDE MENTAL
No Brasil, a atenção psiquiátrica se tornou ainda mais importante desde
1987, quando recebeu reforços com a Declaração de Caracas na 1ª Conferência
nacional de Saúde, ocorrido na Venezuela. Com isso, os manicômios foram
substituídos por serviços comunitários juntamente com serviços de saúde
pública voltados para cuidados a doentes e também para prevenção de doenças.
A proposta era que a rede básica de saúde passasse a ser o principal meio ou
em muitos casos, o único, que atendesse pessoas com transtornos mentais e
oferecesse algum tipo de tratamento e/ou acompanhamento, com profissionais
capacitados e cuidadosos. Essa assistência em saúde mental está intimamente
ligada ao direito à cidadania e qualidade de vida, tanto para pacientes quanto
para os familiares que buscam pelo serviço (BRASIL, 2004).
109
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

Pode-se chamar esse tipo de reabilitação psicossocial como um processo,


que demanda e necessita de um conjunto de programas e serviços capazes de
desenvolver e facilitar o cuidado com a vida das pessoas com problemas mentais
severos e persistentes. Proporcionando autonomia, no exercício de suas funções
sociais (PITTA, 2001, p.68).

De acordo com Pitta (2001, p. 68), “esse processo de reabilitação psicossocial


deixa de se ocupar apenas com a doença, com a prescrição de medicamentos e
aplicação de terapias, os profissionais da atenção psicossocial passam a se ocupar
dos sujeitos que precisam de tratamento e com a qualidade do cuidado oferecido”.
Pensando assim, é preciso também que ocupem o cotidiano, o tempo, espaço e até
mesmo momento de lazer, enfatizando partes mais sadias e sociais para com os
pacientes (PITTA, 2001; FUREGATO, 2000; AMARANTE, 1999).

Na atenção psicossocial entra a clínica do Acompanhamento Terapêutico,


inserida na prática com característica interdisciplinar e antissegregacionista, ou
seja, é necessário e importante que exista esse tipo de formação específica do
profissional que segue em direção a mudanças de concepções, atitudes e também,
comportamentos para melhor eficácia nos tratamentos e acompanhamentos.

Como aponta Saraceno (1999, p. 176), “essa ação terapêutica nos dispositivos
extra-hospitalares, consegue englobar todos os profissionais do processo saúde-
doença, ou seja, os usuários (portadores e familiares) e a comunidade inteira”.
Ou seja, nesses dispositivos extra-hospitalares, são incluídas as práticas de
atendimento psicossocial, não se limitando apenas as paredes institucionais.
A clínica do Acompanhamento terapêutico teve sua origem na movimentação
política das reformas psiquiátricas com intuito de “extinguir” os manicômios na
Europa Ocidental. Devido a essas mudanças e com implantações de atendimento
da abordagem múltipla em uma clínica de atendimento a pacientes psicóticos e
dependentes químicos, na Argentina, os pacientes e familiares puderam receber
atendimento de equipes multiprofissionais, sendo o acompanhante terapêutico
um dos membros dessa equipe (SARACENO, 1999, p. 176).

Vale ressaltar que o Acompanhamento Terapêutico, para Pitiá e Furegato


(2009, p. 73), é:
Um tipo de atendimento clínico que se caracteriza pela prática de saídas
pela cidade, ou estar ao lado da pessoa em dificuldades psicossociais
com a intenção de se montar um guia terapêutico que possa articulá-la
novamente na circulação social, por meio de ações sustentadas numa
relação de vizinhança do acompanhante com o sujeito e suas limitações,
dentro do seu contexto histórico. O profissional, acompanhante
terapêutico, não está atrelado a uma profissão em particular, mas
necessita de qualificação específica para exercício dessa prática
profissionalmente (PITIÁ, FUREGATO, 2009, p. 73).

110
TÓPICO 1 — NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

2.3 INSTITUIÇÕES ATUAIS DE SAÚDE MENTAL


De acordo com Engel (2001), os anos de 1830 e 1920 foram marcados por
muitas mudanças, continuidades e também por descontinuidades. O conceito de
loucura com relação à saúde mental era direcionado para pessoas alienadas e
com comportamentos inadequados diante da sociedade, assim como é assinalado
pelo autor, “a formulação de políticas públicas de tratamento e/ou repressão dos
doentes mentais, identificados com base nos limites cada vez mais abrangentes
da anormalidade” (ENGEL, 2001, p. 330).

FIGURA 4 – SALA DE PRONTUÁRIOS DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ABANDONADO (TORINO, ITÁLIA)

FONTE: <https://bit.ly/3mE9hOH>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Sobre uma sociedade sem manicômios:


[...] que significou abraçar a bandeira da eliminação progressiva
dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por outros tipos de
equipamentos comunitários, territorialmente circunscritos e voltados
para a inserção social dos usuários, como passam a ser chamados
os “doentes mentais”, no contexto de recuperação de sua cidadania,
identidade e condições de sujeitos (PASSOS, 2009, p. 159).

A loucura só vem a ser objeto de intervenção pelo Estado no início do


século XIX, onde foi dada com a chegada da Família Real ao Brasil. Foi nesse
momento que houve a modernização e a consolidação da nação brasileira como
um país independente. Com isso, os chamados loucos eram vistos como “resíduos
da sociedade e uma ameaça à ordem pública”. Inclusive quem apresentasse
comportamentos agressivos ou vagasse pelas ruas, o destino sempre seria os
manicômios, onde estariam expostos a situações desumanas e em péssimas
condições de higiene e alimentação (PASSOS, 2009, p. 104).
[...] as primeiras instituições psiquiátricas surgiram em meio a um
contexto de ameaça à ordem e à paz social, em resposta aos reclamos
gerais contra o livre trânsito de doidos pelas ruas das cidades;
acrescentem-se os apelos de caráter humanitário, as denúncias contra

111
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

os maus tratos que sofriam os insanos. A recém-criada Sociedade de


Medicina engrossa os protestos, enfatizando a necessidade dar-lhes
tratamento adequado, segundo as teorias e técnicas já em prática na
Europa (RESENDE, 2007, p. 38).

Segundo Gomes et al. (2013), com o avanço da reforma psiquiátrica no


Brasil, torna-se, cada vez mais necessário, compreender as suas ações e conhecer
as instâncias de formação e qualificação dos diferentes agentes de cuidado,
como forma de trazer teorias e práticas que possam orientar os projetos político-
pedagógicos das instituições, de forma a sustentar esse movimento. No campo
da saúde mental, podemos observar diversos saberes, discursos e práticas que
operam no cotidiano do trabalho nos diferentes serviços que compõem a rede de
cuidados. É essa multiplicidade que nos direciona a riqueza de serviços oferecidos
e mais qualidade de vida para os usuários e familiares.

FIGURA 5 – HOSPITAL LAPINLAHTI FOI CONSTRUÍDO EM 1841 PARA CUIDADOS


PSIQUIÁTRICOS NA FINLÂNDIA

FONTE: <https://bit.ly/3uSxdkY>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Diante das transformações propostas pelo campo da reforma psiquiátrica


brasileira, vieram junto alguns desafios e questões que perpassam pelos
profissionais de saúde, que, por sua vez, precisam expandir e acompanhar essas
mudanças advindas. Yasui e Costa-Rosa (2008), apontam que para isso, e indicam
que os seus principais instrumentos devem ser:

• formação permanente, que faculte a redefinição e reorganização de seu processo


de trabalho, e a articulação das alianças, ou mesmo forças antagônicas, entre
os diferentes setores da sociedade;
• viabilização da criação e da expansão concretas de uma rede de atenção e de
cuidados baseada em um território e pautada nos princípios de integralidade
e participação popular.

112
TÓPICO 1 — NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

Esse processo visa ainda a ruptura com o modelo tradicional, que se baseia
no princípio doença x cura de forma predominantemente orgânica, além de
hierarquizar por níveis de atenção. Assim, o intuito é tornar as instituições atuais
de saúde mental em lugares mais humanizados e personalizados, de acordo com
a demanda de cada um.

FIGURA 6 – VETOR DE REABILITAÇÃO PARA PACIENTE IDOSO

FONTE: <https://bit.ly/3uUOZ7p>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Podemos concluir, então, que estamos em processo de desinstitucionalização,


de acordo com Rotelli et al. (1990, s.p.):
O trabalho prático de transformação que, a começar pelo manicômio,
desmonta a solução institucional existente para desmontar (e remontar)
o problema. [...] Mas, se o objeto ao invés de ser "a doença" torna-se
a "existência-sofrimento dos pacientes" e a sua relação com o corpo
social, então desinstitucionalização será o processo crítico-prático para
a reorientação de todos os elementos constitutivos da instituição para
este objeto bastante diferente do anterior (ROTELLI, 1990, s.p.).

2.4 EQUIPAMENTOS DE SAÚDE PÚBLICA


Ao falarmos de saúde pública, o termo “pública” nos remete a questões
sociais, que perpassa da saúde individual à coletiva, isso por meio de planejamento,
técnicas, organização e responsabilidade. A junção da saúde coletiva, da Reforma
Sanitária Brasileira (RSB) e do Sistema Único de Saúde (SUS) garante um modelo de
acolhimento, assistência e integração com o objetivo de atender toda a população em
questões de prevenção e de promoção de saúde (PAIM; ALMEIDA FILHO, 2014).

A saúde coletiva não pode levar em conta e nem ser compreendida como
um conjunto de ações isoladas. Por isso, torna-se necessário um processo comum
e a importância das “ciências da conduta”, como mencionado por Paim e Almeida
Filho (2014). Essas ciências seriam a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia, todas
aplicadas à saúde. A utilização adequada, a partir de conhecimento sociocultural

113
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

e psicossocial, facilitaria a relação do prestador de serviço e do usuário, além


da possibilidade de uma integração das equipes juntamente com a população
(ANDRADE; ARAÚJO, 2003; CALATAYUD, 1999; SAFORCADA, 2002).

FIGURA 7 – COMUNICAÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3uURTbW>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Cardoso (2021) apresenta alguns exemplos de equipamentos de saúde


pública com atuação do psicólogo:

1 - CAPS: a sigla significa Centro de Atenção Psicossocial. O CAPS foi


criado em substituição aos hospitais psiquiátricos e reconhecido por ser o
equipamento inicial para os serviços de saúde mental na saúde pública;

2 - CAPSil: direcionado para crianças e adolescentes, compreendido como


um CAPS que cuida de pessoas com quadros psíquicos comprometidos;

3 - CnaR: conhecido por ser um consultório na rua, onde o serviço é


oferecido pelo SUS voltado para pessoas em situação de rua; é um serviço que
necessita do apoio do CAPS e do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF);

4 - Enfermaria psiquiátrica em hospital geral: oferece atendimento


especializado para sujeitos com sofrimento mental devido ao abuso de drogas,
álcool e outras substâncias.

5 - CECCO: o Centro de Convivência e Cooperativa do Trabalho são


equipamentos monitorados pela esfera municipal, voltados para a integração de
pessoas com transtornos mentais;

6 - Residências terapêuticas: moradias, casas de acolhidas com objetivo


de atender pessoas com transtornos mentais; são espaços que oferecem lazer,
cultura, diversão e atividades;

114
TÓPICO 1 — NOVAS PERSPECTIVAS DE CUIDADO E INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA
SAÚDE MENTAL

7 - Ambulatório de Saúde Mental: espaço de atendimento especializados


e clínicos para acesso da população.

Na gestão de equipamentos, é necessário que haja sempre a busca por


melhoria nas atividades do setor, tanto na estrutura organizacional quanto na
qualidade dos equipamentos oferecidos. Para tanto, é utilizado o PDCA, ciclo de
melhoria contínua voltado para o planejamento, para a execução, para a checagem
e para a ação. Assim, se torna capaz de levar melhorias desde a sua implantação,
assegurando qualidade.

NTE
INTERESSA

Ciclo PDCA:
P (Planejar) - localizar problemas e estabelecer metas; estabelecer plano de ação;
D (Fazer) - conduzir a execução do plano de ação;
C (Checar) - verificar se atingiu as metas;
A (Agir) - padronizar treinamentos; ações corretivas.

115
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O trabalho de profissionais da saúde nos serviços de saúde pública tem


como objetivo apresentar novas possibilidades que vão além de hospitais
psiquiátricos, para haver menos gastos e atendimentos eficazes e humanizados.

• Dentre os profissionais de saúde, os psicólogos e acompanhantes terapêuticos


se fizeram presentes e necessários para atuar em práticas e intervenções no
atendimento e acolhimento individual de cada paciente, sempre prestando
atenção em sua singularidade e nas questões pessoais.

• O serviço oferecido por psicólogos e acompanhantes terapêuticos dentro das


equipes de saúde ajuda e auxilia em um olhar voltado para o sujeito, para a
sua história e subjetividade.

• A equipe interdisciplinar é pautada como forma de estratégia para atender


todas as demandas e necessidades da população, possibilitando uma
abrangência maior frente aos usuários dos serviços. Para o Ministério da
Saúde, é importante que seja preconizado um modelo de atenção básica
baseado na integralidade da atenção.

• Com o avanço da reforma psiquiátrica no Brasil, torna-se cada vez mais


necessário compreender as suas ações e conhecer as instâncias de formação
e de qualificação dos diferentes agentes de cuidado, como forma de trazer
teorias e práticas que possam orientar os projetos político-pedagógicos das
instituições, de forma a sustentar esse movimento.

116
AUTOATIVIDADE

1 No final da década de 1970, foi inserido o trabalho do psicólogo nos


serviços de saúde pública, inclusive atuando em programas de saúde como
CAPS, CRAS, NASF, entre outros. Assinale a alternativa CORRETA sobre o
trabalho do psicólogo:

a) ( ) O objetivo era apresentar novas possibilidades que iam além de


hospitais psiquiátricos, para haver menos gastos e atendimentos
eficazes e humanizados.
b) ( ) Tinha como objetivo o tratamento medicamentoso de qualquer indivíduo
que apresentasse comorbidades.
c) ( ) Ofereciam assistência hospitalar e medicamentosa dentro dos hospitais
psiquiátricos.
d) ( ) O seu principal objetivo era trabalhar com pacientes que não possuíam
nenhum tipo de transtorno mental.

2 Considerando-se os profissionais de saúde, os (as) psicólogos (as) se fizeram


presentes e necessários para atuar com práticas e intervenções voltadas
para os pacientes de forma mais humana e personalizada, de acordo com
a demanda e baseadas no atendimento e no acolhimento individual de
cada paciente. Para isso, atentam-se em suas singularidades e nas questões
pessoais. Com base nas práticas e intervenções, analise as sentenças a seguir:

I- O atendimento é baseado no acolhimento individual e personalizado.


II- A singularidade de cada paciente tem muita importância no atendimento.
III- Questões pessoais não são observadas e nem levadas em conta.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A equipe interdisciplinar é pautada como forma de estratégia para atender


todas as demandas e necessidades da população, possibilitando uma
abrangência maior frente aos usuários dos serviços. Para o Ministério da Saúde,
é importante que seja preconizado um modelo de atenção básica baseado
na integralidade da atenção. De acordo com as equipes interdisciplinares,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A presença de psicólogos como parte das equipes de saúde promovia e


contribuía para um olhar voltado para o sujeito.
( ) A presença do psicólogo pode contribuir para uma ampliação do olhar
sobre os sujeitos, as famílias e a comunidade.

117
( ) A presença do psicólogo gera para a população mais espaço e assistência
médica e psiquiátrica.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Segundo Gomes et al. (2013), com o avanço da reforma psiquiátrica no


Brasil, torna-se, cada vez mais necessário, compreender as suas ações e
conhecer as instâncias de formação e de qualificação dos diferentes agentes
de cuidado, como forma de trazer teorias e práticas que possam orientar
os projetos político-pedagógicos das instituições, de forma a sustentar esse
movimento. Disserte sobre esse movimento.

5 Com a grande demanda em saúde no Brasil, faz-se cada vez mais necessário
e coerente que equipes interdisciplinares formadas por profissionais
comprometidos e competentes atuem de forma a oferecer os seus serviços
a toda a população, com olhar voltado para integralidade e atenção aos
usuários. Neste contexto, disserte sobre a equipe interdisciplinar.

118
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos os compromissos éticos e sociais da
psicologia, quando ela foi ficando mais evidente e os frutos foram sendo colhidos,
como por meio da regulamentação da profissão no país, sancionada pela Lei nº.
4.119, em 1962. Também, com o acompanhamento terapêutico, perceberemos
como mais campos de trabalho foram surgindo e a demanda se tornando cada
vez maior, não somente no âmbito da saúde, mas em diversos outros.

Conforme novas mudanças e articulações são inseridas com a inclusão de
psicólogos (as) e acompanhantes terapêuticos no campo da saúde pública, torna-
se cada vez mais necessário e importante que os serviços oferecidos tragam mais
qualidade de vida e atendimentos para, consequentemente, melhorar as condições
de vida de toda a população. Com isso, as profissões se atentaram a dar mais
visibilidade a práticas até então menos conhecidas e problematizadas, levantar
questões que possibilitassem novos canais de comunicação com o Estado, bem
como dar lugar à cidadania e subjetividade de cada um.

Dessa forma, podemos concluir que o compromisso social da psicologia


e do acompanhamento terapêutico abrangem diversas questões e aspectos. A
seguir, poderemos ver e compreender algumas delas.

2 COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA


O trabalho do psicólogo deve visar a transformação social, que vai desde
a mudança das condições de vida da população até o acolhimento humanizado.
Confira alguns dos compromissos sociais da psicologia:

• é importante que a visão de intervenção seja pautada no indivíduo como um


todo, levando em consideração a sua realidade social;
• torna-se necessário extinguir a ideia de que a psicologia não tem nada a ver
com o social, mas sim que o sofrimento psíquico também pode ser relacionado
com condições objetivas de vida;
• o psicólogo deve pensar a sua intervenção no sentido da promoção da
saúde da comunidade, ou seja, compreender o indivíduo em sua totalidade e
realidade, para que então possa intervir de fato;

119
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

• inovar e ser capaz de atender e intervir de acordo com as características do


público-alvo, se atentar sempre à adaptação da realidade que nos é apresentada;
• proporcionar segurança, acolhimento, sensibilidade e ética.

De acordo com Dimenstein (2001, p. 59):


Historicamente, a psicologia sempre esteve “míope” diante da
realidade social, das necessidades e sofrimento da população,
levando os profissionais a cometer muitas distorções teóricas, a
práticas descontextualizadas e etnocêntricas, e a uma psicologização
dos problemas sociais, na medida em que não são capacitados para
perceber as especificidades culturais dos sujeitos.

Para Lopes (2005, p. 1), “todo profissional assume algum tipo de compromisso
com a sociedade, mesmo quando adota o discurso da neutralidade, pretensamente
isentando-se desse compromisso”. Yamamoto (2007) traz como questão a
importância e a necessidade do papel ético e social do psicólogo, principalmente,
por fazer parte de um movimento de mudanças estruturais, concluindo que:
[...] o desafio posto para a categoria é ampliar os limites da dimensão
política de sua ação profissional, tanto pelo alinhamento com os setores
progressistas da sociedade civil, fundamental na correlação de forças da
qual resultam eventuais avanços no campo das políticas sociais, quanto
pelo desenvolvimento, no campo acadêmico, de outras possibilidades
teórico-técnicas, inspiradas em outras vertentes teórico-metodológicas
que as hegemônicas da Psicologia (YAMAMOTO, 2007, p. 36).

FIGURA 8 – ÉTICA FAZ PARTE DO PAPEL DO PISICÓLOGIO NA SOCIEDADE

FONTE: <https://bit.ly/3amghtE>. Acesso em: 20 jul. 2021.

Concluímos então que compromisso nos leva a pensar questões relacionadas


à obrigação e à responsabilidade, vinculados, ao mesmo tempo, a características
afetivas. Isso porque valores e crenças são colocados em pauta de forma coletiva
na profissão. Tratar desse compromisso ético, seja de qualquer profissional, mas
em pauta agora do psicólogo, nos leva de imediato a pensar no Código de Ética
Profissional. Entretanto, a ética profissional vai além de protocolos e códigos, mas
abrange também o recuo, seus conceitos, as práticas e a distinção entre ética e moral.

120
TÓPICO 2 — COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

2.1 O COMPROMISSO SOCIAL PARA ALÉM DE UMA


ATUAÇÃO
De acordo com Bastos et al. (2013, p. 26), “é comum pensar as profissões como
conjuntos bem delimitados de práticas, instrumentos, métodos e procedimentos
construídos por campos científicos que são desenvolvidos ou utilizados por
profissionais”. Essa visão precisa ir além de somente a expectativa de um
profissional com conhecimentos científicos e tecnologias avançadas, pois o enfoque
é compreender e aprender a lidar com os problemas impostos pela sociedade.

FIGURA 9 – PROFISSIONAIS COM DIFERENTES OCUPAÇÕES

FONTE: <https://bit.ly/3AsdiKS>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Existe uma relação entre as práticas profissionais e o contexto sociocultural,


mostrando-se bem íntima e ligada diretamente a demandas sociais que são
propostas. Sendo assim, é possível uma conformidade com a época em questão e
os problemas que surgem.

Essa noção mostra que todas as práticas são, de fato, sociais, e cumprem
um lugar social em meio a demandas sociais, pessoas, sujeitos e subjetividades.
A partir disso, a ideia de compromisso deve se pautar em responsabilidade e em
envolvimento.

Segundo Bock (2008, p. 3),
[...] os psicólogos se puseram de costas para a realidade social,
acreditando poder entender o fenômeno psicológico a partir dele
mesmo. As crianças não aprendem na escola porque não se esforçam
ou porque têm pais que bebem e mães ausentes; as mães pobres não
tratam adequadamente seus filhos porque não conhecem os saberes
da Psicologia; as pessoas não melhoram de vida porque não querem;
os trabalhadores perdem suas mãos nas máquinas devido a pulsões
de morte ou coisa que o valha [...]. E assim vamos explicando todas as
questões sociais a partir de mecanismos naturais do mundo psicológico.

Desse modo, é importante que a psicologia não se reduza a uma posição


voluntarista, muito menos ocupe um lugar de visão fatalista ou comodista, mas
que tenha cuidado e atenção às críticas e práticas convencionais aplicadas às
novas ideias, se resguardando de possíveis exigências além de sua profissão.

121
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

FIGURA 10 – CONCEITO DE AMBIENTE SOCIAL

FONTE: <https://bit.ly/3aqtQrX>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Como podemos ver, o compromisso social, para além da atuação, leva


em conta as práticas e teorias utilizadas pelo profissional de saúde. No entanto,
também é necessário que haja ação humana, empática para com o outro, a fim de
trazer acolhimento e atenção à dor e ao sofrimento do outro.

2.2 COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DO


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
De acordo com Palombini et al. (2004, p. 118), “o acompanhamento
terapêutico em geral tem uma incidência muito significativa, permite uma
aproximação extremamente rica junto àqueles usuários que se mostram
inacessíveis ou pouco permeáveis às formas tradicionais de tratamento, ou mesmo
às propostas de oficinas e outros dispositivos dos serviços substitutivos”. Além
disso, o acompanhamento terapêutico é capaz de causar uma incidência chamada
Institucional, ou seja, onde o acompanhante tem possibilidades de outra visão e
outra experiência diante do encontro com o acompanhado, levando de alguma
forma diferença à equipe e reposicionamento com relação ao caso, muitas vezes
visto da mesma forma pela equipe. Dessa forma, as possibilidades de intervenção
ultrapassam estratégias rotineiras e perpassam por formas inusitadas e criativas
(PALOMBINI et al., 2004, p. 118).

Para Foucault, dizer que o acompanhamento terapêutico é um dispositivo


significa que:
[como] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba
discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões
regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais, filantrópicas (...) [de forma que] o dito
e o não dito são os elementos do dispositivo (...) “é a rede que se pode
estabelecer entre estes elementos” (FOUCAULT, 1986, p. 244).

122
TÓPICO 2 — COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O acompanhamento terapêutico constitui-se, portanto, em um paradigma


da direção clínico-política em que se movimenta a partir da concepção da reforma
psiquiátrica. No entanto, não se trata de mais uma profissão especializada na área
da saúde que oferece atendimentos voltados a saúde, mas que vai além disso, que
possui uma tecnologia a ser adquirida nas boas casas do ramo. Sendo visto então,
como mais uma ferramenta real e possível às famílias. Por ser uma clínica que se
faz a céu aberto, traz a possibilidade de operar em diversos espaços (PALOMBINI,
BELLOC E CABRAL, 2005).

Há algum tempo, a regulamentação do trabalho dos acompanhantes


terapêuticos se dá de forma rápida e eficaz, levando à otimização de sua eficácia
clínica, contando com a necessidade de que essa prestação de serviço deixe de
ser somente um artigo de luxo voltada para poucos pacientes e se torne algo com
acesso para todos que necessitem. Dessa forma, se tornar um recurso disponível e
indispensável para todos os tratamentos e instâncias que correspondem ao sistema
de saúde mental.

O acompanhamento terapêutico pode ser entendido então, como uma


estratégia fundamental no processo da Reforma Psiquiátrica, utilizando do
espaço público e da cidade como parâmetros para suas ações, investindo assim
em estratégias sociais. Vale lembrar ainda que essa prática não se restringe a
grupos específicos, mas destina- se também a pessoas que se interessem por fazer
o treinamento específico, além de conhecer sobre a Reforma Psiquiátrica, seus
conceitos e movimentos importantes. O compromisso ético e social do dispositivo
do Acompanhamento terapêutico está para além do espaço estrito e inflexível dos
estabelecimentos de saúde, mas voltado para uma prática de “clínica sem muros”.
Para Araújo (2006, p. 31), “não é uma clínica unicamente do indivíduo problemático/
doente/ necessitado, mas uma vivificação da subjetividade na cena/ cenário público
e da própria cena/ cenário público, se dando em um registro ecosófico”.

2.3 SUAS E ATENÇÃO SOCIAL


Como aponta Cardoso (2021, p. 1), “o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) possui sua regularidade de gestão e funcionamento por meio
de legislações, normativas e documentos orientadores”. Mesmo com algumas
dificuldades diante de sua efetivação, o SUAS pode ser visto como um grande
avanço na política de assistência social. Esses serviços de assistência social se
dividem em básica e especial.

• Básica: equipamentos públicos.


• Especial: equipamentos privados.

Além disso, as áreas de formação podem ser várias, mas ressalta-se o


serviço social e a psicologia.

123
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

FIGURA 11 – SUJEITOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E PROTEÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3uUUT8c>. Acesso em: 19 jul. 2021.

ATENCAO

“O Serviço Social é uma profissão constituída na dinâmica sócio-histórica


das relações entre o Estado e as classes sociais no enfrentamento da questão social. Sua
necessidade histórica e seu significado social estão, assim, diretamente ligados às formas
de enfrentamento à questão social, pela via das políticas sociais” (IAMAMOTO; CARVALHO,
1982, p. 152).

Com a grande demanda e diante da realidade de muitos países, não só o


campo da saúde precisava de assistência, mas também o campo da saúde mental.
Ainda mais por se tratar de desamparo, moradores de rua, mais necessitados
e desfavorecidos. Justamente por essas questões, a implantação desses serviços
gerava também esperança, confiança de ter um alimento, um atendimento médico,
psicológico, odontológico adequados e serviço social (OLIVEIRA; PASSOS, 2007).

A proteção social exige muito do exercício da psicologia, visto que a


criação de estratégias, métodos, técnicas e tecnologias de trabalho deve ser
advinda de suas práticas. Ao serviço social, é preciso ressaltar a importância
da construção individual e coletiva envolta do fortalecimento de demandas
sujeitas aos pacientes, que fazem uso dos serviços oferecidos. Aqui, o trabalho do
psicólogo entra como interdisciplinar, que se encontra em constante construção/
desconstrução, pois esses profissionais descobrem juntos, no cotidiano, formas
de atuar dentro do SUAS, cada um em seu tempo, não tendo necessidade de
acompanhar com rapidez.

124
TÓPICO 2 — COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A psicologia e o SUAS se conectam através dos serviços voltados à atenção


social. A partir disso, o psicólogo compõe as equipes e oferece atendimento aos
usuários, levando em consideração a universalidade, a equidade, o acesso, a
igualdade e a focalização nas famílias em vulnerabilidade social, o que fornece mais
acesso à população. Podemos concluir que a sociedade brasileira, em geral, passa a
ter mais acesso ao profissional de psicologia. Além disso, a psicologia não trabalha
somente com a doença, mas com a prevenção e com a promoção de autonomia.

FIGURA 12 – PSICOLOGIA TRABALHA COM A PROMOÇÃO DA AUTONOMIA

FONTE: <https://bit.ly/3mBVXdr>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Conclui-se então, que o trabalho da assistência social e da psicologia se


fortalecem ao trabalharem juntas nos equipamentos – CRAS, CREAS, CentroPOP,
abrigo, Família Acolhedora – do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Moscovici (1978, p. 45) aponta que:


O valor que atribuímos a ciência depende, em suma, da ideia que
fazemos coletivamente de sua natureza e do seu papel na vida; quer
dizer que ela exprime um estado de opinião. É que, de fato, tudo na
vida social, inclusive a própria ciência, assenta na opinião.

2.4 CLÍNICA AMPLIADA


No Brasil, com as inúmeras mudanças paradigmáticas nas políticas
e na organização dos serviços de saúde mental, principalmente pela luta
antimanicomial e pelo processo de reforma psiquiátrica, muitos questionamentos
acerca da eficácia do modelo em questão foram surgindo, devido ao agravamento
da desumanização dentro dos hospícios. Diante disso, com a reforma, a assistência
psiquiátrica tradicional sofreu grandes mudanças e foram instaurados serviços
substitutivos, como a clínica ampliada (LANCETTI; AMARANTE, 2006).

125
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

A ampliação das práticas clínicas tem como intuito tirar o foco da


intervenção da doença em si, para então colocar esse foco no sujeito de forma
a reparar não só a doença, mas outras questões e necessidades, como também a
prevenção e promoção de saúde e cuidados.
[...]. Em resumo, aprender sobre uma práxis pressupõe supor casos
que se repetiriam mais ou menos iguais. Da ontologia à ortodoxia, no
entanto, há apenas um passo. Sobre estas supostas verdades, em geral,
organizam- se todo um sistema de poder, uma hierarquia de guardiões,
de fiéis defensores da identidade da ontologia contra a variação da vida.
Entretanto, tratados sobre a doença ou sobre a fisiologia padrão dos
seres humanos ajuda a clínica. Mais do que a ajudar, a torna possível.
O desafio estaria em passar deste campo de certezas, de regularidades
mais ou menos seguras, ao campo da imprevisibilidade radical da
vida cotidiana. [...] Como realizar este percurso com segurança? Uma
primeira resposta: o reconhecimento explícito dos limites de qualquer
saber estruturado já seria uma primeira solução, pois obrigaria todo
especialista a reconsiderar seus saberes quando diante de qualquer
caso concreto. Sempre (CAMPOS, 2003, p. 65).

O conceito de clínica ampliada se dá pela função de escuta, pelo conjunto
de interesses de um grupo. É, portanto, uma prática menos prescritiva, mas que
leva em conta qualquer inovação tecnológica, qualificação e ciência, mas não se
reduz somente a isso. Nesse processo, trata-se, então, de três ações principais:

1- Objeto de trabalho: trabalhar com pessoas e coletivos considerando o inter jogo


das variáveis em coprodução e das características singulares, sem desconsiderar a
doença ou os riscos de adoecer.

2- Objetivos do trabalho: transformar, elaborar, prevenir doenças, mas também


proporcionar apoio na busca por autonomia do sujeito.

3-Meios de trabalho em saúde: pautar as relações no diálogo, no compartilhamento


de conhecimento, no vínculo e, principalmente, no respeito. Isso seria o trabalho
em equipe.

O exercício da clínica ampliada é proporcionar espaços coletivos, nos quais


as equipes de profissionais irão analisar e intervir juntos diante das demandas. Isso
ajuda na interpretação, na tomada de decisões, bem como na capacidade de todos
refletirem sobre os efeitos de suas práticas. Esse tipo de gestão funciona também
com os próprios profissionais, com o objetivo de intervir em suas subjetividades
para que então possam sustentar os seus lugares. Esse tipo de cuidado e apoio
visa a uma postura voltada também para si mesmo.

Vale ressaltar que essa prática demanda abertura e é um processo, que,


talvez, não seja dada de imediato, mas que deve ser construída em conjunto tanto
com os sujeitos quanto com os grupos. De acordo com o Método Paideia, “não se
pretende mudar algo “para” o outro, senão “com” o outro” (CAMPOS et al., 2014).

126
TÓPICO 2 — COMPROMISSOS ÉTICOS E SOCIAIS DA PSICOLOGIA E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

NTE
INTERESSA

Método Paideia: “Processo social e subjetivo onde as pessoas ampliam a


capacidade de buscar informações, de interpretá-las, buscando compreenderem-se a si
mesmas, aos outros e ao contexto, aumentando, em consequência, a possibilidade de agir
sobre estas relações” (CAMPOS, 2000, p. 2).

FIGURA 13 – MUDANÇAS OCORREM COM O OUTRO

FONTE: <https://bit.ly/3v1bmIk>. Acesso em: 19 jul. 2021.

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), podemos dizer que


a clínica ampliada:

• é, de certa forma, um compromisso com as pessoas, com as suas subjetividades


e com as singularidades;
• é uma responsabilidade direta com e para os usuários dos serviços de saúde;
• é uma busca por ajuda em outros setores, sendo a intersetorialidade;
• tem como objetivo o reconhecimento sobre os limites do conhecimento dos
profissionais de saúde e de todas as ferramentas de trabalho, pelas quais as
tecnologias mudam constantemente;
• assume um compromisso ético profundo. Pois, não coloca a vida do sujeito
reduzida à doença, mas em diversos aspectos importantes para ele. Como
exemplos, podemos citar doenças causadas pela superexploração, condições
de trabalho inadequadas ou formas de gestão autoritárias, como as lesões por
esforços repetitivos e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(LER/DORT).

127
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

A clínica ampliada ainda tem o dever de não discriminar usando o próprio


diagnóstico como sofrimento, pois, assim, até o tratamento é dificultoso, uma vez
que compromete a situação de adoecimento. Dessa forma, todo o profissional de
saúde consegue desenvolver e ajudar as pessoas, não visando somente combater
ou prevenir doenças.

FIGURA 14 – COMPROMISSO COM PROFISSIONAL DA SAÚDE COM O PACIENTE É AMPLO

FONTE: <https://cutt.ly/GE17EoN>. Acesso em: 19 jun. 2021.

De acordo com a OMS (1946, p. 2), o conceito estabelecido para saúde é


de que “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Dentre esses fatores,
é preciso que exista uma vida cotidiana significativa, participação social, lazer e
autonomia de escolhas (OMS, 1946).

Conclui-se que a clínica ampliada é um modelo de atenção à saúde que


tem cada vez mais ganhado espaço. Por ser voltada à saúde integral, como um
todo, o seu principal objetivo é proporcionar mais qualidade de vida às pessoas,
tanto em instituições públicas como em privadas.

128
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O profissional de saúde sempre assume compromisso social, de forma a


atender uma população, atender pessoas; não é possível se isentar.

• O maior desafio para a psicologia e para o acompanhamento terapêutico ainda


é ampliar os limites da dimensão política de sua ação profissional, sendo de
extrema importância para eventos futuros, políticas públicas e sociais e,
principalmente, para o seu desenvolvimento.

• A relação na perspectiva das práticas profissionais e o contexto sociocultural


se mostra bem estreita e reduzida a demandas sociais que lhes são postas.
Dessa forma, é possível que haja consonância com a época em questão e os
problemas dados, a partir de condições materiais e sócio-históricas.

• É importante que a psicologia não se reduza a uma posição voluntarista,


muito menos ocupe um lugar de visão fatalista ou comodista, mas que tenha
cuidado e atenção às críticas e práticas convencionais aplicadas a novas ideias,
se resguardando de possíveis exigências além de sua profissão.

• A psicologia e o acompanhamento terapêutico se conectam com o SUAS através


dos serviços voltados à atenção social. A partir disso, o psicólogo compõe
as equipes e oferece atendimento aos usuários, levando em consideração a
universalidade, a equidade, o acesso, a igualdade e a focalização nas famílias
em vulnerabilidade social, o que fornece mais acesso à população.

• O conceito de clínica ampliada se dá pela função de escuta, pelo conjunto de


interesses de um grupo. É, portanto, uma prática menos prescritiva, mas que
leva em conta qualquer inovação tecnológica, qualificação e ciência, mas não
se reduz somente a isso.

129
AUTOATIVIDADE

1 Todo o profissional assume algum tipo de compromisso com a sociedade,


mesmo quando adota o discurso da neutralidade, pretensamente isentando-
se desse acordo. Sobre esta posição dos profissionais de saúde, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Todo o profissional assume algum tipo de compromisso com a sociedade,


uma vez que lida diretamente com pessoas, histórias e emoções.
b) ( ) Nem toda a profissão precisa assumir algum tipo de compromisso,
visto que o profissional pode se esquivar dessa responsabilidade.
c) ( ) Voz, dinheiro, roupas e moradia são atribuições para o psicólogo
alcançar para o paciente.
d) ( ) Sanidade, bens materiais, dinheiro e voz fazem parte das aprendizagens
do psicólogo.

2 O maior desafio para a psicologia é ampliar os limites da dimensão política


de sua ação profissional, sendo de extrema importância para eventos futuros,
políticas públicas e sociais e, principalmente, para o seu desenvolvimento.
Com base nessa afirmação, analise as sentenças a seguir:

I- Diante das demandas sociais que lhes são postas, é possível que haja
consonância com a época em questão e os problemas dados, a partir de
condições materiais e sócio-históricas.
II- O desafio também se encontra em participar de eventos voluntários e
políticas públicas.
III- O desenvolvimento em questão é não avançar sob as regras e normas
impostas, mas ouvir além da atuação.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A psicologia e o SUAS se conectam através dos serviços voltados à atenção


social. A partir disso, o psicólogo compõe as equipes e oferece atendimento
aos usuários, levando em consideração a universalidade, a equidade, o
acesso, a igualdade e a focalização nas famílias em vulnerabilidade social,
o que fornece mais acesso à população. Sobre o exposto, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os serviços só beneficiam as redes privadas, como forma de ganho e


menos gasto de tempo.
( ) A sociedade brasileira, em geral, passa a ter mais acesso ao profissional
de psicologia.
130
( ) A psicologia não trabalha somente com a doença, mas com a prevenção e
com a promoção de autonomia e cuidados.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – V.
d) ( ) F – F – V.

4 O conceito de clínica ampliada se dá pela função de escuta, pelo conjunto de


interesses de um grupo. É, portanto, uma prática menos prescritiva, mas que
leva em conta qualquer inovação tecnológica, qualificação e ciência, mas não
se reduz somente a isso. Assim sendo, disserte sobre a clínica ampliada.

5 A área da assistência social cada vez mais se fortalece à medida em que


ganha apoio da psicologia, trabalhando juntas nos equipamentos – CRAS,
CREAS, CentroPOP, abrigo, Família Acolhedora – do SUAS. Neste contexto,
disserte sobre o que são esses equipamentos.

131
132
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE


TERAPÊUTICO NO SUS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos sobre como se dá a inserção de
profissionais da saúde no SUS, como psicólogos e acompanhantes terapêuticos; os
desafios atuais que enfrentam em meio a tantas demandas e, ainda, analisaremos
as novas perspectivas da luta antimanicomial e também os seus desafios.

Com a garantia de um espaço institucionalizado de trabalho, o profissional
de psicologia vinha atuando nas áreas de recrutamento pessoal, diagnóstico
psicológico com a aplicação de testes, na educação, entre outras. No entanto, com a
consolidação da profissão de forma independente, esses profissionais vêm atuando
também na área clínica, a qual antes era exclusiva de médicos e psiquiatras. Temos
como exemplo os estudos de caso, a psicoterapia e a análise. É importante dizer que
essa luta foi complicada, pois ambos queriam mostrar a sua competência exclusiva.

Ao se consolidar não só a profissão, mas também a ideia de que a


atividade do psicólogo e outros profissionais como o acompanhante terapêutico
era essencial para a sociedade, vários fatores foram essenciais para a sua inserção
em instituições públicas de saúde, dentre eles, as políticas públicas de saúde e
a movimentação, por parte dos profissionais, em busca de reconhecimento da
categoria, que, por vezes, foi um grande desafio.

2 INSERÇÃO DO PSICOLÓGO NO SUS


No século XX, existiu uma proposta para integrar a psicologia à medicina,
visto que o trabalho na saúde era exclusivo aos médicos. No entanto, a inserção
do psicólogo nos serviços públicos chegaria somente na década de 1970, com a
finalidade voltada, basicamente, para questões sociais, porém, com objetivos que
envolviam a economia, questão que, naquele momento, sofria grandes problemas
e impasses.

Assim, sendo inserida a psicologia ao eixo público, possibilitaria a


apresentação de um modelo alternativo ao tradicional hospital psiquiátrico,
através de grupos multiprofissionais. Além disso, traria também uma queda no
atendimento privado e ainda contribuiria para as práticas alternativas sociais, nas
quais o momento era tido como crítico, conforme Carvalho e Yamamoto (2002).

133
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

Espera-se a constituição de indivíduos a um só tempo conformados,


adaptáveis e inovadores, indivíduos teoricamente autônomos, mas,
na verdade, heterônomos. As políticas de administração estratégica
prometem, hoje em dia, respeitar o sujeito humano, dando-lhe
espaço para a manifestação de sua criatividade, para a inovação, mas
servem para aliená-lo ainda mais, pois não se trata de certificar-se da
consciência profissional do trabalhador, mas de provocar sua adesão
passional (FERNANDES, 1999, p. 44).

Outro ponto relevante e importante para ser citado é a atuação do


psicólogo no setor público no contexto de 1982, na cidade de São Paulo, onde
houve uma compreensão da secretaria de saúde acerca da desinstitucionalização
e extensão dos serviços de saúde mental da rede básica. Os valores e os princípios
se embasavam no cuidado com a saúde mental do paciente, envolvendo a sua
subjetividade e o contexto em que estava inserido, onde o papel dos grupos
multiprofissionais e o trabalho em equipe era primordial, entrando assim, o
psicólogo como ponto chave para esse desenvolvimento social.

Segundo Dimenstein (1998, p. 7), “a psicologia tem sua formação pautada


em três modelos de atuação, tais como: clínico, escolar e organizacional”. Cada uma
delas exige atuação conforme as necessidades específicas e próprias, inerentes à
sua configuração. Ainda como aponta o mesmo autor, pode-se entender e analisar
que os cursos de psicologia limitam o preparo para a atuação social, a fase de
práticas e estágio dentro do curso e ainda, a atuação, sendo voltada praticamente
para a atuação liberal. Existindo então o conflito onde profissionais voltados
e treinados com mecanismos técnicos e teóricos para atendimentos clínicos se
pegam diante de um desafio de promover e de atuar em prol de uma sociedade
em órgãos e instituições públicas.

Com base nisso, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação lançaram


o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-
Saúde), tendo como objetivo diminuir esse distanciamento entre o profissional
e a sua atuação na sociedade. Reorientando com o objetivo de promover uma
prestação de serviço básica em melhores condições para a população, com mais
conhecimento e preparo.

FIGURA 15 – CARTÃO DE USUÁRIO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

FONTE: <https://bit.ly/3AshQkq> Acesso em: 19 jul. 2021.

134
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

Novos espaços são criados decorrentes de mudanças oriundas de novas


configurações no setor saúde do Brasil, como os NASF e os programas de
residência multiprofissional em saúde, possibilitando, assim, maior participação
de psicólogos no SUS. No entanto, nesse processo, o profissional se vê diante de
um despreparo para desenvolver o trabalho em sintonia com essas mudanças.
Essa realidade brasileira ainda se faz presente e se apresenta como desafio para
o avanço das práticas. Entretanto, com o interesse na ampliação de espaços
para a inserção de psicólogos na ESF do SUS, o próprio Conselho Federal de
Psicologia realizou o seminário nacional intitulado “O Núcleo de Apoio à Saúde
da Família e a Prática da Psicologia” no ano de 2008 (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2009).

E
IMPORTANT

Desinstitucionalização: “Trata-se de uma nova maneira de entender a saúde


e a doença, que afunda suas raízes nos movimentos dos direitos civis dos anos 1960-
70, que se apoia num rico passado científico, filosófico e que encontrou uma significativa
referência em algumas específicas experiências internacionais. Estas experiências abalam
radicalmente a ideia de cronicidade e irrecuperabilidade do paciente psiquiátrico, impõem
com força a exigência de mudar a relação entre curador e curado” (PINI, 1994, p. 135).

FIGURA 16 – EQUIPE BUSCA ATENDER DE FORMA EFICAZ PACIENTE

FONTE: <https://bit.ly/3FDQNXp>. Acesso em: 19 jul. 2021.

2.1 INSERÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS


Em nota apresentada por Palombini (2006, p. 125):
O Programa de Acompanhamento Terapêutico na Rede Pública,
vinculado ao Instituto de Psicologia da UFRGS, teve origem em
1996, junto ao CAPS CAIS Mental Centro, da Secretaria Municipal
da Saúde de Porto Alegre, consolidando-se como projeto continuado
de extensão universitária a partir de 1998, sob minha coordenação,

135
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

articulado à experiência de estágio curricular e à atividade de pesquisa,


em parceria com serviços da rede municipal e estadual de saúde. Esse
projeto resultou na publicação, em 2004, do livro Acompanhamento
terapêutico na rede pública: a clínica em movimento e na criação de uma
disciplina opcional de Introdução ao acompanhamento terapêutico
no currículo da graduação em Psicologia, seguindo atualmente em
funcionamento, com a participação dos professores Edson Luiz
André de Sousa e Karol Veiga Cabral. O Projeto de Acompanhamento
Terapêutico, ligado ao Departamento de Psicologia da UFF, esteve em
funcionamento nos anos de 2003, sob a coordenação do prof. Eduardo
Passos, e em 2005, com a coordenação da profª Regina Benevides,
reunindo estagiários de psicologia e extensionistas na prática do
acompanhamento terapêutico em serviços de saúde mental da rede
pública. Em 2005, mediante convênio, o projeto contou com o apoio da
Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde e constituiu-se
também como espaço de consolidação de pesquisas em nível de pós-
graduação, em especial o projeto de mestrado em andamento de Laura
Gonçalves, sobre o tema do acompanhamento terapêutico.

O acompanhamento terapêutico teve e ainda tem em seu percurso alguns


desafios e dificuldades, um deles se diz sobre recursos humanos. Por exemplo,
“como o CAPS poderia dedicar 1, 2, 3, horas semanais de um de seus profissionais
para acompanhar de maneira próxima somente um usuário? Como empreender,
com recursos humanos limitados, a proposta do Acompanhamento Terapêutico
e, com isso, ampliar as possibilidades de cuidado comunitário aos usuários dos
serviços de saúde mental?”. Para responder essas perguntas e sanar dúvidas
quanto sua inserção, podemos entender que sua implementação em um primeiro
momento era mais voltada para famílias com recursos financeiros mais altos, que
de certa forma poderiam se organizar para contratar profissionais e pagar pelos
seus serviços (FERRO et al., 2018, p. 68).

A partir disso, como se daria tal prática no SUS?

Para Ferro et al. (2018), “cabe-nos, como pesquisadores e docentes de


uma Universidade Pública pensar de maneira estratégica algumas formas de
operacionalizar o Acompanhamento Terapêutico no âmbito do SUS, bem como
a aproximação entre ensino- serviço, considerando as Diretrizes Curriculares
Nacionais que apregoam a formação de profissionais para o SUS”. Dessa forma,
podemos pensar que a maioria dos programas de Acompanhamento Terapêutico
no SUS estão então vinculados a Universidades, onde estágios são obrigatórios
ou projetos de extensão, como forma de oferecer um serviço gratuito a população
(FERRO et al., 2018).

A prática do Acompanhamento Terapêutico tanto na área privada como


na pública, que seria pelo SUS, é capaz de dialogar com o atual cenário social
na busca de pelo menos diminuir algumas limitações e conseguir proporcionar
acesso a todos. No entanto, dentro de um contexto capitalista, podemos ver que as
diferenciações e limites são impostos justamente pela sociedade, onde preconiza
a desigualdade social. Para que se enfrente essas dificuldades e tenha sucesso nas
soluções previstas, é recomendado construir uma estratégia de contratação de
mão-de-obra mais especializada.
136
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

Ainda de acordo com o mesmo autor, o Acompanhamento Terapêutico


não aparece como uma prática concorrente, mas como complemento e mais
qualidade no tratamento e acompanhamento de pacientes e familiares, indo de
encontro com o objetivo principal, que é humanizar cada vez mais as práticas
do campo da Saúde Mental. Embora o Acompanhamento Terapêutico seja de
extrema importância e necessidade para a área da Saúde Mental, sua inserção
ainda se encontra muito voltada ao contexto econômico, político e social, indo na
contramão do SUS (FERRO et al., 2018, p. 73).

2.2 DESAFIOS ATUAIS DO SUS


Nos anos 1980, surgiram várias mudanças no sistema de saúde
pública, já que os atendimentos eram classificados como de baixa qualidade e,
consequentemente, os recursos usados estavam sendo desperdiçados. Viu-se
então, a necessidade de um novo modelo de prestação de serviço, foi quando se
criou PREVSAÚDE pelo Ministério da Saúde e pela Previdência Social (MSPAS)
no ano de 1979 (DIMENSTEIN, 1998).

O PREVSAÚDE se pautava na função de hierarquizar os serviços, padronizar


os procedimentos e quaisquer integrações e assistências, inclusive na área privada.
Apesar de ser bem aceita por progressistas, viu-se despencar e não “sair do papel”
pelo setor privado. Já em 1981, foi criado o Conselho Consultivo da Administração
de Saúde Previdenciária (CONASP), que tinha como objetivo oferecer condutas
mais adequadas em questão de saúde, de recursos e ainda, avaliar de forma
precisa todo o sistema. Portanto, diante dos objetivos propostos pelo CONASP,
os atendimentos teriam mais qualidade, seriam mais humanizados e com maior
acesso. Consequentemente, seria um modo de controlar e evitar possíveis fraudes.

Em 1982, foi criado o “Programa de Reorientação Psiquiátrica Previdenciária”,


aquele com o objetivo da reforma total do processo de assistência psiquiátrica
no País, visando a melhorias nas internações e nos benefícios dos pacientes
internados.

Nesse contexto, contando com multiprofissionais, a psicologia clínica se


fazia presente e necessária. No ano seguinte, as práticas do CONASP passaram a
nortear a prática da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), que é o órgão
do Ministério da Saúde responsável pela formulação das políticas de saúde do
subsetor saúde mental (DIMENSTEIN, 1998).

Com a fala de Carvalho (1988) quanto à profissão de psicólogo, ele menciona


que está longe de ser uma atuação abrangente, pelo fato de limitarem o seu poder de
utilidade frente à sociedade. Com isso, vemos que bem recentemente a psicologia
ainda era vista como algo sem utilidade e sem critérios para ser reconhecida
(CARVALHO, 1988).

137
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

Conforme Bertolli Filho (2000), devido à demanda de exclusão social,


racismo e pré-conceitos pelos quais grande parte da população sofria por conta
da ditadura, muitos profissionais se juntaram à comunidade, atuando unidos e
com o objetivo de beneficiar os que menos eram assistidos. No entanto, mais uma
vez, se viu diante de desafios, agora com a falta de recursos, de remuneração,
já que a comunidade não tinha condições financeiras para tal. Com isso, esses
profissionais buscaram ajuda e visibilidade através das universidades, onde
puderam desenvolver trabalhos comunitários e voluntários.
Embasados numa ética norteadora, encontrem meios de atuar
como sujeitos da comunidade não necessariamente confrontando
os interesses partidários, mas despertando na comunidade a
conscientização e o interesse em participar do processo de construção
de políticas públicas na área social, garantindo assim a formação de
sujeitos mais conscientes e críticos de sua importância para a sociedade,
papel este, sobretudo, do psicólogo (NOBREGA, 2009, p. 6).

Fica claro que os profissionais da saúde se deparam com muitos desafios


durante a atuação, o que acaba legitimando este lugar de não saber, de inutilidade
e de falta de originalidade, muitas vezes, pelo próprio profissional. Por isso, a
importância em compreender a realidade que os cercam e não ficar esperando
por ela, para que assim possam validar a profissão e a sua atuação na assistência
à população. Conforme o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP), “toda
e qualquer profissão se define a partir de um corpo de práticas, que busca atender
demandas sociais, norteado por elevados padrões técnicos e pela existência de
normas éticas que garantam a adequada relação de cada profissional com seus
pares e com a sociedade como um todo” (RAMMINGER, 2001, p. 4).

É fácil reconhecer que muitas questões relacionadas à saúde pública são de


alta complexidade. Na maioria das vezes, é necessário e cobrado do profissional,
embasamento para a sua atuação, bem como para a intervenção e possíveis
diagnósticos, seja para pacientes individuais ou grupos. Isso contribuiria de fato
para o trabalho das equipes de saúde pública. Por esse motivo, é importante
analisar o lugar do profissional e qual é o melhor momento para inseri-lo.

FIGURA 17 – ATUAÇÃO DE PSICÓLOGO EXIGE EMBASAMENTO

FONTE: <https://bit.ly/3FtXSJF>. Acesso em: 19 jul. 2021.

138
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

2.3 NOVAS PERSPECTIVAS DA LUTA ANTIMANICOMIAL E


SEUS DESAFIOS
De acordo com Passos (2017), sobre a luta antimanicomial é necessário
destacar que é diferente de reforma psiquiátrica, uma vez que, no processo de
construção da experiência brasileira, conseguimos identificar que há forças
conservadoras da psiquiatria tradicional que ainda abraçam a reorganização dos
serviços em saúde mental. Há ainda, aqueles que defendem a humanização e a
reorganização do hospício.

Ainda de acordo com o mesmo autor, para a psiquiatria tradicional, a


reforma psiquiátrica é simplesmente a reorganização assistencial. Ou seja, uma
modificação-modernização dos manicômios. Por vez, mudanças quanto aos
direitos humanos devidos às suas péssimas condições. Há ainda há aqueles que
defendem a humanização do manicômio, considerando o sofrimento como doença
mental, de modo que as pessoas em sofrimento psíquico devem permanecer
internadas em hospitais psiquiátricos (PASSOS, 2017).

FIGURA 18 – LUTA ANTIMANICOMIAL DIVIDE OPINIÕES

FONTE: <https://bit.ly/2YFgnu6>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Já a luta antimanicomial está intimamente voltada para a direção ético-


política, denominada pelo lema “Por uma sociedade sem manicômios”, realizada
no II Encontro de Bauru, em 1987. É exatamente esse lema que sustenta o movimento
e as ações da luta antimanicomial. Essa direção proporciona um sentimento de vida
diante do que ficou expresso na Carta de Bauru (1987), a seguir:
Nossa atitude marca uma ruptura. Ao recusarmos o papel de agente
da exclusão e da violência institucionalizadas, que desrespeitam
os mínimos direitos da pessoa humana, inauguramos um novo
compromisso. Temos claro que não basta racionalizar e modernizar
os serviços nos quais trabalhamos. O Estado que gerencia tais serviços
é o mesmo que impõe e sustenta os mecanismos de exploração
e de produção social da loucura e da violência. O compromisso
estabelecido pela luta antimanicomial impõe uma aliança com o
movimento popular e a classe trabalhadora organizada. O manicômio

139
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos


de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas
instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra
negros, homossexuais, índios, mulheres (CONGRESSO NACIONAL
DE TRABALHADORES EM SAÚDE MENTAL, 1987).

FIGURA 19 – RUÍNAS DE HOSPITAL PSQUIÁTRICO NA ITÁLIA FECHADO EM 1978

FONTE: <https://bit.ly/3iIJV13>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Vale ressaltar que muitos militantes antimanicomiais escolheram caminhos


que iam de encontro à institucionalização das representações, sendo na gestão da
política de saúde mental nas diversas instâncias (federal, estadual e municipal);
nos conselhos de saúde e nas comissões de saúde mental; nas universidades e
nos institutos de formação. Dessa forma, vemos que poucos foram aqueles que
permaneceram na organização do movimento, em sua base mesmo. De fato,
essa questão levou ao esvaziamento das organizações e, consequentemente, do
movimento em sua origem.

Amarante (1995, p. 94) aponta:


É preciso mudar a Política Nacional de Saúde Mental para que uma
pessoa seja bem atendida, seja ouvida e cuidada. Talvez esta seja
uma revolta fundamental ocorrida após a I CNSM5. A estratégia de
transformar o sistema de saúde mental encontra uma nova tática: é
preciso desinstitucionalizar/desconstruir/construir no cotidiano das
instituições uma nova forma de lidar com a loucura e o sofrimento
psíquico, é preciso inventar novas formas de lidar com estas questões,
sabendo ser possível transcender os modelos preestabelecidos pela
instituição médica, movendo-se em direção às pessoas, às comunidades.

Devido ao esvaziamento da base do movimento antimanicomial, foi


enfraquecendo e não mais aprofundando sobre o lema, mas, ainda assim, ocorreu
o chamado “reajuste” em sua direção, devido à institucionalização da militância
e da conjuntura neoliberal. Cabe então sinalizar que novas configurações seriam
intituladas e influenciariam fortemente na recomposição do movimento de luta
antimanicomial no cenário brasileiro.
140
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

E
IMPORTANT

Manifesto de Bauru: “constitui-se como uma espécie de documento de


fundação do movimento antimanicomial que marca a afirmação do laço social entre os
profissionais com a sociedade para o enfrentamento da questão da loucura e suas formas
de tratamento” (SILVA, 2003, p. 403).

Diante da direção ético-política da Luta Antimanicomial, vemos que


existe um grande potencial para seguir em frente. Para Vasconcelos (2016, p. 65),
“os movimentos de reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, de um lado,
o movimento de Reconceituação, intenção de ruptura e de construção do projeto
ético-político brasileiro, de outro, foram desenvolvidos desde os anos 1980,
apresentando múltiplos pontos em comum em relação aos seus valores”. Com
base nos pontos em comum, são apresentadas a liberdade, a emancipação e os
direitos humanos.

Liberdade: é centrada na construção de possibilidades de escolhas das


pessoas em sofrimento psíquico, ao contrário da psiquiatria tradicional, que
excluía as pessoas e enfatizava a incapacidade de realizar escolhas concretas e
reais dessas pessoas (PASSOS, 2017).

Emancipação: pode ser observada na participação ativa e inclusiva dos


usuários e familiares em espaços de representação política, como conselhos de
saúde, congressos, conferências, políticas públicas, entre outros (PASSOS, 2017).

Direitos Humanos: não é no capitalismo que esses direitos serão


efetivados de fato, mas no horizonte de uma sociedade igualitária e libertária
(PASSOS, 2017).

FIGURA 20 – MULHER CLAMA POR SOCIEDADE IGUALITÁRIA E LIBERTÁRIA

FONTE: <https://bit.ly/3mxyCtG>. Acesso em: 19 jul. 2021.

141
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

DICAS

O documentário Saúde Mental e Dignidade Humana foi lançado em 2014,


trazendo uma perspectiva histórica sobre a loucura e o atendimento à saúde mental, assim
como a implementação da reforma psiquiátrica no Brasil, a luta antimanicomial e os seus
impactos na sociedade atual.

142
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

LEITURA COMPLEMENTAR

ENTREVISTA SOBRE ‘SAÚDE MENTAL’, PUBLICADA NO PORTAL DA


ENFERMAGEM- COFEN

Dorisdaia Carvalho de Humerez

No momento em que o Brasil comemora dez anos de Reforma Psiquiátrica,


o Portal da Enfermagem apresenta o universo da saúde mental e a atuação da
enfermagem na visão da professora Dorisdaia Carvalho de Humerez, especialista
em assistência psiquiátrica, cuja luta sempre foi no sentido de mudar a realidade
da saúde mental no Brasil.

Embora seja um processo denso e de longo prazo, a política de saúde mental


brasileira está em desenvolvimento, e a principal sustentação da reforma psiquiátrica
é o movimento de luta antimanicomial. Todavia, embora haja avanços inegáveis
aos direitos dos usuários da saúde mental no País, inclusive com a transformação
no tratamento e na assistência, a reforma psiquiátrica enfrenta muitos desafios, que
vão além de questões políticas, para a sua consolidação efetiva.

Para Dorisdaia, a reforma psiquiátrica é projeto de horizonte democrático


e participativo e exige mudança no trabalho dos profissionais da saúde. “Temos
que produzir novas práticas para a construção de uma sociedade mais tolerante
para com a diversidade”.

A entrevista pretende clarear o olhar da enfermagem sobre a saúde mental,


apresentando a atual visão da assistência, que trata a internação hospitalar como
exceção e não como regra, apresentando o modelo humanizado por meio dos
Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que hoje já somam mais de 1.600 em
todos os Estados, além do Programa Saúde da Família, das Casas de Acolhimento
Transitório (CATs), dos Consultórios de Rua e das Comunidades Terapêuticas,
cuja atuação da enfermagem é efetiva em todos esses serviços.

O que a levou seguir a carreira na área psiquiátrica?

Conclui a graduação na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-


USP) e iniciei a carreira profissional como docente em Enfermagem do Adulto
na mesma instituição. Lá também ingressei no primeiro curso de pós-graduação
stricto sensu na área de Enfermagem Psiquiátrica. Por motivos pessoais, mudei-
me para São Paulo e ingressei na pós-graduação USP. Prestei concurso público
na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para docência em Enfermagem
Psiquiátrica e lá fui docente por 23 anos, vivenciando cotidianamente a assistência
psiquiátrica e lutando pela mudança de paradigmas na área. Conclui mestrado
em 1989, e já naquela época minha dissertação foi intitulada: “Enfermagem e
loucura: Visão do ser louco no cotidiano da instituição manicomial e os reflexos
na prática de Enfermagem”. Minha carreira sempre foi voltada para esta área,

143
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

tanto que ajudei a elaborar o curso de pós-graduação lato sensu em Enfermagem


em Saúde Mental e Psiquiátrica da Unifesp, por onde já foram formados mais de
250 enfermeiros. Em 1996, ao concluir o Doutorado pela USP, elaborei minha tese
centrada no tema “Em busca de lugares perdidos: Assistência ao doente mental
revelada através de histórias de vida”. Fui supervisora de um número expressivo
de enfermeiros que atuam na assistência pós-reforma psiquiátrica. Atualmente,
tenho participado de grupos de pesquisas, bancas de mestrado e conferências no
estado do Amazonas, pois lá a rede alternativa de saúde mental, pós-reforma, tem
tido passos muito lentos. Minha atividade visa buscar estratégias para melhorar
a assistência das pessoas com transtorno mental. Hoje, estou como representante
do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) participando com a Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão da elaboração de uma cartilha de direitos às
pessoas com transtorno mental.

A senhora poderia nos contar um pouco sobre o percurso da reforma psiquiátrica


no Brasil?

A reforma psiquiátrica brasileira tem uma história própria, inscrita num


contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar. O ano de
78 é identificado como o início efetivo do movimento social pelos direitos dos
pacientes psiquiátricos no País. Foi o Movimento dos Trabalhadores de Saúde
Mental, formado por trabalhadores de Saúde Mental, associações de familiares,
sindicalistas, associações de profissionais e foi movimento social que passou a
denunciar a violência dos manicômios, mercantilização da loucura e hegemonia
da rede privada de assistência.

Começam a surgir às primeiras propostas para a reorientação da


assistência e, em 1987, foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental,
RJ e neste mesmo ano foi criado o 1º Centro de Assistência Psicossocial no
Brasil em SP, como iniciativa de Luis Cerqueira. Em 1989, houve o Processo de
intervenção pela Secretaria Municipal de Santos (SP) na Casa de Saúde Anchieta.
A experiência do município de Santos, que desenvolveu a construção de uma rede
de serviços substitutivos ao manicômio, por suas características inovadoras, é
reconhecidamente o marco no processo de reforma psiquiátrica brasileira, pois se
trata da primeira demonstração concreta de que a reforma era possível e exequível.

No campo legislativo, em 1989 é apresentado o Projeto de Lei do


Deputado Federal Paulo Delgado que dispunha sobre a extinção progressiva dos
manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamenta a
internação psiquiátrica compulsória. Em 1992, os movimentos sociais, inspirados
pelo Projeto Lei Paulo Delgado, conseguem aprovar em vários Estados brasileiros
as 1ª leis e já se inicia a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por rede
integrada de atenção à saúde mental.

A partir destes movimentos o Ministério da Saúde acompanha as


diretrizes de construção da reforma psiquiátrica. O compromisso firmado pelo
Brasil na Declaração de Caracas e II Conferência Nacional de Saúde Mental

144
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

passam a entrar em vigor e as 1ª normas federais regulamentando a implantação


de serviços alternativos, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e as 1ª
normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.

Após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei n. 10.216 foi


finalmente sancionada pelo presidente da República em 6 de abril de 2001, lei esta
que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais. A lei em questão proíbe, em todo o Brasil, a construção de novos hospitais
psiquiátricos e a contratação pelo serviço público de leitos e unidades particulares
deste tipo; estabelece que os tratamentos devam ser realizados, preferencialmente,
em serviços comunitários de saúde mental e, como finalidade primordial, procura
a reinserção social do doente mental em seu meio. A internação só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. No contexto da
promulgação da lei e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental,
no mesmo ano, a política de saúde mental, alinha-se com as diretrizes da reforma
psiquiátrica. a reforma passa a consolidar-se e vai tendo sustentação e visibilidade.

Quais são os seus avanços?

Considero um grande avanço, o declínio contínuo do número de leitos


em hospitais psiquiátricos e simultaneamente à diminuição do número de leitos
hospitalares, que tem ocorrido paralelo à ampliação dos CAPs e de outros serviços
alternativos de assistência. Temos o programa De Volta Para Casa, que constitui
um conjunto de medidas integradas de atendimento, tratamento e amparo aos
pacientes com transtorno mental que são ações determinadas pelo Ministério da
Saúde. O programa consiste em um auxílio financeiro para pacientes que receberam
alta hospitalar, após histórico de longa permanência em internação psiquiátrica.
Este programa prepara a pessoa para o seu retorno à vida social e lhe garante o
resgate à cidadania, visto que possibilita, inclusive, que ele seja um consumidor.

Ainda a rede de atenção integrada em saúde mental conta com assistência


das equipes de estratégia de saúde da família, das casas de acolhimento transitório,
de consultórios de rua, entre outros, o que pouco a pouco vai fazendo com que
um maior número de pessoas com transtorno mental não seja penalizada e fique
preso, por longos períodos.

E os principais desafios?

Algumas considerações devem ser feitas a respeito de dois desafios cruciais


da reforma, que são também os desafios do SUS. Sem a potencialização da rede
básica ou atenção primária de saúde, para a abordagem das situações de saúde
mental, não é possível desenhar respostas efetivas para o desafio da acessibilidade.

Estima-se que 3% da população necessita de cuidados contínuos em


saúde mental, em função de transtornos severos e persistentes (psicoses, neuroses
graves, transtornos de humor graves, deficiência mental com grave dificuldade
de adaptação). A magnitude do problema (no Brasil, cerca de 5 milhões de

145
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

pessoas) exige uma rede de cuidados densa, diversificada e efetiva. Ainda temos
transtornos graves associados ao consumo de álcool e de outras drogas (exceto
tabaco) que atingem 12% da população acima de 12 anos, sendo o impacto do
álcool dez vezes maior do que o do conjunto das drogas ilícitas.

A qualidade do atendimento deve ser garantida em todas as regiões do País,


mesmo as mais carentes e distantes dos centros universitários, e pode ser assegurada
através de um forte programa de capacitação, supervisão e formação de multiplicadores.
O distanciamento entre as instituições de formação e pesquisa e a saúde pública, no
Brasil, agrava as carências de formação e qualificação de profissionais.

Outro grande desafio para o processo de consolidação da reforma


psiquiátrica brasileira é a formação de recursos humanos, pois devem ser capazes
de superar o paradigma da tutela do louco e da loucura. O processo da reforma
psiquiátrica exige cada vez mais, formação técnica e teórica dos trabalhadores,
muitas vezes, desmotivados por baixas remunerações ou contratos precários
de trabalho. Ainda, várias localidades do País têm muitas dificuldades para o
recrutamento de determinadas categorias profissionais, geralmente, formadas e
residentes nos grandes centros urbanos.

No entanto, o principal desafio da reforma psiquiátrica é a inclusão social e


a promoção da cidadania das pessoas com transtornos mentais. A potencialização
do trabalho como instrumento de inclusão social dos usuários dos serviços. Já
existe a criação de cooperativas e associações que garantam a geração de renda
aos usuários e estas experiências, com bons resultados, ainda, são de frágil
sustentação institucional e financeira, visto a realidade de um mercado capitalista
e uma sociedade excludente. Mas vem substituindo aos poucos o componente da
antiga reabilitação pelo trabalho, dado no marco asilar.

Com a implantação da Lei nº 10216/01, quais foram as mudanças nas ações dos
profissionais que atuam na área de saúde mental?

Naturalmente, os profissionais que atuavam nos hospitais asilares,


posteriormente à Lei nº. 1021/2001, passaram a atuar nos vários dispositivos
alternativos de assistência. Obrigatoriamente, tinham que livrar-se da ideia de
ações de tutela e de exclusão, ou não se adaptariam ao processo. Hoje temos um
considerável número de estudos, dissertações, teses, rede de saúde mental on-
line que mostra que os trabalhadores da saúde mental buscam incessantemente
em suas ações cotidianas, não apenas como profissionais, mas como cidadãos
em busca do resgate da cidadania das pessoas que foram diagnosticadas como
portadoras de transtorno mental.

146
TÓPICO 3 — INSERÇÃO DO PSICÓLOGO E ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NO SUS

Com o processo da reforma psiquiátrica e as políticas de desinstitucionalização


houve aumento da demanda nos serviços de emergência de hospitais gerais.
Isso é fato? Como driblar esta problemática?

Esta é uma parte da história da reforma psiquiátrica no Brasil, pois prevê


que a pessoa com transtorno mental seja atendida como qualquer outro cidadão
e, portanto, os serviços de emergência passaram a recebê-las. Uma rede pública
de saúde na qual a pessoa em sofrimento psíquico possa ser atendida em um
espaço comum e/ou integrado ao atendimento clínico geral se faz cada vez mais
necessária, pois a pessoa com transtorno mental deve ser vista como um usuário
do sistema geral de atenção à saúde e, assim corpo e mente não podem ser tratados
em espaços separados, contribuindo para a estigmatização da doença mental e a
reafirmação dessa falsa dicotomia. Está previsto que o atendimento às urgências
psiquiátricas e o atravessamento da crise, em suas várias facetas, deve acontecer
sem o afastamento da família.

E como podemos definir emergência psiquiátrica?

Qualquer situação de natureza psiquiátrica em que existe um risco


significativo, de vida ou injúria grave, seja para a pessoa ou para outros.
As emergências psiquiátricas ocorrem quando existe uma perturbação do
funcionamento do sistema nervoso central ou mesmo na iminência desta, por
exemplo, na intoxicação por drogas, no surto esquizofrênico, na encefalite;
quando o paciente sofre uma experiência vital traumática, por exemplo,
morte de um parente, violência sexual, assaltos; ou como consequência de
uma agressão física que gera um distúrbio psíquico (traumatismos cranianos,
distúrbios endocrinológicos, distúrbios hidroeletrolíticos). Qualquer pessoa
pode apresentar, ao longo da vida, uma condição mental que caracterize uma
emergência psiquiátrica digna de tratamento imediato. Nos hospitais, algumas
condições parecem ser mais comuns para atendimento, como risco e tentativas de
suicídio; intoxicação e abstinência por álcool e drogas; doenças físicas e alterações
psíquicas, como ansiedade, transtorno somatoforme, transtorno dissociativo,
entre outros. No entanto, é sabido que o principal diagnóstico realizado no
serviço de emergência psiquiátrica é o alcoolismo.

Esta reforma teve início em razão da luta antimanicomial. Manicômios


continuam sendo uma realidade brasileira em algum ponto do País?

Ainda existem, mas em desativação, pois o Ministério da Saúde estabelece


diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassifica os
hospitais psiquiátricos, define e estrutura, a porta de entrada para as internações
psiquiátricas na rede do SUS, bem como redefine a forma de subsídio para os
serviços hospitalares e extra-hospitalares, desestimulando os hospitalares.

147
UNIDADE 3 — DESAFIOS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA E PROGRAMAS ALTERNATIVOS

Como eles sobrevivem? O SUS os mantém mesmo com a reforma?

Sobrevivem, mas com dificuldades crescentes, pois, nos últimos anos, o


processo de desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de internação
psiquiátrica avançou significativamente, sobretudo através da instituição pelo
Ministério da Saúde de mecanismos seguros para a redução de leitos no País e a
expansão de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. O Programa Anual de
Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH) e a expansão
de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e as residências
terapêuticas vêm permitindo a redução de milhares de leitos psiquiátricos
no País e o fechamento de vários hospitais psiquiátricos. Embora em ritmos
diferenciados, a redução do número de leitos psiquiátricos vem se efetivando
em todos os Estados. Entre os instrumentos de gestão que permitem as reduções
e fechamentos de leitos de hospitais psiquiátricos de forma gradual, pactuada
e planejada, está o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/
Psiquiatria. Essencialmente, um instrumento de avaliação, o PNASH/Psiquiatria
permite aos gestores um diagnóstico da qualidade da assistência dos hospitais
psiquiátricos conveniados e públicos existentes em sua rede de saúde, ao mesmo
tempo em que indica aos prestadores critérios para uma assistência psiquiátrica
hospitalar compatível com as normas do SUS, e descredencia aqueles hospitais
sem qualquer qualidade na assistência prestada à sua população adstrita. Linhas
específicas de financiamento são criadas pelo Ministério da Saúde para os serviços
abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos são criados
para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos no País.
A partir deste ponto, a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma
importante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar,
onde a assistência comunitária em saúde mental era praticamente inexistente.
“O sofrimento não pode ser negado, mas deve ser acolhido, compreendido, não
necessariamente explicado, mas compartilhado”.

FONTE: PORTAL DA ENFERMAGEM. Entrevistas – saúde mental. 2011. Disponível em: https://
www.portaldaenfermagem.com.br/entrevistas_read.asp?id=71. Acesso em: 26 jul. 2021.

148
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Ao se consolidar não só a profissão, mas também a ideia de que a atividade


do psicólogo e do acompanhante terapêutico era essencial para a sociedade,
vários fatores foram essenciais para a sua inserção em instituições públicas de
saúde, dentre eles, as políticas públicas de saúde e a movimentação por parte
dos profissionais em busca de reconhecimento da categoria, que, por vez, foi
um grande desafio.

• Novos espaços são criados decorrentes de mudanças oriundas de novas


configurações no setor de saúde do Brasil, como os NASF e os programas de
residência multiprofissional em saúde, possibilitando, assim, maior participação
de psicólogos no SUS. No entanto, nesse processo, o profissional se vê diante de
um despreparo para desenvolver o trabalho em sintonia com essas mudanças.

• Os profissionais de psicologia se deparam com muitos desafios durante a


atuação, o que acabou legitimando este lugar de não saber, de inutilidade
e de falta de originalidade, muitas vezes, pelo próprio profissional. Por
isso, a importância de compreender a realidade que os cercam e não ficar
esperando por ela, para que assim possam validar a profissão e a sua atuação
na assistência à população.

• Sobre a luta antimanicomial, é necessário destacar que é diferente de reforma


psiquiátrica, uma vez que no processo de construção da experiência brasileira
podemos identificamos que há forças conservadoras da psiquiatria tradicional
que ainda abraçam a reorganização dos serviços em saúde mental. Há, ainda,
aqueles que defendem a humanização e reorganização do hospício.

CHAMADA

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149
AUTOATIVIDADE

1 Ao se consolidar não só a profissão, mas também a ideia de que a atividade


do psicólogo era essencial para a sociedade, vários fatores foram essenciais
para a sua inserção em instituições públicas de saúde. Quais foram esses
fatores essenciais?

a) ( ) As políticas públicas de saúde e a movimentação por parte dos


profissionais em busca de reconhecimento da categoria.
b) ( ) Empréstimos e negociação de serviços.
c) ( ) Mais pessoas para trabalhar nos programas de acolhimento e cuidado.
d) ( ) Expansão de hospitais psiquiátricos.

2 Consideramos que, sendo inserida a psicologia ao eixo público, ela


possibilitaria a apresentação de um modelo alternativo ao tradicional hospital
psiquiátrico, através de grupos multiprofissionais. Com base nesses grupos
multiprofissionais, analise as sentenças a seguir:

I- Os grupos multiprofissionais são compostos somente por psicólogos.


II- Grupos multiprofissionais abrangem vários profissionais, cada um com a
sua especificidade.
III- Esses grupos trabalham de forma coletiva e complementar.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Novos espaços são criados decorrentes de mudanças oriundas de novas


configurações no setor de saúde no Brasil, como os NASF e os programas
de residência multiprofissional em saúde, possibilitando assim, maior
participação de psicólogos no SUS. No entanto, nesse processo, o
profissional se vê diante de um despreparo para desenvolver o trabalho em
sintonia com essas mudanças. Diante deste contexto, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os NASF são núcleos de apoio à saúde da família.


( ) Essas mudanças não visam operar de forma direta na participação de
psicólogos no SUS.
( ) Mesmo com maior participação de psicólogos no SUS, não significa que
desafios não são impostos.

150
Marque a opção que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Luta antimanicomial e reforma psiquiátrica são questões diferentes, uma


vez que no processo de construção da experiência brasileira, conseguimos
identificamos que há forças conservadoras da psiquiatria tradicional que
ainda abraçam a reorganização dos serviços em saúde mental. Há, ainda,
aqueles que defendem a humanização e a reorganização do hospício.
Disserte sobre a luta antimanicomial.

5 Nos anos 1980, surgiram várias mudanças no sistema de saúde pública,


já que os atendimentos eram classificados como de baixa qualidade e,
consequentemente, os recursos usados estavam sendo desperdiçados. Viu-se,
então, a necessidade de um novo modelo de prestação de serviço, e o Ministério
da Saúde e Previdência Social (MSPAS) criou o criou-se o PREVSAÚDE no
ano de 1979 (DIMENSTEIN, 1998). Disserte sobre o PREVSAÚDE.

151
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