Acompanhamento
Terapêutico
Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Prof. Karoline Gregol Pereira
a
P436t
ISBN 978-65-5663-927-7
ISBN Digital 978-65-5663-923-9
CDD 150
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
O presente Livro Didático tem como objetivo sistematizar os elementos
principais da disciplina de Teoria e Técnicas de Acompanhamento Terapêutico, que
proporcionará um contato com os principais tópicos, autores, obras, abordagens,
técnicas, além dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina
ofertada, mas também para os estudos autônomos posteriores.
GIO
Olá, eu sou a Gio!
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 71
UNIDADE 2 — CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE TÉCNICAS DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM ALGUNS CAMPOS DE ATUAÇÃO.......................75
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................163
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 242
UNIDADE 1 -
ASPECTOS GERAIS DO
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
Acesse o
QR Code abaixo:
2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
O INÍCIO DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste tópico, abordaremos aspectos relacionados à realização do
primeiro acompanhamento terapêutico que você realizará. Como tudo que é novo e
realizamos pela primeira vez, as suas expectativas a respeito da sua primeira prática
devem estar crescendo na medida em que você avança no curso e nos seus estudos.
Emocionante, não é?
3
Nesse sentido, Pulice (2012, p. 60) aponta que sempre há uma organização
ordenada nas coisas que escolhemos fazer, apoiando-se em uma implicação
subjetiva nossa.
4
Há que se levar em conta que a introdução dos acompanhantes em
um tratamento costuma coincidir com os momentos mais críticos
e graves que ele atravessa. Nesse contexto, é importante estar
preparado para a rejeição, por parte do doente, de nossa presença e
função. Em certas ocasiões o mesmo pode acontecer com a família,
que pode resistir a aceitar em sua vida cotidiana a instalação de algo
que percebe como uma intrusão. Isso pode acontecer em maior
medida quando se trata de uma internação domiciliar, visto que, além
do papel de intrusos, podemos estar representando – no imaginário
familiar – o papel de espiões que informam a equipe de tratamento
ou o terapeuta (PULICE, 2012, p. 97).
5
Pinto (2015) apresenta alguns questionamentos que o profissional deve realizar
a si mesmo diante da primeira entrevista para o possível início de uma psicoterapia.
Apesar de o processo psicoterapêutico e o acompanhamento terapêutico apresentarem
diferenças nas suas formas de atuação e condução, consideramos pertinentes esses
apontamentos, para que você possa refletir sobre a sua prática e atendimento como AT.
Uma das perguntas que costumo me fazer quando recebo alguém para
a primeira entrevista é se a pessoa toca meus sentimentos, provoca-
me, instiga-me, se me sinto esperançoso em um trabalho com ela.
Daí decorrem outras questões: essa comoção é suficientemente
confiável para um trabalho duradouro? Essa esperança tem mesmo
relação com o encontro ou é um a priori (grifo do autor) que introjetei?
Meu conhecimento terapêutico é bom o bastante para atender essa
pessoa? Algum preconceito meu pode atrapalhar esse trabalho?
Posso mesmo encarar essa aventura? (PINTO, 2015, p. 20-21).
6
2.1.1 Dimensão ética
Para compreendermos a dimensão ética pontuada por Müller-Granzotto e
Müller-Granzotto (2012), abordaremos primeiramente o conceito de ética propriamente
dito. Os autores apresentam em seu livro Psicose e Sofrimento que, além de questões
legais, como leis e costumes compartilhados em uma sociedade, ética, no seu sentido
mais antigo, significa dar lugar.
7
2.1.2 Dimensão política
A dimensão política dentro da perspectiva gestáltica está diretamente
relacionada com a atuação do acompanhante terapêutico. Nesse sentido, o profissional
atuará como acompanhante terapêutico na medida em que estabelece um diálogo (da
forma que for possível) entre o sujeito psicótico e a sociedade, com o objetivo final
de uma transformação no meio social, que “visa ampliar (ou reduzir) a contratualidade
social como um todo” (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 252),
incluindo o sujeito da psicose não no sentido do “estranho”, mas sim como um cidadão
que representa a diversidade do outro social, por vezes excluído (MÜLLER-GRANZOTTO;
MÜLLER-GRANZOTTO, 2012). Nesse sentido:
8
2.1.3 Dimensão antropológica
A dimensão antropológica implica como função o cuidado na relação entre a
cidadania e a psicose. Essa terceira dimensão surge para dar conta das identificações
espontâneas (a valores, ideologias, determinada forma de entretenimento) que ultrapassam
o componente clínico de escuta das formações psicóticas e o campo geopolítico
percorrido na companhia do AT. Engloba a forma como acontece o estabelecimento de
vínculos sentimentais do paciente com a família, a comunidade e os demais profissionais
que o atendem (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).
9
DICAS
Acadêmico, para aprofundar seus estudos a respeito das dimensões ética,
política e antropológica, recomendamos a leitura na íntegra do livro Psicose
e Sofrimento.
Até aqui, acadêmico, abordamos reflexões iniciais sobre o início dessa prática
e, com base nos estudos de Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012), aprendemos
sobre as dimensões em que o profissional pode atuar e o que implica cada uma delas,
com destaque para a dimensão política, que diz respeito propriamente ao campo do
acompanhamento terapêutico. A partir de agora, veremos o contrato de trabalho, que
deve ser estabelecido logo no início do trabalho, e as implicações do diagnóstico no
lugar que o acompanhante terapêutico ocupa nessa relação.
ESTUDOS FUTUROS
Acadêmico, não deixe de realizar a leitura complementar ao final desta
unidade. Nela, você terá acesso a um relato de caso de um acompanhamento
terapêutico, do início ao fim do processo, podendo observar o vínculo
estabelecido e as intervenções realizadas. Boa leitura!
10
3.1 CONTRATO DE TRABALHO
O termo contrato possui sua origem no latim e significa “trato com”. Ao
estabelecer um contrato, organizamos os aspectos de determinado serviço ou trabalho,
de forma que todos os envolvidos nesse processo estejam cientes de como funcionará.
De maneira geral, os contratos são estabelecidos entre os principais envolvidos no
processo (KARWOWSKI, 2015).
11
Consideramos importante também abordar com destaque questões, como
horários de atendimento, local, valores dos honorários e forma de pagamento, pois a
não delimitação destes itens, assim como o não cumprimento do que foi estabelecido
no contrato de trabalho do AT pode implicar uma prática que não seja terapêutica para
o paciente (PULICE, 2012).
12
Com base nos escritos de Pulice (2012), destacamos que ao acompanhante
terapêutico caberá manter uma postura atenta diante da sua prática profissional para
que, ao observar que sua presença com determinado paciente não se encontra mais
na direção de proporcionar benefícios àquele que é acompanhado, ou apresenta
dificuldades para a condução do trabalho, possa reunir os envolvidos para que haja uma
busca por outras alternativas, evitando deixar o paciente (e também a família, em alguns
casos) desassistidos.
Essa não é uma clínica comum, não tem espaço físico, o local de
encontro é sempre onde o outro sente-se acolhido e quer receber o
AT: em suas casas, parques, sorveterias, ruas, escolas, instituições. O
AT vai ao encontro de todos aqueles que necessitam de algum cuidado
em saúde mental e que por algum motivo estão impossibilitados de
seguir suas vidas e seus projetos: crianças, adolescentes, adultos e
idosos, com demandas das mais variadas, não se restringindo às
pessoas com algum adoecimento psíquico (TAVEIRA et al., 2021, p. 83).
13
Nesse sentido, é importante sempre lembrarmos do nosso lugar diante da pessoa
a quem estamos acompanhando, ampliando o olhar para além do seu diagnóstico: a
história de vida que ela possui, a relação que estabelece com o que e quem está ao
seu redor, em que momentos e o que acontece que contribui para as suas crises, que
lugar tal sintoma produzido tem para ela naquele momento, buscando sempre auxiliar
esse paciente no encontro de outras possibilidades que evoquem menor prejuízo e que
possuam uma maior proximidade com o contexto social, em que o objetivo final será
facilitar a sua inclusão nos mais diversos espaços em que desejar circular (PULICE,
2012; MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).
DICAS
Acadêmico, recomendamos a leitura do artigo A inserção do Acompanhamento
Terapêutico em um modelo interdisciplinar de atendimento a pacientes
neurológicos, para que você possa observar o lugar que o acompanhante
terapêutico ocupa e como pode mediar a transformação e a ampliação de
possibilidades para o paciente.
14
Bueno (2016) utiliza o conceito de Spielraum, proposto por Nietzsche (1844-
1900), para a compreensão da amizade. Esse termo, em sua tradução para o português,
significa a vivência de algo comum, manobra, jogo. Dessa forma, propõe-se que ela seja
vivida na sua singularidade, sem a busca daquilo que é socialmente aceitável, posto
que na amizade não anulamos o outro em virtude do que entendemos como verdade. O
autor também faz uma crítica à universalidade, na medida em que ela remete também às
classificações nosográficas, já que elas buscam padronizar condutas.
Imagine, acadêmico, ao acompanhar uma pessoa, durante duas horas por dia,
três dias na semana, como seria manter uma posição afastada, em que cada tentativa
de aproximação do paciente, seja na demonstração de um afeto ou na realização de
uma brincadeira, fosse rejeitada e respondida de forma a deixar claro que essa não
é uma relação de amizade e esse não é o seu papel ali? Ou ainda, que efeitos a sua
presença produziria ao buscar em todas as manifestações do paciente realizar algum
tipo de intervenção pautada no que ou por que ele fala ou age de determinado modo?
(PULICE, 2012).
15
Certamente, como Pulice (2012) aponta, o paciente poderia apresentar certa
hostilidade com o acompanhante, além de não estabelecer nenhum tipo de vínculo,
o que é essencial para o desenvolvimento de um trabalho como AT. Dessa forma,
em sua prática profissional no campo do acompanhamento terapêutico, o paciente
poderá nomear a relação estabelecida como de amizade, pois além do tempo que
o profissional está presente em sua rotina, há outras características presentes que
remetem a tal relação:
16
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Tanto o paciente como a família poderão apresentar resistência com a sua presença,
podendo ser visto como um intruso no ambiente familiar, um espião da equipe ou
do terapeuta.
• Embora muitas vezes o nosso primeiro contato com o paciente aconteça durante a
necessidade de intervenção, visto ser em um momento de crise, é importante que
o contrato seja estabelecido o quanto antes e assim que possível, para não implicar
consequências negativas posteriormente no desenvolvimento do trabalho.
17
AUTOATIVIDADE
1 Quando acontece o primeiro atendimento para você e para o paciente,
compreendemos que haverá com esta experiência uma expectativa já bastante
esperada de sua parte: trata-se da sua primeira experiência profissional. Sobre
as reflexões que antecedem à prática do acompanhante terapêutico, assinale a
alternativa CORRETA:
18
II- A dimensão antropológica está estreitamente vinculada a um olhar clínico, que
pautará a ação do profissional. Enquanto clínicos com o sujeito da psicose, é
importante sustentarmos o lugar de quem não sabe, assim como o lugar de não
desejo, abrindo possibilidades para que o sujeito possa se manifestar da forma que
é possível para ele.
III- Na dimensão política, o acompanhante terapêutico atuará com o objetivo de auxiliar
o seu paciente na participação no meio social, assim como também poderá promover
a compreensão da família a respeito das demandas ambíguas que possam estar
encaminhando para o sujeito da psicose (às vezes sem perceber) e os efeitos que elas
podem ocasionar a ele.
3 O termo contrato possui sua origem no latim e significa “trato com”. Ao estabelecer
um contrato, organizamos os aspectos de determinado serviço ou trabalho, de forma
que todos os envolvidos nesse processo estejam cientes de como funcionará. De
acordo com o contrato de trabalho, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:
( ) Muitas vezes nossos pacientes são pessoas que possuem algum transtorno e,
portanto, o contrato formal será estabelecido através de mediação primeiramente
com a família ou por via institucional, quando for o caso, sendo na sequência
trabalhados os seus aspectos com o paciente.
( ) O estabelecimento do contrato não deve ser feito logo no início, é preferível dar
atenção primeiro para a construção do vínculo entre o profissional e o paciente.
( ) No que diz respeito aos honorários estabelecidos, estes devem ser coerentes com
o valor que o próprio profissional atribui ao seu trabalho. O estabelecimento de
valores menores que o esperado pelo profissional precisa ser muito bem avaliado,
assim como a combinação de como será feito o pagamento.
4 No início do acompanhamento, assim como durante todo o tempo que esse processo
durar, o acompanhante terapêutico deve ocupar o lugar de quem efetivamente
acompanha o paciente, seja nos espaços públicos ou privados de sua vida, seja no
ambiente familiar ou institucional. Disserte sobre como o diagnóstico pode implicar
na relação estabelecida entre o acompanhante terapêutico e o paciente.
19
5 A prática que conhecemos hoje, denominada de acompanhamento terapêutico, em
outros momentos da história já foi nomeada como amigo qualificado. A alteração
do nome aconteceu principalmente pela crítica de, ao entender a relação como
uma relação de amizade, ela perderia o seu teor profissional e levaria a intervenções
ineficazes, já que aponta para uma relação pessoal e sem rigor científico (BUENO,
2016). Nesse contexto, disserte sobre os pontos que podem levar o paciente a
considerar essa relação de amizade e qual deve ser o posicionamento do AT.
20
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
CONTINUIDADE DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO E OS PROCESSOS DE ALTA
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no tópico anterior, você aprendeu sobre o que antecede à prática
do Acompanhamento Terapêutico (AT) e as possíveis formas de posicionamento do
acompanhante terapêutico, que são apresentadas em três momentos: posicionamento
ético, posicionamento político e posicionamento antropológico.
Você está pronto para mais um mergulho nos estudos sobre o AT? Vamos lá!
21
FIGURA 1 – ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
FONTE: <https://www.ibccoaching.com.br/portal/coaching-e-psicologia/a-importancia-do-
acompanhamento-terapeutico/>. Acesso em: 29 set. 2021.
22
3 TEORIA E DEFINIÇÃO
O AT é definido como um:
Essa lista de funções também nos ajuda a ver como o AT pode se inscrever
na abordagem psicanalítica. Embora o AT possa ser levantado em diferentes escolas
teórico-clínicas, seu foco será definido pela orientação da equipe de tratamento que
inclui esse dispositivo. Também podemos afirmar que o AT é um tributário da psicanálise
por sua história e conceito, mas dada sua configuração flexível, na vida cotidiana, além
do consultório e do trabalho com as famílias, também se baseia na psicologia social,
sociocomunitária e na psicologia sistêmica.
24
• A eficiência das intervenções baseadas em redes sociais naturais.
• Promover e facilitar a solidariedade para o desenvolvimento comunitário e a
participação social.
• A evidência de que o desenraizamento de contextos sociais naturais é a causa ou
precipitador de transtornos muito importantes.
25
adoecimento, mas constituem fontes importantes de apoio instrumental e emocional
e facilitam em alto grau a integração social. Finalmente, pertencer a grupos coesos de
colegas de trabalho é um indicador de satisfação no trabalho. Todos esses elementos
dos sistemas de apoio servem para focar o trabalho do AT e determinar objetivos de
acordo com a necessidade do caso.
26
Pichon-Rivière e Quiroga (2002) definem sua abordagem da psicologia social
como uma ‘crítica da vida cotidiana’, entendendo essa crítica como uma análise objetiva
dela. A partir dessa especificidade do cotidiano, a análise servirá para verificar se as
organizações sociais e as ‘vivências específicas’ dos sujeitos auxiliam ou dificultam o
crescimento e a saúde.
Por outro lado, a vida cotidiana oculta a realidade social na medida em que a
banaliza e a torna “natural”. Para fazer essa crítica que os autores apontam, é necessário
romper com o mito do óbvio e do natural e mergulhar nos espaços, tempos e ritmos do
cotidiano. Para essa análise objetiva, o AT é sem dúvida um grande aliado, pois se dá
justamente nesse espaço, tempo e ritmo do cotidiano.
3.2 APLICAÇÃO DO AT
Sua intervenção é recomendada no tratamento de pacientes com transtorno
mental grave e crônico (crises psicóticas, depressões, neuroses graves ou exacerbações,
transtornos bipolares, transtorno de personalidade borderline e fobias), isolamento social,
comportamentos de risco, perturbação do ambiente familiar, ameaças de interrupção
do tratamento e dependência química (GALDÓS; MANDELSTEIN, 2009; ROSSI, 2007;
SIMÕES; KIRSCHBAUM, 2005).
27
de uma presença institucional, tanto no cotidiano como no imediato de uma crise
(ROSSI, 2007). Essa intervenção oferece apoio domiciliário e comunitário ao tratamento
psiquiátrico e/ou psicoterapêutico, dando apoio a famílias e pessoas em situação de
crise em que os dispositivos tradicionais de tratamento estão a transbordar ou quando
se opta por tratamento privado.
28
4 CARACTERÍSTICAS E FORMAS DE REALIZAR A
CLÍNICA DO AT
A primeira característica a destacar é que o AT é um dispositivo inserido em um
tratamento e que atua de acordo com a sua estratégia (ROSSI, 2007). Os objetivos e a
intervenção do acompanhante são planejados com base na estratégia com o profissional
de referência (psiquiatra, psicólogo, assistente social etc.) ou em conjunto com a equipe
e dependendo da necessidade do caso.
29
O acompanhante terapêutico, como apontam Mauer e Resnizky (2004), pode
ser confundido com uma figura semelhante à do “amigo”, de fato, como ocorreu nos
antecedentes históricos, o AT iniciou com o termo “amigo qualificado”. A inclusão da
palavra “terapêutico” ajuda a diferenciar o acompanhante de um amigo e enfatiza o
processo clínico. O espaço cotidiano e o tempo prolongado em que o AT é realizado
podem facilmente levar à indiferenciação do acompanhante com a figura do amigo.
O papel de amigo pode até ser uma posição tentadora para o profissional, como
posição de poder e de maior confiança, para o acompanhante terapêutico se apresentar
como amigo ao paciente, a partir do vínculo terapêutico, ao invés de ajudar a fortalecer
a construção pode servir como elemento que distorce o próprio processo terapêutico.
“A partir do momento em que todas as diferenças mútuas são apagadas, ou disfarçadas,
gera-se uma espécie de vínculo ilusório, com alto grau de ambiguidade que, no curto ou
longo prazo, inibe o trabalho realizado” (NIVOLONI, 2008, p. 2).
30
O acompanhante terapêutico, ao atuar no plano dramático-vivencial,
não interpretativo, experimenta e mostra ao paciente, in situ,
diferentes formas de agir e reagir às vicissitudes do cotidiano. É
terapêutico, em primeiro lugar, porque propõe uma ruptura com os
modelos estereotipados de apego que o levaram ao adoecimento.
Em segundo lugar, porque ajuda o paciente a aprender, a esperar e
adiar e, por último, porque oferece a possibilidade de adquirir, pela
identificação, os mecanismos de defesa mais adaptáveis.
31
Mauer e Resnizky (2004) consideram que não é apenas a pessoa com diagnóstico
de doença que necessita de ajuda, mas sim que essa pessoa reflete uma estrutura
familiar com determinadas características. O problema, portanto, não está centrado
no sujeito ‘doente’, mas em seu contexto familiar. Isso significa que a abordagem deve
considerar a família dentro do processo de acompanhamento. Por meio dessa estratégia
de intervenção, por meio do vínculo, incluindo o contexto familiar e social, espera-se a
inclusão do sujeito.
32
Nesse ponto, os atos ou momentos regressivos, os altos e baixos na
evolução clínica do paciente, provocam no acompanhante complicadas experiências
contratransferenciais. A melhor maneira de evitar erros de identificação são avaliação e
monitoramento regulares. Aqui podemos também destacar a importância da supervisão
no AT, não só do acompanhante, mas de toda a equipe.
33
FIGURA 2 – A PRÁTICA DO TERAPEUTA OCUPACIONAL COMO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO
FONTE: <https://grangiardino.com.br/o-que-faz-a-terapia-ocupacional-para-idosos/>.
Acesso em: 29 set. 2021.
34
Existe um desafio significativo em trabalhar a reinserção social do sujeito que
sofre de transtornos mentais, visto que ainda não existe uma assistência direcionada
que seja flexível, ágil e resolutiva para poder atendê-lo. O objetivo de uma saída assistida
e planejada do hospital é uma etapa essencial do processo de desinstitucionalização
(BEZERRA; DIMENSTEIN, 2009).
DICAS
Caro acadêmico, para explorar um pouco mais sobre a alta-
assistida, sugerimos a leitura do artigo Acompanhamento terapêutico
na proposta de alta-assistida implementada em hospital psiquiátrico:
relato de uma experiência, disponível em: https://www.scielo.br/j/pc/a/
kngqn6ZtPMYj8PJRWDKSyvg/?format=pdf&lang=pt.
35
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
36
AUTOATIVIDADE
1 A base profissional mais comum de um AT é a área da saúde mental, muitos psicólogos
optam em transformar sua clínica em uma estrutura diferente, uma clínica em
movimento, que vai até o cliente e o ajuda em sua ressocialização. Até pouco tempo
atrás, a visão de doenças mentais era muito distorcida, pessoas portadoras de doenças
mentais eram direcionadas para manicômios, presídios e clínicas sem o mínimo de
humanização. Essa realidade se transformou graças a uma conquista efetivada em
2001. Com relação ao nome desse movimento, assinale a resposta CORRETA:
37
3 O AT pode ser considerado uma prática profissional nova, criado em meados de 1970
na América Latina e com um potencial gigante em estruturação e reconhecimento.
Sua criação vem de um médico psiquiatra argentino Eduardo Kalina e hoje se encontra
como uma prática muito reconhecida e regulamentada em seu país. A maioria dos
acompanhantes terapêuticos são psicólogos e utilizam uma abordagem norteadora
de trabalho para o desenvolvimento dos seus planos terapêuticos. A respeito da
abordagem mais utilizada pelos acompanhantes terapêuticos, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) Analítico-comportamental.
( ) Psicanalítica.
( ) Gestalt-Terapia.
5 Na atuação profissional do AT, é muito comum ver pacientes que sofrem uma
grave deterioração de sua rede social, tanto na perspectiva familiar quanto com os
ambientes de trabalho e com os amigos. Com isso, fica a cargo do AT de enriquecer
as habilidades sociais e promover vínculos na rede, a fim de evitar a solidão social. Os
autores García e Ramírez (1995) apontam quatro fatores para avaliar a qualidade do
suporte social. Cite e explique cada um deles.
38
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM
REDE NO AT
1 INTRODUÇÃO
Até o século XIX, o processo terapêutico era guiado pela sintomatologia e
pela intervenção e internação, que iam pelas vias da alienação social do sujeito de
modo a interná-lo e afastá-lo do convívio social. A mudança ocorreu, entre outros
fatores, devido a mudanças paradigmáticas influenciadas por outras áreas, como a
Sociologia, a Antropologia e a Filosofia (RIBEIRO, 2009). Assim, busca-se mais ética
e singularidade nos atendimentos relativos à doença mental e sofrimento psíquico,
respeitando suas diversidades.
Por essas vias, deflagramos dois modos de atendimento à saúde mental, a saber:
o modo asilar e o modo assistencial. No modo asilar, há a existência dos manicômios,
com sua clausura e sua intervenção medicamentosa abusiva de forma a promover a
ideia de apenas um tipo de sujeito e de verdade, o que tende a excluir e a segregar
aqueles que não se adequam às normas. O modelo asilar é o tradicional, centrado no
saber médico, que busca a cura através de uma espécie de adaptabilidade, mas não
tratando com respeito e dignidade humana (PITIÁ; FUREGATO, 2009).
O modelo psicossocial, por outro lado, surge como uma nova proposta
paradigmática, em que o processo de reabilitação é o objetivo das práticas. Contudo,
para que ocorra essa reabilitação, é necessário que haja ação a partir de diferentes
frentes, de maneira global, múltipla e com solidariedade (PITIÁ; FUREGATO, 2009). O
modelo psicossocial pode ser compreendido a partir de quatro frentes, a saber: i) divisão
do trabalho interprofissional que valorize os aspectos subjetivos do sujeito em prol da
maior aproximação das relações profissionais-usuários; ii) organização das relações
intrainstitucionais, no sentido de que as decisões necessárias passam por várias frentes,
não estando apenas centradas no saber médico; iii) relacionamento com usuários e
população em prol da integração social das ações no território; iv) ética no atendimento
visando ao desejo do sujeito e seus ideais (PITIÁ; FUREGATO, 2009).
39
O modelo psicossocial é o que está em vigor na política e nas estratégias de
saúde mental no contexto brasileiro. Assim, veremos neste tópico algumas redes de
atenção ao sujeito em sofrimento psíquico considerando as diretrizes de atuação pelo
Sistema Único de Saúde e as possibilidades do AT nesses cenários.
IMPORTANTE
Para melhor compreensão de como funciona a Política Nacional de Saúde
Mental que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental, acesse o documento na íntegra a partir do link http://cgj.tjrj.jus.br/
documents/1017893/1038413/politica-nac-saude-mental.pdf.
Para que essas práticas fossem postas em voga, houve a mobilização de usuários,
familiares e trabalhadores da saúde iniciada na década de 1980. Esse movimento faz
parte também do contexto social brasileiro da época, como o fim da ditadura militar e a
organização da nova Constituição brasileira, que garante o direito à saúde e à educação
a todos (BRASIL, 2016). Além disso, havia como referência outros lugares e experiência
da substituição de um modelo de saúde mental de modelo asilar para um modelo de
serviços comunitários, territoriais e psicossociais.
40
ATENÇÃO
Um país, um Estado, uma cidade, um bairro, uma vila,
um vilarejo são recortes de diferentes tamanhos dos
territórios que habitamos. Território não é apenas uma
área geográfica, embora sua geografia também seja muito
importante para caracterizá-lo. O território é constituído
fundamentalmente pelas pessoas que nele habitam, com
seus conflitos, seus interesses, seus amigos, seus vizinhos,
sua família, suas instituições, seus cenários (igreja, cultos,
escola, trabalho, boteco etc.). É essa noção de território
que busca organizar uma rede de atenção às pessoas que
sofrem com transtornos mentais e suas famílias, amigos e
interessados (BRASIL, 2004, p. 11).
41
I- Promover cuidados em saúde especialmente para grupos mais
vulneráveis (criança, adolescente, jovens, pessoas em situação
de rua e populações indígenas).
II- Prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras
drogas.
III- Reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool e
outras drogas.
IV- Promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de
crack, álcool e outras drogas na sociedade, por meio do acesso
ao trabalho, renda e moradia solidária.
V- Promover mecanismos de formação permanente aos profissionais
de saúde.
VI- Desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de
danos em parceria com organizações governamentais e da
sociedade civil.
VII- Produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas,
medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na
rede.
VIII- Regular e organizar as demandas e os fluxos assistenciais da
Rede de Atenção Psicossocial.
IX- Monitorar e avaliar a qualidade dos serviços por meio de
indicadores de efetividade e resolutividade da atenção (GARCIA;
REIS, 2018, p. 24).
Por essas vias, a RAPS é composta por sete componentes, com diversos
pontos de atenção e em diferentes frentes de cuidado. Esses pontos são: atenção
básica, atenção psicossocial estratégica, atenção de urgência e emergência, atenção
residencial de caráter transitório, atenção hospitalar em hospitais gerais, estratégias de
desinstitucionalização e reabilitação social.
42
FIGURA 3 – COMPONENTES DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
43
acordo com suas demandas e no território de atendimento. Além disso, a prioridade é
para os casos mais graves e as intervenções devem estar articuladas com o cenário
familiar e comunitário (GARCIA; REIS, 2018). Preza-se, assim, pelo cuidado integral,
abrangendo prevenção, promoção, tratamento e reabilitação social.
DICAS
Para expansão de seus conhecimentos e mais consciência sobre as
estratégias políticas que configuram a Política Nacional de Atenção Básica,
acesse a Portaria que a instaura através do link https://bvsms.saude.gov.br/
bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.
44
A Atenção Residencial de Caráter Transitório é composta pela Unidade de
Acolhimento e pelo Serviço de Atenção em Regime Residencial. As Unidades de
Recolhimento oferecem cuidado aos usuários de crack, álcool e outras drogas, de
ambos os sexos e que apresentem vulnerabilidade social, com funcionamento 24 horas.
Há unidades destinadas aos adultos e também ao público infantojuvenil (GARCIA; REIS,
2018). A Atenção em Regime Residencial também atende à população que sofre em
decorrência de crack, álcool e outras drogas, porém a duração desse acompanhamento
é de até nove meses.
A atenção hospitalar diz respeito aos leitos de saúde mental no hospital geral
ou em serviços hospitalares destinados a usuários de álcool, crack e outras drogas
(GARCIA; REIS, 2018). Nesse ponto, pode haver internação de curta duração e uma
equipe multiprofissional que atuará em diálogo e articulação com os outros pontos da
Rede de Atenção Psicossocial, sobretudo o CAPS.
45
O Decreto n° 7.053, de 2009, instaura a Política Nacional para a População
em Situação de Rua (PSR), instituído pela Política Nacional de Atenção Básica e
componente do quadro da rede de Atenção Psicossocial. Nesse sentido, considera-se
que o grupo populacional que compõe a PSR é heterogêneo, mas tem em comum a
pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos e/ou fragilizados e a inexistência
de moradia convencional regular ou permanente (BRASIL, 2012). Desse modo, um dos
objetivos dessa política é garantir o direito à convivência familiar e comunitária, além do
respeito à vida e à cidadania.
DICAS
Para ter mais conhecimento sobre as políticas e as estratégias com a
população em situação de rua, acesse o Manual sobre o cuidado à saúde
junto à população em situação de rua. Esse documento foi elaborado pelo
Ministério da Saúde para divulgar informações sobre como ampliar o acesso
e a qualidade de atenção integral a essa população. Disponível em: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf.
46
FIGURA 4 – ESTRUTURA DO CONSULTÓRIO DE RUA
47
A redução de danos, em última instância, passa a apontar para um
outro modo de acolher e fazer a clínica para o usuário de drogas. Os
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), os Centros de Atenção
Psicossocial em álcool e outras drogas (CAPS-ad) e os Consultórios
na Rua exercem uma função estratégica para a operacionalização
de uma rede de redução de danos, uma vez que estão, em tese,
mais próximos aos territórios de vida dos usuários de drogas
(SOUZA, 2019, p. 16).
48
2.2 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
O CAPS faz parte da logística de rede e território da rede básica de saúde
e busca a integração permanente com as demais equipes, pois participa do
acompanhamento, apoio e capacitação do trabalho com pessoas com transtornos
mentais. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) surgiu em 1986, em São
Paulo, e fez parte de um movimento social que envolvia usurários e trabalhadores da
saúde mental que lutavam em prol de mais direitos e mais assistência às pessoas
com sofrimento psíquico. O CAPS também fez parte da estratégia de afastamento da
precariedade que eram os hospitais psiquiátricos, sendo estes os únicos pontos de
atendimento em saúde mental até então. Os CAPS visam:
DICAS
Para saber um pouco mais sobre os CAPS e obter mais informações sobre a
sua origem, seu crescimento em todo o país, a integração com a rede de saúde,
a participação dos usuários e familiares, a distribuição dos medicamentos, a
relação com a rede básica, as oficinas terapêuticas e vários outros temas,
com o objetivo de esclarecer sobre o modo de funcionamento desses novos
serviços de saúde mental, acesse o link: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/
biblioteca/imagem/1212.pdf.
49
Nesse sentido, o CAPS está vinculado ao SUS e serve como lugar de referência
para atendimento e tratamento de pessoas que sofrem com transtornos mentais,
psicoses, neuroses graves e outros quadros. Alguns usuários podem já ter tido
internações psiquiátricas e outros podem nunca ter sido internados, mas terem sido
atendidos em outros serviços de saúde (GARCIA; REIS, 2018). O atendimento no CAPS,
devido à estrutura em rede, precisa estar relacionado com as demandas do Programa
de Saúde da Família ou algum outro programa. O CAPS tem como objetivo oferecer
atendimento à população com foco tanto no acompanhamento clínico quanto na
reinserção social dos usuários e, ainda, o acesso às esferas de cidadania e autonomia,
como acesso ao trabalho, ao lazer, à saúde e à educação.
50
• Atendimento individual: prescrição de medicamentos, psicote-
rapia, orientação.
• Atendimento em grupo: oficinas terapêuticas, oficinas
expressivas, oficinas geradoras de renda, oficinas de
alfabetização, oficinas culturais, grupos terapêuticos, atividades
esportivas, atividades de suporte social, grupos de leitura e
debate, grupos de confecção de jornal.
• Atendimento para a família: atendimento nuclear e a grupo
de familiares, atendimento individualizado a familiares, visitas
domiciliares, atividades de ensino, atividades de lazer com familiares.
• Atividades comunitárias: atividades desenvolvidas em conjunto
com associações de bairro e outras instituições existentes na
comunidade, que têm como objetivo as trocas sociais, a integração
do serviço e do usuário com a família, a comunidade e a sociedade
em geral. Essas atividades podem ser: festas comunitárias,
caminhadas com grupos da comunidade, participação em eventos
e grupos dos centros comunitários.
• Assembleias ou Reuniões de Organização do Serviço: a
Assembleia é um instrumento importante para o efetivo
funcionamento dos CAPS como um lugar de convivência. É
uma atividade, preferencialmente semanal, que reúne técnicos,
usuários, familiares e outros convidados, que juntos discutem,
avaliam e propõem encaminhamentos para o serviço. Discutem-
se os problemas e sugestões sobre a convivência, as atividades
e a organização do CAPS, ajudando a melhorar o atendimento
oferecido (BRASIL, 2004, p. 17).
51
• Atividades comunitárias: atividades que utilizam os recursos da
comunidade e que envolvem pessoas, instituições ou grupos
organizados que atuam na comunidade. Exemplo: festa junina do
bairro, feiras, quermesses, campeonatos esportivos, passeios a
parques e cinema, entre outras.
• Atividades de suporte social: projetos de inserção no trabalho,
articulação com os serviços residenciais terapêuticos, atividades
de lazer, encaminhamentos para a entrada na rede de ensino, para
obtenção de documentos e apoio para o exercício de direitos civis
através da formação de associações de usuários e/ou familiares.
• Oficinas culturais: atividades constantes que procuram despertar
no usuário um maior interesse pelos espaços de cultura
(monumentos, prédios históricos, saraus musicais, festas anuais
etc.) de seu bairro ou cidade, promovendo maior integração de
usuários e familiares com seu lugar de moradia.
• Visitas domiciliares: atendimento realizado por um profissional do
CAPS aos usuários e/ou familiares em casa.
• Desintoxicação ambulatorial: conjunto de procedimentos
destinados ao tratamento da intoxicação/abstinência decorrente
do uso abusivo de álcool e de outras drogas (BRASIL, 2004, p. 21).
Devemos considerar, ainda, que a atuação via território faz com que os
CAPS sejam heterogêneos, atendendo às demandas locais. Cada CAPS vai ter sua
especificidade quanto ao tamanho, à estrutura, aos profissionais, às demandas, entre
outros. Há quatro modalidades de CAPS (BRASIL, 2004):
• CAPS I e CAPS II: atendimento a adultos com transtornos mentais severos. Diário.
• CAPS III: atendimento a adultos com transtornos mentais severos. Diário e noturno.
• CAPSi: atendimento para crianças e adolescentes com transtornos mentais. Diário.
• CAPSad: atendimento a usuários de drogas ou com transtornos decorrentes de uso e
dependência de substâncias psicoativas. Diário com leitos de repouso.
52
FIGURA 5 – ESTRUTURA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Centro
Comunitário
CAPSad CAPSi
Vizinhos
PSF
Praças
PSF PSF
PSF
Esportes
CAPS
Hospital PSF Instituições
Geral de Defesa
Centro de Atenção dos Direitos
Psicossocial PSF do Usuário
PRONTOS-
SOCORROS
GERAIS
PSF
Associação Trabalho
de bairro
RESIDÊNCIAS
TERAPÊUTICAS
Como toda rede de atenção básica, é necessário que haja uma equipe
multiprofissional para a atuação no CAPS, com diferentes técnicos de nível superior e de
nível médio, incluindo: técnicos, acompanhantes terapêuticos, pedagogos, terapeutas
ocupacionais, professores de educação física, artesãos, entre outros. Essa equipe
acolhe os usuários e desenvolve projetos terapêuticos pautados na reabilitação social.
53
2.2.1 CAPSi
No Brasil, contamos com o Sistema Único de Saúde, que tem acolhido e
reconhecido que a saúde mental de crianças e jovens deve ter espaço para atuação.
Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSi) foram propostos em 2002
e seguem as mesmas diretrizes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAPSi
são serviços que trabalham por territórios, têm natureza pública e são financiados
integralmente pelo SUS. Nesses centros há as equipes multiprofissionais, contendo
no mínimo um psiquiatra, um neurologista/pediatra com formação em saúde mental
infantil e quatro profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta,
pedagogo, acompanhante terapêutico, entre outros) e cinco profissionais de nível médio.
2.2.2 CAPSad
O CAPSad é responsável pelo atendimento à população que faz uso e abuso de
álcool e outras drogas. A proposta é que haja acompanhamento e intervenções precoces,
baseados em serviços comunitários e em diálogo com outros pontos da atenção
básica. Assim, o atendimento pode envolver medicamento, orientação, psicoterapia
e, além desses, pode envolver também atendimentos em grupo, como oficinas, visitas
domiciliares, rodas de conversa, entre outros.
54
em rede para impedir o uso de substâncias psicoativas pela primeira vez. Não obstante, a
redução de danos deve-se uma lógica que sustenta as ações que buscam minimizar as
consequências do uso abusivo de crack, álcool e outras drogas (BRASIL, 2004).
Além disso, o CAPSad III foi instaurado para atender pessoas de todas as
faixas etárias em municípios com população acima de 150 mil habitantes que também
estejam em sofrimento decorrente do uso abusivo de crack, álcool e outras drogas.
Esse ponto de atendimento proporciona serviços de atenção contínua, funcionando
por 24 horas, sete dias por semana, incluindo fim de semana e feriados. Há, também,
acolhimento noturno.
IMPORTANTE
Pedro Gabriel Delgado, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e estudioso no
campo de álcool e outras drogas, tem apontado para o desmonte nas políticas de saúde
mental e drogas no cenário brasileiro. Há várias portarias que têm sido interpretadas
pelos agentes de saúde mental, como um retrocesso às conquistas relativas aos direitos
humanos, à tolerância, ao combate a estigmas e à redução de danos. Entre
essas portarias, há propostas para a utilização apenas de abstinência, no
caso de álcool e outras drogas, e a proposta de voltar a utilizar aparelhos
de eletroconvulsoterapia como medida de tratamento. Essas alterações
na política de saúde mental vão frontalmente contra o movimento de luta
antimanicomial e antipsiquiatria que, a vigor, também fertilizou o surgimento
do acompanhamento terapêutico. Para compreender mais sobre o
contexto, veja a entrevista com o professor Pedro Delgado em: https://www.
analisepoliticaemsaude.org/oaps/documentos/noticias/entrevista-do-mes-
de-julho-pedro-delgado/.
55
1) Saúde Mental: dispositivos de base territorial – ambulatórios de
saúde mental e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em
suas diferentes tipologias (I, II, III, Infantojuvenil e Álcool/Drogas)
–, já que mesmo aqueles não dirigidos especificamente para
crianças e adolescentes recebem orientação da política para,
nos locais onde não existem outros recursos da saúde mental,
responder pela cobertura a esta população quando necessitada
de tratamento.
2) Saúde Geral: Atenção Básica/Primária, representada pelo
Programa de Saúde da Família (PSF), ícone da mudança de
modelo para assistência em saúde no país, e estratégico para
ações de prevenção e detecção precoce de questões ligadas à
saúde mental de crianças e adolescentes.
3) Educação: a) Estabelecimentos públicos da educação básica,
que incluem a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e
o Ensino Médio – planejados para cobertura universal da
população; b) Instituições filantrópicas com número significativo
de estabelecimentos em todas as regiões do país que oferecem
ações educacionais e de reabilitação para alunos especiais
– representadas pela Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE).
4) Assistência Social: Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS), propostos em 2004 pela atual Política Nacional de
Assistência Social, sob gestão do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), em processo de consolidação no país, e que têm
por finalidade o desenvolvimento de ações de proteção em áreas
de vulnerabilidade social, sob o princípio da intersetorialidade.
5) Justiça/Defesa de direitos: Conselhos Tutelares (CT),
estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
em 1990, e encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos
da população infantil e juvenil.
56
Desse modo, os atendimentos do AT, como toda a sua prática, não têm um caráter
fixo e homogêneo, sendo relativizados, em termos de configuração, de acordo com a
demanda de cada paciente. Os atendimentos podem ocorrer uma, duas ou mais vezes
durante a semana e o tempo de duração pode ser de até três horas (PITIÁ; FUREGATO,
2009). As atividades realizadas devem promover os objetivos terapêuticos traçados para o
restabelecimento do indivíduo em sociedade e com o mundo que o cerca.
57
Não obstante, é necessário que haja conexão com outros espaços de
socialização para o paciente em seu mundo circundante, organizados pela sociedade
civil. Isso importa, pois implica também na inclusão dos usuários em diferentes grupos,
trabalhando de forma não preconceituosa, não legitimando estigmas, mas combatendo-
os (VARELLA; ROSÁRIO; LACERCA, 2006). Desse modo, o saber científico, a comunidade
e a inclusão do usuário em grupos são pontos potenciais da rede em atendimento em
saúde mental. Com isso, é necessário que se verifique o que cada ponto oferece para
dar sustentação ao tratamento. Em outras palavras, é preciso que haja um mapeamento
para conseguir traçar vias de fuga, vias de ação.
Por isso, pensamos em serviços como o CAPS, por exemplo, como um modelo de
referência, pois é isso que o serviço se tornará para o usuário. Nesse sentido, o trabalho
do AT pode ser considerado, também, como um modelo de referência no interior das
práticas em atenção básica em saúde mental (RIBEIRO, 2009). Isso se dá, pois o que
se demanda no modelo psicossocial diz respeito a uma clínica com maior circulação
dos papéis, atividades e funções dos envolvidos. Isso envolve versatilidade, mobilidade,
disposição e improviso frente ao intempestivo, o que, nesses contextos, podem não ser
extraordinários, sendo a configuração do cotidiano.
58
chave. O grupo terapêutico acontece no mesmo horário que um
outro grupo temático. O que fazer? O “homem-rígido” traz a questão
durante muitas sessões, exasperado pelo modo como sua circulação
lhe cria armadilhas, desorganizando sua metódica rotina. Nas
reuniões de referência, começamos a pensar que, talvez, ele possa
se atrasar um pouco, ou faltar alguma vez em um dos grupos para
ir ao outro, ou até mesmo experimentar por um tempo ir às duas de
maneira entrecortada para escolher a que mais lhe interesse, abrindo
uma brecha para uma circulação mais maleável por seus interesses.
A escala de horários se torna, aos poucos, obsoleta. O “homem-
rígido” constitui, aos poucos, uma rede de referências: atividades e
pessoas às quais se vincula. O contato com cada um deles se descola
do contorno inicial das atividades rígidas. Um integrante de um grupo
participa também de outro, e, por vezes, toma o mesmo rumo que ele
a caminho de casa, um profissional pode ser encontrado no corredor,
na rua, em várias atividades, em outros tempos e espaços para além
daquele circunscrito pelo grupo que coordena. A circulação é fluida
e imprevista. As relações transbordam os limites aos quais ficaram,
a princípio, restritas. Encontros e desencontros surpreendem-no
constantemente, trazendo angústia e, por vezes, satisfação. Pode
surgir, nesse contexto, sua apreciação pela música. O “homem-
rígido” pode cantar: cordas vocais endurecidas pelo tempo ganham
alguma maleabilidade, arejam-se com notas e sons novos. Ele se
emociona e sua emoção encontra um lugar suportável no âmbito
da instituição, das pessoas, das atividades, das palavras e de tudo o
mais que o rodeia ali.
Desse modo, o vínculo pelo qual acredita-se que o AT deve estar pactuado diz
respeito ao desenvolvimento de uma série de estratégias, conhecimentos e tecnologias
que o paciente utiliza para resolver ou concluir uma tarefa (GRUSKA; DIMENSTEIN, 2015).
Dito de outra forma, o AT possibilita um aprendizado dialógico, em que o paciente tem
participação ativa no próprio desenvolvimento e integração, ou seja, o AT trabalha com
ferramentas e mediações que são cambiáveis, que não fazem parte de um método de
ação rígido e universal.
Para isso, não obstante, é preciso verificar o contexto de atividade, ou seja, quais
os recursos e quais as demandas que surgem daqui, além disso, como se configura o
conjunto de funções psicológicas do paciente, como atenção, pensamento, linguagem
e memória (GRUSKA; DIMENSTEIN, 2015). A partir da análise de seu contexto, de sua
comunidade e de suas necessidades, então são traçados a meta e os objetivos do processo
terapêutico. Independente de qual seja a estratégia, o ideal é que o paciente consiga
conduzir e executar suas atividades sem auxílios, o que ocorre de maneira processual.
59
A partir de novas habilidades e aprendizados sobre o seu próprio corpo e
funcionamento e com novas aquisições e aptidões, o acompanhamento se direciona,
então, para a reinserção social e as estratégias de reabilitação, o que pode ocorrer em
cenários públicos, de forma que a ação do acompanhante é complementar (GRUSKA;
DIMENSTEIN, 2015). Desse modo, é necessário que o trabalho do AT esteja, em um
primeiro momento, voltado para as possibilidades do paciente em termos de funções
psicológicas e capacidades físicas. Com esse lado em franco desenvolvimento, passa-
se a interagir e se relacionar em outros espaços, tornando a relação e o processo
terapêutico mais complexos.
Contudo, devemos sempre lembrar que essa atuação do AT não ocorre num
vazio e nem de forma isolada, mas que requer soluções inter e transdisciplinares, além
de flexíveis. Além de precisar se alinhar com os demais profissionais da equipe, o AT
também se encontra em diálogo com os familiares, quando estes se fazem presentes.
Para isso, a comunicação do AT é essencial, não apenas uma franca abertura, mas um
modo de falar e escutar que seja compreensível e acessível para aqueles com quem o
AT interage e cuida.
60
LEITURA
COMPLEMENTAR
VITÓRIA
A família de Madalena, mãe de Vitória, tem ascendência italiana. Seus pais eram
filhos de italianos e tinham passado a vida em uma cidade muito pequena no interior
de São Paulo. Com dezenove anos, casou-se com um homem que também havia sido
criado nessa cidade. Ele havia conseguido um emprego em São Paulo e por isso eles
se mudaram. Madalena diz que se sentia muito sozinha sem a família, sentindo-se
extremamente desamparada durante esse primeiro período da vida de casada. A irmã
de Vitória, Ana, também havia se casado e se mudado logo em seguida para uma cidade
litorânea. Madalena diz que Ana havia sofrido muito lá, sozinha. Principalmente quando
teve os filhos e teve pouca ajuda da mãe, que estava distante, assim como Madalena.
61
Juntamente ao AT, Vitória começou a ser atendida três vezes por semana por
uma terapeuta ocupacional em um posto de saúde. Para operar a transição do hospital
psiquiátrico para um espaço extrainstitucional, de maneira mais sustentada, a indicação
inicial era o tratamento em hospital-dia, o que não foi possível, pois não existiam vagas
disponíveis na região naquele momento. Com esse suporte, ela experimentou uma certa
estabilidade durante alguns meses.
Havia uma certa “resignação” incômoda em Madalena; como se ela não fosse
tocada pelo que acontecia. Quando Madalena relatou um importante acontecimento,
algo pareceu ter se movimentado de maneira diferente. Quando Vitória tinha cerca de
dois anos, Madalena teve febre tifoide e ficou um mês internada no hospital. Nesse
período, Vitória foi levada para a casa dos tios, a irmã do pai, Nina, e o marido. Madalena
conta que, segundo o relato da tia Nina, Vitória acordava chamando seu nome, muito
assustada. A tia ficava muito preocupada, sabia da falta que ela sentia da mãe. Só se
acalmou quando um dia ela acordou chamando seu nome (da tia). Madalena conta
isso com muito pesar. Pergunto a Vitória se ela se lembrava ou se sabia sobre esse
acontecimento, e ela diz que não. Pergunto a Madalena como ela havia se sentido
naquela época e ela responde que tinha sofrido muito, mas que não havia outra saída.
Ela, então, me pergunta: “será que o que acontece com a Vitória hoje pode ter a ver com
isso?”. Digo que não sei, mas que poderia ser. A postura aparentemente desimplicada e
desafetada de Madalena dá lugar a uma questão.
62
A construção de uma cena
Chego à casa de Vitória e ela está sentada no sofá com uma expressão um
pouco melhor que nos últimos encontros. Pergunto como ela estava se sentindo. Ela
diz que a angústia dentro do peito havia diminuído um pouco. Nós havíamos pensado,
no acompanhamento anterior, em fazer uma visita para a tia Nina. Ela concordou.
Estávamos saindo de sua casa quando ela disse que não estava muito bem e que seria
melhor ficar em casa. Eu insisto.
Ela me apresenta sua tia, que nos convida para um cafezinho. Ao iniciarmos
uma conversa, ela me pergunta: “o que será que aconteceu com a Vitória? Por que será
que ela ficou desse jeito?”. Pergunto se ela tinha alguma ideia. Ela começa a falar da
infância de Vitória, diz que ela era uma menina que gostava de brincar, alegre, mas que
foi ficando mais retraída com o passar dos anos.
Nina relembra uma cena que aconteceu na casa de Vitória quando ela tinha dezoito
anos. Estavam as duas próximas ao portão quando o vizinho da frente, que a tia sabia que
era um rapaz por quem Vitória estava interessada, apareceu na rua. Imediatamente a tia
falou para a sobrinha sair de casa e ir falar com ele. Ela não quis ir, a tia insistiu e Vitória foi
ficando muito aflita. Recusou-se a sair e entrou em casa chorando.
A partir do relato dessa cena, noto que Vitória começa a ficar angustiada, pois
sua feição foi mudando. Começo a pensar se deveria interromper a conversa. Nina
continua falando e conta sobre o momento em que Vitória passou a não conseguir sair
de casa, e só a chorar muito. Isso ocorreu no último ano da faculdade, que ela conseguiu
concluir com muito esforço.
Por que essa dimensão teria sido apagada dos relatos de Vitória e da mãe?
Talvez porque os homens nessa família são aqueles que afastam as mulheres de suas
famílias, provocando dor e sofrimento. Ela diz querer ir embora, mas eu ainda faço uma
pergunta à tia Nina antes de sair. Sinto-me o tempo todo indo além do que poderia, mas
ainda sem compreender bem o porquê, eu insisto.
63
Pergunto sobre o tempo em que Vitória ficara em sua casa, quando tinha dois
anos e Madalena estava no hospital. Ela relembra e nos conta o que havia acontecido,
como Madalena havia contado, mas colocando mais ênfase no sofrimento da sobrinha,
mais intensidade. Contou também que depois de algum tempo em sua casa, Vitória fugiu
e foi andando sozinha até a casa dos pais, que ficava a três quarteirões de lá. Chegou
lá, puxou a camisa do pai e disse que queria ficar na casa dela. Quanta determinação.
Vitória começou a pedir para ir embora, dizendo que estava cansada e percebo
que ela não estava bem. No caminho, falou que estava com um aperto no coração, dizendo
que gostou da conversa, mas que falamos de coisas demais. Ao chegar em sua casa, ela
abraçou a mãe e se pôs a chorar muito. Vitória começou a dizer que tem muito medo de
ficar longe dela, ainda chorando muito. A mãe ficou bastante assustada, seus olhos se
encheram de lágrimas, e pergunta o que aconteceu. Conto-lhe sobre a conversa e ela diz
para Vitória parar com o choro, que estava tudo bem. Madalena diz que Nina não devia
ter falado tudo isso, que não deveríamos ter ido lá. Parece que Madalena não dispõe de
recursos simbólicos para oferecer uma ancoragem à filha, que passa por um momento de
extrema desorganização. Percebo que quando a mãe se aproxima, Vitória volta a chorar e
se desorganizar, quando a mãe sai de cena, ela fica melhor.
64
vez quem foi para o hospital foi Vitória, deixando Madalena sozinha. Quando me pediu
para deixá-las em paz, penso que o que havia acontecido naquelas últimas semanas
havia sido realmente excessivo, e que era necessário tempo para alguma elaboração.
Parece que esse reconhecimento construiu, com Madalena, uma possibilidade de
ligação confiável. Nos últimos tempos, ela vinha demonstrando muita irritação com a
minha presença.
Foi realmente admirável a maneira consistente como ela foi se inserindo nos
projetos, e como o CAPS propiciou um espaço de sustentação social muito precioso
para Vitória. A mãe também acabou por constituir, na sala de espera, um pequeno grupo
de conversa. Ela, familiares de outros pacientes e a secretária conversavam diariamente.
Madalena também encontrou no CAPS algum recurso ao isolamento, o que certamente
tranquilizou Vitória.
O grito
65
Nesse momento, Madalena olhou para mim com os olhos muito entristecidos
e disse: “a Vitória sofreu muito quando era pequena e continuou sofrendo depois que
cresceu. Ninguém pode aguentar isso. Ela precisa aliviar esse sofrimento”. Eu confirmo
o que ela havia dito com um gesto. Aquela fora uma fala plena; as palavras estavam
carregadas de afeto, havia ali o reconhecimento do desamparo de Vitória. Madalena havia
se implicado de alguma maneira com o sofrimento da filha. Foi uma fala com força de
ato. Uma pequena mudança de posição havia ocorrido. A doença de Vitória nesses anos
todos tinha garantido a sua mãe que ela não ficaria sozinha, ao mesmo tempo em que
lhe garantia que ela não precisaria deixar de se isolar. A doença justificava o isolamento
das duas – dessa maneira, ela não precisaria fazer outras ligações e continuaria vivendo
o desígnio cruel de uma vida sem coração.
O que se seguiu foi uma gradativa e consistente melhora de Vitória com relação
à angústia constante, ao medo, à preocupação com os outros, à compulsão por ajudar
e às alucinações auditivas. Aquela casa aconchegante, mas desabitada, é cenário agora
para muitos personagens: tios, tias, primos, vizinhos, sobrinhos etc. Vitória enche a casa
de vida e parece oferecê-la à mãe. Aos poucos Vitória tirou Madalena do isolamento e
concomitantemente vai construindo um espaço próprio.
66
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A RAPS tem como pauta os direitos humanos, a autonomia e a liberdade das pessoas.
• Os atendimentos do AT, como toda a sua prática, não têm um caráter fixo e
homogêneo, sendo relativizados, em termos de configuração, de acordo com a
demanda de cada paciente.
67
• O funcionamento das unidades de rede em saúde mental, como o CAPS, pode
funcionar de maneira muito particular para cada indivíduo.
68
AUTOATIVIDADE
1 A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) está integrada ao SUS e volta-se ao
atendimento e ao acompanhamento de pessoas com sofrimentos psíquicos,
buscando promover o cuidado, a reabilitação social, entre outros. Sobre a RAPS,
assinale a opção CORRETA:
2 A redução de danos é uma estratégia do Ministério da Saúde, cujo foco volta-se para
pacientes com histórico de uso e abuso de crack, álcool e outras drogas. Escreva
como funciona essa estratégia como forma de tratamento e acompanhamento.
69
4 O Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) faz parte das modalidades do
CAPS e busca atender crianças e adolescentes que estejam em sofrimento psíquico.
Sobre isso, analise as sentenças a seguir:
70
REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.
71
BRASIL. Portaria n° 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção
Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS). Brasília, DF: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 23
dez. 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/
prt3088_23_12_2011_rep.html. Acesso em: 3 out. 2021.
COUTO, M.; DUARTE, C.; DELGADO, P. A saúde mental infantil na saúde pública
brasileira: situação atual e desafios. Revista Brasileira de Psiquiatria, [s. l.], v. 30, n.
4, p. 390-398, jan. 2008.
72
MORAIS, C. de A. A potencialidade clínica do cotidiano: composições entre terapia
ocupacional, acompanhamento terapêutico e psicanálise. 2019. 131 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
73
RIBEIRO, A. M. A ideia de referência: o acompanhamento terapêutico como
paradigma de trabalho em um serviço de saúde mental. Estudos de Psicologia,
v. 14, n. 1, p. 77-83, jan-abr. 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/epsic/a/
WYgGXPSWV8GrQLgWwff6QWb/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 4 out. 2021.
SOUZA, T. Das práticas de redução de danos à redução de danos na prática. In: SOUZA,
T. Redução de danos: conceitos e práticas. São Paulo: UNIVESP, 2019.
74
UNIDADE 2 —
CONSIDERAÇÕES GERAIS
SOBRE TÉCNICAS DO
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO EM ALGUNS
CAMPOS DE ATUAÇÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
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UNIDADE 2!
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UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO COM CRIANÇAS E
SUAS FAMÍLIAS
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, as práticas que envolvem e alicerçam o trabalho do
acompanhamento terapêutico baseiam-se, desde o seu estágio embrionário, numa lógica
de desinstitucionalização e não patologização dos cotidianos. Desse modo, a atuação
deste profissional pode ter como base diferentes abordagens teóricas que guiem suas
práticas de maneira ética e em respeito aos direitos humanos, pautado na promoção da
cidadania dos indivíduos.
No que diz respeito às crianças, veremos neste tópico alguns aspectos gerais do
contexto da saúde mental na rede pública brasileira. Além disso, veremos, brevemente,
algumas teorias que discutem o desenvolvimento da criança, a atuação do AT junto
às crianças, suas famílias, sua escolaridade e algumas problemáticas atuais no que
concerne à medicação para a infância.
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Todavia, as necessidades de atenção em saúde mental para crianças e
adolescentes não encontram equivalência em termos de ofertas, isso ocorre em
diferentes países com diversas formas de trabalho e distribuição de renda. Um dos
motivos para essa defasagem diz respeito ao fato de que as políticas de saúde mental
são predominantemente voltadas para a população adulta. Ocorrem, no entanto,
muitos transtornos; os fatores de risco e proteção e as estratégias de intervenção e
organização são outros quando pensamos em termos de infância (COUTO; DUARTE;
DELGADO, 2008). Assim, políticas públicas voltadas para a população adulta como forma
de “universalizar” o acesso para todas as faixas etárias acabam, em grande medida, por
marginalizar as problemáticas que cabem à infância tanto em termos de diagnóstico
como de atendimento, intervenção e acolhimento.
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No cenário de saúde mental, pensamos também a infância em termos históricos
e sociais para compreender, a partir dessas esferas, os mecanismos e os caminhos que
contribuíram para o atual manejo da saúde mental das crianças. Assim, ao pensarmos
na infância como construção social, compreendemos as amarras que vêm junto a este
conceito e as áreas que contribuem para a produção de conhecimento, pesquisa e
práticas sociais, como a psicologia, a psiquiatria e a pedagogia, por exemplo.
Antes de nos atermos aos conceitos que são objeto deste estudo, faz-se
necessário compreender como, historicamente, as mudanças e nuances percorridas
pela infância como categoria teórica e social estão intimamente relacionadas com os
moldes hoje utilizados na abordagem com crianças. Nesse sentido, pode-se dizer que
já é fato bastante conhecido no meio científico que, embora crianças existam desde
sempre, nem sempre houve esse período da vida que hoje denominamos “infância”.
Até o século XIII, de acordo com Ariès (1981), não havia especificações próprias
da infância e crianças eram vistas como adultos em miniatura, com responsabilidades e
participação nas atividades da época (como jogos e danças), além da inexistência da
escola como instituição obrigatória em determinada idade. O sentimento de infância,
ou seja, a ideia de que a criança possui especificidades e pertence a uma categoria
geracional, é oriunda da Modernidade. Anterior a isso, não havia diferença de “mundos”
entre adultos e crianças.
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O primeiro sinal de sentimento de infância surge com a paparicação, nos anos
iniciais das crianças, pelos adultos, como fonte de divertimento. No entanto, moralistas
e eclesiásticos da época consideravam tais posturas ultrajes a partir da concepção de
imaturidade e ausência de alma da criança. Desenvolve-se, então, a necessidade de
moralizar e disciplinar a criança em múltiplos aspectos, o que modifica o cenário e as
relações com adultos.
A partir daí, a criança adquire um novo valor, uma nova importância. Dado esse
novo caráter, passa a haver, também, mais conhecimento científico voltado para a
infância, como a Psicologia do Desenvolvimento, a Pedagogia e a Pediatria, por exemplo.
Essas áreas disciplinares passam a dar subsídios para a família e para a escola sobre a
forma pela qual as crianças devem ser educadas e socializadas, o que é considerado
normal e o que é considerado patológico.
Por essas vias, a família nuclear, aquela composta por um casal heterossexual
e seus filhos, passou a ser o local privilegiado para a educação e o cuidado da criança,
que estará em diálogo com as produções de conhecimento da psicologia e da pediatria.
Assim, andam juntas as transformações sociais, políticas e a produção de conhecimento,
uma sendo o reflexo das outras.
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3 SOBRE O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Para que um acompanhamento terapêutico seja realizado com maestria, é
necessário que o profissional tenha um conhecimento sobre aspectos de “desenvolvimento
normal” da criança. A psiquiatria que abrange a clínica infantil é heterógena, em que, de
um lado, relaciona-se à educação da criança e, de outro lado, à busca pelos aspectos
nosológicos da psiquiatria infantil em comparação com os aspectos da psiquiatria adulta.
Desse modo, muitos conhecimentos sobre a psicopatologia infantil foram realizados
mais em cima de experiências do que em elaborações teóricas.
Além disso, podemos pensar sobre o que seria normal e o que seria patológico a
partir de quatro eixos (DALGALARRONDO, 2019): i) o normal como referência para saúde,
oposto à doença; ii) o normal como aquilo que condiz com as normas sociais e estatísticas;
iii) o normal como um ideal a alcançar; iv) o normal como processo dinâmico, em que
o indivíduo é capaz de restaurar um equilíbrio. Por isso, devemos ter atenção a estes
termos, pois não se deve confundir o normal com a média geral de comportamentos.
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Nesse sentido, veremos algumas perspectivas de desenvolvimento na infância
para que possamos, a posteriori, pensar na ação do Acompanhante Terapêutico com a
criança e seu entorno, com a família e a escola. Isso nos dá condições de olhar tanto para
as demandas da criança quanto para a compreensão do contexto e das problemáticas.
Por outro lado, John Watson, conhecido como o pioneiro na Psicologia Científica,
encontrava-se do lado oposto, defendendo que o desenvolvimento ocorre por meio de
estímulos e influências ambientais (BEE; BOYD, 2011). Watson acreditava que ao manipular
o ambiente, as crianças poderiam ser adequadamente treinadas para realizar qualquer
82
feito. Ainda postulava que se dessem a ele uma dúzia de bebês saudáveis e um mundo
específico para criá-los, ele poderia treinar os bebês para se tornarem especialistas em
uma profissão escolhida por ele próprio, de médico a ladrão, independentemente de
qualquer outro recorte, como ancestralidade, raça ou classe de origem.
INTERESSANTE
Em um dos mais famosos e controversos experimentos, Watson e Rosalie Rayner, uma
de suas alunas, estudaram o medo com o pequeno Albert, um menino de nove meses de
idade. Os pesquisadores deram a Albert um ratinho branco, totalmente inofensivo, e do
qual a criança não tinha medo, pelo contrário, gostava de se divertir com seu animal de
estimação. No entanto, como parte do estudo, todas as vezes que Albert ia em direção
do rato para pegá-lo, soltavam um barulho alto atrás dele. Com isso, após
cinco tentativas de pegar o rato, Albert mostrou os primeiros sinais de
medo. Além disso, a criança passou a demonstrar medo de outros animais,
como um coelho, por exemplo, e passou também a apresentar medo
de qualquer objeto branco peludo, como até mesmo a barba do Papai
Noel. Obviamente, os critérios éticos dessa pesquisa são, atualmente,
amplamente discutidos e questionados, de forma que certamente não
seria aprovada nos dias de hoje, mas, ainda assim, foi um marco para a
área, tanto em termos de experimento quanto em termos de aprendizagem
sobre ética na pesquisa.
FONTE: <https://www.megacurioso.com.br/misterios/113256-o-que-aconteceu-com-o-pequeno-
albert-cobaia-de-experimento-humano.htm>. Acesso em: 30 set. 2021.
83
3.1.2 Estágios e sequências
Outro debate para os teóricos do desenvolvimento diz respeito à organização
em estágios ou em sequência ou, em outras palavras, sobre a continuidade e a
descontinuidade do desenvolvimento humano. O comportamento visto como
desenvolvido apenas por adições, ou seja, mudanças quantitativas, em que
apenas se acrescentou algo em uma estrutura já existente, a isso consideramos de
continuidade de desenvolvimento (BEE; BOYD, 2011). Por outro lado, se considerarmos o
comportamento pautado na reorganização ou surgimento de novos recursos, pensamos
a descontinuidade de desenvolvimento a partir do surgimento de algo novo.
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A terceira via é aquela que diz respeito às mudanças não normativas, ou seja,
as diferenças individuais que são constituídas a partir de experiências únicas e não
compartilhadas (BEE; BOYD, 2011). Isso vai desde a combinação genética que cada um de
nós carrega até a que não compartilhamos com os demais, mesmo tendo influência dos
nossos ancestrais. Além disso, temos também as características que são influenciadas
pelo ambiente, como inteligência e personalidade, mas que são construídas de maneira
única em cada um de nós.
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forma de mecanismos de defesa. O superego é o centro da consciência e da moralidade,
sendo regido pelo princípio da realidade, pois se constrói a partir das normas e censuras
morais da família e da sociedade. O superego começa a se desenvolver por volta dos
sete anos, que coincide com a entrada da criança na escola e com a construção de um
senso de constrangimento.
FONTE: <http://www.psyche.com/psyche/images/misc/496px-Structural-Iceberg.svg.jpg>.
Acesso em: 30 set. 2021.
86
• Confiança básica versus desconfiança básica (0 a 1 ano): período em que se desenvolve
um senso de confiança básica no mundo nas relações a sua volta. Erikson deposita
responsabilidade à mãe para que esta etapa seja bem-sucedida. Assim, é necessário
que haja afetos e responsividade para garantir o senso de segurança da criança. Isso
dá à criança a confiança para desenvolver outros relacionamentos. Não obstante,
essa confiança não deve ser total, pois também é necessário que a criança possa
discriminar entre o que é perigoso e o que é seguro.
• Autonomia versus vergonha, dúvida (2 a 3 anos): período em que a criança começa a
formar um senso de independência e autonomia. Esse estágio também conta com o
cuidado dos pais para conduzirem esse momento das crianças, pois se as tentativas
de autonomia da criança foram frustradas, pode desenvolver a vergonha e a dúvida
em suas próprias ações (BOSSA, 2007). O ideal é que a criança consiga desenvolver a
autonomia e não sinta vergonha. Não obstante, alguma dúvida é necessária para que a
criança compreenda quais comportamentos são ou não aceitáveis naquele ambiente.
O ideal é que haja uma sequência em direção ao continuum de desenvolvimento.
• Iniciativa versus culpa (4 a 5 anos): nessa fase, a criança é capaz de tomar iniciativa e
traçar metas próprias, além de experimentar novas habilidades em termos cognitivos
e buscar a conquista e o respeito do mundo a sua volta. Nessa etapa, é possível que a
criança queira sair sozinha, que tenha curiosidade para saber como as coisas funcionam,
como montar e desmontar os próprios brinquedos, além de buscar descobrir o próprio
corpo. Os responsáveis devem mediar entre o estímulo às iniciativas e o limite que elas
devem ter; o cuidado, no entanto, é para que não se puna demais a criança ao ponto de
ela sentir culpa pelas iniciativas que deseja realizar.
• Diligência versus inferioridade (6 a 12 anos): nesse período, em nossas sociedades, é
quando as crianças entram na escola e passam a ser confrontadas com a socialização
(com outras crianças) e a busca por aprovação e desenvolvimento de habilidades
formais, como aprender a ler e a contar. Assim, nessa fase, a criança passa a
compreender as regras que a sociedade exige, como a diferença entre as crianças
em termos de classe, personalidade, gênero, entre outros. Caso as tentativas desse
período sejam frustradas, a criança pode desenvolver um senso de inferioridade.
• Identidade versus confusão de papel (13 a 18 anos): nessa fase, a puberdade é um
fator importante. Além disso, é uma busca pela compreensão da própria identidade
e do próprio papel em termos sociais e emocionais. Nesse período há também
descobertas sexuais.
• Intimidade versus isolamento (19 a 25 anos): diz respeito ao período em que o sujeito
alcança a intimidade consigo e consegue confiar nas filiações e associações que tem
ao seu dispor, encontra muito mais satisfação em suas atividades e desejos. O oposto
disso é o isolamento, em que a insegurança de ser quem se é se manifesta pela via
do afastamento de si e do mundo, como forma de anulamento.
• Generatividade versus estagnação (26 a 40 anos): período em que, acumulados os
estágios e os conhecimentos aprendidos até aqui, o sujeito consegue expressar sua
criatividade e sua produção. O oposto a este processo é a estagnação do processo
criativo e da expansão de seu próprio mundo, podendo ter passado como ponto de
resistência e sentido uma espécie de inadaptação em seu contexto.
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• Integridade do ego versus desespero (41+ anos): esse é o período conhecido por
carregar alguma sabedoria, quando a integração é do eu com o mundo, aceitando
que mesmo que seja levado para a morte, isso não apagará nem a cultura da qual faz
parte nem as memórias que ficarão entre aqueles do seu convívio. Por outro lado, o
desespero dá-se com o medo da morte, com a incapacidade de perceber tempo ou
tecer disposição para realizar seus desejos.
Esse fato, que embora hoje pareça simples, foi, em grande medida, revolucionário
na altura dessa descoberta. Esse afetamento que as crianças sofrem fez com que
os adultos mudassem – ou quisessem mudar – seus comportamentos em relação a
elas. Esses contextos abriram ainda mais espaço para a entrada de um novo agente
na socialização das crianças: o psicoterapeuta e o acompanhante terapêutico. Nesse
cenário, avalia-se, de maneira cada vez mais consistente, que a brincadeira é o meio
pelo qual a criança atribui sentidos e funções de seus comportamentos (AGUIAR, 2014).
É na brincadeira que a criança tem um papel ativo, é brincando que a criança consegue
se expressar e elaborar suas frustrações e conflitos.
88
Jean Piaget (1896-1980) foi um psicólogo suíço que tem grande influência
ainda nos dias atuais para pensar o desenvolvimento infantil e a aprendizagem. O foco
central de sua teoria diz respeito ao fato de que é da natureza do organismo adaptar-
se ao seu ambiente, num processo constante de homeostase. Desse modo, a criança
é colocada como ativa em seu próprio desenvolvimento, não sendo o ambiente que
as molda, mas havendo uma interação entre organismo e meio. Esse processo de
adaptação ao ambiente é composto por vários subprocessos, tais como: assimilação,
acomodação e equilibração.
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QUADRO 1 – TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO
As pessoas aprendem a
partir de modelos; aquilo
que elas aprendem de um Sem
Bandura Ativa Criação
modelo depende de como Estágio
elas interpretam a situação
cognitiva e emocionalmente.
90
Eu repeti: — Aquela coisa preta.
Então o meu pai apontou na direção da janela e disparou cinco
tiros seguidos. Voaram os vidros, choveram estilhaços, ficou tudo
estarrecido, mas eu senti subitamente uma grande paz dentro de
mim. Olhei para o meu pai e comecei a rir. Ele abraçou-me e riu. Riu
e chorou. Creio que foi uma das grandes alegrias da vida dele. E um
dos momentos de absoluta cumplicidade entre nós. Um e outro,
sem palavras, compreendemos imediatamente: ele tinha acertado
naquela coisa preta (ALEGRE, 2009, p. 29-30).
91
A autora Jerusalinsky (2002) relata sua experiência com uma criança (chamada
Fabiana) portadora de Síndrome de Down que ia à escola, mas que não realizava tarefas
cotidianas, como se vestir, escovar o cabelo, abrir a embalagem de creme dental, tomar
banho, entre outras. Com o decorrer do acompanhamento terapêutico, a atenção da AT
esteve voltada para a autonomia de Fabiana no seu dia a dia, na travessia da descoberta
de novas realizações. Houve um episódio, após seis meses de acompanhamento, em que
a paciente estava com vontade de tomar banho, mas nenhum adulto estava disponível
para isso, então ela mesma tomou banho, vestiu-se e alimentou-se sozinha. Após esse
episódio, também foram, AT e paciente, ao mercado, onde Fabiana escolheu ingredientes
para fazer um bolo para o seu próprio aniversário. É essa autonomia cotidiana que o AT
acompanha e se lança junto para que seja alcançada. Nesse processo, respeita-se e
valoriza-se o tempo, o ritmo, os recursos e as demandas da paciente que, nesse caso,
não era decorar o nome das cores ou saber a tabuada, mas tomar banho, preparar um
bolo, vestir-se, comunicar seus desejos e ter estrutura para realizá-los.
92
A criança, com seus olhares curiosos de infância, não caminha
velozmente. Está sempre olhando para o lado, para cima, para os
detalhes. Seu corpo não acompanha a velocidade imposta pelo
ritmo da rua. Quando acompanhamos sua temporalidade, seu ritmo
desacelera, torna-se vagaroso, quase em suspenso. Há pausas a
cada passo, diante de singulares e diminutos traços: uma formiga,
uma pedra, um brinquedo, um largado no chão, um buraco, uma
poça de água, um movimento, um som, um olhar ou uma fala. Em
outros momentos, torna-se veloz, descendo ladeiras e desafiando o
tempo, disparando uma corrida sem fim, onde as ladeiras convocam
ao movimento desenfreado (MEIRA, 2013, p. 41).
Para que isso seja possível em sua gama vasta de possibilidades, é necessário
que o AT se desprenda da formalidade e da temporalidade padrão, dos roteiros prontos,
tudo com script e hora marcada, afinal, isso é ir no sentido contrário da criança. Assim,
os diagnósticos e as medicações importam para saber a demanda, mas na hora do
acompanhamento, a presença e a disponibilidade do AT em estar com o coração e a
cabeça abertos para o momento são forças propulsoras de atravessamentos e mudanças.
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Além da importância da família quando pensamos na estrutura social e nas
ideologias dominantes, também relacionamos a família ao cuidado e à responsabilidade
pelas crianças às quais ela é responsável. Isso dá-se, pois, a família é o primeiro grupo
de mediação entre a criança e a sociedade. Portanto, a sociedade “confia” que é na
família que os valores e as regras sociais começarão a ser transmitidos. Assim, é na
família que ocorrem as descobertas culturais, a consolidação de hábitos e costumes,
bem como o reconhecimento da própria identidade, como o idioma falado, por exemplo
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). A família é a responsável pela garantia do direito
aos cuidados essenciais para o crescimento e o desenvolvimento físico, psíquico e
social da criança.
94
IMPORTANTE
A Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, em seu Artigo 6, aponta que, para o
desenvolvimento completo e harmonioso da personalidade da criança, é necessário
que haja amor e compreensão. Cabe aos pais os cuidados e as responsabilidades num
ambiente de afeto e segurança moral e material. O Brasil é signatário deste documento. O
ECA, em seu Capítulo 3, Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, Artigo 19, aponta
que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas
dependentes de substâncias entorpecentes”. Em outras palavras, em
documentos oficiais que direcionam as práticas sociais e as políticas públicas
são abarcadas tanto a importância da família quanto a necessidade de
cuidado e afeto das crianças. Esses são marcos importantes para pensarmos
a infância e a família. Esses documentos são importantes para a conquista de
direitos e respeito às crianças.
95
Assim, vale ressaltar que o setting do acompanhamento terapêutico com a
família ocorre onde estiver sendo realizado o atendimento e/ou a entrevista, pois o
setting no campo do AT ultrapassa as dimensões de espaço físico. Assim, ocorrendo
os encontros num consultório “padrão”, na casa da família ou em outro espaço, ainda
assim, o AT segue ofertando o trabalho proposto (SANTOS, 2016).
96
Com isso, devem fazer parte dos processos de observação do AT:
DICAS
A Declaração de Salamanca, promulgada em 1994, na Espanha, discorre
sobre a inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais
educacionais no âmbito das escolas regulares. Essa declaração é um
marco, pois reafirma a vertente da escolarização inclusiva e apoia o
desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos
os programas educacionais. Todas as crianças, independentemente
de suas necessidades educacionais, devem estar inclusas no sistema
regular de ensino. A Declaração de Salamanca, assim, levanta a bandeira
para uma pedagogia centrada na criança, pois percebe, nessa vertente,
o fortalecimento das esperanças e a consequente redução das taxas de
97
desistência e repetência escolar. Além disso, uma perspectiva centrada na criança também
oferece princípios de respeito e dignidade a todos os seres humanos a partir, justamente, de
uma mudança de perspectiva social, quando a sociedade percebe e ressalta as diferenças
ao invés de inabilitar e oferecer mais foco aos impedimentos do que aos potenciais de
determinadas pessoas.
IMPORTANTE
O capacitismo como preconceito e discriminação se manifesta principalmente quando uma
pessoa subestima a capacidade da outra pelo simples fato de ela ser pessoa com deficiência.
Geralmente, a pessoa com deficiência é tratada de forma infantilizada e pormenorizada
pelo simples fato de ter alguma deficiência que é visível, sem ser notada ou percebida pela
sua capacidade, mas apenas pela sua deficiência. Entender o que é capacitismo é muito
importante, principalmente pelo fato de que, por não ser muito conhecido, acabamos
praticando de forma involuntária. Como é o caso dos vieses inconscientes, o capacitismo
também pode ser evitado quando compreendido e estudado. Manifestações capacitistas:
pessoas sem deficiência que utilizam os banheiros para pessoas com deficiência, ou até
mesmo pessoas sem deficiência que questionam a necessidade do banheiro adaptado;
pessoas que se admiram ao ver alguma pessoa com deficiência vivendo sua
vida normalmente e fazem comentários como “ela vive a vida como se fosse
normal”; pessoas que ficam surpresas com a conclusão de curso de uma
pessoa com deficiência; parabenizações pela pessoa com deficiência ter
feito alguma coisa “mesmo com essas condições”. Expressões capacitistas
que devemos evitar: cego de raiva; dar uma de João sem braço; sequelado;
mongol; deformado; capenga.
FONTE: <https://iigual.com.br/blog/2021/04/08/o-que-e-capacitismo>.
Acesso em: 30 set. 2021.
98
O “faz as mesmas coisas que todos”, fala tão presente em relação a crianças com
problemas de desenvolvimento, muitas vezes encobre, com uma aparente democracia
e pé de igualdade com os outros, o anonimato e a ausência de projeto de vida no
qual uma criança é lançada. Frequentar a escola simplesmente “porque todos vão”, se
bem possa ter um aparente efeito normalizador, não implica a inclusão social de uma
criança se esta ida à escola não a toma num projeto maior de transmissão de cultura
(JERUSALINSKY, 2002).
É nesse sentido que o AT pode atuar junto a crianças que apresentem problemas
de desenvolvimento e contribuir para a sua autonomia e, assim, também com a sua
cidadania. Há, contudo, algumas precauções que devem ser tomadas, como a atenção
às demandas e necessidades do paciente. Desse modo, não basta que o AT passe a
apresentar uma série de atividades que julgue importante e necessária para o paciente,
pois isso seria uma mera transmissão e não uma apropriação por parte do paciente.
Assim, as práticas devem fazer sentido, sobretudo, para o paciente.
99
Nesse contexto, a medicalização da infância é um fato de preocupação
contemporânea. O conceito de medicalização diz respeito à chegada cada vez mais
impositiva da medicina em áreas da vida cotidiana das pessoas. Com a ideia de
medicalização sob uma perspectiva individual, as questões sociais acabam por serem
omitidas e, na prática, medicalizadas de forma cada vez mais crescente nas sociedades
ocidentais (MOYSES; COLLARES, 2013).
Em sua pesquisa, Moyses e Collares (2013) apontam como crianças que são
encaminhadas para os serviços de saúde devido a uma queixa escolar já chegam com
a ideia de que são doentes e a crença, em si, pode se tornar um impedimento para a
prática. Desse modo, a criação da categoria de infância que beira à anormalidade tem
relação, sobretudo, com as crianças de classe populares.
100
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Saúde mental infantil não possui tanta assistência na rede pública de saúde.
• A infância é uma construção social, o que hoje é comum, em outros tempos não fazia
parte da realidade social.
• Lev Vygotsky não constrói sua teoria pautada em estágios, mas em experiências,
considerando o quanto podem ser variáveis, enfatiza a cultura na construção do
desenvolvimento do indivíduo e coloca o sujeito como ativo em seus processos.
101
• É preciso estar atento às demandas das crianças.
102
AUTOATIVIDADE
1 O desenvolvimento humano pode ser visto de diferentes formas e perspectivas.
Alguns aspectos que estão inclusos nas teorias estão ainda abertos para debate.
Sobre esses aspectos, assinale a alternativa CORRETA:
103
5 Considerando que os aspectos referentes à medicalização da infância têm se
ampliado e gerado constantes discussões no meio acadêmico e médico, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
104
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO NO AUTISMO E NA PSICOSE
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos algumas possibilidades de técnicas para o
acompanhamento terapêutico com pessoas autistas e psicóticas. Nesse ponto, cabe
ressaltar que a própria história do acompanhamento terapêutico surge no contexto
da reforma psiquiátrica e na criação das comunidades terapêuticas visando um
atendimento humanizado para as pessoas em sofrimento e com o estigma da loucura.
105
É importante ressaltar que, nesse período da história, a psiquiatria não
apresentava interesse sobre os transtornos na infância, estes só eram considerados
como foco de estudo da psiquiatria quando auxiliavam nas questões relacionadas ao
adulto. Portanto, as crianças eram diagnosticadas de acordo com os critérios utilizados
para os adultos, sem considerar as suas especificidades (MARFINATI; ABRÃO, 2014).
Para a proposta deste trabalho, não nos cabe abordar detalhadamente todo
o processo histórico que aconteceu dentro da psiquiatria e que levou à construção
do conceito de autismo. No entanto, considerando a importância e a contribuição de
tais aspectos, apresentamos a seguir um quadro com os principais marcos históricos
que marcaram a evolução da psiquiatria infantil até o conceito de autismo, em ordem
cronológica, de 1798 a 1980.
106
Eugen Bleuler renomeia o conceito de demência precoce e pre 1911
1911 cocíssima para o de esquizofrenia infantil. Utiliza, inicialmente, o termo
autismo para delinear mais um dos sintomas dessa patologia
A partir da análise de 29 casos no Instituto Psiquiátrico de Nova York,
J. L. Despert faz uma notável descrição da esquizofrenia in1930-1937
1930-1937
fantil, cujas características observadas são as mesmas que Leo Kan
ner conceituará como autismo infantil precoce.
Melanie Klein publica a análise de um menino de quarto anos, co1930
1930 nhecido como Dick, cujas características corresponderiam, na
atualidade, a um quadro de autismo infantil.
Leo Kanner publica suas primeiras descobertas acerca do autismo 1943
1943
em seu estudo intitulado "Autistic disturbances of affective contact".
1944 Hans Asperger expõe quadros clínicos semelhantes ao autismo.
Revolução paradigmática no conceito de autismo: nos manuais
psiA partir da quiátricos é retirado da categoria de psicose,
A partir da década
passando a fazer pardécada de 1980 te dos Transtornos Globais do
de 1980
Desenvolvimento (CID-10) e dos chamados Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento (DSM-IV).
DICAS
Acadêmico, caso deseje aprofundar seus estudos a respeito dos aspectos
teóricos do autismo, recomendamos a realização do curso livre Transtorno do
Espectro Autista – TEA, disponível no seu AVA, em: semestres > cursos livres >
ver todos os cursos disponíveis > educação especial > Transtorno do Espectro
Autista – TEA. Bons estudos!
As pesquisas realizadas por Kanner tiveram como ponto de partida seu estudo
com duração de cinco anos com 11 crianças que apresentavam comportamentos
diferentes (oito meninos e três meninas). Foi possível observar que as crianças
estudadas possuíam comportamentos individuais, o que pode ser compreendido a
partir da organização e estrutura familiar que impactavam no seu desenvolvimento,
mas também foi possível localizar comportamentos semelhantes entre todas elas, como
a dificuldade de estabelecer relações logo no início da vida (BRANCO, 2020). Também
sobre os estudos de Kanner, podemos observar a seguinte mudança de nomenclatura:
107
A síndrome que, em 1943, era chamada de “distúrbio autístico do
contato afetivo”, recebe um ano depois o nome de “autismo infantil
precoce”. Essa mudança marca o uso ambíguo feito por Kanner do
termo autismo, ora como adjetivo, enquanto sinônimo de isolamento,
ora como substantivo, para definir a síndrome. Kanner teria proposto
esta mudança com o objetivo de inscrever um novo quadro clínico na
classificação das doenças mentais (FRÁGUAS, 2003, p. 37).
Apesar das semelhanças nos estudos, podemos destacar duas diferenças entre
eles: Asperger acreditava que a síndrome se manifestaria por volta dos quatro ou cinco
anos de idade, contrariando a ideia de Kanner, em que a síndrome estaria presente
nos primeiros três anos de vida (MARFINATI; ABRÃO, 2014). Kanner não acreditava
na possibilidade de evolução do quadro e Asperger, nesse ponto, era mais otimista
(BRANCO, 2020).
108
Desde a 1ᵃ edição destes manuais até hoje, nas classificações mais recentes
utilizadas (DSM – V e CID – 10), o autismo passou por diversas classificações e esteve
vinculado a outras categorias. Hoje, para a CID – 10, o autismo está inserido nos Transtornos
Globais do Desenvolvimento. No entanto, cabe destacar aqui, que na CID – 11, que entra
em vigor no início de 2022, se apresenta a noção de espectro (BRANCO, 2020).
109
Apesar da existência de um quadro sintomatológico, é importante
destacar que os indivíduos não são iguais. Deve-se ir além de um
diagnóstico, voltando o olhar para o sujeito e não para a patologia,
pois cada criança é única e singular, atravessada por contextos
distintos. De modo geral, é possível perceber que a sociedade ainda
apresenta dificuldades para aceitar e acolher os diferentes modos de
existência, tornando comum a busca por terapêuticas que tentam
"moldar" a criança a um funcionamento tido como o "normal" e
esperado. Nesse sentido, vale questionar: por que o outro, que é
diferente de mim, deve se adequar ao meu modo de viver? O que
queremos saber quando perguntamos se uma terapia é eficiente,
ou não? O que esperamos dessas crianças e porque elas devem
corresponder às nossas expectativas?
110
Os aspectos sensoriais são muito importantes e os estudos apontam que a
prevalência de dificuldades relacionadas a este sentido no TEA é alta. Com o transtorno
sensorial, a pessoa possui dificuldade em alinhar seus comportamentos com suas
emoções e sentidos, em virtude da grande quantidade de informações que recebe
através da via sensorial, presente em todo o nosso corpo. Dessa forma, os estímulos
sensoriais são uma das questões que podem levar o sujeito a realizar as estereotipias,
pois é uma forma de buscar por uma autorregulação interna (NORTE, 2017). A respeito
da autorregulação, é importante destacar que:
Outro aspecto diz respeito à rotina: quando há alguma alteração naquilo que é
comum à pessoa com autismo, isso causa um sofrimento intenso. Podemos compreender
que a construção desses rituais também é uma forma de autorregulação. Dessa forma, é
muito comum observar certa rigidez (BRANCO, 2020).
111
DICAS
Recomendamos que você assista ao documentário Stimados Autistas, que
apresenta relatos de vida de pessoas autistas diagnosticadas na fase adulta.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qR5JIrKboso.
112
DICAS
Para aprofundar os seus estudos a respeito das orientações técnicas
para o cuidado de pessoas com Transtorno do Espectro Autista e de sua
família, recomendamos a leitura na íntegra das Diretrizes de Atenção à
Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O Método PECS pode ser utilizado tanto com crianças autistas que não
desenvolveram a fala, como com outras crianças que também possuam dificuldades
ou limitações na comunicação verbal. Nesse método, a criança se comunica através de
figuras, selecionando a figura que representa aquilo que ela deseja (determinado objeto)
e entregando na mão do acompanhante terapêutico, para que este possa entregar o
que foi solicitado. Essa metodologia também pode facilitar a sua circulação no contexto
social, já que as figuras podem representar diversas necessidades, como atenção dos
pais, alimentação, entre outras (LOCATELLI; SANTOS, 2016).
113
Podemos compreender o Método TEACCH como uma união entre as duas
metodologias anteriores, pois trabalha tanto com a utilização de imagens para
a comunicação quanto com a organização de pequenas atividades para atingir
determinado objetivo. O TEACCH é considerado um método psicoeducacional e
necessita de uma parceria com os familiares para a sua realização. Tem como objetivo
a ampliação da qualidade de vida e da autonomia, sendo elaborado sempre de forma
individualizada, considerando a singularidade da pessoa atendida. O aprendizado é
sempre acompanhado, e na medida em que se observa evolução, são inseridas novas
aprendizagens (LOCATELLI; SANTOS, 2016).
DICAS
Acadêmico, recomendamos a realização do curso livre Autismo em Perspectiva,
disponível no seu AVA, em: semestres > cursos livres > ver todos os cursos
disponíveis > educação especial > Autismo em Perspectiva, para compreender
como as áreas da psicologia, neurobiologia e neuropsicologia, educação e
terapêutica ocupam-se do Transtorno do Espectro Autista. Bons estudos!
O termo psicose foi utilizado pela primeira vez por um psicólogo alemão chamado
Feuchtersleben em 1845. No entanto, na França, ele surgiu em 1869, ganhando maior
destaque somente no século XIX em virtude dos trabalhos de Möbius em 1892, em que
ele divide a psicose em endógena e exógena (LOPES, 2001). Como um conceito de uso
restrito, inicialmente, a psicose não é considerada e apresentada no famoso Tratado de
Psiquiatria, onde Kraepelin realizava uma organização sistemática de classificação dos
transtornos mentais.
115
DICAS
Para resgatar detalhes da história de constituição da psicose, recomendamos
a leitura do artigo A psiquiatria na época de Freud: evolução do conceito de
psicose em psiquiatria. Trata-se de uma conferência pronunciada por José
Leme Lopes na Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro em 24
de outubro de 1988, com revisão de texto e notas de Paulo Dalgalarrondo.
116
A respeito dos sintomas de delírio e alucinação, Pulice (2012, p. 154) aponta
que estas:
DICAS
Acadêmico, achamos importante você se aprofundar nos conceitos de
alucinação e delírio. Para isso, recomendamos que você assista ao vídeo da
psiquiatra Maria Fernanda Caliani, intitulado: Qual a diferença entre alucinação,
ilusão e delírio? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZsF1q8pYsj0.
117
É importante esclarecer, acadêmico, que dependendo da teoria utilizada, a
compreensão diagnóstica da psicose poderá apresentar diferenças. Os estudos a respeito
da psicose iniciaram dentro da abordagem psicanalítica e, portanto, apresentaremos
de forma resumida como essa estrutura (utilizando um termo da própria psicanálise) se
instala, através da teoria de Lacan.
É nesse ponto, quando o pai aparece nessa relação, que reside como a
estrutura psíquica se constituirá: neurótica, psicótica ou perversa. A psicose acontece
quando há a foraclusão do nome do pai. Solal Rabinovich (2001 apud RAMIREZ, 2004,
p. 100) define que:
118
da errância uma produção exclusivamente motora. Ela também pode
ser intelectual, feito invenção sem mestre, sem verdade a priori, que
se regra na medida em que se faz, qual criatividade sem freios. Por
conseguinte, não podemos confundir a errância intelectual com os
pensamentos desorganizados. Estes são sintomas do surto e não de
uma estrutura psicótica em funcionamento antes do surto.
DICAS
Não é escopo deste livro aprofundar os conceitos da psicanálise a respeito
do tema. No entanto, caso desperte o seu interesse, sugerimos que consulte
o Dicionário de Psicanálise para maior compreensão dos conceitos.
119
caráter relacional e dinâmico que digam da angústia fundamental humana bem mais
que a mera classificação nosográfica e categorial sintomatológica. Com essa opção,
busca-se resgatar a dimensão natural de qualquer sofrimento humano, inclusive
daqueles tidos como psicóticos” (COSTA; COSTA, 2017, p. 20).
DICAS
Recomendamos a leitura do livro Memórias de um doente dos nervos, que
conta o caso de Schreber, em que ele apresenta as suas memórias. Trata-
se de um paciente psicótico.
120
singularidades, não existindo dois planejamentos iguais. Cabe destacar que aqui
também serão utilizadas algumas técnicas comportamentais, como a divisão de um
objetivo em pequenas etapas, pareamento de comportamentos e esquemas de reforço,
o automonitoramento, entre outros (LIMA; ESPÍNDOLA, 2015). A seguir, as nove etapas
de planejamento propostas pelas autoras:
121
Levar o sujeito da psicose às reuniões do Conselho Municipal de
Saúde, ao posto de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS),
a uma manifestação contra o aumento das tarifas do transporte
coletivo urbano, a um espetáculo de um artista famoso, a uma
reunião da associação dos usuários do CAPS; levá-lo a uma aula de
dança, passear com ele para ensiná-lo a usar o transporte coletivo,
ajudá-lo em seus estudos de preparação para o vestibular, ou nos
exercícios práticos para conseguir a habilitação como motorista [...].
São atividades de acompanhamento terapêutico, isto é, atividades
compartilhadas que objetivam produzir um efeito no meio social,
no outro social, qual seja tal efeito, o desejo, o desejo por uma nova
configuração, que inclua o sujeito da psicose.
122
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O termo autismo foi utilizado pela primeira vez por Eugen Bleuler em 1911 como uma
característica psicopatológica, principalmente relacionada aos seus estudos sobre
psicose e, em especial, da esquizofrenia.
123
AUTOATIVIDADE
1 Durante o período inicial da história da psiquiatria não havia interesse sobre os
transtornos na infância, estes só eram considerados como foco de estudo da
psiquiatria quando auxiliavam nas questões relacionadas ao adulto. Portanto, as
crianças eram diagnosticadas de acordo com os critérios utilizados para os adultos,
sem considerar as suas especificidades. Sobre os estudos realizados pelos psiquiatras
infantis Hans Asperger (1944) e Leo Kanner (1943), assinale a alternativa CORRETA:
I- O termo psicose foi utilizado pela primeira vez por um psicólogo alemão chamado
Feuchtersleben em 1845. No entanto, na França, ele surgiu em 1869, ganhando
maior destaque somente no século XIX em virtude dos trabalhos de Möbius em
1892, que divide a psicose em endógena e exógena.
II- O termo psicose foi importante desde o primeiro momento de sua definição, sendo
apresentado logo na primeira versão do Tratado de Psiquiatria de Kraepelin, onde
ele realiza uma organização sistemática de classificações dos transtornos mentais.
III- A história do acompanhamento terapêutico também possui relação com a loucura e,
portanto, com pacientes psicóticos. O primeiro acompanhamento terapêutico teria
sido realizado com um paciente esquizofrênico acompanhado por uma enfermeira.
124
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.
125
126
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO NOS PROCESSOS DE
ADOECIMENTO E COM PESSOAS IDOSAS
1 INTRODUÇÃO
É cada vez maior o número de idosos que precisam ser acompanhados devido
à solidão: por falta da família, falta de vínculo familiar, deficiência, situação econômica
etc. A propósito, a mídia nos oferece notícias devastadoras sobre a morte de pessoas
solitárias. Por esse motivo, o acompanhamento terapêutico auxilia no enfrentamento
da situação de solidão nessas pessoas, principalmente por ser muito importante, por se
tratar de uma faixa etária vulnerável entre 60-90 anos no processo de envelhecimento e
patologias associadas: cardiovascular, reumatologia neurológica, ansiedade, depressão
e sintomas tão característicos como a dor.
Por outro lado, nos hospitais, há idosos internados sem companhia, na maior
parte das horas do dia. Claro que eles têm família, mas devido ao trabalho ou a outras
responsabilidades familiares, não podem acompanhá-los. Esses idosos estão solitários
e tristes, não têm com quem conversar, pedem que sejam trazidos seus pertences ou
fazem outra demanda por necessidade vital.
Por fim, outras pessoas idosas vivem com a família em casa, mas devido às
relações de trabalho, ao cuidado de menores ou outros, não podem acompanhar o seu
familiar mais velho para fazer uma gestão, ir ao cinema, ao teatro, ao médico, ao curso
em uma sala de aula para idosos.
127
2 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO
Iniciaremos localizando algumas particularidades que compõem o contexto e
a realidade pela qual passam as pessoas no período vital da velhice, pois acompanhá-
las exige um conhecimento a respeito, sabendo que, por sua vez, este conhecimento se
configura pela própria prática (NERI; FREIRE, 2000):
128
FIGURA 3 – PROCESSO DE ENVELHECIMENTO
FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/envelhecer-não-é-mais-destino-é-um-processo-
configurável/a-18994324>. Acesso em: 28 set. 2021.
Para o idoso que deseja um espaço, é importante ser visto como “aquele idoso”
e não como “o idoso” em geral. Aqui o acompanhante terapêutico vem ocupar um lugar.
Acompanhar, em qualquer dicionário, significa estar ou ir na companhia de outro ou de
outros, existir uma coisa junto a outra ou simultaneamente com ela (MARTINS, 2017).
Portanto, e tomando essas definições, o lugar do acompanhante pode ser pensado
como aquele que o acompanha no reencontro e veículo dos aspectos desejantes. Um
esforço para que algo do seu desejo possa reexistir. Desejos perdidos, esquecidos, que
outrora existiram, assim como o aparecimento de novos desejos.
129
Ele começa a falar e contar sobre sua família, empregos, preferências. A vontade
de se expressar começa a ser ouvida, ele tenta continuar com a conversa quando a
reunião do dia termina. Ele quer continuar a ser ouvido. Posteriormente, surge um contato
corporal, levando o acompanhante pela mão, percebendo outra qualidade de abordagem,
mais comprometida e íntima. Lá ele expressa que o espera na próxima semana. Antes
de entrar na instituição, o paciente cantava em um coral da Igreja Evangélica e isso era
trabalhado com o acompanhante. Aos poucos, passou a participar de uma atividade
especial que consistia em cantar, integrando-se ao coral que alguns pacientes formavam
para um evento especial. Atualmente, requer incentivo e ajuda dos profissionais para
subsidiar sua frequência em outras oficinas, como ginástica e artesanato.
Mais um exemplo que podemos refletir aqui é o de Estela. Estela não é apenas
mais uma idosa, mas sim uma idosa que tem um nome, sobrenome e uma história de
vida passada, presente e futura. Essa paciente iniciou o ano com o acompanhamento
terapêutico. Em outra ocasião, ela havia recusado este serviço. Dessa vez, no início,
não foi um retumbante sim. Foi uma espécie de teste, um teste que se transformou em
“vamos continuar nos vendo mais tarde?”. Ela foi considerada para acompanhamento
terapêutico devido às dificuldades em aceitar morar na instituição. Ela expressou não
130
se sentir bem com isso e demonstrou uma atitude de reclamação permanente. Sempre
pensa que em algum momento vai voltar para casa, situação que é muito difícil de se
tornar realidade, dadas as limitações que sua saúde lhe traz. Existe uma negação e um
componente depressivo.
131
3 O TRABALHO DO AT NA ATENÇÃO À PESSOA IDOSA
A entrada na terceira idade pode ser para muitos um momento de muita
preocupação, atenção e medo. Ao se perceberem necessitando de cuidados que antes
eram feitos por eles aos seus filhos e netos, cria-se uma resistência e um sofrimento
psíquico muitas vezes intenso e difícil de ser manejado pelos familiares. É nesse momento
que o AT entra para poder proporcionar esse cuidado, atenção e ajudá-lo a entender que
esse sujeito ainda possui condições e pode exercer muitas coisas, diferente do que ele
fielmente acredita (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).
A escuta clínica sempre estará presente no trabalho realizado pelo AT e estará
direcionada principalmente para questões em que surgirem fragilidades do corpo, falta
de mobilidade, isolamento social e solidão, mudanças de papéis sociais, problemas
familiares, demências, adoecimentos, desenvolvimento de fobias, limitações físicas,
lutos e perdas, pois tudo isso pode começar a ser frequente em uma pessoa idosa e ela
precisa saber que existe uma equipe multidisciplinar a sua disposição para auxiliá-la
(BARBIERI; BAPTISTA, 2013). O diferencial do trabalho do AT é que é ele quem vai até o
sujeito, o que se diferencia de um setting terapêutico tradicional, proporcionando uma
atenção que vai de acordo com o estilo de vida e cotidiano do idoso, gerando um maior
conforto e confiança.
O AT vai se dedicar em constituir ou resgatar esse laço social com planos
terapêuticos desenvolvidos a partir da elaboração de projetos de vida em diferentes
contextos da vida deste sujeito: comunidade, família, trabalho, viagens, atividades
culturais, desenvolvimento de novas tarefas e atividades, possibilitando que ele crie um
vínculo dentro do próprio cotidiano do idoso, por meio de saídas a espaços públicos ou
em seu domicílio (MARTINS, 2017).
FONTE: <https://blog.dilaoliveira.com.br/quais-os-cuidados-basicos-e-preciso-ter-com-a-saude-
do-idoso-descubra/>. Acesso em: 28 set. 2021.
132
Além de todo suporte no cuidado a doenças, dificuldade de socialização, entre
outras complicações, o AT pode também atuar em atividades, como fazer compras,
ajudá-lo num passeio em um parque, encontrar amigos, assistir a uma peça de teatro,
visitar museus, para garantir o bem-estar do idoso (OLSSON, 2013).
Por sua vez, nos casos em que a família do paciente deseja evitar a
hospitalização, pode ser necessária a inclusão do dispositivo no tratamento do paciente,
sua intervenção implicando cuidados domiciliares e acompanhamento do sujeito para
recuperar sua autonomia e independência (BARBIERI; BAPTISTA, 2013). Por outro lado,
muitas vezes a perda de um ente querido pode levar à depressão severa nos idosos,
que veem a própria morte como um evento iminente, causando um esmagamento do
desejo de viver e de manter o vínculo com seus amados. Nesses casos, a intervenção do
Acompanhante Terapêutico pode facilitar o resgate de vínculos rompidos por meio do
estabelecimento de vínculo com o paciente e, por outro lado, favorecer a realização de
tarefas e atividades que permitam ao sujeito ficar visível e que pode ainda executar. O
acompanhante terapêutico, nesse tipo de caso, terá como ponto de partida a palavra e
a importância do acompanhamento do sujeito para a formação de novas redes de apoio.
133
3.1 QUEM SÃO OS DESTINATÁRIOS DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO PARA IDOSOS?
Na nossa sociedade atual, mesmo com a ampliação de cuidados, melhor garantia
de qualidade de vida e toda assistência que a rede já fornece para o idoso, ainda existem
algumas situações em que se faz necessário o acompanhamento terapêutico. Ele
pode ser contratado por várias razões, o AT não se resume ao sujeito sofrer de alguma
patologia, então, para melhor compreensão, veja a seguir os principais destinatários
para um acompanhamento terapêutico (BARBIERI; BAPTISTA, 2013):
1. Social: acompanha idosos que moram em residências e lares um ou dois dias por
semana, com o objetivo de acompanhar e dar suporte àquelas pessoas que ninguém
visita ou que moram sozinhas. No entanto, as visitas domiciliares são momentos de
encontro entre o idoso e o acompanhante, e dependendo de cada idoso, tornam-
se momentos de bate-papo, troca de experiências/anedotas ou simplesmente estar
juntos. Desempenhar funções de apoio social: relacionamento de escuta ou ajuda.
Favorece também a integração social nas pessoas que se encontram em isolamento
social por motivo de deficiência ou precárias condições de habitação, ou que não
têm vínculo familiar. Por outro lado, aqui se dá a animação e a inserção da pessoa
nas atividades de lazer: ir ao teatro, ao cinema, ao mercado. Acima de tudo, o mais
importante é ensiná-los a manejar uma série de recursos para aliviar a solidão: ouvir
rádio, ler revista, fazer tarefas criativas: ponto cruz, artesanato etc.
2. Procedimentos médicos: é um serviço por meio do qual o voluntário acompanha e
auxilia o idoso em seus procedimentos administrativos e de saúde. Esse tipo é menos
social e mais pontual, ocorre em casa ou também, mais isoladamente, pode ocorrer
na residência. Trata-se mais de apoiar o idoso na realização de procedimentos: ida
à prefeitura ou outro órgão público para solicitar documento, assistência social etc.
Acompanhar o médico é outra função nesta seção, por parte do acompanhante
requer paciência e adaptação ao nível de mobilidade que o idoso possui: mobilidade
reduzida, cadeira de rodas, segurar o acompanhante. Outras subfunções, tais como:
relembrar sua situação de saúde, coletar documentos de prontuários, ajudá-los a
classificar os documentos clínicos que possuem por ordem de datas.
3. Hospital: realiza-se em centro hospitalar quando o idoso está hospitalizado e não tem
família ou raramente a família o visita. As funções aqui são propriamente acompanhar
o paciente, devido a sua situação de convalescença, também: oferecer-lhe na sua
situação, um bem-estar no hospital, acompanhá-lo na caminhada, trazer seus
utensílios, monitorar os soros e avisar o pessoal de saúde, limpar num determinado
momento, arrumar o armário, conversar, ouvir atentamente.
4. Terapêutica: idosos que moram sozinhos ou não têm relações familiares fluidas;
135
sentir-se acompanhados por um acompanhante por meio de “um programa de
acompanhamento” influencia positivamente a saúde física e mental. Em outras
palavras, é uma terapia social para que seu corpo não adoeça socialmente e não
sofra problemas de saúde física ou mental. Esse tipo de acompanhamento é feito em
casa, residência e hospital.
5. Lazer e atividades terapêuticas: se o idoso quiser fazer coisas, daremos a ele a
oportunidade, encorajando-o, aconselhando-o de forma simples. Claro, o que ele gosta
de fazer ou o que costumava fazer, como: ler, ouvir música, jogar cartas, fazer trabalhos
criativos individualmente em casa, como meta para passar o tempo e se sentir útil.
Tudo isso é importante para a sua qualidade de vida. Enquanto as pessoas podem, é
bom que continuem a praticar seus hobbies.
136
3.4 MOBILIDADE EM IDOSOS
Podemos atender idosos saudáveis, que não precisam de nenhum suporte
técnico, porém costumamos nos encontrar com mais frequência com pessoas mais
velhas que precisam de: uma bengala ou muletas, devido a problemas ósseos, como:
osteoartrose, osteoporose, fraturas ósseas, recuperação de operações, lumbago,
coluna, doenças cardiovasculares e vasculares (SALVAREZZA, 2002). Outros requerem
caminhadas com menos frequência devido a múltiplas patologias que estão associadas:
osteoartrite, reumatismo, cardiovascular, entre as mais importantes. Finalmente, doenças
incapacitantes bilaterais que requerem cadeira de rodas, como ACVS e AVC bilateral.
137
FIGURA 5 – EXERCÍCIOS FÍSICOS PARA IDOSOS
Nesse contexto, não é de se estranhar que sua autoestima sofra sérios danos e
que muitos deles sofram de depressão severa. Para melhorar a autoestima e a qualidade
de vida desses idosos, devem ser considerados os seguintes pontos (HORNSTEIN, 2011):
138
• Promover seus relacionamentos: ajude-os a não se isolar. Os idosos costumam
ter sentimentos negativos: inutilidade ao se verem dependentes, falta de energia,
isolamento, diminuição das atividades e relacionamentos, ou mesmo ansiedade e
depressão. É importante cuidar do aspecto psicológico. Você tem que reservar um
tempo para conversar com ele e ajudá-lo a melhorar e recuperar sua autoestima.
Uma das características mais importantes nas pessoas que sofrem com isso
é a triste convicção de se sentirem excluídas, de não terem acesso a esse mundo de
interações, de estarem condicionadas a um desconforto emocional que surge quando
a pessoa se sente incompreendida, rejeitada pelos outros ou não terem companhia
para as atividades desejadas (ir ao cinema, fazer compras etc.). Nem sempre é um
sentimento negativo, há pessoas que gostam de morar sozinhas por um tempo ou
permanentemente, sendo esta última uma porcentagem muito pequena.
139
4 O CUIDADO JUNTO A IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS
Com o passar dos anos e os avanços na garantia de direitos e cuidados à pessoa
idosa, muito se tem feito para garantir a qualidade de vida digna deste público. Em
decorrência do abandono dos familiares e o sofrimento físico e psíquico que o idoso
passa a sentir, muitos acabam sendo deixados em casas geriátricas (VERAS, 1995).
140
• Os idosos não são capazes de aprender.
• Os idosos não se adaptam à mudança.
• Sexualidade é coisa para jovens.
• Pessoas velhas são temperamentais.
• A velhice é sinônimo de sabedoria.
• A velhice é sinônimo de doença.
• O idoso não tem futuro; entre outros.
Os cuidados que os idosos demandam não se limitam aos cuidados com sua
saúde física, muitas vezes os colapsos psíquicos nos idosos se devem ao fato de serem
objetos de cuidado, mas não são tratados como sujeitos.
Ficha técnica
Paciente: B
Idade: 82 anos
141
O programa explicou o novo plano de trabalho, indicando que estavam
apostando na nova incorporação como motivadora de conversas, trocas geracionais,
pois tinham percebido que alguns temas, com os outros profissionais, esgotavam-se
rapidamente, pois as experiências eram próximas e as davam como conhecidas, então
essa distância geracional implicaria inevitavelmente alguns questionamentos e assim
a motivaria a exercitar sua memória de longo prazo. Com essa simples premissa, não
totalmente explícita no comentário sobre a descrição do plano de trabalho, iniciou-se
o acompanhamento. Para além das sucessivas visitas à equipe médica que tratava
B, este caso exigiu a supervisão da equipe quanto ao papel que os acompanhantes
terapêuticos desempenhavam com B, foi assim que nas sucessivas supervisões,
descobriu-se que a B era totalmente diferente da imagem que tinha sido feita em
primeira instância, descobriu-se que ela era uma grande tagarela e foi assim que as
acompanhantes terapêuticas conseguiram fazer com que B as esperasse com histórias
e fotos e a vontade de ir visitar lugares que ela visitava quando jovem.
DICAS
Para melhor compreensão do assunto, sugerimos a leitura do artigo
O acompanhamento terapêutico no envelhecimento – interfaces entre
Psicogerontologia e a clínica do AT, de Isadora Di Natale Nobre e Ruth Gelehrter
da Costa Lopes. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/
article/view/45112/29837.
142
5 DAS ATRIBUIÇÕES DE UM ACOMPANHANTE
TERAPÊUTICO
O acompanhante terapêutico é o profissional de saúde mental que se dedica a
acompanhar e acondicionar pessoas com algum tipo de patologia mental, psiquiátrica,
física ou incapacitante ou pacientes que estejam em algum tratamento médico
momentâneo (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).
• Atenção constante.
• Acompanhamento personalizado da evolução do paciente.
• Contenção do paciente e família em emergências.
• Aumenta a autonomia e a autoconfiança do paciente.
• Promove a reintegração laboral, educacional e recreativa.
• Permite manter laços familiares.
• Detecção precoce de sintomas antes de uma possível recaída.
143
1. Definição de necessidades: antes de procurar o Acompanhante Terapêutico, é
fundamental ter clareza sobre a patologia do seu ente querido. Dessa forma, cada
candidato saberá se poderá ajudá-lo.
2. Pesquisa: você pode começar perguntando a conhecidos ou pesquisando na internet.
Colocando todos os requisitos, você encontrará os Acompanhantes Terapêuticos que
melhor atendem às necessidades de seu ente querido.
3. Entrevistas: a entrevista é uma etapa crucial. É altamente recomendável solicitar
referências dos candidatos para poder esclarecer quaisquer dúvidas. É importante
notar que a entrevista não precisa ser uma única entrevista. Os membros da família
podem entrevistar os candidatos repetidamente. O objetivo é encontrar a pessoa
certa para o seu ente querido.
4. Referências: caso você não busque referências antes da entrevista, é importante
que faça antes de contratar. Opiniões de terceiros ajudam e não se deve ter dúvidas
sobre quem vai acompanhar o seu familiar.
5. Contratação.
É muito importante que você conheça bem o idoso para poder traçar o perfil do
profissional com mais assertividade. Quem vai traçar o plano terapêutico é o AT, mas
para evitar desgastes à família e ao idoso, quanto mais informações você conseguir
colher, melhor.
144
FIGURA 6 – ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM DEMÊNCIAS
FONTE: <https://paranashop.com.br/2020/05/demencia-na-terceira-idade-quando-procurar-ajuda/>.
Acesso em: 28 set. 2021.
Atualmente, existem doenças que ainda não têm cura, como as demências, e
principalmente a partir dos vínculos é de onde se pode intervir para oferecer qualidade
de vida e aliviar o sofrimento psíquico de quem sofre (GOLDFARB, 2004). Dependendo
dos sinais e sintomas que aparecem nos indivíduos afetados, as perdas significativas
que sofrem são as seguintes:
No caso particular das pessoas com demência, existe o preconceito de que elas
não entendem ou não têm consciência de sua dessubjetivação e perda das funções
cognitivas. Ao contrário, nos estágios iniciais da doença e até em fases moderadas,
os sujeitos podem dar conta e ter consciência das mudanças que estão começando a
vivenciar e das perdas que elas acarretam. O surgimento da demência para além das
diferenças que podem ser localizadas em cada pessoa a partir de sua singularidade,
produz uma ruptura na teia de significados que o sujeito constrói de si mesmo. Essas
rupturas, às vezes mais lentas e outras mais abruptas, afetam a posição do sujeito e
exigem esforço e retrabalhos de identidade.
145
Luis Hornstein (2011, p. 28) afirma que a “autoestima é o relato que se faz de si
mesmo”, este relato refere-se a uma autoavaliação. Pessoas com demência há muito
tempo mantêm essa função de autoavaliação e para muitos é muito frustrante encontrar
suas dificuldades e déficits. Reconhecer o sujeito afetado como sujeito de desejo é, em
muitos casos, intervir para desvendá-lo do “emaranhado” discursivo e intersubjetivo e
construir com o Acompanhante Terapêutico uma cena diferente no teatro de sua vida.
Pulice (2017) ainda contribui que, no caso específico dos cônjuges, os fatores de
sofrimento psíquico predominantes incluem fenômenos singulares, como ambivalência,
raiva, culpa e sentimento de dívida, e, na dimensão do vínculo, a modificação das trocas
que historicamente moldaram a homeostase do funcionamento do vínculo.
146
Para Pulice (2017), as angústias e as ambivalências que não são expressas em
palavras ou processadas, são encenadas ou afetam o corpo:
• Acompanhar.
• Gerenciar procedimentos, consultas médicas ou outras tarefas diárias.
• Praticar atividade física e/ou caminhadas.
• Participar de atividades recreativas, como caminhadas e passeios.
• Desenvolver atividades de estimulação cognitiva para desacelerar o declínio cognitivo.
• Realizar atividades que estimulem a socialização e a construção de redes.
• Integrar em propostas de estimulação para melhorar as funções conservadas e
permitir a neuroplasticidade; entre outras.
Essas podem ser metas iniciais que surgem como solicitações de cônjuges,
familiares ou profissionais de atendimento. Agora, a pergunta inevitável: qual de todos
esses objetivos possíveis de um dispositivo de AT pode explicar o desejo do sujeito
afetado pela demência?
147
Por fim, outra dimensão da perda se desdobra com os Acompanhantes
Terapêuticos, uma vez que a dessubjetivação do sujeito e a desestruturação de suas
funções cognitivas determinam que os vínculos e encontros sejam de diferentes pontos
de conexão e contato. Esses processos requerem redefinições e ajustes periódicos de
objetivos. O sujeito, suas limitações e seus desejos são transformados no processo e o
dispositivo AT deve ser flexível para acompanhar essa dinâmica (HORNSTEIN, 2011).
6 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM UM
PROCESSO DEPRESSIVO
Atualmente, pertencer à terceira idade não traz nenhuma vantagem. Tudo na
sociedade é pensado por e para os jovens. A publicidade nos invade com imagens
de corpos esguios de trinta e poucos anos. Em contraste com essas imagens
constantemente repetidas, a velhice é caracterizada por aspectos deficitários, doenças,
perdas etc. Com esse panorama pela frente, quem vai querer pertencer ao grupo da
terceira idade?
148
Propomos uma velhice produtiva considerando as transformações que ocorrem
nos idosos e em seu ambiente:
Para enfrentar esses lutos, é necessário que o idoso tenha recursos para
processar psiquicamente aquele momento de sua vida, uma vez que lutos não resolvidos
podem levar à depressão.
Muitas são as adversidades que podem cercar esse momento e, assim, contribuir
para agravar ou amenizar as consequências desse estado. É um momento que costuma
coincidir com a morte dos entes mais próximos, companheiro e amigos e nascimento
dos netos (SALVAREZZA, 2002).
149
Cada um dos atos, orientações e decisões que damos à nossa vida – mesmo os
mais inocentes – responde a frases, ideias, preconceitos que, na maioria das vezes, são
desconhecidos, inconscientes para nós.
Aceitando isso, uma pessoa idosa ou um sujeito de qualquer idade que – mesmo
sem saber – vive de acordo com a ideia que diz que na velhice já não vale nada, viverá este
momento como o fim da sua vida útil, ele verá à frente um terreno baldio onde o sentido de
sua vida desapareceu. Isso pode se manifestar como depressão, ansiedade avassaladora,
preocupações agonizantes sobre doenças corporais e declínio cognitivo etc.
Por sua vez, a morte de amigos e pares torna a morte uma possibilidade mais
próxima, não é mais um acontecimento distante que nada tem a ver com isso. Segue-se
uma perda, somos surpreendidos por uma morte próxima ao nosso amor. A morte torna-se
palpável, próxima e perturbadora, mas o sujeito pode fingir que nada aconteceu e querer
– eufórico – viver mais cinquenta anos. Todavia, ele também pode lamentar, renunciar ao
que está perdido, tornar-se mortal, aceitando que se ele não renuncia ao que está perdido é
porque ele não pode suportar a descoberta de que um dia estará perdido.
150
Veremos agora um possível tratamento para um caso de depressão na
velhice. Desenvolveremos brevemente um caso clínico e o dispositivo terapêutico
utilizado (SALVAREZZA, 2002):
151
O lugar do acompanhante é poder ouvir quando algo insiste em ser ouvido.
Isso não significa que o acompanhante confunda sua posição com a do terapeuta;
mas na ausência dela na vida cotidiana, podemos localizar uma certa substituição
dessa função.
152
Ao longo do tempo, o acompanhamento foi acontecendo, com a sua
presença e com o seu apoio, um tempo para reconstruir o seu espaço, contando com
o que tem e não apenas com as marcas das perdas de familiares, amigos, colegas de
trabalho, de juventude, memória etc. Dessa forma, Maria hoje vive um tempo em que
a saudade do perdido não é a única coisa importante, ela vive com ele e desfruta do
presente (SALVAREZZA, 2002).
153
LEITURA
COMPLEMENTAR
AS CRIANÇAS NA CIDADE E O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Diante de crianças que não conseguem dar os próprios passos sem a busca da
referência do outro, o acompanhante terapêutico tem o desafio de convocá-las a outros
caminhos. Sem dirigi-los, possibilitando experiências a desdobrar. Sem a indiferença
ou a ilusória neutralidade de entrar em um shopping como se fosse um ato do mesmo
estatuto que entrar em um espaço cultural, transitar na rua ou brincar em uma praça,
convocando a laços sociais coletivos.
A criança, com seus olhares curiosos de infância, não caminha velozmente. Está
sempre olhando para o lado, para cima, para os detalhes. Seu corpo não acompanha a
velocidade imposta pelo ritmo da rua. Quando a acompanhamos em sua temporalidade,
o ritmo desacelera, torna-se vagaroso, quase em suspenso. Há pausas a cada passo,
diante de singulares e diminutos traços: uma formiga, uma pedra, um brinquedo largado
no chão, um buraco, uma poça de água, um movimento, um som, um olhar ou uma
fala. Em outros momentos, torna-se veloz, descendo ladeiras, desafiando o tempo,
disparando uma corrida sem fim, onde as ladeiras convocam ao movimento desenfreado.
154
É a criança que leva o acompanhante terapêutico na cidade, mostrando lugares
invisíveis aos adultos, temporalidades em suspensão, espaços inesperados.
155
A infância convoca à imaginação, à transformação de coisas em brinquedos,
de palavras em histórias, de olhares em convites, de gestos em imagens. Ruas se
transformam em livros a serem lidos, habitantes se transformam em protagonistas de
pequenas cenas e ensaios, como evoca Benjamin (1993), em Rua de Mão Única.
Para mais além das novelas familiares de cada criança, a cidade oferece a
profusão de lendas, mitos, histórias, que deslocam as narrativas singulares, impregnadas
de queixas, para o coletivo, com possibilidades de compartilhamento, no momento em
que o espaço público/político possibilita espaços de improviso e troca.
156
Diante da prerrogativa, própria do discurso social, de que as crianças ocupem
lugares de cidadania, transformar espaços públicos – coletivos – em locais que também
abram portas à infância é um desafio na atualidade.
157
estão ali, acolhendo quem se permite parar, suspender o olhar, escutar as crianças,
revisitar a própria infância diante das brincadeiras e diálogos que, naquele momento,
desenham-se. A realização sistemática de atividades artísticas e lúdicas coletivas é o
campo do trabalho realizado semanalmente, com a participação de uma equipe formada
por psicólogos, psicanalistas e artistas, a partir de campos que dialogam entre si, nas
artes visuais e cênicas, na música, na literatura, entre outras.
Ao final, o jovem leu, emocionado, um poema de sua autoria, que fala da saudade
de sua terra, e as crianças comentaram novamente que não entenderam nada do que
ele falou, mas um menino repete várias vezes: “Eu não entendi, mas ele falou criança!
Criança, eu ouvi! Criança!”. Talvez, essa escuta revele que criança, naquele momento, foi
a palavra que circulou também na memória e experiência daquele jovem, que poderia
ter sido apenas mais um passante.
158
costumavam cantar/brincar, batendo com as mãos ludicamente. Nesse momento,
infâncias se trocam. Ele se despediu e saiu sorrindo. Disse para as crianças que um
dia voltaria. Ele ainda não voltou, mas na memória das crianças, frequentemente, é
evocado quando buscam o caderno de poesias em que está registrado o poema do
sapo passeador.
Lendo, posteriormente, sobre a obra de Jairo Aníbal Niño (2008, s.p.), dedicada
em grande parte às crianças, encontramos este poema de sua autoria:
Usted
que es una persona adulta
- y por lo tanto-
sensata, madura, razonable,
159
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• É preciso procurar e escolher bem o acompanhante terapêutico para o seu ente querido.
160
AUTOATIVIDADE
1 É cada vez mais significativo o número de idosos necessitando de acompanhamento
terapêutico. Isso ocorre por diversas razões, mas as principais é que hoje já existem
muitas políticas públicas para as pessoas idosas, e com o país em desenvolvimento,
idosos estão tendo mais assistências de toda a rede para garantir uma melhor e longa
qualidade de vida. Sobre o processo de envelhecimento e a atuação do AT, assinale a
alternativa CORRETA:
a) ( ) É o idoso quem estabelece como será o projeto terapêutico realizado para ele.
b) ( ) É o idoso que vai até o profissional como em qualquer outro atendimento clínico,
não o contrário.
c) ( ) O AT vai atuar de forma a ajudá-lo a lidar com suas angústias, seus medos,
desenvolverá um plano terapêutico com um olhar singular, levando em
consideração quem é o idoso, o que ele gosta de fazer e quais são suas reais
necessidades.
d) ( ) No plano terapêutico com intervenção de AT para idosos, apenas o trabalho em
AT é necessário, por passar a conviver com o idoso e entender suas dificuldades,
o trabalho em rede, nesse caso, é dispensado.
161
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.
3 A entrada na terceira idade pode ser para muitos um momento de muita preocupação,
atenção e medo. Ao se perceberem necessitando de cuidados que antes eram feitos
por eles aos seus filhos e netos, cria-se uma resistência e um sofrimento psíquico
muitas vezes intenso e difícil de ser manejado pelos familiares. É nesse momento que
o AT entra para poder proporcionar esse cuidado e atenção e ajudá-lo a entender que
esse sujeito ainda possui condições e pode exercer muitas coisas, diferente do que
ele fielmente acredita. Com relação aos destinatários do cuidado do AT para idosos,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
162
REFERÊNCIAS
AGUIAR, L. A concepção de ser humano em gestalt-terapia. In: AGUIAR, L. Gestalt-
terapia com crianças: teoria e prática. São Paulo: Summus, 2014. p. 25-44.
Disponível em: https://docplayer.com.br/9169806-Gestalt-terapia-com-criancas-
teoria-e-pratica.html. Acesso em: 5 out. 2021.
BEE, H.; BOYD, D. A criança em desenvolvimento. 12. ed. São Paulo: Artmed, 2011.
BOARINI, M. L.; BORGES, R. F. Demanda infantil por serviços de saúde mental: sinal de
crise. Estudos de Psicologia, [s. l.], v. 3, n. 1, p. 83-108, 1998.
163
CARVALHO, I. S.; COSTA, I. I.; BUCHER-MALUSCHKE, J. S. N. F. Psicose e
sociedade: interseções necessárias para a compreensão da crise. Rev. Mal-Estar
Subj., Fortaleza, v. 7, n. 1, p. 163-189, mar. 2007.
COUTO, M. C. V.; DUARTE, C.; DELGADO, P. D. A saúde mental infantil na Saúde Pública
brasileira: situação atual e desafios. Rev. Bras. Psiquiatr., v. 30, n. 4, p. 390-398, jan./
abr. 2008.
164
MARTINS, B. da S. O acompanhamento terapêutico como dispositivo de saúde
mental e bem-estar do idoso. Siteat.net, 2017. Disponível em: https://siteat.net/o-
acompanhamento-terapeutico-como-dispositivo-de-saude-mental-e-bem-estar-do-
idoso/. Acesso em: 27 set. 2021.
NERI, A. L.; FREIRE, S. A. (org.). E por falar em boa velhice. Campinas: Papirus, 2000.
165
PULICE, G. O. Os passeios. In: PULICE, G. O. Fundamentos clínicos do
acompanhamento terapêutico. São Paulo: Zagodoni, 2012. p. 103-118.
166
UNIDADE 3 —
TEORIAS PSICOLÓGICAS
E SUA RELAÇÃO COM O
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
167
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
Acesse o
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168
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA DE
AT: FUNÇÕES, POSSIBILIDADES E
RESTRIÇÕES COMUNS
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, consideraremos itens introdutórios que não deixam de ser
relevantes para pensar sobre essa função e ir às definições operacionais de seu campo
de trabalho.
2 INCLUSÕES EM UM TRATAMENTO
Devido ao seu desenvolvimento, notamos que o AT pode ser considerado a
partir de múltiplas escolas teórico-clínicas e em relação a diferentes abordagens em
termos de sua dimensão política e social. A dificuldade inicial de delimitar uma certa
linha de conceituação, que proporcione alguma unidade e permite maior consistência,
hoje já pode ser superada. São várias as propostas de articulação de sistemas teórico-
clínicos para a prática do AT: como ponto positivo, seu papel não é apenas assimilado
a uma determinada escola “psi”, mas é um recurso incluído em sua abordagem por
terapeutas que mantêm estratégias diferentes, de acordo com as suas diretrizes de
treinamento e trabalho.
169
sua particularidade dependendo da escola em que for orientado, embora se pressuponha
que haja questões comuns a “todos os psicólogos”. Tal escolha de abordagem, assim
como o seu local de atuação, delimita sua função, suas preocupações, seu campo de
ação e assim por diante.
Por exemplo, aqueles que atuam como psicanalistas não devem se ver impedidos
de reconhecer que o papel do acompanhante terapêutico surge de outras linhas
teóricas, para as quais também deve-se abrir diálogo. É essencial para o acompanhante
terapêutico não só fazer uma leitura particular de conceitos de Freud, Lacan e Winnicott,
mas também de autores de várias abordagens da psicologia (assim como da psiquiatria
e da Saúde Mental em geral), um percurso por conceitos que possibilita dar conta desse
espaço de intervenção, desses dispositivos e de sua eficácia clínica, abraçando a sua
complexidade sem fechá-la.
170
Com essa reflexão podemos voltar a uma noção central que servirá para ler
tanto a “imprecisão” quanto as “definições”: o papel do acompanhante terapêutico será
especificado em relação a uma estratégia de tratamento específica e à singularidade
do caso.
171
coordenadas fundamentais para situar sua prática, como elementos constantes que
se fazem necessários para elevar o seu campo profissional e a sua utilidade dentro
das alternativas de tratamento existentes na área da Saúde Mental e da Educação
Especial. A existência de uma combinação dialética entre as duas questões permite
definir sua preocupação específica.
172
Na perspectiva do profissional que conduz o caso, se pensarmos nos efeitos
desta intervenção e na sua utilidade, o AT permite-lhe clarificar campos de intervenção
diferenciados, bem como articulados entre si, uma vez que, a partir deste espaço, as
situações podem ser abordadas, além de questões que seriam difíceis para o terapeuta
sustentar por conta própria. Questões pertinentes de tratar, que não podem ser deixadas
de lado, mesmo que não seja a sua intervenção direta que está indicada. Nesse sentido,
funciona como um retransmissor tempo-espaço, levantado no enquadre do trabalho
em equipe.
Tentaremos mensurar algo nesse espaço indefinido. Desde o seu início, o AT tem
trabalhado no sempre problemático campo do tratamento da psicose, tanto no cuidado
de pacientes esquizofrênicos quanto paranoicos e, também, em casos de transtornos
bipolares e em esquemas de contenção de pacientes com risco de suicídio, no âmbito
do consumo de substâncias psicoativas, alcoolismo e no tratamento de perturbações
alimentares, bulimia e anorexia.
173
Nesse ponto, o AT tem o que chamamos de uma vantagem com o social, uma
dimensão colocada no terreno social, embora, como dissemos, difere do assistente
social, ou da tarefa que às vezes pode fazer um educador especial para a integração
social de um paciente.
Talvez esta margem de manobra em que desempenha a sua tarefa não lhe
tenha dado o valor conceptual que deve ter por sua eficácia na clínica, sendo um
pouco desvalorizado quando é feita uma indicação sem levar em consideração o
seu segmento, sua supervisão e sua articulação com a estratégia de tratamento do
profissional que a indica.
174
mais sistematizado. Em particular, falamos da trajetória existente entre a saída de uma
internação psiquiátrica e o retorno para casa, em que muitas vezes não são considerados
os elementos objetivos necessários para a permanência, nem aspectos da subjetividade
do paciente que são colocados em jogo naquele momento, ou eventuais ansiedades
familiares. Às vezes, essa saída implica que de um ambiente de “instituição total”, onde
sua atenção era intensiva, 24 horas, vai a zero ou quase nada no atendimento diário e
até semanal. Como afirma Stagnaro (1997, p. 86), o paciente:
175
interessante pensar a respeito do desenvolvimento do lugar do acompanhamento
terapêutico como instância tendente a facilitar a articulação de diferentes setores ou
áreas institucionais (Saúde, Justiça, Educação, Trabalho etc.), a partir de um vínculo
personalizado. Isso possibilita a necessária continuidade no cuidado que um paciente
requer em uma abordagem transversal em Saúde Mental, ou seja, entre os diferentes
setores intervenientes.
6 O QUE É ENQUADRAMENTO EM UM
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?
Como pensar o enquadre ou setting em uma situação tão especial e diversa,
com inúmeras variáveis e contextos físicos, com cenários e pessoas que mudam no
ambiente e com tantas coordenadas diferentes em jogo?
Agora, pensaremos em algumas ideias para quem aborda a prática do AT, para
refletirmos sobre as consequências que certas questões que se colocam no início de
um tratamento podem ter para o seu desenvolvimento.
176
Faremos um uso quase metafórico de um texto dedicado à atenção à saúde
mental em situações de desastre. O livro chama-se O Disruptivo: ameaças individuais
e coletivas, a psique em face das guerras, terrorismo e catástrofes sociais, de Monty
Benyakar (2006). É quase metafórico porque em muitos casos se trata de pensar
nesses desenvolvimentos para o tema do AT, para situações de catástrofes subjetivas,
singulares, que não dependem de um evento “externo”, como uma guerra, um ataque,
um terremoto etc. Entretanto, não é nada metafórico se apontarmos, por exemplo,
experiências em que o recurso de acompanhamento terapêutico foi utilizado em redes
de saúde, de assistência social, por exemplo, em situações de enchentes que deixaram
cidades devastadas na Argentina.
Outro exemplo que conecta isso com o tema de AT é fornecido por uma
vinheta clínica sobre um episódio que aconteceu no trabalho com uma equipe de AT
coordenada por Rossi et al. (1997). De modo resumido, trata-se de um paciente com
quem foi realizado o acompanhamento, por cerca de um ano, após uma breve saída
de internação. O AT tinha chegado ao término após um período de “estabilização”
da evolução desse moço, que chamaremos de “Bruno”, com 23 anos de idade, com
diagnóstico preliminar de psicose. Bruno era estudante de música e informática,
sentindo-se melhor, disse que não via sentido em continuar com o acompanhamento,
a partir do qual, decidiu-se fazer um encerramento, nessa instância, em reunião
de equipe com a terapeuta responsável pelo caso, apesar de ainda estarem sendo
avaliados possíveis problemas para a continuação do trabalho do acompanhante
terapêutico e, em particular, a questão de certa apatia e dificuldades para sustentar
as suas atividades, como voltar às aulas de música.
177
Tendo passado o período crítico e avaliados os aspectos subjetivos em jogo
naquele momento na intenção de não dar continuidade ao AT, a terapeuta responsável
tentou priorizar o trabalho a partir do aparelho psicoterápico individual. A partir daquele
ano, o AT foi solicitado novamente, pois houve uma certa “pausa” no paciente, que às
vezes ficava muito retraído, sem respostas quando falavam com ele, e que passou a
incomodar a família (mãe e irmã). No primeiro passeio que aconteceu, o dia em que o
AT foi reiniciado, quando ele estava indo com o seu acompanhante terapêutico e sua
irmã para um quiosque, Bruno saiu correndo, encontrando um lugar para se esconder
a uma quadra de um imenso parque público de Buenos Aires. O acompanhante
terapêutico e sua irmã correm atrás ele, perdendo-o, a princípio, de vista, chamando
na ocasião o coordenador da equipe de AT (Gustavo Rossi) e a psiquiatra (terapeuta
responsável pelo caso).
Benyakar (2006, p. 197), em seu livro sobre catástrofes, afirma que “em situações
catastróficas, ou quando há clima de ameaça à integridade pessoal, a prioridade é
oferecer um ambiente físico estável que restaure um ambiente relativamente seguro,
constante e equilibrado”. Essas linhas do livro referiam-se à Guerra do Golfo. No caso
do exemplo anterior, o caso do Bruno, podemos nos referir à guerra de Bruno, sua luta
interna. Pode-se supor que estava começando uma produção alucinatória. Vamos
continuar com o relato do caso.
178
Agora, voltaremos ao livro mencionado. Benyakar (2006, p. 197) escreve que
toda atividade “era usada como uma ocasião para fornecer contenção. Os encontros
não eram considerados sessões de psicoterapia, nem eram conduzidos de acordo com
as práticas terapêuticas usuais”. Isso nos deixa ensinamentos para certas situações do
AT. Por um lado, para intervenções em momentos de crise de um paciente, por outro
lado, a noção de uma atividade entendida como contenção é extremamente útil. Um
“enquadramento da atividade”, isto é, inerente ao enquadramento. Porque muitas vezes
é disso que tratam algumas das circunstâncias no AT, situações em que a própria
atividade é parte de uma estratégia que tende à contenção e faz o enquadramento.
179
para a família – os procedimentos que podem ser prescritos com antecedência em caso
de emergências e em questões avaliadas como de risco: algumas pontuações básicas
sobre como lidar com aquele paciente – o que pode ser estabelecido entre a equipe de
AT e o terapeuta responsável, que é aquele que o conhece –, a quem ligar, condições
de acesso e de ser atendido no sistema de saúde a que pertence etc. (LERNER, 1984).
Nos casos em que seja pertinente, procura-se também que o paciente participe
do estabelecimento de algumas coordenadas e gradativamente em suas variações.
Isso tem dado bons resultados nas experiências em que pode se refletir, levando o
paciente a uma posição mais ativa, que facilita a tarefa e retorna positivamente no
vínculo com o AT.
A partir daí haverá um “contrato”, que poderá ser feito pelo acompanhante
terapêutico, pelo coordenador, pelo terapeuta ou pela instituição, ou vários deles em
conjunto, com a família e/ou com o paciente. É conveniente especificar os elementos
básicos inicialmente, mesmo se você for recontratado mais tarde.
180
6.1 EXISTEM MOMENTOS E MOMENTOS
É necessário graduar com precisão os momentos pertinentes para fazer
intervir o acompanhamento, os tempos de duração do esquema proposto para efetuar
variações, o que implica calibrar diariamente as respostas às exigências e aos obstáculos
que surgem, bem como a possibilidade de continuar a contar com o esforço familiar,
o ambiente habitual e a equipe profissional. Sua modalidade não é a mesma quando a
crise é recente (em um momento “agudo”), como nas situações em que é utilizada para
manter a continuidade diante daqueles “intervalos” que podem permanecer entre as
diferentes etapas do tratamento (internação, ambulatorial) (ROSSI et al., 1997).
181
A- Casos em que não há consentimento do paciente para que o AT seja incluído em seu
tratamento (às vezes até divergências por parte de alguns familiares). Este dispositivo
está incluído por ser uma indicação do terapeuta responsável/equipe, independente
da vontade ou exigência do paciente.
B- Casos em que exista tal acordo por parte do paciente e de sua família.
Devemos levar em conta (em cada país/estado) os problemas jurídicos que essas
questões implicam para a psiquiatria e a saúde mental, que dão conotações e requisitos
para uma internação restritiva e fechada e nos remete a conceitos, como “risco de
dano” a si mesmo e a terceiros e à obscura noção de “periculosidade” – cada vez mais
questionada pelos efeitos discriminatórios que têm gerado.
Enfatizamos que essas duas situações geram previsões diferentes (ainda que
como hipóteses) ao modelar o dispositivo e suas instruções e serão abordadas neste
espaço de acordo com a particularidade da situação (ROSSI et al., 1997). O trabalho é
feito em reuniões de equipe quanto à rejeição que pode surgir por parte do paciente
em relação ao dispositivo de AT. Quando há vários acompanhantes, é necessário
acompanhar atentamente se o vínculo com determinado AT é negado, tentando
pensar a lógica em que esses vínculos se encontram, as situações que geram e, se
viável, sua articulação com o que foi abordado nas sessões com o seu terapeuta.
182
Em situações em que não há concordância com a intervenção, pode ocorrer
rejeição, até indiferença, renúncia etc. antes da permanência do AT e antes dos
objetivos propostos serem alcançados. Às vezes, isso também acontece com a família,
embora não explicitamente, mas por meio de atitudes de boicote ou “resistência” à
nossa intervenção. Isso acontece principalmente nas hospitalizações domésticas,
quando os membros de uma família vivenciam esse novo cenário extraordinário como
uma intrusão em seu cotidiano. É um tema para trabalho na equipe de atendimento,
com a participação do terapeuta responsável pelo caso que indicou o AT (FIORATI;
SAEKI, 2008).
Entretanto, em muitos casos ocorre o inverso para a família, ou seja, a
permanência do AT no contexto familiar gera um forte alívio e tranquilidade, na medida
em que significa uma ajuda, uma contenção diante de episódios que se repetem e que
são muitas vezes vistos como “fora do controle” (RUBIO; NAFS, 2006). Encontramos
famílias angustiadas e sobrecarregadas, nas quais os acompanhantes terapêuticos são
“bem-vindos”. Às vezes, isso não significa que outros obstáculos não sejam gerados
posteriormente, com o passar do tempo, e às vezes isso aparece justamente quando o
paciente apresenta uma melhora em seu estado.
183
É responsabilidade do terapeuta ou equipe responsável pelo caso e/ou do
coordenador da equipe de AT conversar com a família sobre o assunto; e nos casos
pertinentes, com o paciente. Não é conveniente definir um tempo de duração do AT a
priori. Faz-se alguma apreciação “estimada” de forma aberta sobre a duração de um
AT quando este é recomendado para o problema em que se encontram o paciente e a
sua família, fazendo-o de acordo com a avaliação feita pelo terapeuta ou pela equipe
que o indica, e para a qual, a partir do AT, podemos contribuir com nossa perspectiva e
experiência. Entretanto, a questão deve ser avaliada caso a caso, considerando anseios,
conhecimento ou não do recurso, perspectivas de como o caso continuará a ser tratado,
história prévia de laços familiares etc. (ROSSI et al., 1997).
184
repentina (ou concorda com o pedido da família neste sentido), quando na semana
anterior havia acompanhamento diário, por várias horas. Lá, ressurge a necessidade de
uma articulação mais precisa com o terapeuta no que diz respeito às implicações desse
espaço e à avaliação do que ele comporta em termos de subjetividade.
185
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
186
AUTOATIVIDADE
1 Com relação à atuação profissional do AT, ao que cabe a ele ser e fazer, a autora
“refere-se à necessidade” a que responde a implementação do AT. Ela escreve que
o AT responde a “duas necessidades. Uma necessidade do terapeuta, que tem uma
disponibilidade finita para o atendimento de determinado caso”. Qual o nome da
teórica que escreveu a citação anterior?
a) ( ) Judith Butler.
b) ( ) Dra. Beatriz Dorfman Lerner.
c) ( ) Alice Walker.
d) ( ) Joan Scott.
2 Quando falamos sobre o setting terapêutico, precisamos nos atentar que a clínica do
AT é realizada totalmente diferente da tradicional, por ser uma clínica em movimento.
Benyakar (2006, p. 196) explica sobre o enquadramento do setting. A respeito das
particularidades desse processo vital do idoso, analise as sentenças a seguir:
187
3 Em situações catastróficas, Benyakar (2006, p. 197) explica o conceito de catástrofes
e fala a respeito de quais são as prioridades que devem ser atendidas com relação ao
cuidado ao seu paciente. Sobre as prioridades citadas pelo autor, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:
5 Após o primeiro contato com o paciente e/ou familiar e ter realizado o alinhamento de
como será o acompanhamento terapêutico, vem a parte de realizar o contrato. Quem
é o responsável em fazer esse documento?
188
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E
GESTALT-TERAPIA
1 INTRODUÇÃO
A Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia que teve crescimento e
visibilidade a partir da década de 1950 por partilhar de ideais e lançar questionamentos
que correspondiam ao caldeirão cultural da época (FRAZÃO, 2013). O termo “Gestalt”
significa, em alemão, “forma” ou “figura”, não tendo uma tradução que seja fiel ao termo
original. Os precursores da Gestalt-terapia são Fritz Perls, Paul Goodman e Laura Perls,
além de outros que contribuíram para a teoria, mas estes três gestaltistas foram os
responsáveis pela organização e difusão da teoria (BELMINO, 2020).
INTERESSANTE
A perspectiva do novo e do diferente é uma forte tendência da Gestalt-
terapia, tendo fundadores que vivenciavam, na prática, algo do dissidente.
Paul Goodman esteve intensamente envolvido com os movimentos de
desescolarização e da nova esquerda americana, tendo como referência as
teorias anarquistas europeias e as ideias de John Dewey. Fritz Perls era judeu,
que precisou fugir da Alemanha no período do Holocausto e morou por algum
tempo na África do Sul, sendo um migrante assumido e estando sempre
envolvido com movimentos culturais da época. Laura Perls era uma acadêmica
nata, trabalhando com a Psicologia da Gestalt, além de ter se envolvido com
movimentos culturais e musicais, considerando que também era pianista e
bailarina (BELMINO, 2020).
189
Nesse sentido, a Gestalt-terapia cresceu, alimentou-se e manteve-se próxima
a diálogos com movimentos de contracultura da época, como o movimento hippie e
os questionamentos em torno da psicanálise. Em termos teóricos, aproximou-se de
correntes “fenomenológicas, existencialistas, sistêmicas, transpessoais, pragmatistas,
bioenergéticas, psicanalíticas, neopsicanalíticas xamânicas e pós-modernas” (BELMINO,
2020, p. 32). Isso demonstra sua versatilidade e seu diálogo com a realidade e com a
teoria a partir de diferentes frentes. Chegou ao Brasil a partir da década de 1970 e atraiu
psicólogos devido a sua concepção horizontalizada de homem.
Assim, a abordagem tem por proposta uma reflexão sobre o lugar da experiência
e propostas com vieses de experimentação para repensar nosso lugar no mundo de
maneira criativa, pois “o tédio, o medo, a repetição e a falta de contato com a experiência
são reflexos de uma vida que sucumbiu ao habitual [...] sem espontaneidade” (BELMINO,
2020, p. 19). A Gestalt-terapia trabalha em prol da descoberta e invenção de novas
possibilidades e potencialidades do sujeito, expandindo sua consciência num sentido
muito amplo.
190
DICAS
O primeiro livro de Fritz Perls teceu críticas à psicanálise e fertilizou ideias para a
construção da Gestalt-terapia. Assim, este trabalho representa o início de uma mudança
radical e é primordial para o conhecimento dos primórdios da teoria.
FONTE: <https://www.gruposummus.com.br/livro/ego-fome-e-agressao/>.
Acesso em: 28 set. 2021.
191
Esse fluxo é uma constante em nossas vidas, de forma que isso também dialoga
com nossas necessidades. O que é figura em um momento surge num sentido de ser
“resolvida”, de ter um fechamento de Gestalten e, com essa necessidade satisfeita,
retorna a um fundo distinto. Isso ocorre tanto num nível de necessidades orgânicas
básicas, como fome e sede, como também em níveis mais subjetivos, o que está
sempre contextualizado no campo do sujeito (FRAZÃO, 2013). Figura e fundo integram
a totalidade da Gestalt.
O fenômeno como algo que acontece no encontro e não como algo intrínseco no
indivíduo também pode ser percebido nas nossas relações, de maneira geral, e, na prática
clínica gestáltica, como um convite. Isso também se relaciona com a noção de tempo a
partir, não de chronos – o senhor que mede o tempo em horas, datas e compromissos
– mas de kairós, o deus do tempo oportuno, o deus das estações. Desse modo, kairós
apresenta um tempo subjetivo que pode ser concebido a partir das percepções de
fenômenos, dos encontros que a pessoa vivencia em seus horizontes de passado e
de futuro. Uma compreensão do tempo de forma kairótica representa, também, uma
ampliação da consciência, um pertencimento ao presente, uma percepção das coisas
por elas mesmas.
192
INTERESSANTE
Kairós está relacionado à qualidade do tempo vivido, um tempo divino, presente nos
momentos especiais e inesquecíveis, que não se perdem no tempo do calendário. Ele flui,
vai e retorna, marcando os momentos emocionantes. Refere-se a um instante, ocasião
ou momento, que deixa uma impressão forte e única por toda a vida. Por isso, Kairós
refere-se a uma experiência atemporal, na qual percebemos o momento oportuno em
relação à determinada ação. Em contrapartida, Chronos é considerado o senhor do
tempo cronológico, o tempo que passa e pesa, o deus que cobra tradição e conservação.
Na abordagem gestáltica, dialoga-se com a ideia de um tempo kairótico, oportuno, não
necessariamente atrelado ao tempo comercial, mercadológico e cronológico.
FONTE: <https://medium.com/diarios-de-kairos/introdu%C3%A7%C3%A3o-
aos-di%C3%A1rios-de-kairos-790d63e7df8b>. Acesso em: 29 set. 2021.
193
A Teoria Organísmica, de Kurt Goldstein, outra das bases da Gestalt-Terapia,
tem como proposta uma visão de indivíduo unificado, integrado, não dividido em
partes, não separado por blocos e compartimentos. Não obstante, a importância
em reconhecer as partes dá-se justo pelo fato de que uma interferência nas partes
também afeta o todo. Nesse sentido, o organismo sempre busca a organização, a sua
homeostase e a autorregulação.
194
Não obstante, um comportamento neurótico pode ter sido, em alguma altura,
um modo criativo de lidar com alguma demanda do campo que permanece quando
pode haver outros recursos à disposição do indivíduo, mas que este não contata. Esses
processos de organização do organismo em busca de satisfação são dinâmicos, mudam
constantemente, de forma que é necessário que haja atualizações do indivíduo e sua
configuração para utilizar os próprios recursos e ajustes criativos.
DICAS
Outra forma de compreender conceitos teóricos e acadêmicos pode ser através da
literatura, sendo esta uma forma criativa de relacionar-se com o mundo e com os estudos.
O livro A Parábola do Semeador, de Octavia Butler (autora negra de ficção científica da
década de 1970), tem como narradora a adolescente Lauren Olamina, que cria uma
“filosofia de vida” que carrega como slogan a frase “Apenas a mudança é permanente”, o
que dialoga com um pensamento gestáltico devido à abertura da protagonista ao novo
em meio ao caos. O cenário do livro dá-se numa realidade distópica (e possível!), onde
os recursos naturais são escassos, as mudanças climáticas são intensas e boa parte dos
cidadãos estão desempregados e sem moradia segura. Em meio a uma crise ambiental,
política e econômica, Lauren Olamina aceita o caos como uma constante de forma a
embelezá-lo e, com isso, buscar novas estratégias de sobrevivência. Lauren Olamina diz
com frequência “Tudo que você Muda, Muda você. Tudo que você toca, toca você”.
FONTE: <http://nodeoito.com/a-parabola-do-semeador-resenha/>.
Acesso em: 29 set. 2021.
195
2.1 ALGUNS CONCEITOS DA GESTALT-TERAPIA
Os conceitos que integram a Gestalt-terapia estão sempre inter-relacionados e
imbricados. Além disso, nessa abordagem, os conceitos não são vistos como entidades
fixas, estando mais próximos da ideia de movimento ou cartografia, servindo como
embasamento para a prática dos profissionais, sem cristalizá-los. Assim como no livro
A Parábola do Semeador, também na Gestalt-terapia tudo está sempre em movimento,
ou é o que se busca, a fluidez.
A palavra poderia ser traduzida como “estar consciente de”, mas não é utilizada
a tradução na íntegra, para que não se confunda com a ideia de uma consciência já
preestabelecida. A awareness é uma perspectiva da consciência pautada no fluxo da
experiência e do sensível no aqui-agora. Essa perspectiva tem alicerce numa teoria de
campo, não sendo dualista nem determinista, lançando possibilidades de o indivíduo
ser e estar afetado e de que forma as novidades são (ou não) contatadas (ALVIM, 2014).
Quando pensamos em awareness o que importa é o sentir, estar aberto para ser
e estar afetado. O sentido é dado na experiência. Para tal, há certa passividade, estar
com o “coração aberto” para assimilar uma novidade, envolve, até mesmo, uma certa
lentidão, uma não interpretação imediata e nem uma reflexão apurada. Isso porque a
awareness está na ordem do sensível (ALVIM, 2014). Muitas vezes para sentir e perceber,
é necessário um olhar mais atento, um passo mais vagaroso. Isso também se relaciona
com o vazio fértil, a partir do qual a expansão da awareness é, efetivamente, germinada.
196
FIGURA 4 – FASES DE CONTATO
197
O funcionamento da fronteira pode ser comparado ao funcionamento
da membrama citoplasmática – que envolve as células para que elas
não percam o líquido ou elementos, sendo responsável por sua relação
com o meio extracelular. A membrana é seletiva e semipermeável;
deixa entrar o que é nutritivo, mantém o conteúdo do meio intracelular
estável e elimina o que não é mais necessário. Essa organização
intercelular em processo é semelhante a todas as outras situações de
fronteira vividas no relacionamento entre as pessoas.
Por essas vias, quando pensamos num indivíduo saudável, suas fronteiras
de contato possuem plasticidade e permeabilidade, ainda que elas não sejam
fixas, nem absolutas, adaptando-se às necessidades da relação organismo/meio.
Em outras palavras, a fronteira de contato é a awareness de uma nova situação
no campo, de forma que as funções da fronteira implicam, essencialmente, lidar
com a novidade e com as diferenças, pois é a partir disso que nos possibilitamos o
crescimento e o desenvolvimento (SALOMÃO; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2014). Portanto,
quando há comprometimento na fronteira de contato, pode haver comprometimento
nas funções de ajustamento criativo, que podem passar a ser disfuncionais, afinal,
quando a interação com o meio é prejudicada, de alguma maneira, as possibilidades
de reconfiguração são limitadas.
Desse modo, o aparecimento dos sintomas (ou seja, os sintomas como figura)
é uma forma de ajustamento do indivíduo em busca de autorrealização. Ocorre de
este ajustamento poder figurar-se de forma que interrompe o fluxo do indivíduo,
representando também os sintomas. O terapeuta, em Gestalt, não observa e apreende
a partir da interpretação da vida e dos afetos do sujeito, mas a partir de uma abertura
para o fenômeno, em busca de aceitar o sujeito em sua totalidade e singularidade. Este
é o exercício em GT que, por ser essencialmente um convite à abertura, ao inacabado e
ao incerto, combina com os termos de um acompanhamento terapêutico.
198
2.2 TEORIA DO SELF
É através do contato que qualquer organismo cresce, como o contato com
a comida, com o amor, com a agressão, com os conflitos, as aprendizagens, as
percepções, os movimentos, entre outros (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997). O
contato dá-se sempre no campo, sempre no meio, sempre localizado na fronteira que
é, essencialmente, onde ocorre qualquer experiência. Isso importa para pensarmos
em termos gestálticos que fogem de uma lógica individualista e passamos a pensar a
experiência e a realidade sempre em paralelo com a teoria de campo.
199
QUADRO 1 – NOÇÕES DE SELF
Dito em outras palavras, o self não é uma entidade que se fixa no sujeito de
maneira imutável, não se trata do “eu”, em si, mas de um processo muito pessoal
sempre em relação com o campo. Desse modo, não se trata apenas de “ser”, mas de ‘ser
no mundo’ (GINGER; GINGER, 1995), conforme percebido também pela fenomenologia.
DICAS
Gestalt-terapia é o livro fundador e oficial da abordagem, desenvolvido
por Frederick Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman (comumente
abreviados como PHG). É um livro que oferece as diretrizes da Gestalt-
terapia em termos ontológicos e com desenvolvimento de conceitos. Este
é um livro inicial e essencial para a compreensão da teoria, estando as
novas produções na área ancoradas a esta obra.
200
LIVRO GESTALT-TERAPIA (PHG)
201
[...] Às vezes, eu não me reconheço em uma reação que não é habitual
em mim, como quando um momento de afeto “me invade”. Em
outros momentos, meu self se dissolve numa intensa “confluência”:
dança, êxtase, orgasmo etc. ou, ao contrário, num estado de “férias”
interior, de “vazio fértil”, antes da emergência de uma nova figura que
mobilizará minha atenção (GINGER; GINGER, 1995, p. 128).
202
sua singularidade, expressando seus desejos e satisfazendo suas necessidades, ou
seja, delimitando suas fronteiras (GINGER; GINGER, 1995). Caso a confluência delineie-
se de modo crônico, pode ser o caso de um quadro patológico (neurótico ou patológico).
203
é invadido pelo mundo exterior, na projeção é, pelo contrário, o self que transborda e
invade o mundo exterior” (GINGER; GINGER, 1995, p. 135). Não obstante, algum nível
de projeção é saudável para todos nós, pois é a partir dela que entramos em contato e
compreendemos o outro, buscando imaginar o que o outro sente.
A deflexão diz respeito a uma fuga, evitação de contato, o que pode ser uma
estratégia saudável de adaptação e como se desenvolver de forma patológica quando
cristalizada. A proflexão é quando se faz ao outro o que gostaria que fizessem consigo,
num misto de projeção e retroflexão. O egotismo diz respeito a um senso e um interesse
de si próprio, numa espécie de hipertrofia do ego; este mecanismo é utilizado no próprio
trabalho terapêutico, visto que o objetivo é o cliente voltar-se pra si mesmo de forma mais
autônoma (GINGER; GINGER, 1995).
204
FIGURA 5 – IMAGEM ESQUEMÁTICA SOBRE INTERRUPÇÕES DE CONTATO E ORGANISMO-MEIO
205
QUADRO 2 – ORAÇÕES DA GESTALT
DICAS
Os aspectos psicossociais atrelados às dimensões antropológicas, políticas e
éticas do sujeito estão em franco debate no cenário atual da Gestalt-terapia.
No livro Gestalt Terapia e Atenção Psicossocial, organizado por Marcos Belmino
e produzido por uma série de profissionais que atuam no âmbito da saúde
pública e atenção psicossocial, discute-se a teoria a partir de práticas e
preocupações atuais.
206
LIVRO GESTALT-TERAPIA E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (BELMINO)
FONTE: <https://www3.livrariacultura.com.br/gestalt-terapia-e-atencao-
psicossocial-2013616374/p>. Acesso em: 29 set. 2021.
O AT é uma prática clínica sem os muros tradicionais, que pode ser realizado em
ambientes para além do consultório, com proximidade do cotidiano dos sujeitos. O AT e
a GT dialogam em relação as suas fontes e seus ideais em termos de fundamentos e de
compreensão do sujeito. Além disso, têm a Psicanálise como referência e afastamento,
simultaneamente; também têm como referência a Teoria de Campo, de Kurt Lewin e a
ideia de uma prática humanizada.
207
sentido, cabe ao profissional oferecer ao paciente meios e espaços para que novas
experimentações sejam possíveis, para que seu estilo de contatar o mundo encontre
novas formas e, assim, que as fronteiras sejam alargadas e flexibilizadas.
Com esse cenário, a prática de um AT-GT estaria voltada para que o sujeito
compreenda o seu campo psicológico de forma integral, sem que suas fronteiras de
contato sejam rígidas nem que suas verdades sejam absolutas. Isso também dilui as
causas do comportamento e do adoecimento, que não são vistas a partir de fontes
únicas e unilaterais. Nesse sentido, a prática tem que estar voltada para que o sujeito se
sinta à vontade o suficiente para mostrar-se, para se colocar na forma como se percebe
no mundo.
209
O foco na saúde é primordial na abordagem gestáltica. Isso porque o foco é
no indivíduo a partir da totalidade, de modo que a doença, a psicopatologia, está na
relação, trata-se de uma psicopatologia relacional, ou seja, de uma desarmonia com o
campo no qual atua, interage, afeta e é afetado. Desse modo, a partir de um diagnóstico,
pode-se pensar e compreender suportes e necessidades do indivíduo, além de escolher
formas de intervenção, porém, o diagnóstico não representa a totalidade do sujeito, é
apenas um meio pelo qual o sujeito se apresenta. O foco, assim, não é na doença, mas
na pessoa adoentada.
210
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O ajustamento criativo é a forma que o indivíduo encontra novas energias para velhos
problemas.
• O self não é estável nem fixo, mas espontâneo, ajustando-se às situações de acordo
com as demandas do indivíduo.
211
• A Gestalt-terapia no âmbito do Acompanhamento Terapêutico demanda uma ação
que vise o indivíduo em suas esferas antropológica, política e ética.
212
AUTOATIVIDADE
1 A Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia que surgiu num contexto
de contracultura e tem algumas bases teóricas que contribuíram com os seus
fundamentos. Sobre as bases da Gestalt-terapia, assinale a alternativa CORRETA:
( ) A awareness traz uma noção de consciência que implica ser afetado pelas
experiências.
( ) O contato e a fronteira de contato são conceitos equivalentes.
( ) O ajuste criativo demanda potência e contato com a novidade no campo.
( ) A autorregulação busca sempre a separação entre organismo e meio.
213
4 Para a Gestalt-terapia, o fluxo de crescimento e desenvolvimento do indivíduo
pode ser interrompido a partir de como ocorre o contato organismo/meio. A
confluência é uma das formas de interrupção de contato, escreva sobre como
ocorre este mecanismo.
214
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E
PSICOLOGIA SISTÊMICA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos o acompanhamento terapêutico através
da psicologia sistêmica, abordagem utilizada principalmente para a compreensão
das relações familiares e os impactos que elas podem causar nos sujeitos que estão
envolvidos nesta teia dinâmica e interativa. Dessa forma, a família é vista como um
sistema aberto que está constantemente interagindo com o ambiente e passando por
mudanças e/ou buscando manter o equilíbrio.
215
2 ANTECESSORES E FUNDAMENTOS DA
ABORDAGEM SISTÊMICA
Acadêmico, para iniciarmos nossos estudos a respeito da relação possível da
prática do acompanhamento terapêutico dentro de uma abordagem sistêmica, é muito
importante partir de uma retomada histórica de como esta abordagem foi construída. A
construção das bases do pensamento sistêmico aconteceu entre as décadas de 1930
e 1940, sendo reconhecido logo na primeira metade do século XX (GOMES et al., 2014).
No entanto, podemos verificar que seus antecessores iniciam bem antes, com
a filosofia de Aristóteles que, naquela época, “acreditava que a matéria continha a
natureza essencial de todas as coisas, de forma que a essência somente poderia se
tornar real através da forma. A visão de mundo como espiritual, orgânico, característica
da filosofia aristotélica, dominou o pensamento ocidental durante toda a Idade Média”
(GOMES et al., 2014, p. 4).
Durante os séculos XVI e XVII acontece uma revolução científica que dá origem
a um pensamento racionalista, com isso entramos em uma lógica mecanicista, que
acredita em um mundo pautado através de leis matemáticas exatas. Seus principais
expoentes foram Galileu Galilei, Copérnico, René Descartes, Francis Bacon e Isaac
Newton. Destacamos principalmente Descartes, em virtude de seu método analítico,
que buscava a compreensão do todo pelo estudo de partes isoladas (GOMES et al., 2014;
KASPER, 2000).
216
Também no século XIX podemos observar avanços significativos na biologia em
virtude do aprimoramento do microscópio, o que desencadeia um retorno da lógica
mecanicista. O foco dos biólogos desloca-se do organismo em função da teoria da
célula, buscando compreender o seu funcionamento. Apesar do avanço observado
na biologia celular, ainda não era possível compreender as suas diversas funções nem
a sua totalidade. Essa compreensão torna-se possível somente no século XX, com
o movimento chamado organicismo. Esse movimento é contrário ao mecanicismo e
contribui para a construção do pensamento sistêmico (GOMES et al., 2014).
Com a biologia organísmica surge também a ecologia, que estuda a relação entre
os organismos e dá origem ao que entendemos por ecossistema, causando um impacto
na forma como compreendemos a ecologia, já que a direciona para uma abordagem
sistêmica, de forma que compreende todos os seres vivos em redes hierarquizadas
dentro da natureza (GOMES et al., 2014).
No mesmo período em que surge a ecologia é criada a física quântica por Werner
Heisenberg. Sua teoria é contrária ao pensamento newtoniano, que acredita que todos
os fenômenos físicos podem ser entendidos a partir das propriedades que possui. A
física quântica apontará para uma nova direção, que entende que as propriedades de
um fenômeno estão em relação com as demais propriedades do mesmo fenômeno e de
outros fenômenos também, o que aponta para a compreensão de que o todo é o que
demarcará o comportamento das partes, pois há uma interconexão entre suas partes,
não podendo ser olhado de forma isolada (GOMES et al., 2014).
217
ponto da percepção é que o todo apresenta características diferentes do que as suas
partes de forma individual. “O filósofo Christian Von Ehrenfels afirma que o todo é maior
do que a soma das partes, princípio este que se tornou central na Teoria Sistêmica”
(GOMES et al., 2014, p. 6).
Dessa forma, essa teoria, que é uma das teorias de base do pensamento
sistêmico, foi fundada por Ludwig von Bertalanffy através de uma ótica organísmica
na biologia (BERTALANFFY, 2010), com o objetivo de ser aplicada nos sistemas sociais
e com seres vivos, considerando todo organismo como um sistema aberto e, portanto,
em constante interação com o seu meio, buscando sempre o equilíbrio possível a partir
das condições disponíveis (COSTA, 2010).
219
Com o tempo, todas as críticas realizadas à teoria geral dos sistemas foram
derrubadas e foi possível compreender que esta teoria tinha por sua natureza buscar
um novo caminho de realizar a ciência, focando em questões que o paradigma utilizado
até então já não dava conta de responder (BERTALANFFY, 2010).
A Teoria Geral dos Sistemas foi muito importante para a construção de conceitos
dentro do pensamento sistêmico, principalmente para a compreensão da relação do
ser humano (considerado como um subsistema) com os demais sistemas em que está
inserido (familiar, conjugal, entre outros).
2.2 CIBERNÉTICA
A teoria da Cibernética foi escrita por Norbert Wiener no final da década de
1940 e ficou conhecida como ciência da correção. A palavra cibernética possui origem
na linguagem grega no termo kybernetes, cujo significado remete a piloto, condutor
(GOMES et al., 2014).
220
É importante ressaltar também que a realização dessas conferências foi
essencial para o desenvolvimento de diversas inovações tecnológicas, como:
221
Segundo esse princípio, as informações que entram no sistema
repercutem no todo, da mesma forma também, em cada elemento em
particular. Isso é possível através de inúmeros processos recursivos
que se potencializam, indo ao encontro de um e outro membro do
sistema; o que chamamos de circularidade. Na circularidade, um dado
comportamento ou atitude, que tem sua origem em um subsistema,
possui certa repercussão em outro subsistema, que tão logo tenha
sido impactado pela mensagem enviada, responde ao subsistema de
origem conforme a mensagem recebida, sobrepondo a ideia de causa
e efeito. Esse intercâmbio entre as partes do sistema é circularmente
repetido entre si, tantas vezes quanto o sistema necessitar para o
seu equilíbrio.
222
Podemos compreender, com base nas fases da cibernética, a importância
que ela terá posteriormente na compreensão dos sistemas familiares e na dinâmica
de funcionamento dos sistemas e subsistemas (entendendo o ser humano também
como um subsistema). Dando continuidade à nossa caminhada através das teorias
que sustentam a abordagem sistêmica, nos debruçaremos agora na teoria da
comunicação humana.
Watzlawick, Beavin e Jackson (1973, p. 45 apud GOMES et al., 2014, p. 12) afirmam
que “atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui valor de mensagem,
influencia os outros, e estes outros que, por sua vez, não podem não responder a essas
comunicações, estão, portanto, comunicando também”.
223
através de uma sequência de mensagens entre os comunicantes, isto é, há uma relação
de causa e efeito no ato de comunicar; a comunicação entre os seres humanos acontece
de forma verbal ou não verbal e as trocas realizadas durante o processo comunicativo
ou são iguais ou se complementam, fundamentando-se na igualdade ou na diferença
(GOMES et al., 2014).
DICAS
Caso deseje aprofundar os seus estudos a respeito da teoria da comunicação
humana, recomendamos a leitura do livro Pragmática da comunicação
humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação.
Dessa forma, não se busca mais uma relação linear de causa e efeito, mas
entende-se que o mundo, os fenômenos e as relações passam por mudanças,
que nem sempre podem ser controladas ou previstas. A abordagem sistêmica,
portanto, tem como objetivo principal olhar para as relações, considerando desde o
macrossistema (ordem social, cultura, comunidade) até o microssistema (escola e
família, por exemplo). Essas relações são construídas com base em uma hierarquia,
considerando também os valores e as regras estabelecidos dentro do sistema (GOMES
et al., 2014; CELESTINO, 2015).
Cabe ainda ressaltar, no que diz respeito às relações estabelecidas, que elas
são permeadas por fronteiras, e estas podem ser: rígidas (as relações estabelecidas
não são flexíveis, há dificuldade durante o contato), difusas (não apresentam limites e
constantemente os subsistemas se misturam e confundem-se) ou nítidas (os limites
da relação estão bem claros para todos e é possível ser flexível), sendo estas últimas as
fronteiras desejadas nas relações entre os sistemas (PADILHA; LUCAS; PALMA, 2016).
224
3.1 ABORDAGEM SISTÊMICA E O CONTEXTO FAMILIAR
Acadêmico, para adentrarmos nos estudos a respeito da abordagem sistêmica
familiar, abordaremos inicialmente as transformações que a família sofreu no decorrer
da história até hoje, apresentando diversos impactos na compreensão que temos
atualmente sobre o sistema familiar.
Na década de 1950, a família era composta de pai, mãe e muitos filhos. O pai
era visto como provedor, responsável pelo sustento da família, sua palavra era a mais
importante, sendo uma figura central nas decisões tomadas pela família e seus membros.
A mãe, neste sistema familiar, era responsável pelo cuidado da casa e dos membros da
família, permanecendo mais tempo em casa para exercer esta função (DESSEN, 2010).
A partir do final da década 1960, assim como nas décadas de 1970 e 1980, a
mulher começa a obter um papel mais ativo na sociedade, resultado também de diversos
movimentos sociais, como o feminismo, por exemplo. Dessa forma, a mulher também
ingressa no mercado de trabalho (nesse momento, em profissões tipicamente femininas,
relacionadas ao cuidado e ao ensino, como enfermagem e pedagogia) (DESSEN, 2010).
Com essa alteração, observa-se uma diferença no número médio de filhos por
família, que cai da década de 1960 (de uma média de três a quatro filhos) para a década
de 1980 (para uma média de dois a três filhos). A redução do número de filhos por casal
também pode ser relacionada com o ingresso da mulher no Ensino Superior, o uso do
anticoncepcional, assim como a regulamentação do divórcio também. No entanto, é
importante destacar que mesmo com o ingresso da mulher no mercado de trabalho,
não houve um ajuste igualitário no sistema familiar, mantendo como papel da mulher o
cuidado com a casa e com a família (DESSEN, 2010).
225
O ingresso da década de 1990 foi marcado por um aumento considerável
nas solicitações de divórcios (uma média de três vezes mais do que o habitual). Este
foi um fator muito importante nas novas configurações familiares que surgiriam,
como as monoparentais (constituídas de um cônjuge e os filhos); cangurus (de um
cônjuge e o retorno dos filhos aos lares) e as compostas por recasamentos (DESSEN,
2010). Dessa forma:
226
Ao abordar as questões relacionadas aos aspectos multigeracionais é
importante sempre considerar que estamos falando de padrões e modelos familiares
que perpassam de uma geração para a outra, por diversas gerações. Esses modelos, por
sua vez (e muitas vezes, diga-se de passagem), são seguidos sem que o sujeito perceba
e/ou mesmo que não concorde com tal formato de ação. Quando a pessoa se dá conta
desse movimento e tenta rompê-lo, também sofre consequências, pois estará seguindo
por uma nova direção, rompendo com a “lealdade invisível” (CELESTINO, 2015, p. 320)
estabelecida pela família (CAMICIA; SILVA; SCHMIDT, 2016).
Com base nos estudos realizados sobre a terapia sistêmica e o impacto que os
aspectos multigeracionais podem ocasionar no sistema familiar e nos sujeitos que o
compõem, é importante a compreensão de como esse padrão se estabelece, em que
pontos ele se torna saudável ou patológico, para que o sistema possa ser conduzido na
busca de adaptações que façam sentido na sua realidade e não resultem em sofrimento
(CELESTINO, 2015; OTTO; RIBEIRO, 2020).
DICAS
Caso deseje aprofundar os seus estudos a respeito da teoria sistêmica,
recomendamos a leitura do livro Terapia relacional sistêmica: famílias, casais,
indivíduos, grupos, que pode auxiliar também na prática do acompanhante
terapêutico realizada através desta ótica.
227
3.1.1 Ciclos de vida familiar
Esse tema já foi estudado por muitos pesquisadores, que criaram diversas
teorias. Como exemplo, podemos citar Solomon (1973 apud BION, 2012), que descreveu
cinco estágios e foi um dos precursores a desenvolver teorias a respeito do ciclo de vida
familiar e elaborar tarefas a serem realizadas em cada um deles. Duwall (1977 apud BION,
2012) construiu uma teoria dividida em oito estágios, buscando a compreensão entre
as proximidades e os distanciamentos dos membros que compõem o sistema familiar.
Os seis estágios descritos por Carter e McGoldrick (1995 apud BION, 2012, p. 14)
e suas principais tarefas são, respectivamente:
228
3- Famílias com filhos pequenos. Nesta fase, o desafio é aceitar novos
membros no sistema.
4- Famílias com adolescentes. A principal tarefa deste estágio é o
aumento da flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a
independência dos filhos e as fragilidades dos avós.
5- Lançando os filhos e seguindo em frente. Neste estágio, os
membros vão se deparar com muitas saídas e entradas no sistema
familiar.
6- Famílias no estágio tardio da vida. A tarefa principal deste período
é aceitar as mudanças dos papéis geracionais.
Esses estágios, que são também denominados de crises normativas, são muito
importantes para a compreensão de como acontece o processo de desenvolvimento
da família, pois a partir das vivências de cada um desses estágios a família realizará
as tarefas que lhe competem, também enfrentará os desafios a elas inerentes e
poderá atravessar as mudanças que se fazem necessárias para a transformação e o
restabelecimento do equilíbrio do sistema familiar (DESSEN, 2010).
229
O trabalho desenvolvido pelo AT na convivência familiar do seu acompanhado
pode ser considerado como um trabalho interdisciplinar, na medida em que este
profissional é um mediador entre paciente, família e demais profissionais que o assistem.
Com isso, é muito importante que esteja atento a algumas questões, pontuadas por
Diaz Usandivaras (NETTO; IAMIN, 2013, p. 63):
230
Dessa forma, considerando o que foi exposto neste tópico, ressaltamos que
a abordagem sistêmica, ao olhar para as relações estabelecidas dentro do sistema
familiar, sendo este o primeiro sistema em que o sujeito se reconhece, torna-se muito
importante para a prática do acompanhante terapêutico, ampliando o olhar sobre o
sujeito adoecido e intervindo em todas as suas relações para que possa encontrar o
equilíbrio de todo o sistema em que está inserido.
231
LEITURA
COMPLEMENTAR
TÉCNICAS DE TERAPIA COGNITIVA-COMPORTAMENTAL (TCC) NA PRÁTICA DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT)
1 INTRODUÇÃO
2 DESENVOLVIMENTO
232
Segundo A Casa (1997), “de uma extensão do hospital-dia, passou a ser um
dispositivo para que as conexões com a cidade acontecessem”. Com o surgimento do
hospital-dia, certos pacientes necessitavam de mais tempo de auxílio, pois o hospital
só funcionava das 9h às 17h. Desse modo, surgiu o acompanhamento terapêutico, o
qual no começo tinha a função de suprir o horário em que o hospital não funcionava
e, mais tarde, como um lugar de intervenções específicas no âmbito da coletividade.
O acompanhamento terapêutico é uma clínica preocupada em romper o isolamento
dos sujeitos psicóticos e outros que precisem de tratamento. O setting é fora dos
equipamentos tradicionais de tratamento, que se dá na interface do acompanhante, do
acompanhado e da cidade, clínica na cidade.
233
De acordo com Bahls e Navolar (2004), a TCC dá uma grande ênfase aos
pensamentos do cliente e à forma como este interpreta o mundo. A Terapia Cognitivo-
Comportamental centra-se nos problemas que estão sendo apresentados pelo paciente
no momento em que este procura a terapia, sendo que seu objetivo é ajudá-lo a aprender
novas estratégias para atuar no ambiente de forma a promover mudanças necessárias.
234
De acordo com Baumgarth et al. (1999 apud LONDERO, 2010), a variável principal
que decide se a intervenção vai ser na clínica ou no ambiente natural é o repertório
comportamental do cliente, porque várias vezes é no ambiente natural que achamos
os reforçadores necessários para a aprendizagem de novas habilidades, a partir da
exposição direta à contingência e teste efetivo de hipóteses.
235
As estratégias terapêuticas que tratam a exposição a situações sociais
específicas e treinamento em habilidades para lidar com essas situações são
normalmente beneficiadas pelo trabalho do AT. A falta de habilidades sociais significa
uma vida social com poucos reforçadores positivos. Desse modo, pode gerar
pensamentos negativos, como depressão, baixa autoestima, ansiedade, frustração e
revolta (LONDERO, 2010).
1) Atuar como modelo em interações sociais com terceiros. O AT deve agir em casos que
o cliente apresenta prejuízos de habilidades básicas, ou seja, em comportamentos
ainda ausentes ou ainda não completamente modelados.
2) Atuar como orientador, incentivador e reforçador. O AT pode ser um reforçador
condicionado para a atuação do cliente ou um estímulo aversivo condicionado no
momento da exposição social.
3) Agir como observador: o acompanhante terapêutico deve informar o terapeuta sobre
comportamentos de esquiva, passividade, agressividade, nível de ansiedade, postura
geral, volume da voz, nível de sensibilidade a estímulos discriminativos, entre outros
(LONDERO, 2010).
CONCLUSÃO
236
As técnicas terapêuticas podem ser muito bem aplicadas na prática do AT,
principalmente as que tratam a exposição a situações sociais específicas e treinamento
em habilidades sociais para lidar com essas situações.
237
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O movimento romântico, que perdura a partir do final do século XVIII até o término
do século XIX, foi o primeiro a se opor à lógica mecanicista, ingressando na lógica
organicista, que será muito importante para a elaboração e a compreensão do
pensamento sistêmico.
238
• A abordagem sistêmica, ao olhar para as relações estabelecidas dentro do sistema
familiar, sendo este o primeiro sistema em que o sujeito se reconhece, torna-se muito
importante para a prática do acompanhante terapêutico, ampliando o olhar sobre o
sujeito adoecido e intervindo em todas as suas relações para que possa encontrar o
equilíbrio de todo o sistema em que está inserido.
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AUTOATIVIDADE
1 A construção das bases do pensamento sistêmico aconteceu entre as décadas de 1930
e 1940, sendo reconhecido logo na primeira metade do século XX. No entanto, podemos
verificar que seus antecessores iniciam bem antes, com a filosofia de Aristóteles. Sobre
os antecessores da teoria sistêmica, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) A física quântica apontará para uma nova direção, que entende que as propriedades
de um fenômeno estão em relação com as demais propriedades do mesmo
fenômeno e de outros fenômenos também, o que aponta para a compreensão
de que o todo é o que demarcará o comportamento das partes, pois há uma
interconexão entre suas partes, não podendo ser olhado de forma isolada.
b) ( ) Os estudiosos da psicologia da Gestalt acreditam que as totalidades podem ser
reduzidas as suas partes, afirmando que o principal ponto da percepção é o
estudo de cada parte de forma separada.
c) ( ) Pesquisadores, como Galileu Galilei, Copérnico, René Descartes, Francis Bacon
e Isaac Newton, foram muito importantes para o movimento organicista e
estabelecimento do novo paradigma da ciência.
d) ( ) O principal expoente da lógica mecanicista foi Johann Wolfgang Von Goethe.
2 A teoria da Cibernética foi escrita por Norbert Wiener no final da década de 1940, e
ficou conhecida como ciência da correção. A palavra cibernética possui origem na
linguagem grega no termo kybernetes, cujo significado remete a piloto, condutor.
Com base na cibernética e suas divisões, analise as sentenças a seguir:
240
3 Com foco nos estudos a respeito dos problemas da comunicação e das relações
humanas, Gregory Bateson deu continuidade em suas pesquisas iniciadas com a
cibernética. De acordo com a teoria da comunicação humana, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:
241
REFERÊNCIAS
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