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Teoria e Técnicas do

Acompanhamento
Terapêutico

Prof.a Karoline Gregol Pereira


Prof.a Naiara da Silva Floriano
Prof.a Nislandia Santos Evangelista

Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Prof. Karoline Gregol Pereira
a

Prof.a Naiara da Silva Floriano


Prof.a Nislandia Santos Evangelista

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

P436t

Pereira, Karoline Gregol

Teoria e técnicas do acompanhamento terapêutico. / Karoline


Gregol Pereira; Naiara da Silva Floriano; Nislândia Santos Evangelista. –
Indaial: UNIASSELVI, 2021.

245 p.; il.

ISBN 978-65-5663-927-7
ISBN Digital 978-65-5663-923-9

1. Psicanálise. - Brasil. I. Pereira, Karoline Gregol. II. Floriano,


Naiara da Silva. III. Evangelista, Nislândia Santos. IV. Centro Universitário
Leonardo Da Vinci.

CDD 150

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
O presente Livro Didático tem como objetivo sistematizar os elementos
principais da disciplina de Teoria e Técnicas de Acompanhamento Terapêutico, que
proporcionará um contato com os principais tópicos, autores, obras, abordagens,
técnicas, além dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina
ofertada, mas também para os estudos autônomos posteriores.

Na Unidade 1, veremos os aspectos gerais do acompanhamento terapêutico.


No primeiro tópico, você estudará o início do acompanhamento terapêutico, fará
uma revisão da contextualização e reflexões sobre o que antecede à prática do AT
e aprenderá sobre as dimensões éticas, políticas e antropológicas na atenção às
psicoses. Em seguida, verá o início do acompanhamento terapêutico: o primeiro contato
com a vivência. Vai aprender todas as informações necessárias para iniciar a atuação:
verá sobre o contrato de trabalho, o lugar do acompanhante terapêutico na relação e
implicações do diagnóstico e, por fim, verá os limites e as possibilidades no AT.

No segundo tópico, você aprenderá sobre a continuidade do acompanhamento


terapêutico e os processos de alta. Aprenderá a principal teoria e definição, quais são os
objetivos específicos do AT, as aplicações, as características de formas de realizar a clínica
do AT, conhecerá a terapia ocupacional e a relação com o acompanhamento terapêutico
e verá o processo de alta-assistida, que consiste em realizar um acompanhamento ao
paciente e aos familiares após o seu momento de alta.

Na Unidade 2, faremos um aprofundamento nas técnicas de acompanhamento


terapêutico com crianças e suas famílias. Aqui você aprenderá que as práticas que
envolvem o trabalho do acompanhamento terapêutico têm como base o seu estágio
embrionário, de forma a trabalhar a desinstitucionalização e não patologização do
sujeito, verá também a infância e a saúde mental e retomará as principais teorias do
desenvolvimento. No segundo tópico, você aprenderá as técnicas de acompanhamento
terapêutico no autismo e na psicose. Retomará os principais conceitos sobre o autismo
e a psicose e conseguirá se aprofundar nas principais técnicas para serem aplicadas a
este público.

No terceiro tópico, você aprenderá as técnicas de acompanhamento terapêutico


nos processos de adoecimento e com pessoas idosas. Poderá compreender os processos
de envelhecimento, como a terceira idade sente e manifesta seus sentimentos e
aprenderá estratégias pontuais para realizar o trabalho do AT na atenção à pessoa idosa.
Por fim, estudará o sofrimento psíquico e como atuar frente a um caso de processo
depressivo em idosos.
Por fim, na Unidade 3, você aprenderá as teorias psicológicas e sua relação com
o acompanhamento terapêutico. Inicialmente, aprenderá as características da prática de
AT: funções, possibilidade e restrições comuns. Se aprofundará em como são realizados a
inserção e o trabalho do AT no sistema de saúde, como se dá a continuidade do cuidado
em saúde mental, aprenderá o que é um enquadramento em um acompanhamento
terapêutico e como se dá o final do acompanhamento terapêutico.

Desejamos a você uma boa jornada rumo à edificação da educação e formação


profissional e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados
pelo estudo da Teoria e Técnicas de Acompanhamento Terapêutico.

Prof.a Karoline Gregol Pereira


Prof.a Naiara da Silva Floriano
Prof.a Nislandia Santos Evangelista

GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


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Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 — ASPECTOS GERAIS DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO....................... 1

TÓPICO 1 — O INÍCIO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 CONTEXTUALIZAÇÃO E REFLEXÕES: O QUE ANTECEDE À PRÁTICA DO AT?.................3
2.1 DIMENSÕES ÉTICA, POLÍTICA E ANTROPOLÓGICA NA ATENÇÃO ÀS PSICOSES......................... 6
2.1.1 Dimensão ética...............................................................................................................................7
2.1.2 Dimensão política.........................................................................................................................8
2.1.3 Dimensão antropológica............................................................................................................. 9
3 O INÍCIO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO: PRIMEIRO CONTATO....................... 10
3.1 CONTRATO DE TRABALHO.................................................................................................................. 11
3.2 O LUGAR DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA RELAÇÃO E
IMPLICAÇÕES DO DIAGNÓSTICO...................................................................................................... 13
3.3 LIMITES E POSSIBILIDADES NO AT: UMA RELAÇÃO DE AMIZADE?........................................ 14
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 17
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 18

TÓPICO 2 — CONTINUIDADE DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E OS


PROCESSOS DE ALTA........................................................................................................... 21
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 21
2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL.................... 21
3 TEORIA E DEFINIÇÃO ....................................................................................................... 23
3.1 OS OBJETIVOS ESPECÍFICOS DO AT...............................................................................................26
3.2 APLICAÇÃO DO AT............................................................................................................................... 27
4 CARACTERÍSTICAS E FORMAS DE REALIZAR A CLÍNICA DO AT................................... 29
5 A TERAPIA OCUPACIONAL E O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO........................... 33
6 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT) E A ALTA-ASSISTIDA (A/A)...................... 34
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 36
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................37

TÓPICO 3 — A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM REDE NO AT.......................................... 39


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 39
2 REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ............................................................................... 40
2.1 COMPONENTES DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL...........................................................43
2.2 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL..........................................................................................49
2.2.1 CAPSi.............................................................................................................................................54
2.2.2 CAPSad........................................................................................................................................54
3 O ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO EM REDE................................................................. 55
LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................................. 61
RESUMO DO TÓPICO 3..........................................................................................................67
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 69

REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 71
UNIDADE 2 — CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE TÉCNICAS DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM ALGUNS CAMPOS DE ATUAÇÃO.......................75

TÓPICO 1 — TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO COM


CRIANÇAS E SUAS FAMÍLIAS.............................................................................................. 77
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 77
2 INFÂNCIA E SAÚDE MENTAL............................................................................................. 77
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFÂNCIA HISTÓRICA E SOCIAL.................................................... 79
3 SOBRE O DESENVOLVIMENTO INFANTIL......................................................................... 81
3.1 ALGUMAS CONTROVÉRSIAS NO INTERIOR DAS TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO........... 81
3.1.1 Natureza versus criação............................................................................................................82
3.1.2 Estágios e sequências............................................................................................................. 84
4 ALGUMAS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO................................................................. 85
4.1 TEORIAS PSICANALÍTICAS.................................................................................................................85
4.2 TEORIAS COGNITIVAS....................................................................................................................... 88
4.3 TEORIAS DA APRENDIZAGEM..........................................................................................................89
5 A CRIANÇA NA CLÍNICA NÔMADE.................................................................................... 90
5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA...............................................................................................93
6 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E A CRIANÇA COM OU SEM ESCOLA...................97
6.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDICALIZAÇÃO DO “FRACASSO ESCOLAR”...........................99
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 101
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................103

TÓPICO 2 — TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO


AUTISMO E NA PSICOSE....................................................................................................105
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................105
2 COMPREENSÃO DO AUTISMO: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
ATÉ OS DIAS ATUAIS........................................................................................................105
2.1 COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA.......................................................................................................109
2.2 TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO AUTISMO ........................................112
3 COMPREENSÃO DA PSICOSE: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ATÉ
OS DIAS ATUAIS............................................................................................................... 114
3.1 COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA........................................................................................................116
3.2 TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA PSICOSE.........................................120
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................123
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................124

TÓPICO 3 — TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NOS


PROCESSOS DE ADOECIMENTO E COM PESSOAS IDOSAS............................................. 127
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 127
2 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO.............................................................................128
3 O TRABALHO DO AT NA ATENÇÃO À PESSOA IDOSA....................................................132
3.1 QUEM SÃO OS DESTINATÁRIOS DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
PARA IDOSOS?....................................................................................................................................134
3.2 QUAL O PERFIL DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO PARA IDOSOS?................................ 134
3.3 TIPOS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PARA IDOSOS.............................................. 135
3.4 MOBILIDADE EM IDOSOS................................................................................................................. 137
3.5 AUTOESTIMA EM IDOSOS................................................................................................................138
4 O CUIDADO JUNTO A IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS.............................................. 140
5 DAS ATRIBUIÇÕES DE UM ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO.......................................143
5.1 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA ÁREA DAS DEMÊNCIAS..........................................144
5.2 SOFRIMENTO PSÍQUICO...................................................................................................................146
5.3 OBJETIVOS INICIAIS DOS ACOMPANHAMENTOS TERAPÊUTICOS....................................... 147
6 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM UM PROCESSO DEPRESSIVO......................148
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................154
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................160
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 161

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................163

UNIDADE 3 — TEORIAS PSICOLÓGICAS E SUA RELAÇÃO COM O


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO................................................................................. 167

TÓPICO 1 — CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA DE AT: FUNÇÕES, POSSIBILIDADES


E RESTRIÇÕES COMUNS....................................................................................................169
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................169
2 INCLUSÕES EM UM TRATAMENTO..................................................................................169
3 DO QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?....... 170
3.1 DEFINIÇÕES: PARA SAIR DA PRELIMINAR.................................................................................... 171
4 AS BORDAS DO AT: SUA INSERÇÃO NO SISTEMA DE SAÚDE....................................... 173
5 A CONTINUIDADE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL.................................................... 175
6 O QUE É ENQUADRAMENTO EM UM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?................ 176
6.1 EXISTEM MOMENTOS E MOMENTOS..............................................................................................181
6.2 ACORDOS E ANUÊNCIAS PARA O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO..............................181
6.3 QUANDO ISSO ACABA? OS FINAIS NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO.....................183
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................186
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................187

TÓPICO 2 — ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E GESTALT-TERAPIA.........................189


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................189
2 ALGUMAS BASES CONCEITUAIS DA GESTALT-TERAPIA (GT).....................................190
2.1 ALGUNS CONCEITOS DA GESTALT-TERAPIA............................................................................... 196
2.2 TEORIA DO SELF................................................................................................................................ 199
2.3 ALGUMAS FORMAS DE INTERRUPÇÕES DE CONTATO........................................................... 202
3 GESTALT-TERAPIA E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO......................................... 205
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................ 211
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................213

TÓPICO 3 — ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E PSICOLOGIA SISTÊMICA.................215


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................215
2 ANTECESSORES E FUNDAMENTOS DA ABORDAGEM SISTÊMICA...............................216
2.1 TEORIA GERAL DOS SISTEMAS....................................................................................................... 219
2.2 CIBERNÉTICA .................................................................................................................................... 220
2.2.1 Cibernética de 1a ordem.......................................................................................................... 221
2.2.2 Cibernética de 2a ordem........................................................................................................222
2.3 TEORIA DA COMUNICAÇÃO HUMANA......................................................................................... 223
3 ABORDAGEM SISTÊMICA NA PSICOLOGIA................................................................... 224
3.1 ABORDAGEM SISTÊMICA E O CONTEXTO FAMILIAR................................................................ 225
3.1.1 Ciclos de vida familiar.............................................................................................................. 228
3.2 ABORDAGEM SISTÊMICA: IMPLICAÇÕES NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO......... 229
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................... 232
RESUMO DO TÓPICO 3....................................................................................................... 238
AUTOATIVIDADE................................................................................................................ 240

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 242
UNIDADE 1 -

ASPECTOS GERAIS DO
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender os componentes que envolvem o início do acompanhamento terapêutico,


sua continuidade e o processo de alta-assistida;

• analisar as diferentes formas de atuação que o acompanhante terapêutico poderá adotar


na sua prática profissional;

• entender a importância do modelo psicossocial no campo da saúde mental;

• identificar os aspectos importantes para a elaboração do contrato de trabalho.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O INÍCIO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


TÓPICO 2 – CONTINUIDADE DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E OS PROCESSOS DE ALTA
TÓPICO 3 – A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM REDE NO AT

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
O INÍCIO DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste tópico, abordaremos aspectos relacionados à realização do
primeiro acompanhamento terapêutico que você realizará. Como tudo que é novo e
realizamos pela primeira vez, as suas expectativas a respeito da sua primeira prática
devem estar crescendo na medida em que você avança no curso e nos seus estudos.
Emocionante, não é?

Iniciaremos nossos estudos a partir de algumas reflexões que consideramos


essenciais antes da realização de qualquer prática no campo da saúde mental. Precisamos
estar disponíveis para a pessoa com quem teremos contato no acompanhamento
terapêutico, refletindo sobre o que estamos dispostos ou não e os preconceitos que
possamos ter e que implicariam na nossa atuação profissional.

Na sequência, veremos os aspectos relacionados ao primeiro momento


do acompanhamento terapêutico, abordando questões, como a importância do
estabelecimento do contrato e as dificuldades que podem surgir devido à ausência
dessa definição logo no início do trabalho ou mesmo com a quebra do que foi
estabelecido contratualmente.

Qual o lugar que o acompanhante terapêutico deve ocupar nessa relação?


O acompanhante terapêutico é um amigo do sujeito que é acompanhado por ele? O
diagnóstico possui alguma influência sobre o olhar do profissional? Essas questões
também serão esclarecidas durante os estudos deste tópico, implicando na sua prática
profissional, certamente tão esperada por você. Vamos lá?

2 CONTEXTUALIZAÇÃO E REFLEXÕES: O QUE ANTECEDE


À PRÁTICA DO AT?
Acadêmico, antes de direcionarmos nosso olhar para o primeiro atendimento no
acompanhamento terapêutico, é importante pensarmos também o que antecede este
momento inicial. Cabe dizer que antecede ao atendimento toda a nossa história de vida
e a nossa construção profissional até aquele momento. Inclusive, a sua escolha pela
realização deste curso sofreu influência de aspectos da sua vida, não é mesmo?

3
Nesse sentido, Pulice (2012, p. 60) aponta que sempre há uma organização
ordenada nas coisas que escolhemos fazer, apoiando-se em uma implicação
subjetiva nossa.

Podemos colocar, aqui, uma pergunta forte: o que é que ordena,


o que comanda nosso modo de fazer as coisas? Posto que não
fazemos as coisas de qualquer jeito, e sim dependendo do que (grifo
do autor) seja aquilo que ordena nosso modo de fazer as coisas,
para ver como saíram essas coisas que fizemos. Este é o ponto que
interessa especialmente destacar, porque aí, nesse momento e em
cada momento em que decidimos o que privilegiar como ordenador
(grifo do autor) das coisas que fazemos, a ênfase deve ser posta
justamente na implicação subjetiva (grifo do autor) que está em
jogo, ou seja, há uma implicação subjetiva capital que entra em jogo
justamente no momento em que decidimos o que é que ordena
o modo como fazemos as coisas (grifo do autor). Nesse sentido,
podemos dizer que com base nisso também decidimos que apostas
estamos dispostos a bancar e quais não. Quando escolhemos o que
privilegiar em nosso modo de fazer as coisas há aí, definitivamente,
uma aposta em jogo.

Nesse ponto é importante destacarmos que sempre haverá uma implicação da


sua subjetividade nas escolhas que você faz, nos caminhos que percorre, até mesmo
diante da escolha de uma determinada intervenção em proveito de outra. Contudo, a
sua intervenção não deve ter como norte a sua subjetividade fechada em si mesma, na
sua história, mas sim deve ser utilizada em favor do paciente, para que produza efeitos
sobre e para a história de vida dele (PULICE, 2012).

No caso do acompanhamento terapêutico, muitas vezes a busca pelo profissional


não parte do próprio paciente, já que a sua atuação em muitos momentos será com
pessoas que possuem algum transtorno que acarreta um sofrimento intenso (para quem
será acompanhado e para as pessoas ao seu redor, em especial, a família). Dessa forma,
o acompanhamento terapêutico tem início quando a família ou a equipe profissional
que acompanha este paciente começa a considerar a inclusão do acompanhante
terapêutico na equipe interdisciplinar (PINTO, 2015; MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-
GRANZOTTO, 2012).

No momento em que a família escolhe ou a equipe interdisciplinar aponta


para essa possibilidade de intervenção, os familiares começam a construir certas
expectativas a respeito de como acontecerão esses atendimentos, quem será esse
acompanhante que adentrará a sua casa e fará parte de suas vidas, se a sua presença
levará a mudanças, entre tantos outros questionamentos possíveis (PINTO, 2015;
MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

O paciente, por sua vez, poderá aceitar com facilidade a presença do


acompanhante terapêutico ou, ainda, não querer e apresentar resistência. Nos
casos em que a solicitação parte da equipe interdisciplinar e não da família, a família
também poderá demonstrar resistência com esse estranho que adentrará suas vidas.
É importante destacar que, quando falamos do acompanhamento de pessoas com
transtornos, a exemplo do autismo ou da psicose, esses pacientes não constroem uma
expectativa a priori com o AT, visto que não parecem ser conduzidos por uma via de
demandas e afetos, mas sim pela ausência destes (PULICE, 2012).

4
Há que se levar em conta que a introdução dos acompanhantes em
um tratamento costuma coincidir com os momentos mais críticos
e graves que ele atravessa. Nesse contexto, é importante estar
preparado para a rejeição, por parte do doente, de nossa presença e
função. Em certas ocasiões o mesmo pode acontecer com a família,
que pode resistir a aceitar em sua vida cotidiana a instalação de algo
que percebe como uma intrusão. Isso pode acontecer em maior
medida quando se trata de uma internação domiciliar, visto que, além
do papel de intrusos, podemos estar representando – no imaginário
familiar – o papel de espiões que informam a equipe de tratamento
ou o terapeuta (PULICE, 2012, p. 97).

Retomando o ponto relacionado às expectativas, Pinto (2015), em seu texto


A primeira entrevista, e Pinheiro (2007), em seu artigo A primeira entrevista em
psicoterapia, realizam apontamentos a respeito das expectativas do psicólogo durante
a primeira entrevista e, por se tratar de uma área igualmente relacionada à saúde mental,
compreendemos que isso poderá ser vivenciado também por você, acadêmico, que
enquanto acompanhante terapêutico também terá os seus “a prioris” com a iniciação
desse atendimento/acompanhamento, sobre essa família e esse paciente, sobre como
esse contato e solicitação do serviço surgiram, quem entrou em contato, entre outros.
Aqui, podemos abrir para duas situações que eventualmente despertarão sensações
diferentes: o primeiro atendimento do paciente e o primeiro atendimento do paciente
que é também o seu primeiro atendimento como acompanhante.

Quando acontece o primeiro atendimento para você e para o paciente,


compreendemos que haverá com essa experiência uma expectativa já bastante
esperada de sua parte: trata-se da sua primeira experiência profissional. Nesse ponto,
é possível que você amplie diversas expectativas que já existiam desde o início da sua
trajetória no curso: quem será essa pessoa que vou acompanhar? Como é essa família
com a qual estarei em contato? Eu serei bem recebido? Minha presença será aceita por
todos? (PINHEIRO, 2007).

Também podemos considerar as questões profissionais que poderão surgir,


como: saberei como agir ou o que fazer diante das demandas que surgirem? E se
o meu serviço não for útil para essas pessoas? Se eu for questionado a respeito da
minha prática profissional ou da eficácia das minhas intervenções pela família ou
outro profissional da equipe? Entre tantas outras possibilidades de questionamentos,
expectativas, inseguranças e fantasias que poderão surgir (PINHEIRO, 2007).

Quando se trata do primeiro atendimento do paciente e de sua família, mas


você já possui um conhecimento prático e técnico de como funciona o campo do AT,
as expectativas e as fantasias sobre quem será atendido e de como acontecerá esse
trabalho ainda estarão presentes. Contudo, as inseguranças terão dado lugar ao manejo
e à experiência que foram adquiridos com o tempo e que lhe darão sustentação para se
posicionar em favor das suas práticas e intervenções (PINTO, 2015).

5
Pinto (2015) apresenta alguns questionamentos que o profissional deve realizar
a si mesmo diante da primeira entrevista para o possível início de uma psicoterapia.
Apesar de o processo psicoterapêutico e o acompanhamento terapêutico apresentarem
diferenças nas suas formas de atuação e condução, consideramos pertinentes esses
apontamentos, para que você possa refletir sobre a sua prática e atendimento como AT.

Uma das perguntas que costumo me fazer quando recebo alguém para
a primeira entrevista é se a pessoa toca meus sentimentos, provoca-
me, instiga-me, se me sinto esperançoso em um trabalho com ela.
Daí decorrem outras questões: essa comoção é suficientemente
confiável para um trabalho duradouro? Essa esperança tem mesmo
relação com o encontro ou é um a priori (grifo do autor) que introjetei?
Meu conhecimento terapêutico é bom o bastante para atender essa
pessoa? Algum preconceito meu pode atrapalhar esse trabalho?
Posso mesmo encarar essa aventura? (PINTO, 2015, p. 20-21).

A respeito dos questionamentos sobre os quais o profissional deve refletir,


destacamos dois: o seu conhecimento terapêutico é bom o bastante para atender
essa pessoa? Nesse ponto, é essencial que o profissional se disponibilize somente
para situações nas quais possui competência e conhecimento, que sinta segurança
para a sua prática. O trabalho do acompanhamento terapêutico caminha em favor da
saúde mental de outras pessoas que se encontram fragilizadas, é crucial um cuidado
ético nesse sentido, para que a mobilização a serviço e em favor do paciente aconteça
(PINTO, 2015; MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

Outro ponto importante de reflexão que destacaremos: algum preconceito


meu pode atrapalhar esse trabalho? Quando tratamos da área do acompanhamento
terapêutico, o trabalho será desenvolvido principalmente com aqueles sujeitos
considerados estranhos pela maioria da sociedade. Dessa forma, é importante
pensarmos a respeito dos preconceitos que existem em nós. Ao acompanhar alguém,
precisamos estar abertos e disponíveis para a sua forma de ser e estar no mundo,
acolhendo as formas “estranhas” que possam se manifestar. Se não nos for possível
essa disposição e abertura, o desenvolvimento do trabalho ficará prejudicado (PINTO,
2015; MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

2.1 DIMENSÕES ÉTICA, POLÍTICA E ANTROPOLÓGICA NA


ATENÇÃO ÀS PSICOSES
Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012) utilizam a abordagem gestáltica e
conduzem seu olhar diante do sujeito da psicose a partir de três dimensões. Destacamos
que, nesse ponto, assim como os autores, daremos ênfase à psicose por se tratar do
público com o qual geralmente o acompanhante terapêutico é convocado a atuar, não
se limitando, entretanto, somente a este. A saber, essas dimensões são divididas em:
ética (olhar clínico), política (em que ocorre a inclusão do acompanhante terapêutico) e
antropológica (dimensão do cuidado). Vamos conhecê-las?

6
2.1.1 Dimensão ética
Para compreendermos a dimensão ética pontuada por Müller-Granzotto e
Müller-Granzotto (2012), abordaremos primeiramente o conceito de ética propriamente
dito. Os autores apresentam em seu livro Psicose e Sofrimento que, além de questões
legais, como leis e costumes compartilhados em uma sociedade, ética, no seu sentido
mais antigo, significa dar lugar.

Trata-se, nesse sentido, de dar um lugar de abrigo, de acolhimento àquele que


de outra forma seria reconhecido como estranho. Acolher esse estranho que habita no
outro implica um trabalho de desvio, necessitando romper com as lógicas impostas pelo
que é socialmente aceito, dando lugar e vez para as formações estranhas (MÜLLER-
GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

Nas formações psicóticas, a manifestação do estranho parece ainda


mais estranha. Apesar de esperarmos do nosso interlocutor (que é
o sujeito da psicose) algo interessante, tudo se passa como se não
se deixasse afetar. É como se o sujeito da psicose não participasse
da ambiguidade fundamental do cotidiano, o que talvez explique
por que, diante das formações psicóticas, nós clínicos não nos
sintamos demandados a compartilhar afetos e desejos. Quando
muito, sentimos que nosso consulente “faz uso” de nossas imagens,
ações e palavras, como se assim estivesse a produzir algo desejável,
embora, de fato, pareça não desejar nada, antes, afastar-se de toda
demanda por desejo. É por isso que, diante desse estranho ainda mais
estranho, nós clínicos praticamente não temos lugar, constatação
que tanto interdita qualquer tipo de interesse que nós, como clínicos,
pudéssemos ter diante do estranho, quanto desencadeia, em nós
mesmos, um insuportável estado de angústia. Ficamos, afinal, sem
saber o que se passa e o que se quer de nós (MÜLLER-GRANZOTTO;
MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 244).

Dessa forma, a dimensão ética está estreitamente vinculada a um olhar


clínico que pautará a ação do profissional. Enquanto clínicos com o sujeito da psicose,
é importante sustentarmos o lugar de quem não sabe, assim como o lugar de não
desejo, abrindo possibilidades para que o sujeito possa se manifestar da forma que
é possível para ele. Ao clínico, portanto, cabe permitir que a formação psicótica se
manifeste, cabe ainda observar, escutar e acolher atentamente, sem colocar sobre esse
sujeito demandas que ele pode não suportar e levá-lo ao surto (MÜLLER-GRANZOTTO;
MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

[...] À medida que as formações psicóticas começam a se repetir, ou


melhor, à medida que começam a desenhar para o clínico um estilo
que se repete, é o momento de este tentar identificar as demandas
para as quais aquelas formações são respostas. É exatamente nesse
momento que começam as intervenções clínicas mais ativas. [...] o
clínico necessita operar pequenas manobras que – sem introduzir
novas demandas por excitamento – habilitem as produções psicóticas
a trocas sociais mínimas, restritas ao domínio da inteligência social
(MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 247).

7
2.1.2 Dimensão política
A dimensão política dentro da perspectiva gestáltica está diretamente
relacionada com a atuação do acompanhante terapêutico. Nesse sentido, o profissional
atuará como acompanhante terapêutico na medida em que estabelece um diálogo (da
forma que for possível) entre o sujeito psicótico e a sociedade, com o objetivo final
de uma transformação no meio social, que “visa ampliar (ou reduzir) a contratualidade
social como um todo” (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 252),
incluindo o sujeito da psicose não no sentido do “estranho”, mas sim como um cidadão
que representa a diversidade do outro social, por vezes excluído (MÜLLER-GRANZOTTO;
MÜLLER-GRANZOTTO, 2012). Nesse sentido:

Afirmar a dimensão política da clínica passa pelo entendimento


de que as relações duais ou grupais, em consultórios ou na
comunidade, devem abarcar toda a complexidade da subjetividade
contemporânea. As noções de indivíduo e grupo precisam ser
desnaturalizadas e passar a ser entendidas como efeitos pontuais
de processos de subjetivação sempre coletivos. O que importa é
que se consiga romper com as relações de poder que determinam
o lugar do eu e do outro, do expert e do despossuído de poder/
saber. Através de dispositivos revolucionários, criar passagens para
atualizar singularidades, sensibilidades coletivas e modos de relação
até então inexistentes (SILVEIRA, 2016, p. 339).

Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012) também apontam um cuidado


necessário para que a inclusão do paciente no meio social não se dê a partir de um
desejo do profissional a partir de suas crenças e ideologias de que este deve estar na
sociedade. A inclusão do paciente na sociedade é importante, mas cada situação e/ou
cada pessoa deve ser compreendida em sua singularidade e possibilidades, para que
a inserção não leve à ampliação do seu sofrimento e agravamento da sua condição de
excluído. Nesse sentido:

[...] em vez de obrigar o sujeito da psicose a se incluir na rede social


ou obrigá-la a tolerar delírios e alucinações – ajudar a comunidade a
compreender que, ao respeitar os limites do sujeito das psicoses,
este pode desempenhar ações em benefício da ideologia à qual a
comunidade está identificada. Dessa forma, o AT gestáltico substitui o
estilo disciplinar da instituição psiquiátrica tradicional por uma demanda
(dirigida à sociedade) de corresponsabilidade diante das diferenças
(MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 261).

O acompanhante terapêutico, por vezes, em uma posição política, atuará com o


objetivo de auxiliar o seu paciente na participação no meio social, assim como também
poderá promover a compreensão da família a respeito das demandas ambíguas que
possam estar encaminhando para o sujeito da psicose (às vezes sem perceber) e os efeitos
que elas podem ocasionar a ele (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

8
2.1.3 Dimensão antropológica
A dimensão antropológica implica como função o cuidado na relação entre a
cidadania e a psicose. Essa terceira dimensão surge para dar conta das identificações
espontâneas (a valores, ideologias, determinada forma de entretenimento) que ultrapassam
o componente clínico de escuta das formações psicóticas e o campo geopolítico
percorrido na companhia do AT. Engloba a forma como acontece o estabelecimento de
vínculos sentimentais do paciente com a família, a comunidade e os demais profissionais
que o atendem (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

Afinal, extrapolando o espaço de ausência de demanda que os


consulentes encontram junto de seus clínicos, extrapolando o
espaço de aprendizado e de ampliação social que os acompanhados
encontram ao lado de seus ATs, os consulentes buscam um tipo de
vinculação que lhes permita o pertencimento a um tipo de identidade
e a vivência do prazer que esse pertencimento desencadeia
(MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 266).

A exemplo disso, Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012), em seu livro


Psicose e Sofrimento, apresentam um relato sobre as solicitações que surgiram (tanto
no atendimento individual como de grupo) dos usuários do serviço de um CAPS para a
realização de um encontro entre profissionais e acompanhados sem um planejamento
definido. Demandavam por um espaço em que pudessem se conhecer e interagir
sem o estabelecimento de um objetivo a priori, demanda que foi atendida através do
desenvolvimento de churrascadas e cavalgadas em espaços rurais.

“Foram momentos muito intensos, em que pudemos acompanhar a humanidade


de cada sujeito, a explicitação de seus valores, crenças e diferenças, sem que isso
estivesse atrelado a um propósito ético (no sentido clínico) ou político” (MÜLLER-
GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 267). Além disso, eles apontam que houve
também o envolvimento dos familiares, criando uma rede solidária entre os próprios
pacientes, que se ajudavam mutuamente, estabelecendo vínculos entre si.

Cabe ressaltar que as três dimensões estudadas não acontecem de forma


separada. Embora eventualmente uma delas estará em mais destaque que outras,
elas atuam juntas, mesmo que de forma não nivelada entre si, sendo igualmente
importantes e dando luz para aspectos diferentes da relação, manejo e intervenção com
o sujeito e a sociedade. Destacamos também que, com base na abordagem gestáltica,
o profissional poderá atuar nas três dimensões apresentadas, mas não deve tentar intervir
sobre todas elas ao mesmo tempo, correndo o risco de implicações negativas sobre o
desenvolvimento do trabalho (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

9
DICAS
Acadêmico, para aprofundar seus estudos a respeito das dimensões ética,
política e antropológica, recomendamos a leitura na íntegra do livro Psicose
e Sofrimento.

MÜLLER-GRANZOTTO, M. J.; MÜLLER-GRANZOTTO, R. L. Psicose e


sofrimento. São Paulo: Summus, 2012.

3 O INÍCIO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO:


PRIMEIRO CONTATO
O primeiro contato entre o acompanhante terapêutico e seu acompanhado
implica, como vimos até aqui, expectativas, geralmente por parte do próprio
acompanhante, da família e da equipe profissional envolvida com o paciente, mais do
que do próprio paciente, que muitas vezes recebe esse profissional em momentos de
crises graves ou apresenta certa resistência com a sua presença.

Até aqui, acadêmico, abordamos reflexões iniciais sobre o início dessa prática
e, com base nos estudos de Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012), aprendemos
sobre as dimensões em que o profissional pode atuar e o que implica cada uma delas,
com destaque para a dimensão política, que diz respeito propriamente ao campo do
acompanhamento terapêutico. A partir de agora, veremos o contrato de trabalho, que
deve ser estabelecido logo no início do trabalho, e as implicações do diagnóstico no
lugar que o acompanhante terapêutico ocupa nessa relação.

ESTUDOS FUTUROS
Acadêmico, não deixe de realizar a leitura complementar ao final desta
unidade. Nela, você terá acesso a um relato de caso de um acompanhamento
terapêutico, do início ao fim do processo, podendo observar o vínculo
estabelecido e as intervenções realizadas. Boa leitura!

10
3.1 CONTRATO DE TRABALHO
O termo contrato possui sua origem no latim e significa “trato com”. Ao
estabelecer um contrato, organizamos os aspectos de determinado serviço ou trabalho,
de forma que todos os envolvidos nesse processo estejam cientes de como funcionará.
De maneira geral, os contratos são estabelecidos entre os principais envolvidos no
processo (KARWOWSKI, 2015).

Entretanto, quando abordamos o contrato na prática do acompanhante


terapêutico, precisamos lembrar que muitas vezes nossos pacientes são pessoas que
possuem algum transtorno e, portanto, o contrato formal será estabelecido através de
mediação primeiramente com a família ou por via institucional, quando for o caso, sendo
na sequência trabalhados os seus aspectos com o paciente (KARWOWSKI, 2015).

Outro ponto que cabe destacar aqui se relaciona ao momento em que o


acompanhante terapêutico é inserido no caso, o que muitas vezes acontece durante
momentos de crise do paciente, que exigem intervenções rápidas. Essa situação
torna-se uma complicação no estabelecimento desse contrato no início do trabalho.
Dessa forma, é muito importante que o contrato seja estabelecido logo que possível e
que possa ser constantemente revisitado, em seus pontos mais rígidos e nos pontos
que podem ser flexíveis, sempre com base no caminho que está sendo trilhado e no
desenvolvimento do paciente, quantas vezes se fizerem necessárias (PULICE, 2012).

Destacamos aqui alguns dos aspectos que consideramos essenciais e


que precisam ser abordados e esclarecidos no contrato: o início e o término do
acompanhamento terapêutico, o tempo de duração do atendimento, a frequência com
que ele vai acontecer, em que espaço, valor dos honorários e forma de pagamento, a
questão do sigilo, como funcionará na prática o acompanhamento terapêutico, assim
como interrupções e férias, faltas e atrasos (KARWOWSKI, 2015).

Ressaltamos ainda que o estabelecimento desse contrato é essencial para que


fique clara a relação profissional existente entre os envolvidos nesse processo, evitando
conflitos que possam surgir a partir do estabelecimento dos vínculos posteriormente
(KARWOWSKI, 2015; PULICE, 2012).

A respeito do tempo de duração, destacamos que eventualmente a família ou


o próprio paciente poderá realizar este questionamento, e, embora o acompanhamento
terapêutico costume ter uma duração menor do que o tratamento como um todo, não
é possível, na maioria das vezes, definir o tempo de intervenção a priori, visto que cada
paciente e/ou sua situação é única e demanda um olhar singular (PULICE, 2012).

11
Consideramos importante também abordar com destaque questões, como
horários de atendimento, local, valores dos honorários e forma de pagamento, pois a
não delimitação destes itens, assim como o não cumprimento do que foi estabelecido
no contrato de trabalho do AT pode implicar uma prática que não seja terapêutica para
o paciente (PULICE, 2012).

É necessária a delimitação da carga horária mínima e máxima semanal que o


acompanhante terapêutico disponibilizará para o paciente, assim como a fixação de
dias e horários. O local de atendimento poderá ser ambulatorial, institucional, em caso
de internações, ambiente domiciliar, lar substituto, entre outras possibilidades (PULICE,
2012). Ainda sobre o local:

O encontro entre AT (acompanhamento terapêutico) e acompanhado


acontece sempre no chão comum da pólis, seja nos espaços abertos,
públicos ou não – onde a presença da cidade é evidente –, seja
também na privacidade secreta e silenciosa de um quarto fechado
– onde a cidade se faz presente como entorno que envolve (PORTO,
2013, p. 2).

Quanto aos honorários estabelecidos, estes devem ser coerentes com o


valor que o próprio profissional atribui ao seu trabalho. O estabelecimento de valores
menores que o esperado pelo profissional precisa ser muito bem avaliado, assim como
a combinação de como será feito o pagamento (de forma semanal, mensal, se antes ou
depois do atendimento, se no dinheiro, cartão etc.) (PINTO, 2015; KARWOWSKI, 2015).

Importante destacar que, o profissional sempre estará disponível para o seu


paciente nos horários preestabelecidos e, portanto, a cobrança dos honorários pode
ser feita também nos casos em que, por algum motivo, o paciente não cumpre com o
combinado, visto que o profissional estará disponível por aquele período ao paciente.
Conceder aberturas nesse sentido implicará no profissional não receber pelo tempo do
seu serviço que está disponível para aquele paciente (PULICE, 2012).

Você, acadêmico, ao adquirir experiência, encontrará a melhor forma de


conduzir esses aspectos na sua prática, mas é essencial ter em mente que abrir
brechas ou flexibilizar questões contratuais estabelecidas com o paciente e seus
familiares poderá levar a uma atitude que não seja terapêutica, pois na medida em que o
contrato é constantemente desconsiderado, a relação profissional sofre consequência
e o acompanhante terapêutico pode deixar de se engajar com o tratamento do seu
paciente (muitas vezes sem perceber), como nos casos em que começa a se atrasar
frequentemente para o atendimento daquele paciente, entre outras possibilidades
(PULICE, 2012). Nesse sentido, o autor aponta também que:

Com frequência ficam evidentes as dificuldades de levar adiante uma


intervenção em total consonância com o que vimos dizendo, [...] e no
caso de não ser possível em algumas ocasiões, pode ser preferível
não continuar – informando a família, quando possível, com certa
antecedência, para que tenham tempo de instrumentar uma alternativa
–, pois podemos correr o risco de a intervenção dos acompanhantes
se transformar em um ato meramente cosmético, pretendendo cobrir
imperfeições, como uma máscara (PULICE, 2012, p. 101).

12
Com base nos escritos de Pulice (2012), destacamos que ao acompanhante
terapêutico caberá manter uma postura atenta diante da sua prática profissional para
que, ao observar que sua presença com determinado paciente não se encontra mais
na direção de proporcionar benefícios àquele que é acompanhado, ou apresenta
dificuldades para a condução do trabalho, possa reunir os envolvidos para que haja uma
busca por outras alternativas, evitando deixar o paciente (e também a família, em alguns
casos) desassistidos.

3.2 O LUGAR DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO NA


RELAÇÃO E IMPLICAÇÕES DO DIAGNÓSTICO
Acadêmico, ao trabalhar os aspectos iniciais que compõem o primeiro momento
do acompanhamento terapêutico, cabe abordarmos também sobre o lugar que o
acompanhante terapêutico possui na relação com o sujeito que é acompanhado e as
implicações que o diagnóstico pode acarretar. Entretanto, que lugar seria este? Que
implicações pode o diagnóstico ofertar?

No início do acompanhamento, assim como durante todo o tempo que esse


processo durar, o acompanhante terapêutico deve ocupar o lugar de quem efetivamente
acompanha o paciente, seja nos espaços públicos ou privados de sua vida, seja no
ambiente familiar ou institucional. O acompanhante poderá, ainda, intervir nos momentos
de crise do paciente, auxiliando em suas vulnerabilidades e, em suma, atuando como
mediador do contato entre o paciente e o meio social em que ele habita (PULICE, 2012).

Essa não é uma clínica comum, não tem espaço físico, o local de
encontro é sempre onde o outro sente-se acolhido e quer receber o
AT: em suas casas, parques, sorveterias, ruas, escolas, instituições. O
AT vai ao encontro de todos aqueles que necessitam de algum cuidado
em saúde mental e que por algum motivo estão impossibilitados de
seguir suas vidas e seus projetos: crianças, adolescentes, adultos e
idosos, com demandas das mais variadas, não se restringindo às
pessoas com algum adoecimento psíquico (TAVEIRA et al., 2021, p. 83).

Há implicação do diagnóstico quando este se torna o principal foco de atenção


do profissional, sobressaindo-se inclusive sobre a pessoa que será atendida. Com o olhar
pautado somente a partir de um diagnóstico, buscaremos pelo controle e adaptação
dessa pessoa a todo custo diante da sociedade (PULICE, 2012). Dessa forma:

[...] consideramos que em casos assim é prudente não pensar


o estabelecimento do diagnóstico – enquanto caracterização
nosográfica – como aquilo que deveria ser obrigatoriamente definido
em uma primeira instância da intervenção. Ao contrário, observamos
que é fundamental pôr em primeiro plano o que acontece no contexto
familiar, as características e a história familiar dos pais e a demanda
singular com que chegam ao consultório (PULICE, 2012, p. 142).

13
Nesse sentido, é importante sempre lembrarmos do nosso lugar diante da pessoa
a quem estamos acompanhando, ampliando o olhar para além do seu diagnóstico: a
história de vida que ela possui, a relação que estabelece com o que e quem está ao
seu redor, em que momentos e o que acontece que contribui para as suas crises, que
lugar tal sintoma produzido tem para ela naquele momento, buscando sempre auxiliar
esse paciente no encontro de outras possibilidades que evoquem menor prejuízo e que
possuam uma maior proximidade com o contexto social, em que o objetivo final será
facilitar a sua inclusão nos mais diversos espaços em que desejar circular (PULICE,
2012; MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012).

Achamos pertinente o apontamento crítico que Bueno (2016) faz sobre os


cuidados necessários com as práticas realizadas enquanto acompanhante terapêutico,
para que não ocupe um lugar que tantas lutas já buscaram e buscam ainda hoje, eliminar
da tratativa as pessoas consideradas loucas.

Ser AT ou praticar o AT não diminui a possibilidade de fracasso na lida


com a loucura, e também em outros campos, tendo em vista que
nada se transforma apenas a partir de uma única prática. Da mesma
forma que podemos encontrar profissionais apegados a práticas
assistencialistas e institucionalizantes, também podemos encontrar AT
com essas características. É fundamental que tenhamos uma crítica
permanente sobre a prática que conduzimos (BUENO, 2016, p. 11).

DICAS
Acadêmico, recomendamos a leitura do artigo A inserção do Acompanhamento
Terapêutico em um modelo interdisciplinar de atendimento a pacientes
neurológicos, para que você possa observar o lugar que o acompanhante
terapêutico ocupa e como pode mediar a transformação e a ampliação de
possibilidades para o paciente.

SANTOS, R. G. A inserção do Acompanhamento Terapêutico em um modelo


interdisciplinar de atendimento a pacientes neurológicos. Cadernos
Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, [s. l.], v.
1, n. 1, p. 146-156, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/
cbsm/article/view/68436.

3.3 LIMITES E POSSIBILIDADES NO AT: UMA RELAÇÃO


DE AMIZADE?
A prática que conhecemos hoje, denominada de acompanhamento terapêutico,
em outros momentos da história já foi nomeada como amigo qualificado. A alteração
do nome aconteceu principalmente pelo entendimento de que, ao entender a relação
como uma relação de amizade, ela perderia o seu teor profissional e levaria a intervenções
ineficazes, já que aponta para uma relação pessoal e sem rigor científico (BUENO, 2016).

14
Bueno (2016) utiliza o conceito de Spielraum, proposto por Nietzsche (1844-
1900), para a compreensão da amizade. Esse termo, em sua tradução para o português,
significa a vivência de algo comum, manobra, jogo. Dessa forma, propõe-se que ela seja
vivida na sua singularidade, sem a busca daquilo que é socialmente aceitável, posto
que na amizade não anulamos o outro em virtude do que entendemos como verdade. O
autor também faz uma crítica à universalidade, na medida em que ela remete também às
classificações nosográficas, já que elas buscam padronizar condutas.

No que diz respeito ao campo do AT, certamente a relação estabelecida entre


o acompanhante terapêutico e o sujeito acompanhado será diferente da relação
estabelecida com um psicólogo, analista ou outros profissionais presentes na equipe
interdisciplinar que o assistem, mas a sua proximidade não implica não ser um profissional.
Nesse sentido, o acompanhante terapêutico será sim quem estará mais presente na
vida desse paciente, dado o seu formato de trabalho, que poderá acontecer por uma
carga horária diária e frequência maior na semana (PULICE, 2012).

Dessa forma, o principal diferencial do acompanhante terapêutico com outro


profissional é a surpresa proporcionada por esse encontro. Ao agendar um atendimento
no consultório, o paciente é recebido no espaço privado do terapeuta, já impregnado pela
sua história. O contato com o AT, na maioria das vezes, acontece no campo domiciliar do
sujeito que será acompanhado, onde o encontro entre dois cidadãos acontece e, a partir
dele, podem então se diferenciar um do outro (PORTO, 2013). Nesse sentido, pensando
a implicação do vínculo entre esses sujeitos:

O que define a terapêutica e a faz perdurar vai depender do que


acontecer no fluir do encontro entre acompanhante e acompanhado,
não se podendo relaxar demais nem tensionar demais, mas manter
a prudência necessária para sustentar-se na fronteira, no limite que
separa a ignorância e o informe, e possibilita a produção de sentidos
e de formas, dadas pontualmente nesse incessante processo de
subjetivação (SILVEIRA, 2016, p. 338).

Imagine, acadêmico, ao acompanhar uma pessoa, durante duas horas por dia,
três dias na semana, como seria manter uma posição afastada, em que cada tentativa
de aproximação do paciente, seja na demonstração de um afeto ou na realização de
uma brincadeira, fosse rejeitada e respondida de forma a deixar claro que essa não
é uma relação de amizade e esse não é o seu papel ali? Ou ainda, que efeitos a sua
presença produziria ao buscar em todas as manifestações do paciente realizar algum
tipo de intervenção pautada no que ou por que ele fala ou age de determinado modo?
(PULICE, 2012).

15
Certamente, como Pulice (2012) aponta, o paciente poderia apresentar certa
hostilidade com o acompanhante, além de não estabelecer nenhum tipo de vínculo,
o que é essencial para o desenvolvimento de um trabalho como AT. Dessa forma,
em sua prática profissional no campo do acompanhamento terapêutico, o paciente
poderá nomear a relação estabelecida como de amizade, pois além do tempo que
o profissional está presente em sua rotina, há outras características presentes que
remetem a tal relação:

[...] conversas, passeios, caminhadas, jogos, incluindo saídas


recreativas, como ir ao cinema, a um bar etc. –, ou seja, considerando
o fato de dividir com frequência e durante tantas horas atividades com
essas características, vemos quase inevitavelmente se configurar o
cenário propício para que se gerem no paciente esses sentimentos.
Não podemos ignorar o fato de que uma das funções essenciais da
amizade é justamente ser a porta de entrada do sujeito no mundo das
relações afetivas, além das relações primárias: em outras palavras,
aquilo que lhe permite manifestar seu desejo em sua conexão com o
semelhante fora do entorno familiar (PULICE, 2021, p. 125).

Portanto, é importante que na relação entre acompanhante e acompanhado


possa ser estabelecida uma relação de semelhança, para que ele (o paciente)
possa encontrar “algum espelho que lhe permita começar a se ver, ao menos, um
pouquinho melhor” (PULICE, 2012, p. 126). Dessa forma, o profissional trabalhará com
a possibilidade desse vínculo na medida em que ele é assim proposto pelo paciente,
sempre tendo muito claro para si quais são os seus limites, e tomando o cuidado
para não os romper, pois sua presença está vinculada a uma estratégia de trabalho
(PULICE, 2012). Destacamos, no entanto, que é preciso cuidado para que não sejam
excluídas dessa relação todas as assimetrias existentes nela, pois:

[...] o ato de apagar toda diferença, toda assimetria entre o


acompanhante e o sujeito costuma gerar o terreno propício para
que esse vínculo desemboque em uma relação de rivalidade
dificilmente gerenciável depois. Isso poderia ser expresso nestes
termos: Se somos amigos (grifo do autor) – poderia argumentar o
paciente –, por que eu teria que aceitar ou dar lugar a sua palavra,
a suas instruções, a seus horários? Se somos iguais, por que ficar
eu nessa posição de subordinação em relação a você? (grifo do
autor) (PULICE, 2012, p. 128).

Diante dessa relação e desse vínculo estabelecido entre acompanhante


terapêutico e sujeito acompanhado, destacamos que o profissional deve estar atento
para não responder ao vínculo de amizade que o paciente estabeleceu com ele também
de um lugar amigável, pois implicará na falta de limites necessários para que realize a
sua função, como permanecer com o paciente após o horário determinado ou emprestar
dinheiro, levando a uma relação contrária ao trabalho terapêutico, já que torna a relação
confusa (PULICE, 2012).

16
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O acompanhante terapêutico pode ser inserido no tratamento através da demanda da


família ou por solicitação da equipe interdisciplinar que oferece assistência, sendo na
maioria das vezes demandado em momentos em que o paciente se encontra em crise.

• Tanto o paciente como a família poderão apresentar resistência com a sua presença,
podendo ser visto como um intruso no ambiente familiar, um espião da equipe ou
do terapeuta.

• Pesquisadores da abordagem gestáltica apontam para três dimensões, em que cada


uma delas abordará uma questão diferente, sendo a dimensão ética, voltada para o olhar
clínico, a dimensão política, em que ocorre a inclusão do acompanhante terapêutico,
mediando a relação entre o paciente e a sociedade, e a dimensão antropológica,
referindo-se a uma dimensão do cuidado direcionada ao paciente e à cidadania.

• Embora muitas vezes o nosso primeiro contato com o paciente aconteça durante a
necessidade de intervenção, visto ser em um momento de crise, é importante que
o contrato seja estabelecido o quanto antes e assim que possível, para não implicar
consequências negativas posteriormente no desenvolvimento do trabalho.

• O acompanhante terapêutico deve ocupar o lugar de quem efetivamente acompanha


o paciente, seja nos espaços públicos ou privados de sua vida, seja no ambiente
familiar ou institucional, intervindo nos momentos de crise desse paciente, auxiliando
em suas vulnerabilidades e, em suma, atuando como mediador do contato entre o
paciente e o meio social em que ele habita.

• O paciente poderá nomear a relação estabelecida com o acompanhante terapêutico


como de amizade, e o profissional trabalhará com a possibilidade desse vínculo na
medida em que ele é assim proposto pelo paciente, sempre tendo muito claro para si
quais são os seus limites e tomando o cuidado para não os romper, pois sua presença
está vinculada a uma estratégia de trabalho.

17
AUTOATIVIDADE
1 Quando acontece o primeiro atendimento para você e para o paciente,
compreendemos que haverá com esta experiência uma expectativa já bastante
esperada de sua parte: trata-se da sua primeira experiência profissional. Sobre
as reflexões que antecedem à prática do acompanhante terapêutico, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) É importante pensarmos a respeito dos preconceitos que existem em nós. Ao


acompanhar alguém, precisamos estar abertos e disponíveis para a sua forma
de ser e estar no mundo, acolhendo as suas formas “estranhas” que possam se
manifestar. Se não nos for possível essa disposição e abertura, o desenvolvimento
do trabalho ficará prejudicado.
b) ( ) A subjetividade do acompanhante terapêutico não interfere na sua prática
profissional, pois ele poderá intervir pautado em um plano determinado antes
mesmo de conhecer o paciente.
c) ( ) Não é necessário pensar na implicação de outras pessoas na atuação do
acompanhante terapêutico, pois ele poderá trabalhar sem contato com equipe e
demais familiares, se preferir trabalhar dessa forma, somente em contato com o
seu paciente.
d) ( ) Os preconceitos que possamos vir a ter não precisam ser pensados em função
da área de atuação do acompanhamento terapêutico, pois não interferem de
nenhuma forma na prática profissional.

2 Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012) utilizam a abordagem gestáltica e


conduzem o seu olhar diante do sujeito da psicose a partir de três dimensões. Essas
dimensões não acontecem de forma separada, embora eventualmente uma delas
estará em mais destaque que outras, elas atuam juntas sobre o sujeito, mesmo
que de forma não nivelada entre si, sendo igualmente importantes e dando luz para
aspectos diferentes na relação, manejo e intervenção com o sujeito e a sociedade.
Com base nas dimensões apresentadas, analise as sentenças a seguir:

FONTE: MÜLLER-GRANZOTTO, M. J.; MÜLLER-GRANZOTTO, R. L. Psicose e sofrimento. São


Paulo: Summus, 2012.

I- A dimensão ética implica como função o cuidado na relação entre a cidadania


e a psicose. Essa terceira dimensão surge para dar conta das identificações
espontâneas (a valores, ideologias, determinada forma de entretenimento) que
ultrapassam o componente clínico de escuta das formações psicóticas e o campo
geopolítico percorrido na companhia do AT.

18
II- A dimensão antropológica está estreitamente vinculada a um olhar clínico, que
pautará a ação do profissional. Enquanto clínicos com o sujeito da psicose, é
importante sustentarmos o lugar de quem não sabe, assim como o lugar de não
desejo, abrindo possibilidades para que o sujeito possa se manifestar da forma que
é possível para ele.
III- Na dimensão política, o acompanhante terapêutico atuará com o objetivo de auxiliar
o seu paciente na participação no meio social, assim como também poderá promover
a compreensão da família a respeito das demandas ambíguas que possam estar
encaminhando para o sujeito da psicose (às vezes sem perceber) e os efeitos que elas
podem ocasionar a ele.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O termo contrato possui sua origem no latim e significa “trato com”. Ao estabelecer
um contrato, organizamos os aspectos de determinado serviço ou trabalho, de forma
que todos os envolvidos nesse processo estejam cientes de como funcionará. De
acordo com o contrato de trabalho, classifique V para as sentenças verdadeiras e F
para as falsas:

( ) Muitas vezes nossos pacientes são pessoas que possuem algum transtorno e,
portanto, o contrato formal será estabelecido através de mediação primeiramente
com a família ou por via institucional, quando for o caso, sendo na sequência
trabalhados os seus aspectos com o paciente. 
( ) O estabelecimento do contrato não deve ser feito logo no início, é preferível dar
atenção primeiro para a construção do vínculo entre o profissional e o paciente.
( ) No que diz respeito aos honorários estabelecidos, estes devem ser coerentes com
o valor que o próprio profissional atribui ao seu trabalho. O estabelecimento de
valores menores que o esperado pelo profissional precisa ser muito bem avaliado,
assim como a combinação de como será feito o pagamento.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 No início do acompanhamento, assim como durante todo o tempo que esse processo
durar, o acompanhante terapêutico deve ocupar o lugar de quem efetivamente
acompanha o paciente, seja nos espaços públicos ou privados de sua vida, seja no
ambiente familiar ou institucional. Disserte sobre como o diagnóstico pode implicar
na relação estabelecida entre o acompanhante terapêutico e o paciente.

19
5 A prática que conhecemos hoje, denominada de acompanhamento terapêutico, em
outros momentos da história já foi nomeada como amigo qualificado. A alteração
do nome aconteceu principalmente pela crítica de, ao entender a relação como
uma relação de amizade, ela perderia o seu teor profissional e levaria a intervenções
ineficazes, já que aponta para uma relação pessoal e sem rigor científico (BUENO,
2016). Nesse contexto, disserte sobre os pontos que podem levar o paciente a
considerar essa relação de amizade e qual deve ser o posicionamento do AT.

FONTE: BUENO, R. C. O acompanhamento terapêutico como potente estratégia de


cuidado nas clínicas da desinstitucionalização. 2016. 179 f. Tese (Doutorado em Psicologia)
– Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2016.

20
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
CONTINUIDADE DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO E OS PROCESSOS DE ALTA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no tópico anterior, você aprendeu sobre o que antecede à prática
do Acompanhamento Terapêutico (AT) e as possíveis formas de posicionamento do
acompanhante terapêutico, que são apresentadas em três momentos: posicionamento
ético, posicionamento político e posicionamento antropológico.

Neste tópico, nos aprofundaremos na continuidade do acompanhamento


terapêutico, quais são os elementos base que o AT precisa compreender para poder
manter e continuar o acompanhamento e a sua relação com a alta-assistida.

Você verá ao final deste tópico que a alta-assistida se refere a um


acompanhamento do familiar e do paciente que sofre de algum transtorno mental grave
depois do momento de alta. Essa atuação vai muito de encontro com o acompanhamento
terapêutico, pois visa acompanhar esse sujeito fora dos ambientes das clínicas e
hospitais, auxiliando na sua reintegração social.

Você está pronto para mais um mergulho nos estudos sobre o AT? Vamos lá!

2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO CUIDADO


EM SAÚDE MENTAL
A base de formação de um acompanhante terapêutico vem através de áreas de
saúde, como psicologia, enfermagem, fisioterapia, educação física etc., e todas elas têm
um objetivo em comum: auxiliar o sujeito em sua ressocialização. A maioria das pessoas
que optam em se tornar acompanhantes terapêuticos vem da área da saúde mental,
como a psicologia, e é sobre essa atenção que nos aprofundaremos agora.

A Reforma Psiquiátrica no Brasil foi a grande responsável por muitos avanços


no cuidado mental que temos hoje. Até pouco tempo, o trabalho em saúde mental era
referido somente aos manicômios, aos ambientes carcerários, às crises psiquiátricas
e à segregação social (AMARANTE, 2007). Falar dos avanços sociais e da atuação do
acompanhante terapêutico torna esse trabalho um ato político (PALOMBINI, 2004), pois
sua proposta principal é realizar a reinserção psicossocial.

21
FIGURA 1 – ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

FONTE: <https://www.ibccoaching.com.br/portal/coaching-e-psicologia/a-importancia-do-
acompanhamento-terapeutico/>. Acesso em: 29 set. 2021.

De acordo com Amarante (2007), no Brasil, a partir das diversas estratégias e


dispositivos desenvolvidos com o intuito de uma criação de um novo cenário de cuidado
em saúde mental, tivemos uma redução de quarenta mil leitos hospitalares na década
de 1997-2007. Isso não significa que pessoas já não estão mais sofrendo com doenças
mentais, significa que agora elas estão sendo tratadas e acompanhadas por clínicas
e ambientes seguros, que respeitam sua integridade e que transformam a visão de
doença mental na perspectiva pessoal e social. Hoje já temos CAPS (Centros de Atenção
Psicossocial), laboratórios, residências terapêuticas e também os ATs, que possuem um
papel crucial no processo de melhora desses pacientes.

O trabalho desenvolvido no AT vem de encontro com o mais esperado em saúde


mental, que é a escuta ativa, o olhar singular e todo um planejamento direcionado
especificamente para as demandas daquele paciente, para ajudar a pessoa que sofre de
alguma doença ou transtorno mental a lidar com esse processo da forma mais segura
e respeitosa possível.

Para Pitiá e Santos (2006, p. 3):

O trabalho do terapeuta AT é uma forma de acolhimento que opera


na produção da (re)colocação do sujeito na realidade urbana,
encontrando espaços onde a cidade incorpora a conexão da pessoa
a sua organização psíquica e à dinâmica pessoal. As saídas pela
cidade, preferencialmente fora dos lugares conhecidos do paciente
e já cristalizados pelo hábito, aumentam suas possibilidades de
concretizar articulações no social, como sujeitos que exercitam sua
potencialidade vital.

Portanto, podemos afirmar que o AT, em congruência com os princípios criados


na Reforma Psiquiátrica, é uma clínica que se faz em movimento, que visa proporcionar
autonomia e reinserção social do sujeito e tem papel fundamental para a sua melhora.

22
3 TEORIA E DEFINIÇÃO
O AT é definido como um:

Dispositivo não diretivo de baixa demanda que, do ponto de vista


clínico e sociocomunitário, oferece atendimento e apoio aos
familiares e usuários ambulatoriais, em espaços públicos ou privados,
individuais ou coletivos, promovendo a participação e a autonomia do
usuário na tomada de decisões sobre seu tratamento, seja no campo
da prevenção, cuidado ou inserção social (GALDÓS; MANDELSTEIN,
2009, p. 81).

Esse dispositivo funciona principalmente com pacientes gravemente


perturbados, em situações de crise ou emergência, e em casos que são recorrentemente
problemáticos ou que não são acessíveis para estratégias psicoterapêuticas clássicas
(ROSSI, 2007).

Esse dispositivo é desenvolvido em conjunto com o psicólogo ou psiquiatra


responsável e com a equipe terapêutica. A função do AT deve estar sempre inscrita
dentro da estratégia de tratamento, não funciona de forma independente e é um
dispositivo construído com o paciente, enfatizando suas capacidades. Pode-se então
considerar que o AT faz parte do conjunto de instrumentos à disposição da equipe
assistencial, dentro de um quadro estipulado pelos acordos de contrato terapêutico
(MAUER; RESNIZKY, 2004).

O AT faz parte do processo de tratamento e é útil como promotor do próprio


tratamento. O AT pode ser utilizado para “instalar a demanda” nos momentos preliminares
à análise de pacientes psicóticos (ROSSI, 2007). Pela contribuição que o dispositivo
dá sobre o que está “além” do consultório, o AT fornece à equipe informações valiosas
na fase de diagnóstico e, posteriormente, durante o acompanhamento e evolução
do tratamento, pois é também seu catalisador (MAUER; RESNIZKY, 2004). A inclusão
desse dispositivo em um tratamento cria em si uma equipe multidisciplinar, em que
a supervisão, a avaliação e o trabalho em equipe são vitais, criando a possibilidade de
contribuições mais ricas e profundas a cada caso.

As funções do acompanhante terapêutico, propostas por Mauer e Resnizky


(2004), são:

• Conter o paciente em seu cotidiano.


• Oferecer-se como referência, ajudando a se regular como organizador psíquico.
• Ajudar a “reinvestir”, ou seja, assumir temporariamente as funções do “eu do
paciente”, que o paciente não consegue desenvolver por conta própria devido ao
enfraquecimento pela doença.
• Registrar e ajudar a mostrar a capacidade criativa do paciente, liberar a capacidade
criativa inibida e estruturar a personalidade em torno de um eixo organizador.
• Proporcionar uma visão do mundo objetivo do paciente, para uma melhor avaliação
na construção da estratégia clínica.
23
• Possibilitar um espaço para a reflexão sobre o vínculo, aumentando a troca
comunicativa do paciente.
• Guiar no espaço social, criar uma ponte para o mundo ao seu redor.
• Intervir no tecido familiar, descomprimir e amortecer certas interferências nas
relações do paciente com a sua família.

A partir das funções citadas, pode-se observar a importância do vínculo no


AT. Autores, como Galdós e Mandelstein (2009), apontam que o AT é um dispositivo
clínico que foca sua intervenção no vínculo e na relação com o paciente e sua rede
social. Com tudo isso, o AT busca alcançar uma condição de vida melhor, menos
distante da realidade, por meio de um fortalecimento do self, um ajuste nas relações
interpessoais e uma percepção mais clara de sua própria existência no mundo (MAUER;
RESNIZKY, 2004). Dessa forma, o acompanhamento terapêutico, conforme apontado
anteriormente, é uma ponte para o mundo.

Essa lista de funções também nos ajuda a ver como o AT pode se inscrever
na abordagem psicanalítica. Embora o AT possa ser levantado em diferentes escolas
teórico-clínicas, seu foco será definido pela orientação da equipe de tratamento que
inclui esse dispositivo. Também podemos afirmar que o AT é um tributário da psicanálise
por sua história e conceito, mas dada sua configuração flexível, na vida cotidiana, além
do consultório e do trabalho com as famílias, também se baseia na psicologia social,
sociocomunitária e na psicologia sistêmica.

Apresentar o AT como dispositivo associado ao sistema de saúde significa


entrar na esfera sociocomunitária e estender a terapêutica “para além” das portas das
instituições (ROSSI, 2007). Nessa esfera sociocomunitária, o objetivo do AT centra-se
na reinserção social, que Rossi (2007) reformula como novas inscrições sociais, como
vínculos diferenciados. Esse trabalho de facilitar o vínculo social permite que o paciente
continue em seu ambiente habitual e não perca suas atividades e vínculos. Dessa forma,
evita-se cronificação, isolamento e segregação.

Como um dispositivo clínico, o AT é instrumentado dentro da teoria das “redes


sociais” (GALDÓS; MANDELSTEIN, 2009). Nessa perspectiva, García e Ramírez (1995)
apontam que as pessoas confiam em obter ajuda emocional e/ou instrumental de sua
rede social. Dentro dessa rede, esses mesmos autores definem o conjunto de pessoas
que podem dar essa ajuda como o sistema de apoio social. Esse apoio social só ocorre
após e como consequência da integração social. O objetivo nessa área do AT é a
reintegração, ou como já foi apontado, criar novas inscrições sociais. Para formar essas
novas inscrições, vistas a partir da teoria das redes, deve-se “construir” um sistema
natural que dê suporte ao paciente após o término do tratamento.

García e Ramírez (1995) destacam várias razões explicativas sobre a relevância


do “apoio social” que igualmente validam o trabalho com AT:

24
• A eficiência das intervenções baseadas em redes sociais naturais.
• Promover e facilitar a solidariedade para o desenvolvimento comunitário e a
participação social.
• A evidência de que o desenraizamento de contextos sociais naturais é a causa ou
precipitador de transtornos muito importantes.

Essa nova orientação psicossocial sublinha a capacidade das pessoas


“de aprender a enfrentar os seus problemas e da própria comunidade a assumir o
compromisso de vigiar, cuidar, etc., da sua saúde e, portanto, serem protagonistas do
seu bem-estar” (GARCÍA; RAMÍREZ, 1995, p. 65). Esses pontos concordam claramente
com o que foi dito sobre os movimentos de reforma, todos concordam que o paciente
tem recursos, aspectos saudáveis e que ele pode ser participante nas decisões sobre o
seu tratamento.

A partir dessa perspectiva, acrescenta-se a ideia de que não só o paciente tem


recursos, mas que a comunidade também os possui e que são criados sistemas de
suporte naturais dentro dela. Dessa forma, o paciente e a comunidade são elementos
ativos no processo de integração social. Nessa perspectiva psicossocial de intervenção,
o sistema comunitário deve prover seus membros com os recursos necessários para
poder satisfazer suas necessidades, demandas e problemas e, dessa forma, proporcionar
bem-estar (GARCÍA; RAMÍREZ, 1995).

No caso do AT, os pacientes costumam sofrer deterioração de sua rede social,


tanto no âmbito familiar quanto com os amigos e o ambiente de trabalho. Os graus
podem ser variados e dependerão da gravidade da situação do paciente. Pode ser
que as novas inscrições sociais sejam completamente necessárias, uma vez que o
paciente pode não as ter ao longo de sua história ou por um longo período. Também
pode acontecer de as suas relações sociais serem incompatíveis com o bem-estar,
como frequentemente acontece com a toxicodependência. O trabalho do AT torna-se
complexo nesse ponto, pois deve promover a integração social em sistemas de apoio
que gerem relações benéficas e/ou protetoras na rede social. Dessa forma, o AT deve
enriquecer as habilidades sociais, promover vínculos na rede e evitar a solidão social.

Para avaliar a qualidade do suporte social, García e Ramírez (1995) apontam


quatro fatores: coesão interpessoal, comprometimento, expressividade e baixo grau de
conflito. A coesão se refere ao grau de apoio no sistema, o comprometimento com o
interesse e a preocupação, a expressividade mostra o grau de encorajamento mútuo
para uma expressão aberta de desejos, sentimentos e necessidades, e o nível de conflito
se refere ao grau de tensão nas interações. O apoio social, como se pode verificar, não
se define apenas como “ajuda”, mas também contempla trocas emocionais ou afetivas e
informativas e é, sem dúvida, um quadro de referência para o trabalho do AT.

Os três sistemas de apoio descritos por García e Ramírez (1995) de nosso


ambiente cultural são o casamento e a família, os amigos e as relações de trabalho. O
apoio social da família é benéfico tanto para a saúde física como mental e geralmente
proporciona um alto grau de felicidade, sendo especialmente útil em situações de
crise de saúde. Por outro lado, os amigos têm menos relevância nos processos de

25
adoecimento, mas constituem fontes importantes de apoio instrumental e emocional
e facilitam em alto grau a integração social. Finalmente, pertencer a grupos coesos de
colegas de trabalho é um indicador de satisfação no trabalho. Todos esses elementos
dos sistemas de apoio servem para focar o trabalho do AT e determinar objetivos de
acordo com a necessidade do caso.

O AT como dispositivo tem o objetivo geral de expandir o campo da terapia ao


tempo livre, à rua e ao domicílio do paciente (ROSSI, 2007). Atua principalmente no
ambiente habitual, familiar e social do sujeito, busca utilizar o espaço de circulação do
paciente para promover o desenvolvimento do projeto terapêutico e para isso utiliza
o cotidiano.

3.1 OS OBJETIVOS ESPECÍFICOS DO AT


Os objetivos específicos do Acompanhamento Terapêutico são:

• Estimular a continuidade do tratamento ou possibilitar o início do tratamento adequado.


• Promover a inserção social.
• Fornecer informações sobre o curso do tratamento e a evolução do paciente para a
equipe e revisar as estratégias com relação ao seu tratamento.
• Sustentar e complementar a rede de apoio ao paciente.
• Fornecer novos recursos para conduzir em sua vida diária.
• Prevenir situações de risco.

Os objetivos que decorrem do trabalho com AT consistem em favorecer a


recuperação das próprias capacidades do paciente para um funcionamento mais
autônomo deste, integração na vida familiar, social e profissional, uma melhor condição
de vida, um ajustamento nas relações interpessoais e uma visão mais clara e percepção
de sua própria existência no mundo.

O desenvolvimento do trabalho de AT se dá principalmente no cotidiano do


paciente, que é o seu quadro de trabalho. Pichon-Rivière e Quiroga (2002) veem a
vida cotidiana como o ponto de partida para alcançar um conhecimento objetivo do
paciente como uma unidade biopsicossocial. Isso reafirma a contribuição do AT dentro
da estratégia de tratamento como facilitador de informações sobre a ‘realidade imediata’
e as ‘condições concretas de existência’ do paciente.

Além do trabalho terapêutico in loco, o acompanhante pode fornecer informações


sobre a rede do paciente e seu cotidiano, sendo, portanto, um elemento dinâmico em
vários níveis. O acompanhante terapêutico, ao entrar em contato com o paciente e seu
contexto, observa formas de resposta, favorece mudanças, revê estratégias em relação
ao seu tratamento e favorece a elaboração do conteúdo da psicoterapia pelo paciente.

26
Pichon-Rivière e Quiroga (2002) definem sua abordagem da psicologia social
como uma ‘crítica da vida cotidiana’, entendendo essa crítica como uma análise objetiva
dela. A partir dessa especificidade do cotidiano, a análise servirá para verificar se as
organizações sociais e as ‘vivências específicas’ dos sujeitos auxiliam ou dificultam o
crescimento e a saúde.

O desenvolvimento saudável das pessoas deve ser realizado em uma relação


dialética com o mundo, alcançando uma adaptação ativa. O desenvolvimento da
subjetividade advém dessas experiências específicas, da ‘vivência da ação’ e da relação
que os sujeitos mantêm com as suas necessidades. Pichon-Rivière e Quiroga (2002, p.
11) entendem o homem “como se colocando em uma atividade transformadora em uma
relação dialética, modificando-se mutuamente com o mundo; uma relação que tem seu
motor na necessidade”.

Outro elemento importante a destacar no desenvolvimento de Pichon-Rivière


e Quiroga (2002) sobre a vida cotidiana é que ela mostra e esconde a ‘realidade social’.
Segundo os autores, a realidade social se mostra por meio dos fatos, dessa forma, a
prática passa a ser a única forma de realizar uma análise objetiva do cotidiano. Mostra-
se, então, com a prática, mas também com a quebra do mito do óbvio e do natural, que
é onde se esconde a realidade social. Entre esses mitos está o do ‘cotidiano uniforme’,
homogêneo, que se expressa em frases como: ‘os brasileiros são assim, nós temos esse
jeito de ser’. O mito esconde a heterogeneidade da vida cotidiana.

Por outro lado, a vida cotidiana oculta a realidade social na medida em que a
banaliza e a torna “natural”. Para fazer essa crítica que os autores apontam, é necessário
romper com o mito do óbvio e do natural e mergulhar nos espaços, tempos e ritmos do
cotidiano. Para essa análise objetiva, o AT é sem dúvida um grande aliado, pois se dá
justamente nesse espaço, tempo e ritmo do cotidiano.

3.2 APLICAÇÃO DO AT
Sua intervenção é recomendada no tratamento de pacientes com transtorno
mental grave e crônico (crises psicóticas, depressões, neuroses graves ou exacerbações,
transtornos bipolares, transtorno de personalidade borderline e fobias), isolamento social,
comportamentos de risco, perturbação do ambiente familiar, ameaças de interrupção
do tratamento e dependência química (GALDÓS; MANDELSTEIN, 2009; ROSSI, 2007;
SIMÕES; KIRSCHBAUM, 2005).

O AT está sendo utilizado “principalmente nos casos em que o usuário não


dispõe dos recursos necessários (físicos, mentais ou sociais) para acessar os recursos
regulares de saúde de forma autônoma e sustentar seu tratamento ao longo do tempo”
(GALDÓS; MANDELSTEIN, 2009, p. 81). O AT é uma resposta psicossocial, um recurso
alternativo no meio sociocomunitário para a abordagem de pacientes que necessitam

27
de uma presença institucional, tanto no cotidiano como no imediato de uma crise
(ROSSI, 2007). Essa intervenção oferece apoio domiciliário e comunitário ao tratamento
psiquiátrico e/ou psicoterapêutico, dando apoio a famílias e pessoas em situação de
crise em que os dispositivos tradicionais de tratamento estão a transbordar ou quando
se opta por tratamento privado.

Além das indicações já mencionadas com adultos, o AT também se desenvolve


com crianças. Nos últimos anos, sua presença nos programas psicopedagógicos
tem aumentado (ROSSI, 2007). À semelhança do que acontece com o trabalho com
adultos, o AT permite alargar o trabalho das diferentes disciplinas intervenientes quando
o tempo e o espaço do consultório e/ou instituição são insuficientes. O AT facilita o
acompanhamento e a assistência cotidiana em áreas em que a criança necessita da
ajuda próxima de um “outro”, o apoio de um adulto extrafamiliar em um determinado
momento de seu desenvolvimento, diante de obstáculos que não podem ser superados.

O usual é que nesses acompanhamentos sejam atendidas crianças com


transtornos psíquicos graves: casos de deficiência intelectual, autismo, formas de
psicose infantil, aquelas crianças agrupadas sob o diagnóstico de Transtorno Global do
Desenvolvimento (TGD) e problemas associados a doenças neurológico-psiquiátricas.
No caso específico da área infantil, profissionais de diferentes instituições podem
trabalhar simultaneamente e devem buscar um espaço de diálogo transversal.

Na casuística específica da internação psiquiátrica, Rossi (2007) enumera as


seguintes indicações de AT: risco de suicídio, risco de autolesão, risco heteroagressivo,
redução do isolamento e facilitador do processo de ressocialização. Para Rossi (2007),
nas indicações suicidas agressivas, o AT reduz a necessidade de contenção física ou
medicalização excessiva do paciente e é considerada a partir de um modelo em que
a violência não é criminalizada ou a vítima é culpada, mas em que a violência tem
o status de um sintoma que deve ser resolvido apelando para os recursos menos
traumáticos possíveis.

A presença de AT desde os primeiros momentos de internação tenta neutralizar


o pesado fardo do isolamento, construindo as condições para o início do tratamento.
O AT, então, ajuda a apoiar o paciente e, finalmente, atua como um catalisador para o
processo. A privação de liberdade é apenas um meio para restaurar a liberdade perdida
em decorrência de sua doença. Nesse processo, o AT tem uma função importante no
‘retorno ao mundo exterior’ e uma lembrança dessa liberdade originária.

O AT também tem seu espaço dentro da geriatria. Acompanhamento na velhice


significa ‘caminhar ao lado’ do paciente na aceitação do passar do tempo, da doença e
das limitações. O “AT é um papel multifuncional: compartilhar, ouvir, observar, ajudar a
fazer as coisas, restringir impulsos, estimular etc., e particularmente na geriatria é uma
função que pode estar associada a uma certa perspectiva da chamada maternidade”
(ROSSI, 2007, p. 176).

28
4 CARACTERÍSTICAS E FORMAS DE REALIZAR A
CLÍNICA DO AT
A primeira característica a destacar é que o AT é um dispositivo inserido em um
tratamento e que atua de acordo com a sua estratégia (ROSSI, 2007). Os objetivos e a
intervenção do acompanhante são planejados com base na estratégia com o profissional
de referência (psiquiatra, psicólogo, assistente social etc.) ou em conjunto com a equipe
e dependendo da necessidade do caso.

As atividades do AT são acordadas com a família. A participação do paciente no


planejamento depende de sua compreensão do tratamento e de uma maior aceitação
do vínculo com o acompanhante terapêutico. Dessa forma, o AT varia de acordo com as
negociações com cada uma das partes, paciente-família-equipe, e está localizado no
centro de uma luta de interesses (MAUER; RESNIZKY, 2004).

Da mesma forma que na psicanálise, a terapia deve se reinventar a cada novo


paciente, essa reinventação se encaixa perfeitamente na prática de AT, que precisa
adaptar o ambiente de acordo com as características e história de cada um de forma
mais ampla e abrangente (NIVOLONI, 2008). A realização do AT se baseia principalmente
na necessidade de adequar o ambiente de acordo com as características e situação de
cada paciente. É uma abordagem personalizada, levando em consideração cada usuário
em sua particularidade, desenvolvendo uma estratégia individualizada de acordo com
os seus problemas e suas próprias capacidades de recuperação.

O acompanhante terapêutico deve ser flexível e tornar-se um promotor das


tarefas, alguém capaz de contar, acolher, acompanhar e pensar junto ao paciente
(MAUER; RESNIZKY, 2004). Suas ações no caso do trabalho com pacientes psicóticos
nunca devem ser pautadas por um conceito deficiente ou exclusivo da patologia
(NIVOLONI, 2008). De uma forma mais geral, o acompanhante pode: ajudar a organizar
as atividades diárias, dentro e fora de casa, acompanhar em passeios ou em reuniões
com outras pessoas (amigos, consulta médica etc.), retomar atividades normalizadas
(escola, clube, mundo do trabalho etc.) e favorecer a relação do paciente com a família
e seu ambiente (ROSSI, 2007).

Conforme indicado anteriormente, esse dispositivo se constitui na vida diária


do paciente. Está entre suas funções apoiar o setting do tratamento fora dos espaços
propriamente terapêuticos, enquanto o paciente constrói ou reconstrói sua rede e/ou
se estabiliza no tratamento (MAUER; RESNIZKY, 2004). Ao mesmo tempo, cumpre uma
função de “andaime”, potencializando o desenvolvimento progressivo das possibilidades
do paciente. O AT representa uma continuidade do tratamento no cotidiano, no contexto
sociocomunitário, e utiliza as potencialidades terapêuticas desse cotidiano para abrir o
campo de intervenções com o paciente (ROSSI, 2007).

29
O acompanhante terapêutico, como apontam Mauer e Resnizky (2004), pode
ser confundido com uma figura semelhante à do “amigo”, de fato, como ocorreu nos
antecedentes históricos, o AT iniciou com o termo “amigo qualificado”. A inclusão da
palavra “terapêutico” ajuda a diferenciar o acompanhante de um amigo e enfatiza o
processo clínico. O espaço cotidiano e o tempo prolongado em que o AT é realizado
podem facilmente levar à indiferenciação do acompanhante com a figura do amigo.

O papel de amigo pode até ser uma posição tentadora para o profissional, como
posição de poder e de maior confiança, para o acompanhante terapêutico se apresentar
como amigo ao paciente, a partir do vínculo terapêutico, ao invés de ajudar a fortalecer
a construção pode servir como elemento que distorce o próprio processo terapêutico.
“A partir do momento em que todas as diferenças mútuas são apagadas, ou disfarçadas,
gera-se uma espécie de vínculo ilusório, com alto grau de ambiguidade que, no curto ou
longo prazo, inibe o trabalho realizado” (NIVOLONI, 2008, p. 2).

A primeira das funções do acompanhante terapêutico indicada anteriormente é


‘conter o paciente’. Conter é apoiar o paciente em qualquer situação que ele considere
angustiante. A contenção é essencial e constitui a primeira função do acompanhante
terapêutico em todo o processo. O acompanhante terapêutico é oferecido como
suporte, auxiliando o paciente em sua incapacidade de se definir. Acompanha e protege
no seu desamparo, na sua angústia, nos seus medos, na sua desesperança e mesmo
nos momentos de maior desequilíbrio (MAUER; RESNIZKY, 2004).

O conceito de holding de Winnicott alude de várias maneiras à necessidade de


contenção, típica das patologias graves. Winnicott define a função holding como tudo o
que no ambiente pode oferecer a uma pessoa a experiência de continuidade, tanto de
constância física quanto mental. No AT, holding se reflete na disponibilidade de outra
pessoa para permanecer com o paciente atento as suas necessidades ao longo do
tempo, em uma dimensão de apoio e proteção (NIVOLONI, 2008). Essa ‘permanência no
tempo’ abre espaço para que o acompanhante terapêutico se ofereça como “sombra”
do paciente, como referência corporal, presença concreta de um corpo que circula com
o paciente no cotidiano. Essa sombra auxilia e estimula o desenvolvimento simbólico do
paciente psicótico, funcionando como palco para projeções e identificações (MAUER;
RESNIZKY, 2004).

O acompanhante terapêutico, como também foi apontado nas funções, é


para seu paciente uma “referência”, um organizador psíquico que o ajuda a se regular
(MAUER; RESNIZKY, 2004). O acompanhante passa a ser um “semelhante” que funciona
como suporte, oferecendo uma presença envolvida, comprometida com a enfermidade
do paciente. Dessa forma, o fato de, por exemplo, sair à rua ou realizar qualquer
atividade cotidiana com segurança cria o espaço para o paciente habitar o mundo de
uma forma diferente. O acompanhante deve funcionar com o paciente como modelo
de identificação, deve ensinar-lhe diferentes formas de interagir e reagir a diferentes
situações. Mauer e Resnizky ​​(1987 apud NIVOLONI, 2008, p. 7) enfatizam que:

30
O acompanhante terapêutico, ao atuar no plano dramático-vivencial,
não interpretativo, experimenta e mostra ao paciente, in situ,
diferentes formas de agir e reagir às vicissitudes do cotidiano. É
terapêutico, em primeiro lugar, porque propõe uma ruptura com os
modelos estereotipados de apego que o levaram ao adoecimento.
Em segundo lugar, porque ajuda o paciente a aprender, a esperar e
adiar e, por último, porque oferece a possibilidade de adquirir, pela
identificação, os mecanismos de defesa mais adaptáveis.

Mauer e Resnizky (2004), na perspectiva psicanalítica, conceituam o trabalho


do acompanhante terapêutico como uma experiência intersubjetiva que favorece a
disponibilidade para proporcionar condições de simbolização e subjetivação adequadas
ao desdobramento do trabalho psíquico. Eles definem essa disponibilidade como
“móvel”, como um estado mental, e a conectam com a ideia de Freud de ajudar os outros,
que ele definiu como a ação específica necessária para assistir o outro ser humano em
seu desamparo. O acompanhante deve ajudar o paciente psicótico a ter maior acesso
ao simbólico, explorar seus recursos e capacidade criativa. Valorizar os recursos e as
capacidades do paciente psicótico significa não negar sua estrutura psíquica, ou seja,
não negar sua própria pessoa, não forçá-lo a se tornar ‘o que não é’ ou a identificar esse
‘o que não é’ com a natureza humana (ROSSI, 2007).

O enfraquecimento do ego em pacientes psicóticos requer um organizador


psíquico externo e esse papel deve ser assumido pelo acompanhante terapêutico. “A
extrema fragilidade do paciente frequentemente se manifesta em inadequações e
desequilíbrios, descontrole, retração e até desinvestimento de aspectos vitais que ele
não consegue enfrentar sozinho” (MAUER; RESNIZKY, 2004, p. 32).

O acompanhante terapêutico pode ser entendido como um self-auxiliar, alguém


que pode pensar com o paciente, ajudando-o a decifrar o que vem de dentro e o que
vem de fora. Esse ego auxiliar assume as funções do ego do paciente e pode decidir
por ele quando ele não está em condições, sim, “sem deixar de perceber, fortalecer
e desenvolver as capacidades latentes e manifestas do paciente, sempre ativando a
estimulação dos aspectos mais saudáveis em sua personalidade” (BARRETO, 2006
apud NIVOLONI, 2008, p. 7). Mauer e Resnizky (2004, p. 33) apontam que:

Desde a fase de diagnóstico, o acompanhante terapêutico tentará


examinar as capacidades manifestas e latentes do paciente. Ao
longo do processo terapêutico, você estimulará o desenvolvimento
das áreas mais organizadas de sua personalidade. A canalização
das preocupações do paciente cumpre um duplo objetivo: serve
para liberar a capacidade criativa inibida e tende a estruturar a
personalidade em torno de um eixo organizador. Ao propor e ajudar
a investir em tarefas de acordo com os interesses do paciente,
ajuda-o a redescobrir a realidade e nele se promove e se reforça a
noção de processo, por oposição à concepção mágica de tempo e
espaço, cuja característica distintiva é a diluição no imediatismo e
negação do procedimental.

31
Mauer e Resnizky (2004) consideram que não é apenas a pessoa com diagnóstico
de doença que necessita de ajuda, mas sim que essa pessoa reflete uma estrutura
familiar com determinadas características. O problema, portanto, não está centrado
no sujeito ‘doente’, mas em seu contexto familiar. Isso significa que a abordagem deve
considerar a família dentro do processo de acompanhamento. Por meio dessa estratégia
de intervenção, por meio do vínculo, incluindo o contexto familiar e social, espera-se a
inclusão do sujeito.

Dentre as funções do AT descritas por Mauer e Resnizky (2004) está possibilitar


um espaço para pensar, esse espaço discursivo é possibilitado no vínculo e se nutre da
troca comunicativa com o paciente, troca que deve crescer no processo terapêutico.

No desenvolvimento do vínculo entre o acompanhante terapêutico e o paciente,


Mauer e Resnizky (2004) distinguem aberturas, desenvolvimentos e resultados na forma
de cinco movimentos.

Primeiro movimento: início do relacionamento

Os autores diferenciam dois tipos de início, dependendo das atitudes do


paciente. O primeiro é o das atitudes dominantes, que podem advir da suspeita e da
desconfiança. Nesse caso, há predomínio de ansiedades persecutórias e tendem a
retardar todo o processo de integração e manter distâncias. É uma perspectiva sem
colaboração com o tratamento. A segunda, quando predomina a transferência massiva,
abrupta e prematura, há uma relação simbiótica com uma idealização do acompanhante.

Segundo movimento: maior aceitação

Após reconhecimento mútuo e ajuste, a relação acompanhante-paciente


começa a se tornar mais acessível a ambos. A empatia e o bom senso do acompanhante
são aqui necessários para implantar as diferentes manobras terapêuticas estabelecidas
na estratégia de abordagem estabelecida pela equipe. Nessa fase, as atividades já podem
ser planejadas em conjunto com o paciente, desde que este manifeste uma atitude de
maior comprometimento com o tratamento. À medida que o acompanhante desenvolve
sua tarefa, o paciente compreende os papéis que desempenha dentro da equipe.

Terceiro movimento: consolidação do vínculo

A consolidação do vínculo é o momento do processo em que o paciente e seu


acompanhante terapêutico compartilham algo maior do que um contrato de trabalho
com objetivos a serem cumpridos. Esse fato tende a promover um repensar constante
do significado de seus papéis tanto no acompanhante quanto no paciente. Nessa parte
do processo, em que existe uma relação consolidada com o paciente, é importante
destacar a importância, nesse momento, de assumir a relação com o paciente com
responsabilidade e julgamento profissional e fazer todo o possível para não confundir os
papéis, como indicado sobre a diferenciação do papel de “amigo”.

32
Nesse ponto, os atos ou momentos regressivos, os altos e baixos na
evolução clínica do paciente, provocam no acompanhante complicadas experiências
contratransferenciais. A melhor maneira de evitar erros de identificação são avaliação e
monitoramento regulares. Aqui podemos também destacar a importância da supervisão
no AT, não só do acompanhante, mas de toda a equipe.

Quarto movimento: conclusão do acompanhamento

O final esperado, que os autores chamam de ‘despedidas de luxo’, é aquele


em que há uma separação planejada, gradativa, respeitando o tempo do paciente e
elaborando o luto pela despedida. Essa despedida desejada não é a que normalmente
ocorre no trabalho com ‘famílias psicóticas’. Mauer e Resnizky (2004) apontam que na
maioria dos casos há uma separação ‘abrupta’, em que os pacientes são ‘retirados’ do
tratamento e a dispensa é um ‘fato consumado’.

“O acompanhante terapêutico se envolve com o mundo do paciente, ouvindo-o


sem medo, sem fazer julgamentos avaliativos, sem apressar-se em indicar se o que
ele diz corresponde ou não à realidade e sem interpretar” (MAUER; RESNIZKY, 2004,
p. 36-37).

5 A TERAPIA OCUPACIONAL E O ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO
A terapia ocupacional é definida como um campo de potencialidades clínicas. Ela
pode estar em diversos lugares, em clínicas, residências, hospitais e comporta extrema
potencialidade quando é realizada na direção de promover ligações e articulações entre o
sujeito e o seu cotidiano. O TO está preocupado em como esses sujeitos vivem, quais são
os seus desejos e necessidades, como se relacionam com o território onde vivem e vai
atuar de forma multidisciplinar com esse sujeito (MORAIS, 2019).

A TO (Terapia Ocupacional) também é uma das áreas de atuação de


acompanhamento terapêutico e, segundo Morais (2019), por ser uma profissão que se
importa em teorizar, compreender e proporcionar ferramentas clínicas para o sujeito e o
seu fazer no cotidiano, proporciona ricas contribuições para a prática do AT.

33
FIGURA 2 – A PRÁTICA DO TERAPEUTA OCUPACIONAL COMO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

FONTE: <https://grangiardino.com.br/o-que-faz-a-terapia-ocupacional-para-idosos/>.
Acesso em: 29 set. 2021.

Souza e Galvão (2011, s.p.) consideram a Terapia Ocupacional como:

Um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação


e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a
emancipação e a autonomia das pessoas que, por razões ligadas a
problemáticas específicas físicas, sensoriais, mentais, psicológicas
e/ou sociais, apresentam temporária ou definitivamente, dificuldade
na inserção e participação na vida social. As intervenções em
terapia ocupacional dimensionam-se pelo uso da atividade,
elemento centralizador e orientador na construção complexa e
contextualizada do processo terapêutico.

Assim como um AT, o terapeuta ocupacional também está preocupado com


um olhar individual para as demandas daquele sujeito, também se preocupa em criar
um plano terapêutico com o objetivo de fazer o sujeito conseguir se articular com a
sociedade. Ambas as áreas possuem a intenção de encontrar novas formas do sujeito
conviver com as suas limitações (PITIÁ; FUREGATO, 2009).

Segundo Quarentei (2001, s.p.) “a Terapia Ocupacional esta intensamente


envolvida com a produção de vida, com a criação do existir, de modos de estar no mundo
e a própria fabricação de mundos”, sendo assim, uma excelente aliada no trabalho de
acompanhar o sujeito durante e após o seu adoecimento.

6 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT) E


A ALTA-ASSISTIDA (A/A)
O acompanhamento terapêutico e a alta-assistida são estratégias
direcionadas ao atual contexto de saúde mental, indo de encontro com as diretrizes
da Reforma Psiquiátrica.

34
Existe um desafio significativo em trabalhar a reinserção social do sujeito que
sofre de transtornos mentais, visto que ainda não existe uma assistência direcionada
que seja flexível, ágil e resolutiva para poder atendê-lo. O objetivo de uma saída assistida
e planejada do hospital é uma etapa essencial do processo de desinstitucionalização
(BEZERRA; DIMENSTEIN, 2009).

A alta-assistida vem como um processo de humanização, que tem como


objetivo proporcionar um contato da família com o paciente após a alta, acompanhar
de perto o paciente pós-alta e poder direcioná-lo para o CAPS (Centro de Assistência
Psicossocial) ou alguma unidade de saúde a fim de diminuir a frequência de possíveis
reinternações, ou seja, atua como um acompanhamento que visa garantir o bem-estar
e a reintegração desse sujeito (BEZERRA; DIMENSTEIN, 2009).

O trabalho do AT está direcionado em poder desenvolver um plano terapêutico


focado em criar reais possibilidades de reintegração da pessoa portadora de transtornos
mentais, bem como a proposta da alta-assistida, em que o objetivo é tirar o paciente
desse enclausuramento e proporcionar autonomia a esse sujeito.

DICAS
Caro acadêmico, para explorar um pouco mais sobre a alta-
assistida, sugerimos a leitura do artigo Acompanhamento terapêutico
na proposta de alta-assistida implementada em hospital psiquiátrico:
relato de uma experiência, disponível em: https://www.scielo.br/j/pc/a/
kngqn6ZtPMYj8PJRWDKSyvg/?format=pdf&lang=pt.

35
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A partir da Reforma Psiquiátrica no Brasil, muitos avanços foram garantidos para


melhorar a qualidade de vida da pessoa portadora de doença mental.

• O plano terapêutico deve ser realizado de forma muito cautelosa e individual,


considerando todo o quadro do paciente. Os diagnósticos podem ser os mesmos,
mas a forma como esse sujeito manifesta o seu sofrimento é individual para cada um.

• O acompanhante terapêutico tem funções na atuação em saúde mental.

• Há cinco movimentos do vínculo entre o acompanhante terapêutico e o paciente.

• O processo de alta-assistida consiste em realizar um acompanhamento ao familiar e


ao paciente no processo de pós-alta, visando ajudar o indivíduo a se ressocializar e
acompanhá-lo para evitar possíveis futuras internações.

36
AUTOATIVIDADE
1 A base profissional mais comum de um AT é a área da saúde mental, muitos psicólogos
optam em transformar sua clínica em uma estrutura diferente, uma clínica em
movimento, que vai até o cliente e o ajuda em sua ressocialização. Até pouco tempo
atrás, a visão de doenças mentais era muito distorcida, pessoas portadoras de doenças
mentais eram direcionadas para manicômios, presídios e clínicas sem o mínimo de
humanização. Essa realidade se transformou graças a uma conquista efetivada em
2001. Com relação ao nome desse movimento, assinale a resposta CORRETA:

a) ( ) A Reforma Psiquiátrica no Brasil.


b) ( ) A criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
c) ( ) A lei que torna crime o racismo no Brasil.
d) ( ) A Lei Maria da Penha.

2 O AT é uma prática profissional cuja definição é oferecer um atendimento e apoio aos


familiares em espaços públicos e privados. É uma atuação que está em constante
movimento, que visa promover a autonomia e a participação na tomada de decisões
sobre seu tratamento, tanto no campo da prevenção quanto no cuidado e inserção
social. Esse dispositivo funciona muito bem com pacientes que sofrem de graves
doenças mentais, em que muitas vezes as estratégias clássicas de psicoterapia não
são acessíveis para o momento da crise. A respeito das funções do acompanhante
terapêutico, desenvolvidas por Mauer e Resnikzy (2004), analise as sentenças a seguir:

FONTE: MAUER, S. K.; RESNIZKY, S. Acompanhantes terapêuticos: atualização teórico-clínica.


2. ed. Buenos Aires: Letra Viva, 2004.

I- Registrar e ajudar a mostrar a capacidade criativa do paciente, liberar a capacidade


criativa inibida e estruturar a personalidade em torno de um eixo organizador.
II- Possibilitar um espaço para a reflexão sobre o vínculo, aumentando a troca
comunicativa do paciente.
III- Promover uma escuta individual para que o tratamento seja realizado de forma
exclusiva com o paciente, pois como se trata de uma doença mental grave, a
intervenção da família ou da rede poderia prejudicar o andamento do processo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

37
3 O AT pode ser considerado uma prática profissional nova, criado em meados de 1970
na América Latina e com um potencial gigante em estruturação e reconhecimento.
Sua criação vem de um médico psiquiatra argentino Eduardo Kalina e hoje se encontra
como uma prática muito reconhecida e regulamentada em seu país. A maioria dos
acompanhantes terapêuticos são psicólogos e utilizam uma abordagem norteadora
de trabalho para o desenvolvimento dos seus planos terapêuticos. A respeito da
abordagem mais utilizada pelos acompanhantes terapêuticos, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Analítico-comportamental.
( ) Psicanalítica.
( ) Gestalt-Terapia.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - V - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 O AT, atuando como um dispositivo clínico, é instrumentado dentro da teoria das


“redes sociais” e os pacientes confiam em obter ajuda emocional e/ou instrumental
de sua rede social. O objetivo nessa área do AT é a reintegração, ou como já foi
apontado, criar novas inscrições sociais. Para formar essas novas inscrições, vistas a
partir da teoria das redes, deve-se “construir” um sistema natural que dê suporte ao
paciente após o término do tratamento. Autores importantes, como García e Ramírez
(1995), destacam várias razões explicativas sobre a relevância do “apoio social” que
igualmente validam o trabalho com AT. Descreva as três razões apontadas pelos
autores citados anteriormente:

FONTE: GARCÍA, G.; RAMÍREZ, J. La perspectiva psicosocial en la conceptualización del apoyo


social. Revista de Psicología Social, [s. l.], v. 10, n. 1, p. 61-74, 1995.

5 Na atuação profissional do AT, é muito comum ver pacientes que sofrem uma
grave deterioração de sua rede social, tanto na perspectiva familiar quanto com os
ambientes de trabalho e com os amigos. Com isso, fica a cargo do AT de enriquecer
as habilidades sociais e promover vínculos na rede, a fim de evitar a solidão social. Os
autores García e Ramírez (1995) apontam quatro fatores para avaliar a qualidade do
suporte social. Cite e explique cada um deles.

FONTE: GARCÍA, G.; RAMÍREZ, J. La perspectiva psicosocial en la conceptualización del apoyo


social. Revista de Psicología Social, [s. l.], v. 10, n. 1, p. 61-74, 1995.

38
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO EM
REDE NO AT

1 INTRODUÇÃO
Até o século XIX, o processo terapêutico era guiado pela sintomatologia e
pela intervenção e internação, que iam pelas vias da alienação social do sujeito de
modo a interná-lo e afastá-lo do convívio social. A mudança ocorreu, entre outros
fatores, devido a mudanças paradigmáticas influenciadas por outras áreas, como a
Sociologia, a Antropologia e a Filosofia (RIBEIRO, 2009). Assim, busca-se mais ética
e singularidade nos atendimentos relativos à doença mental e sofrimento psíquico,
respeitando suas diversidades.

Desse modo, importam, no cenário da saúde mental, a escuta atenta e a


possibilidade de acolher de diferentes formas a subjetividade dos indivíduos. Como
formas alternativas ao manicômio e à internação integral, a rede de saúde mental conta
com: ambulatório, centros de atenção, hospitais-dia, unidades psiquiátricas, lares para
abrigados, consultórios itinerantes, entre outros (RIBEIRO, 2009).

Por essas vias, deflagramos dois modos de atendimento à saúde mental, a saber:
o modo asilar e o modo assistencial. No modo asilar, há a existência dos manicômios,
com sua clausura e sua intervenção medicamentosa abusiva de forma a promover a
ideia de apenas um tipo de sujeito e de verdade, o que tende a excluir e a segregar
aqueles que não se adequam às normas. O modelo asilar é o tradicional, centrado no
saber médico, que busca a cura através de uma espécie de adaptabilidade, mas não
tratando com respeito e dignidade humana (PITIÁ; FUREGATO, 2009).

O modelo psicossocial, por outro lado, surge como uma nova proposta
paradigmática, em que o processo de reabilitação é o objetivo das práticas. Contudo,
para que ocorra essa reabilitação, é necessário que haja ação a partir de diferentes
frentes, de maneira global, múltipla e com solidariedade (PITIÁ; FUREGATO, 2009). O
modelo psicossocial pode ser compreendido a partir de quatro frentes, a saber: i) divisão
do trabalho interprofissional que valorize os aspectos subjetivos do sujeito em prol da
maior aproximação das relações profissionais-usuários; ii) organização das relações
intrainstitucionais, no sentido de que as decisões necessárias passam por várias frentes,
não estando apenas centradas no saber médico; iii) relacionamento com usuários e
população em prol da integração social das ações no território; iv) ética no atendimento
visando ao desejo do sujeito e seus ideais (PITIÁ; FUREGATO, 2009).

39
O modelo psicossocial é o que está em vigor na política e nas estratégias de
saúde mental no contexto brasileiro. Assim, veremos neste tópico algumas redes de
atenção ao sujeito em sofrimento psíquico considerando as diretrizes de atuação pelo
Sistema Único de Saúde e as possibilidades do AT nesses cenários.

2 REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL


A Política Nacional de Saúde Mental, instaurada em 2001 pela Lei n° 10.216,
tem como princípio a desinstitucionalização do acompanhamento de pessoas com
sofrimento mental. Essa desinstitucionalização é um processo que envolve uma série
de propostas, políticas, estruturas e estratégias para que seja possível atender e acolher
esse público sem a vertente da hospitalização. Isso se dá, pois a Política Nacional de
Saúde Mental está pautada numa ideia de cuidado que se articula através de redes, de
maneira territorializada e organizada (BRASIL, 2016).

IMPORTANTE
Para melhor compreensão de como funciona a Política Nacional de Saúde
Mental que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental, acesse o documento na íntegra a partir do link http://cgj.tjrj.jus.br/
documents/1017893/1038413/politica-nac-saude-mental.pdf.

Para que essas práticas fossem postas em voga, houve a mobilização de usuários,
familiares e trabalhadores da saúde iniciada na década de 1980. Esse movimento faz
parte também do contexto social brasileiro da época, como o fim da ditadura militar e a
organização da nova Constituição brasileira, que garante o direito à saúde e à educação
a todos (BRASIL, 2016). Além disso, havia como referência outros lugares e experiência
da substituição de um modelo de saúde mental de modelo asilar para um modelo de
serviços comunitários, territoriais e psicossociais.

40
ATENÇÃO
Um país, um Estado, uma cidade, um bairro, uma vila,
um vilarejo são recortes de diferentes tamanhos dos
territórios que habitamos. Território não é apenas uma
área geográfica, embora sua geografia também seja muito
importante para caracterizá-lo. O território é constituído
fundamentalmente pelas pessoas que nele habitam, com
seus conflitos, seus interesses, seus amigos, seus vizinhos,
sua família, suas instituições, seus cenários (igreja, cultos,
escola, trabalho, boteco etc.). É essa noção de território
que busca organizar uma rede de atenção às pessoas que
sofrem com transtornos mentais e suas famílias, amigos e
interessados (BRASIL, 2004, p. 11).

Desse modo, o que se busca com a desinstitucionalização é a construção de um


efetivo cuidado e amparo comunitário com qualidade a todos que precisem de tratamento,
reabilitação e reinserção social. Nesse sentido, algumas ações que estão no centro do direito
à vida comunitária de pessoas com transtornos mentais são:

a) a montagem de redes amplas e diversificadas de base territorial; b)


a construção na sociedade de uma nova sensibilidade cultural para
a questão da loucura; c) a produção de conhecimento científico e
de outros saberes oriundos da cultura relacionados à inovação do
cuidado; d) a oferta de qualificação permanente para os operadores
da mudança; e) a abertura e garantia de condições sustentáveis
para a participação e protagonismo dos usuários e familiares, e f)
o compromisso das esferas de gestão pública, diretamente ligadas
ao tema, para conduzir e mediar os inevitáveis conflitos que se
apresentam no projeto ético‐político de construção de um lugar
social para a loucura (BRASIL, 2016, p. 2).

A partir disso, caminha-se e busca-se por ações e políticas que sustentem


essa prática. Nesse cenário, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), integrada ao SUS,
tem como público-alvo as pessoas com sofrimento psíquico, transtorno mental ou
outras necessidades no campo da saúde psicossocial, como o uso de crack, álcool e
outras drogas. A RAPS está ancorada na Portaria n° 3088, de 23 de dezembro de 2011,
republicada em 21 de maio de 2013 e revogada pela Portaria de Consolidação n° 3, de
28 de setembro de 2017.

A RAPS funciona por meio de Regiões de Saúde e pela Rede de Atenção à


Saúde e tem por finalidade a criação, a ampliação e a articulação dos pontos de atenção
aos indivíduos em situação de sofrimento psíquico. A RAPS tem como objetivos:

41
I- Promover cuidados em saúde especialmente para grupos mais
vulneráveis (criança, adolescente, jovens, pessoas em situação
de rua e populações indígenas).
II- Prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras
drogas.
III- Reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool e
outras drogas.
IV- Promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de
crack, álcool e outras drogas na sociedade, por meio do acesso
ao trabalho, renda e moradia solidária.
V- Promover mecanismos de formação permanente aos profissionais
de saúde.
VI- Desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de
danos em parceria com organizações governamentais e da
sociedade civil.
VII- Produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas,
medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na
rede.
VIII- Regular e organizar as demandas e os fluxos assistenciais da
Rede de Atenção Psicossocial.
IX- Monitorar e avaliar a qualidade dos serviços por meio de
indicadores de efetividade e resolutividade da atenção (GARCIA;
REIS, 2018, p. 24).

Para o alcance desses objetivos, as diretrizes de funcionamento da RAPS


envolvem o respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade
das pessoas, a promoção da equidade, o combate aos estigmas e preconceitos, a
atenção humanizada, a inclusão social, estratégias de redução de danos, a promoção
de educação, entre outros (GARCIA; REIS, 2018). Essas diretrizes importam para
que não caia no esquecimento a história pregressa sobre a loucura e a necessidade
de estarmos sempre ativos em termos políticos para sustentar, manter e ampliar a
garantia de direitos e cidadania para aqueles em sofrimento psíquico.

Por essas vias, a RAPS é composta por sete componentes, com diversos
pontos de atenção e em diferentes frentes de cuidado. Esses pontos são: atenção
básica, atenção psicossocial estratégica, atenção de urgência e emergência, atenção
residencial de caráter transitório, atenção hospitalar em hospitais gerais, estratégias de
desinstitucionalização e reabilitação social.

42
FIGURA 3 – COMPONENTES DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

FONTE: Adaptada de Brasil (2016)

Abordaremos, de maneira breve, esses pontos de acesso aos usuários em


sofrimento psíquico que compõem e configuram o funcionamento da RAPS no âmbito
da saúde mental brasileira. Esses pontos de acesso para atendimento, tratamento
e cuidado demonstram a atuação em rede dos profissionais, importando a lógica de
educação, direitos humanos e reabilitação social em detrimento de uma lógica asilar.

2.1 COMPONENTES DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL


Compostas pela atenção primária, secundária e terciária, busca-se práticas
que fogem do modelo hegemônico e medicalizante, além de distanciar-se também das
práticas de psiquiatrização e psicologização dos sujeitos e de seus cotidianos. Nesse
sentido, o serviço de atenção básica serve para oferecer subsídios e estratégias do
trabalho em rede, com um cuidado qualificado voltado para os serviços comunitários
(BRASIL, 2016).

Um dos desafios do trabalho em Saúde Mental na Atenção Básica dá-se no


sentido de ser necessário que os profissionais estejam alinhados com os princípios da
Atenção Psicossocial, tais como noção de território, acolhimento, vínculo, integralidade,
multiprofissionalidade, participação da comunidade, promoção da autonomia, entre
outros. Os pacientes atendidos na rede básica devem ser identificados e acolhidos de

43
acordo com suas demandas e no território de atendimento. Além disso, a prioridade é
para os casos mais graves e as intervenções devem estar articuladas com o cenário
familiar e comunitário (GARCIA; REIS, 2018). Preza-se, assim, pelo cuidado integral,
abrangendo prevenção, promoção, tratamento e reabilitação social.

No âmbito da atenção básica em saúde estão ancorados outros pontos de


atenção, tais como as unidades básicas de saúde, o núcleo de apoio à saúde da família,
os consultórios de rua e os centros de convivência e cultura. Vamos, agora, discorrer
brevemente sobre cada um destes. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB),
Portaria n° 2.488, de 21 de outubro de 2011, caracteriza como atenção básica todo
o conjunto de ações de saúde, tanto no âmbito individual como no âmbito coletivo,
abrangendo a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento,
a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da vida.

DICAS
Para expansão de seus conhecimentos e mais consciência sobre as
estratégias políticas que configuram a Política Nacional de Atenção Básica,
acesse a Portaria que a instaura através do link https://bvsms.saude.gov.br/
bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html.

A Unidade Básica de Saúde deve ser constituída por uma equipe


multiprofissional, que atuará no sentido de organizar ações em caráter individual ou
coletivo. O Centro de Convivência e Cultura trata-se de uma unidade pública onde
são oferecidos espaços de socialização e promoção de cultura pela cidade. O intuito
dessas ações é a inclusão social de pessoas com sofrimento ou transtorno mental.
O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) está vinculado às unidades básicas de
saúde e atua de maneira integrada com uma equipe de profissionais de diferentes
áreas. A ação do NASF está vinculada ao trabalho junto à equipe da RAPS e seus
serviços, como o CAPS, não atuando de maneira isolada (GARCIA; REIS, 2018).

A Atenção de Urgência e Emergência é o ponto responsável pelo acolhimento,


classificação de risco e cuidado nas situações de urgência e emergência com
sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso e/ou abuso
de drogas (GARCIA; REIS, 2018). Entre esses pontos, encontram-se o SAMU, a sala de
estabilização, as portas hospitalares de urgência/pronto-socorro e as unidades básicas
de saúde. Esses pontos devem estar articulados com os demais pontos, como o CAPS.

44
A Atenção Residencial de Caráter Transitório é composta pela Unidade de
Acolhimento e pelo Serviço de Atenção em Regime Residencial. As Unidades de
Recolhimento oferecem cuidado aos usuários de crack, álcool e outras drogas, de
ambos os sexos e que apresentem vulnerabilidade social, com funcionamento 24 horas.
Há unidades destinadas aos adultos e também ao público infantojuvenil (GARCIA; REIS,
2018). A Atenção em Regime Residencial também atende à população que sofre em
decorrência de crack, álcool e outras drogas, porém a duração desse acompanhamento
é de até nove meses.

A atenção hospitalar diz respeito aos leitos de saúde mental no hospital geral
ou em serviços hospitalares destinados a usuários de álcool, crack e outras drogas
(GARCIA; REIS, 2018). Nesse ponto, pode haver internação de curta duração e uma
equipe multiprofissional que atuará em diálogo e articulação com os outros pontos da
Rede de Atenção Psicossocial, sobretudo o CAPS.

As estratégias de desinstitucionalização dizem respeito a uma série de


componentes e iniciativas que visam garantir o cuidado integral àqueles que sofrem
de transtorno mental e/ou necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas (GARCIA; REIS, 2018). Entre os programas nessa vertente há o Serviço Residencial
Terapêutico, que oferece moradia para o acolhimento de pessoas egressas de internação
de longa permanência, egressas de hospitais psiquiátricos ou de custódia, entre outros.

O programa Volta para Casa trata da proteção de pessoas portadoras de


transtornos mentais e foi instituído através da Lei n° 10.708, de 31 de julho de 2003.
Esse programa também busca acolher e oferecer moradia para pessoas egressas de
internações, tendo como objetivo a inclusão social e a ampliação do atendimento extra-
hospitalar e comunitário. As estratégias de reabilitação psicossocial estão voltadas para
iniciativas de trabalho e geração de renda, visando mais autonomia e independência
do sujeito. Nesse ponto, há o compromisso em promover a reabilitação na participação
social, assim, a economia solidária, por exemplo, é uma das formas de proposta de
inclusão social que dialoga e coopera com o comunitário.

O Consultório de Rua é uma modalidade de atendimento constituído por


profissionais que atuam de maneira itinerante, ofertando cuidado e instrumentos de
saúde para a população em situação de rua (GARCIA; REIS, 2018). A promoção da saúde
dessa população é feita de acordo com as necessidades delas em diálogo com as demais
equipes também no que diz respeito à saúde mental. Nesse contexto, estão inclusas
pessoas em situação de rua de uma maneira geral, pessoas com transtornos mentais
e usurários de crack, álcool e outras drogas. Devido a essas demandas, a política de
redução de dano está inclusa como uma maneira de oferecer autonomia aos indivíduos.
Veremos sobre esse tema mais à frente.

45
O Decreto n° 7.053, de 2009, instaura a Política Nacional para a População
em Situação de Rua (PSR), instituído pela Política Nacional de Atenção Básica e
componente do quadro da rede de Atenção Psicossocial. Nesse sentido, considera-se
que o grupo populacional que compõe a PSR é heterogêneo, mas tem em comum a
pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos e/ou fragilizados e a inexistência
de moradia convencional regular ou permanente (BRASIL, 2012). Desse modo, um dos
objetivos dessa política é garantir o direito à convivência familiar e comunitária, além do
respeito à vida e à cidadania.

DICAS
Para ter mais conhecimento sobre as políticas e as estratégias com a
população em situação de rua, acesse o Manual sobre o cuidado à saúde
junto à população em situação de rua. Esse documento foi elaborado pelo
Ministério da Saúde para divulgar informações sobre como ampliar o acesso
e a qualidade de atenção integral a essa população. Disponível em: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_cuidado_populalcao_rua.pdf.

Nesse sentido, os consultórios de rua são formados por multiprofissionais que


prestam serviço in loco e de forma itinerante. Os problemas nesse cenário são diversos,
desde problemas físicos a emocionais/psicológicos. Para assistência a essa população,
trabalha-se com equipes multiprofissionais da atenção básica. Assim, as equipes de
Consultório de Rua devem acolher as pessoas e estar em constante diálogo com outros
pontos de assistência da rede, como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e o
CAPS (BRASIL, 2012).

46
FIGURA 4 – ESTRUTURA DO CONSULTÓRIO DE RUA

FONTE: Garcia e Reis (2018, p. 33)

A redução de danos é a estratégia do Ministério da Saúde e tem como foco


principal a oferta de ações para o cuidado integral à saúde do indivíduo, reduzindo
os prejuízos agregados em função do uso de drogas. A redução de danos, portanto,
é uma diretriz para o trabalho com usuários de drogas, pois oferece aos indivíduos
um protagonismo e uma autonomia para falar em nome próprio (BRASIL, 2011). Desse
modo, inicialmente, a redução de danos serviu como um conceito/diretriz no SUS e seu
campo de atuação foi sendo expandido através da RAPS.

Nesse sentido, a redução de danos trabalha de forma mais específica com


usuários de drogas. O consumo de drogas é uma realidade para pessoas em situação
de rua, de forma que há a necessidade que a equipe de profissionais trabalhe em
conjunto. Além disso, é primordial que haja vínculo entre o usuário e o profissional que
o acompanha, de forma que não há padrão nem linearidade para a formação desse
vínculo, mas que pode ser construído através do respeito à dignidade e pela busca da
autonomia do sujeito (BRASIL, 2011).

47
A redução de danos, em última instância, passa a apontar para um
outro modo de acolher e fazer a clínica para o usuário de drogas. Os
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), os Centros de Atenção
Psicossocial em álcool e outras drogas (CAPS-ad) e os Consultórios
na Rua exercem uma função estratégica para a operacionalização
de uma rede de redução de danos, uma vez que estão, em tese,
mais próximos aos territórios de vida dos usuários de drogas
(SOUZA, 2019, p. 16).

Ações, como troca de seringas descartáveis, transição do uso de crack


para o uso de maconha, oferta de sala de uso, distribuição de protetor labial e de
materiais informativos sobre como utilizar determinadas substâncias fazem parte das
estratégias da redução de danos. Isso implica um trabalho que põe em prática uma
clínica ampliada, que não se pauta numa lógica dicotômica de sucesso e fracasso,
recaída e abstinência, certo e errado, lícito e ilícito, pois considera-se que o trabalho
pautado em juízos de valores pode inserir falsos problemas que condicionam a
produção de saúde (SOUZA, 2019).

Por essa perspectiva, a redução de danos busca o enfoque sobre os motivos


que aumentam a dependência do sujeito às drogas, compreender seu contexto, seu
sofrimento e sua solidão. Desse modo, pensa-se a partir do sentido de que a busca pela
droga é também uma busca pela sobrevivência possível em determinados contextos,
por isso, não necessariamente objetiva-se, em todos os casos, indiscriminadamente, a
suspensão do uso. A partir das estratégias de redução de danos, há uma via contrária
às linhas terapêuticas que exigem a abstinência como única forma de tratamento,
pois essa perspectiva pode obliterar a compreensão do terapeuta sobre o contexto do
sujeito e pode, desde o início, impor ao paciente a retirada da única estratégia que ele
conseguiu encontrar em meio ao caos (SOUZA, 2019).

É preciso que haja sensibilidade para estar e acompanhar os sujeitos em


seus sofrimentos políticos e antropológicos, em situações de franca vulnerabilidade
social, emocional e psíquica. A partir do sensível e da sincera travessia, pode ser
possível encontrar vias e brechas para que o sujeito restabeleça sua autonomia e sua
capacidade de ser e existir no mundo para além do uso de substâncias. Precisamos
lembrar, contudo, que o uso de drogas, na maioria das vezes, é efeito e não a causa
primeira dos sofrimentos psíquicos.

Os profissionais buscam favorecer a motivação do usuário para a sua


ressocialização e reabilitação, com a possibilidade de retomar o contato com a família.
Não obstante, é importante que o próprio usuário participe ativamente das escolhas e das
metas para o seu acompanhamento, de forma que o paciente, em meio a inseguranças,
possa confiar que os profissionais não o controlarão nem o criticarão, pelo contrário,
estarão presentes em suas travessias e transformações. É essencial que as práticas
estejam voltadas para uma comunicação horizontal e acolhedora.

48
2.2 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
O CAPS faz parte da logística de rede e território da rede básica de saúde
e busca a integração permanente com as demais equipes, pois participa do
acompanhamento, apoio e capacitação do trabalho com pessoas com transtornos
mentais. O primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) surgiu em 1986, em São
Paulo, e fez parte de um movimento social que envolvia usurários e trabalhadores da
saúde mental que lutavam em prol de mais direitos e mais assistência às pessoas
com sofrimento psíquico. O CAPS também fez parte da estratégia de afastamento da
precariedade que eram os hospitais psiquiátricos, sendo estes os únicos pontos de
atendimento em saúde mental até então. Os CAPS visam:

• prestar atendimento em regime de atenção diária;


• gerenciar os projetos terapêuticos, oferecendo cuidado clínico
eficiente e personalizado;
• promover a inserção social dos usuários através de ações
intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura
e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos
problemas. Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar
a rede de serviços de saúde mental de seu território;
• dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede
básica, PSF (Programa de Saúde da Família) e PACS (Programa de
Agentes Comunitários de Saúde);
• regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental
de sua área;
• coordenar junto ao gestor local as atividades de supervisão de
unidades hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território;
• manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que
utilizam medicamentos para a saúde mental (BRASIL, 2004, p. 14).

Para a realização dessas atividades, as unidades devem contar com recursos


físicos adequados com consultórios para atividades individuais (consultas, entrevistas e
terapias), salas para atividades grupais, espaço de convivência, sanitários e área externa
para lazer. Os serviços e as práticas realizadas nesse ambiente ocorrem em cenário
aberto e acolhedor, inserindo e integrando o usuário na cidade e no bairro, podendo
ultrapassar a própria estrutura física. No CAPS, valoriza-se a singularidade, a história, a
cultura e a vida cotidiana do paciente (BRASIL, 2004).

DICAS
Para saber um pouco mais sobre os CAPS e obter mais informações sobre a
sua origem, seu crescimento em todo o país, a integração com a rede de saúde,
a participação dos usuários e familiares, a distribuição dos medicamentos, a
relação com a rede básica, as oficinas terapêuticas e vários outros temas,
com o objetivo de esclarecer sobre o modo de funcionamento desses novos
serviços de saúde mental, acesse o link: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/
biblioteca/imagem/1212.pdf.

49
Nesse sentido, o CAPS está vinculado ao SUS e serve como lugar de referência
para atendimento e tratamento de pessoas que sofrem com transtornos mentais,
psicoses, neuroses graves e outros quadros. Alguns usuários podem já ter tido
internações psiquiátricas e outros podem nunca ter sido internados, mas terem sido
atendidos em outros serviços de saúde (GARCIA; REIS, 2018). O atendimento no CAPS,
devido à estrutura em rede, precisa estar relacionado com as demandas do Programa
de Saúde da Família ou algum outro programa. O CAPS tem como objetivo oferecer
atendimento à população com foco tanto no acompanhamento clínico quanto na
reinserção social dos usuários e, ainda, o acesso às esferas de cidadania e autonomia,
como acesso ao trabalho, ao lazer, à saúde e à educação.

Os atendimentos nessa modalidade prezam a escuta e o acolhimento, buscando


compreender a situação. Essa compreensão vai além do diagnóstico em si, não limitando
o indivíduo, mas ampliando suas possibilidades de existência. Nesse sentido, cada
usuário terá um plano terapêutico, a partir das demandas que ele mesmo traz, como a
possibilidade de a equipe ir até a casa da pessoa para prestar atendimento domiciliar no
caso de ela não ter condições físicas, psicológicas ou materiais de se deslocar (BRASIL,
2004). Isso destaca ainda mais tanto o trabalho comunitário como a ênfase em rede e
em território. Por isso, o paciente deve frequentar sempre o CAPS mais próximo da sua
residência, para a criação de laços comunitários.

Conforme a Portaria GM336/02, o projeto terapêutico realizado no CAPS


pode oferecer:

• Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido


quando a pessoa se encontra com grave sofrimento psíquico, em
situação de crise ou dificuldades intensas no convívio social e
familiar, precisando de atenção contínua. Esse atendimento pode
ser domiciliar, se necessário.
• Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento,
o usuário pode ser atendido até 12 dias no mês. Essa modalidade
é oferecida quando o sofrimento e a desestruturação psíquica
da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de
relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta
da equipe para se estruturar e recuperar sua autonomia. Esse
atendimento pode ser domiciliar, se necessário.
• Atendimento Não Intensivo: oferecido quando a pessoa não
precisa de suporte contínuo da equipe para viver em seu território
e realizar suas atividades na família e/ou no trabalho, podendo ser
atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser
domiciliar (BRASIL, 2002).

Além disso, o usuário tem acesso a outras diversas atividades terapêuticas em


grupo, individuais, destinadas à família ou à comunidade, tais como:

50
• Atendimento individual: prescrição de medicamentos, psicote-
rapia, orientação.
• Atendimento em grupo: oficinas terapêuticas, oficinas
expressivas, oficinas geradoras de renda, oficinas de
alfabetização, oficinas culturais, grupos terapêuticos, atividades
esportivas, atividades de suporte social, grupos de leitura e
debate, grupos de confecção de jornal.
• Atendimento para a família: atendimento nuclear e a grupo
de familiares, atendimento individualizado a familiares, visitas
domiciliares, atividades de ensino, atividades de lazer com familiares.
• Atividades comunitárias: atividades desenvolvidas em conjunto
com associações de bairro e outras instituições existentes na
comunidade, que têm como objetivo as trocas sociais, a integração
do serviço e do usuário com a família, a comunidade e a sociedade
em geral. Essas atividades podem ser: festas comunitárias,
caminhadas com grupos da comunidade, participação em eventos
e grupos dos centros comunitários.
• Assembleias ou Reuniões de Organização do Serviço: a
Assembleia é um instrumento importante para o efetivo
funcionamento dos CAPS como um lugar de convivência. É
uma atividade, preferencialmente semanal, que reúne técnicos,
usuários, familiares e outros convidados, que juntos discutem,
avaliam e propõem encaminhamentos para o serviço. Discutem-
se os problemas e sugestões sobre a convivência, as atividades
e a organização do CAPS, ajudando a melhorar o atendimento
oferecido (BRASIL, 2004, p. 17).

Essas estratégias podem ser realizadas em outros horários, não sendo


necessária a permanência do usuário em tempo integral no ambiente. Assim, ao passo
em que há o cuidado clínico, também ocorre a reabilitação social dos pacientes. Além
dessas atividades, o usuário também pode participar de oficinas terapêuticas, que são
realizadas em grupo sob a orientação de outros profissionais (BRASIL, 2004). Essas
atividades são realizadas de acordo com o interesse dos envolvidos, das possibilidades
dos trabalhadores e visando à integração social, à consciência e à manifestação dos
próprios afetos. As oficinas podem ser expressivas (plástica, corporal, verbal e musical)
ou de renda.

Assim, considerando a diversidade de profissionais e a atuação em rede


visando à autonomia e à cidadania, as atividades comuns de tratamento no CAPS são:

• Tratamento medicamentoso: tratamento realizado com remédios


chamados medicamentos psicoativos ou psicofármacos.
• Atendimento a grupo de familiares: reunião de famílias para
criar laços de solidariedade entre elas, discutir problemas em
comum, enfrentar as situações difíceis, receber orientação sobre
diagnóstico e sobre sua participação no projeto terapêutico.
• Atendimento individualizado a famílias: atendimentos a uma
família ou a membro de uma família que precise de orientação e
acompanhamento em situações rotineiras, ou em momentos críticos.
• Orientação: conversa e assessoramento individual ou em grupo
sobre algum tema específico, por exemplo, o uso de drogas.
• Atendimento psicoterápico: encontros individuais ou em grupo
onde são utilizados os conhecimentos e as técnicas da psicoterapia.

51
• Atividades comunitárias: atividades que utilizam os recursos da
comunidade e que envolvem pessoas, instituições ou grupos
organizados que atuam na comunidade. Exemplo: festa junina do
bairro, feiras, quermesses, campeonatos esportivos, passeios a
parques e cinema, entre outras.
• Atividades de suporte social: projetos de inserção no trabalho,
articulação com os serviços residenciais terapêuticos, atividades
de lazer, encaminhamentos para a entrada na rede de ensino, para
obtenção de documentos e apoio para o exercício de direitos civis
através da formação de associações de usuários e/ou familiares.
• Oficinas culturais: atividades constantes que procuram despertar
no usuário um maior interesse pelos espaços de cultura
(monumentos, prédios históricos, saraus musicais, festas anuais
etc.) de seu bairro ou cidade, promovendo maior integração de
usuários e familiares com seu lugar de moradia.
• Visitas domiciliares: atendimento realizado por um profissional do
CAPS aos usuários e/ou familiares em casa.
• Desintoxicação ambulatorial: conjunto de procedimentos
destinados ao tratamento da intoxicação/abstinência decorrente
do uso abusivo de álcool e de outras drogas (BRASIL, 2004, p. 21).

Devemos considerar, ainda, que a atuação via território faz com que os
CAPS sejam heterogêneos, atendendo às demandas locais. Cada CAPS vai ter sua
especificidade quanto ao tamanho, à estrutura, aos profissionais, às demandas, entre
outros. Há quatro modalidades de CAPS (BRASIL, 2004):

• CAPS I e CAPS II: atendimento a adultos com transtornos mentais severos. Diário.
• CAPS III: atendimento a adultos com transtornos mentais severos. Diário e noturno.
• CAPSi: atendimento para crianças e adolescentes com transtornos mentais. Diário.
• CAPSad: atendimento a usuários de drogas ou com transtornos decorrentes de uso e
dependência de substâncias psicoativas. Diário com leitos de repouso.

52
FIGURA 5 – ESTRUTURA DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

Centro
Comunitário

CAPSad CAPSi

Vizinhos
PSF
Praças
PSF PSF
PSF
Esportes
CAPS
Hospital PSF Instituições
Geral de Defesa
Centro de Atenção dos Direitos
Psicossocial PSF do Usuário

PRONTOS-
SOCORROS
GERAIS
PSF

Família PSF PSF Associações


UNIDADES PSE/PACS e/ou
BÁSICAS DE SAUDE DA cooperativas
SAÚDE FAMILIA
Escola
PSF PSF PSF

Associação Trabalho
de bairro
RESIDÊNCIAS
TERAPÊUTICAS

FONTE: Brasil (2004, p. 11)

Como toda rede de atenção básica, é necessário que haja uma equipe
multiprofissional para a atuação no CAPS, com diferentes técnicos de nível superior e de
nível médio, incluindo: técnicos, acompanhantes terapêuticos, pedagogos, terapeutas
ocupacionais, professores de educação física, artesãos, entre outros. Essa equipe
acolhe os usuários e desenvolve projetos terapêuticos pautados na reabilitação social.

53
2.2.1 CAPSi
No Brasil, contamos com o Sistema Único de Saúde, que tem acolhido e
reconhecido que a saúde mental de crianças e jovens deve ter espaço para atuação.
Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSi) foram propostos em 2002
e seguem as mesmas diretrizes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAPSi
são serviços que trabalham por territórios, têm natureza pública e são financiados
integralmente pelo SUS. Nesses centros há as equipes multiprofissionais, contendo
no mínimo um psiquiatra, um neurologista/pediatra com formação em saúde mental
infantil e quatro profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta,
pedagogo, acompanhante terapêutico, entre outros) e cinco profissionais de nível médio.

O CAPSi atende crianças e adolescentes gravemente comprometidos


psiquicamente, incluindo portadores de autismo, psicoses, neuroses graves ou outras
condições que dificultem o convívio e os laços sociais. Nessa lógica, o ideal é que a criança
e/ou o adolescente fique em ambiente doméstico e familiar e os responsáveis devem
acompanhar o tratamento. Dessa forma, no caso de psicoses na infância e na adolescência,
não podemos apontar uma única causa isolada e responsável pelo agravamento da saúde
da criança e do adolescente. Assim, o que se recomenda como fatores que podem favorecer
a melhora implica manter o contato com o ambiente familiar e doméstico e a participação
da família no processo de tratamento. Além disso, as estratégias de tratamento devem ter
múltiplos objetivos e profissionais envolvidos, incluindo os aspectos afetivos, familiares e
comunitários, educação, assistência e moradia.

De todo modo, a existência do CAPSi, ainda que de forma tardia em relação às


políticas de tratamento dos adultos, corresponde à atenção que tem se dado quanto à
saúde mental da população infantil e adolescente. Assim, nas cidades onde não há o
CAPSi, as crianças e os adolescentes devem ser contemplados pelos demais CAPS (I, II,
III e AD), devido ao fato de que o CAPSi é indicado para municípios com população acima
de 70 mil habitantes.

2.2.2 CAPSad
O CAPSad é responsável pelo atendimento à população que faz uso e abuso de
álcool e outras drogas. A proposta é que haja acompanhamento e intervenções precoces,
baseados em serviços comunitários e em diálogo com outros pontos da atenção
básica. Assim, o atendimento pode envolver medicamento, orientação, psicoterapia
e, além desses, pode envolver também atendimentos em grupo, como oficinas, visitas
domiciliares, rodas de conversa, entre outros.

A prevenção, nesses casos, precisa estar ancorada a um planejamento,


implantação e implementação de várias estratégias para reduzir os fatores de risco e
fortalecer os fatores de proteção. Para tal, certamente é necessária que a atuação ocorra

54
em rede para impedir o uso de substâncias psicoativas pela primeira vez. Não obstante, a
redução de danos deve-se uma lógica que sustenta as ações que buscam minimizar as
consequências do uso abusivo de crack, álcool e outras drogas (BRASIL, 2004).

Assim, o CAPSad trabalha com íntima relação com as estratégias de Redução


de Danos e com práticas para minimizar o sofrimento em decorrência do uso de álcool e
drogas. Desse modo, é necessário que haja informações sobre como é o funcionamento
das drogas, desde sua composição até a forma pela qual ela age no sistema do indivíduo.
É interessante que haja alternativas para o lazer e atividades livres de drogas. É essencial
que se busque o fortalecimento de vínculos afetivos e o estreitamento de laços sociais.

Além disso, o CAPSad III foi instaurado para atender pessoas de todas as
faixas etárias em municípios com população acima de 150 mil habitantes que também
estejam em sofrimento decorrente do uso abusivo de crack, álcool e outras drogas.
Esse ponto de atendimento proporciona serviços de atenção contínua, funcionando
por 24 horas, sete dias por semana, incluindo fim de semana e feriados. Há, também,
acolhimento noturno.

IMPORTANTE
Pedro Gabriel Delgado, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e estudioso no
campo de álcool e outras drogas, tem apontado para o desmonte nas políticas de saúde
mental e drogas no cenário brasileiro. Há várias portarias que têm sido interpretadas
pelos agentes de saúde mental, como um retrocesso às conquistas relativas aos direitos
humanos, à tolerância, ao combate a estigmas e à redução de danos. Entre
essas portarias, há propostas para a utilização apenas de abstinência, no
caso de álcool e outras drogas, e a proposta de voltar a utilizar aparelhos
de eletroconvulsoterapia como medida de tratamento. Essas alterações
na política de saúde mental vão frontalmente contra o movimento de luta
antimanicomial e antipsiquiatria que, a vigor, também fertilizou o surgimento
do acompanhamento terapêutico. Para compreender mais sobre o
contexto, veja a entrevista com o professor Pedro Delgado em: https://www.
analisepoliticaemsaude.org/oaps/documentos/noticias/entrevista-do-mes-
de-julho-pedro-delgado/.

3 O ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO EM REDE


No Brasil, o trabalho em rede configura a forma pela qual a prática se encaminha
em termos de serviços específicos em quatro setores de cuidado, como saúde geral,
educação, assistência social e justiça/direitos. De acordo com Couto, Duarte e Delgado
(2008, p. 391), os serviços que são estratégicos nesses casos dizem respeito à:

55
1) Saúde Mental: dispositivos de base territorial – ambulatórios de
saúde mental e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em
suas diferentes tipologias (I, II, III, Infantojuvenil e Álcool/Drogas)
–, já que mesmo aqueles não dirigidos especificamente para
crianças e adolescentes recebem orientação da política para,
nos locais onde não existem outros recursos da saúde mental,
responder pela cobertura a esta população quando necessitada
de tratamento.
2) Saúde Geral: Atenção Básica/Primária, representada pelo
Programa de Saúde da Família (PSF), ícone da mudança de
modelo para assistência em saúde no país, e estratégico para
ações de prevenção e detecção precoce de questões ligadas à
saúde mental de crianças e adolescentes.
3) Educação: a) Estabelecimentos públicos da educação básica,
que incluem a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e
o Ensino Médio – planejados para cobertura universal da
população; b) Instituições filantrópicas com número significativo
de estabelecimentos em todas as regiões do país que oferecem
ações educacionais e de reabilitação para alunos especiais
– representadas pela Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE).
4) Assistência Social: Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS), propostos em 2004 pela atual Política Nacional de
Assistência Social, sob gestão do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), em processo de consolidação no país, e que têm
por finalidade o desenvolvimento de ações de proteção em áreas
de vulnerabilidade social, sob o princípio da intersetorialidade.
5) Justiça/Defesa de direitos: Conselhos Tutelares (CT),
estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
em 1990, e encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos
da população infantil e juvenil.

Na prática, é preciso que outros serviços sejam articulados, como educação,


assistência social e justiça. Atualmente, conta-se com serviços da sociedade civil,
como a filantropia e a caridade, que cumprem seus serviços a partir de outras lógicas e
perspectivas da proteção integral que constam tanto no ECA quanto na perspectiva de
atenção psicossocial pautada pelo SUS (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008).

Os serviços em rede oferecidos de forma gratuita pelo Estado brasileiro colocam


em vigor uma série de substitutos em relação ao hospital psiquiátrico. A atuação em
rede é importante para garantir a socialização, a reabilitação, a reinserção, o direito,
a dignidade e a cidadania dos usuários. Não obstante, o contexto de surgimento
do Acompanhante Terapêutico está intrinsecamente relacionado ao processo de
desinstitucionalização do adoecimento psíquico.

Assim, devido o AT desenvolver um tipo de atividade de atendimento clínico


caracterizado pela prática de saída pelas cidades ou acompanhar o sujeito em suas
atividades cotidianas, alinha-se de maneira ontológica com as propostas de saúde em
rede. Desse modo, a marca do AT é, essencialmente, o trabalho interdisciplinar, associado
aos serviços, como CAPS e consultórios de rua. Isso, pois a interdisciplinaridade é um
potente fator para a promoção de inclusão social em dificuldades psicossociais.

56
Desse modo, os atendimentos do AT, como toda a sua prática, não têm um caráter
fixo e homogêneo, sendo relativizados, em termos de configuração, de acordo com a
demanda de cada paciente. Os atendimentos podem ocorrer uma, duas ou mais vezes
durante a semana e o tempo de duração pode ser de até três horas (PITIÁ; FUREGATO,
2009). As atividades realizadas devem promover os objetivos terapêuticos traçados para o
restabelecimento do indivíduo em sociedade e com o mundo que o cerca.

Assim, ir ao supermercado, ir ao banco, ir à padaria, à lanchonete,


procurar um emprego, e assim por diante, são exemplos de ações
cotidianas realizáveis nesse projeto que mobiliza o resgate de ações
que foram bloqueadas pela dificuldade instalada na pessoa, para as
quais ela necessita de ajuda. O significado dessas ações é trabalhado
pelo profissional at durante os atendimentos, o que exige um nível de
maturidade profissional para apreender a complexidade da realização
de atividades, aparentemente simples, em meio à proteção do
setting terapêutico, que se constitui na própria relação entre o at e o
acompanhado (PITIÁ; FUREGATO, 2009, p. 74).

Profissionais AT devem debruçar-se sobre sua formação e estudos para


obterem preparação para essa atividade clínica de setting móvel, escolhendo uma
abordagem teórica que dê sustentação a sua prática (PITIÁ; FUREGATO, 2009). Por essa
via, o AT enfrenta o desafio de construir novos modos de subjetivação e novas práticas
clínicas comunitárias antissegregacionistas. Diferente do modo asilar de tratamento, o
atendimento e a intervenção do AT são realizados em pessoalidade, ou seja, trata-se de
um atendimento em que os profissionais podem estar nas relações de maneira inteira,
oferecendo-se na troca e na travessia necessária ao paciente (VARELLA; ROSÁRIO;
LACERCA, 2006).

Assim, podemos considerar que o atendimento em saúde mental é tecido, ou


seja, há vários fios amarrados em diferentes pontos, formando, efetivamente, uma
rede. Não obstante, as amarrações dessa rede permitem o deslocamento, a passagem
de um ponto para outro (VARELLA; ROSÁRIO; LACERCA, 2006). A rede tem uma
espécie de início com o encaminhamento do paciente, o que muitas vezes ocorre por
uma demanda da família, da escola, ou outros, visto que o paciente pode não se dar
conta do seu adoecimento, embora esteja em franco sofrimento.

Quais seriam os outros pontos dessa rede? O que se teoriza é que


devam existir pontos agora mais marcados por cuidados de inclusão
social, que promovam maior autonomia e reorganização da vida
cotidiana do paciente, como oficinas terapêuticas, atelier, grupos
comunitários, clubes terapêuticos; enfim, espaços onde o trançado
fica mais aberto, sem grandes contornos físicos, em que a tessitura
permita maior circulação. Esses espaços ainda precisam ser criados.
Este deve ser o foco atual na área de saúde mental. Não basta que o
usuário volte para casa. É preciso que ele volte a circular para além
de um pátio, mesmo que agora sem muros (VARELLA; ROSÁRIO;
LACERCA, 2006, p. 132).

57
Não obstante, é necessário que haja conexão com outros espaços de
socialização para o paciente em seu mundo circundante, organizados pela sociedade
civil. Isso importa, pois implica também na inclusão dos usuários em diferentes grupos,
trabalhando de forma não preconceituosa, não legitimando estigmas, mas combatendo-
os (VARELLA; ROSÁRIO; LACERCA, 2006). Desse modo, o saber científico, a comunidade
e a inclusão do usuário em grupos são pontos potenciais da rede em atendimento em
saúde mental. Com isso, é necessário que se verifique o que cada ponto oferece para
dar sustentação ao tratamento. Em outras palavras, é preciso que haja um mapeamento
para conseguir traçar vias de fuga, vias de ação.

Nesse contexto, o trabalho do AT é fundamental, visto que será o modo pelo


qual o usuário desloca-se entre um ponto e outro através da circulação na cidade para
a reorganização do próprio sujeito. Assim, a prática do AT possibilita o encontro com
novos pontos, auxilia que o sujeito passe a tecer a si próprio de novas formas (VARELLA;
ROSÁRIO; LACERCA, 2006). Esse cenário, somado ao contexto de rede psicossocial,
implica pensar que o acompanhamento terapêutico oferece uma ideia de um projeto
singular que se adéqua e se adapta, em termos de configuração, de técnica, de recursos,
de cronograma, entre outros, de acordo com as demandas de cada usuário.

Por isso, pensamos em serviços como o CAPS, por exemplo, como um modelo de
referência, pois é isso que o serviço se tornará para o usuário. Nesse sentido, o trabalho
do AT pode ser considerado, também, como um modelo de referência no interior das
práticas em atenção básica em saúde mental (RIBEIRO, 2009). Isso se dá, pois o que
se demanda no modelo psicossocial diz respeito a uma clínica com maior circulação
dos papéis, atividades e funções dos envolvidos. Isso envolve versatilidade, mobilidade,
disposição e improviso frente ao intempestivo, o que, nesses contextos, podem não ser
extraordinários, sendo a configuração do cotidiano.

Portanto, o AT possibilita uma gama de novas experimentações de forma que


o paciente possa fazer uma gestão de si mesmo de forma autônoma e voluntária.
Alessandra Ribeiro (2009, p. 80), em seu texto A ideia de referência: o acompanhamento
terapêutico como paradigma de trabalho em serviço de saúde mental, nos dá um
exemplo, a saber:

O “homem-rígido” ingressa na instituição vindo de uma outra, bem


diferente. Espanta-se com seu modo de funcionamento e sua
aparente desorganização. Em suas conversas comigo – que já me
conhecia do serviço de onde veio – faz questão de solicitar uma
tabela de horários, seu contrato de participação nas atividades do
CAPS, possível derivação dos dispositivos dos quais lançava mão, em
épocas anteriores, para controlar o ambiente que o cercava: anotar
todas as sessões em grupo, pedir atestados de comparecimento e
assim por diante. Como referência do “homem-rígido”, cabia a mim
essa periódica construção de seu contrato, dos meios e modos de sua
circulação, que ele queria sempre claras, estritas e ordenadas, sem
nenhuma brecha para o inesperado. Em meio à rotina institucional,
contudo, havia imprevistos e o “homem” se exasperava com atrasos
e incompatibilidades, exigindo correções. Ordem era sua palavra-

58
chave. O grupo terapêutico acontece no mesmo horário que um
outro grupo temático. O que fazer? O “homem-rígido” traz a questão
durante muitas sessões, exasperado pelo modo como sua circulação
lhe cria armadilhas, desorganizando sua metódica rotina. Nas
reuniões de referência, começamos a pensar que, talvez, ele possa
se atrasar um pouco, ou faltar alguma vez em um dos grupos para
ir ao outro, ou até mesmo experimentar por um tempo ir às duas de
maneira entrecortada para escolher a que mais lhe interesse, abrindo
uma brecha para uma circulação mais maleável por seus interesses.
A escala de horários se torna, aos poucos, obsoleta. O “homem-
rígido” constitui, aos poucos, uma rede de referências: atividades e
pessoas às quais se vincula. O contato com cada um deles se descola
do contorno inicial das atividades rígidas. Um integrante de um grupo
participa também de outro, e, por vezes, toma o mesmo rumo que ele
a caminho de casa, um profissional pode ser encontrado no corredor,
na rua, em várias atividades, em outros tempos e espaços para além
daquele circunscrito pelo grupo que coordena. A circulação é fluida
e imprevista. As relações transbordam os limites aos quais ficaram,
a princípio, restritas. Encontros e desencontros surpreendem-no
constantemente, trazendo angústia e, por vezes, satisfação. Pode
surgir, nesse contexto, sua apreciação pela música. O “homem-
rígido” pode cantar: cordas vocais endurecidas pelo tempo ganham
alguma maleabilidade, arejam-se com notas e sons novos. Ele se
emociona e sua emoção encontra um lugar suportável no âmbito
da instituição, das pessoas, das atividades, das palavras e de tudo o
mais que o rodeia ali.

A partir desse exemplo, pensamos que o funcionamento das unidades de rede


em saúde mental, como o CAPS, pode funcionar de maneira muito particular para cada
indivíduo. Às vezes, os usuários não têm outro lugar para estar e buscam, em si e nos
espaços que frequentam, algum tipo de ordem. Desse modo, cada usuário, com seu
ritmo e seus sentidos próprios, tece possibilidades para ser e existir. Nesse processo,
o acompanhamento terapêutico serve como modo de travessia do sofrimento e do
encontro de novas formas, validando suas necessidades e propondo novas atividades e
novos movimentos ao seu organismo. No caso do “homem-rígido” do exemplo anterior,
significa afrouxar as fronteiras de contato e conectar-se com o corpo e com o meio a
partir de novas maneiras.

Desse modo, o vínculo pelo qual acredita-se que o AT deve estar pactuado diz
respeito ao desenvolvimento de uma série de estratégias, conhecimentos e tecnologias
que o paciente utiliza para resolver ou concluir uma tarefa (GRUSKA; DIMENSTEIN, 2015).
Dito de outra forma, o AT possibilita um aprendizado dialógico, em que o paciente tem
participação ativa no próprio desenvolvimento e integração, ou seja, o AT trabalha com
ferramentas e mediações que são cambiáveis, que não fazem parte de um método de
ação rígido e universal.

Para isso, não obstante, é preciso verificar o contexto de atividade, ou seja, quais
os recursos e quais as demandas que surgem daqui, além disso, como se configura o
conjunto de funções psicológicas do paciente, como atenção, pensamento, linguagem
e memória (GRUSKA; DIMENSTEIN, 2015). A partir da análise de seu contexto, de sua
comunidade e de suas necessidades, então são traçados a meta e os objetivos do processo
terapêutico. Independente de qual seja a estratégia, o ideal é que o paciente consiga
conduzir e executar suas atividades sem auxílios, o que ocorre de maneira processual.

59
A partir de novas habilidades e aprendizados sobre o seu próprio corpo e
funcionamento e com novas aquisições e aptidões, o acompanhamento se direciona,
então, para a reinserção social e as estratégias de reabilitação, o que pode ocorrer em
cenários públicos, de forma que a ação do acompanhante é complementar (GRUSKA;
DIMENSTEIN, 2015). Desse modo, é necessário que o trabalho do AT esteja, em um
primeiro momento, voltado para as possibilidades do paciente em termos de funções
psicológicas e capacidades físicas. Com esse lado em franco desenvolvimento, passa-
se a interagir e se relacionar em outros espaços, tornando a relação e o processo
terapêutico mais complexos.

Não obstante, o sujeito, nesses processos, na perspectiva do AT, não é percebido


como incapaz ou mitigado, como desajustado ou inferior, pelo contrário, percebe-se o
sujeito a partir de suas potencialidades e das quais se lançarão novas possibilidades de
vida e de ação. Por isso, pensamos que o trabalho do AT está recheado de afetamento,
de pensamento e de ação, pois são nessas frentes que esse profissional atua.

Contudo, devemos sempre lembrar que essa atuação do AT não ocorre num
vazio e nem de forma isolada, mas que requer soluções inter e transdisciplinares, além
de flexíveis. Além de precisar se alinhar com os demais profissionais da equipe, o AT
também se encontra em diálogo com os familiares, quando estes se fazem presentes.
Para isso, a comunicação do AT é essencial, não apenas uma franca abertura, mas um
modo de falar e escutar que seja compreensível e acessível para aqueles com quem o
AT interage e cuida.

Nesse cenário, a prática em rede corresponde, intimamente, à essência do AT


por fugir da lógica de fracionar, fragmentar e patologizar os pacientes. Muito além disso, a
prática do AT dialoga com o político, com novas estratégias clínicas, cujas possibilidades
de intervenção operam a partir de diferentes frentes, contribuindo para a tessitura de
um social que promove o cuidado e a interação dos sujeitos em sofrimento psíquico.

60
LEITURA
COMPLEMENTAR
VITÓRIA

Maíra Humberto Peixeiro

O acompanhamento terapêutico foi iniciado há cerca de um ano e meio.


O encaminhamento foi feito pelo hospital psiquiátrico onde Vitória vinha sendo
recorrentemente internada nos últimos trinta anos. O pedido da equipe que vinha
acompanhando Vitória nas internações era possibilitar que ela permanecesse mais
tempo desinternada (já que no último ano as internações foram muito frequentes, e
algumas bastante longas), e que ao longo do tempo as internações cessassem. O AT
sustentaria essa tentativa.

A equipe descrevia uma utilização crônica do hospital como um prolongamento


de sua casa, o que intensificava a situação decorrente da problemática: a dificuldade de
socialização, de construção de um projeto de vida pessoal, o isolamento.

As internações ocorriam normalmente quando ela apresentava uma


intensificação da ansiedade e dos delírios e a família recorria ao hospital. A primeira
internação foi realizada após tentativa de suicídio com o uso excessivo de medicação.
Vitória apresenta sintomatologia delirante e eventuais alucinações.

O delírio se caracteriza por ideia de desamparo, de desunião, de ruptura de laços


familiares, que se estende ao desamparo de moradores de rua, pessoas que precisam
de ajuda. Não é uma construção delirante bem estruturada, mas bastante fragmentada.
Frente ao delírio, ela repete uma tentativa de ajudar, de unir, de amparar e de orientar
moradores de rua, crianças, pedintes etc., que nunca a satisfaz. Alguém está sempre
precisando de auxílio e ela é aquela que não pode ajudar. Isso se intensifica em relação
a crianças, cujos gritos e pedidos de ajuda ela às vezes escuta como alucinação.

Havia um intenso automatismo de repetição nessas ações, as palavras


eram raras e desvitalizadas. Foi disso que me encarreguei: abrir algum espaço para
as palavras nesse terreno árido. A partir daqueles que precisavam de ajuda, Vitória
começou a falar dela.

A família de Madalena, mãe de Vitória, tem ascendência italiana. Seus pais eram
filhos de italianos e tinham passado a vida em uma cidade muito pequena no interior
de São Paulo. Com dezenove anos, casou-se com um homem que também havia sido
criado nessa cidade. Ele havia conseguido um emprego em São Paulo e por isso eles
se mudaram. Madalena diz que se sentia muito sozinha sem a família, sentindo-se
extremamente desamparada durante esse primeiro período da vida de casada. A irmã
de Vitória, Ana, também havia se casado e se mudado logo em seguida para uma cidade
litorânea. Madalena diz que Ana havia sofrido muito lá, sozinha. Principalmente quando
teve os filhos e teve pouca ajuda da mãe, que estava distante, assim como Madalena.
61
Juntamente ao AT, Vitória começou a ser atendida três vezes por semana por
uma terapeuta ocupacional em um posto de saúde. Para operar a transição do hospital
psiquiátrico para um espaço extrainstitucional, de maneira mais sustentada, a indicação
inicial era o tratamento em hospital-dia, o que não foi possível, pois não existiam vagas
disponíveis na região naquele momento. Com esse suporte, ela experimentou uma certa
estabilidade durante alguns meses.

Quando Vitória falava sobre o que estava sentindo, Madalena se incomodava.


A maneira como ela reagia demonstrava uma distância e impossibilidade de
reconhecimento do que Vitória estava vivendo. Era um discurso desafetado e
desimplicado. Nenhuma palavra que se aproximasse da intensidade daquele
acontecimento era proferida pela mãe. Essa desafetação do discurso pôde ser notada
em relação a momentos da história familiar – que descreverei mais adiante – em que o
sofrimento ligado ao desamparo, tido provavelmente como desruptivo, era suprimido.
Diante dessas situações – como risadas fora de contexto –, minha sensação era de
que algo estava “estranhamente” fora de lugar.

Havia uma certa “resignação” incômoda em Madalena; como se ela não fosse
tocada pelo que acontecia. Quando Madalena relatou um importante acontecimento,
algo pareceu ter se movimentado de maneira diferente. Quando Vitória tinha cerca de
dois anos, Madalena teve febre tifoide e ficou um mês internada no hospital. Nesse
período, Vitória foi levada para a casa dos tios, a irmã do pai, Nina, e o marido. Madalena
conta que, segundo o relato da tia Nina, Vitória acordava chamando seu nome, muito
assustada. A tia ficava muito preocupada, sabia da falta que ela sentia da mãe. Só se
acalmou quando um dia ela acordou chamando seu nome (da tia). Madalena conta
isso com muito pesar. Pergunto a Vitória se ela se lembrava ou se sabia sobre esse
acontecimento, e ela diz que não. Pergunto a Madalena como ela havia se sentido
naquela época e ela responde que tinha sofrido muito, mas que não havia outra saída.
Ela, então, me pergunta: “será que o que acontece com a Vitória hoje pode ter a ver com
isso?”. Digo que não sei, mas que poderia ser. A postura aparentemente desimplicada e
desafetada de Madalena dá lugar a uma questão.

Os avós de Madalena vieram de navio da Itália para o Brasil e trouxeram sua


mãe, que na época tinha três anos de idade. A mãe de Madalena lhe disse que quando
veio para o Brasil havia deixado seu coração na Itália. Pergunto o que isso queria dizer
e ela diz que não queria dizer muita coisa, que não era nada. As duas riem. Como dizer
que alguém havia deixado seu coração não queria dizer nada? O discurso vazio de
sentido, de afeto, volta a ocorrer no ponto em que se reafirma o que não pôde ser dito
plenamente em um momento anterior. De qualquer forma, era muito precisa a afirmação
de que o coração havia ficado na Itália.

62
A construção de uma cena

Chego à casa de Vitória e ela está sentada no sofá com uma expressão um
pouco melhor que nos últimos encontros. Pergunto como ela estava se sentindo. Ela
diz que a angústia dentro do peito havia diminuído um pouco. Nós havíamos pensado,
no acompanhamento anterior, em fazer uma visita para a tia Nina. Ela concordou.
Estávamos saindo de sua casa quando ela disse que não estava muito bem e que seria
melhor ficar em casa. Eu insisto.

Ela me apresenta sua tia, que nos convida para um cafezinho. Ao iniciarmos
uma conversa, ela me pergunta: “o que será que aconteceu com a Vitória? Por que será
que ela ficou desse jeito?”. Pergunto se ela tinha alguma ideia. Ela começa a falar da
infância de Vitória, diz que ela era uma menina que gostava de brincar, alegre, mas que
foi ficando mais retraída com o passar dos anos.

Nina relembra uma cena que aconteceu na casa de Vitória quando ela tinha dezoito
anos. Estavam as duas próximas ao portão quando o vizinho da frente, que a tia sabia que
era um rapaz por quem Vitória estava interessada, apareceu na rua. Imediatamente a tia
falou para a sobrinha sair de casa e ir falar com ele. Ela não quis ir, a tia insistiu e Vitória foi
ficando muito aflita. Recusou-se a sair e entrou em casa chorando.

A partir do relato dessa cena, noto que Vitória começa a ficar angustiada, pois
sua feição foi mudando. Começo a pensar se deveria interromper a conversa. Nina
continua falando e conta sobre o momento em que Vitória passou a não conseguir sair
de casa, e só a chorar muito. Isso ocorreu no último ano da faculdade, que ela conseguiu
concluir com muito esforço.

Ela havia me contado anteriormente o desenrolar dos acontecimentos que


culminaram com o seu retraimento em casa. Na época, ia dirigindo para a faculdade
e dava carona para algumas amigas. A partir de certo momento começou a ficar com
muito medo de dirigir. O medo foi aumentando, as amigas perceberam e ficaram
inseguras. Não queriam mais ir para a faculdade com ela. Vitória, por fim, parou de
dirigir. Concomitantemente, as poucas relações que ela mantinha na faculdade foram
se dissolvendo. Foi ficando cada vez mais isolada, não conseguia conversar. A tia
acrescenta que, no final do curso, Vitória havia ficado muito interessada em um professor,
ficando muito nervosa nas aulas dele, não conseguindo assisti-las. A tia apresenta uma
dimensão absolutamente nova do desencadeamento da crise, uma dimensão abolida
do discurso até então. Pergunto a Vitória se ela se lembrava disso, e ela diz que sim, mas
que não quer falar sobre o assunto. Parecia cada vez mais angustiada.

Por que essa dimensão teria sido apagada dos relatos de Vitória e da mãe?
Talvez porque os homens nessa família são aqueles que afastam as mulheres de suas
famílias, provocando dor e sofrimento. Ela diz querer ir embora, mas eu ainda faço uma
pergunta à tia Nina antes de sair. Sinto-me o tempo todo indo além do que poderia, mas
ainda sem compreender bem o porquê, eu insisto.

63
Pergunto sobre o tempo em que Vitória ficara em sua casa, quando tinha dois
anos e Madalena estava no hospital. Ela relembra e nos conta o que havia acontecido,
como Madalena havia contado, mas colocando mais ênfase no sofrimento da sobrinha,
mais intensidade. Contou também que depois de algum tempo em sua casa, Vitória fugiu
e foi andando sozinha até a casa dos pais, que ficava a três quarteirões de lá. Chegou
lá, puxou a camisa do pai e disse que queria ficar na casa dela. Quanta determinação.

Vitória começou a pedir para ir embora, dizendo que estava cansada e percebo
que ela não estava bem. No caminho, falou que estava com um aperto no coração, dizendo
que gostou da conversa, mas que falamos de coisas demais. Ao chegar em sua casa, ela
abraçou a mãe e se pôs a chorar muito. Vitória começou a dizer que tem muito medo de
ficar longe dela, ainda chorando muito. A mãe ficou bastante assustada, seus olhos se
encheram de lágrimas, e pergunta o que aconteceu. Conto-lhe sobre a conversa e ela diz
para Vitória parar com o choro, que estava tudo bem. Madalena diz que Nina não devia
ter falado tudo isso, que não deveríamos ter ido lá. Parece que Madalena não dispõe de
recursos simbólicos para oferecer uma ancoragem à filha, que passa por um momento de
extrema desorganização. Percebo que quando a mãe se aproxima, Vitória volta a chorar e
se desorganizar, quando a mãe sai de cena, ela fica melhor.

Os efeitos dessa cena

A partir da construção dessa cena, seguiram-se momentos muito difíceis.


Durante os acompanhamentos eu tentava construir alguma ancoragem simbólica para
a intensidade vivida, mas o que aparecia cada vez mais fortemente era a compulsão
por ajudar pessoas na rua. Vitória foi se desorganizando, não conseguindo mais ir aos
atendimentos de TO. Madalena ia ficando cada vez mais irritada; não suportava ouvir
Vitória falando das pessoas que precisavam de ajuda. A situação se tornou ainda
mais insustentável quando a terapeuta ocupacional disse que não poderia mais se
responsabilizar por atendê-la, pois não achava que o equipamento de que dispunha, o
posto de saúde, era suficiente para dar o suporte necessário.

Em uma situação limite, em que a psiquiatra que a atendeu não conseguiu


pensar em alguma medicação que pudesse contê-la de maneira a propiciar que ela
permanecesse em casa, Vitória foi reinternada no mesmo hospital onde havia sido
internada nos últimos trinta anos. Durante o tempo em que era decidida a internação,
ela dizia insistentemente que queria voltar para o hospital, que algo de efetivo precisava
ser feito. Assim aconteceu.

Durante o período em que Vitória esteve internada, conversei com Madalena e


ela me pareceu muito abatida. Disse-me que dessa vez tinha sido muito difícil para ela.
Foi a internação da filha que a deixou mais triste, desolada, desanimada. Contou que a
cena de Vitória entrando no hospital não parava de se repetir em seus pensamentos.
Novamente havia se repetido a cena em que Vitória e Madalena se separam. Dessa

64
vez quem foi para o hospital foi Vitória, deixando Madalena sozinha. Quando me pediu
para deixá-las em paz, penso que o que havia acontecido naquelas últimas semanas
havia sido realmente excessivo, e que era necessário tempo para alguma elaboração.
Parece que esse reconhecimento construiu, com Madalena, uma possibilidade de
ligação confiável. Nos últimos tempos, ela vinha demonstrando muita irritação com a
minha presença.

Uma nova internação ocorreu, e dessa vez a acompanhei e deparei-me com


um cenário absolutamente novo. Vitória havia se aproximado das outras pacientes que
ficavam internadas no mesmo setor. Fez questão de me apresentar a algumas; contou-
me sobre sua rotina lá dentro, havia palavras e personagens compondo o espaço. Ela
não estava isolada lá dentro, ligando para a mãe de meia em meia hora, angustiada e
desesperada, como havia ocorrido em todas as antigas internações: ela tinha vontade
de sair, havia um sorriso esperançoso.

No retorno, insisti para que Vitória começasse a frequentar um hospital-dia, e


lhe apresento um CAPS. Vamos aos poucos desconstruindo a fantasia de que a entrada
no CAPS poderia separá-las. Conversei com as terapeutas que ficarão responsáveis por
ela, combinando que, no início, a mãe iria acompanhá-la e esperar o fim da atividade,
para que depois, muito gradativamente, ela passasse a ir sozinha. Essa possibilidade
permitiu que Vitória iniciasse sua participação no CAPS, o que foi de imensa importância
para ela.

Foi realmente admirável a maneira consistente como ela foi se inserindo nos
projetos, e como o CAPS propiciou um espaço de sustentação social muito precioso
para Vitória. A mãe também acabou por constituir, na sala de espera, um pequeno grupo
de conversa. Ela, familiares de outros pacientes e a secretária conversavam diariamente.
Madalena também encontrou no CAPS algum recurso ao isolamento, o que certamente
tranquilizou Vitória.

O grito

Durante um encontro, Vitória me contou que havia sentido um desespero muito


grande no dia anterior, pois tinha ouvido um grito que vinha de dentro dela. Perguntei quem
havia gritado e ela não respondeu. Somente quando nos sentamos à mesa para tomar um
lanche com Madalena, o que habitualmente acontecia no final dos encontros, é que Vitória
contou uma lembrança. Disse que se lembrava de estar em um quarto escuro sozinha
quando era muito pequena e gritar de pavor. A mãe logo completou: quando Vitória tinha
cerca de um ano de idade ela teve desidratação com diarreia grave. Teve que ficar restrita a
seu quarto durante um certo tempo, pois o médico que a examinou achava que ela estava
muito fraca, devendo permanecer em repouso. Disse aos pais que Vitória poderia não
sobreviver. Ela disse: eu gritei de medo. A uma certa altura, Vitória ausentou-se da mesa.
O grito das crianças, que ela ouvia de forma alucinatória passou a vir de dentro dela, e ela
reconheceu que aquele era seu próprio grito.

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Nesse momento, Madalena olhou para mim com os olhos muito entristecidos
e disse: “a Vitória sofreu muito quando era pequena e continuou sofrendo depois que
cresceu. Ninguém pode aguentar isso. Ela precisa aliviar esse sofrimento”. Eu confirmo
o que ela havia dito com um gesto. Aquela fora uma fala plena; as palavras estavam
carregadas de afeto, havia ali o reconhecimento do desamparo de Vitória. Madalena havia
se implicado de alguma maneira com o sofrimento da filha. Foi uma fala com força de
ato. Uma pequena mudança de posição havia ocorrido. A doença de Vitória nesses anos
todos tinha garantido a sua mãe que ela não ficaria sozinha, ao mesmo tempo em que
lhe garantia que ela não precisaria deixar de se isolar. A doença justificava o isolamento
das duas – dessa maneira, ela não precisaria fazer outras ligações e continuaria vivendo
o desígnio cruel de uma vida sem coração.

O que se seguiu foi uma gradativa e consistente melhora de Vitória com relação
à angústia constante, ao medo, à preocupação com os outros, à compulsão por ajudar
e às alucinações auditivas. Aquela casa aconchegante, mas desabitada, é cenário agora
para muitos personagens: tios, tias, primos, vizinhos, sobrinhos etc. Vitória enche a casa
de vida e parece oferecê-la à mãe. Aos poucos Vitória tirou Madalena do isolamento e
concomitantemente vai construindo um espaço próprio.

FONTE: PEIXEIRO, M. H. A clínica do acompanhamento terapêutico: intervenções quando a


recusa toma a cena. Psyche (São Paulo), São Paulo, v. 10, n. 18, p. 67-80, set. 2006. Disponível
em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382006000200007&ln
g=pt&nrm=iso. Acesso em: 22 set. 2021.

66
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Há dois modos de atendimento à saúde mental: o modo asilar e o modo assistencial.

• O modelo asilar é o tradicional, centrado no saber médico, e o modelo psicossocial é


centrado no paciente.

• A Política Nacional de Saúde Mental tem como princípio a desinstitucionalização do


acompanhamento de pessoas com sofrimento mental.

• A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), integrada ao SUS, tem como público-alvo


as pessoas com sofrimento psíquico, transtorno mental ou outras necessidades no
campo da saúde psicossocial, como o uso de crack, álcool e outras drogas.

• A RAPS tem como pauta os direitos humanos, a autonomia e a liberdade das pessoas.

• A RAPS é comportada por atenção básica em saúde, atenção psicossocial, atenção de


urgência e emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar,
estratégia de desinstitucionalização e estratégias de reabilitação psicossocial.

• O Consultório de Rua é uma modalidade de atendimento constituído por profissionais


que atuam de maneira itinerante, ofertando cuidado e instrumentos de saúde para a
população em situação de rua.

• O Decreto n° 7.053, de 2009, instaura a Política Nacional para a População em Situação


de Rua (PSR), instituído pela Política Nacional de Atenção Básica e componente do
quadro da rede de Atenção Psicossocial.

• A redução de danos é a estratégia do Ministério da Saúde e tem como foco principal


a oferta de ações para o cuidado integral à saúde do indivíduo, reduzindo os prejuízos
agregados em função do uso de drogas.

• Contexto de surgimento do Acompanhante Terapêutico está intrinsecamente


relacionado ao processo de desinstitucionalização do adoecimento psíquico.

• Os atendimentos do AT, como toda a sua prática, não têm um caráter fixo e
homogêneo, sendo relativizados, em termos de configuração, de acordo com a
demanda de cada paciente.

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• O funcionamento das unidades de rede em saúde mental, como o CAPS, pode
funcionar de maneira muito particular para cada indivíduo.

• O sujeito, nesses processos, na perspectiva do AT, não é percebido como incapaz


ou mitigado, como desajustado ou inferior, pelo contrário, percebe-se o sujeito a
partir de suas potencialidades e das quais se lançarão novas possibilidades de vida
e de ação.

• A prática em rede corresponde, intimamente, à essência do AT por fugir da lógica de


fracionar, fragmentar e patologizar os pacientes, mas dialogar com o político e com o
potente em cada um.

68
AUTOATIVIDADE
1 A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) está integrada ao SUS e volta-se ao
atendimento e ao acompanhamento de pessoas com sofrimentos psíquicos,
buscando promover o cuidado, a reabilitação social, entre outros. Sobre a RAPS,
assinale a opção CORRETA:

a) ( ) Os tratamentos decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas implicam,


fundamentalmente, uma política antidrogas, pautada unicamente na privação.
b) ( ) A RAPS atua fora dos limiares da Atenção Básica em Saúde, sendo um serviço
à parte.
c) ( ) Os direitos humanos, a autonomia e a liberdade dos indivíduos devem ser
cerceados no âmbito da RAPS.
d) ( ) A RAPS valoriza o protagonismo do paciente frente ao seu tratamento.

2 A redução de danos é uma estratégia do Ministério da Saúde, cujo foco volta-se para
pacientes com histórico de uso e abuso de crack, álcool e outras drogas. Escreva
como funciona essa estratégia como forma de tratamento e acompanhamento.

3 O Centro de Atenção Psicossocial faz parte do funcionamento em rede da atenção


básica de saúde. O CAPS é o lugar de referência para o atendimento e tratamento
de pessoas com sofrimento psíquico. Sobre o CAPS, marque V para as opções
verdadeiras e F para as falsas.

( ) O CAPS tem foco na reinserção social.


( ) O atendimento pode ser individual ou grupal.
( ) O tratamento acontece por várias vias, podendo ter uma via de orientação,
atividades comunitárias, atendimento à família etc.
( ) Há quatro modalidades de CAPS atualmente.
( ) O acompanhante terapêutico não pode atuar no CAPS.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - V - V - V - F.
b) ( ) F - V - V - F - V.
c) ( ) V - V - V - F - F.
d) ( ) V - F - V - V - F.

69
4 O Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) faz parte das modalidades do
CAPS e busca atender crianças e adolescentes que estejam em sofrimento psíquico.
Sobre isso, analise as sentenças a seguir:

I- O CAPSi foi proposto em 2002, porém tem diretrizes diferentes.


II- Há uma equipe de multiprofissionais, incluindo terapeutas e pediatras.
III- O CAPSi também atende crianças autistas.
IV- O CAPSi busca o internamento das crianças sempre que possível.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.

5 O Acompanhante Terapêutico, no atendimento na rede de saúde pública e em


atendimento psicossocial, deve estar alinhado com as diretrizes e as necessidades
do local. Escreva sobre a atuação do Acompanhante Terapêutico em rede.

70
REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.

BEZERRA, C. G.; DIMENSTEIN, M. Acompanhamento terapêutico na proposta de


alta-assistida implementada em hospital psiquiátrico: relato de uma experiência.
Psicologia Clínica, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 15-32, 2009.

BRASIL. Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos


das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental. Brasília, DF: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 9 abr.
2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm.
Acesso em: 3 out. 2021.

BRASIL. Portaria GM/MS n° 336, de 19 de fevereiro de 2002. Atualiza a Portaria


MS/SAS n° 224, de 29 de janeiro de 1992 e estabelece que os Centros de Atenção
Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades de serviços: CAPS I, II,
III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional,
conforme disposto nesta Portaria. Brasília, DF: Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, 19 fev. 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
gm/2002/prt0336_19_02_2002.html. Acesso em: 1 out. 2021.

BRASIL. Lei no 10.708, de 31 de julho de 2003. Institui o auxílio-reabilitação psicossocial


para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações. Brasília,
DF: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 1 ago. 2003. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.708.htm. Acesso em: 1 out. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção
psicossocial. Brasília: MS, 2004.

BRASIL. Decreto n° 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional


para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento
e Monitoramento, e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, 24 dez. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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74
UNIDADE 2 —

CONSIDERAÇÕES GERAIS
SOBRE TÉCNICAS DO
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO EM ALGUNS
CAMPOS DE ATUAÇÃO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender o processo de compreensão diagnóstica e técnicas de intervenção;

• analisar a atuação profissional de acordo com a singularidade de cada paciente;

• conhecer as principais técnicas utilizadas com pessoas autistas;

• compreender a importância do acompanhante terapêutico para pessoas em processo


de adoecimento e para a pessoa idosa.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO COM CRIANÇAS E


SUAS FAMÍLIAS
TÓPICO 2 – TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NO AUTISMO E NA PSICOSE
TÓPICO 3 – TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NOS PROCESSOS DE
ADOECIMENTO E COM PESSOAS IDOSAS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

75
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A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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76
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO COM CRIANÇAS E
SUAS FAMÍLIAS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, as práticas que envolvem e alicerçam o trabalho do
acompanhamento terapêutico baseiam-se, desde o seu estágio embrionário, numa lógica
de desinstitucionalização e não patologização dos cotidianos. Desse modo, a atuação
deste profissional pode ter como base diferentes abordagens teóricas que guiem suas
práticas de maneira ética e em respeito aos direitos humanos, pautado na promoção da
cidadania dos indivíduos.

Nesse sentido, o AT, como sempre destacamos, deve atuar de maneira


interdisciplinar, em rede e em diálogo com os demais profissionais e/ou instituições
onde as crianças em atendimento façam parte. Isso implica uma visão ampla da
situação e um cuidado para cada caso em específico, buscando não generalizar os
sofrimentos individuais nem atribuir o mesmo tipo de tratamento a todas as crianças,
indiscriminadamente. Por essas vias, todas as áreas de atuação, voltadas para diferentes
faixas etárias, envolvem um estudo no que diz respeito às teorias, às técnicas e às
políticas que abarcam o tema.

No que diz respeito às crianças, veremos neste tópico alguns aspectos gerais do
contexto da saúde mental na rede pública brasileira. Além disso, veremos, brevemente,
algumas teorias que discutem o desenvolvimento da criança, a atuação do AT junto
às crianças, suas famílias, sua escolaridade e algumas problemáticas atuais no que
concerne à medicação para a infância.

2 INFÂNCIA E SAÚDE MENTAL


Acadêmico, a infância é uma etapa da vida pela qual todos passamos, contudo,
a forma como lidamos com as crianças tem sido constantemente atualizada. Essas
atualizações dizem respeito às transformações sociais, culturais e políticas pelas
quais passamos, mas também dialoga com a produção de conhecimento voltada para
esta área. Assim, mais estudos e pesquisas têm sido realizados sobre como lidar com
as crianças, considerando os desafios da contemporaneidade e tendo respeito às
singularidades em termos de geografia, classe, cultura, entre outros.

77
Todavia, as necessidades de atenção em saúde mental para crianças e
adolescentes não encontram equivalência em termos de ofertas, isso ocorre em
diferentes países com diversas formas de trabalho e distribuição de renda. Um dos
motivos para essa defasagem diz respeito ao fato de que as políticas de saúde mental
são predominantemente voltadas para a população adulta. Ocorrem, no entanto,
muitos transtornos; os fatores de risco e proteção e as estratégias de intervenção e
organização são outros quando pensamos em termos de infância (COUTO; DUARTE;
DELGADO, 2008). Assim, políticas públicas voltadas para a população adulta como forma
de “universalizar” o acesso para todas as faixas etárias acabam, em grande medida, por
marginalizar as problemáticas que cabem à infância tanto em termos de diagnóstico
como de atendimento, intervenção e acolhimento.

Assim, após mais de uma década da formulação do Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), crianças e adolescentes foram inclusos na agenda de saúde mental
brasileira. Esse “atraso” não é específico ao Brasil, mas nos países como um todo. Isso
se deve pelo fato de a própria psiquiatria infantil ter sido consolidada após a psiquiatria
voltada para o público adulto (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008).

Um dos desafios da inclusão das problemáticas de saúde mental infantil no


âmbito da saúde pública diz respeito às especificidades tanto de diagnóstico como
de tratamento, por exemplo, os “transtornos globais do desenvolvimento (como o
autismo) até outros ligados a fenômenos de externalização (como transtornos de
conduta, hiperatividade), internalização (depressão, transtornos de ansiedade), uso
abusivo de substâncias, e demais” (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008, p. 390). Além
dessas especificidades em termos de sintomatologia há variação quanto ao período de
incidência dos transtornos e à necessidade de outras fontes de informação e confirmação
para além dos sujeitos atendidos, como consultar familiares, responsáveis, tutores e/
ou professores (COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008). Essas inúmeras demandas inferem
diretamente na qualidade e na confiabilidade do diagnóstico.

Outro fator a ser considerado diz respeito ao quanto é recente o reconhecimento


sistematizado para aspectos de saúde mental da criança e do adolescente, como
prejuízo funcional, consequências na vida adulta, frequência e persistência. Grande
parte das queixas apresentadas e os diagnósticos realizados para o público infantil na
rede pública aborda “problemas de aprendizagem” ou escolares e estes problemas não
necessariamente precisam de uma intervenção em saúde mental. Assim, a problemática
da oferta para casos de saúde mental em crianças e adolescentes entra numa esfera
em que não há atendimento especializado e boa parte dos profissionais é absorvida por
casos de aprendizagem que nem sempre estão pautadas em diagnósticos. Por essas
vias, a demanda em saúde mental fica ainda mais deficitária e o trabalho realizado no
âmbito escolar acaba por contribuir para práticas de medicalização/psicologização de
dificuldades escolares que se mostraram ineficazes (SANTOS, 2015).

78
No cenário de saúde mental, pensamos também a infância em termos históricos
e sociais para compreender, a partir dessas esferas, os mecanismos e os caminhos que
contribuíram para o atual manejo da saúde mental das crianças. Assim, ao pensarmos
na infância como construção social, compreendemos as amarras que vêm junto a este
conceito e as áreas que contribuem para a produção de conhecimento, pesquisa e
práticas sociais, como a psicologia, a psiquiatria e a pedagogia, por exemplo.

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFÂNCIA HISTÓRICA E SOCIAL


A percepção da infância como uma construção social requer que pensemos
nos ciclos da vida não como naturais, mas perpassados por diversas transformações
que nos levam a conceber a vida, atualmente, como infância, adolescência, adultez e
velhice. Assim, embora todos nós cresçamos e envelheçamos, a forma como a sociedade
lida, ou mesmo considera, cada etapa da vida sofre transformações dependendo do
contexto social, político, das necessidades culturais, entre outros aspectos. Assim, essas
considerações são para que tenhamos o passado não como um ponto cristalizado, mas
para percebermos, a partir dele, a transitoriedade das coisas, assim utilizamos essas
transformações como referências e buscamos não repetir as violências de outrora.

Antes de nos atermos aos conceitos que são objeto deste estudo, faz-se
necessário compreender como, historicamente, as mudanças e nuances percorridas
pela infância como categoria teórica e social estão intimamente relacionadas com os
moldes hoje utilizados na abordagem com crianças. Nesse sentido, pode-se dizer que
já é fato bastante conhecido no meio científico que, embora crianças existam desde
sempre, nem sempre houve esse período da vida que hoje denominamos “infância”.

O estudo do historiador Ariès (1981), publicado na década de 1960, foi pioneiro


em demonstrar como surgiu o “sentimento de infância” na Modernidade e, dessa
forma, suscitar o desenvolvimento dos atuais estudos sociais da infância. Nesse
sentido, esse historiador apontou, historicamente, como a relação dos adultos com as
crianças modificou-se, já que a concepção que se tinha dessa fase ou idade da vida
era substancialmente diferente da que temos hoje, se comparado à Idade Média e
ao período Renascentista, ou seja, as modificações que as estruturas sociais sofrem
modificam também as relações entre as gerações.

Até o século XIII, de acordo com Ariès (1981), não havia especificações próprias
da infância e crianças eram vistas como adultos em miniatura, com responsabilidades e
participação nas atividades da época (como jogos e danças), além da inexistência da
escola como instituição obrigatória em determinada idade. O sentimento de infância,
ou seja, a ideia de que a criança possui especificidades e pertence a uma categoria
geracional, é oriunda da Modernidade. Anterior a isso, não havia diferença de “mundos”
entre adultos e crianças.

79
O primeiro sinal de sentimento de infância surge com a paparicação, nos anos
iniciais das crianças, pelos adultos, como fonte de divertimento. No entanto, moralistas
e eclesiásticos da época consideravam tais posturas ultrajes a partir da concepção de
imaturidade e ausência de alma da criança. Desenvolve-se, então, a necessidade de
moralizar e disciplinar a criança em múltiplos aspectos, o que modifica o cenário e as
relações com adultos.

Em outras palavras, de forma gradativa, coube à família o cuidado e a


responsabilidade com as crianças, que consistia em incutir os valores necessários para
a ascensão social ou espiritual. Ademais, emerge a criação da escola como atividade
imposta diariamente a determinada faixa etária que, nas palavras de Ariès (1981, p.
11), tratou-se de “[...] um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos
loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias e ao qual se dá
o nome de escolarização”.

Nessa ótica, os conhecimentos produzidos acerca da criança e da infância, a


partir da Renascença, refletem na vida cotidiana e acabam por construir, socialmente,
uma ideia ou modelo universal de criança, ainda que com discursos e práticas
contraditórios sobre o que seria a “verdadeira natureza” da infância ou sobre como,
através da “boa educação”, alcançar o ideal de um adulto civilizado. Nesse processo, a
criança é percebida como sujeito passivo na aquisição do conhecimento e os adultos
como detentores de poder sobre a vida das crianças e responsáveis por transmitir
valores e normas sociais.

A partir daí, a criança adquire um novo valor, uma nova importância. Dado esse
novo caráter, passa a haver, também, mais conhecimento científico voltado para a
infância, como a Psicologia do Desenvolvimento, a Pedagogia e a Pediatria, por exemplo.
Essas áreas disciplinares passam a dar subsídios para a família e para a escola sobre a
forma pela qual as crianças devem ser educadas e socializadas, o que é considerado
normal e o que é considerado patológico.

Por essas vias, a família nuclear, aquela composta por um casal heterossexual
e seus filhos, passou a ser o local privilegiado para a educação e o cuidado da criança,
que estará em diálogo com as produções de conhecimento da psicologia e da pediatria.
Assim, andam juntas as transformações sociais, políticas e a produção de conhecimento,
uma sendo o reflexo das outras.

A dinâmica social, portanto, a partir do século XX estava focada nas instâncias


da família e da escola com confiança de que elas estão responsáveis pela socialização
das crianças. Para isso, há todo um aparato de produção de conhecimento envolvido.
Para que, nessa sociedade, a criança cresça e se desenvolva de acordo com o esperado
socialmente, algumas teorias da infância surgem para subsidiar ou guiar um caminho.
Essas teorias podem contribuir para a compreensão, mas não podem, por outra via, limitar
a criança a uma teoria ou tentar, a muito custo, encaixar a criança e o desenvolvimento
na teoria já estabelecida.

80
3 SOBRE O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Para que um acompanhamento terapêutico seja realizado com maestria, é
necessário que o profissional tenha um conhecimento sobre aspectos de “desenvolvimento
normal” da criança. A psiquiatria que abrange a clínica infantil é heterógena, em que, de
um lado, relaciona-se à educação da criança e, de outro lado, à busca pelos aspectos
nosológicos da psiquiatria infantil em comparação com os aspectos da psiquiatria adulta.
Desse modo, muitos conhecimentos sobre a psicopatologia infantil foram realizados
mais em cima de experiências do que em elaborações teóricas.

Nesse contexto, são inúmeras as produções que pensam e dialogam com o


desenvolvimento da infância, sem necessariamente patologizá-lo, mas apontando para os
meios que podem fragilizar o conhecimento. Diversos são os autores que se debruçam
nesta seara, como Jean Piaget, Sigmund Freud, Lev Vygotsky ou Henri Wallon, além de
experiências que vão em outro sentido, como aquelas realizadas por Skinner. Veremos,
de forma genérica, alguns destes autores, tendo claro que eles não abordam os mesmos
temas nem descrevem os mesmos comportamentos, ou seja, cada um lança um olhar
sob uma perspectiva para as crianças.

Além disso, podemos pensar sobre o que seria normal e o que seria patológico a
partir de quatro eixos (DALGALARRONDO, 2019): i) o normal como referência para saúde,
oposto à doença; ii) o normal como aquilo que condiz com as normas sociais e estatísticas;
iii) o normal como um ideal a alcançar; iv) o normal como processo dinâmico, em que
o indivíduo é capaz de restaurar um equilíbrio. Por isso, devemos ter atenção a estes
termos, pois não se deve confundir o normal com a média geral de comportamentos.

3.1 ALGUMAS CONTROVÉRSIAS NO INTERIOR DAS TEORIAS


DE DESENVOLVIMENTO
Para compreendermos os termos da infância, passaremos brevemente por
algumas teorias que nos dizem algo sobre o desenvolvimento da criança a partir de
diferentes perspectivas. Assim, pensamos no desenvolvimento humano no sentido de
estabelecer o tipo e a forma de mudanças que ocorrem em um nível físico, emocional,
cognitivo e social com os indivíduos. Algumas teorias dão ênfase a um ponto ou a outro,
outras enfatizam a importância do ambiente para a modelagem de comportamento
ou partem de perspectivas históricas e culturais e, ainda, outras, pensam a partir da
sexualidade (BEE; BOYD, 2011).

Para essas formulações, há maneiras intrínsecas que nos informam como o


indivíduo é visto a partir daquele olhar, se de maneira mais ativa ou mais passiva em seu
desenvolvimento, e, ainda, como trabalhar a partir do que o paciente mostra e munido
de uma teoria de sustentação para a prática.

81
Nesse sentido, veremos algumas perspectivas de desenvolvimento na infância
para que possamos, a posteriori, pensar na ação do Acompanhante Terapêutico com a
criança e seu entorno, com a família e a escola. Isso nos dá condições de olhar tanto para
as demandas da criança quanto para a compreensão do contexto e das problemáticas.

3.1.1 Natureza versus criação


Tendo esses aspectos em mente, veremos algumas teorias que abordam o
desenvolvimento humano sob diferentes perspectivas e algumas controvérsias. Uma
questão que está inclusa na discussão sobre o desenvolvimento diz respeito ao debate
sobre natureza e criação ou herança versus ambiente ou, ainda, nativismo versus
empirismo. Em outras palavras, esse debate levanta questões sobre como se dá o
nosso desenvolvimento, se é majoritariamente aprendido, ou seja, criação, ambiente
e empirismo, aprendendo com a prática e introjetando a cultura ou, por outro lado, se
nascemos prontos para a vida e o mundo, ou seja, natureza, herança e nativismo.

Para um ou para o outro, o debate segue em aberto. Os teóricos e filósofos (como


Platão e René Descartes), que defendem a natureza e apontam que pelo menos algum
tipo de conhecimento que temos é inato, são chamados de idealistas e racionalistas.
Já os teóricos que defendem a criação, a empiria (como John Locke), acreditam que
a mente é uma tábula rasa e tudo é criado apenas a partir da experiência (BEE; BOYD,
2011). Assim, as mudanças no desenvolvimento humano são o resultado de estímulos
ou fatores externos para os empiristas e, para os racionalistas, algo dessa experiência é
oriundo também da biologia do ser humano. Há, ainda, uma terceira via que diz respeito
àqueles teóricos e filósofos que defendem que o desenvolvimento se dá na interação
entre fatores internos e externos, meio e organismo.

No âmbito da Psicologia também percebemos essas dicotomias. O psicólogo


e um dos primeiros pesquisadores da infância, Stanley Hall (1844-1924), prostrava-se
ao lado da natureza, dialogando com aspectos do darwinismo social e atribuindo as
mudanças de desenvolvimento à evolução humana; além disso, também propunha que o
desenvolvimento humano fosse medido a partir de normas ou idades médias. Essa é uma
ideia que é vastamente criticada atualmente por marginalizar ou patologizar aqueles que
não tiverem as mesmas oportunidades de acesso a bens e culturas e, por esta concepção,
colocar, de antemão, uma régua evolutiva tendo a si próprio como parâmetro e almejando
que todos, ao mesmo tempo, também alcancem aquele resultado.

Por outro lado, John Watson, conhecido como o pioneiro na Psicologia Científica,
encontrava-se do lado oposto, defendendo que o desenvolvimento ocorre por meio de
estímulos e influências ambientais (BEE; BOYD, 2011). Watson acreditava que ao manipular
o ambiente, as crianças poderiam ser adequadamente treinadas para realizar qualquer

82
feito. Ainda postulava que se dessem a ele uma dúzia de bebês saudáveis e um mundo
específico para criá-los, ele poderia treinar os bebês para se tornarem especialistas em
uma profissão escolhida por ele próprio, de médico a ladrão, independentemente de
qualquer outro recorte, como ancestralidade, raça ou classe de origem.

INTERESSANTE
Em um dos mais famosos e controversos experimentos, Watson e Rosalie Rayner, uma
de suas alunas, estudaram o medo com o pequeno Albert, um menino de nove meses de
idade. Os pesquisadores deram a Albert um ratinho branco, totalmente inofensivo, e do
qual a criança não tinha medo, pelo contrário, gostava de se divertir com seu animal de
estimação. No entanto, como parte do estudo, todas as vezes que Albert ia em direção
do rato para pegá-lo, soltavam um barulho alto atrás dele. Com isso, após
cinco tentativas de pegar o rato, Albert mostrou os primeiros sinais de
medo. Além disso, a criança passou a demonstrar medo de outros animais,
como um coelho, por exemplo, e passou também a apresentar medo
de qualquer objeto branco peludo, como até mesmo a barba do Papai
Noel. Obviamente, os critérios éticos dessa pesquisa são, atualmente,
amplamente discutidos e questionados, de forma que certamente não
seria aprovada nos dias de hoje, mas, ainda assim, foi um marco para a
área, tanto em termos de experimento quanto em termos de aprendizagem
sobre ética na pesquisa.

FIGURA 1 – WATSON, ALBERT E O COELHO

FONTE: <https://www.megacurioso.com.br/misterios/113256-o-que-aconteceu-com-o-pequeno-
albert-cobaia-de-experimento-humano.htm>. Acesso em: 30 set. 2021.

83
3.1.2 Estágios e sequências
Outro debate para os teóricos do desenvolvimento diz respeito à organização
em estágios ou em sequência ou, em outras palavras, sobre a continuidade e a
descontinuidade do desenvolvimento humano. O comportamento visto como
desenvolvido apenas por adições, ou seja, mudanças quantitativas, em que
apenas se acrescentou algo em uma estrutura já existente, a isso consideramos de
continuidade de desenvolvimento (BEE; BOYD, 2011). Por outro lado, se considerarmos o
comportamento pautado na reorganização ou surgimento de novos recursos, pensamos
a descontinuidade de desenvolvimento a partir do surgimento de algo novo.

Atualmente, é comum vermos a angústia da família em busca por encaixe do


desenvolvimento do filho de acordo com estágios preexistentes de desenvolvimento
humano. Embora isso possa ser válido em alguma medida, devemos sempre lembrar
que o desenvolvimento não envolve apenas uma mudança de habilidade, mas também
uma mudança na estrutura do organismo, ou seja, a criança em novo estágio tem novos
recursos para lidar com as tarefas, para perceber e se relacionar com o mundo (BEE;
BOYD, 2011). Cada criança, contudo, passa por esses estágios descontínuos de maneira
singular, relacionada com o meio do qual faz parte.

O termo maturação diz respeito aos padrões de mudança em sequência e tem


uma referência genética imbuída e três características básicas, é universal, ou seja, cabe
a todas as crianças; é sequencial, envolvendo, assim, alguma característica de expansão;
e é relativamente impermeável à cultura. Nesse bojo, podemos pensar no crescimento
do corpo e no nascimento dos pelos pubianos, por exemplo. Há, ainda, alguma influência
do meio, como o caso de uma desnutrição que interfere no desenvolvimento do corpo,
mas de uma maneira geral todos passamos por processos de maturação.

Assim, o desenvolvimento humano pode ser compreendido, em termos


genéricos, a partir de três tipos de mudança. A primeira é a mudança normativa do
período etário, que diz respeito àquelas transformações que geralmente as crianças
passam naquela faixa etária, como primeiro passo, por exemplo (BEE; BOYD, 2011).
Algumas experiências ganham esse caráter normativo devido aos termos culturais
pelos quais ela passa, ou seja, em qualquer cultura terá uma série de normas etárias
em que se define a sequência ou o tipo de comportamento que se espera do indivíduo.

A segunda mudança que passamos juntos diz respeito às mudanças normativas


do período histórico, que são aquelas pelas quais passam uma geração, ou seja, um
grupo de indivíduos que nasceu no mesmo período e que compartilha experiências
históricas (BEE; BOYD, 2011). Por exemplo, as crianças que estão em idade escolar
compartilharam do mesmo período histórico da pandemia da COVID-19 e deixaram de ir
à escola, passando a utilizar um método virtual de aprendizagem.

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A terceira via é aquela que diz respeito às mudanças não normativas, ou seja,
as diferenças individuais que são constituídas a partir de experiências únicas e não
compartilhadas (BEE; BOYD, 2011). Isso vai desde a combinação genética que cada um de
nós carrega até a que não compartilhamos com os demais, mesmo tendo influência dos
nossos ancestrais. Além disso, temos também as características que são influenciadas
pelo ambiente, como inteligência e personalidade, mas que são construídas de maneira
única em cada um de nós.

4 ALGUMAS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO


Vimos até aqui alguns aspectos gerais do desenvolvimento, abrangendo algumas
questões ontológicas e epistemológicas do tema. Agora, veremos algumas teorias mais
específicas do desenvolvimento, por carregarem, em si, uma série de princípios gerais
e estrutura de pensamento. Algumas vezes, essas teorias serão contraditórias entre
si simplesmente porque partem de lugares diferentes e buscam também diferentes
objetivos para a compreensão do ser humano. Veremos, brevemente, alguns aspectos
concernentes ao processo de desenvolvimento a partir de algumas teorias, a saber: teoria
psicanalítica, teoria cognitiva e teoria de aprendizagem.

4.1 TEORIAS PSICANALÍTICAS


A teoria psicanalítica foi fundada por Sigmund Freud (1986-1939) e tem como
suposição central que o comportamento é governado por processos inconscientes e
conscientes. No arsenal de teorias psicanalíticas, o comportamento é compreendido a
partir de estágios de desenvolvimento, em que em cada etapa o indivíduo direciona suas
pulsões de determinada forma para determinada tarefa.

Na teoria de Freud há a existência de uma pulsão sexual básica que seria


inconsciente, instintiva. A esta pulsão sexual Freud denominou libido e é esta uma força
que domina, em alguma medida, nossos comportamentos e desejos. Essa matéria que
tem abrigo no inconsciente é criada com o tempo e a partir da qual surgem também
diversos mecanismos de defesa.

Outras suposições da teoria de Freud é que nossa personalidade é pautada


em uma estrutura de personalidade que integra três partes essenciais: o id, o ego e o
superego. O id é a fonte da libido, predominantemente inconsciente. O bebê quando
nasce é regido sobretudo pelo id, apenas instintos e desejos a serem realizados, isso
dá-se pois o id é pautado pelo princípio do prazer. O ego é um elemento que serve como
mediador, uma espécie de “executivo” da personalidade que baliza os conteúdos que
podem ou não sair da esfera inconsciente e partir para a consciência. O surgimento
do ego começa a ter força a partir dos dois anos de idade, aproximadamente. Caso
os elementos não tenham condição de se tornarem conscientes, podem aparecer sob

85
forma de mecanismos de defesa. O superego é o centro da consciência e da moralidade,
sendo regido pelo princípio da realidade, pois se constrói a partir das normas e censuras
morais da família e da sociedade. O superego começa a se desenvolver por volta dos
sete anos, que coincide com a entrada da criança na escola e com a construção de um
senso de constrangimento.

Estas partes da estrutura da personalidade, id, ego e superego, foram


representadas por Freud a partir da metáfora do iceberg, demonstrando como boa
parte de nossa estrutura está submersa e inacessível à consciência. Aliás, a própria
consciência é apenas a ponta do iceberg, não estando na parte submersa. O id, por
outro lado, está totalmente nas profundezas e distante da consciência. Mesmo o nosso
superego, regido pelo princípio da realidade, tem seus componentes no interior da água,
demonstrando o quanto nossas ações cotidianas e reprodução de valores também
carregam conteúdos inconscientes. O ego é o mais próximo da consciência, por isso
mesmo serve de mediador entre as partes.

FIGURA 2 – ICEBERG – ESTRUTURA DA PERSONALIDADE

FONTE: <http://www.psyche.com/psyche/images/misc/496px-Structural-Iceberg.svg.jpg>.
Acesso em: 30 set. 2021.

Outro teórico no âmbito da psicanálise é Erik Erikson, que reformula a teoria de


Freud passando para a compreensão de estágios não sexuais, mas psicossociais (BOSSA,
2007). Assim, na teoria de Erikson, o desenvolvimento do indivíduo é encaminhado,
muito mais, por demandas culturais e sociais que são comuns para determinada
idade, não sendo um processo predominantemente “interno”. Desse modo, Erik Erikson
desenvolve oito estágios de desenvolvimento que abarcam não apenas a infância, mas
toda a trajetória do ciclo vital. Vejamos a seguir sobre esses estágios.

86
• Confiança básica versus desconfiança básica (0 a 1 ano): período em que se desenvolve
um senso de confiança básica no mundo nas relações a sua volta. Erikson deposita
responsabilidade à mãe para que esta etapa seja bem-sucedida. Assim, é necessário
que haja afetos e responsividade para garantir o senso de segurança da criança. Isso
dá à criança a confiança para desenvolver outros relacionamentos. Não obstante,
essa confiança não deve ser total, pois também é necessário que a criança possa
discriminar entre o que é perigoso e o que é seguro.
• Autonomia versus vergonha, dúvida (2 a 3 anos): período em que a criança começa a
formar um senso de independência e autonomia. Esse estágio também conta com o
cuidado dos pais para conduzirem esse momento das crianças, pois se as tentativas
de autonomia da criança foram frustradas, pode desenvolver a vergonha e a dúvida
em suas próprias ações (BOSSA, 2007). O ideal é que a criança consiga desenvolver a
autonomia e não sinta vergonha. Não obstante, alguma dúvida é necessária para que a
criança compreenda quais comportamentos são ou não aceitáveis naquele ambiente.
O ideal é que haja uma sequência em direção ao continuum de desenvolvimento.
• Iniciativa versus culpa (4 a 5 anos): nessa fase, a criança é capaz de tomar iniciativa e
traçar metas próprias, além de experimentar novas habilidades em termos cognitivos
e buscar a conquista e o respeito do mundo a sua volta. Nessa etapa, é possível que a
criança queira sair sozinha, que tenha curiosidade para saber como as coisas funcionam,
como montar e desmontar os próprios brinquedos, além de buscar descobrir o próprio
corpo. Os responsáveis devem mediar entre o estímulo às iniciativas e o limite que elas
devem ter; o cuidado, no entanto, é para que não se puna demais a criança ao ponto de
ela sentir culpa pelas iniciativas que deseja realizar.
• Diligência versus inferioridade (6 a 12 anos): nesse período, em nossas sociedades, é
quando as crianças entram na escola e passam a ser confrontadas com a socialização
(com outras crianças) e a busca por aprovação e desenvolvimento de habilidades
formais, como aprender a ler e a contar. Assim, nessa fase, a criança passa a
compreender as regras que a sociedade exige, como a diferença entre as crianças
em termos de classe, personalidade, gênero, entre outros. Caso as tentativas desse
período sejam frustradas, a criança pode desenvolver um senso de inferioridade.
• Identidade versus confusão de papel (13 a 18 anos): nessa fase, a puberdade é um
fator importante. Além disso, é uma busca pela compreensão da própria identidade
e do próprio papel em termos sociais e emocionais. Nesse período há também
descobertas sexuais.
• Intimidade versus isolamento (19 a 25 anos): diz respeito ao período em que o sujeito
alcança a intimidade consigo e consegue confiar nas filiações e associações que tem
ao seu dispor, encontra muito mais satisfação em suas atividades e desejos. O oposto
disso é o isolamento, em que a insegurança de ser quem se é se manifesta pela via
do afastamento de si e do mundo, como forma de anulamento.
• Generatividade versus estagnação (26 a 40 anos): período em que, acumulados os
estágios e os conhecimentos aprendidos até aqui, o sujeito consegue expressar sua
criatividade e sua produção. O oposto a este processo é a estagnação do processo
criativo e da expansão de seu próprio mundo, podendo ter passado como ponto de
resistência e sentido uma espécie de inadaptação em seu contexto.

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• Integridade do ego versus desespero (41+ anos): esse é o período conhecido por
carregar alguma sabedoria, quando a integração é do eu com o mundo, aceitando
que mesmo que seja levado para a morte, isso não apagará nem a cultura da qual faz
parte nem as memórias que ficarão entre aqueles do seu convívio. Por outro lado, o
desespero dá-se com o medo da morte, com a incapacidade de perceber tempo ou
tecer disposição para realizar seus desejos.

Além de Erik Erikson, outros diversos autores e estudiosos se debruçaram e


ainda se debruçam sobre essa complexa teoria. Desse modo, há diferentes escolas de
pensamento no interior da psicanálise. De uma maneira geral, a psicanálise tem grande
influência ao enfatizar a importância da infância na construção da personalidade do
indivíduo. Além disso, Sigmund Freud coloca em voga um novo aspecto: a sexualidade
infantil. Para essas contatações, um experimento corriqueiramente apontado é o caso
do menino Hans. A partir disso, coloca-se em pauta que a criança pode ser afetada por
aquilo que os adultos fazem ou falam sobre ela.

Esse fato, que embora hoje pareça simples, foi, em grande medida, revolucionário
na altura dessa descoberta. Esse afetamento que as crianças sofrem fez com que
os adultos mudassem – ou quisessem mudar – seus comportamentos em relação a
elas. Esses contextos abriram ainda mais espaço para a entrada de um novo agente
na socialização das crianças: o psicoterapeuta e o acompanhante terapêutico. Nesse
cenário, avalia-se, de maneira cada vez mais consistente, que a brincadeira é o meio
pelo qual a criança atribui sentidos e funções de seus comportamentos (AGUIAR, 2014).
É na brincadeira que a criança tem um papel ativo, é brincando que a criança consegue
se expressar e elaborar suas frustrações e conflitos.

Duas psicanalistas, Melaine Kein e Anna Freud, discorrem sobre a brincadeira


no processo terapêutico (AGUIAR, 2014). Assim, Melaine Klein pensa o brinquedo como
um substituto direto da verbalização, ou seja, a brincadeira é a forma de verbalização da
criança. Já Anna Freud aborda o uso do brincar como uma ponte para a construção de
uma relação positiva com a criança, sendo o brinquedo quase uma forma de sedução.

4.2 TEORIAS COGNITIVAS


As teorias cognitivas no campo do desenvolvimento priorizam mais o aspecto
cognitivo em detrimento ao desenvolvimento da personalidade, como ocorre no caso
da psicanálise. Nessas teorias, as ações da criança ganham espaço central no ambiente
e em seu próprio processo de experiências. Nesse campo, podemos pensar a partir de
dois teóricos, Jean Piaget e Lev Vygotsky.

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Jean Piaget (1896-1980) foi um psicólogo suíço que tem grande influência
ainda nos dias atuais para pensar o desenvolvimento infantil e a aprendizagem. O foco
central de sua teoria diz respeito ao fato de que é da natureza do organismo adaptar-
se ao seu ambiente, num processo constante de homeostase. Desse modo, a criança
é colocada como ativa em seu próprio desenvolvimento, não sendo o ambiente que
as molda, mas havendo uma interação entre organismo e meio. Esse processo de
adaptação ao ambiente é composto por vários subprocessos, tais como: assimilação,
acomodação e equilibração.

Lev Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo bielorrusso que defendia que


as formas complexas de pensamento têm origem nas interações sociais, ou seja, é
necessário que a aprendizagem seja conduzida por um adulto ou por uma criança mais
hábil para que a criança dê sequência ao desenvolvimento.

4.3 TEORIAS DA APRENDIZAGEM


As teorias de aprendizagem defendem que o comportamento humano tem
uma enorme capacidade de plasticidade, podendo ser moldado por processos de
aprendizagem. Assim, para essa área de pensamento, os aspectos genéticos são
colocados em segundo plano e pensa-se mais a partir dos termos do ambiente e do
organismo com relação ao ambiente. Alguns modelos que se encaixam nessa esfera
são: o modelo de condicionamento clássico de Pavlov, o modelo de condicionamento
de Skinner e a teoria sociocognitiva de Bandura.

No condicionamento clássico, a aprendizagem acontece quando um novo


estímulo é introduzido no organismo. Há, assim, uma resposta automática, como um
reflexo ou uma emoção, que foi ativada por algum estímulo. O condicionamento operante
diz respeito à frequência do comportamento, que pode aumentar ou diminuir de acordo
com as consequências, os reforços que receberá. Veremos mais sobre essas esferas
na Unidade 3. A teoria sociocognitiva de Bandura é uma das mais influentes entre os
psicólogos de desenvolvimento. Nessa perspectiva, a aprendizagem não necessita de
um reforço direto e pode ser resultado da observação.

89
QUADRO 1 – TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO

Ativa Natureza Estágio


Teoria Principais ideias ou ou ou sem
Passiva Criação Estágio
A personalidade se desenvolve
em cinco estágios, do
nascimento à adolescência; em
Freud Passiva Natureza Estágio
cada estágio, a necessidade por
prazer físico está focalizada em
Teorias uma parte diferente do corpo.
Psicanalíticas A personalidade se desenvolve
através de oito crises
existenciais durante todo o
Erikson Passiva Ambas Estágio
período da vida; uma pessoa
termina cada crise com uma
resolução boa ou pobre.
O raciocínio se desenvolve em
quatro estágios universais, do
Piaget nascimento à adolescência; em Ativa Ambas Estágios
cada estágio, a criança constrói
Teorias um tipo de esquema diferente.
Cognitivas A interação social é crítica para
desenvolver o pensamento e a
Sem
Vygotsky solução de problemas; estágios Ativa Ambas
Estágio
no desenvolvimento do raciocínio
refletem linguagem internalizada.
A aprendizagem ocorre quando
estímulos neutros se tornam
Sem
Clássico tão fortemente associados a Passiva Criação
Estágio
estímulos naturais que eliciam
as mesmas respostas.
O desenvolvimento envolve
Sem
Teorias da Operante mudanças de comportamento Passiva Criação
Estágio
Aprendizagem moldadas por reforço e punição.

As pessoas aprendem a
partir de modelos; aquilo
que elas aprendem de um Sem
Bandura Ativa Criação
modelo depende de como Estágio
elas interpretam a situação
cognitiva e emocionalmente.

FONTE: Adaptado de Bee e Boyd (2011)

5 A CRIANÇA NA CLÍNICA NÔMADE


Até uma noite acordei muito aflito e a gritar: Vou morrer, vou morrer.
— O que foi? perguntou o meu pai, diz-me, eu sou o teu pai, eu mato
aquilo de que tu tens medo.
Eu apontei na direção da janela e disse: Aquela coisa preta. Enquanto
a minha mãe, a minha avó e a minha tia se afadigavam de um lado
para outro, o meu pai foi buscar a espingarda de cinco tiros, apareceu
no quarto, muito calmo, e perguntou-me outra vez:
— O que é, diz-me o que é e onde?

90
Eu repeti: — Aquela coisa preta.
Então o meu pai apontou na direção da janela e disparou cinco
tiros seguidos. Voaram os vidros, choveram estilhaços, ficou tudo
estarrecido, mas eu senti subitamente uma grande paz dentro de
mim. Olhei para o meu pai e comecei a rir. Ele abraçou-me e riu. Riu
e chorou. Creio que foi uma das grandes alegrias da vida dele. E um
dos momentos de absoluta cumplicidade entre nós. Um e outro,
sem palavras, compreendemos imediatamente: ele tinha acertado
naquela coisa preta (ALEGRE, 2009, p. 29-30).

No processo de acompanhamento terapêutico com a criança, o profissional


cumpre mais ou menos a função de atirar contra a janela para acertar algo que, em
princípio, apenas o paciente vê ou sente. A coisa preta vai sendo tecida no decorrer do
processo e o momento das descobertas é calcado em cima da confiança que a criança
tem no AT e, em contrapartida, a confiança que o AT tem na criança para respeitar,
legitimar e atravessar seus medos e suas vontades, com um tempo e um ritmo que
são próprios das crianças. Nesse sentido, pensamos na prática do AT, sobretudo em
relação às crianças, pautada na confiança, mas também na criatividade, na abertura
para as fantasias possíveis que podem surgir. Afinal, a criatividade é um fator de vida
saudável, poder criar e inventar em diferentes cenários.

Para Jerusalinsky (2002), quando encontramos uma criança que apresenta


algum problema de desenvolvimento, tendemos a nos esforçar para que ela esteja no
ensino formal e, algumas vezes, isso é colocado como prioridade em detrimento a outras
necessidades da criança. Isso significa dizer que embora a escola seja um ponto fulcral
para a socialização das crianças e para a aprendizagem formal do conhecimento, no
caso de crianças com problemas de desenvolvimento pode ter outras demandas que
pedem urgência e que dizem respeito a sua autonomia e capacidade de decisão.

Há uma preocupação de que a criança saiba dizer o nome de todas


as cores, tenha motricidade fina para recortar figurinhas da escola,
monte jogos de encaixe reconhecendo formas ou pule num pé só,
mas na hora de combinar as roupas, abrir o botão da calça, calçar o
pé direito e esquerdo do tênis ou pegar o pote em cima da estante,
são os adultos que fazem pela criança (JERUSALINSKY, 2002, p. 34).

Em outras palavras, a modalidade de uma aprendizagem está intrinsicamente


relacionada à aprendizagem escolarizada e, em alguns contextos, acaba por negligenciar
ou inibir que o organismo da criança enfrente um desequilíbrio em seu corpo e, assim,
busque por novas estratégias para encontrar um novo equilíbrio (JERUSALINSKY, 2002).
Esta é uma base das teorias de desenvolvimento: nosso organismo está em constante
busca por homeostase, descobrimos a partir do novo e do intempestivo outras maneiras
de resolver conflitos e de lidar com nossas frustrações. Ocorre, porém, que se alguém nos
“poupa” desta potência, então jamais entramos em desequilíbrio e, por consequência,
não damos continuidade ao nosso desenvolvimento.

91
A autora Jerusalinsky (2002) relata sua experiência com uma criança (chamada
Fabiana) portadora de Síndrome de Down que ia à escola, mas que não realizava tarefas
cotidianas, como se vestir, escovar o cabelo, abrir a embalagem de creme dental, tomar
banho, entre outras. Com o decorrer do acompanhamento terapêutico, a atenção da AT
esteve voltada para a autonomia de Fabiana no seu dia a dia, na travessia da descoberta
de novas realizações. Houve um episódio, após seis meses de acompanhamento, em que
a paciente estava com vontade de tomar banho, mas nenhum adulto estava disponível
para isso, então ela mesma tomou banho, vestiu-se e alimentou-se sozinha. Após esse
episódio, também foram, AT e paciente, ao mercado, onde Fabiana escolheu ingredientes
para fazer um bolo para o seu próprio aniversário. É essa autonomia cotidiana que o AT
acompanha e se lança junto para que seja alcançada. Nesse processo, respeita-se e
valoriza-se o tempo, o ritmo, os recursos e as demandas da paciente que, nesse caso,
não era decorar o nome das cores ou saber a tabuada, mas tomar banho, preparar um
bolo, vestir-se, comunicar seus desejos e ter estrutura para realizá-los.

Assim, quando pensamos na atuação do AT de maneira nômade e pensamos


em termos de clínica ampliada, percebemos também que não é apenas uma circulação
pela cidade, não se trata de reprodução de uma rotina e de fronteiras já estabelecidas.
Mais que isso, é uma busca pela reconfiguração na forma de circular dentro da própria
casa, dentro de si mesmo. Isso dá à criança uma dimensão de atividade, de validação e
legitimação da sua posição enquanto ator social ao invés de anteciparmos um tipo de
fracasso comumente visto.

Além disso, o AT também atuará na mediação entre o público e o privado com


a criança que apresente problemas no seu desenvolvimento. Com isso, o AT passa a
perceber os processos de exclusão e invisibilidade que algumas crianças podem sofrer
devido a sua condição ou contexto (JERUSALINSKY, 2002). Nesse processo, também é
preciso que a noção de diferença e alteridade seja desenvolvida e o AT atravessará estas
frontes com os pacientes, seja em termos de tomada de consciência ou desenvolvimento
de novas estratégias.

Esses processos que envolvem inclusão/exclusão, autonomia/dependência,


público/privado nos informam sobre o contexto do paciente. Uma criança que não
vai à escola, que não tem amigos, que não sai à rua sozinha, que precisa de um
acompanhante terapêutico, pode ser uma criança que, em grande medida, sente-se
sozinha (JERUSALINSKY, 2002). Assim, o AT atua nos entres, nas travessias de uma
coisa para a outra e na busca por brechas para que o paciente encontre sua autonomia
e sua autenticidade no seu cotidiano e no seu contexto como um todo.

Desse modo, a relação estabelecida entre AT e criança tem relação com as


formas de urbanos que experimentamos, desatando, assim, uma série de normas e
valores que a prende e a julga. O AT convida a criança a trilhar um novo caminho, sem
que indique qual a direção e dando possibilidade para diferentes dobras (MEIRA, 2013).
Assim, pensamos que é a criança quem leva o acompanhante terapêutico à cidade, ao
seu mundo, ao seu cotidiano.

92
A criança, com seus olhares curiosos de infância, não caminha
velozmente. Está sempre olhando para o lado, para cima, para os
detalhes. Seu corpo não acompanha a velocidade imposta pelo
ritmo da rua. Quando acompanhamos sua temporalidade, seu ritmo
desacelera, torna-se vagaroso, quase em suspenso. Há pausas a
cada passo, diante de singulares e diminutos traços: uma formiga,
uma pedra, um brinquedo, um largado no chão, um buraco, uma
poça de água, um movimento, um som, um olhar ou uma fala. Em
outros momentos, torna-se veloz, descendo ladeiras e desafiando o
tempo, disparando uma corrida sem fim, onde as ladeiras convocam
ao movimento desenfreado (MEIRA, 2013, p. 41).

Para que isso seja possível em sua gama vasta de possibilidades, é necessário
que o AT se desprenda da formalidade e da temporalidade padrão, dos roteiros prontos,
tudo com script e hora marcada, afinal, isso é ir no sentido contrário da criança. Assim,
os diagnósticos e as medicações importam para saber a demanda, mas na hora do
acompanhamento, a presença e a disponibilidade do AT em estar com o coração e a
cabeça abertos para o momento são forças propulsoras de atravessamentos e mudanças.

5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA


O conceito de família que temos foi se transformando de acordo com as
mudanças sociais que passamos. Em outros tempos, o modelo de família “ideal” e
dominante era formado por pai-mãe-prole. Esse modelo servia de modelo para
classificação dos outros modos de organização, como desestruturados, disfuncionais,
problemáticos, caóticos etc. Nesse sentido, havia muito julgamento, preconceito e
moralismo na análise de diferentes tipos de família que não aqueles que seguem a
norma estabelecida (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

Atualmente, está mais próximo de nós outras e diversas configurações


familiares, isso porque temos acesso às mídias, que tornam o diverso palpável. Desse
modo, vemos famílias cujos pais são separados; família com filhos de outros casamentos;
família estendida; família homoparental; família monoparental, entre tantas outras. Isso
pensando apenas nas possibilidades das sociedades ocidentais e urbanas, mas se
também pensarmos a partir de outras culturas, como as indígenas, as africanas e as
orientais, nosso espectro de possibilidade e, às vezes, de incompreensão, é ampliado.

Assim como a ideia de infância, também a ideia de família é uma construção


social e histórica de forma que, atualmente, ela ocupa a base material das sociedades,
interagindo com as demais mudanças sociais e ajustando-se a elas. A família é conhecida
como uma célula mater da sociedade, devido ao seu papel fulcral para a transmissão
de valores ideológicos e ideais dominantes em cada período histórico (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2008). Em outras palavras, cabe à família a educação dos recém-chegados,
ou seja, das crianças, que são as representantes de novas gerações. Assim, a função
social da família é a conservação e a manutenção social, repassando os valores de
geração a geração, com sutis atualizações a cada geração.

93
Além da importância da família quando pensamos na estrutura social e nas
ideologias dominantes, também relacionamos a família ao cuidado e à responsabilidade
pelas crianças às quais ela é responsável. Isso dá-se, pois, a família é o primeiro grupo
de mediação entre a criança e a sociedade. Portanto, a sociedade “confia” que é na
família que os valores e as regras sociais começarão a ser transmitidos. Assim, é na
família que ocorrem as descobertas culturais, a consolidação de hábitos e costumes,
bem como o reconhecimento da própria identidade, como o idioma falado, por exemplo
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). A família é a responsável pela garantia do direito
aos cuidados essenciais para o crescimento e o desenvolvimento físico, psíquico e
social da criança.

Nesse sentido, o vínculo entre família e indivíduo é essencial para o


desenvolvimento integral e saudável da criança. Quando no interior da família há
desamor, as sobrevivências físicas e psíquicas serão mais difíceis. Desse modo, quando
há problemas mentais com crianças pequenas, deve-se olhar para os vínculos familiares
e perceber a forma pela qual eles são estabelecidos.

Além disso, a criança também tem participação nesse processo, sendo um


componente significativo para a família, considerando que sua chegada também alterou
suas vidas e suas ocupações. Desse modo, a família passa a ser importante para a
criança porque a criança é importante para a família. Nesses processos de vínculos,
algumas dinâmicas podem ser problemáticas para a autonomia do indivíduo, como
aquelas em que os pais tratam os filhos como se fossem suas propriedades ou aquelas
que buscam através das atividades dos filhos o alcance das realizações não exercidas
em outro momento na vida.

Dessa forma, quando pensamos que a família não é um lugar natural e


predeterminado, cristalizado em si mesmo, passamos a considerar que suas construções
e configurações também podem não ser ideais. Desse modo, a proteção de cuidados
garantida pelo ECA pode estar distante de muitas realidades. Em inúmeras famílias,
as crianças sofrem suas primeiras violências, negligências, maus-tratos, agressões e
abusos em muitos níveis. Por isso a importância de destacarmos que nem todas as
famílias são modelos ideais, nem todas garantem proteção e cuidado às crianças (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

94
IMPORTANTE
A Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, em seu Artigo 6, aponta que, para o
desenvolvimento completo e harmonioso da personalidade da criança, é necessário
que haja amor e compreensão. Cabe aos pais os cuidados e as responsabilidades num
ambiente de afeto e segurança moral e material. O Brasil é signatário deste documento. O
ECA, em seu Capítulo 3, Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, Artigo 19, aponta
que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas
dependentes de substâncias entorpecentes”. Em outras palavras, em
documentos oficiais que direcionam as práticas sociais e as políticas públicas
são abarcadas tanto a importância da família quanto a necessidade de
cuidado e afeto das crianças. Esses são marcos importantes para pensarmos
a infância e a família. Esses documentos são importantes para a conquista de
direitos e respeito às crianças.

Pensar a família a partir da ótica de construção social que se adapta às demandas


sociais também coloca o trabalho de acompanhante terapêutico em outro lugar de
atuação, pois compreende a família para além dos vínculos familiares. A presença de um
acompanhante terapêutico na dinâmica familiar pode trazer certo desconforto para a
família, considerando que o AT seria um estrangeiro privilegiado que ouve e vê tudo que
passa ao seu redor. Em alguma medida, a família pode se sentir examinada, invadida.
Em outros casos, porém, a família pode sentir certo alívio por ter o profissional AT
trabalhando junto ao membro “adoecido” da família. De todo modo, pode acontecer de
haver resistências quanto ao tratamento quando o trabalho começar a ser efetivamente
delineado (OLIVEIRA, 2018).

Geralmente, são as famílias que decidem a busca pelo tratamento e são


responsáveis pelas tomadas de decisão em outros setores da vida do indivíduo. Por
um lado, o sujeito, muitas vezes, está isento de sua autonomia, sendo a família quem
representa e decide por ele. Por outro lado, a família tende a se mostrar, nas entrevistas
iniciais, sobrecarregadas emocionalmente devido à sobrecarga que sustentam
(OLIVEIRA, 2018). Assim, a forma como a família chega ao Acompanhamento Terapêutico
já dá indícios de como é a sua dinâmica. Algumas vezes, a família deposita no AT um
misto de hesitação e medo, conforme expõe Oliveira (2018, p. 81):

Algumas famílias quando descobrem o Acompanhamento


Terapêutico relatam sentir hesitação, e ao mesmo tempo, grande
expectativa. Safra (2005) relata que, em uma relação terapêutica
inicial, o paciente apresenta uma mistura de medo, esperança e
expectativa mágica. Utilizamos esse modelo para ilustrar a situação
terapêutica no Acompanhamento Terapêutico também do ponto de
vista da família que vai ao encontro do acompanhante terapêutico
na entrevista inicial, e não somente do paciente em relação ao
terapeuta: a) medo de que a experiência ruim já vivida aconteça
novamente; b) esperança de que haja o encontro daquilo que ainda
não foi vivido e nem sentido; c) expectativa mágica de que em um
passe de mágicas tudo se resolva.

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Assim, vale ressaltar que o setting do acompanhamento terapêutico com a
família ocorre onde estiver sendo realizado o atendimento e/ou a entrevista, pois o
setting no campo do AT ultrapassa as dimensões de espaço físico. Assim, ocorrendo
os encontros num consultório “padrão”, na casa da família ou em outro espaço, ainda
assim, o AT segue ofertando o trabalho proposto (SANTOS, 2016).

Nessa lógica, o terapeuta possui um lugar ativo no processo terapêutico,


como participante e como observador. Assim, o AT passa a compreender a lógica e as
disfunções do cenário familiar, as problemáticas e a forma como lidam com as situações
(NETO; IAMIN, 2013). Por isso, é fulcral que o terapeuta esteja atento ao pensamento
sistêmico, compreendendo o contexto de vida do indivíduo como integrante de uma
rede de relações e como isso alimenta suas angústias e, não obstante, também em
como esse sistema familiar pode contribuir para um maior bem-estar do sujeito.

A atenção do AT também deve se voltar e considerar as configurações familiares


que se modificam, não partindo de uma ideia tradicional de família e do papel dos
membros. Assim, nos contextos socioculturais atuais, podemos perceber diferentes
configurações, como a família monoparental (mãe ou pai com filhos, sem um parceiro),
a família ampliada (duas famílias que se entrelaçam ou a estada de outros membros,
como tios e avós na mesma moradia) e a família homoafetiva (relações de pessoas do
mesmo gênero).

Nesse sentido, um acompanhante terapêutico deve cuidar dos seus próprios


preconceitos e crenças arraigadas para melhor acolher, escutar e efetivamente
acompanhar os sujeitos, caso contrário, o AT pode tornar-se mais um algoz em meio
ao sofrimento do sujeito e da família. Ao contrário, o AT, por seu posicionamento ativo e
participativo, incita mudanças, problematizações e transformações familiares, fazendo
emergir o que antes estava implícito, auxiliando nas exteriorizações, sempre respeitando
a dignidade de cada um dos meus membros.

A atuação do AT numa família deve voltar-se para a observação de padrões de


interação, perceber as problemáticas que envolvem aqueles membros e deve, também,
fazer alguns questionamentos, tais como “quem conta o problema? A partir de que
lugar? De que maneira conta?” (NETO; IAMIN, 2013, p. 63). Isso é importante, uma vez
que o sistema familiar possui um autogovernamento e formas de comunicações próprias,
além da interdependência dos seus membros, retroalimentando comportamentos,
informações e problemáticas. Fatos que ocorrem com um membro podem afetar toda
a lógica familiar, como o nascimento (ou adoção), a morte, a separação, uma doença
crônica, um casamento, um afastamento etc. As partes afetam o todo e o todo é sempre
afetado pelas partes.

96
Com isso, devem fazer parte dos processos de observação do AT:

• Interação familiar: diz respeito às características da comunicação, de


manutenção que perpetuam os sintomas e a homeostase familiar.
• Estrutura familiar: refere-se aos conceitos de poder e de fronteiras
entre os diferentes subsistemas (fraternal, parental e conjugal).
• Construção da realidade: são as concepções atuais e históricas
da família e seu grupo social, sobre os aspectos da realidade que
podem se converter em mitos familiares.
• Evolução: processo de discriminação que permite que o indivíduo
cresça e desenvolva suas potencialidades, de acordo com a etapa
do ciclo de vida individual e familiar.
• Autoestima: a valorização de si mesmo e da família (NETO; IAMIN,
2013, p. 63).

Assim, consideramos o trabalho do AT essencialmente interdisciplinar, pois é


quem convive com o cotidiano do paciente e da família e é quem informa à equipe
sobre o funcionamento familiar. Além disso, também é papel do AT comunicar e
orientar a família quanto à necessidade de outros tipos de acompanhamento, como
um médico, um psiquiatra e/ou um psicólogo, lembrando que ele é um dentre os outros
complementos do processo terapêutico.

6 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E A CRIANÇA COM


OU SEM ESCOLA
Ao pensarmos em inclusão, quase automaticamente pensamos em escola.
Quando se trata de crianças, isso se torna ainda mais ressaltado, pois se a família é a
primeira instância de socialização das crianças, a escola é a segunda. Assim, quando
a criança apresenta algum problema de desenvolvimento, pensamos em formas de
incluí-la nesta norma social. Ainda nesse sentido, se a criança, por algum motivo, não
tem condições de ir à escola, nós como adultos nos preocupamos com o seu futuro,
com a sua cidadania, com as possibilidades materiais do mundo social e do trabalho
(JERUSALINSKY, 2002).

DICAS
A Declaração de Salamanca, promulgada em 1994, na Espanha, discorre
sobre a inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais
educacionais no âmbito das escolas regulares. Essa declaração é um
marco, pois reafirma a vertente da escolarização inclusiva e apoia o
desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos
os programas educacionais. Todas as crianças, independentemente
de suas necessidades educacionais, devem estar inclusas no sistema
regular de ensino. A Declaração de Salamanca, assim, levanta a bandeira
para uma pedagogia centrada na criança, pois percebe, nessa vertente,
o fortalecimento das esperanças e a consequente redução das taxas de

97
desistência e repetência escolar. Além disso, uma perspectiva centrada na criança também
oferece princípios de respeito e dignidade a todos os seres humanos a partir, justamente, de
uma mudança de perspectiva social, quando a sociedade percebe e ressalta as diferenças
ao invés de inabilitar e oferecer mais foco aos impedimentos do que aos potenciais de
determinadas pessoas.

Em muitas escolas, os termos de inclusão são obscuros, no sentido de que não


há aprendizagem efetiva para a criança naqueles moldes, mas ela frequenta como uma
forma de socialização. Dessa forma, muito do seu potencial pode ser negligenciado
quando não é dada a devida atenção às demandas necessárias para cada caso. Por
isso, é importante que a família esteja a par do projeto pedagógico da escola, para
além das leis que garantem o acesso, embora sem instrução e instrumentos para
garantir a permanência.

Esses processos de tomada de consciência sobre o projeto pedagógico da


instituição e a busca pela aprendizagem possível das crianças importam para que suas
ações e experiências não sejam esvaziadas. Ao colocar a criança junto a outras crianças
sem que seus recursos sejam conhecidos como potentes dentro das possibilidades,
a autonomia da criança é limitada, rechaçada, ou seja, sem escolher, sem estimular,
também estamos, na prática, atuando a partir de uma perspectiva capacitista.

IMPORTANTE
O capacitismo como preconceito e discriminação se manifesta principalmente quando uma
pessoa subestima a capacidade da outra pelo simples fato de ela ser pessoa com deficiência.
Geralmente, a pessoa com deficiência é tratada de forma infantilizada e pormenorizada
pelo simples fato de ter alguma deficiência que é visível, sem ser notada ou percebida pela
sua capacidade, mas apenas pela sua deficiência. Entender o que é capacitismo é muito
importante, principalmente pelo fato de que, por não ser muito conhecido, acabamos
praticando de forma involuntária. Como é o caso dos vieses inconscientes, o capacitismo
também pode ser evitado quando compreendido e estudado. Manifestações capacitistas:
pessoas sem deficiência que utilizam os banheiros para pessoas com deficiência, ou até
mesmo pessoas sem deficiência que questionam a necessidade do banheiro adaptado;
pessoas que se admiram ao ver alguma pessoa com deficiência vivendo sua
vida normalmente e fazem comentários como “ela vive a vida como se fosse
normal”; pessoas que ficam surpresas com a conclusão de curso de uma
pessoa com deficiência; parabenizações pela pessoa com deficiência ter
feito alguma coisa “mesmo com essas condições”. Expressões capacitistas
que devemos evitar: cego de raiva; dar uma de João sem braço; sequelado;
mongol; deformado; capenga.

FONTE: <https://iigual.com.br/blog/2021/04/08/o-que-e-capacitismo>.
Acesso em: 30 set. 2021.

98
O “faz as mesmas coisas que todos”, fala tão presente em relação a crianças com
problemas de desenvolvimento, muitas vezes encobre, com uma aparente democracia
e pé de igualdade com os outros, o anonimato e a ausência de projeto de vida no
qual uma criança é lançada. Frequentar a escola simplesmente “porque todos vão”, se
bem possa ter um aparente efeito normalizador, não implica a inclusão social de uma
criança se esta ida à escola não a toma num projeto maior de transmissão de cultura
(JERUSALINSKY, 2002).

É nesse sentido que o AT pode atuar junto a crianças que apresentem problemas
de desenvolvimento e contribuir para a sua autonomia e, assim, também com a sua
cidadania. Há, contudo, algumas precauções que devem ser tomadas, como a atenção
às demandas e necessidades do paciente. Desse modo, não basta que o AT passe a
apresentar uma série de atividades que julgue importante e necessária para o paciente,
pois isso seria uma mera transmissão e não uma apropriação por parte do paciente.
Assim, as práticas devem fazer sentido, sobretudo, para o paciente.

6.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDICALIZAÇÃO DO


“FRACASSO ESCOLAR”
Estima-se que cerca de 10% a 20% das crianças tenham algum tipo de
transtorno psiquiátrico. Entre os problemas mais relatados estão os emocionais
(como depressão e ansiedade), os de comportamento (como a agressividade) e as
dificuldades de atenção (ASSIS; AVANCI; OLIVEIRA, 2009). Isso relaciona-se com o fato
de que na nossa sociedade as crianças precisam lidar com as demandas do mundo
externo e desenvolver competências sociais. Nesse cenário, a relação com a escola,
com os amigos e o desempenho escolar são expressões relevantes de como está o seu
desenvolvimento e como isso afeta a esfera social.

O desenvolvimento de habilidades sociais é crucial, especialmente nas


fases pré-escolar e escolar, quando a criança começa a ampliar as
redes sociais e despender maior tempo fora de casa. A competência
social auxilia o estabelecimento de relações estáveis e positivas com
pares, além de ser preditora de ajustamento atual e futuro da criança e
de ausência de psicopatologias (ASSIS; AVANCI; OLIVEIRA, 2009, p. 94).

Contudo, se pensarmos em recorte de classe, as famílias em desvantagem


socioeconômica não possuem os mesmos acessos àquelas habilidades que são
requeridas e colocadas como “o normal” para cada faixa etária. Essa consideração é
importante, pois coloca-nos em situação de analisar cada contexto, sem determinar
regras gerais para as habilidades de cada um. De um lado, cada criança tem seu próprio
ritmo de desenvolvimento e, do outro lado, a sociedade desigual na qual vivemos tende
a patologizar aquelas que não apresentam determinados padrões de comportamentos
determinados a priori.

99
Nesse contexto, a medicalização da infância é um fato de preocupação
contemporânea. O conceito de medicalização diz respeito à chegada cada vez mais
impositiva da medicina em áreas da vida cotidiana das pessoas. Com a ideia de
medicalização sob uma perspectiva individual, as questões sociais acabam por serem
omitidas e, na prática, medicalizadas de forma cada vez mais crescente nas sociedades
ocidentais (MOYSES; COLLARES, 2013).

Com isso, há um reducionismo biológico, pois se considera que questões


sociais podem ser explicadas, reduzidas e eliminadas a partir de manejos de questões e
características individuais. Não obstante, as circunstâncias sociais, econômicas, políticas,
históricas e geográficas são deixadas para segundo plano, como se influenciassem
o mínimo na vida das pessoas e o indivíduo passasse a ser responsabilizado por sua
condição, per si, sem a devida consideração por seu contexto, sendo o contexto
sociopolítico eliminado do jogo de avaliações e análises dos casos.

A medicalização do processo de ensino-aprendizagem consiste em explicar


o fracasso escolar como decorrente de doenças existentes nas crianças. Assim,
problemas sociais são individualizados e biologizados. Dito de outra forma, problemas
que têm origem no meio, como na escola ou na família ou na sociedade, são colocados
como culpa da criança por ter algum “problema biológico”.

No quadro atual em que nos encontramos, essa estratégia tende a ser


inflacionada, havendo, assim, excesso de diagnósticos tidos como transtornos
psiquiátricos quando são, na verdade, problemáticas estruturais e cotidianas. O que se
revela, sobretudo, é o preconceito contra pobres, num contexto em que profissionais não
se apropriam do conhecimento científico produzido e tendem a reproduzir e legitimar
estigmas sociais.

Em sua pesquisa, Moyses e Collares (2013) apontam como crianças que são
encaminhadas para os serviços de saúde devido a uma queixa escolar já chegam com
a ideia de que são doentes e a crença, em si, pode se tornar um impedimento para a
prática. Desse modo, a criação da categoria de infância que beira à anormalidade tem
relação, sobretudo, com as crianças de classe populares.

Com as considerações aqui apresentadas, ainda que brevemente, percebemos


o quanto a gama de fatores para o acompanhamento de crianças se mostra complexa,
pois o AT deve ter uma boa base teórica que sustente suas ações e, assim, conhecer
o desenvolvimento das crianças pautado na teoria que o guia. Além disso, deve
fazer a mediação entre família, escola e sociedade, a fim de promover a cidadania
da criança para que esta consiga obter protagonismo nas suas ações, despertando
sua autonomia e descobrindo seus próprios desejos. Os aspectos que envolvem a
saúde mental infantil estão em franco debate e crescimento, estudos e pesquisas, de
forma que o trabalho do AT nesta área pode representar um contributo de uma prática
nômade em uma clínica ampliada, fertilizando ainda mais as estratégias e as formas
de atendimento e tratamento.

100
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Saúde mental infantil não possui tanta assistência na rede pública de saúde.

• Há especificidades no tratamento de crianças que sofrem com algum transtorno


mental se comparado às demandas dos adultos.

• A infância é uma construção social, o que hoje é comum, em outros tempos não fazia
parte da realidade social.

• A família é a primeira instância de socialização e educação das crianças.

• As famílias, atualmente, são diversas em sua configuração, mas ainda exercem


função fulcral na manutenção e reprodução da cultura.

• Há diferentes teorias sobre a infância e sobre o desenvolvimento e aprendizagem


humana.

• Natureza versus criação é uma das dicotomias de alguns modelos de aprendizagem


em que se preza ou enfatiza mais os aspectos inatos ou mais os aspectos culturais.

• Alguns modelos de desenvolvimento apresentam um estágio determinado para


determinada faixa etária.

• Outros modelos de desenvolvimento não estabelecem estágios nem faixas etárias


que cada conhecimento deve ser assimilado.

• As teorias psicanalíticas têm um viés de estágio psicossexual, prezando o que


considera inato e passivo no desenvolvimento humano.

• A teoria de Jean Piaget apresenta estágios sequenciais de desenvolvimento de acordo


com idades e percebe o sujeito como ativo em seu processo de desenvolvimento.

• Lev Vygotsky não constrói sua teoria pautada em estágios, mas em experiências,
considerando o quanto podem ser variáveis, enfatiza a cultura na construção do
desenvolvimento do indivíduo e coloca o sujeito como ativo em seus processos.

• As teorias de aprendizagem não têm estágio, priorizam a cultura e algumas percebem


o sujeito como ativo.

• A clínica com crianças pode ser cheia de novidades e invenções.

101
• É preciso estar atento às demandas das crianças.

• A família é um ponto importante de contato do AT, portanto, deve-se ter cautela e


respeito.

• Algumas famílias podem chegar ao AT sobrecarregadas e cansadas da demanda que


o paciente necessita.

• As famílias podem ter um misto de medo, esperança e expectativa mágica em relação


ao acompanhamento terapêutico.

• O AT no ambiente escolar é uma demanda que surge com o atendimento às crianças.

• É preciso ter um olhar crítico quanto à medicalização da infância por problemas de


aprendizagem.

102
AUTOATIVIDADE
1 O desenvolvimento humano pode ser visto de diferentes formas e perspectivas.
Alguns aspectos que estão inclusos nas teorias estão ainda abertos para debate.
Sobre esses aspectos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As considerações sobre o que é inato e o que é adquirido no processo de


desenvolvimento.
b) ( ) As discordâncias sobre aspectos que envolvem o real significado de maturação.
c) ( ) A unanimidade em estabelecer estágios de desenvolvimento.
d) ( ) A necessidade de apenas uma teoria para responder todas as questões em
aberto.

2 Os estágios psicossociais de Erik Erikson são diferentes do modelo psicanalítico


proposto por Freud por não terem o foco voltado unicamente para as tensões
sexuais. Sobre os estágios de desenvolvimento de Erik Erikson, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O ideal é que a criança desenvolva muito de uma habilidade e nada da outra.


( ) O estágio de iniciativa versus vergonha ocorre quando a criança está começando a
amamentar.
( ) O estágio de confusão é um período característico da adolescência.
( ) O desenvolvimento da autonomia é saudável para que a criança se sinta segura em
suas relações.
( ) Um senso de inferioridade pode surgir a partir de frustrações na adaptação social.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F - F - V - V - V.
b) ( ) V - F - V - V - V.
c) ( ) F - V - F - V - F.
d) ( ) F - F - V - F - F.

3 A família é um elemento essencial nas nossas sociedades. Para o acompanhamento


terapêutico, é essencial levar em consideração alguns aspectos da dinâmica familiar.
Disserte sobre a atuação do AT no ambiente familiar.

4 O desenvolvimento é um ponto essencial para o acompanhante terapêutico que atuará


com crianças, pois a compreensão desse tópico auxiliará na tomada de decisões e
na construção de intervenção junto aos pacientes. Disserte sobre a diferença entre
teorias que priorizam a natureza e as teorias que priorizam a cultura na construção
do desenvolvimento.

103
5 Considerando que os aspectos referentes à medicalização da infância têm se
ampliado e gerado constantes discussões no meio acadêmico e médico, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A medicalização da infância é um fator necessário para um bom desenvolvimento


das crianças.
( ) A medicalização da infância muitas vezes está relacionada com a patologização de
classes sociais mais baixas.
( ) A medicalização da infância acena para a problemática de individualizar problemas
sociais.
( ) A medicalização da infância tem como pressupostos a singularidade das crianças
e o seu bem-estar.
( ) A medicalização da infância pauta-se sob normativas de comportamentos sociais.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F - V - V - F - V.
b) ( ) V - F - V - V - V.
c) ( ) F - V - F - V - F.
d) ( ) F - F - V - F - F.

104
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO NO AUTISMO E NA PSICOSE

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 2, abordaremos algumas possibilidades de técnicas para o
acompanhamento terapêutico com pessoas autistas e psicóticas. Nesse ponto, cabe
ressaltar que a própria história do acompanhamento terapêutico surge no contexto
da reforma psiquiátrica e na criação das comunidades terapêuticas visando um
atendimento humanizado para as pessoas em sofrimento e com o estigma da loucura.

O tópico será dividido em dois momentos: no primeiro, abordaremos a


compreensão do autismo, realizando uma contextualização histórica do seu conceito e
de como é entendido nos dias de hoje, passando pela compreensão do seu diagnóstico
e finalizando com as principais técnicas utilizadas, como a ABA, o PECS e o TEACCH,
que poderão ser utilizados pelo acompanhante terapêutico em sua prática.

Na sequência, trabalharemos a compreensão da psicose, seguindo o mesmo


formato: contextualização histórica, compreensão diagnóstica e possibilidades de
técnicas na prática do acompanhamento terapêutico. Cabe ressaltar que, em se
tratando de pessoas psicóticas, o tratamento não segue uma linha de evolução linear,
e muitas vezes as evoluções são percebidas em pequenas nuances, sendo essencial
o acompanhamento do paciente e de sua família por uma equipe interdisciplinar e a
utilização de medicamentos neurolépticos para o controle dos sintomas psicóticos.
Ressaltamos a importância de acessar os materiais apresentados como dicas ao longo
do tópico, a fim de enriquecer ainda mais o seu aprendizado e a compreensão de alguns
conceitos. Vamos lá?

2 COMPREENSÃO DO AUTISMO: CONTEXTUALIZAÇÃO


HISTÓRICA ATÉ OS DIAS ATUAIS
O termo autismo foi utilizado pela primeira vez por Eugen Bleuler em 1911 (ONZI;
GOMES, 2015) como uma característica psicopatológica, principalmente relacionada
aos seus estudos sobre psicose e, em especial, da esquizofrenia (FRÁGUAS, 2003).

105
É importante ressaltar que, nesse período da história, a psiquiatria não
apresentava interesse sobre os transtornos na infância, estes só eram considerados
como foco de estudo da psiquiatria quando auxiliavam nas questões relacionadas ao
adulto. Portanto, as crianças eram diagnosticadas de acordo com os critérios utilizados
para os adultos, sem considerar as suas especificidades (MARFINATI; ABRÃO, 2014).

Para a proposta deste trabalho, não nos cabe abordar detalhadamente todo
o processo histórico que aconteceu dentro da psiquiatria e que levou à construção
do conceito de autismo. No entanto, considerando a importância e a contribuição de
tais aspectos, apresentamos a seguir um quadro com os principais marcos históricos
que marcaram a evolução da psiquiatria infantil até o conceito de autismo, em ordem
cronológica, de 1798 a 1980.

QUADRO 2 – CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE AUTISMO NA HISTÓRIA


DA PSIQUIATRIA

ANO MARCO HISTÓRICO


Victor, um adolescente mudo e aparentemente surdo é encontrado
1798 nu por um grupo de caçadores nas florestas do Sul da França, perto
de Aveyron.
Publicação da obra "Traité médico-philosophique sur l'alienation
1800
mentale", de autoria de Phillipe Pinel.
Victor é conduzido ao Instituto Nacional de Surdos-Mudos sendo
1800
avaliado inicialmente por Pinel, seguido pelo médico Jean Itard.
Publicação do tratamento moral iniciado por Itard "Mémoire sur les
1801 premiers développements de Victor de l'Aveyron". Itard descobre um
novo objeto de investigação para a medicina: as psicoses infantis.
Até meados do Interesse maciço em classificar as doenças psiquiátricas da infância
século XIX por meio de um enfoque predominantemente orgânico.
Édouard Séguin publica seu tratado "Idiocy and its Treatment". Sob
1846 sua influência, milhares de escolas especiais são criadas com base no
modelo médico-pedagógico.
Alfred Binet e Théodore Simon estabelecem a primeira escala
1905 de desenvolvimento da inteligência, representando o apogeu do
movimento médico-pedagógico.
Emil Kraepelin publica sua obra Tratado da psiquiatria, inserindo 1890 a
1890 a 1907 1907 o conceito de demência precoce, o qual é discutido nas diversas
edições, especificamente a partir da 6° Edição, datada de 1899.
Sacnte de Sanctis publica uma série de artigos dedicados a formas
1906 a 1909 1906 a 1909 prematuras de demência precoce, denominando-as de
demência precocissima.
Heller observa casos de crianças, as quais apresentavam demência,
maneirismos das atividades e dos gestos e linguagem estereotipada.
1908
Atualmente, sua descrição corresponde aos chamados Transtornos
Desintegrativos da Infância (D.SM III e IV).

106
Eugen Bleuler renomeia o conceito de demência precoce e pre 1911
1911 cocíssima para o de esquizofrenia infantil. Utiliza, inicialmente, o termo
autismo para delinear mais um dos sintomas dessa patologia
A partir da análise de 29 casos no Instituto Psiquiátrico de Nova York,
J. L. Despert faz uma notável descrição da esquizofrenia in1930-1937
1930-1937
fantil, cujas características observadas são as mesmas que Leo Kan
ner conceituará como autismo infantil precoce.
Melanie Klein publica a análise de um menino de quarto anos, co1930
1930 nhecido como Dick, cujas características corresponderiam, na
atualidade, a um quadro de autismo infantil.
Leo Kanner publica suas primeiras descobertas acerca do autismo 1943
1943
em seu estudo intitulado "Autistic disturbances of affective contact".
1944 Hans Asperger expõe quadros clínicos semelhantes ao autismo.
Revolução paradigmática no conceito de autismo: nos manuais
psiA partir da quiátricos é retirado da categoria de psicose,
A partir da década
passando a fazer pardécada de 1980 te dos Transtornos Globais do
de 1980
Desenvolvimento (CID-10) e dos chamados Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento (DSM-IV).

FONTE: Marfinati e Abrão (2014, p. 258-259)

DICAS
Acadêmico, caso deseje aprofundar seus estudos a respeito dos aspectos
teóricos do autismo, recomendamos a realização do curso livre Transtorno do
Espectro Autista – TEA, disponível no seu AVA, em: semestres > cursos livres >
ver todos os cursos disponíveis > educação especial > Transtorno do Espectro
Autista – TEA. Bons estudos!

A partir das construções históricas disponíveis no Quadro 2, daremos destaque


para os estudos iniciais relacionados propriamente ao autismo, que foram realizados por
dois psiquiatras infantis: Hans Asperger (1944) e Leo Kanner (1943), ambos utilizando
como base os estudos realizados através da observação com crianças que apresentavam
traços e comportamentos que fugiam do considerado normal (ONZI; GOMES, 2015).

As pesquisas realizadas por Kanner tiveram como ponto de partida seu estudo
com duração de cinco anos com 11 crianças que apresentavam comportamentos
diferentes (oito meninos e três meninas). Foi possível observar que as crianças
estudadas possuíam comportamentos individuais, o que pode ser compreendido a
partir da organização e estrutura familiar que impactavam no seu desenvolvimento,
mas também foi possível localizar comportamentos semelhantes entre todas elas, como
a dificuldade de estabelecer relações logo no início da vida (BRANCO, 2020). Também
sobre os estudos de Kanner, podemos observar a seguinte mudança de nomenclatura:

107
A síndrome que, em 1943, era chamada de “distúrbio autístico do
contato afetivo”, recebe um ano depois o nome de “autismo infantil
precoce”. Essa mudança marca o uso ambíguo feito por Kanner do
termo autismo, ora como adjetivo, enquanto sinônimo de isolamento,
ora como substantivo, para definir a síndrome. Kanner teria proposto
esta mudança com o objetivo de inscrever um novo quadro clínico na
classificação das doenças mentais (FRÁGUAS, 2003, p. 37).

Em seus estudos, Kanner também desenhou uma importante diferenciação


entre autismo e esquizofrenia: enquanto na esquizofrenia observa-se uma tendência
ao distanciamento das relações, o autismo apresenta a incapacidade de desenvolvê-
las, apontando, dessa forma, para a existência de dois quadros clínicos, que inicialmente
apareceram vinculados, em que o autismo era um sintoma da esquizofrenia (BRASIL, 2014).

Os estudos de Asperger foram desenvolvidos um ano após os estudos de Kanner


e encontraram sintomas similares. Contudo, cabe ressaltar que ele realizou seus estudos
de forma independente, sem acessar os estudos já realizados na época. Dessa forma, os
seus estudos, apesar de apresentarem uma sintomatologia semelhante ao do autismo
estudado por Kanner, deram origem ao quadro de síndrome de Asperger (BRASIL, 2014).

Apesar das semelhanças nos estudos, podemos destacar duas diferenças entre
eles: Asperger acreditava que a síndrome se manifestaria por volta dos quatro ou cinco
anos de idade, contrariando a ideia de Kanner, em que a síndrome estaria presente
nos primeiros três anos de vida (MARFINATI; ABRÃO, 2014). Kanner não acreditava
na possibilidade de evolução do quadro e Asperger, nesse ponto, era mais otimista
(BRANCO, 2020).

Nas definições de autismo, presentes na história, também cabe ressaltar que, em


um dado momento, o autismo apontou para responsabilização dos pais, considerando
como causa a mãe geladeira e o pai intelectual, que não possuíam disponibilidade
afetiva com o seu filho, desenvolvendo como consequência o transtorno. A respeito
disso, Locatelli e Santos (2016, p. 205) apontam que:

Anteriormente, o autismo estava ligado a fatores psicológicos e


que os pais eram responsáveis por esse quadro clínico. Na época,
afirmava-se que o autismo era causado devido o comportamento frio
e obsessivo dos pais em relação aos filhos. No entanto, essa hipótese
foi afastada pela literatura médica [...], atualmente, o autismo é
considerado como uma desordem neurológica.

Há dois manuais de classificação de doenças que apresentam critérios para


o diagnóstico e são utilizados e reconhecidos mundialmente: o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, atualmente na sua 5ᵃ edição, DSM – V), da
Associação Americana de Psiquiatria, e a Classificação Internacional de Doenças (CID,
atualmente na sua 10ᵃ edição, CID – 10), da Organização Mundial da Saúde. Sobre a CID,
embora a sua 10ᵃ edição ainda esteja em vigor, é importante ressaltar que a CID – 11
já foi lançada em junho de 2018 e os países possuem prazo até janeiro de 2022 para
utilizarem a nova classificação (BRANCO, 2020).

108
Desde a 1ᵃ edição destes manuais até hoje, nas classificações mais recentes
utilizadas (DSM – V e CID – 10), o autismo passou por diversas classificações e esteve
vinculado a outras categorias. Hoje, para a CID – 10, o autismo está inserido nos Transtornos
Globais do Desenvolvimento. No entanto, cabe destacar aqui, que na CID – 11, que entra
em vigor no início de 2022, se apresenta a noção de espectro (BRANCO, 2020).

O conceito de autismo infantil (AI), portanto, se modificou desde


a sua descrição inicial, passando a ser agrupado em um contínuo
de condições com as quais guarda várias similaridades, que
passaram a ser denominadas de transtornos globais (ou invasivos)
do desenvolvimento (TGD). Mais recentemente, denominaram-se os
transtornos do espectro do autismo (TEA) para se referir a uma parte
dos TGD: o autismo, a síndrome de Asperger e o transtorno global do
desenvolvimento sem outra especificação (portanto, não incluindo a
síndrome de Rett e o transtorno desintegrativo da infância) (BRASIL,
2014, p. 14).

Dessa forma, hoje sabemos que o autismo se enquadra no grupo de Transtornos


do Espectro Autista (TEA), e que se trata de um transtorno do neurodesenvolvimento,
tendo implicações em três esferas da vida: comunicação, relações interpessoais e
comportamento, podendo ainda ser dividido em três níveis, em que o nível 1 apresenta
sintomas leves, com pouca necessidade de suporte, e o nível 3 sintomas severos, com
muita necessidade de suporte (BRANCO, 2020). A seguir, estudaremos a respeito dos
aspectos que apontam para a existência do autismo e como se dá o seu diagnóstico.

2.1 COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA


Como vimos na contextualização histórica a respeito do autismo, não existe
uma etiologia determinada para a sua causa, sendo multifatorial e podendo sofrer
interferência de diversos fatores (NORTE, 2017). Considerado como um transtorno
do neurodesenvolvimento (BRANCO, 2020), atualmente não possui nenhum exame
clínico que possa ser realizado para o seu diagnóstico, somente para as doenças que
podem estar associadas ao quadro (LOCATELLI; SANTOS, 2016).

Dessa forma, o diagnóstico é realizado principalmente com base nos manuais


DSM – V e CID – 10 e a partir da observação do comportamento da criança, do seu histórico
de vida obtido através de entrevista com familiares e/ou cuidadores, necessitando de
diversos especialistas para a sua confirmação, como psiquiatra, neurologista, psicólogo
e fonoaudiólogo (BRANCO, 2020; LOCATELLI; SANTOS, 2016), podendo também fazer
uso de instrumentos de avaliação, a depender das especificidades do caso, já que
cada pessoa é única e apresentará também características únicas, independentemente
de seu diagnóstico (BRANCO, 2020). Nessa perspectiva, Branco (2020, p. 8) destaca a
importância do olhar para o sujeito, antes do seu diagnóstico, ao apontar que:

109
Apesar da existência de um quadro sintomatológico, é importante
destacar que os indivíduos não são iguais. Deve-se ir além de um
diagnóstico, voltando o olhar para o sujeito e não para a patologia,
pois cada criança é única e singular, atravessada por contextos
distintos. De modo geral, é possível perceber que a sociedade ainda
apresenta dificuldades para aceitar e acolher os diferentes modos de
existência, tornando comum a busca por terapêuticas que tentam
"moldar" a criança a um funcionamento tido como o "normal" e
esperado. Nesse sentido, vale questionar: por que o outro, que é
diferente de mim, deve se adequar ao meu modo de viver? O que
queremos saber quando perguntamos se uma terapia é eficiente,
ou não? O que esperamos dessas crianças e porque elas devem
corresponder às nossas expectativas?

Considerando a importância que possuem para a elaboração e a confirmação


do diagnóstico do autismo, a seguir apresentaremos os critérios diagnósticos para o
autismo, de acordo com o DSM – V:

TABELA 1 – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO AUTISMO DSM – V (2014)

FONTE: Silva (2017, p. 61)

É importante também abordarmos a respeito dos indicadores comportamentais


que apontam para a existência do TEA. Com relação aos aspectos motores, podemos
observar as estereotipias (movimentos repetitivos com as mãos, correr de um lado para
o outro, entre outros); apresentação de movimentos rígidos, como na organização de
brinquedos; os objetos em movimentos prendem a sua atenção (como o ventilador, por
exemplo). Com relação ao esquema corporal, podemos observar uma dificuldade em
movimentar-se na direção de alguém que o chama, assimetria nos movimentos com
maior movimentação de um lado do corpo, entre outros (BRASIL, 2014).

110
Os aspectos sensoriais são muito importantes e os estudos apontam que a
prevalência de dificuldades relacionadas a este sentido no TEA é alta. Com o transtorno
sensorial, a pessoa possui dificuldade em alinhar seus comportamentos com suas
emoções e sentidos, em virtude da grande quantidade de informações que recebe
através da via sensorial, presente em todo o nosso corpo. Dessa forma, os estímulos
sensoriais são uma das questões que podem levar o sujeito a realizar as estereotipias,
pois é uma forma de buscar por uma autorregulação interna (NORTE, 2017). A respeito
da autorregulação, é importante destacar que:

A criança vai se autorregular nessa interação com o mundo, fazendo


o melhor possível a cada momento com o que ela tem, o que muitas
vezes significa desenvolver um sintoma com consequências bem
pouco satisfatórias tanto para ela quanto para o meio, mas ainda
assim o melhor dentro daquele campo. É nessas condições que
ela chega à psicoterapia, pois o sintoma, apesar de ter uma função
importante de autorregulação da criança, não está sendo capaz
de manter o equilíbrio satisfatoriamente, uma vez que traz consigo
consequências que não estão sendo suportadas pelo campo
(AGUIAR, 2014, p. 40).

Outro aspecto diz respeito à rotina: quando há alguma alteração naquilo que é
comum à pessoa com autismo, isso causa um sofrimento intenso. Podemos compreender
que a construção desses rituais também é uma forma de autorregulação. Dessa forma, é
muito comum observar certa rigidez (BRANCO, 2020).

Por exemplo, a pessoa consome bebidas somente em determinado copo,


senta-se somente em determinado local, assiste sempre ao mesmo programa, coloca
suas coisas sempre nos mesmos lugares. Qualquer mudança que seja realizada no
espaço onde ela vive, pode levar a crises que envolvem choro, gritos e formas intensas
de manifestar sua insatisfação (BRASIL, 2014). Importante ressaltar que isso também
pode levar a transtornos alimentares, como a seletividade alimentar, quando a pessoa
se alimenta somente de determinados alimentos, com determinadas texturas,
ocasionando um risco de nutrição inadequada (NORTE, 2017).

O aspecto da comunicação é muito importante e traz diversas implicações para


a pessoa autista, já que vivemos em uma sociedade onde a comunicação verbal é
extremamente valorizada e muito utilizada. O sujeito autista pode conseguir se comunicar
ou não, a depender do grau e das dificuldades presentes no seu caso (BRANCO, 2020).

111
DICAS
Recomendamos que você assista ao documentário Stimados Autistas, que
apresenta relatos de vida de pessoas autistas diagnosticadas na fase adulta.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qR5JIrKboso.

Podemos perceber, no autismo, indicadores como: ecolalia (imediata, quando


há repetição do que é falado naquele momento por outra pessoa; ou tardia, quando se
repete algo escutado em momento anterior); como trata-se de uma repetição, não há
ajuste quanto aos pronomes utilizados; o volume e a tonalidade da voz são bastante
singulares. Também é um ponto de atenção muito importante quando acontece no início
da vida (no período entre 12 e 24 meses de idade) a perda de aquisições de linguagem já
realizadas, de maneira progressiva ou súbita (BRASIL, 2014). Cabe destacar também que
uma característica do autismo é a dificuldade de compreensão de dados que não são
concretos (sarcasmo e ironia, por exemplo), pois o seu entendimento parte de situações
concretas, não sendo possível a utilização destes jogos de linguagem na comunicação
(NORTE, 2017).

O processo diagnóstico nos casos de autismo é muito importante, e quanto


mais cedo for confirmado o diagnóstico, mais cedo poderá ser iniciado o tratamento,
favorecendo o desenvolvimento desta pessoa nas esferas da vida em que ela apresenta
dificuldades (ONZI; GOMES, 2015). A seguir, falaremos sobre as principais técnicas
utilizadas com pessoas autistas.

2.2 TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO NO AUTISMO
O Transtorno do Espectro Autista acompanhará a pessoa durante todo o
percurso de sua vida, dessa forma, é essencial que seja traçado um tratamento para
que os impactos do transtorno sejam minimizados, ampliando a sua qualidade de vida
e autonomia. Independentemente da confirmação do diagnóstico, este pode variar
em grau e nas dificuldades apresentadas, lembrando sempre que cada ser humano é
único. Portanto, cada tratamento deve respeitar as singularidades da pessoa atendida
(ONZI; GOMES, 2015). Conforme é apontado nas Diretrizes de Atenção à Reabilitação de
Pessoas com Transtorno do Espectro Autismo – TEA:

O projeto terapêutico a ser desenvolvido deve resultar: 1°) do


diagnóstico elaborado; 2°) das sugestões decorrentes da avaliação
interdisciplinar da equipe; e 3°) das decisões da família. Todo o
projeto terapêutico, portanto, será individualizado e deve atender às
necessidades, às demandas e aos interesses de cada paciente e de
seus familiares (BRASIL, 2014, p. 63).

112
DICAS
Para aprofundar os seus estudos a respeito das orientações técnicas
para o cuidado de pessoas com Transtorno do Espectro Autista e de sua
família, recomendamos a leitura na íntegra das Diretrizes de Atenção à
Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da


Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília: MS,
2014. 86 p.

Observa-se que, para o tratamento do autismo, utiliza-se principalmente


técnicas fundamentadas em teorias comportamentais, tendo como foco a estimulação
precoce, já que quanto mais cedo acontece a estimulação, melhor será o prognóstico
e a evolução (NORTE, 2017). A seguir, abordaremos os principais métodos de trabalho
utilizados com pessoas autistas, sendo estes: Análise Aplicada do Comportamento
(ABA); Sistema de Comunicação por Figuras (PECS) e Tratamento e Educação para
Crianças Autistas e com Distúrbios Correlatos da Comunicação (TEACCH) (LOCATELLI;
SANTOS, 2016).

A ABA é a principal metodologia utilizada com pessoas autistas no momento.


Sua origem está vinculada ao Behaviorismo radical de Skinner. Com essa intervenção,
busca-se motivar a criança com estímulos externos para reforçar positivamente e
aumentar a prática de determinados comportamentos ou, ainda, punir e extinguir
comportamentos indesejados. Essa dinâmica de utilizar determinado comportamento
diante de uma situação e ser recompensado por isso faz da motivação o ponto principal
da intervenção. Através da ABA é possível aprender novas habilidades, sua intervenção
acontece na divisão de um objetivo em pequenas metas, sendo que estas devem ser
claras, apresentadas de forma objetiva e podem utilizar dicas físicas para compreensão,
sendo sempre reforçadas positivamente ao serem alcançadas (NORTE, 2017).

O Método PECS pode ser utilizado tanto com crianças autistas que não
desenvolveram a fala, como com outras crianças que também possuam dificuldades
ou limitações na comunicação verbal. Nesse método, a criança se comunica através de
figuras, selecionando a figura que representa aquilo que ela deseja (determinado objeto)
e entregando na mão do acompanhante terapêutico, para que este possa entregar o
que foi solicitado. Essa metodologia também pode facilitar a sua circulação no contexto
social, já que as figuras podem representar diversas necessidades, como atenção dos
pais, alimentação, entre outras (LOCATELLI; SANTOS, 2016).

113
Podemos compreender o Método TEACCH como uma união entre as duas
metodologias anteriores, pois trabalha tanto com a utilização de imagens para
a comunicação quanto com a organização de pequenas atividades para atingir
determinado objetivo. O TEACCH é considerado um método psicoeducacional e
necessita de uma parceria com os familiares para a sua realização. Tem como objetivo
a ampliação da qualidade de vida e da autonomia, sendo elaborado sempre de forma
individualizada, considerando a singularidade da pessoa atendida. O aprendizado é
sempre acompanhado, e na medida em que se observa evolução, são inseridas novas
aprendizagens (LOCATELLI; SANTOS, 2016).

As metodologias apresentadas e utilizadas atualmente no tratamento do autismo


podem ser utilizadas pelo acompanhante terapêutico. Destacamos que o AT, nas suas
intervenções, deve sempre respeitar a subjetividade da pessoa acompanhada por ele,
compreendendo seus limites e suas potencialidades naquele momento. Inicialmente,
é importante compreender quais são os seus interesses e dificuldades, para que as
intervenções possam ser feitas de forma que façam sentido para a pessoa que irá
recebê-las. No atendimento de crianças, podem ser utilizados diversos recursos lúdicos,
como dança, jogos, atividades em frente ao espelho trabalhando o esquema corporal,
musicoterapia e, ainda, utilização de materiais diversos com texturas diferentes, o que
estimula o sistema sensorial (BRANCO, 2020).

DICAS
Acadêmico, recomendamos a realização do curso livre Autismo em Perspectiva,
disponível no seu AVA, em: semestres > cursos livres > ver todos os cursos
disponíveis > educação especial > Autismo em Perspectiva, para compreender
como as áreas da psicologia, neurobiologia e neuropsicologia, educação e
terapêutica ocupam-se do Transtorno do Espectro Autista. Bons estudos!

3 COMPREENSÃO DA PSICOSE: CONTEXTUALIZAÇÃO


HISTÓRICA ATÉ OS DIAS ATUAIS
Acadêmico, o caminho de construção da psicose relaciona-se diretamente com
a história da loucura e a reforma psiquiátrica, contudo, esses temas não constituem o
foco deste livro. Esses temas serão trabalhados de forma aprofundada em disciplinas
específicas e que apresentem relação com a temática da psicopatologia.

Nesse momento, é importante termos em mente que as críticas sobre os


tratamentos realizados com as pessoas consideradas loucas resultaram no movimento
da reforma psiquiátrica, na criação das comunidades terapêuticas e em um novo olhar
para essas pessoas, sendo muito importante para compreendermos e realizarmos
diagnósticos e tratamentos com as pessoas psicóticas hoje.
114
No que diz respeito à história do acompanhamento terapêutico, também
podemos observar uma relação direta com a loucura, e, portanto, com os quadros clínicos
da psicose. Localizamos na história que o primeiro acompanhamento terapêutico teria
sido realizado com um paciente esquizofrênico acompanhado por uma enfermeira,
esta, por sua vez, teria sido treinada pela psicanalista suíça Sechehaye, em 1937. Cabe
salientar que, nesse contexto, compreendemos que o acompanhamento terapêutico
foi inserido não como uma prática, mas como uma intervenção possível. Outro ponto
importante foi a publicação do livro das psicólogas Susana Kuras de Mauer e Silvia
Resnizky, intitulado Acompanhantes terapêuticos e pacientes psicóticos, em 1971
(SANTOS; MOTTA; DUTRA, 2005).

O termo psicose foi utilizado pela primeira vez por um psicólogo alemão chamado
Feuchtersleben em 1845. No entanto, na França, ele surgiu em 1869, ganhando maior
destaque somente no século XIX em virtude dos trabalhos de Möbius em 1892, em que
ele divide a psicose em endógena e exógena (LOPES, 2001). Como um conceito de uso
restrito, inicialmente, a psicose não é considerada e apresentada no famoso Tratado de
Psiquiatria, onde Kraepelin realizava uma organização sistemática de classificação dos
transtornos mentais.

Em 1896, Kraepelin, que vinha publicando sucessivamente edições


do seu já então Manual de Psiquiatria (no começo chamava-se
compêndio, era um livro pequenininho, fininho e terminou numa
grande obra de quatro imensos volumes), prepara a primeira
sistematização da psiquiatria, criando as entidades clínicas. E aí,
então, chamou atenção o aparecimento de duas formas de entidades
clínicas que ele fez, pela fusão da mania, da melancolia, da loucura
de dupla forma, da loucura circular, a que deu o nome de manische-
depressive Irrsinn – loucura maníaco-depressiva. E, ao outro grupo
de psicoses delirantes, que tinha aspectos também motores,
catatônicos, que começavam mais cedo sob a forma de hebefrenia
e, ao contrário da psicose maníaco-depressiva, cujos períodos
terminavam numa volta ao normal – entre parêntesis normal –, essa
outra doença, que tinha um curso progressivo, grave, ele chamou
demência precoce – dementia praecox (LOPES, 2001, p. 28).

A utilização do termo demência precoce por Kraepelin deu-se por observar


que se tratava de um quadro que começava logo no período inicial da vida, levando
geralmente a transtornos psíquicos, considerando como causa fatores internos ao
indivíduo (SILVA, 2006).

É importante destacar que a construção da psicose aconteceu principalmente


entre a psiquiatria e a psicanálise. Contudo, na época de Freud, as doenças mentais
ainda não haviam sido nomeadas como psicoses. O termo existia, mas estava geralmente
presente somente nos tratados da época (LOPES, 2001).

115
DICAS
Para resgatar detalhes da história de constituição da psicose, recomendamos
a leitura do artigo A psiquiatria na época de Freud: evolução do conceito de
psicose em psiquiatria. Trata-se de uma conferência pronunciada por José
Leme Lopes na Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro em 24
de outubro de 1988, com revisão de texto e notas de Paulo Dalgalarrondo.

LOPES, J. L. A psiquiatria na época de Freud: evolução do conceito de psicose em


psiquiatria. Brazilian Journal of Psychiatry, [s. l.], v. 23, n. 1, p. 28-33, 2001.

A seguir, trabalharemos a compreensão diagnóstica, focando nas características


e sintomas da psicose.

3.1 COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA


Os estudos apontam que a esquizofrenia tende a se manifestar na maioria
das vezes entre o final da adolescência e os 30 anos de idade. Quanto a sua etiologia,
ainda não há conhecimento de uma causa específica, sendo considerada multifatorial,
envolvendo tanto questões biológicas como psicológicas, culturais e sociais (CARVALHO;
COSTA; BUCHER-MALUSCHKE, 2007).

No entanto, observa-se que há um destaque para as teorias genéticas a


respeito das suas causas, já que estudos epidemiológicos apontam para o fator
da hereditariedade, pois uma pessoa que possui um parente de primeiro grau com
esquizofrenia apresenta um fator de risco para que também desenvolva o transtorno
(SILVA, 2006).

Há estudos que relacionam a probabilidade de irmãos gêmeos desenvolvê-


lo. Nesses estudos, a taxa para gêmeos idênticos é de 50% contra 12% de gêmeos
dizigóticos. É importante destacar que esses estudos podem ser preditivos para a
contribuição ambiental no desenvolvimento da esquizofrenia, levando em consideração
que teoricamente no caso de gêmeos monozigóticos seria esperado a probabilidade de
100%, considerando o material genético idêntico (SILVA, 2006).

No que diz respeito à sintomatologia da psicose, observamos que ela é dividida


em duas classes: sintomas positivos e sintomas negativos. Os sintomas positivos são os
considerados típicos, como delírios, alucinações, fala e comportamento desorganizados.
Os sintomas negativos envolvem uma redução na disposição do indivíduo, atividade
psicomotora reduzida (COSTA; COSTA, 2017), embotamento afetivo e distanciamento
social. As duas classes de sintomas trazem consequências negativas para a pessoa
psicótica em todas as esferas de sua vida (afetiva, social, familiar e profissional)
(OLIVEIRA; FACINA; SIQUEIRA JÚNIOR, 2012).

116
A respeito dos sintomas de delírio e alucinação, Pulice (2012, p. 154) aponta
que estas:

derivam da luta travada pelo ego para se defender de uma dor


insuportável, e são a mórbida expressão da tentativa desesperada do
ego de se libertar de uma representação inassimilável que, como um
corpo estranho, ameaça sua integridade. Desse modo, o ego expulsa
para fora de sua órbita uma ideia que, pela excessiva carga afetiva
que porta, tornou-se intolerável. O problema é que, fazendo isso,
separa-se também daquele fragmento da realidade externa que foi
suporte dessa imagem psíquica.

DICAS
Acadêmico, achamos importante você se aprofundar nos conceitos de
alucinação e delírio. Para isso, recomendamos que você assista ao vídeo da
psiquiatra Maria Fernanda Caliani, intitulado: Qual a diferença entre alucinação,
ilusão e delírio? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZsF1q8pYsj0.

O diagnóstico da psicose deve ser realizado por um médico psiquiatra e o seu


tratamento demanda de uma rede multiprofissional. Além disso, cabe ressaltar que o
tratamento medicamentoso, nesses casos, torna-se importante para o controle dos
sintomas psicóticos, como alucinações e delírios. Estudos apontam que os sintomas
acontecem pelo excesso ou pela falta de alguns neurotransmissores (MÜLLER-
GRANZOTTO; MÜLLER GRANZOTTO, 2012a).

Os medicamentos neurolépticos dividem-se entre os tradicionais, isto é, os


remédios que são utilizados já há bastante tempo, como a clorpromazina e o haloperidol,
por exemplo, que trazem conforto para o paciente e reduzem as alucinações. No
entanto, foi observado que essas drogas causam bloqueio que não deveria ocorrer de
um neurotransmissor chamado dopamina em localizações do cérebro, tendo como
consequência efeitos colaterais, como tremor, embotamento afeito, aumento dos seios
e lactação (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER GRANZOTTO, 2012a).

A partir disso, foram desenvolvidos novos medicamentos neurolépticos


considerados como atípicos: clozapina, resperidona, olanzapina, queatiapina, ziprazidona.
Estes, por sua vez, possuem um mecanismo de ação mais direcionado, não levando a
efeitos colaterais. Cabe apontar aqui que os estudos ainda não comprovaram a eficácia
dos neurolépticos atípicos em casos severos dos sintomas (MÜLLER-GRANZOTTO;
MÜLLER GRANZOTTO, 2012a).

117
É importante esclarecer, acadêmico, que dependendo da teoria utilizada, a
compreensão diagnóstica da psicose poderá apresentar diferenças. Os estudos a respeito
da psicose iniciaram dentro da abordagem psicanalítica e, portanto, apresentaremos
de forma resumida como essa estrutura (utilizando um termo da própria psicanálise) se
instala, através da teoria de Lacan.

A abordagem Lacaniana parte da existência de significantes, sendo estes uma


mediação necessária para a inclusão do sujeito no mundo simbólico. O que seria essa
inclusão do simbólico? Ela trata da inclusão do sujeito na própria cultura. Esse processo
acontece quando o pai intervém na relação da mãe com a criança (que logo no início da
vida do bebê se constitui em uma relação simbiótica) e a criança percebe que não é o
objeto de desejo da mãe, este sim é o pai, a quem ela se direciona em primeira instância
(RAMIREZ, 2004).

É nesse ponto, quando o pai aparece nessa relação, que reside como a
estrutura psíquica se constituirá: neurótica, psicótica ou perversa. A psicose acontece
quando há a foraclusão do nome do pai. Solal Rabinovich (2001 apud RAMIREZ, 2004,
p. 100) define que:

[...] foracluir consiste em expulsar alguém ou alguma coisa para fora


dos limites de um reino, de um indivíduo, ou de um princípio abstrato,
tal como a vida ou a liberdade; foracluir implica também o lugar,
qualquer que ele seja, do qual se é expulso, seja fechado para todo o
sempre [...] Foracluir consiste, pois, afinal, em expulsar alguém para
fora das leis da linguagem.

Quando o sujeito opera através do mecanismo da foraclusão, o significante do


nome do pai é foracluído, ou seja, ele é expulso, banido, e diante dessa fragilidade não
pode se inscrever no sujeito, não havendo também a entrada deste no mundo simbólico.
Com a sua entrada no mundo do simbólico fracassada, este sujeito estará preso no real,
espaço vazio onde nada pode se inscrever, já que não há significantes que possam ser
significados (RAMIREZ, 2004).

Nas palavras de Ramirez (2004, p. 102), “o sujeito da psicose também está na


linguagem, mas não pode usá-la, como o neurótico, porque falta o vazio lugar ordenador.
Porque o primeiro significante foi abolido todos os outros não representam mais nada”.
Ainda, nas palavras de Müller Granzotto e Müller Granzotto (2012b, p. 96):

O sujeito da estrutura psicótica não “dispõe” de um pai que lhe


assegure o saber sobre a demanda. Ou, então, o psicótico precisa
produzir esse saber por conta. Como a demanda é infinita, ele nunca
alcança esse saber que o defenderia. Por isso, não pode parar, precisa
sempre continuar a produzir, a caminhar em uma errância que não
tem fim – e de forma alguma se confunde com o erro, com a não
correspondência à verdade da lei paterna. Ao contrário, a errância é
o perambular em nome próprio, com seu próprio corpo, na superfície
das coisas tal como elas se manifestam de modo “real”, e não segundo
o valor que possam adquirir aos olhos da lei paterna, o que não faz

118
da errância uma produção exclusivamente motora. Ela também pode
ser intelectual, feito invenção sem mestre, sem verdade a priori, que
se regra na medida em que se faz, qual criatividade sem freios. Por
conseguinte, não podemos confundir a errância intelectual com os
pensamentos desorganizados. Estes são sintomas do surto e não de
uma estrutura psicótica em funcionamento antes do surto.

De acordo com Freud, tanto na neurose (estrutura esperada) quanto na psicose,


acontece uma diminuição do contato com a realidade no processo de construção da
subjetividade. Na neurose, recorre-se à fantasia, na psicose, às alucinações e aos delírios.
Cabe destacar também que a psicose, a partir do olhar da abordagem psicanalítica,
divide-se em paranoia, esquizofrenia, melancolia e hipocondria (BACHA, 2008).

DICAS
Não é escopo deste livro aprofundar os conceitos da psicanálise a respeito
do tema. No entanto, caso desperte o seu interesse, sugerimos que consulte
o Dicionário de Psicanálise para maior compreensão dos conceitos.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Tradução de Vera


Ribeiro e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

No viés psiquiátrico, temos os manuais citados anteriormente (DSM – V e CID


– 10), que apresentam os critérios de avaliação e diagnóstico a serem observados
para a confirmação de um diagnóstico. Sua classificação no DSM – V está descrita
como “transtorno do espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos”,
apontando para cinco características principais e críticas: alucinações, delírios, discurso
desorientado, comportamento desordenado ou catatônico e embotamento afetivo.
Cabe ainda ressaltar que, para o fechamento do diagnóstico, dois destes sintomas
devem estar presentes por 30 dias, e um deles deve ser obrigatoriamente o delírio, a
alucinação ou o discurso desorientado (LIMA; ESPÍNDOLA, 2015).

A análise de estudos neuropsicológicos apontou que antes do surgimento


dos sintomas psicóticos, nos casos de esquizofrenia (quadro mais grave da psicose) é
possível observar alterações nas funções cognitivas, como: memória e aprendizagem
verbal e visual, memória de trabalho, capacidade de atenção e funções sociais (LIMA;
ESPÍNDOLA, 2015).

A compreensão da gestalt-terapia a respeito da psicose se dará de maneira


diferente, já que a própria abordagem compreende a pessoa como um todo integrado
e em relação, que se ajusta criativamente diante do que está sendo solicitado para ela,
no campo em que ela se encontra. Dessa forma, a psicose é compreendida como “de

119
caráter relacional e dinâmico que digam da angústia fundamental humana bem mais
que a mera classificação nosográfica e categorial sintomatológica. Com essa opção,
busca-se resgatar a dimensão natural de qualquer sofrimento humano, inclusive
daqueles tidos como psicóticos” (COSTA; COSTA, 2017, p. 20).

Através de um viés gestáltico, o termo psicose dá lugar para o conceito


de ajustamento do tipo psicótico. Nesse momento, acadêmico, você deve estar se
questionando como seria esta compreensão. Através do entendimento da gestalt-
terapia de que a pessoa está sempre em relação e de que todo ajustamento é em si
criativo, o “tipo psicótico” constitui um ajustamento criativo que está desorganizado,
mas que não se torna um impedimento para que o sujeito encontre um equilíbrio e não
o determina dentro de um diagnóstico por toda a sua vida (COSTA; COSTA, 2017).

DICAS
Recomendamos a leitura do livro Memórias de um doente dos nervos, que
conta o caso de Schreber, em que ele apresenta as suas memórias. Trata-
se de um paciente psicótico.

SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos. Tradução por


Marilene Carone. São Paulo: Todavia, 2021.

3.2 TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA


PSICOSE
Para trabalharmos a respeito das intervenções em quadros psicóticos, é
importante esclarecer que não existem critérios específicos para acompanhar ou mesmo
compreender a evolução da pessoa. Nesses casos, esta compreensão acontece de forma
subjetiva e não linear, ou seja, através de pequenos detalhes, pequenas mudanças que
se repetem e direcionam este sujeito para um viver de forma que proporcione maior
qualidade de vida a ele. É também nesse sentido que serão pensadas as intervenções:
para que o sujeito tenha ou recupere sua qualidade de vida, fortaleça ou restabeleça
suas relações nos campos afetivos, familiares, de amizade e profissionais (CARVALHO;
COSTA; BUCHER-MALUSCHKE, 2007).

A abordagem analítico-comportamental vai intervir com pessoas psicóticas


com o objetivo de alterar algum comportamento, auxiliando na sua reabilitação através
de um planejamento bem elaborado, sem, no entanto, desconsiderar a subjetividade
da pessoa que é atendida, pois cada pessoa é única e seu quadro também apresentará

120
singularidades, não existindo dois planejamentos iguais. Cabe destacar que aqui
também serão utilizadas algumas técnicas comportamentais, como a divisão de um
objetivo em pequenas etapas, pareamento de comportamentos e esquemas de reforço,
o automonitoramento, entre outros (LIMA; ESPÍNDOLA, 2015). A seguir, as nove etapas
de planejamento propostas pelas autoras:

1. Especificação e escolha do comportamento a ser trabalhado; 2.


Identificar e clarificar os objetivos do tratamento; 3. Observar e construir
um padrão de ocorrência do comportamento a ser modificado; 4.
Identificar o que é motivador e reforçador para o paciente; 5. Explicitar
o plano de tratamento de forma que qualquer pessoa da equipe
seja capaz de executá-lo; 6. Observar as evoluções seguindo o que
foi planejado; 7. Fazer avaliações do processo; 8. Modificar o que for
necessário; 9. Pensar e orientar a generalização dos comportamentos
adquiridos para além da reabilitação, planejando sua exequibilidade no
cotidiano do paciente (LIMA; ESPÍNDOLA, 2015, p. 110).

O formato de trabalho apresentado pode ser utilizado por alguns profissionais.


No entanto, o que se observa na prática do acompanhante terapêutico é que elas
partem muito mais de um lugar de acompanhar como “estar com o paciente”. Muitas
vezes, apenas a presença de um AT torna-se terapêutica, à medida que se diferencia
das demais relações que o sujeito possui no seu dia a dia. Ressaltamos mais uma vez a
importância do trabalho em rede do acompanhante terapêutico com outros profissionais,
isso auxiliará na melhor condução das intervenções para a evolução do paciente e no
fortalecimento de vínculos entre a família, o paciente e a equipe interdisciplinar que o
assiste (SANTOS; MOTTA; DUTRA, 2005).

Outro ponto importante refere-se ao local físico para a realização do


acompanhamento terapêutico, pois pessoas diagnosticadas com psicose costumam
de certa forma ser excluídas do convívio social e taxadas de loucas, principalmente
em virtude dos sintomas que apresentam. Esse formato de atendimento é considerado
enquanto uma clínica de rua: o acompanhante vai para a sociedade, para museus,
shoppings e demais espaços que essa pessoa que está sendo acompanhada não
costuma circular, auxiliando na sua reinserção social e no desenvolvimento da
autonomia, buscando encontrar o equilíbrio entre o sujeito e a sociedade (SANTOS;
MOTTA; DUTRA, 2005).

Pulice (2012) apresenta um aspecto importante sobre os passeios realizados


com o acompanhado nos diversos contextos sociais possíveis, ao esclarecer como se
dará a escolha deste espaço para circular: é o paciente quem apontará e escolherá onde
deseja circular. Com isso, envolvemos o paciente na escolha de algo que ele deseja,
implicando-o nesse movimento também, sempre verificando juntamente à equipe
interdisciplinar a viabilidade e a preparação para esse movimento.

O acompanhante terapêutico agirá como um companheiro do paciente nas


mais variadas esferas da sua vida, buscando, nas palavras de Müller-Granzotto e Müller-
Granzotto (2012b, p. 253-254):

121
Levar o sujeito da psicose às reuniões do Conselho Municipal de
Saúde, ao posto de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS),
a uma manifestação contra o aumento das tarifas do transporte
coletivo urbano, a um espetáculo de um artista famoso, a uma
reunião da associação dos usuários do CAPS; levá-lo a uma aula de
dança, passear com ele para ensiná-lo a usar o transporte coletivo,
ajudá-lo em seus estudos de preparação para o vestibular, ou nos
exercícios práticos para conseguir a habilitação como motorista [...].
São atividades de acompanhamento terapêutico, isto é, atividades
compartilhadas que objetivam produzir um efeito no meio social,
no outro social, qual seja tal efeito, o desejo, o desejo por uma nova
configuração, que inclua o sujeito da psicose.

Ressaltamos que a abordagem gestáltica também tem se dedicado à prática do


acompanhamento terapêutico, apresentando intervenções possíveis com pessoas que
possuem um funcionamento do tipo psicótico. É importante destacar que através dessa
abordagem de trabalho o foco não será impedir que o sujeito apresente seu sintoma,
que faz parte da forma como ele funciona, mas sim auxiliar na busca de um ajustamento
que tenha uma maior aceitação social, permitindo assim que ele possa funcionar do
seu modo nos ambientes que participa (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO,
2012a). Com base nisso, as intervenções estarão em busca de:

a) em primeiro lugar, acolher o ajustamento, dado que ele é a


forma possível como o consulente enfrenta as demandas; b) em
segundo lugar, identificar a origem das demandas, pretendendo
proteger o consulente do risco de surto; e c) em terceiro lugar,
habilitar as pessoas que convivem com o consulente a atuar como
se fossem acompanhantes terapêuticos (em defesa da ampliação
do espaço de mobilidade social do sujeito das formações psicóticas
nos diferentes contextos sociais) ou cuidadores (partícipes do
sistema de pensamentos, valores e sentimentos que o sujeito das
formações psicóticas pode compartilhar e aprender nos diferentes
contextos sociais em que é aceito) (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-
GRANZOTTO, 2012a, p. 164-165).

Para finalizar, a atuação do acompanhante terapêutico nos surtos psicóticos


deve auxiliá-lo na busca de um aspecto da sua realidade que proporcione um encontro
com o laço social e com que ele possua identificação. Dessa forma, a ação do AT será
no sentido de fornecer proteção, não apresentando novas demandas (possivelmente o
excesso de demandas é que o levou ao surto). Nesse sentido, ações, como não o olhar
fixamente, não permanecer no seu campo visual podem contribuir, assim como não
dirigir a palavra diretamente a ele, utilizando um personagem com seu nome para se
comunicar. É importante evitar o contato físico com o sujeito em momento de surto
(a menos que este apresente algum risco para a sua vida de alguma forma). Caso
seja seguro e o ambiente permita, deixe que ele caminhe, para que possa encontrar
no contexto ambiental algo que possa auxiliar na sua autorregulação (MÜLLER-
GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012b).

122
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O termo autismo foi utilizado pela primeira vez por Eugen Bleuler em 1911 como uma
característica psicopatológica, principalmente relacionada aos seus estudos sobre
psicose e, em especial, da esquizofrenia.

• Há dois manuais de classificação de doenças que apresentam critérios para o


diagnóstico e são utilizados e reconhecidos mundialmente: o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, atualmente na sua 5ᵃ edição, DSM – V),
da Associação Americana de Psiquiatria, e a Classificação Internacional de Doenças
(CID, atualmente na sua 10ᵃ edição, CID – 10), da Organização Mundial da Saúde.

• O autismo se enquadra no grupo de Transtornos do Espectro Autista (TEA) e se trata de


um transtorno do neurodesenvolvimento, tendo implicações em três esferas da vida:
comunicação, relações interpessoais e comportamento, podendo ainda ser dividido
em três níveis, em que o nível 1 apresenta sintomas leves, com pouca necessidade de
suporte, e o nível 3 sintomas severos, com muita necessidade de suporte.

• Para o tratamento do autismo, utiliza-se principalmente técnicas fundamentadas


em teorias comportamentais, tendo como foco a estimulação precoce. Os principais
métodos de trabalho utilizados com pessoas autistas atualmente são: Análise
Aplicada do Comportamento (ABA); Sistema de Comunicação por Figuras (PECS)
e Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com Distúrbios Correlatos da
Comunicação (TEACCH).

• A sintomatologia da psicose pode ser dividida em duas classes: sintomas positivos e


sintomas negativos. Os sintomas considerados positivos são os típicos, como delírios,
alucinações, fala e comportamento desorganizados. Os sintomas negativos, por
sua vez, envolvem uma redução na disposição do indivíduo, atividade psicomotora
reduzida, embotamento afetivo e distanciamento social.

• O formato de atendimento do AT é considerado enquanto uma clínica de rua: o


acompanhante vai para a sociedade, para museus, shoppings e demais espaços
que essa pessoa que está sendo acompanhada não costuma circular, auxiliando na
sua reinserção social e no desenvolvimento da autonomia, buscando encontrar o
equilíbrio entre o sujeito e a sociedade.

• A atuação do acompanhante terapêutico nos surtos psicóticos deve auxiliá-lo na


busca de um aspecto da sua realidade que proporcione um encontro com o laço
social e com que ele possua identificação. Dessa forma, a ação do AT será no sentido
de fornecer proteção, não apresentando novas demandas (possivelmente o excesso
de demandas é que o levou ao surto).

123
AUTOATIVIDADE
1 Durante o período inicial da história da psiquiatria não havia interesse sobre os
transtornos na infância, estes só eram considerados como foco de estudo da
psiquiatria quando auxiliavam nas questões relacionadas ao adulto. Portanto, as
crianças eram diagnosticadas de acordo com os critérios utilizados para os adultos,
sem considerar as suas especificidades. Sobre os estudos realizados pelos psiquiatras
infantis Hans Asperger (1944) e Leo Kanner (1943), assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Kanner observou que todas as crianças estudadas possuíam somente


comportamentos semelhantes, como a dificuldade de estabelecer relações logo
no início da vida, não interferindo os fatores individuais na vida de cada uma delas.
b) ( ) As pesquisas realizadas por Kanner tiveram como ponto de partida o seu estudo
com duração de cinco anos com 11 crianças que apresentavam comportamentos
regulares para a sua idade.
c) ( ) Os estudos de Asperger foram desenvolvidos com base nos estudos de Kanner
e por isso encontraram sintomas similares. No entanto, para se diferenciar de
Kanner, deu origem a uma nova classificação, denominada Síndrome de Asperger.
d) ( ) A respeito das diferenças nos estudos destes dois psiquiatras, podemos observar
que Asperger acreditava que a síndrome se manifestaria por volta dos quatro ou
cinco anos de idade, contrariando a ideia de Kanner, em que a síndrome estaria
presente nos primeiros três anos de vida. Enquanto Kanner não acreditava na
possibilidade de evolução do quadro, Asperger entendia que poderia ter um
desenvolvimento positivo.

2 As críticas sobre os tratamentos realizados com as pessoas consideradas loucas


resultaram no movimento da reforma psiquiátrica, na criação das comunidades
terapêuticas e em um novo olhar para estas pessoas, sendo muito importante para
como compreendemos e realizamos diagnósticos e tratamentos com as pessoas
psicóticas hoje. Com base na contextualização histórica da psicose, analise as
sentenças a seguir:

I- O termo psicose foi utilizado pela primeira vez por um psicólogo alemão chamado
Feuchtersleben em 1845. No entanto, na França, ele surgiu em 1869, ganhando
maior destaque somente no século XIX em virtude dos trabalhos de Möbius em
1892, que divide a psicose em endógena e exógena.
II- O termo psicose foi importante desde o primeiro momento de sua definição, sendo
apresentado logo na primeira versão do Tratado de Psiquiatria de Kraepelin, onde
ele realiza uma organização sistemática de classificações dos transtornos mentais.
III- A história do acompanhamento terapêutico também possui relação com a loucura e,
portanto, com pacientes psicóticos. O primeiro acompanhamento terapêutico teria
sido realizado com um paciente esquizofrênico acompanhado por uma enfermeira.

124
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 O diagnóstico da psicose deve ser realizado por um médico psiquiatra e o seu


tratamento demanda de uma rede multiprofissional. Além disso, cabe ressaltar que
o tratamento medicamentoso, nesses casos, torna-se importante para o controle
dos sintomas psicóticos, como alucinações e delírios. De acordo com a compreensão
diagnóstica da psicose, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Seus sintomas são divididos em duas classes: sintomas positivos e sintomas


negativos. Os sintomas positivos são os considerados típicos, como delírios,
alucinações, fala e comportamento desorganizados. Os sintomas negativos
envolvem uma redução na disposição do indivíduo, atividade psicomotora reduzida,
embotamento afetivo e distanciamento social.
( ) Os estudos apontam que a esquizofrenia tende a se manifestar na maioria das
vezes no período da infância e sua causa é exclusivamente genética.
( ) Para a gestalt-terapia, a compreensão diagnóstica da psicose dá lugar para o conceito
de ajustamento do tipo psicótico. O “tipo psicótico” constitui um ajustamento
criativo que está desorganizado, mas que não se torna um impedimento para que o
sujeito encontre um equilíbrio e não o determina dentro de um diagnóstico por toda
a sua vida.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 O Transtorno do Espectro Autista acompanhará a pessoa durante todo o percurso


de sua vida, dessa forma, é essencial que seja traçado um tratamento para que os
impactos do transtorno sejam minimizados, ampliando a sua qualidade de vida e
autonomia. Disserte sobre as técnicas de acompanhamento terapêutico que podem
ser utilizadas com pessoas autistas.

5 Para trabalharmos a respeito das intervenções em quadros psicóticos, é importante


esclarecer que não existem critérios específicos para acompanhar ou mesmo
compreender a evolução da pessoa. Nesses casos, esta compreensão acontece
de forma subjetiva e não linear, ou seja, através de pequenos detalhes, pequenas
mudanças que se repetem e direcionam este sujeito para um viver de forma que
proporcione maior qualidade de vida a ele. Disserte sobre como o acompanhante
terapêutico pode intervir nos surtos psicóticos.

125
126
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
TÉCNICAS DE ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO NOS PROCESSOS DE
ADOECIMENTO E COM PESSOAS IDOSAS

1 INTRODUÇÃO
É cada vez maior o número de idosos que precisam ser acompanhados devido
à solidão: por falta da família, falta de vínculo familiar, deficiência, situação econômica
etc. A propósito, a mídia nos oferece notícias devastadoras sobre a morte de pessoas
solitárias. Por esse motivo, o acompanhamento terapêutico auxilia no enfrentamento
da situação de solidão nessas pessoas, principalmente por ser muito importante, por se
tratar de uma faixa etária vulnerável entre 60-90 anos no processo de envelhecimento e
patologias associadas: cardiovascular, reumatologia neurológica, ansiedade, depressão
e sintomas tão característicos como a dor.

Por outro lado, nos hospitais, há idosos internados sem companhia, na maior
parte das horas do dia. Claro que eles têm família, mas devido ao trabalho ou a outras
responsabilidades familiares, não podem acompanhá-los. Esses idosos estão solitários
e tristes, não têm com quem conversar, pedem que sejam trazidos seus pertences ou
fazem outra demanda por necessidade vital.

Por fim, outras pessoas idosas vivem com a família em casa, mas devido às
relações de trabalho, ao cuidado de menores ou outros, não podem acompanhar o seu
familiar mais velho para fazer uma gestão, ir ao cinema, ao teatro, ao médico, ao curso
em uma sala de aula para idosos.

Diante do exposto, é oferecido o acompanhamento terapêutico para idosos. A


deficiência social e afetiva pode desencadear patologias clínicas de caráter importante,
como depressão ou doenças psicossomáticas produzidas pelo mesmo organismo
devido à situação que estão vivenciando. É a partir desse viés que aprofundaremos
nossos conhecimentos neste tópico. Vamos lá?

127
2 O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO
Iniciaremos localizando algumas particularidades que compõem o contexto e
a realidade pela qual passam as pessoas no período vital da velhice, pois acompanhá-
las exige um conhecimento a respeito, sabendo que, por sua vez, este conhecimento se
configura pela própria prática (NERI; FREIRE, 2000):

1- Fatores determinantes no momento da internação: estar sozinho, enfrentar


doenças crônicas ou incapacidade funcional que implique não saber se cuidar, diante
dos quais a família não pode se ater aos cuidados, e depois o lar de idosos aparece
como uma alternativa possível.
2- O que acontece quando ocorre a institucionalização do idoso: em geral, não é
uma decisão pessoal, e mesmo que seja, implica uma mudança mobilizadora. Instala-
se o sentimento de perda, abandono, entre outros. Ao entrar nesse novo ambiente,
depara-se com algo desconhecido, essas instituições apresentam uma organização
diferente da organização familiar, os horários e os espaços são estabelecidos, há
horários fixos para comer, tomar banho, ir dormir e um rearranjo igual para todos
em cada espaço, localização na mesa etc. Um grupo muito grande de pessoas vive
com diferentes histórias de vida, hábitos, problemas e conflitos pessoais. Também
há diversidade em níveis culturais e sociais, e heterogeneidade em termos de
patologias, como depressão severa, tipos de demências orgânico-senis, diferentes
graus de dependência motora etc. Há, portanto, a necessidade de se livrar do que até
então constituía o cenário de cada idoso. Os sentimentos de perda e abandono ficam
perceptíveis, sendo por vezes difíceis de aceitar.
3- Quando dizemos perda, perguntamo-nos o que se perde: perdem-se aspectos
essenciais de todo o sujeito. O poder de decisão, dadas as normas que a instituição
estabelece para poder funcionar e se organizar. Você perde seu próprio espaço e
pertences que não podem ser transferidos em sua totalidade. Vínculos e papéis sociais
são perdidos. Perde-se o sentimento de autoestima e grande parte do potencial para
a capacidade de enfrentar as circunstâncias que o ambiente e o mundo que o rodeia
lhe impõem. Perde-se privacidade e exclusividade. Perde-se a ideia de um projeto
pensado como curto prazo, no sentido de poder realizá-lo no seu tempo. Como
confluência de tudo isso, surge a dessubjetivação do idoso.

O que queremos dizer com isso?

O desejo e o sujeito são elementos indissociáveis, e a falta de desejo aparece


mais no campo do outro que limita a dialética do erotismo (GROISMAN, 1999). Portanto,
o sujeito é um sujeito desejante e esta é uma parte essencial de sua existência. Vemos
nos idosos que diante de tantas perdas e condições que enfrentam, as possibilidades
de circulação dos aspectos desejantes se reduzem significativamente. Os aspectos que
compõem sua essência são inibidos, como fazer livremente, decidir etc.

128
FIGURA 3 – PROCESSO DE ENVELHECIMENTO

FONTE: <https://www.dw.com/pt-br/envelhecer-não-é-mais-destino-é-um-processo-
configurável/a-18994324>. Acesso em: 28 set. 2021.

Para o idoso que deseja um espaço, é importante ser visto como “aquele idoso”
e não como “o idoso” em geral. Aqui o acompanhante terapêutico vem ocupar um lugar.
Acompanhar, em qualquer dicionário, significa estar ou ir na companhia de outro ou de
outros, existir uma coisa junto a outra ou simultaneamente com ela (MARTINS, 2017).
Portanto, e tomando essas definições, o lugar do acompanhante pode ser pensado
como aquele que o acompanha no reencontro e veículo dos aspectos desejantes. Um
esforço para que algo do seu desejo possa reexistir. Desejos perdidos, esquecidos, que
outrora existiram, assim como o aparecimento de novos desejos.

É importante na temática da velhice trabalhar aquele motor que o desejo


produz e que na institucionalização parece estar diluído diante das características
mencionadas. É importante, durante os processos de acompanhamento, que quem
acompanha ocupe um espaço, o de outro que o escuta e olha aquele idoso na sua
singularidade, o que faz a diferença (MARTINS, 2017). Esse espaço é de quem escuta
aquela outra parte fundamental de cada ser ligada a quem foi, quem é, o que sente, o
que pensa, o que se passa com o seu desejo de fazer ou não fazer, o que poderia ser
feito etc. O acompanhante liga-se à situação e está aberto ao que ali se apresenta, à
singularidade de cada um deles.

Por exemplo, um paciente diz no primeiro encontro com o acompanhante que


estava cansado, chateado porque estava dormindo e foram incomodá-lo quando ele
chegou. Ele não quer falar e esclarece ao acompanhante que não volte porque não vai
ajudá-lo, repetindo várias vezes. Ele é um paciente esquizofrênico de 65 anos com longa
permanência na instituição. Sua interação com outros pacientes e com o contexto é
escassa, sem nenhuma participação nas atividades. A permanência do acompanhante
semana após semana abriu um novo espaço que gerou outro tipo de vínculo, primeiro
com o acompanhante e depois com o ambiente.

129
Ele começa a falar e contar sobre sua família, empregos, preferências. A vontade
de se expressar começa a ser ouvida, ele tenta continuar com a conversa quando a
reunião do dia termina. Ele quer continuar a ser ouvido. Posteriormente, surge um contato
corporal, levando o acompanhante pela mão, percebendo outra qualidade de abordagem,
mais comprometida e íntima. Lá ele expressa que o espera na próxima semana. Antes
de entrar na instituição, o paciente cantava em um coral da Igreja Evangélica e isso era
trabalhado com o acompanhante. Aos poucos, passou a participar de uma atividade
especial que consistia em cantar, integrando-se ao coral que alguns pacientes formavam
para um evento especial. Atualmente, requer incentivo e ajuda dos profissionais para
subsidiar sua frequência em outras oficinas, como ginástica e artesanato.

Houve uma mudança de postura, houve um lugar para as palavras e o dizer,


como um lugar do desejo, para ter uma acomodação sendo o motor do seu posterior
fazer. A possibilidade de transmissão possibilitou ao paciente uma diferenciação, pois
seu discurso pleno de sentido é recebido por um interlocutor disposto e aberto para
ajudá-lo. Sua voz podia emergir do canto, quando sua fala era ouvida por outro, seu
acompanhante, a princípio, e depois podia ser ouvida na instituição por meio das
melodias da canção.

É possível observar por meio dessa e de outras experiências uma mudança


na postura dos pacientes e isso nos leva a pensar em uma mudança no lugar onde
em geral o idoso está localizado: lugar de organicidade e objetivação. Esse modo de
sujeito que a patologia introduz, permanece negligenciado em sua particularidade,
confiando nele em asilos onde práticas inusitadas são geralmente conferidas a outros
grupos sociais. A patologia produz o surgimento de diferentes subjetividades anteriores
à deterioração (contenção mecânica, alimentação na boca, pedido para sentar-se para
sua segurança etc.). Consideramos que há uma singularidade no sujeito demente, já
percebida pela psiquiatria, que se mantém sempre, e é assim que deve começar nossa
tarefa de singularização um a um, resgatando uma ética do particular (VERAS, 1995).

É então sobre a ética do particular que nos leva ao princípio da identidade, em


que este “eu sou” marca uma distinção entre mim e os outros. Ao longo do processo de
acompanhamento, esse “eu sou” é reafirmado novamente nessa transmissão. Assim,
o acompanhamento aparece ligado justamente ao fato de que algo do sujeito começa
a emergir, de que algumas das condições necessárias, logicamente anteriores, para a
construção de um dispositivo terapêutico podem ser efetivadas.

Mais um exemplo que podemos refletir aqui é o de Estela. Estela não é apenas
mais uma idosa, mas sim uma idosa que tem um nome, sobrenome e uma história de
vida passada, presente e futura. Essa paciente iniciou o ano com o acompanhamento
terapêutico. Em outra ocasião, ela havia recusado este serviço. Dessa vez, no início,
não foi um retumbante sim. Foi uma espécie de teste, um teste que se transformou em
“vamos continuar nos vendo mais tarde?”. Ela foi considerada para acompanhamento
terapêutico devido às dificuldades em aceitar morar na instituição. Ela expressou não

130
se sentir bem com isso e demonstrou uma atitude de reclamação permanente. Sempre
pensa que em algum momento vai voltar para casa, situação que é muito difícil de se
tornar realidade, dadas as limitações que sua saúde lhe traz. Existe uma negação e um
componente depressivo.

Dadas as características, o acompanhamento terapêutico era realizado duas


vezes por semana. Estela começou a acolher com grande prazer a visita do seu
acompanhante e hoje exprime a sua gratidão. Devido a sua osteoartrite, Parkinson e
estado depressivo, a paciente parou de andar. Durante o acompanhamento, sua vontade
de voltar a andar aparece com insistência, ela expressa que não gosta de depender
de ninguém para fazer as coisas. Ela quer um andador. Foi considerado importante
obtê-lo, pois se apresenta como uma solicitação carregada de sentido. Ela quer ali se
redescobrir, seu andador implica a possibilidade de apropriação, em se apropriar de seu
próprio andar. Parte do acompanhamento girou em torno desse aspecto. O andador foi
obtido, estimulando-a na prática em conseguir uma certa independência e bem-estar.
Com certeza, Estela continua a reclamar e a se sentir insatisfeita com algumas coisas
que ela quer, o que é totalmente natural, mas ela recuperou o contato com um desejo,
de voltar a andar, com limitações, com apoio, mas em contato com seu desejo e sua
possibilidade de processamento.

O idoso encontra no acompanhante um importante receptor e interlocutor,


tecendo ali uma nova trama resultante de seus dizeres e da reorganização que cobram
para que novos significados no aqui e agora encontrem lugar e atuem. Ali se constrói um
vínculo por vir, dado pela singularidade da situação e da prática em jogo. Assim, é gerado
um espaço para o seu dizer, resgatando essas palavras para a sua transformação em
algo enriquecedor e produtivo para ele (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).

Nossa tarefa como acompanhante terapêutico exige que repensemos
nossas práticas o tempo todo. A inclusão do acompanhamento terapêutico gera um
enriquecimento na esfera institucional e pessoal. O papel do acompanhante terapêutico
consiste não apenas em avaliar quais pacientes acompanhar. É, por sua vez, poder
resgatar e reintroduzir essa voz silenciada na instituição. É poder intervir aí, com base
nas informações que o processo de acompanhamento apresenta para que essa outra
voz não se dilua entre tantas outras que aí habitam. É o restabelecimento de uma voz
que a instituição desconsidera. Pensar em recursos, ferramentas e possibilidades de
processamento para que aquela voz encontre eco e nos recoloque nesta importante
premissa: “a ética do singular”, escuta que nunca devemos perder quando trabalhamos
nessas instituições.

131
3 O TRABALHO DO AT NA ATENÇÃO À PESSOA IDOSA
A entrada na terceira idade pode ser para muitos um momento de muita
preocupação, atenção e medo. Ao se perceberem necessitando de cuidados que antes
eram feitos por eles aos seus filhos e netos, cria-se uma resistência e um sofrimento
psíquico muitas vezes intenso e difícil de ser manejado pelos familiares. É nesse momento
que o AT entra para poder proporcionar esse cuidado, atenção e ajudá-lo a entender que
esse sujeito ainda possui condições e pode exercer muitas coisas, diferente do que ele
fielmente acredita (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).

A escuta clínica sempre estará presente no trabalho realizado pelo AT e estará
direcionada principalmente para questões em que surgirem fragilidades do corpo, falta
de mobilidade, isolamento social e solidão, mudanças de papéis sociais, problemas
familiares, demências, adoecimentos, desenvolvimento de fobias, limitações físicas,
lutos e perdas, pois tudo isso pode começar a ser frequente em uma pessoa idosa e ela
precisa saber que existe uma equipe multidisciplinar a sua disposição para auxiliá-la
(BARBIERI; BAPTISTA, 2013). O diferencial do trabalho do AT é que é ele quem vai até o
sujeito, o que se diferencia de um setting terapêutico tradicional, proporcionando uma
atenção que vai de acordo com o estilo de vida e cotidiano do idoso, gerando um maior
conforto e confiança.

O AT vai se dedicar em constituir ou resgatar esse laço social com planos
terapêuticos desenvolvidos a partir da elaboração de projetos de vida em diferentes
contextos da vida deste sujeito: comunidade, família, trabalho, viagens, atividades
culturais, desenvolvimento de novas tarefas e atividades, possibilitando que ele crie um
vínculo dentro do próprio cotidiano do idoso, por meio de saídas a espaços públicos ou
em seu domicílio (MARTINS, 2017).

FIGURA 4 – O CUIDADO DO AT À PESSOA IDOSA

FONTE: <https://blog.dilaoliveira.com.br/quais-os-cuidados-basicos-e-preciso-ter-com-a-saude-
do-idoso-descubra/>. Acesso em: 28 set. 2021.

132
Além de todo suporte no cuidado a doenças, dificuldade de socialização, entre
outras complicações, o AT pode também atuar em atividades, como fazer compras,
ajudá-lo num passeio em um parque, encontrar amigos, assistir a uma peça de teatro,
visitar museus, para garantir o bem-estar do idoso (OLSSON, 2013).

As intervenções do dispositivo de acompanhamento terapêutico em clínica


de idosos caracterizam-se, fundamentalmente, por operar em três momentos
fundamentais.

O primeiro pode estar relacionado ao momento de admissão do sujeito em uma


instituição geriátrica (SALVAREZZA, 2002). O lar de idosos surge como uma alternativa
possível quando a família do paciente não consegue responder a determinados
problemas, como doenças orgânicas incapacitantes graves ou o fato de a pessoa ficar
sozinha por boa parte da vida e a dificuldade de poder realizar no seu cotidiano as
tarefas que aparecem de forma autônoma. Para isso, a intervenção do Acompanhante
Terapêutico corresponde ao acompanhamento do sujeito na adaptação à instituição e
na socialização com aqueles que com ele irá compartilhar seu cotidiano.

Por sua vez, nos casos em que a família do paciente deseja evitar a
hospitalização, pode ser necessária a inclusão do dispositivo no tratamento do paciente,
sua intervenção implicando cuidados domiciliares e acompanhamento do sujeito para
recuperar sua autonomia e independência (BARBIERI; BAPTISTA, 2013). Por outro lado,
muitas vezes a perda de um ente querido pode levar à depressão severa nos idosos,
que veem a própria morte como um evento iminente, causando um esmagamento do
desejo de viver e de manter o vínculo com seus amados. Nesses casos, a intervenção do
Acompanhante Terapêutico pode facilitar o resgate de vínculos rompidos por meio do
estabelecimento de vínculo com o paciente e, por outro lado, favorecer a realização de
tarefas e atividades que permitam ao sujeito ficar visível e que pode ainda executar. O
acompanhante terapêutico, nesse tipo de caso, terá como ponto de partida a palavra e
a importância do acompanhamento do sujeito para a formação de novas redes de apoio.

O dispositivo de acompanhamento terapêutico é de extrema importância no


tratamento daquelas pessoas que sofrem de demências, intervindo diretamente no
cotidiano do sujeito, reforçando a autonomia, contando com a estimulação cognitiva
como ponto fundamental no tratamento das demências (Alzheimer, demência senil,
entre outros tipos).

133
3.1 QUEM SÃO OS DESTINATÁRIOS DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO PARA IDOSOS?
Na nossa sociedade atual, mesmo com a ampliação de cuidados, melhor garantia
de qualidade de vida e toda assistência que a rede já fornece para o idoso, ainda existem
algumas situações em que se faz necessário o acompanhamento terapêutico. Ele
pode ser contratado por várias razões, o AT não se resume ao sujeito sofrer de alguma
patologia, então, para melhor compreensão, veja a seguir os principais destinatários
para um acompanhamento terapêutico (BARBIERI; BAPTISTA, 2013):

1. Idosos em situação de solidão em residências.


2. Idosos ou deficientes sem família em casa.
3. Idosos que vivem com a família, mas devido à atividade profissional ou às
responsabilidades familiares que têm, não podem com eles passear, ir ao teatro
ou ajudá-los nas atividades de lazer em geral, ou falta acompanhante para realizar
procedimentos burocráticos ou ajudá-los a ir ao médico.
4. Idosos hospitalizados com familiares, mas devido a sua atividade profissional, os
familiares não podem dedicar-se a ajudá-los durante a internação: conversando,
lendo uma revista, ouvindo-os, levando-os para passear, ajudando a interagir com
outros pacientes.

3.2 QUAL O PERFIL DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO


PARA IDOSOS?
Podemos aqui elencar algumas características que compõem o perfil do
acompanhante terapêutico que se dedica ao AT para idosos (BARBIERI; BAPTISTA,
2013). Vejamos a seguir:

1. Formação e conhecimento técnico de acompanhamento terapêutico.


2. Vocação e dedicação para contribuir com o bem-estar de nossos idosos.
3. Analisar e resolver problemas cotidianos muito simples.
4. Iniciativa e autonomia para orientar o plano de acompanhamento diário.
5. Capacidade de aprendizagem do idoso.
6. Capacidade de liderar iniciativas que inovem no dia a dia dos idosos.
7. Organização e planejamento da visita diária.
8. Habilidades sociais: saber ouvir, empatia e relacionamento útil.
9. Comunicação interpessoal entre voluntário e usuário.
10. Diplomacia e saber ser.
11. Sociabilidade.
12. Capacidade de integração social do idoso ao meio ambiente.

Para a realização do acompanhamento, é imprescindível realizar formação


básica em “acompanhamento terapêutico” que foque na população em questão,
pessoas idosas, e receber orientações para a satisfação das necessidades sociais e
emocionais dessas pessoas, propostas pela equipe responsável pelo cuidado.
134
A formação humana inclui as seguintes características do AT: humanidade,
solidariedade, relação de ajuda e compreensão. A formação em “acompanhamento
terapêutico” de idosos é uma ferramenta prática de formação social para prevenir e
aliviar a solidão em idosos portadores de patologias crônicas, situação econômico-
social, deficiência, barreiras arquitetônicas, ausência de relações familiares etc.

3.3 TIPOS DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


PARA IDOSOS
Caro acadêmico, veremos agora uma sumarização dos tipos de acompanhamento
terapêutico para idosos (MARTINS, 2017):

1. Social: acompanha idosos que moram em residências e lares um ou dois dias por
semana, com o objetivo de acompanhar e dar suporte àquelas pessoas que ninguém
visita ou que moram sozinhas. No entanto, as visitas domiciliares são momentos de
encontro entre o idoso e o acompanhante, e dependendo de cada idoso, tornam-
se momentos de bate-papo, troca de experiências/anedotas ou simplesmente estar
juntos. Desempenhar funções de apoio social: relacionamento de escuta ou ajuda.
Favorece também a integração social nas pessoas que se encontram em isolamento
social por motivo de deficiência ou precárias condições de habitação, ou que não
têm vínculo familiar. Por outro lado, aqui se dá a animação e a inserção da pessoa
nas atividades de lazer: ir ao teatro, ao cinema, ao mercado. Acima de tudo, o mais
importante é ensiná-los a manejar uma série de recursos para aliviar a solidão: ouvir
rádio, ler revista, fazer tarefas criativas: ponto cruz, artesanato etc.
2. Procedimentos médicos: é um serviço por meio do qual o voluntário acompanha e
auxilia o idoso em seus procedimentos administrativos e de saúde. Esse tipo é menos
social e mais pontual, ocorre em casa ou também, mais isoladamente, pode ocorrer
na residência. Trata-se mais de apoiar o idoso na realização de procedimentos: ida
à prefeitura ou outro órgão público para solicitar documento, assistência social etc.
Acompanhar o médico é outra função nesta seção, por parte do acompanhante
requer paciência e adaptação ao nível de mobilidade que o idoso possui: mobilidade
reduzida, cadeira de rodas, segurar o acompanhante. Outras subfunções, tais como:
relembrar sua situação de saúde, coletar documentos de prontuários, ajudá-los a
classificar os documentos clínicos que possuem por ordem de datas.
3. Hospital: realiza-se em centro hospitalar quando o idoso está hospitalizado e não tem
família ou raramente a família o visita. As funções aqui são propriamente acompanhar
o paciente, devido a sua situação de convalescença, também: oferecer-lhe na sua
situação, um bem-estar no hospital, acompanhá-lo na caminhada, trazer seus
utensílios, monitorar os soros e avisar o pessoal de saúde, limpar num determinado
momento, arrumar o armário, conversar, ouvir atentamente.
4. Terapêutica: idosos que moram sozinhos ou não têm relações familiares fluidas;

135
sentir-se acompanhados por um acompanhante por meio de “um programa de
acompanhamento” influencia positivamente a saúde física e mental. Em outras
palavras, é uma terapia social para que seu corpo não adoeça socialmente e não
sofra problemas de saúde física ou mental. Esse tipo de acompanhamento é feito em
casa, residência e hospital.
5. Lazer e atividades terapêuticas: se o idoso quiser fazer coisas, daremos a ele a
oportunidade, encorajando-o, aconselhando-o de forma simples. Claro, o que ele gosta
de fazer ou o que costumava fazer, como: ler, ouvir música, jogar cartas, fazer trabalhos
criativos individualmente em casa, como meta para passar o tempo e se sentir útil.
Tudo isso é importante para a sua qualidade de vida. Enquanto as pessoas podem, é
bom que continuem a praticar seus hobbies.

O objetivo do lazer terapêutico é: melhorar a qualidade de vida por meio do uso do


tempo livre (BARBIERI; BAPTISTA, 2013). Isso é dividido em quatro áreas:

1. Físico: mantém sua capacidade físico-funcional, “pessoa ativa”.


2. Mental: promove a sua manutenção cognitiva e atrasa a deterioração, através do
diálogo verbal, leitura, socialização etc.
3. Emocional/afetivo: facilita a expressão de sentimentos e emoções por meio de
atividades lúdicas.
4. Social: favorece sua integração no ambiente mais imediato.

Seus benefícios são múltiplos. Desde a reabilitação, no caso de pacientes


crônicos, até o apoio a pessoas idosas com baixa autoestima que acreditam que sua vida
está acabando. Esse aspecto supõe uma prevenção que pode levar nossos idosos a um
estado depressivo, podendo necessitar de medicamentos. Por fim, é recomendado para
muitas pessoas que se sentem solitárias, excluídas, incapazes de realizar as atividades
que realizaram durante toda a vida.

A diferença entre lazer e atividade terapêutica é prevenir um estado


depressivo crônico irreversível em pessoas idosas que vivenciam solidão. Exemplos de
atividades de lazer são: ida ao teatro, ao cinema, passeios de associações, refeições
de confrarias, participação em festas realizadas na cidade pela Câmara Municipal ou
outras entidades, exposições. Exemplos de atividades terapêuticas são: ponto cruz,
confecção de lenços, costura, desenho básico ou artístico, conforme o saber, caudas,
bricolagem, miçangas (confecção de colares). Por outro lado, ouvir o rádio, ler o jornal
e até recomendar que adotem um animal de estimação é muito benéfico. Incentivar
atividades intelectuais, como ler, fazer palavras cruzadas e colaborar em atividades de
voluntariado são também bem-vindas.

136
3.4 MOBILIDADE EM IDOSOS
Podemos atender idosos saudáveis, que não precisam de nenhum suporte
técnico, porém costumamos nos encontrar com mais frequência com pessoas mais
velhas que precisam de: uma bengala ou muletas, devido a problemas ósseos, como:
osteoartrose, osteoporose, fraturas ósseas, recuperação de operações, lumbago,
coluna, doenças cardiovasculares e vasculares (SALVAREZZA, 2002). Outros requerem
caminhadas com menos frequência devido a múltiplas patologias que estão associadas:
osteoartrite, reumatismo, cardiovascular, entre as mais importantes. Finalmente, doenças
incapacitantes bilaterais que requerem cadeira de rodas, como ACVS e AVC bilateral.

As consequências da imobilidade são: perda de função, força e massa muscular


que influenciam na capacidade funcional do idoso e estão diretamente relacionadas
à capacidade de se manter independente. Quando uma pessoa idosa fica doente e
passa muito tempo na cama, a atividade funcional é gravemente prejudicada. Depois
de recuperado, você pode recuperar gradualmente sua funcionalidade. No entanto, as
consequências da fragilidade deixada pelo processo de adoecimento podem afetar
o retorno às atividades da vida diária (AVD). Por esse motivo, é recomendado ao
acompanhante e à família que essa perda de funcionalidade não ocorra e que os idosos
sejam motivados a realizar exercícios regulares (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).

Para todos os idosos e devido ao desgaste da idade, a mobilidade é de vital


importância, “caminhando meia hora por dia” pelo menos. Em outros casos, recomenda-
se caminhar com pausas e andar de acordo com a sua capacidade. Além disso, devemos
ter em mente que quando vamos dar um passeio com os mais velhos, sempre o fazemos
na horizontal, se possível, evitar morros e elevações (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).

Recomenda-se que no seu tempo de acompanhamento dedique algum dia a


fazer uma atividade física simples (MARTINS, 2017): vá a um parque e faça atividade
física em áreas habilitadas.

Com o exercício físico, é possível:

1. Atrasar ou melhorar a perda de massa muscular.


2. Prevenir quedas e fraturas perigosas nessas idades.
3. Contribuir para a melhoria da saúde e da qualidade de vida, principalmente das
pessoas com mobilidade reduzida.

137
FIGURA 5 – EXERCÍCIOS FÍSICOS PARA IDOSOS

FONTE: <https://acvida.com.br/familias/atividades-fisicas-para-o-idoso/>. Acesso em: 28 set. 2021.

3.5 AUTOESTIMA EM IDOSOS


A terceira idade é uma etapa muito difícil para a autoestima dos mais velhos,
que estão vendo como suas capacidades físicas e mentais estão diminuindo. Ao mesmo
tempo, observam como seus contatos sociais estão desaparecendo, seja pela morte de
algum de seus entes queridos e/ou conhecidos, também pela incapacidade de manter
o ritmo de vida anterior ou porque algum de seus parentes os tenha colocado de lado
(HORNSTEIN, 2011). Nesse caso, alguns deles são encaminhados para residências,
encontrando-se em um novo ambiente que os assusta e no qual recebem poucas
visitas de seus familiares.

Nesse contexto, não é de se estranhar que sua autoestima sofra sérios danos e
que muitos deles sofram de depressão severa. Para melhorar a autoestima e a qualidade
de vida desses idosos, devem ser considerados os seguintes pontos (HORNSTEIN, 2011):

• Aumentar as suas capacidades e autonomia: muitas pessoas tratam os seus


familiares idosos como se fossem inválidos, não lhes permitem fazer nada, dão-lhes
tudo o que é feito. Isso impede-os de permanecerem autônomos e acelera a sua
degeneração. É conveniente que continuem a ter responsabilidades que estão ao seu
alcance. Isso os manterá se sentindo úteis e melhorará sua autoestima.
• Respeitar suas opiniões: acima de tudo, nos assuntos que lhes dizem respeito
diretamente. Só porque a pessoa é idosa, não significa que ela não possa dizer o que
quer fazer da vida.
• Ajudar a se manter ativo, tanto física quanto mentalmente: atividades simples,
como dar um passeio, conversar ou praticar hobbies que podem prevenir a degeneração.

138
• Promover seus relacionamentos: ajude-os a não se isolar. Os idosos costumam
ter sentimentos negativos: inutilidade ao se verem dependentes, falta de energia,
isolamento, diminuição das atividades e relacionamentos, ou mesmo ansiedade e
depressão. É importante cuidar do aspecto psicológico. Você tem que reservar um
tempo para conversar com ele e ajudá-lo a melhorar e recuperar sua autoestima.

Aqui estão algumas dicas que o ajudarão a melhorar a autoestima de uma


pessoa com baixa autoestima (HORNSTEIN, 2011):

1. Permita que a pessoa tome decisões sobre coisas que a afetam.


2. Verifique suas preferências nos tópicos que você discute.
3. Faça com que se sintam úteis, incentivando sua participação nas conversas.
4. Incentive a pessoa dependente a interagir com outras pessoas (vizinhos, parentes de
diferentes idades etc.).
5. Saia com ele/ela para que possa ter contato com o exterior.

A perda da autoestima é uma circunstância que ocorre com frequência em


idosos. Eles não têm mais as mesmas capacidades físicas e mentais, pois têm grandes
limitações para realizar tarefas simples do dia a dia.

Os motivos que deterioram a autoestima de alguns idosos podem ser diversos:


ausência de relações familiares, motivos econômicos etc., que aos poucos podem levá-
los a um processo de isolamento e depressão.

É importante que os acompanhantes que realizam o acompanhamento


mantenham uma atitude e um comportamento que facilitem a valorização e a
manutenção da sua autoestima. Por outro lado, saber comunicar e ouvir: como e quando
enfrentar e colocar-se no lugar do idoso. Acima de tudo, concentre sua atenção em seu
idoso e envolva-se quando estiver com ele e não preste atenção ao que está ao seu
redor. Por outro lado, nos idosos que moram sozinhos em casa, encontramos solidão. É
uma fase da vida em que surgem perdas que facilitam o aparecimento de sentimentos
de solidão.

Uma das características mais importantes nas pessoas que sofrem com isso
é a triste convicção de se sentirem excluídas, de não terem acesso a esse mundo de
interações, de estarem condicionadas a um desconforto emocional que surge quando
a pessoa se sente incompreendida, rejeitada pelos outros ou não terem companhia
para as atividades desejadas (ir ao cinema, fazer compras etc.). Nem sempre é um
sentimento negativo, há pessoas que gostam de morar sozinhas por um tempo ou
permanentemente, sendo esta última uma porcentagem muito pequena.

139
4 O CUIDADO JUNTO A IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS
Com o passar dos anos e os avanços na garantia de direitos e cuidados à pessoa
idosa, muito se tem feito para garantir a qualidade de vida digna deste público. Em
decorrência do abandono dos familiares e o sofrimento físico e psíquico que o idoso
passa a sentir, muitos acabam sendo deixados em casas geriátricas (VERAS, 1995).

O atendimento do AT se dá nas casas, nas ruas e se faz presente nos lares


geriátricos, conhecidos popularmente como asilos. O abandono da família, doenças,
entre outras complicações que acometem a terceira idade, os obrigam muitas
vezes a se retirarem de suas próprias casas e passarem a viver nessas instituições.
O trabalho do AT será o de proporcionar uma intervenção tanto dentro quanto fora
desta instituição, visando sempre ajudá-los novamente a ir para fora, de encontro à
sociedade (MARTINS, 2013).

Para acompanhar os idosos, é importante pensar primeiro em algumas questões


fundamentais, como o significado da velhice, a passagem do tempo, a doença, a
deterioração física e mental, a solidão, o isolamento e a espera do inevitável: a morte.

O fenômeno do envelhecimento populacional é produzido pelo efeito combinado


do aumento da expectativa de vida e da redução da natalidade. A primeira razão explica-
se pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, em especial das ciências da saúde,
isso permitiu uma redução significativa na mortalidade. Na verdade, o progresso da
medicina preventiva, a diminuição da morbimortalidade por doenças infecciosas,
melhores condições de higiene e saneamento e a eficiência das ferramentas de
diagnóstico e tratamentos curativos levaram ao aumento da expectativa de vida. Esse
fenômeno é definido como a transição epidemiológica, ou seja, o declínio das doenças
agudas e o aumento das doenças crônicas.

O segundo motivo – a redução da taxa de natalidade – não pode ser explicado


com eficácia, entretanto, podemos apontar os fenômenos ligados ao seu surgimento.
Embora a redução da mortalidade possa ser rastreada na história e na evolução da ciência
e seu efeito sobre as doenças populacionais e mudanças de atitude e comportamentais
que isso gerou, a redução da natalidade tem sua origem em pautas culturais.

O acompanhante terapêutico de idosos, muitas vezes, ocupa um lugar diferente


do de facilitador da cura. Ajuda na aceitação da passagem do tempo, da doença, das
limitações, constituindo um verdadeiro “caminhar junto” com o paciente. Poderia ser
incluído como uma “ferramenta” que favorece a saída do isolamento a que a velhice está
muitas vezes condenada. Da mesma forma, o profissional deve lutar contra preconceitos
históricos a sua formação, como (BARBIERI; BAPTISTA, 2013):

140
• Os idosos não são capazes de aprender.
• Os idosos não se adaptam à mudança.
• Sexualidade é coisa para jovens.
• Pessoas velhas são temperamentais.
• A velhice é sinônimo de sabedoria.
• A velhice é sinônimo de doença.
• O idoso não tem futuro; entre outros.

O acompanhante colabora na contenção cotidiana, na reintegração social do


idoso, às vezes em um novo ambiente para o paciente, como uma casa de repouso, e na
exploração e reparação de um eu empobrecido e rígido. Atuando como uma “dobradiça”
entre o mundo exterior e o mundo interior sofredor, inundado com a morte de parentes
e entes queridos, ou dando um novo sentido a sua realidade.

Os cuidados que os idosos demandam não se limitam aos cuidados com sua
saúde física, muitas vezes os colapsos psíquicos nos idosos se devem ao fato de serem
objetos de cuidado, mas não são tratados como sujeitos.

O paciente deve se sentir cuidado, protegido e amparado por seu acompanhante


terapêutico e a partir dessa vinculação do AT ele vai trabalhar com a sua autoestima,
promovendo uma velhice saudável e ativa, sem preconceitos e com qualidade de vida.

O acompanhamento terapêutico constitui um papel multifuncional: compartilhar,


ouvir, observar, ajudar a fazer, coibir impulsos, conter, estimular etc. Acompanhe o caso
a seguir que exemplificará isso:

Ficha técnica
Paciente: B
Idade: 82 anos

A paciente mora sozinha em um pequeno apartamento próprio, afirma ser


professora, esclarece “há muito tempo”. Ela vem até o programa de acompanhamento
terapêutico por indicação de seu neurologista, que a aconselha a usar um acompanhante
terapêutico para amenizar sua solidão e que ele a ajude a sair do seu cotidiano, que
consiste em se dedicar exclusivamente a sua saúde e aos procedimentos de trabalhos
requeridos pelos serviços sociais.

Ao comunicar-se com o programa de acompanhamento terapêutico, pede


exclusivamente que a pessoa que lhe for enviada seja uma pessoa com mais de
50 anos de idade para que o “abismo de gerações” não seja muito grande e assim
“possamos falar das mesmas coisas”. Após várias tentativas de enviar-lhe profissionais
que se enquadrassem nas suas necessidades, e de não ter nenhum retorno de seu
agrado, o programa decidiu mudar absolutamente o rumo da demanda, enviando duas
acompanhantes terapêuticas menores de 30 anos de idade. A resposta foi imediata
após ajudá-la em sua casa. A paciente B ligou para dizer que as “meninas” estavam
amando, mas não era o que ela havia pedido.

141
O programa explicou o novo plano de trabalho, indicando que estavam
apostando na nova incorporação como motivadora de conversas, trocas geracionais,
pois tinham percebido que alguns temas, com os outros profissionais, esgotavam-se
rapidamente, pois as experiências eram próximas e as davam como conhecidas, então
essa distância geracional implicaria inevitavelmente alguns questionamentos e assim
a motivaria a exercitar sua memória de longo prazo. Com essa simples premissa, não
totalmente explícita no comentário sobre a descrição do plano de trabalho, iniciou-se
o acompanhamento. Para além das sucessivas visitas à equipe médica que tratava
B, este caso exigiu a supervisão da equipe quanto ao papel que os acompanhantes
terapêuticos desempenhavam com B, foi assim que nas sucessivas supervisões,
descobriu-se que a B era totalmente diferente da imagem que tinha sido feita em
primeira instância, descobriu-se que ela era uma grande tagarela e foi assim que as
acompanhantes terapêuticas conseguiram fazer com que B as esperasse com histórias
e fotos e a vontade de ir visitar lugares que ela visitava quando jovem.

As fiscalizações continuaram e as surpresas não pararam. A tal ponto que em


uma delas, as acompanhantes terapêuticas nos contaram que o filho e a nora de B
foram detidos e desapareceram na ditadura militar, e isso não é tudo, contaram também
que B queria começar a escrever um livro contando sua história. Percebendo o interesse
das jovens acompanhantes terapêuticas, a paciente B passou a buscar informações
sobre seu filho nas organizações de direitos humanos, lugar que sempre quis ir, mas
não encontrava ânimo. Não é garantido que o livro de B um dia estará pronto para ser
publicado, embora ela esteja dedicada a isto, mas pode-se dizer que foi o “abismo de
gerações”, que ela tanto evitou, que deu a B um novo significado a sua realidade.

Percebe a importância de ter um olhar individualizado e considerar todo o


aspecto social do sujeito? Se a equipe fosse seguir o “normal” e mais padronizado
tratamento, certamente não teria colhido tantos resultados e buscado reconfigurar
o acompanhamento.

DICAS
Para melhor compreensão do assunto, sugerimos a leitura do artigo
O acompanhamento terapêutico no envelhecimento – interfaces entre
Psicogerontologia e a clínica do AT, de Isadora Di Natale Nobre e Ruth Gelehrter
da Costa Lopes. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/
article/view/45112/29837.

142
5 DAS ATRIBUIÇÕES DE UM ACOMPANHANTE
TERAPÊUTICO
O acompanhante terapêutico é o profissional de saúde mental que se dedica a
acompanhar e acondicionar pessoas com algum tipo de patologia mental, psiquiátrica,
física ou incapacitante ou pacientes que estejam em algum tratamento médico
momentâneo (BARBIERI; BAPTISTA, 2013).

O acompanhamento terapêutico é oferecido como suporte, protege o


paciente em sua angústia e desesperança e, além disso, favorece o desenvolvimento
da iniciativa e da vontade. Além disso, contribui para a realização de atividades de
vida diária que o paciente não consegue realizar sozinho. O objetivo é que o paciente
que recebe essa ajuda melhore o seu estado e adquira toda a autonomia possível,
assim, uma vez terminado o tratamento, ele tenha mais recursos para continuar
desenvolvendo sua vida.

As responsabilidades típicas de um acompanhante terapêutico podem ser


elencadas como (BARBIERI; BAPTISTA, 2013):

• Motivar a continuidade do tratamento do paciente.


• Conter e ajudar o paciente.
• Oferecer um espaço de diálogo com escuta empática.
• Colaborar na realização de atividades diárias.
• Melhorar as relações sociais do paciente.
• Acompanhar o paciente e sua família em seus quadros afetivos, mediando em
situações de conflito.
• Estimular a capacidade criativa do paciente, favorecendo uma adaptação ativa e
proporcionando uma forma de expressão.

As vantagens de ter um acompanhante terapêutico (BARBIERI; BAPTISTA, 2013):

• Atenção constante.
• Acompanhamento personalizado da evolução do paciente.
• Contenção do paciente e família em emergências.
• Aumenta a autonomia e a autoconfiança do paciente.
• Promove a reintegração laboral, educacional e recreativa.
• Permite manter laços familiares.
• Detecção precoce de sintomas antes de uma possível recaída.

Como selecionar um companheiro terapêutico?

O processo de encontrar um acompanhante terapêutico para o seu ente querido


envolve cinco etapas, sendo elas (MARTINS, 2017):

143
1. Definição de necessidades: antes de procurar o Acompanhante Terapêutico, é
fundamental ter clareza sobre a patologia do seu ente querido. Dessa forma, cada
candidato saberá se poderá ajudá-lo.
2. Pesquisa: você pode começar perguntando a conhecidos ou pesquisando na internet.
Colocando todos os requisitos, você encontrará os Acompanhantes Terapêuticos que
melhor atendem às necessidades de seu ente querido.
3. Entrevistas: a entrevista é uma etapa crucial. É altamente recomendável solicitar
referências dos candidatos para poder esclarecer quaisquer dúvidas. É importante
notar que a entrevista não precisa ser uma única entrevista. Os membros da família
podem entrevistar os candidatos repetidamente. O objetivo é encontrar a pessoa
certa para o seu ente querido.
4. Referências: caso você não busque referências antes da entrevista, é importante
que faça antes de contratar. Opiniões de terceiros ajudam e não se deve ter dúvidas
sobre quem vai acompanhar o seu familiar.
5. Contratação.

É muito importante que você conheça bem o idoso para poder traçar o perfil do
profissional com mais assertividade. Quem vai traçar o plano terapêutico é o AT, mas
para evitar desgastes à família e ao idoso, quanto mais informações você conseguir
colher, melhor.

5.1 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA ÁREA


DAS DEMÊNCIAS
O envelhecimento humano é um processo vital relacionado à passagem do
tempo e começa no início da vida de cada sujeito. Embora seja importante ressaltar
que a velhice não é sinônimo de doença e que os aspectos saudáveis ​​dela devem ser
contemplados, ao se pensar em novas formas de viver e adoecer, percebe-se que cada
vez mais profissionais devem ser formados em novos problemas biológicos-psicossociais
para intervir nas diferentes demandas dos sujeitos idosos e seus familiares no campo da
saúde (GOLDFARB, 2004). No campo das Ciências do Envelhecimento, estão surgindo
práticas profissionais como dispositivos de Acompanhamento Terapêutico para sujeitos
dependentes ou semidependentes.

144
FIGURA 6 – ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM DEMÊNCIAS

FONTE: <https://paranashop.com.br/2020/05/demencia-na-terceira-idade-quando-procurar-ajuda/>.
Acesso em: 28 set. 2021.

Atualmente, existem doenças que ainda não têm cura, como as demências, e
principalmente a partir dos vínculos é de onde se pode intervir para oferecer qualidade
de vida e aliviar o sofrimento psíquico de quem sofre (GOLDFARB, 2004). Dependendo
dos sinais e sintomas que aparecem nos indivíduos afetados, as perdas significativas
que sofrem são as seguintes:

• Perdas de identidade: dessubjetivação e desintegração das funções do ego,


desintegração das funções do pensamento: das funções abstrato-simbólicas ao
pensamento concreto, deterioração funcional e perda progressiva da autonomia.
• Perdas intersubjetivas: perda de papéis em laços, perda de vínculos.
• Perdas sociais: perda de papéis sociais, isolamento e abandono social à medida que
o problema se torna invisível.

Pulice (2017) nota um fenômeno muito interessante ao postular que a


multiplicidade de discursos é o terreno propício para perdas. Em muitos casos, a palavra
do sujeito afetado permanece inédita na rede de discursos e seu desejo é invisível. Pulice
(2017) afirma-o como um emaranhado de reivindicações e silêncios.

No caso particular das pessoas com demência, existe o preconceito de que elas
não entendem ou não têm consciência de sua dessubjetivação e perda das funções
cognitivas. Ao contrário, nos estágios iniciais da doença e até em fases moderadas,
os sujeitos podem dar conta e ter consciência das mudanças que estão começando a
vivenciar e das perdas que elas acarretam. O surgimento da demência para além das
diferenças que podem ser localizadas em cada pessoa a partir de sua singularidade,
produz uma ruptura na teia de significados que o sujeito constrói de si mesmo. Essas
rupturas, às vezes mais lentas e outras mais abruptas, afetam a posição do sujeito e
exigem esforço e retrabalhos de identidade.

145
Luis Hornstein (2011, p. 28) afirma que a “autoestima é o relato que se faz de si
mesmo”, este relato refere-se a uma autoavaliação. Pessoas com demência há muito
tempo mantêm essa função de autoavaliação e para muitos é muito frustrante encontrar
suas dificuldades e déficits. Reconhecer o sujeito afetado como sujeito de desejo é, em
muitos casos, intervir para desvendá-lo do “emaranhado” discursivo e intersubjetivo e
construir com o Acompanhante Terapêutico uma cena diferente no teatro de sua vida.

5.2 SOFRIMENTO PSÍQUICO


O diagnóstico de demência pode ser traumático para o indivíduo afetado e para
o seu cônjuge e familiares. O sofrimento psíquico surge na sua dimensão singular e
na sua dimensão vinculativa. A partir do dispositivo do Acompanhamento Terapêutico,
é importante localizar quem sofre, construir hipóteses sobre esses sofrimentos e
implementar intervenções. Tanto as pessoas afetadas quanto aqueles que são “parceiros
de cuidados” sofrem perdas progressivas em diferentes áreas de suas vidas e devem
enfrentar um luto muito doloroso. Cada pessoa, com base em sua singularidade e em
sua história, apresentará diferentes modos de funcionamento psíquico diante de tais
perdas, transformações e aflições (PULICE, 2017).

Quando o sofrimento psíquico não pode ser elaborado, devido ao excesso e/


ou falta de recursos psíquicos por parte da pessoa afetada e/ou seu cônjuge, filhos ou
parentes próximos, é importante alertá-lo e intervir a partir de diferentes entrevistas
com as crianças, com o cônjuge, com familiares, com profissionais de tratamento, com
assistentes gerontológicos, com gerentes de lares de idosos, com cuidadores etc., para
evitar mais sofrimento e aceleração da deterioração da pessoa afetada, para poder
redefinir os objetivos do AT e intervir no sentido deste, para dar espaço às demandas
do sujeito afetado e acomodar a angústia dos cônjuges e parentes que passam a se
mobilizar para as intervenções.

Pulice (2017) ainda contribui que, no caso específico dos cônjuges, os fatores de
sofrimento psíquico predominantes incluem fenômenos singulares, como ambivalência,
raiva, culpa e sentimento de dívida, e, na dimensão do vínculo, a modificação das trocas
que historicamente moldaram a homeostase do funcionamento do vínculo.

As trocas orientam a interação nos vínculos e estabelecem posições subjetivas


e a distribuição de papéis. Se o vínculo de um casal sustenta uma lógica dominante de
funcionamento, como a doença crônica incapacitante de um membro modifica essa
lógica? Esta doença invade o sistema e modifica o funcionamento e dá origem a novos
funcionamentos alternativos? Quais são os efeitos da doença no equilíbrio alcançado
pelas diferentes posições dos membros do vínculo e como essa perda de equilíbrio se
relaciona ao sofrimento de ambos os cônjuges?

146
Para Pulice (2017), as angústias e as ambivalências que não são expressas em
palavras ou processadas, são encenadas ou afetam o corpo:

• em maus-tratos à pessoa afetada e à AT;


• no descuido e na falta de supervisão, expondo o sujeito afetado a situações de risco
para si e para terceiros;
• no desconforto emocional e corporal dos ATs;
• nas interrupções abruptas do AT;
• em institucionalizações compulsivas devido à falta de recursos para lidar com a
situação traumática;
• em não se institucionalizar quando há critérios de institucionalização, na doença e/
ou falecimento do cônjuge, entre outros.

5.3 OBJETIVOS INICIAIS DOS ACOMPANHAMENTOS


TERAPÊUTICOS
Segundo Hornstein (2011), o primeiro objetivo é construir um vínculo de
confiança com o cliente e intervir para promover um quadro de vinculação que abrigue
o sujeito, seus problemas e seus desejos. Numa fase posterior, podem ser agregados
objetivos que enfoquem o acompanhamento do sujeito conforme o caso. Exemplos:

• Acompanhar.
• Gerenciar procedimentos, consultas médicas ou outras tarefas diárias.
• Praticar atividade física e/ou caminhadas.
• Participar de atividades recreativas, como caminhadas e passeios.
• Desenvolver atividades de estimulação cognitiva para desacelerar o declínio cognitivo.
• Realizar atividades que estimulem a socialização e a construção de redes.
• Integrar em propostas de estimulação para melhorar as funções conservadas e
permitir a neuroplasticidade; entre outras.

Essas podem ser metas iniciais que surgem como solicitações de cônjuges,
familiares ou profissionais de atendimento. Agora, a pergunta inevitável: qual de todos
esses objetivos possíveis de um dispositivo de AT pode explicar o desejo do sujeito
afetado pela demência?

Para redefinir os objetivos de um AT, deve-se realizar uma avaliação do


diagnóstico do sujeito acometido, suas possibilidades e limitações, avaliando o
funcionamento histórico dos vínculos, e em relação às atuais modalidades de vínculo,
investigando os posicionamentos adotados por cônjuges e parentes.

O referido processo diagnóstico realizado pelos Acompanhantes Terapêuticos,


em conjunto com os profissionais assistentes, permite intervir para facilitar processos
de encaminhamento de cônjuges e/ou familiares para espaços de psicoterapia, de
apoio a grupos nesses problemas específicos ou outros dispositivos no domínio da
saúde mental.

147
Por fim, outra dimensão da perda se desdobra com os Acompanhantes
Terapêuticos, uma vez que a dessubjetivação do sujeito e a desestruturação de suas
funções cognitivas determinam que os vínculos e encontros sejam de diferentes pontos
de conexão e contato. Esses processos requerem redefinições e ajustes periódicos de
objetivos. O sujeito, suas limitações e seus desejos são transformados no processo e o
dispositivo AT deve ser flexível para acompanhar essa dinâmica (HORNSTEIN, 2011).

6 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM UM
PROCESSO DEPRESSIVO
Atualmente, pertencer à terceira idade não traz nenhuma vantagem. Tudo na
sociedade é pensado por e para os jovens. A publicidade nos invade com imagens
de corpos esguios de trinta e poucos anos. Em contraste com essas imagens
constantemente repetidas, a velhice é caracterizada por aspectos deficitários, doenças,
perdas etc. Com esse panorama pela frente, quem vai querer pertencer ao grupo da
terceira idade?

O problema da velhice é confrontado com a nossa ideologia, o sedimento


da nossa história pessoal e familiar e das experiências vividas. Gera conflitos, não
só para quem se encontra nesta fase vital, mas também para quem, sem ser idoso,
está no convívio diário com o idoso devido aos seus papéis profissionais: médicos,
enfermeiros, familiares: filhos, netos, ou quaisquer indivíduos da sociedade: vizinhos,
parceiros, amigos.

Socialmente, são muitos os preconceitos em relação à velhice que discriminam


e separam os idosos do cotidiano, dos objetos de consumo, da vida ativa, fazendo com
que se refugiem no passado porque o presente não os oferece alguma satisfação.

Em alguns casos, expressam esse distanciamento com frases como “coisas do


meu tempo ...”, marcando que esse não é mais o seu tempo. Em outros momentos,
tentam manter todas as atividades que faziam antes, competir com o que eram há 20
anos. Competição reprovada que gera muita angústia e insatisfação, pois nessa idade
não se trata de trabalhar a mesma quantidade de horas, ir à academia quatro vezes
na semana e manter a vida sexual que tinha aos quarenta anos, mas sim encontrar a
mesmo grau de satisfação com o que faziam. O segredo do bom envelhecimento será
dado pela capacidade do sujeito em aceitar e acompanhar essas quedas inevitáveis​​
sem fazer questão de se manter jovem a qualquer custo (SALVAREZZA, 2002).

O trabalho do acompanhamento terapêutico consiste em promover uma vida


ativa, promovendo a participação em atividades sociais, mantendo possíveis vínculos
empregatícios, despertando, assim, o desejo e, se for o caso, buscando substitutos,
quando necessário.

148
Propomos uma velhice produtiva considerando as transformações que ocorrem
nos idosos e em seu ambiente:

• O mundo exterior, que se restringe, ao transformar o seu lugar de sujeito ativo-


produtivo, cedendo essas funções em favor das gerações seguintes.
• O corpo declina suas funções e modifica a imagem de si mesmo.
• Os demais, diante da transformação das posições identificadoras que foram ocupadas
e das mudanças na realidade (perdas), as relações intersubjetivas se modificam.

No trabalho de AT, a reclamação mais difundida dos idosos é a perda do convívio


social. Com o passar dos anos, vão perdendo seus lugares na sociedade, recuando
cada vez mais para a esfera doméstica com a consequente perda de ideais e projetos.
Por sua vez, ocorrem mudanças ao nível do corpo: alterações na visão, diminuição da
audição, alterações fisiológicas, acúmulo de gordura etc. Em um nível cognitivo: perda
de memória de eventos recentes, diminuição da curiosidade, irritabilidade etc. Isso
envolve uma série de conflitos daqueles lugares, entre capacidades e objetos perdidos
que satisfizeram seus desejos.

Para enfrentar esses lutos, é necessário que o idoso tenha recursos para
processar psiquicamente aquele momento de sua vida, uma vez que lutos não resolvidos
podem levar à depressão.

Chamamos de depressão a reação que surge não só diante da perda de um


ente querido, mas também a perda de uma abstração, por exemplo, neste caso, a
perda da juventude, dos ideais e dos projetos, que se destaca na alma por um mal-
estar profundamente dolorido, um cancelamento do interesse pelo mundo exterior, uma
perda da capacidade de amar, uma inibição de toda a produtividade e uma diminuição
da autoestima (SALVAREZZA, 2002).

Existem, no decorrer da nossa vida, momentos de crise. Uma crise é uma


situação em que os recursos com que a vida estava resolvida até aquele momento
não são suficientes para dar conta da nova etapa. Todos nós conhecemos os estados
depressivos que muitas vezes ocorrem após a aposentadoria, a tristeza que vem com a
perda de um ente querido, a depressão derivada da falta de projetos de vida etc.

A terceira idade é um momento vital em que a vida produtiva termina em termos


de trabalho – já que a produtividade em outros campos não tem que acabar – e isso
implica uma série de mudanças orgânicas, mentais e cognitivas, em que os recursos
com os quais eles resolviam as situações vitais que surgiam são insuficientes.

Muitas são as adversidades que podem cercar esse momento e, assim, contribuir
para agravar ou amenizar as consequências desse estado. É um momento que costuma
coincidir com a morte dos entes mais próximos, companheiro e amigos e nascimento
dos netos (SALVAREZZA, 2002).

149
Cada um dos atos, orientações e decisões que damos à nossa vida – mesmo os
mais inocentes – responde a frases, ideias, preconceitos que, na maioria das vezes, são
desconhecidos, inconscientes para nós.

Aceitando isso, uma pessoa idosa ou um sujeito de qualquer idade que – mesmo
sem saber – vive de acordo com a ideia que diz que na velhice já não vale nada, viverá este
momento como o fim da sua vida útil, ele verá à frente um terreno baldio onde o sentido de
sua vida desapareceu. Isso pode se manifestar como depressão, ansiedade avassaladora,
preocupações agonizantes sobre doenças corporais e declínio cognitivo etc.

Se, ao contrário, sua vida responde a pensamentos que trazem a velhice


para mais perto das palavras do que da deterioração, certamente você será capaz de
desfrutar a felicidade insidiosa de envelhecer.

Uma das mudanças que ocorre na velhice é a percepção do tempo (BARBIERI;


BAPTISTA, 2013). Ao longo da nossa vida, é difícil ter consciência do nosso envelhecimento
e pensar na nossa própria morte, geralmente o fazemos através do olhar dos outros:
quando encontramos alguém que não víamos há anos e observamos nele o que os anos
fizeram, refletimos automaticamente sobre a passagem do tempo em nós.

Uma mudança de direcionalidade também começa a ocorrer, não pensamos


mais no que fizemos desde o nascimento, mas aparece o que podemos fazer a partir
do que resta para ser vivido: quantidade de livros que poderemos ler, lugares para onde
seremos capazes de viajar etc.

Por sua vez, a morte de amigos e pares torna a morte uma possibilidade mais
próxima, não é mais um acontecimento distante que nada tem a ver com isso. Segue-se
uma perda, somos surpreendidos por uma morte próxima ao nosso amor. A morte torna-se
palpável, próxima e perturbadora, mas o sujeito pode fingir que nada aconteceu e querer
– eufórico – viver mais cinquenta anos. Todavia, ele também pode lamentar, renunciar ao
que está perdido, tornar-se mortal, aceitando que se ele não renuncia ao que está perdido é
porque ele não pode suportar a descoberta de que um dia estará perdido.

Com isso, a preocupação com a transcendência ocupa um lugar importante:


ninguém gosta de pensar que sua passagem por esta vida não deixou nenhum vestígio,
abrindo uma série de questionamentos e propostas sobre a vida que levou, as coisas
que fez e das razões pelas quais pensa que será ou não lembrado.

150
Veremos agora um possível tratamento para um caso de depressão na
velhice. Desenvolveremos brevemente um caso clínico e o dispositivo terapêutico
utilizado (SALVAREZZA, 2002):

O acompanhamento terapêutico de Maria começa em novembro de 2003


a pedido de um familiar que detecta algumas dificuldades em seu trabalho diário.
Maria tem dificuldade em lembrar se já fez as refeições, quando sai para a rua fica
desorientada e não consegue se lembrar para onde quer ir, nem se lembra se sacou
dinheiro do banco, se já pagou despesas menores, se ela tomou a refeição correta,
a medicação ou se compareceu aos seus compromissos sociais. Além dessas
questões, Maria ficou viúva há quatro anos e esta perda a afunda em uma depressão:
tem dificuldade em se interessar e desfrutar das atividades que faz, manter laços
sociais e familiares, é relutante, não se interessa por se arrumar etc. Quanto ao
humor, é triste, a única coisa que importa é contar os dias que se passaram desde a
morte do marido, relembrando as coisas que fizeram juntos e desinteressando-se da
família e dos amigos que ainda estão vivos.

Dadas as dificuldades cotidianas descritas e o estado depressivo, Maria


pede ajuda ao parente mais próximo para poder funcionar melhor em seus
hábitos diários e não passar longas horas sozinha. Nesse momento, começa um
trabalho conjunto entre a família e uma terapeuta que atende Maria. Eles avaliam a
possibilidade de ingressar em uma residência, mas é descartada pelas mudanças
abruptas que acarretaria.

Entendemos que, para certos casos de velhice, é apropriado instalar um


dispositivo clínico em casa em vez de retirar o idoso de suas coisas para a vida toda.
Então, surge como um recurso possível a ser incluído no tratamento individual o
acompanhamento terapêutico.

O acompanhamento terapêutico é um recurso terapêutico eficaz para o


atendimento ambulatorial de pacientes que estão passando por uma situação crítica
ou sofrem os efeitos de quadros clínicos que implicam uma deterioração crônica do
paciente. O acompanhamento ocorre no ambiente habitual – familiar e social – do
sujeito: da casa à rua, assim como em bares, cinemas, boates, parques, shopping
centers etc.

Recomenda-se que o acompanhamento terapêutico seja coordenado com o


tratamento clínico, pois por si só perderia a eficácia.

Os objetivos do acompanhamento eram melhorar a qualidade de vida, manter


os laços familiares e sociais e acompanhar Maria nas tarefas que apresentavam
mais dificuldades e de alguma forma servir de auxiliar de sua memória diante do
seu esquecimento.

151
O lugar do acompanhante é poder ouvir quando algo insiste em ser ouvido.
Isso não significa que o acompanhante confunda sua posição com a do terapeuta;
mas na ausência dela na vida cotidiana, podemos localizar uma certa substituição
dessa função.

Quando o trabalho começou, Maria se viu em uma situação de independência


imaginária com a qual queria apagar o pedido inicial de ajuda. Como primeira
estratégia, pensamos em criar um espaço em que ela pudesse relembrar suas
dificuldades e dar espaço ao acompanhante, incluindo-o em duas atividades que
interessassem a Maria: ler e ir ao cinema. O AT trouxe seus livros e marcaram um dia
para assistir às sessões de cinema. Com o apoio dessas duas atividades que sempre
realizava sozinha, Maria aceitou o acompanhamento e, por sua vez, aumentou seu
interesse por outras atividades: oficinas de memória e pintura, que realizava com
outras pessoas de sua idade. A tarefa consistia em Maria manter essas atividades
para não quebrar esses laços.

Durante cinco anos de acompanhamento, as conquistas foram a construção


de um espaço de diálogo com o AT sobre aquelas coisas que lhe causavam algum
desconforto, como a perda de memória recente e o surgimento de memórias de
infância e juventude. Com a surpresa de que o AT respondesse com uma escuta
ativa, propiciando a palavra de Maria, que muitas vezes ela silenciava para não
preocupar os familiares. Sua qualidade melhorou notavelmente, dizendo hoje que
ela não se sente como uma mulher de 91 anos, mas como uma mulher mais velha
com desejo de fazer suas próprias coisas.

O programa de atendimento em seus primórdios foi pensado com trinta


horas semanais, tentando preencher as lacunas de atividade e companhia no dia a
dia. Com o passar do tempo, avaliou-se a necessidade de ter cuidadores 24 horas
por dia encarregados de alimentá-la e cuidar dela a pedido de Maria, que não poderia
mais realizar as tarefas mínimas por conta própria, sem que estas representassem
perigo para ela.

Desse modo, o trabalho do acompanhante terapêutico ficava reduzido a


um encontro semanal em que ela era acompanhada ao cinema, coordenava-se o
trabalho dos cuidadores, era levada a consultas médicas e informava a família e a
terapeuta sobre eles.

Agora, Maria divide com o acompanhante os filmes que assistem juntos, os


livros e as notícias que lê, fala sobre os cuidadores, sem nenhuma dificuldade. O
declínio cognitivo, inevitável para sua idade, segue seu curso, mas sua qualidade de
vida não é prejudicada por ele.

152
Ao longo do tempo, o acompanhamento foi acontecendo, com a sua
presença e com o seu apoio, um tempo para reconstruir o seu espaço, contando com
o que tem e não apenas com as marcas das perdas de familiares, amigos, colegas de
trabalho, de juventude, memória etc. Dessa forma, Maria hoje vive um tempo em que
a saudade do perdido não é a única coisa importante, ela vive com ele e desfruta do
presente (SALVAREZZA, 2002).

153
LEITURA
COMPLEMENTAR
AS CRIANÇAS NA CIDADE E O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Ana Marta Meira

O Acompanhamento Terapêutico convoca, em seu horizonte, a criação de


novos espaços a transitar. Nesse campo, a reflexão sobre a infância nos leva a buscar
referências sobre palavras, imagens, sons, brincadeiras, movimentos, vias possíveis a
serem desenhadas pelas crianças em suas trajetórias pela cidade.

A relação entre o Acompanhamento Terapêutico e a criança se articula nos


múltiplos campos da urbanidade, para além das redes singulares e sintomáticas que
amarram as crianças a repetições automatizantes. Uma das metáforas possíveis
sobre o acompanhamento com crianças no espaço da rua pode ser relacionada à
expressão – nós a desatar. Desatar as crianças dos olhares que as mantêm enlaçadas
a controles que acontecem no espaço supostamente protegido de suas casas e
também no espaço público.

Diante de crianças que não conseguem dar os próprios passos sem a busca da
referência do outro, o acompanhante terapêutico tem o desafio de convocá-las a outros
caminhos. Sem dirigi-los, possibilitando experiências a desdobrar. Sem a indiferença
ou a ilusória neutralidade de entrar em um shopping como se fosse um ato do mesmo
estatuto que entrar em um espaço cultural, transitar na rua ou brincar em uma praça,
convocando a laços sociais coletivos.

O acompanhante terapêutico, em seu trabalho, encontra o desafio de se


deixar mergulhar nos rumos do espaço urbano, em meio aos múltiplos contornos da
cidade. Nesses caminhos, quando são realizados com as crianças, observamos que
elas correm para acompanhar os rápidos passos dos adultos nos atravessamentos
de avenidas, no ritmo frenético das ruas, na fluidez das calçadas, nas apressadas
entradas e saídas de prédios.

A criança, com seus olhares curiosos de infância, não caminha velozmente. Está
sempre olhando para o lado, para cima, para os detalhes. Seu corpo não acompanha a
velocidade imposta pelo ritmo da rua. Quando a acompanhamos em sua temporalidade,
o ritmo desacelera, torna-se vagaroso, quase em suspenso. Há pausas a cada passo,
diante de singulares e diminutos traços: uma formiga, uma pedra, um brinquedo largado
no chão, um buraco, uma poça de água, um movimento, um som, um olhar ou uma
fala. Em outros momentos, torna-se veloz, descendo ladeiras, desafiando o tempo,
disparando uma corrida sem fim, onde as ladeiras convocam ao movimento desenfreado.

154
É a criança que leva o acompanhante terapêutico na cidade, mostrando lugares
invisíveis aos adultos, temporalidades em suspensão, espaços inesperados.

Benjamin (1993) ilustra com sensibilidade essa posição infantil ao escrever


sobre seus olhares de criança em Berlim. Olhares que, diante de estátuas, monumentos
e porões, detinham-se nos pequenos detalhes, alturas, dimensões invisíveis para os
adultos, e que retornavam em seus sonhos, invertendo a posição evocada, sendo,
então, ele o foco de olhares desses seres e espaços vistos nas ruas da cidade.

Para que a criança possa realizar essas descobertas e experiências, o


acompanhante terapêutico é levado a se desprender das amarras técnicas preconcebidas,
do tempo controlado, dos roteiros previsíveis. Ocupa o lugar do não saber, considerando
as múltiplas possibilidades que se desenham para além dos templos do consumo, rota
fácil que automatiza.

Neste trabalho, rompem-se os mapas diagnósticos que marcam o sujeito,


muitas vezes alienados na medicalização, sendo transfigurados no momento em que
a subjetividade encontra novas referências e novos laços. No anonimato da metrópole,
a história singular, inúmeras vezes amarrada a signos diagnósticos, dá lugar a novas
imagens possíveis no encontro com o outro.

É na contramão dos ideais automatizados que a dupla via do acompanhante e


do acompanhado percorre os meandros da cidade. O que o acompanhante terapêutico
possibilita àquele que busca ensaiar passos para além de seus fantasmas/isolamentos?
Acompanhar o fluxo dos apelos da cidade ao consumo, à perfeição, à posse de objetos, à
velocidade, entrando apressadamente onde é chamado, nos mercados, nos shoppings,
ou, deslocando o espelho para novos horizontes, propor mapas que possam levar ao
encontro com a cultura, com o coletivo da troca de palavras, de olhares, de histórias da
cidade, com o inesperado no espaço público?

Olhares, gestos e palavras são tecidos em meio ao trânsito pela cidade,


pelas livres associações próprias do flanar pelas ruas. O horizonte do acompanhante
terapêutico pode ser comparado a uma bússola que perde o rumo, dando lugar a mapas
que se desdobram ludicamente nos caminhos da cidade.

Os caminhos do acompanhante terapêutico com as crianças necessitam ser


desdobrados, rompendo com o horizonte dos sintomas que as enclausuram no discurso
científico que determina formas de ser.

A posição da criança diante do acompanhamento terapêutico pode ser tão diversa


quanto são os caminhos que uma cidade oferece. Entre esses caminhos, há traços sem
rumo ou repetição de caminhos usuais. Nesses instantes, a criança pode encontrar a
possibilidade de romper com os automatismos da cidade ou de romper com o paradoxo
que se revela no fato de que, ao mesmo tempo em que há a possibilidade da livre errância,
de encontros inesperados, a cidade também oferece uma planificação que pode levar ao
encontro de formas homogêneas, mercantilizadas, mapas previsíveis e controlados.

155
A infância convoca à imaginação, à transformação de coisas em brinquedos,
de palavras em histórias, de olhares em convites, de gestos em imagens. Ruas se
transformam em livros a serem lidos, habitantes se transformam em protagonistas de
pequenas cenas e ensaios, como evoca Benjamin (1993), em Rua de Mão Única.

Benjamin (1993, p. 18) escreve que as crianças “são inclinadas de modo


especial a procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde visivelmente transcorre
a atividade sobre as coisas”. Na infância, elas fundam tessituras imaginárias, virando
páginas em busca de novas histórias. Entre imagens e palavras, a cidade oferece às
crianças mundos a descobrir, a apreender, para além do imediatismo a que são presas
em seu cotidiano.

Pequenas palavras capturam as crianças, tecendo seu imaginário. Histórias e


laços se constituem no anonimato que é referência de ser na metrópole. Espaço público,
coletivo, a cidade resiste, em meio ao espaço urbano que desenha suas vias a partir de
espelhos estrangeiros.

Rovati (2001) realizou extensas pesquisas sobre a cidade de Porto Alegre e


os espelhos americanizados que se refletem em seu espaço urbano. Os shoppings,
playgrounds, nomes de prédios são tecidos em torno desses ideais estrangeiros.

Mergulhar na cidade, em suas vielas, becos, ladeiras, calçadas, encontrando o


outro em espaços desconhecidos, capturando gestos e palavras, possibilita à criança
o desdobramento de seu universo imaginário, a constituição de laços sociais. Nesses
ensaios, revelam-se imagens que remetem a histórias recalcadas, invisíveis. Sandra
Pesavento (2001) revela, em sua obra, inúmeras cenas que a cidade apresenta, fazendo
emergir memórias recalcadas.

As crianças são mestras em levantar o pano e buscar o encoberto, o não dito, o


não sabido. É a partir desses traços perdidos na cidade, não registrados pelos adultos,
que as crianças vão tecendo referências sobre o lugar que habitam. Para que esse
trabalho próprio da infância se realize, é condição que o acompanhante terapêutico
autorize as crianças a desvelarem seus passos, seus olhares, suas narrativas; que,
literalmente, ele as acompanhe, desprendendo-se das amarras diagnósticas que
prescrevem comportamentos.

Para mais além das novelas familiares de cada criança, a cidade oferece a
profusão de lendas, mitos, histórias, que deslocam as narrativas singulares, impregnadas
de queixas, para o coletivo, com possibilidades de compartilhamento, no momento em
que o espaço público/político possibilita espaços de improviso e troca.

Giorgio Agamben (2002) se refere à infância como sendo uma experiência de


apropriação da palavra. Podemos estender esse enunciado à apropriação da cidade que
as crianças habitam.

156
Diante da prerrogativa, própria do discurso social, de que as crianças ocupem
lugares de cidadania, transformar espaços públicos – coletivos – em locais que também
abram portas à infância é um desafio na atualidade.

As crianças, quando paramos para escutá-las e para intervir grupalmente,


também revelam formações e laços individualizantes, mas a convocação para que
inventem, troquem, coletivizem suas produções se realiza quando se quebram os
espelhos contemplativos.

Se considerarmos as culturas que povoam nosso país, encontraremos múltiplos


espelhos de solidariedade, coletivismo e alegria. O discurso da miséria, da violência, do
isolamento é campo que faz viver a mídia, envolvendo o imaginário sobre a cidade em
um roteiro terrorífico, que leva muitas crianças a temerem andar pelas ruas.

Baptista (1999) apresenta passagens que desvelam personagens invisíveis,


pequenas trocas, histórias, traços que emergem em meio à paisagem rotineira da cidade
do Rio de Janeiro. Chnaiderman (2008) escreve sobre o louco de rua, testemunha da
história da cidade, que encontra furtivamente o outro, no espaço em que olhares se
entrecruzam de forma inesperada.

Um dos trabalhos a serem realizados pelos acompanhantes terapêuticos é


o de desvelar a cidade em presença, para além das costumeiras proteções das telas
cotidianas. A cidade que está do outro lado da porta da casa da criança desenha e
oferece possibilidades que rompem com a suposição de que o mundo é terrorífico, com
a dimensão paranoica comumente propagada no discurso social veiculado pela mídia.

Para experienciar o coletivo nos tecidos da cidade é importante criar espaços,


eles não emergem sem o protagonismo, sem posições de desejo que inventem imagens
e lugares possíveis para além do canto hipnótico do consumo.

Diante do desafio de mergulhar na infância, em sua relação com a cidade, foi


criado o projeto Cidade das Crianças, em Porto Alegre, que é parte da pesquisa de
Doutorado na Pós-Graduação em Educação/UFRGS – Olhares das crianças sobre a
cidade de Porto Alegre – infância contemporânea, psicanálise, educação e arte (MEIRA,
2011). O projeto Cidade das Crianças é realizado desde 2006 em espaços públicos e
culturais da cidade de Porto Alegre, sendo aberto à participação de crianças de vários
grupos sociais, na idade de 4 a 11 anos.

O prazer evidenciado no encontro, em um espaço público, entre crianças de


vários locais, posições e idades, diante da convocação a inventar, em meio a histórias,
teatro de sombras, poesias, fotografias, passeios e visitas a locais históricos e eventos
culturais da cidade, é marcante. O grupo se transfigura, alterna-se, revelando o tecido
efêmero de uma cidade. Ao mesmo tempo, revela encontros inesperados, a riqueza da
troca com o desconhecido, com o passante, com o errante. As crianças e seu espaço

157
estão ali, acolhendo quem se permite parar, suspender o olhar, escutar as crianças,
revisitar a própria infância diante das brincadeiras e diálogos que, naquele momento,
desenham-se. A realização sistemática de atividades artísticas e lúdicas coletivas é o
campo do trabalho realizado semanalmente, com a participação de uma equipe formada
por psicólogos, psicanalistas e artistas, a partir de campos que dialogam entre si, nas
artes visuais e cênicas, na música, na literatura, entre outras.

Entre encontros imprevistos que acontecem neste espaço, destacamos o


ocorrido com um jovem colombiano que ficou curioso diante da cena das crianças
brincando e montando uma cidade com fios de cordão, entre outros objetos. Ele
observava o movimento de longe, visitava outros espaços do centro cultural e retornava.
Observou atentamente o trabalho das crianças e finalmente se sentou para assinar o
livro de visitas que mantemos à disposição.

Aproximei-me curiosa diante de seu interesse. Um diálogo se inaugurou,


no qual as crianças conversavam com o jovem colombiano sobre a cidade, fazendo
intermináveis perguntas sobre a Colômbia, as crianças e as brincadeiras colombianas,
a chuva, as montanhas, entre outros temas. Falavam sobre Porto Alegre, o Guaíba, o
poeta Mário Quintana e leram para ele o poema O Mapa, de autoria desse poeta. Ele, por
sua vez, falou de Rafael Pombo e Jairo Aníbal Niño, dois conhecidos poetas da Colômbia
que escrevem para crianças, e relembrou um poema de sua infância, recitando-o
sonoramente, de forma melódica.

As crianças escutaram atentamente o poema El Renacuajo Paseador, de Rafael


Pombo, mas não o entenderam, pois o jovem o recitou em espanhol, acentuando o
jogo de palavras, mas, para elas, não importava o conteúdo do dito transmitido e sim
o melódico ato da transmissão da brincadeira com palavras expressa no poema. Era
visível a alegria do jovem em revisitar sua infância, recitando um poema que o marcara
quando criança, reencontrando as palavras à medida que as enunciava.

Ao final, o jovem leu, emocionado, um poema de sua autoria, que fala da saudade
de sua terra, e as crianças comentaram novamente que não entenderam nada do que
ele falou, mas um menino repete várias vezes: “Eu não entendi, mas ele falou criança!
Criança, eu ouvi! Criança!”. Talvez, essa escuta revele que criança, naquele momento, foi
a palavra que circulou também na memória e experiência daquele jovem, que poderia
ter sido apenas mais um passante.

No entanto, se escutarmos essas palavras de outro lugar, poderemos encontrar


o regozijo por terem ouvido, sendo crianças, alguém que a elas se dirige e se autoriza
a passar adiante traços de sua história e cultura. Tivemos, entre outras, a experiência
de sermos apresentados à obra de dois poetas até então desconhecidos em nosso
meio, por um jovem que foi convocado, pelas crianças, a ocupar um lugar de troca
e transmissão. Antes de ir embora, duas meninas apresentaram a ele parlendas que

158
costumavam cantar/brincar, batendo com as mãos ludicamente. Nesse momento,
infâncias se trocam. Ele se despediu e saiu sorrindo. Disse para as crianças que um
dia voltaria. Ele ainda não voltou, mas na memória das crianças, frequentemente, é
evocado quando buscam o caderno de poesias em que está registrado o poema do
sapo passeador.

Lendo, posteriormente, sobre a obra de Jairo Aníbal Niño (2008, s.p.), dedicada
em grande parte às crianças, encontramos este poema de sua autoria:

Usted
que es una persona adulta
- y por lo tanto-
sensata, madura, razonable,

con una gran experiencia y que sabe muchas cosas,


¿qué quiere ser cuando sea niño?

A partir dessas experiências, podemos encontrar, em espaços públicos e


culturais da cidade, trocas possíveis entre as crianças e a arte e a cultura, espaços
subjetivantes, marcados por traços de cidadania, simbólicos por excelência.

MEIRA, A. M. As crianças na cidade e o Acompanhamento Terapêutico. Psicologia &


Sociedade, [s. l.], v. 25, n. 2, p. 41-45, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-
71822013000600006>. Acesso em: 30 set. 2021.

159
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Graças aos avanços em saúde pública, tecnologia e preocupação social, hoje os


idosos estão atingindo cada vez mais uma maior qualidade de vida. Existe todo um
trabalho em rede para acompanhar esse sujeito e garantir que ele tenha uma vida
com maior longevidade.

• A área de acompanhante terapêutico tem sido muito promissora, pois com a


longevidade e a atenção em rede à pessoa idosa, muitos deles optam em contratar
seus serviços.

• O AT é uma prática que acontece em movimento, portanto, pode estar na casa do


idoso, nas ruas, inclusive nas casas geriátricas, atendendo a idosos institucionalizados.

• Para a elaboração do plano terapêutico, é necessário conhecer muito bem o idoso.


Seguir um “padrão”, pois “pessoas idosas são assim e sentem isso de x forma” é
errado, pois cada um tem sua história, sua trajetória de vida, com medos, anseios,
muitas vezes traumas muito profundos, e tudo isso deve ser considerado.

• É importante trabalhar com idosos, com mobilidade física e autoestima.

• É preciso procurar e escolher bem o acompanhante terapêutico para o seu ente querido.

• É fundamental o acompanhamento terapêutico em casos de pacientes depressivos.

• Há formas de manejar os casos de idosos que sofrem com demências.

160
AUTOATIVIDADE
1 É cada vez mais significativo o número de idosos necessitando de acompanhamento
terapêutico. Isso ocorre por diversas razões, mas as principais é que hoje já existem
muitas políticas públicas para as pessoas idosas, e com o país em desenvolvimento,
idosos estão tendo mais assistências de toda a rede para garantir uma melhor e longa
qualidade de vida. Sobre o processo de envelhecimento e a atuação do AT, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) É o idoso quem estabelece como será o projeto terapêutico realizado para ele.
b) ( ) É o idoso que vai até o profissional como em qualquer outro atendimento clínico,
não o contrário.
c) ( ) O AT vai atuar de forma a ajudá-lo a lidar com suas angústias, seus medos,
desenvolverá um plano terapêutico com um olhar singular, levando em
consideração quem é o idoso, o que ele gosta de fazer e quais são suas reais
necessidades.
d) ( ) No plano terapêutico com intervenção de AT para idosos, apenas o trabalho em
AT é necessário, por passar a conviver com o idoso e entender suas dificuldades,
o trabalho em rede, nesse caso, é dispensado.

2 Para estudar o processo de envelhecimento é necessário antes se aprofundar e


compreender algumas particularidades que compõem o contexto e a realidade pela
qual passam as pessoas no período vital da velhice, pois acompanhá-las exige um
conhecimento a respeito, sabendo que, por sua vez, este conhecimento se configura
pela própria prática. A respeito das particularidades desse processo vital do idoso,
analise as sentenças a seguir:

I- Fatores determinantes no momento da internação: dentre os quais podemos


citar: estar sozinho, enfrentar doenças crônicas ou incapacidade funcional que
implique não saber se cuidar, diante dos quais a família não pode se ater aos
cuidados, e depois o lar de idosos aparece como uma alternativa possível.
II- O que acontece quando ocorre a institucionalização do idoso: essa é uma
questão pessoal e intransferível do idoso. Ele é quem mobiliza essa movimentação
e, normalmente, associa-se ao bem-estar, pois entrando em um asilo, ele passa a
ser bem cuidado e bem tratado.
III- Quando dizemos perda, perguntamo-nos o que se perde: perdem-se
aspectos essenciais de todo o sujeito. O poder de decisão, dadas as normas que
a instituição estabelece para poder funcionar e se organizar. Perde seu próprio
espaço e pertences que não podem ser transferidos em sua totalidade. Vínculos e
papéis sociais são perdidos.

161
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A entrada na terceira idade pode ser para muitos um momento de muita preocupação,
atenção e medo. Ao se perceberem necessitando de cuidados que antes eram feitos
por eles aos seus filhos e netos, cria-se uma resistência e um sofrimento psíquico
muitas vezes intenso e difícil de ser manejado pelos familiares. É nesse momento que
o AT entra para poder proporcionar esse cuidado e atenção e ajudá-lo a entender que
esse sujeito ainda possui condições e pode exercer muitas coisas, diferente do que
ele fielmente acredita. Com relação aos destinatários do cuidado do AT para idosos,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Idosos hospitalizados com familiares, mas devido a sua atividade profissional,


os familiares não podem dedicar-se a acompanhá-los durante a internação:
conversando, lendo uma revista, ouvindo-os, levando-os para passear, ajudando a
interagir com outros pacientes.
( ) Adolescentes em situação de solidão em residências.
( ) Idosos ou deficientes sem família em casa.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 Para poder atuar em acompanhamento terapêutico para idosos, são necessários


alguns pré-requisitos de perfil do acompanhante para poder exercer essa função, visto
que é uma área muito sensível de atuação. Cite cinco características necessárias:

5 A formação em “acompanhamento terapêutico” de idosos é uma ferramenta prática


de formação social para prevenir e aliviar a solidão em idosos portadores de patologias
crônicas, situação econômico-social, deficiência, barreiras arquitetônicas e ausência
de relações familiares. De acordo com o estudado neste tópico, cite e explique os
quatro tipos de acompanhamento terapêutico:

162
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.

166
UNIDADE 3 —

TEORIAS PSICOLÓGICAS
E SUA RELAÇÃO COM O
ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender que existem diversas teorias/abordagens que podem conduzir a prática


profissional;

• analisar a dificuldade de inserção do acompanhante terapêutico no sistema de saúde;

• entender a relação possível entre a concepção de homem da gestalt-terapia e a


atuação no acompanhamento terapêutico;

• identificar aspectos da psicologia sistêmica e sua aplicação no acompanhamento


terapêutico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA DE AT: FUNÇÕES, POSSIBILIDADES E


RESTRIÇÕES COMUNS
TÓPICO 2 – ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E GESTALT-TERAPIA
TÓPICO 3 – ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E PSICOLOGIA SISTÊMICA

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A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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168
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
CARACTERÍSTICAS DA PRÁTICA DE
AT: FUNÇÕES, POSSIBILIDADES E
RESTRIÇÕES COMUNS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, consideraremos itens introdutórios que não deixam de ser
relevantes para pensar sobre essa função e ir às definições operacionais de seu campo
de trabalho.

Partiremos de ideias básicas sobre o que é o Acompanhamento Terapêutico


(AT), principalmente para quem está se aproximando dessa prática e para quem
não tem conhecimento de seu uso, mas também para os profissionais da área da
saúde – que a conhecerão mais – estabelecerem algumas definições e orientações
essenciais que permitam explicitar uma linguagem comum. A partir daí localizaremos
o que chamamos de situação de AT: quando é solicitado, como esse espaço está se
configurando em um tratamento, quais são as coordenadas centrais para indicá-lo e
poder sustentar essa prática.

Uma nota preliminar: embora abordaremos questões de “técnica”, questões


empíricas ou aspectos que compõem a tática do acompanhante terapêutico, deve-se
notar que essa abordagem não carece de teoria ou um fundamento conceitual.

2 INCLUSÕES EM UM TRATAMENTO
Devido ao seu desenvolvimento, notamos que o AT pode ser considerado a
partir de múltiplas escolas teórico-clínicas e em relação a diferentes abordagens em
termos de sua dimensão política e social. A dificuldade inicial de delimitar uma certa
linha de conceituação, que proporcione alguma unidade e permite maior consistência,
hoje já pode ser superada. São várias as propostas de articulação de sistemas teórico-
clínicos para a prática do AT: como ponto positivo, seu papel não é apenas assimilado
a uma determinada escola “psi”, mas é um recurso incluído em sua abordagem por
terapeutas que mantêm estratégias diferentes, de acordo com as suas diretrizes de
treinamento e trabalho.

Vamos descobrir que algo semelhante acontece com o papel do psicólogo, do


psiquiatra, do musicoterapeuta, do terapeuta ocupacional etc. Por exemplo, no caso do
psicólogo, o posicionamento que ele terá ao realizar um tratamento psicoterápico terá

169
sua particularidade dependendo da escola em que for orientado, embora se pressuponha
que haja questões comuns a “todos os psicólogos”. Tal escolha de abordagem, assim
como o seu local de atuação, delimita sua função, suas preocupações, seu campo de
ação e assim por diante.

Nesse sentido, estamos em condições de pensar hoje o AT de diferentes escolas/


abordagens, enquanto o tempo em que não se buscava diretamente dar conta dessa
prática está ficando para trás, tempo em que o AT era visto apenas como um recurso
“menor” e que não é necessário conceituar (SIMÕES; KIRSCHBAUM, 2005). Ou era
feito com pouco rigor em algumas instituições, às vezes servia apenas para preencher
lacunas – substituir familiares/amigos, o profissional de enfermagem –, ou para tentar
“remendar” tempos e espaços que de outra forma eram incontroláveis ​​para o terapeuta
ou a instituição.

A estratégia a partir da qual um determinado AT é indicado e sustentado hoje


não provém apenas da psicanálise, nem apenas da psiquiatria (mais ou menos dinâmica),
ou esta ou aquela escola que marcou o seu surgimento histórico. Até mesmo nas
diferentes escolas ou orientações da psicanálise, o lugar do acompanhante terapêutico
em um tratamento, sua orientação e “supervisão” ou “controle” podem ser pensados ​​de
maneiras muito diferentes.

Por exemplo, aqueles que atuam como psicanalistas não devem se ver impedidos
de reconhecer que o papel do acompanhante terapêutico surge de outras linhas
teóricas, para as quais também deve-se abrir diálogo. É essencial para o acompanhante
terapêutico não só fazer uma leitura particular de conceitos de Freud, Lacan e Winnicott,
mas também de autores de várias abordagens da psicologia (assim como da psiquiatria
e da Saúde Mental em geral), um percurso por conceitos que possibilita dar conta desse
espaço de intervenção, desses dispositivos e de sua eficácia clínica, abraçando a sua
complexidade sem fechá-la.

3 DO QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?
É comum que essa função tenha se confundido – e geralmente na prática ainda
tem alguns pontos de contato ou semelhanças com outros vínculos interpessoais –,
com outras modalidades de intersubjetividade, ora do cotidiano e ora de papéis mais
tradicionais dentro da psiquiatria e assistência social. Chamaremos estas confusões
de “nem”. Algo como in-definições. As indefinições podem nos ajudar a perceber essa
característica de flexibilidade que a ação do AT possui. Por sua vez, permite-nos dar
origem a sua função de significado particular, em cada caso. Em termos mais poéticos,
podemos pensar em certos espaços em branco, que permanecem abertos enquanto
esperam ter sua “escrita” ou “inscrição”. Um espaço a ser “nomeado” em cada caso,
tanto por uma família quanto por um paciente, o que ocorre na medida em que uma
imagem estereotipada não é atribuída a priori, uma função limitada por regras gerais.

170
Com essa reflexão podemos voltar a uma noção central que servirá para ler
tanto a “imprecisão” quanto as “definições”: o papel do acompanhante terapêutico será
especificado em relação a uma estratégia de tratamento específica e à singularidade
do caso.

Então, o que são essas confusões de “nem”, o que o acompanhante terapêutico


não é? O acompanhante terapêutico não é nem psicoterapeuta, nem analista. Nem
terapeuta ocupacional, nem assistente social. Nem educador especial, nem coach. Não
é um enfermeiro psiquiátrico, nem vigia, guarda ou treinador particular. Nem secretário,
nem amigo, nem parente. Embora às vezes tenha um certo “semblante” que o aproxima
desses lugares, mesmo que ali seja localizado pelo paciente, paradoxalmente serão
nesses papéis que terá de se diferenciar em maior ou menor grau (ESTELLITA-LINS;
OLIVEIRA; BTESHE, 2009). Pela particularidade do caso, com a sua liberdade e as suas
restrições, estabelece-se a estratégia em que se propõe o AT.

Estamos então no “não”, o que não é AT. Como dissemos anteriormente,


“verdadeiro” espaço em branco, ou seja, com seus limites e suas coordenadas. Esse
“não” tem que ficar claro principalmente para aquelas “projeções” que o paciente coloca
em cada acompanhante terapêutico, cuja figura terá significados negativos e positivos,
além de sua “boa intenção”.

No entanto, deve-se considerar que – com maior ou menor detalhamento – é


necessário que isso seja explicitado ao paciente e a sua família, seja no início do AT ou
no decorrer do trabalho. Se isso não for feito, pode levar a uma orientação que coloque
o acompanhante terapêutico em um atoleiro, sem margem de manobra, ou precipite
ações e reações impulsivas por parte do paciente e, na medida em que não suportem,
também coloquem em xeque o AT. É importante explicar às famílias certas orientações
que vão demarcar o seu campo, estabelecendo diferenças com outros locais, limitando
expectativas, utilizando o registro do AT na estratégia de um tratamento.

3.1 DEFINIÇÕES: PARA SAIR DA PRELIMINAR


Agora, passaremos para o sim. Como definir pelo positivo sua função para que
seja delimitado com precisão, ou em outros termos, como especificar suas preocupações,
sem encerrar o sujeito em um retrato estereotipado, deixando em aberto a dimensão da
singularidade, a possibilidade de se expandir e se registrar novamente, para se opor aos
outros “lugares” que mencionamos.

Há uma espécie de “tensão” entre dois polos ao se propor definições: a)


quanto à função em sua singularidade, que na prática cotidiana deve ser articulada
caso a caso e b) definições sobre o papel do acompanhante terapêutico, como

171
coordenadas fundamentais para situar sua prática, como elementos constantes que
se fazem necessários para elevar o seu campo profissional e a sua utilidade dentro
das alternativas de tratamento existentes na área da Saúde Mental e da Educação
Especial. A existência de uma combinação dialética entre as duas questões permite
definir sua preocupação específica.

A proposta é localizar as coordenadas da sua indicação e da sua utilidade nas


situações em que se inclui esta intervenção (LONDERO; PACHECO, 2006).

O AT é um recurso clínico especializado que atua a partir de uma abordagem


psicoterapêutica, em coordenação com o profissional ou equipe terapêutica que o indica.
Está incluído no tratamento interdisciplinar de pacientes gravemente perturbados,
em situações de crise ou emergência e em casos recorrentemente problemáticos ou
não acessíveis pelas estratégias psicoterapêuticas clássicas (FIORATI; SAEKI, 2008). O
acompanhante terapêutico atua principalmente em regime ambulatorial, no ambiente
habitual – familiar e social – do sujeito: casa, rua, bares, cinema, pubs, parques,
shopping, escola etc. Busca utilizar o espaço de circulação do paciente para promover o
desenvolvimento de um projeto terapêutico e, para isso, utiliza o cotidiano. Sua ação se
dá no território urbano, no espaço e no tempo cotidiano do paciente.

Ao mesmo tempo, pode-se dizer que complementa a tarefa do profissional


responsável pelo caso, juntando-se à tarefa da equipe terapêutica de intervir na
contenção do paciente e de sua família. Ao dizer que complementa, deve-se notar que não
se trata de conseguir uma intervenção “completa”, “acabada ou perfeita” (se tomarmos
as definições do dicionário para o termo “complemento”), o que não seria possível neste
campo, pois a proposta consiste em construir redes, conectar intervenções, sustentar
continuidades, nunca completas, embora sejam complementares.

Em termos técnico-jurídicos, situa-se como “auxiliar”, sendo em todo o caso um


“auxiliar” que é fundamental em muitas situações, embora o termo tenha conotações
de função “menor”. Pode atuar em emergências/crise, no momento agudo, mesmo que
não seja propriamente um sistema de “emergência psiquiátrica” (REIS NETO; PINTO;
OLIVEIRA, 2011). Também atua para facilitar o vínculo social ou estimular a reintegração
educacional, laboral e recreativa de pacientes que não se encontram em período de
transbordamento ou crise. É um elemento privilegiado entre outros recursos para evitar
a estigmatização, a segregação e a cronificação social.

No caso da intervenção com crianças, o AT ampliou-se neste campo, em que


é cada vez mais solicitado, desde a deficiência e graves disfunções na infância até
a integração social/escolar. No ambiente geriátrico, ou com pacientes com doenças
terminais, também é um recurso que promove estímulos de acordo com as circunstâncias
e tende a melhorar a qualidade de vida (SIMÕES; KIRSCHBAUM, 2005).

172
Na perspectiva do profissional que conduz o caso, se pensarmos nos efeitos
desta intervenção e na sua utilidade, o AT permite-lhe clarificar campos de intervenção
diferenciados, bem como articulados entre si, uma vez que, a partir deste espaço, as
situações podem ser abordadas, além de questões que seriam difíceis para o terapeuta
sustentar por conta própria. Questões pertinentes de tratar, que não podem ser deixadas
de lado, mesmo que não seja a sua intervenção direta que está indicada. Nesse sentido,
funciona como um retransmissor tempo-espaço, levantado no enquadre do trabalho
em equipe.

A Dra. Beatriz Dorfman Lerner (1984) refere-se à “necessidade” a que responde


a implementação do AT. Ela escreve que o AT responde a “duas necessidades”. Uma
necessidade do terapeuta, que tem uma disponibilidade finita para o atendimento de
determinado caso. Por outro lado, Lerner (1984) dirá que a inclusão do AT se alia a uma
necessidade do paciente e da família, que tem a exigência de atenção ilimitada e, diríamos
também, imperativa, às vezes próxima a uma demanda infinita, uma necessidade de
cuidado cujo tom emocional é extremamente absorvente.

Quanto à primeira “necessidade” mencionada, pode-se dizer que alguém


não tem uma disponibilidade “quase exclusiva”. Agora, isso nos leva a responder
sob duas perspectivas: não é materialmente possível, em princípio, por exemplo,
por uma questão econômica, pois implicaria ter que se dedicar com exclusividade,
até sacrificando o tempo pessoal. Também é preciso considerar se é clinicamente
relevante o que isso geraria no vínculo terapeuta-paciente, e com isso queremos dizer
o que geraria em ambos.

4 AS BORDAS DO AT: SUA INSERÇÃO NO SISTEMA


DE SAÚDE
O trabalho do AT está inserido em relação às chamadas arestas ou bordas
da clínica, na abordagem daqueles pacientes de difícil diagnóstico e tratamento que,
segundo as escolas teóricas, podem ser situados de diferentes formas, ou ser levados
ao local do inclassificável.

Tentaremos mensurar algo nesse espaço indefinido. Desde o seu início, o AT tem
trabalhado no sempre problemático campo do tratamento da psicose, tanto no cuidado
de pacientes esquizofrênicos quanto paranoicos e, também, em casos de transtornos
bipolares e em esquemas de contenção de pacientes com risco de suicídio, no âmbito
do consumo de substâncias psicoativas, alcoolismo e no tratamento de perturbações
alimentares, bulimia e anorexia.

É útil dizer que o AT ajudou e ajuda no processo de desinstitucionalização


psiquiátrica, assim como torna mais habitável o “entre-lugar” da internação, além de
evitar, em muitos casos, o efeito de segregação e cronificação da instituição psiquiátrica.

173
Nesse ponto, o AT tem o que chamamos de uma vantagem com o social, uma
dimensão colocada no terreno social, embora, como dissemos, difere do assistente
social, ou da tarefa que às vezes pode fazer um educador especial para a integração
social de um paciente.

Precisamente, um dos aspectos a ser explorado em termos da utilidade do


AT é a questão do vínculo social, sua avaliação para a chamada “reintegração” social
do paciente. Na verdade, seria melhor denominar essa reintegração como reinscrição,
novas inscrições sociais, como diferentes laços com a sua comunidade e com o seu
meio, uma vez que o paciente, encerrado em seu ambiente familiar ou na instituição
psiquiátrica, não está fora do social (MENDONÇA, 1999), isto é, não deixa de estar em
“instituições” sociais, nas quais ainda há muito o que trabalhar no sentido de promover
a integração da loucura.

O AT contribui com essa rede tendendo a evitar cronificação, isolamento e, se


for pertinente, atua para que o paciente continue em seu ambiente habitual e não perca
suas atividades e vínculos.

Talvez esta margem de manobra em que desempenha a sua tarefa não lhe
tenha dado o valor conceptual que deve ter por sua eficácia na clínica, sendo um
pouco desvalorizado quando é feita uma indicação sem levar em consideração o
seu segmento, sua supervisão e sua articulação com a estratégia de tratamento do
profissional que a indica.

Ressaltamos que tanto no Brasil como na Argentina o AT tem se inserido cada


vez mais no Sistema Único de Saúde, tanto no sistema público e nas obras sociais quanto
no sistema privado, embora este esteja longe de estar no auge do que se esperava.
Dificuldades são geradas continuamente nessa inserção para que os acompanhantes
terapêuticos sejam considerados como parte da equipe terapêutica, bem como
problemas no nível do reconhecimento de seus honorários e na lista de benefícios do
sistema de saúde (REIS NETO; PINTO; OLIVEIRA, 2011).

Contudo, as políticas de Saúde Mental muitas vezes também não consideram


o AT como recurso de planejamento, para isso é necessário recategorizar a formulação
e a implementação das políticas em saúde mental. Principalmente no que se refere ao
trabalho em rede, ao trabalho interdisciplinar com tendência à desinstitucionalização
e ao tratamento ambulatorial, mas com apoio de recursos econômico-sociais do
cotidiano, com uma concepção que apela à comunidade ao defender em primeira
instância os direitos do paciente como cidadão, o que nos remete para a defesa dos
direitos humanos como prioridade nas políticas nessa área.

Nesse enquadre, é importante destacar o que há muito denominamos


“hiatos” na continuidade terapêutica, como uma quebra na continuidade do cuidado
prestado ao paciente, e como o AT ali tem um lugar de relevância, embora possa ser

174
mais sistematizado. Em particular, falamos da trajetória existente entre a saída de uma
internação psiquiátrica e o retorno para casa, em que muitas vezes não são considerados
os elementos objetivos necessários para a permanência, nem aspectos da subjetividade
do paciente que são colocados em jogo naquele momento, ou eventuais ansiedades
familiares. Às vezes, essa saída implica que de um ambiente de “instituição total”, onde
sua atenção era intensiva, 24 horas, vai a zero ou quase nada no atendimento diário e
até semanal. Como afirma Stagnaro (1997, p. 86), o paciente:

Pode de​​ repente se encontrar com um grande vazio e com uma


família (geralmente de grande envolvimento afetivo) que novamente
entra em conflito com ele e a única saída é voltar aos estágios de
recursos terapêuticos para o método mais totalizante, que é voltar
a ser hospitalizado. É preciso então proporcionar uma gradação de
recursos e o acompanhante terapêutico pode desempenhar, em cada
uma dessas etapas, um lugar importante para facilitá-los, para permitir
a passagem de um para o outro. Aí pode desempenhar um papel
terapêutico de dobradiça e ser a ponte em cada mudança de fase.

Vejamos um exemplo. Um paciente com crise psicótica, beneficiário de um plano


de saúde que não tem cobertura de internação, vai se internar num hospital público. Lá
ele fica 15 ou 20 dias, ele é indenizado, eles o medicam e o encaminham ao médico do
hospital, que sabe que ele vai ter uma fila de espera muito longa nos ambulatórios e que
não tem vaga para mantê-lo ali internado, avisa a família que, se não tiverem cobertura
de plano de saúde, procurem um hospital-dia. Ele escreve para um colega tudo o que
aconteceu e a medicação prescrita e encaminha o paciente. A família vai ao hospital-dia
e é informada que não tem vaga naquele horário e que só poderá receber o paciente em
quinze dias. O paciente volta para casa, o momento da reorganização é um momento
muito difícil e nesse período ele tem mais uma crise e retorna ao hospital.

O objetivo é evitar esses “hiatos terapêuticos”, intervalos em que se suspende


a necessária continuidade terapêutica. É uma questão de políticas de saúde, de maior
quantidade e qualidade de hospitais-dia, ou de hospitais noturnos ou residências para
certos casos em que aquele momento se torna especialmente crítico se for em casa.

O atendimento ambulatorial com AT permite outra abordagem quanto ao


cotidiano do paciente, suas angústias ao sair da internação, seu desconforto na
ausência de atividades e projetos etc. A proposta de reinserção sociolaboral e inserção
educacional também é importante na continuidade de um projeto terapêutico após a
crise ou hospitalização, e aqui você também vê o valor do AT.

5 A CONTINUIDADE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL


Na Espanha, a questão da “continuidade dos cuidados” adquiriu grande
importância sob um sistema de saúde diferente e com um crescente desenvolvimento
no campo da Saúde Mental, embora também tenha sido utilizado em cuidados paliativos
com doenças terminais, entre outros problemas de políticas de saúde. É também

175
interessante pensar a respeito do desenvolvimento do lugar do acompanhamento
terapêutico como instância tendente a facilitar a articulação de diferentes setores ou
áreas institucionais (Saúde, Justiça, Educação, Trabalho etc.), a partir de um vínculo
personalizado. Isso possibilita a necessária continuidade no cuidado que um paciente
requer em uma abordagem transversal em Saúde Mental, ou seja, entre os diferentes
setores intervenientes.

Rubio e Nafs (2006, p. 46) afirmam que:

Quando se fala em continuidade da atenção não estamos nos referindo


exclusivamente à rede existente no mesmo sistema de atenção, neste
caso, o sistema de saúde. À saúde mental e especialmente no que
se refere ao cuidado de pessoas com transtornos mentais graves e
transtornos secundários crônicos, temos que entender uma rede
de recursos e instituições, localizados em diferentes contextos ou
sistemas organizacionais, os quais são necessários para garantir o
máximo possível as atividades de cura e cuidado ou de tratamento.

Em termos que nos aproximam da experiência do AT, “no desenvolvimento do


cuidado comunitário às pessoas com transtorno mental, o vínculo e o bom tratamento
de um trabalhador familiar frequente na comunidade poderiam ter mais efeitos
terapêuticos em casa, do que a atenção, muitas vezes esporádica, de especialistas em
saúde” (RUBIO; NAFS, 2006, p. 44).

A coisa mais razoável, afirmam Rubio e Nafs (2006), é a combinação certa de


diferentes intervenções, sociais, psicológicas e farmacológicas.

6 O QUE É ENQUADRAMENTO EM UM
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?
Como pensar o enquadre ou setting em uma situação tão especial e diversa,
com inúmeras variáveis e contextos físicos, com cenários e pessoas que mudam no
ambiente e com tantas coordenadas diferentes em jogo?

Não entraremos em detalhes sobre as definições do que significa o


enquadramento ou setting em um tratamento psicoterapêutico, um assunto sobre o
qual muito foi escrito. Também tem sido escrito e amplamente debatido em relação
ao que significa o enquadramento no dispositivo psicanalítico, gerando, essa questão,
argumentos conceituais opostos, em cujos extremos estão, por um lado, aqueles que
não dão relevância em pensá-lo, de outro, aqueles que procuram dar-lhe um valor de
regulação, de uma diretriz fixa, até chegar a formulações plenamente padronizadas.

Agora, pensaremos em algumas ideias para quem aborda a prática do AT, para
refletirmos sobre as consequências que certas questões que se colocam no início de
um tratamento podem ter para o seu desenvolvimento.

176
Faremos um uso quase metafórico de um texto dedicado à atenção à saúde
mental em situações de desastre. O livro chama-se O Disruptivo: ameaças individuais
e coletivas, a psique em face das guerras, terrorismo e catástrofes sociais, de Monty
Benyakar (2006). É quase metafórico porque em muitos casos se trata de pensar
nesses desenvolvimentos para o tema do AT, para situações de catástrofes subjetivas,
singulares, que não dependem de um evento “externo”, como uma guerra, um ataque,
um terremoto etc. Entretanto, não é nada metafórico se apontarmos, por exemplo,
experiências em que o recurso de acompanhamento terapêutico foi utilizado em redes
de saúde, de assistência social, por exemplo, em situações de enchentes que deixaram
cidades devastadas na Argentina.

A catástrofe, embora seja usada no texto de Benyakar (2006) em um sentido


específico de algo perturbador de um evento social, um desastre natural, um ambiente
ameaçador, focalizamos aqui de uma forma mais restrita: isso é em termos de sujeito.
Como não fazer essa palavra catástrofe ressoar em situações em que a subjetividade
se desintegra? No momento da crise, seja ou não uma loucura diagnosticada, como a
psicose, no impulso que leva à tentativa de suicídio, à agressão excessiva, ao consumo
de substâncias até o colapso, como não falar de catástrofe? Até terremoto, quando
nos referimos ao efeito que isso tem não só em nível de sujeito, mas também no
ambiente familiar.

Afirma Benyakar (2006, p. 196), o enquadramento, sobre sua experiência,


“consistia acima de tudo no tipo de relacionamento particular” que os terapeutas
estabeleceram com as vítimas. Para Benyakar (2006, p. 196), o enquadre deve ser
estável e coerente, mas principalmente “ser flexível e servir como um ‘espaço de
transição’ no sentido psicológico, pessoal e interpessoal”. A elasticidade da estrutura
deve então ser combinada com certas condições de estabilidade e continuidade
exigidas. Daí sua complexidade.

Outro exemplo que conecta isso com o tema de AT é fornecido por uma
vinheta clínica sobre um episódio que aconteceu no trabalho com uma equipe de AT
coordenada por Rossi et al. (1997). De modo resumido, trata-se de um paciente com
quem foi realizado o acompanhamento, por cerca de um ano, após uma breve saída
de internação. O AT tinha chegado ao término após um período de “estabilização”
da evolução desse moço, que chamaremos de “Bruno”, com 23 anos de idade, com
diagnóstico preliminar de psicose. Bruno era estudante de música e informática,
sentindo-se melhor, disse que não via sentido em continuar com o acompanhamento,
a partir do qual, decidiu-se fazer um encerramento, nessa instância, em reunião
de equipe com a terapeuta responsável pelo caso, apesar de ainda estarem sendo
avaliados possíveis problemas para a continuação do trabalho do acompanhante
terapêutico e, em particular, a questão de certa apatia e dificuldades para sustentar
as suas atividades, como voltar às aulas de música.

177
Tendo passado o período crítico e avaliados os aspectos subjetivos em jogo
naquele momento na intenção de não dar continuidade ao AT, a terapeuta responsável
tentou priorizar o trabalho a partir do aparelho psicoterápico individual. A partir daquele
ano, o AT foi solicitado novamente, pois houve uma certa “pausa” no paciente, que às
vezes ficava muito retraído, sem respostas quando falavam com ele, e que passou a
incomodar a família (mãe e irmã). No primeiro passeio que aconteceu, o dia em que o
AT foi reiniciado, quando ele estava indo com o seu acompanhante terapêutico e sua
irmã para um quiosque, Bruno saiu correndo, encontrando um lugar para se esconder
a uma quadra de um imenso parque público de Buenos Aires. O acompanhante
terapêutico e sua irmã correm atrás ele, perdendo-o, a princípio, de vista, chamando
na ocasião o coordenador da equipe de AT (Gustavo Rossi) e a psiquiatra (terapeuta
responsável pelo caso).

Benyakar (2006, p. 197), em seu livro sobre catástrofes, afirma que “em situações
catastróficas, ou quando há clima de ameaça à integridade pessoal, a prioridade é
oferecer um ambiente físico estável que restaure um ambiente relativamente seguro,
constante e equilibrado”. Essas linhas do livro referiam-se à Guerra do Golfo. No caso
do exemplo anterior, o caso do Bruno, podemos nos referir à guerra de Bruno, sua luta
interna. Pode-se supor que estava começando uma produção alucinatória. Vamos
continuar com o relato do caso.

Quando Rossi pediu à psiquiatra para enviar uma equipe de emergência


psiquiátrica, a indicação que ele deu ao acompanhante terapêutico foi que quando
encontrasse Bruno tentasse procurar algum lugar no caminho de um certo refúgio, uma
parada de ônibus coberta, um bar, ou, de preferência, ir para casa.

Um espaço físico limitado permitia algum grau de contenção mais estável e


contornos mais precisos do que um parque insaciável de vários hectares perdidos
na imensa cidade. Tratava-se de localizar um ponto de referência, que também não
aconteceria sem o acompanhante (é importante ressaltar).

A catástrofe em Bruno, efetivamente, estava a desenrolar-se e, ao encontrar


o AT, disse que sentiu que “devia correr”. Já em casa, a situação se acalmou
momentaneamente, embora a agitação retornou logo em seguida, tornando inevitável
a internação institucional naquele momento. O ambiente em casa – agora de angústia
e a confusão familiar –, e o nível de catástrofe subjetiva que se aprofundava, tão
desagregador, não possibilitaram outra alternativa, embora inicialmente se avaliou a
possibilidade de uma internação domiciliar.

Da mesma forma, a tarefa de acompanhamento terapêutico naquele tempo


decorrido durante e após os episódios no parque, foi reconhecida pela família como muito
útil, principalmente para evitar grandes catástrofes nessas horas, até que ocorresse a
hospitalização. Levando em consideração que em anos anteriores, em duas ocasiões,
o paciente, sentindo-se “trancado pela família”, em suas palavras, num momento de
agitação, havia tentado pular pela sacada do apartamento do quarto andar.

178
Agora, voltaremos ao livro mencionado. Benyakar (2006, p. 197) escreve que
toda atividade “era usada como uma ocasião para fornecer contenção. Os encontros
não eram considerados sessões de psicoterapia, nem eram conduzidos de acordo com
as práticas terapêuticas usuais”. Isso nos deixa ensinamentos para certas situações do
AT. Por um lado, para intervenções em momentos de crise de um paciente, por outro
lado, a noção de uma atividade entendida como contenção é extremamente útil. Um
“enquadramento da atividade”, isto é, inerente ao enquadramento. Porque muitas vezes
é disso que tratam algumas das circunstâncias no AT, situações em que a própria
atividade é parte de uma estratégia que tende à contenção e faz o enquadramento.

Benyakar (2006, p. 201) afirma:

Para que qualquer lugar se transforme em elemento de enquadre,


por exemplo, a pedra ou a árvore da guerra do Yom Kippur com a
qual construímos a intimidade necessária para realizar o trabalho
terapêutico, também é necessário que o profissional encontre
o tempo e a disposição mental necessários para atender tais
situações precárias.

Para construir essa intimidade necessária, frisamos, o profissional tem que


construir um enquadramento e ligações, estáveis ​​e coerentes, flexíveis e com espaço
transicional.

Agora, veremos como definir algumas coordenadas na prática do AT. O cenário,


o setting, o enquadre, então, não é necessariamente o local físico. Há casos em que o
setting também não será algo predeterminado a partir da variável temporal, de duração
do tempo do AT. No entanto, quanto à variável temporal, devemos salientar que a
determinação de uma hora de início e de término para o acompanhamento, na maioria
dos casos, especifica um contorno fixo que se ajusta a essa configuração, o que em
muitos casos é essencial (ROSSI et al., 1997).

Seja de uma forma ou de outra, estabelecer um enquadramento implica que


existem condições para que o acompanhante terapêutico tenha o tempo e o espaço
necessários, permitindo-lhe ter a disposição mental de acordo com a situação. A
partir disso, partimos para os dados e detalhes pragmáticos que constituem o tema
do enquadramento. Ele tentará estabelecer um contrato que formará uma estrutura
simbólica para a relação que está começando a se formar. Esta estrutura fornecerá as
referências para a situação de AT de diferentes ângulos: paciente-AT, família-AT, equipe
profissional-AT.

Um conjunto de regras é então estabelecido no início, que será explicitado nas


instruções apropriadas. Os horários do acompanhamento, os honorários, as atividades
e o local onde é realizado o AT são os elementos básicos a se ter em consideração neste
conjunto. Isso induz, por exemplo: tempo de duração do espaço diário de AT, tipos de
passeios, o que é “autorizado” pelo terapeuta responsável pelo caso, objetivos iniciais
etc. Ao mesmo tempo, deve ficar claro em princípio para cada AT – mas às vezes também

179
para a família – os procedimentos que podem ser prescritos com antecedência em caso
de emergências e em questões avaliadas como de risco: algumas pontuações básicas
sobre como lidar com aquele paciente – o que pode ser estabelecido entre a equipe de
AT e o terapeuta responsável, que é aquele que o conhece –, a quem ligar, condições
de acesso e de ser atendido no sistema de saúde a que pertence etc. (LERNER, 1984).

Nos casos em que seja pertinente, procura-se também que o paciente participe
do estabelecimento de algumas coordenadas e gradativamente em suas variações.
Isso tem dado bons resultados nas experiências em que pode se refletir, levando o
paciente a uma posição mais ativa, que facilita a tarefa e retorna positivamente no
vínculo com o AT.

Em linhas gerais, sublinhemos, o enquadre é composto por elementos que devem


ser constantes, contemplando, por sua vez, as variações que podem ocorrer ao longo do
tempo, ou seja, deve ter um aspecto variável, devido às modificações que serão feitas
de acordo com o futuro e o que ele está fazendo no tratamento. Procuramos sempre dar
origem ao que “não cabe”, ao novo, que surge do lado da “invenção” naquele encontro
terapeuta-TA-paciente-família. Para alguns autores, há um certo “encontro” que seria
denominado “acontecimento”, que seria algo que nos surpreendesse positivamente, se
tivermos disposição para isso, e permitir que as mudanças necessárias sejam facilitadas
no desenvolvimento de um tratamento e de um AT.

Inicialmente, o terapeuta responsável, às vezes em conjunto com o coordenador


da equipe de AT, determinará a modalidade (onde é realizado, se há passeios ou não
etc.) e o número de horas de acompanhamento para o caso. Outras vezes, o terapeuta
pode consultar a equipe sobre as questões de instrumentação mais pertinentes ao
caso do ponto de vista do AT. Tratando-se de uma equipe de AT, o coordenador é quem
determina esses detalhes, podendo ser conveniente realizar entrevistas prévias com
os familiares para ajustar os detalhes do dispositivo requerido pelo paciente, manhã ou
noite, rodízio e duração dos turnos de cada acompanhante terapêutico etc.

A partir daí haverá um “contrato”, que poderá ser feito pelo acompanhante
terapêutico, pelo coordenador, pelo terapeuta ou pela instituição, ou vários deles em
conjunto, com a família e/ou com o paciente. É conveniente especificar os elementos
básicos inicialmente, mesmo se você for recontratado mais tarde.

Também é responsabilidade do coordenador da equipe coletar as informações


transmitidas por cada acompanhante terapêutico e realizar as respectivas reuniões.
Conforme o caso, é estabelecida uma periodicidade nas reuniões, podendo ser o próprio
coordenador quem exerce a função de fiscalizar a equipe, ou essa função pode ser
assumida por outro profissional. Também centralizará a comunicação sobre o AT com o
terapeuta ou a equipe institucional responsável pelo caso e poderá avaliar mudanças,
reduções de horários etc. no contexto do trabalho em equipe que são necessários à
medida que o acompanhamento avança.

180
6.1 EXISTEM MOMENTOS E MOMENTOS
É necessário graduar com precisão os momentos pertinentes para fazer
intervir o acompanhamento, os tempos de duração do esquema proposto para efetuar
variações, o que implica calibrar diariamente as respostas às exigências e aos obstáculos
que surgem, bem como a possibilidade de continuar a contar com o esforço familiar,
o ambiente habitual e a equipe profissional. Sua modalidade não é a mesma quando a
crise é recente (em um momento “agudo”), como nas situações em que é utilizada para
manter a continuidade diante daqueles “intervalos” que podem permanecer entre as
diferentes etapas do tratamento (internação, ambulatorial) (ROSSI et al., 1997).

Também é necessário avaliar com o terapeuta responsável se é conveniente


para o caso de os tempos e os espaços de um AT domiciliar serem compartilhados com
a família, com alguns de seus membros, ou se é necessário proteger o paciente de
vínculos com seu pai, mãe, irmão etc. Tudo isso nos remete ao enquadramento e caso
seja uma equipe de AT é algo pertinente ao coordenador.

Pensaremos nas diferenças de sua implementação, em linhas gerais, segundo


dois momentos que têm a ver com o agudo ou o crônico de um quadro clínico:

• Se o AT for implementado no momento de uma crise, em face da urgência.


• Se o AT for implementado diante de um problema “crônico”, como também é o caso
em uma situação em que o sujeito está estabilizado, em que há um trabalho que terá
outra temporalidade, é possível pensar em outra gestão de variável temporal.

Além de ser necessário pensar nessa implantação de acordo com o caso,


avaliamos também o lugar da família nessa fase, e mesmo se é pertinente realizar um
AT quando a solicitação vem de uma família sem possibilidade de trabalho no âmbito de
uma equipe interdisciplinar e em que não houve indicação e/ou interesse por parte do
terapeuta que atende o paciente.

6.2 ACORDOS E ANUÊNCIAS PARA O ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO
Há um aspecto que determina duas dimensões distintas também para a
abordagem do AT, suas modalidades e as eventuais dificuldades: o que acontece
com o “consentimento”, a concordância do paciente com o AT? Diferenciaremos
entre duas situações:

181
A- Casos em que não há consentimento do paciente para que o AT seja incluído em seu
tratamento (às vezes até divergências por parte de alguns familiares). Este dispositivo
está incluído por ser uma indicação do terapeuta responsável/equipe, independente
da vontade ou exigência do paciente.
B- Casos em que exista tal acordo por parte do paciente e de sua família.

Devemos levar em conta (em cada país/estado) os problemas jurídicos que essas
questões implicam para a psiquiatria e a saúde mental, que dão conotações e requisitos
para uma internação restritiva e fechada e nos remete a conceitos, como “risco de
dano” a si mesmo e a terceiros e à obscura noção de “periculosidade” – cada vez mais
questionada pelos efeitos discriminatórios que têm gerado.

Enfatizamos que essas duas situações geram previsões diferentes (ainda que
como hipóteses) ao modelar o dispositivo e suas instruções e serão abordadas neste
espaço de acordo com a particularidade da situação (ROSSI et al., 1997). O trabalho é
feito em reuniões de equipe quanto à rejeição que pode surgir por parte do paciente
em relação ao dispositivo de AT. Quando há vários acompanhantes, é necessário
acompanhar atentamente se o vínculo com determinado AT é negado, tentando
pensar a lógica em que esses vínculos se encontram, as situações que geram e, se
viável, sua articulação com o que foi abordado nas sessões com o seu terapeuta.

Vejamos outra vinheta:

No caso de Sebastião, ocorreram diálogos recorrentes entre Júlio, um dos


acompanhantes terapêuticos, com o irmão deste paciente, que estava em casa durante
as horas em que era feito o acompanhamento, e estava gerando um desconforto
em Sebastião para aquele acompanhante terapêutico em particular, o que provocou
situações posteriores de rivalidade e tensão nas saídas. Na medida em que isso foi
abordado na reunião de equipe, e que uma dessas situações também foi levada por
Sebastião para o espaço da terapia, o trabalho neste enquadre permitiu esclarecer alguns
problemas de sua história familiar que foram jogados contra Sebastião no vínculo com o
irmão e na presença de um terceiro, em que a ideia de um rival afetuoso com os outros
foi posta em cena. Em uma equipe em que havia vários acompanhantes terapêuticos
que estavam com Sebastião, por que isso não ocorreu com os outros acompanhantes?

Em primeiro lugar, nos outros momentos em que os acompanhantes estavam, o


irmão de Sebastião estava ausente, ou estava esporadicamente. Em segundo lugar, uma
certa disposição de Júlio para o diálogo no grupo familiar, que não estava presente nos
demais acompanhantes, também fez uma diferença significativa, gerando diferentes
efeitos de transferência no paciente. Aquele arranjo, que era senso comum no contexto
familiar, tinha que ser algo “pensado”, principalmente neste caso, e trabalhado na
reunião de equipe.

182
Em situações em que não há concordância com a intervenção, pode ocorrer
rejeição, até indiferença, renúncia etc. antes da permanência do AT e antes dos
objetivos propostos serem alcançados. Às vezes, isso também acontece com a família,
embora não explicitamente, mas por meio de atitudes de boicote ou “resistência” à
nossa intervenção. Isso acontece principalmente nas hospitalizações domésticas,
quando os membros de uma família vivenciam esse novo cenário extraordinário como
uma intrusão em seu cotidiano. É um tema para trabalho na equipe de atendimento,
com a participação do terapeuta responsável pelo caso que indicou o AT (FIORATI;
SAEKI, 2008).

Entretanto, em muitos casos ocorre o inverso para a família, ou seja, a
permanência do AT no contexto familiar gera um forte alívio e tranquilidade, na medida
em que significa uma ajuda, uma contenção diante de episódios que se repetem e que
são muitas vezes vistos como “fora do controle” (RUBIO; NAFS, 2006). Encontramos
famílias angustiadas e sobrecarregadas, nas quais os acompanhantes terapêuticos são
“bem-vindos”. Às vezes, isso não significa que outros obstáculos não sejam gerados
posteriormente, com o passar do tempo, e às vezes isso aparece justamente quando o
paciente apresenta uma melhora em seu estado.

Principalmente em casos mais resistentes, será fundamental direcionar o trabalho


inicial para o estabelecimento de alguma confiança no vínculo, a partir de uma atitude de
cautela e disposição do acompanhante terapêutico para o diálogo.

Geralmente é conveniente deixar explícito – nos casos em que haverá um


grande número de horas de AT por dia – que não é necessário que o paciente esteja
disposto a falar durante todo esse tempo, nem para manter a atenção na relação com os
acompanhantes terapêuticos. Diga-lhe para fazer as coisas regularmente nessas horas,
obviamente desde que isso esteja dentro das orientações gerais dadas pelo terapeuta
responsável: leitura; assistir televisão, usar o computador, até dormir ou passear etc.; e
que o acompanhante terapêutico está aí para ajudar quando for preciso, para conversar
se tiver vontade. O acompanhante estará em tal caso com a “disposição mental” e o
tempo necessário, embora este tema seja diferente quando sua intervenção estabelecer
diretrizes relacionadas a passeios, busca de estímulos e interesses por atividades
possíveis etc.

6.3 QUANDO ISSO ACABA? OS FINAIS NO


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Outro aspecto das coordenadas gerais do AT é o que se refere ao tempo
estimado de duração de um acompanhamento e, associado a isso, como propor o final
em um processo de acompanhamento, como pensar o fechamento, como finalizar o AT
em cada caso.

183
É responsabilidade do terapeuta ou equipe responsável pelo caso e/ou do
coordenador da equipe de AT conversar com a família sobre o assunto; e nos casos
pertinentes, com o paciente. Não é conveniente definir um tempo de duração do AT a
priori. Faz-se alguma apreciação “estimada” de forma aberta sobre a duração de um
AT quando este é recomendado para o problema em que se encontram o paciente e a
sua família, fazendo-o de acordo com a avaliação feita pelo terapeuta ou pela equipe
que o indica, e para a qual, a partir do AT, podemos contribuir com nossa perspectiva e
experiência. Entretanto, a questão deve ser avaliada caso a caso, considerando anseios,
conhecimento ou não do recurso, perspectivas de como o caso continuará a ser tratado,
história prévia de laços familiares etc. (ROSSI et al., 1997).

Por exemplo, o que se pode dizer sobre a eventual duração de um AT quando


este começa em um momento de crise com um paciente que também não estava em
tratamento (o que dizer: praticamente nada) não é o mesmo que em um caso em que
o AT é incluído ocasionalmente para apoiar a passagem de uma internação em hospital
ou clínica psiquiátrica para outra instituição que responda mais adequadamente às
características do caso. É comum, nos casos dessa passagem, que com esses pacientes
sejam agendados com um determinado tempo de duração, também implique um
horário planejado para o acompanhamento, pelo menos em um primeiro contrato feito
com o paciente e sua família, resultando em um processo de trânsito que culmina em
poder fazer um fechamento conforme acordado, com o objetivo alcançado. Entretanto,
acontece que várias vezes outro esquema é posteriormente repreendido, de acordo
com a nova situação que se gera e a evolução do caso.

O prolongamento indevido de um acompanhamento, em termos do número


de horas que tem por dia e da sua duração, nas situações em que se deva fazer uma
redução gradual para ir ao seu término, pode ser o motivo de reações impulsivas do
paciente, transgressões, confusão no papel ou mal-estar familiar, o que acaba frustrando
o acompanhamento (STAGNARO, 1997).

Por isso, na equipe e na supervisão do acompanhamento terapêutico, este


tema tem que estar presente e ser trabalhado com o terapeuta que dirige o tratamento.
Isso é necessário para que não se torne contraproducente em determinado esquema
de horários e a persistência de um objetivo de AT quando a situação subjetiva do
paciente já foi modificada, bem como suas condições objetivas/materiais, e em relação
ao cotidiano, ambiente familiar ou institucional. Tem sido dito que muitos ATs terminam
abruptamente, de forma inesperada, devido a um acting out em que o paciente precipita
a conclusão, devido a uma decisão intempestiva da família etc., mas essa questão deve
ser mais importante nos treinamentos, nos congressos, nos espaços de reflexão sobre
AT e no diálogo com os terapeutas e equipes responsáveis pelos casos.

Por outro lado, geralmente não é conveniente realizar o fechamento súbito do


AT quando ele era realizado diariamente; ou com alto nível de presença semanal. Parece
óbvio, mesmo assim, às vezes acontece de o terapeuta responsável levantar a rescisão

184
repentina (ou concorda com o pedido da família neste sentido), quando na semana
anterior havia acompanhamento diário, por várias horas. Lá, ressurge a necessidade de
uma articulação mais precisa com o terapeuta no que diz respeito às implicações desse
espaço e à avaliação do que ele comporta em termos de subjetividade.

Assim, quanto ao culminar do acompanhamento, notamos que atualmente


nem sempre acontece de forma intempestiva. Da mesma forma, em defesa do AT, os
desfechos prematuros também fazem parte da prática do terapeuta, uma vez que essa
recorrência está relacionada aos problemas complexos dos casos que são tratados,
naquele espaço de fronteira, das bordas, que não é um precipício, mas que transita à beira
de colapsos. Na medida em que levamos em consideração as questões anteriormente
mencionadas, os tempos e a evolução do paciente com sua correlação nas mudanças
ou cristalizações familiares, o desenvolvimento de um acompanhamento terapêutico e
seu encerramento podem ser trabalhados de outra forma. A comunicação interna e o
trabalho em equipe serão, portanto, centrais, o que exige que o terapeuta leia o caso,
acompanhe o movimento do AT e evite a pressa de sua conclusão inadequada.

185
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A clínica do acompanhamento terapêutico é diferente das terapias tradicionais, pois


seu trabalho acontece em movimento. A clínica pode ser a escola, a rua, a residência
do sujeito, não tem espaço físico definido.

• A prática do acompanhamento terapêutico não é limitada somente ao uso das


abordagens, como Psicanálise, Gestalt-Terapia, sistêmica ou Terapia Cognitivo-
Comportamental.

• O AT é um verdadeiro espaço em branco, ele não é nem um psicólogo, nem um


terapeuta ocupacional, nem um enfermeiro. Ele se constrói a partir das necessidades
do paciente.

• Há acordos e anuências para o acompanhamento terapêutico e elementos que o


acompanhante precisa se atentar.

186
AUTOATIVIDADE
1 Com relação à atuação profissional do AT, ao que cabe a ele ser e fazer, a autora
“refere-se à necessidade” a que responde a implementação do AT. Ela escreve que
o AT responde a “duas necessidades. Uma necessidade do terapeuta, que tem uma
disponibilidade finita para o atendimento de determinado caso”. Qual o nome da
teórica que escreveu a citação anterior?

a) ( ) Judith Butler.
b) ( ) Dra. Beatriz Dorfman Lerner.
c) ( ) Alice Walker.
d) ( ) Joan Scott.

2 Quando falamos sobre o setting terapêutico, precisamos nos atentar que a clínica do
AT é realizada totalmente diferente da tradicional, por ser uma clínica em movimento.
Benyakar (2006, p. 196) explica sobre o enquadramento do setting. A respeito das
particularidades desse processo vital do idoso, analise as sentenças a seguir:

FONTE: BENYAKAR, M. Lo disruptivo: amenazas individuales y colectivas: el psiquismo ante


guerras, terrorismos y catástrofes sociales. 2. ed. Buenos Aires: Biblos, 2006.

I- Consistia acima de tudo no tipo de relacionamento particular que os terapeutas


estabeleceram com as vítimas.
II- O enquadre deve ser estável e coerente, mas principalmente “ser flexível e servir
como um ‘espaço de transição’ no sentido psicológico, pessoal e interpessoal”.
A elasticidade da estrutura deve então ser combinada com certas condições de
estabilidade e continuidade exigidas.
III- O enquadre deve se atentar somente às condições físicas do sujeito, os aspectos
emocionais e sociais outros setores da rede realizam o acompanhamento.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

187
3 Em situações catastróficas, Benyakar (2006, p. 197) explica o conceito de catástrofes
e fala a respeito de quais são as prioridades que devem ser atendidas com relação ao
cuidado ao seu paciente. Sobre as prioridades citadas pelo autor, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

FONTE: BENYAKAR, M. Lo disruptivo: amenazas individuales y colectivas: el psiquismo ante


guerras, terrorismos y catástrofes sociales. 2 ed. Buenos Aires: Biblos, 2006.

( ) A prioridade é levá-lo em um hospital ou clínica mais próximo.


( ) A prioridade é oferecer um ambiente físico e estável, que restaure um ambiente
relativamente seguro, constante e equilibrado.
( ) A prioridade é levá-lo em uma clínica para internação e avaliação do trauma sofrido.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 A respeito dos acordos e anuências para o acompanhamento terapêutico, existe


um aspecto que determina duas dimensões distintas também para a abordagem
do AT, suas modalidades e as eventuais dificuldades, que é o que acontece com o
“consentimento”, a concordância do paciente com o AT. Diferencie as duas situações:

5 Após o primeiro contato com o paciente e/ou familiar e ter realizado o alinhamento de
como será o acompanhamento terapêutico, vem a parte de realizar o contrato. Quem
é o responsável em fazer esse documento?

188
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E
GESTALT-TERAPIA

1 INTRODUÇÃO
A Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia que teve crescimento e
visibilidade a partir da década de 1950 por partilhar de ideais e lançar questionamentos
que correspondiam ao caldeirão cultural da época (FRAZÃO, 2013). O termo “Gestalt”
significa, em alemão, “forma” ou “figura”, não tendo uma tradução que seja fiel ao termo
original. Os precursores da Gestalt-terapia são Fritz Perls, Paul Goodman e Laura Perls,
além de outros que contribuíram para a teoria, mas estes três gestaltistas foram os
responsáveis pela organização e difusão da teoria (BELMINO, 2020).

FIGURA 1 – FRITZ PERLS, LAURA PERLS E PAUL GOODMAN

FONTE: <http://comunidadegestalticabahia.com.br/gestalt-terapia/>. Acesso em: 28 set. 2021.

INTERESSANTE
A perspectiva do novo e do diferente é uma forte tendência da Gestalt-
terapia, tendo fundadores que vivenciavam, na prática, algo do dissidente.
Paul Goodman esteve intensamente envolvido com os movimentos de
desescolarização e da nova esquerda americana, tendo como referência as
teorias anarquistas europeias e as ideias de John Dewey. Fritz Perls era judeu,
que precisou fugir da Alemanha no período do Holocausto e morou por algum
tempo na África do Sul, sendo um migrante assumido e estando sempre
envolvido com movimentos culturais da época. Laura Perls era uma acadêmica
nata, trabalhando com a Psicologia da Gestalt, além de ter se envolvido com
movimentos culturais e musicais, considerando que também era pianista e
bailarina (BELMINO, 2020).

189
Nesse sentido, a Gestalt-terapia cresceu, alimentou-se e manteve-se próxima
a diálogos com movimentos de contracultura da época, como o movimento hippie e
os questionamentos em torno da psicanálise. Em termos teóricos, aproximou-se de
correntes “fenomenológicas, existencialistas, sistêmicas, transpessoais, pragmatistas,
bioenergéticas, psicanalíticas, neopsicanalíticas xamânicas e pós-modernas” (BELMINO,
2020, p. 32). Isso demonstra sua versatilidade e seu diálogo com a realidade e com a
teoria a partir de diferentes frentes. Chegou ao Brasil a partir da década de 1970 e atraiu
psicólogos devido a sua concepção horizontalizada de homem.

Assim, a abordagem tem por proposta uma reflexão sobre o lugar da experiência
e propostas com vieses de experimentação para repensar nosso lugar no mundo de
maneira criativa, pois “o tédio, o medo, a repetição e a falta de contato com a experiência
são reflexos de uma vida que sucumbiu ao habitual [...] sem espontaneidade” (BELMINO,
2020, p. 19). A Gestalt-terapia trabalha em prol da descoberta e invenção de novas
possibilidades e potencialidades do sujeito, expandindo sua consciência num sentido
muito amplo.

Embora a Gestalt-terapia não seja uma referência para o campo do AT,


ambas dialogam quanto aos seus contextos de formação e suas concepções de
homem. Considerando estes aspectos da Gestalt-terapia, veremos, de forma breve,
alguns fundamentos e conceitos da abordagem e a construção e tessitura de um
Acompanhamento Terapêutico tendo a Gestalt como base teórica.

2 ALGUMAS BASES CONCEITUAIS DA


GESTALT-TERAPIA (GT)
Em Ego, Fome e Agressão, Frederick Perls apresenta algumas críticas à
psicanálise e alguns novos conceitos, com os quais baseia e elabora também a
construção da Gestalt-terapia. Nesse sentido, como passo inicial, desenvolve o
conceito de “indiferença criativa”, o que endossa outros modos de perceber os
fenômenos (PERLS, 2002). Para tal, ao invés de partir de uma teoria estruturalista que
surge com uma série de a prioris e regras de causa e efeito, Perls (2002) defende o
pensamento diferencial, o que tem como base o método dialético. Assim, desloca os
questionamentos de “por quê?” para “como?”, não estabelecendo explicações nem
aplicando uma nomenclatura universal, mas contextualizando as experiências de
forma holística.

190
DICAS
O primeiro livro de Fritz Perls teceu críticas à psicanálise e fertilizou ideias para a
construção da Gestalt-terapia. Assim, este trabalho representa o início de uma mudança
radical e é primordial para o conhecimento dos primórdios da teoria.

FONTE: <https://www.gruposummus.com.br/livro/ego-fome-e-agressao/>.
Acesso em: 28 set. 2021.

Além do método dialético que se propõe a partir de opostos e sínteses,


a psicologia diferencial também dialoga com a perspectiva fenomenológica de
intencionalidade, em que consciência é sempre consciência de alguma coisa. O
deslocamento do “por quê?” para o “como” também ressalta uma suspensão de juízos,
um retorno às coisas mesmas, uma observação do fenômeno, sabendo, contudo, que
não há a possibilidade de uma redução absoluta. Neste cenário, outras formas de
sentir e perceber podem ser delineadas, com as especificidades, as temporalidades, as
materialidades e as espacialidades de cada contexto (TSALLIS, 2014).

A Gestalt-Terapia também tem como uma de suas bases a Psicologia da Gestalt,


que tem como um dos princípios a noção de que nossa percepção se orienta a partir
do princípio de figura-fundo (FRAZÃO, 2013). Isso corresponde às totalidades que se
apresentam de diferentes formas, dependendo das circunstâncias. Desse modo,
dependendo do contexto, algo que até então se encontrava indistintamente num fundo,
torna-se proeminente e enfático, ou seja, torna-se figura.

191
Esse fluxo é uma constante em nossas vidas, de forma que isso também dialoga
com nossas necessidades. O que é figura em um momento surge num sentido de ser
“resolvida”, de ter um fechamento de Gestalten e, com essa necessidade satisfeita,
retorna a um fundo distinto. Isso ocorre tanto num nível de necessidades orgânicas
básicas, como fome e sede, como também em níveis mais subjetivos, o que está
sempre contextualizado no campo do sujeito (FRAZÃO, 2013). Figura e fundo integram
a totalidade da Gestalt.

Assim, as necessidades que surgem para o indivíduo podem perturbar o


equilíbrio estabelecido, de modo que o indivíduo buscará reestruturar-se por meio
de contato ou de fuga, interagindo com o meio. Não obstante, as necessidades
são inúmeras e ocorrem simultaneamente (física, psicológica, sociais e espirituais),
o indivíduo estabelece uma hierarquia de necessidades, uma espécie de escala de
valores, e atende à necessidade que é prioritária naquele momento (CARDELLA, 2014).
A necessidade prioritária é o que chamamos de “figura” e as demais necessidades
permanecem no “fundo” do indivíduo até que estas também se tornem prioritárias e,
portanto, “figuras”.

A fenomenologia de Edmund Husserl também oferece contributos para uma


teoria e uma prática em Gestalt-Terapia. Além de seus fundamentos afastarem-se de
uma lógica positivista e cartesiana, na perspectiva husserliana, a consciência representa
movimento e ação, o que também apresenta um caráter não reflexivo, considerando
que os aspectos sensórios são anteriores ao modo reflexivo. Desse modo, há em nós
uma recepção do mundo em termos de sensibilidades corpóreas – que é forma primeira
como os fenômenos chegam. Por essas vias, o fenômeno não é uma entidade pura que
está em um ser ou em outro, pois está sempre diante do indivíduo, o fenômeno, assim,
dá-se no encontro (MOURA, 2015).

O fenômeno como algo que acontece no encontro e não como algo intrínseco no
indivíduo também pode ser percebido nas nossas relações, de maneira geral, e, na prática
clínica gestáltica, como um convite. Isso também se relaciona com a noção de tempo a
partir, não de chronos – o senhor que mede o tempo em horas, datas e compromissos
– mas de kairós, o deus do tempo oportuno, o deus das estações. Desse modo, kairós
apresenta um tempo subjetivo que pode ser concebido a partir das percepções de
fenômenos, dos encontros que a pessoa vivencia em seus horizontes de passado e
de futuro. Uma compreensão do tempo de forma kairótica representa, também, uma
ampliação da consciência, um pertencimento ao presente, uma percepção das coisas
por elas mesmas.

192
INTERESSANTE
Kairós está relacionado à qualidade do tempo vivido, um tempo divino, presente nos
momentos especiais e inesquecíveis, que não se perdem no tempo do calendário. Ele flui,
vai e retorna, marcando os momentos emocionantes. Refere-se a um instante, ocasião
ou momento, que deixa uma impressão forte e única por toda a vida. Por isso, Kairós
refere-se a uma experiência atemporal, na qual percebemos o momento oportuno em
relação à determinada ação. Em contrapartida, Chronos é considerado o senhor do
tempo cronológico, o tempo que passa e pesa, o deus que cobra tradição e conservação.
Na abordagem gestáltica, dialoga-se com a ideia de um tempo kairótico, oportuno, não
necessariamente atrelado ao tempo comercial, mercadológico e cronológico.

FIGURA 2 – KAIRÓS – DEUS GREGO

FONTE: <https://medium.com/diarios-de-kairos/introdu%C3%A7%C3%A3o-
aos-di%C3%A1rios-de-kairos-790d63e7df8b>. Acesso em: 29 set. 2021.

Na GT, o foco é sempre na consciência e no que se mostra presente, o que, nos


termos da abordagem, é o que se mostra como figura. O que não é figura, corresponde
ao fundo do sujeito. Nesse campo psicológico, o que é figura e o que é fundo pode
mudar dependendo de uma série de fatores e contextos, mas quando uma situação se
faz figura (se torna presente), ela representa uma situação em aberto, uma gestalten,
que busca fechamento. Nesse sentido, algo toca o indivíduo, que o faz movimentar
a estrutura e as prioridades do seu próprio campo. A partir desses termos, podemos
pensar na GT como uma terapia do contato, do cuidado, da relação.

Seguindo essa linha de raciocínio, a normalidade é a capacidade


adaptativa do individuo frente às diversas situações de sua
vida. Haverá doença à medida que o individuo responder
inadequadamente a determinada situação, colocando em risco
a sua própria sobrevivência e/ou a do outro. Assim sendo, saúde
é um processo de construção mútua, pois individuo e mundo,
organismo e meio coexistem necessariamente, atualizando-se
concomitantemente, passando da esfera do possível para a do real
(BOAVENTURA, 2013, p. 83).

193
A Teoria Organísmica, de Kurt Goldstein, outra das bases da Gestalt-Terapia,
tem como proposta uma visão de indivíduo unificado, integrado, não dividido em
partes, não separado por blocos e compartimentos. Não obstante, a importância
em reconhecer as partes dá-se justo pelo fato de que uma interferência nas partes
também afeta o todo. Nesse sentido, o organismo sempre busca a organização, a sua
homeostase e a autorregulação.

Considerando, contudo, que o indivíduo está sempre imbricado a um contexto


(um meio social, um ambiente), este também interfere nas suas possibilidades de
ação, ou seja, as potencialidades de autorregulação do organismo também dependem
ou dialogam com as condições possíveis a depender do ambiente. Nesse contexto, o
organismo está estruturado em termos de figura e fundo e numa ação contínua do
indivíduo para movimentos perceptivos, de forma que nem figura nem fundo são
estáticos, pelo contrário, podem ser elásticos e flexíveis, caso haja abertura para tal.
Portanto, as figuras que se tornam proeminentes no fundo do indivíduo dizem respeito
às necessidades do organismo e há uma configuração e atualização deste cenário de
maneira constante. Com a necessidade sendo satisfeita, surgem outras necessidades e
novamente o fundo e a figura se reorganizam.

A autorregulação do organismo é o acordo do organismo com o meio para


alcançar um todo integral e harmonioso (WALLEN, 1977). Esse processo pode se dar
como uma busca por desejos e satisfações que podem deparar-se com frustrações
no meio do caminho e estas, por sua vez, podem abrir espaço para a criatividade, que
é explorar novas possibilidades do campo. Estes movimentos são denominados de
“ajustamento criativo”, que diz respeito a uma adaptação ao meio de forma criativa tanto
em relação ao ambiente quanto aos desejos e necessidades do indivíduo. Na prática,
em meio a uma ou a tantas frustrações, o indivíduo pode desenvolver comportamentos
disfuncionais e neuróticos que o fazem se perceber longe da realização almejada,
focando de maneira mais enfática na frustração já cristalizada.

O comportamento neurótico não satisfaz as necessidades do indivíduo, podendo


cristalizar figura e fundo, interrompendo um fluxo figura-fundo e impedindo o processo
de autorrealização ou o fechamento da Gestalt (WALLEN, 1977). Com isso, a harmonia e
a homeostase do organismo ficam comprometidas. Um dos problemas da cristalização
é o esvaziamento das experiências outras que seriam possíveis pelo viés da novidade e
de novos caminhos em detrimento a um repertório que se repete numa rotina tediosa
que não atende às necessidades nem aos desejos.

194
Não obstante, um comportamento neurótico pode ter sido, em alguma altura,
um modo criativo de lidar com alguma demanda do campo que permanece quando
pode haver outros recursos à disposição do indivíduo, mas que este não contata. Esses
processos de organização do organismo em busca de satisfação são dinâmicos, mudam
constantemente, de forma que é necessário que haja atualizações do indivíduo e sua
configuração para utilizar os próprios recursos e ajustes criativos.

DICAS
Outra forma de compreender conceitos teóricos e acadêmicos pode ser através da
literatura, sendo esta uma forma criativa de relacionar-se com o mundo e com os estudos.
O livro A Parábola do Semeador, de Octavia Butler (autora negra de ficção científica da
década de 1970), tem como narradora a adolescente Lauren Olamina, que cria uma
“filosofia de vida” que carrega como slogan a frase “Apenas a mudança é permanente”, o
que dialoga com um pensamento gestáltico devido à abertura da protagonista ao novo
em meio ao caos. O cenário do livro dá-se numa realidade distópica (e possível!), onde
os recursos naturais são escassos, as mudanças climáticas são intensas e boa parte dos
cidadãos estão desempregados e sem moradia segura. Em meio a uma crise ambiental,
política e econômica, Lauren Olamina aceita o caos como uma constante de forma a
embelezá-lo e, com isso, buscar novas estratégias de sobrevivência. Lauren Olamina diz
com frequência “Tudo que você Muda, Muda você. Tudo que você toca, toca você”.

FIGURA 3 – LIVRO “A PARÁBOLA DO SEMEADOR” E OCTAVIA BUTLER, A AUTORA

FONTE: <http://nodeoito.com/a-parabola-do-semeador-resenha/>.
Acesso em: 29 set. 2021.

195
2.1 ALGUNS CONCEITOS DA GESTALT-TERAPIA
Os conceitos que integram a Gestalt-terapia estão sempre inter-relacionados e
imbricados. Além disso, nessa abordagem, os conceitos não são vistos como entidades
fixas, estando mais próximos da ideia de movimento ou cartografia, servindo como
embasamento para a prática dos profissionais, sem cristalizá-los. Assim como no livro
A Parábola do Semeador, também na Gestalt-terapia tudo está sempre em movimento,
ou é o que se busca, a fluidez.

A palavra poderia ser traduzida como “estar consciente de”, mas não é utilizada
a tradução na íntegra, para que não se confunda com a ideia de uma consciência já
preestabelecida. A awareness é uma perspectiva da consciência pautada no fluxo da
experiência e do sensível no aqui-agora. Essa perspectiva tem alicerce numa teoria de
campo, não sendo dualista nem determinista, lançando possibilidades de o indivíduo
ser e estar afetado e de que forma as novidades são (ou não) contatadas (ALVIM, 2014).

Quando pensamos em awareness o que importa é o sentir, estar aberto para ser
e estar afetado. O sentido é dado na experiência. Para tal, há certa passividade, estar
com o “coração aberto” para assimilar uma novidade, envolve, até mesmo, uma certa
lentidão, uma não interpretação imediata e nem uma reflexão apurada. Isso porque a
awareness está na ordem do sensível (ALVIM, 2014). Muitas vezes para sentir e perceber,
é necessário um olhar mais atento, um passo mais vagaroso. Isso também se relaciona
com o vazio fértil, a partir do qual a expansão da awareness é, efetivamente, germinada.

Nesse sentido, é a partir dos contatos que a awareness é possível. O contato


é o anseio pela novidade, pois aquilo que é sempre igual e rotineiro não é objeto do
contato. O contato tem quatro fases, a saber (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997):
pré-contato, processo de contato ou contatando, contato final e pós-contato. O pré-
contato tem o corpo como figura e fundo, sem definição clara. Na segunda fase,
contatando, as excitações são o fundo e a figura são as possibilidades percebidas. Na
terceira fase, contato final, a figura percebida ocupa quase todo o self, concretizando
alguma ação ou movimento. O pós-contato é a assimilação da novidade, o crescimento,
a transformação a partir do encontro com a novidade. Essas são as etapas de contato
saudáveis, contudo, os contatos de má qualidade também interferem na forma de figura
que se cria, podendo ser confusa e sem vigor.

196
FIGURA 4 – FASES DE CONTATO

FONTE: Bandín (2018, p. 23)

A partir dessa figura percebemos que o contato está presente e permeando


nossas experiências em diversos níveis. Além disso, a ideia de “fronteira de contato”
é uma das pedras angulares da Gestalt-terapia, estando, como todos os conceitos da
abordagem, intimamente relacionada às demais propostas da teoria. Nesse sentido,
se para haver awareness é necessário que haja contato e é a partir do contato entre
indivíduo e meio que surgem novas trocas possíveis com a novidade, então podemos
pensar também a partir da ideia de “fronteira de contato” como uma espécie de “locus”
do contato, em que indivíduo e meio, organismo e ambiente se relacionam. Para Perls,
Hefferline e Goodman (1997, p. 41):

A experiência se dá na fronteira entre organismo e seu ambiente,


primordialmente a superfície da pele e os outros órgãos de resposta
sensorial e motora. A experiência é função desta fronteira, e
psicologicamente o que é real são as configurações “inteiras” deste
funcionar, com a obtenção de alguns significados e a conclusão de
alguma ação.

Não obstante, a fronteira não é algo geográfico, não há um lugar predeterminado,


a fronteira não é algo fixo e não pertence ao indivíduo. A fronteira muda de acordo com o
momento, com as demandas, com fatores que às vezes não estão sob responsabilidade
do indivíduo, mas que atuam com e sobre ele (SALOMÃO; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2014).
Assim, a fronteira é algo que ocorre “entre”, a fronteira é o lugar da experiência, é onde se
dá o encontro entre indivíduo e meio. Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), a fronteira
de contato pode ter analogia à pele humana, que delimita o indivíduo e o mundo que o
cerca, embora sempre em interação. Nesse sentido, para Salomão, Frazão e Fukumitsu
(2014, p. 38):

197
O funcionamento da fronteira pode ser comparado ao funcionamento
da membrama citoplasmática – que envolve as células para que elas
não percam o líquido ou elementos, sendo responsável por sua relação
com o meio extracelular. A membrana é seletiva e semipermeável;
deixa entrar o que é nutritivo, mantém o conteúdo do meio intracelular
estável e elimina o que não é mais necessário. Essa organização
intercelular em processo é semelhante a todas as outras situações de
fronteira vividas no relacionamento entre as pessoas.

Por essas vias, quando pensamos num indivíduo saudável, suas fronteiras
de contato possuem plasticidade e permeabilidade, ainda que elas não sejam
fixas, nem absolutas, adaptando-se às necessidades da relação organismo/meio.
Em outras palavras, a fronteira de contato é a awareness de uma nova situação
no campo, de forma que as funções da fronteira implicam, essencialmente, lidar
com a novidade e com as diferenças, pois é a partir disso que nos possibilitamos o
crescimento e o desenvolvimento (SALOMÃO; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2014). Portanto,
quando há comprometimento na fronteira de contato, pode haver comprometimento
nas funções de ajustamento criativo, que podem passar a ser disfuncionais, afinal,
quando a interação com o meio é prejudicada, de alguma maneira, as possibilidades
de reconfiguração são limitadas.

O ajustamento criativo, em todos nós, é uma busca, é um processo dinâmico


que está constantemente interagindo entre organismo e ambiente para o alcance
de satisfação e autorrealização. Dito de outro modo, quando o indivíduo se ajusta
criativamente, ele está vivendo uma vida com fluxo, com movimento, colocando asas
nas suas raízes e raízes nas suas asas. Não obstante, o ajustamento criativo não
implica uma ruptura com tudo que já é conhecido, mas busca a sustentação de um
reposicionamento do indivíduo no campo, recriando a sua forma. É a partir dos ajustes
criativos que o indivíduo se afirma no mundo, que se pessoaliza, que se subjetiva, que
se apropria de si e se diferencia do outro (CARDELLA, 2014).

Assim, quando os indivíduos se ajustam ao meio apenas na modalidade de


rotina e adaptação, com acomodação e resignação, conformismo e cristalização de
ações, então não há criatividade, tratando-se de um campo estéril (CARDELLA, 2014).
A criatividade empregada num ajustamento implica, em alguma medida, a agressão
e a destruição de velhas estruturas, pois é assim que conseguiremos transformá-
las, assimilá-las. Para Perls (2002), engolir sem mastigar pode ser nocivo ao corpo e,
portanto, à saúde do indivíduo, de forma similar, também é prejudicial ajustar-se sem
assimilar. Nesse sentido, pode-se utilizar uma nova energia para um velho problema,
isto é ajustamento criativo.

Desse modo, o aparecimento dos sintomas (ou seja, os sintomas como figura)
é uma forma de ajustamento do indivíduo em busca de autorrealização. Ocorre de
este ajustamento poder figurar-se de forma que interrompe o fluxo do indivíduo,
representando também os sintomas. O terapeuta, em Gestalt, não observa e apreende
a partir da interpretação da vida e dos afetos do sujeito, mas a partir de uma abertura
para o fenômeno, em busca de aceitar o sujeito em sua totalidade e singularidade. Este
é o exercício em GT que, por ser essencialmente um convite à abertura, ao inacabado e
ao incerto, combina com os termos de um acompanhamento terapêutico.

198
2.2 TEORIA DO SELF
É através do contato que qualquer organismo cresce, como o contato com
a comida, com o amor, com a agressão, com os conflitos, as aprendizagens, as
percepções, os movimentos, entre outros (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997). O
contato dá-se sempre no campo, sempre no meio, sempre localizado na fronteira que
é, essencialmente, onde ocorre qualquer experiência. Isso importa para pensarmos
em termos gestálticos que fogem de uma lógica individualista e passamos a pensar a
experiência e a realidade sempre em paralelo com a teoria de campo.

Para a Gestalt-terapia, o self é considerado como um complexo sistema de


contatos pelos quais o indivíduo passa para ajustar-se em seu campo. Desse modo,
o self estaria intimidante relacionado com o contato, ou seja, de forma alguma o self
deve ser considerado como uma estrutura fixa dos indivíduos (PERLS; HEFFERLINE;
GOODMAN, 1997). Por essa compreensão, em termos de Gestalt-terapia, não pensamos
a partir da elaboração “seja você mesmo”, mas a partir da provocação “entre em contato
com a sua realidade, porque o self dá-se apenas no contato” (PERLS; HEFFERLINE;
GOODMAN, 1997, p. 179).

Em situações de contato, o self é a força que forma a Gestalt no


campo; ou melhor, o self é o processo de figura/fundo em situações
de contato. A sensação desse processo formativo, a relação dinâmica
entre o fundo e a figura é o excitamento: este é o sentimento da
formação de figura/fundo em situações de contato, à medida que a
situação inacabada tende ao seu completamento. De forma inversa,
visto que o self existe não como instituição fixa, mas especialmente
como processo de ajustamento a problemas mais intensos e difíceis,
quando essas situações estão inertes ou se aproximam do equilíbrio,
o self é reduzido (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997 p. 180).

Consideramos, então, que o self é espontâneo, tendo como função a construção


de significados que tecemos enquanto nos desenvolvemos e crescemos. Como o
desenvolvimento e o crescimento não são estáveis, logo, o self não o é, pelo contrário,
o self representa pura potencialidade de autorregulação. Não obstante, a principal função
do self é fazer ajustamentos criativos, o que o reafirma como entidade nem ativa e nem
passiva – mas num modo médio –, embora sempre engajado na situação do campo
(BANDÍN, 2018). A partir desses termos, portanto, a noção de self diferencia-se do que
comumente é abordado em outras vertentes da psicologia.

199
QUADRO 1 – NOÇÕES DE SELF

Self segundo a Gestalt-terapia Self segundo outras abordagens


É uma função do campo É uma instância intrapsíquica
É uma função de contato É individual e pessoal
É a formação figura-fundo
É um fenômeno na fronteira de contato e
É uma “coisa” que tem “limites”
pertence ao organismo e ao meio
É espontâneo e flexível É estável
É “modo médio” É ocioso
É temporal É espacial
Busca a novidade É cuidadosamente atento
É um pequeno fator, mas fundamental, na Identif ica-se com o espiritual e com o
interação organismo-meio transpessoal
Confere significado à existência Confere “nobreza” ao ser humano
É ecológico e holístico É individualista e isolado

FONTE: Bandín (2018, p. 18)

Dito em outras palavras, o self não é uma entidade que se fixa no sujeito de
maneira imutável, não se trata do “eu”, em si, mas de um processo muito pessoal
sempre em relação com o campo. Desse modo, não se trata apenas de “ser”, mas de ‘ser
no mundo’ (GINGER; GINGER, 1995), conforme percebido também pela fenomenologia.

Considerando esses aspectos iniciais sobre o self na abordagem gestáltica e a


compreensão de que “o estudo da maneira como uma pessoa funciona em seu meio é
o estudo do que acontece na fronteira de contato entre o indivíduo e seu meio” (PERLS;
HEFFERLINE; GOODMAN, 1997 p. 10), partiremos para analisar o modo de seu funciona-
mento a partir de três instâncias e suas respectivas funções: o id, o eu e a personalidade.

DICAS
Gestalt-terapia é o livro fundador e oficial da abordagem, desenvolvido
por Frederick Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman (comumente
abreviados como PHG). É um livro que oferece as diretrizes da Gestalt-
terapia em termos ontológicos e com desenvolvimento de conceitos. Este
é um livro inicial e essencial para a compreensão da teoria, estando as
novas produções na área ancoradas a esta obra.

200
LIVRO GESTALT-TERAPIA (PHG)

FONTE: <https://www.skoob.com.br/livro/6110-gestalt-terapia>. Acesso em: 29 set. 2021.

A função “id” diz respeito àquelas pulsões internas e necessidades vitais,


expressando-se fundamentalmente através do corpo. É através do id que sabemos
quando sentimos fome, quando estamos relaxados ou excitados (PERLS; HEFFERLINE;
GOODMAN, 1997). Por essa via, o id imprime nossos atos automáticos, como respirar,
andar ou outra atividade que façamos habitualmente e já não colocamos ali tanta
atenção, visto que “o corpo já sabe o caminho”. Em outras palavras, é como se o id
agisse sobre o organismo, considerando que muitas vezes não o percebemos, de forma
que há uma passividade nesta relação.

A função “eu” diz respeito à ideia de responsabilidade que o sujeito tem


em escolher contatar ou não determinado campo. Trata-se de um modo ativo e
sensorialmente atento, com consciência de si e de seu sistema motor. A função
“personalidade” diz respeito a um sistema de atitudes que o indivíduo adota em suas
relações. Trata-se, em suma, da nossa autoafirmação e admissão de quem somos,
considerando que esta função é a camada verbal do self, a parte que vai responder
a uma indagação ou reagir num conflito (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997). A
personalidade tem autonomia de escolher e sustentar seus desejos, sendo a parte
responsável do self. Trata-se de como o sujeito vê a si próprio, sua autoimagem, a partir
do qual cria, para si, a noção de identidade. Não obstante, num funcionamento neurótico,
a personalidade tende a estabelecer alguns conceitos errôneos sobre si próprio.

Devido a essas três funções, o self apresenta diferentes níveis de intensidade,


dependendo da situação.

201
[...] Às vezes, eu não me reconheço em uma reação que não é habitual
em mim, como quando um momento de afeto “me invade”. Em
outros momentos, meu self se dissolve numa intensa “confluência”:
dança, êxtase, orgasmo etc. ou, ao contrário, num estado de “férias”
interior, de “vazio fértil”, antes da emergência de uma nova figura que
mobilizará minha atenção (GINGER; GINGER, 1995, p. 128).

A saúde e a doença, nesse sentido, estariam em diálogo (ou na ausência


de diálogo) com as funções do self. Assim, a psicose, por exemplo, representa uma
perturbação na função id, ou seja, não há disponibilidade ou sensibilidade, excitamentos,
sejam internos (perceptivos) ou internos (proprioceptivos). Essa estrutura não
responde claramente nem ao meio nem ao organismo, dificultando a possibilidade
de ajustamentos criativos. Por outro lado, a neurose diz respeito a uma perturbação
na função ego ou na função personalidade, ou seja, o indivíduo tem dificuldade em
escolher, decidir e/ou sustentar a atitude adequada em cada situação.

No caso da neurose, o indivíduo pode receber e perceber as necessidades


externas e as respostas do meio (função id), mas segue elaborando as mesmas respostas
não atualizadas. Nesse caso, também não há ajustamentos criativos, pois as ações
estão presas em respostas obsoletas, não oferecendo atualização ou novidade, mas
enrijecidas. Para Belmino (2020, p. 19), “a neurose contemporânea é, talvez, uma função
saudável, necessária para que possamos minimamente sobreviver em um mundo que,
de tão indecifrável, obriga-nos a criar cada vez mais estratégias de fazer da natureza
algo previsível e controlado”.

2.3 ALGUMAS FORMAS DE INTERRUPÇÕES DE CONTATO


Não obstante, na prática, percebemos em nós e/ou nos nossos clientes, que
as gestalts inacabadas são numerosas e ocorrem simultaneamente. Para lidar com as
gestalts inacabadas, podemos utilizar mecanismos de defesa ou evitação de contato, o
que pode ser saudável ou patológico, dependendo da intensidade, da possibilidade de
ajuste criativo, da maleabilidade, do momento, entre outros fatores (GINGER; GINGER,
1995). Estes mecanismos ou interrupções de contato não são vistos de forma vilanizada
pela Gestalt, nem se tem como objetivo, necessariamente, a supressão ou extinção
deles, mas a consciência da sua existência. Um dos objetos da prática a partir da Gestalt
é a ampliação da awareness, da consciência, de forma que o cliente perceba de maneira
mais explícita seu próprio modo de funcionamento. Estes mecanismos são: confluência,
introjeção, projeção, retroflexão, deflexão, proflexão e egotismo.

A confluência diz respeito à ausência de fronteira de contato, como uma espécie


de “fusão” entre organismo e meio ou entre organismo e o outro. Isso ocorre no caso da
criança que não se diferencia da própria mãe nos primeiros anos de vida. Em ocorrências
saudáveis, o sujeito pode experimentar a retração e encontrar novas formas de assumir

202
sua singularidade, expressando seus desejos e satisfazendo suas necessidades, ou
seja, delimitando suas fronteiras (GINGER; GINGER, 1995). Caso a confluência delineie-
se de modo crônico, pode ser o caso de um quadro patológico (neurótico ou patológico).

Além desses aspectos, também podemos pensar a confluência em termos


sociais, como casos de fanatismo ou sectarismo, que impedem o contato com tudo
que é diferente, buscando conversar apenas mais do mesmo. Estes aspectos sociais
podem dizer respeito aos sistemas religiosos, políticos ou morais, que guiam o sujeito
e o enrijecem, de modo que a separação abrupta com este modelo também pode gerar
sofrimentos para o sujeito. Para a Gestalt, a sociedade em que vivemos é neurótica, de
modo que precisamos sempre buscar novos ajustes criadores para poder desfrutar de
saúde num ambiente doente.

O trabalho voltado para a consciência da confluência volta-se, portanto, para as


fronteiras do self e o desenvolvimento da segurança e confiança do sujeito em assumir
e sustentar sua própria singularidade, separando-se e diferenciando-se do meio e/ou
dos seus pares. Para tal, diversos exercícios podem ser postos em prática, envolvendo o
corpo, a fala ou os símbolos, como trabalhar o ritmo, a arte ou o confronto.

A introjeção faz parte da socialização de todos nós em sociedade, está na base


da educação das crianças. Trata-se das regras e dos deveres assimilados do mundo
exterior, como certas ideias, moralidades e crenças. Para Perls (2002), se introjetamos,
ou seja, se engolimos tudo que nos é dado sem a devida mastigação, sem a devida
digestão, isso pode nos causar um revés no corpo. Desse modo, para que a assimilação
ocorra, é também necessário que haja um processo de desestruturação. Perls (2002)
aborda a agressão como importante fonte de desenvolvimento e de colocação do
sujeito no mundo.

“devemos amar e respeitar nossos pais”, mas... “devemos “matar” os


pais para podermos crescer”;
“devemos sempre dizer a verdade ao cônjuge”, mas... “não devemos
fazer o cônjuge sofrer inutilmente”;
“devemos saber nos privar em função dos filhos”, mas... “devemos,
principalmente, estar felizes e satisfeitos para darmos aos filhos um
exemplo de desenvolvimento”;
“sejam espontâneos” ..., mas, “não acreditem no que eu digo”
(GINGER; GINGER, 1995, p. 130).

Nesse viés, o ponto da introjeção em nível patológico diz respeito, justamente,


ao fato de engolir estruturas inteiras sem que fosse feita uma mastigação das ideias,
hábitos, dogmas e rotinas estabelecidos. O que se busca, portanto, é a independência e a
responsabilidade do sujeito por suas próprias ações.

A projeção, por outro lado, é o avesso da introjeção, pois a projeção se


caracteriza pela tendência a atribuir ao meio e ao outro a responsabilidade, a atitude
e/ou a agressividade que tem origem no self, ou seja, “enquanto na introjeção o self

203
é invadido pelo mundo exterior, na projeção é, pelo contrário, o self que transborda e
invade o mundo exterior” (GINGER; GINGER, 1995, p. 135). Não obstante, algum nível
de projeção é saudável para todos nós, pois é a partir dela que entramos em contato e
compreendemos o outro, buscando imaginar o que o outro sente.

Assim, a projeção caracteriza-se como patológica quando desenvolvida de


maneira sistemática e habitual, onde há sempre a culpabilização do meio por eventos
que ocorrem no self, sendo o mundo exterior uma espécie de campo de batalha para
o indivíduo. O trabalho terapêutico, nestes casos, o trabalho em grupo, pode ser viável
para que o projetor perceba seu papel quando está em relação, assim se o indivíduo
projeta algo como “vocês não me valorizam e não gostam de mim”, no grupo terapêutico
pode ser “esclarecedor fazê-lo nomear precisamente quem, no grupo, exprime esse
sentimento e em quais sinais precisos ele se apoia para a sua constatação” (GINGER;
GINGER, 1995, p. 136).

A retroflexão imprime-se quando o indivíduo volta contra si mesmo a energia


que gostaria de fazer aos outros. Em grande medida, este é um processo saudável, pois
demonstra educação social, maturidade e autocontrole. Há sinais de patologia, como
com os outros mecanismos, quando o indivíduo apresenta isso de maneira crônica e
habitual, podendo inibir seus desejos, como nos casos de somatização, que acarretam
efeitos colaterais para o corpo, como espasmos no estômago, podendo gerar úlcera para
o caso de excesso de controle da raiva (GINGER; GINGER, 1995). O trabalho terapêutico,
portanto, vai no sentido de trabalhar as expressões das emoções de forma ampliada e
catártica, como permitir liberar raivas e mágoas nunca elaboradas, como “raiva proibida
contra um dos pais mortos, vivenciado como “culpado de abando”” (GINGER; GINGER,
1995, p. 138). De maneira esquemática, podemos pensar nos mecanismos apresentados
até aqui da seguinte forma (GINGER; GINGER, 1995 p. 139):

- o introjetor faz o que os outros querem que ele faça;


- o projetor faz aos outros o que os acusa de lhes fazer;
- aquele que sofre confluência patológica não sabe quem faz o que
a quem.
Assim:
- na confluência, a fronteira de contato é abolida;
- na introjeção, o mundo exterior me invade;
- na projeção, eu invado o mundo exterior;
- na retroflexão, eu invado meu próprio mundo interior.
Por exemplo:
- “nós nos amamos com loucura” é uma confluência;
- “deve-se amar o parceiro, e só ele” é uma introjeção;
- “ninguém me ama”, é uma projeção;
- “eu me amo”, traduz uma retroflexão.

A deflexão diz respeito a uma fuga, evitação de contato, o que pode ser uma
estratégia saudável de adaptação e como se desenvolver de forma patológica quando
cristalizada. A proflexão é quando se faz ao outro o que gostaria que fizessem consigo,
num misto de projeção e retroflexão. O egotismo diz respeito a um senso e um interesse
de si próprio, numa espécie de hipertrofia do ego; este mecanismo é utilizado no próprio
trabalho terapêutico, visto que o objetivo é o cliente voltar-se pra si mesmo de forma mais
autônoma (GINGER; GINGER, 1995).
204
FIGURA 5 – IMAGEM ESQUEMÁTICA SOBRE INTERRUPÇÕES DE CONTATO E ORGANISMO-MEIO

FONTE: Ginger e Ginger (1995, p. 139)

Considerando os aspectos do self, suas funções e seus mecanismos, pensa-


se no trabalho terapêutico na abordagem gestática questionando e observando qual
a função do self ativada nas situações com os clientes, além de como e quando esta
interrupção funciona, qual interrupção de contato é utilizada.

Para a abordagem gestáltica, tanto na neurose como na psicose há elasticidade


da formação figura/fundo de forma que pode haver rigidez (fixação) ou uma ausência de
formação de figura, o que corresponde à repressão (BANDÍN, 2018). Portanto, neurose,
para a Gestalt-terapia, diz respeito ao acúmulo de gestalts inacabadas decorrentes
de necessidades não satisfeitas (GINGER; GINGER, 1995). Ambas interferem no
funcionamento e nas possibilidades de contato entre organismo e meio. Nesses casos,
ao invés de crescimento e desenvolvimento, há estagnação e regressão, de forma que
os ajustes criativos se tornam obsoletos e a pessoa encontra-se em franco sofrimento,
com fome de relação e emoções (BANDÍN, 2018).

3 GESTALT-TERAPIA E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


A “Oração da Gestalt” é um símbolo representativo da abordagem que foi
desenvolvida pelo precursor gestáltico Fritz Perls. Nessa oração, Fritz diz ‘se nos
encontrarmos, é maravilhoso’, mas também aponta para a aceitação caso o encontro não
aconteça ou não seja bom (ODDONE, 2020). Em contrapartida, a gestalt-terapeuta Silvia
Alencar desenvolve uma releitura dessa oração, colocando-a mais em termos relacionais e
menos em termos individualistas do encontro.

205
QUADRO 2 – ORAÇÕES DA GESTALT

ORAÇÃO GESTÁLTICA RESPOSTA DA SILVIA


Eu faço minhas coisas e você faz as suas. Se eu somente fizer as minhas coisas e tu as
Você não está neste mundo para me satisfazer, tuas
e nem eu estou para lhe satisfazer. Nós corremos o risco de perdermos um ao
Eu sou eu, você é você. outro.
Se nos encontrarmos, é maravilhoso. E a nós mesmos.
Se não, não há nada a fazer. Eu não estou neste mundo para viver de
acordo com as tuas expectativas.
Fritz Perls Mas eu estou neste mundo para te confirmar
como um ser único,
E ser confirmado por ti.
Nós somos completamente nós mesmos
somente em relação um com o outro,
O eu separado do tu,
Desintegra-se.
Eu não te encontro por acaso;
Eu te encontro através de uma vida cheia de
procura.
Mais do que passivamente deixar as coisas
acontecerem a mim.
Eu posso intencionalmente fazê-las acontecer.
Eu devo começar comigo mesmo, é certo;
Mas não devo terminar comigo mesmo.
A verdade começa com dois.

Silvia Oliveira de Alencar (IGT-MS)


FONTE: Oddone (2020, p. 9)

Essa releitura da “Oração da Gestalt” implica, sobretudo, num caráter mais


político que a abordagem foi desenvolvendo com o passar do tempo. Por essas vias,
a Gestalt-terapia torna-se, também, uma reflexão ética sobre o lugar da experiência
com propostas e técnicas voltadas para a ampliação da consciência. Essa abordagem
oferece uma crítica radical a uma lógica mercadológica da nossa sociedade e seu
individualismo exacerbado.

DICAS
Os aspectos psicossociais atrelados às dimensões antropológicas, políticas e
éticas do sujeito estão em franco debate no cenário atual da Gestalt-terapia.
No livro Gestalt Terapia e Atenção Psicossocial, organizado por Marcos Belmino
e produzido por uma série de profissionais que atuam no âmbito da saúde
pública e atenção psicossocial, discute-se a teoria a partir de práticas e
preocupações atuais.

206
LIVRO GESTALT-TERAPIA E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (BELMINO)

FONTE: <https://www3.livrariacultura.com.br/gestalt-terapia-e-atencao-
psicossocial-2013616374/p>. Acesso em: 29 set. 2021.

O AT é uma prática clínica sem os muros tradicionais, que pode ser realizado em
ambientes para além do consultório, com proximidade do cotidiano dos sujeitos. O AT e
a GT dialogam em relação as suas fontes e seus ideais em termos de fundamentos e de
compreensão do sujeito. Além disso, têm a Psicanálise como referência e afastamento,
simultaneamente; também têm como referência a Teoria de Campo, de Kurt Lewin e a
ideia de uma prática humanizada.

A ação do AT-Gestalt não objetiva atacar, vencer, excluir ou superar


as resistências, quando o paciente está evitando o contato,
mas, principalmente, torná-las mais conscientes ou figurais,
compreendendo-as e estando cientes de que fazem parte do
contexto e são importantes, favorecendo seu uso adaptado à
situação do momento (BOAVENTURA, 2013, p. 86).

A discussão sobre o acompanhamento terapêutico tendo como base a Gestalt


é algo relativamente recente, sendo discutida de forma inicial por Rosane Granzotto e
Marcos Granzotto a partir de uma releitura da teoria do self e com o enfoque no AT como
uma modalidade política de exercer a clínica. Nesse sentido, para Müller-Granzotto e
Müller-Granzotto (2007, p. 258) “há uma diferença entre acolher o que não gera desejo
(precisamente, as formações psicóticas) e desejar que o meio social o faça (o que é um
propósito político)”.

Os acompanhantes terapêuticos também podem ser considerados clínicos


no sentido de serem cuidadores preocupados com as situações de vulnerabilidade do
sujeito em suas dimensões éticas, políticas e antropológicas (MÜLLER, 2020). Nesse

207
sentido, cabe ao profissional oferecer ao paciente meios e espaços para que novas
experimentações sejam possíveis, para que seu estilo de contatar o mundo encontre
novas formas e, assim, que as fronteiras sejam alargadas e flexibilizadas.

“O trabalho terapêutico não é “fazer” contato, “empurrar” o paciente ou forçá-lo


a ir além do seu estilo de vida. Também não é o de analisar o conteúdo dando palestras
ou conselhos. Também não é o de elogiá-lo ou apoiá-lo em todo o seu comportamento
para que ele se sinta compreendido” (BANDÍN, 2018, p. 24).

Assim, o trabalho terapêutico precisa de um tipo de escuta sensível e ética que


não guie o paciente pelos trilhos que o profissional ache que seja o adequado, mas que,
efetivamente, acompanhe-o durante a travessia. Nesse sentido, trata-se da presença
integral, sincera e genuína a partir de cada encontro, caracterizando-se por intervenções
junto aos pacientes para proteger e ampliar as possibilidades de inclusão social. Por isso
pensamos que o trabalho no AT é, essencialmente, realizado em diálogo com outras
esferas sociais, com a comunidade, nas casas, nas ruas, nas praças, onde quer que seja
o cotidiano dos sujeitos que estão demandando acompanhamento (MÜLLER, 2020).

Enquanto um clínico terapeuta deveria poder suspender seu desejo


por um outro em particular – que é o desejo de que o consulente
possa se autorizar de seu desejo ou suplência (psicótica, neurótica,
antissocial ou banal) ao seu próprio desejo –; um clínico AT está
autorizado a desejar algo por seu acompanhado sempre que este
desejo implique a ampliação das condições éticas, políticas e
antropológicas deste sujeito (MÜLLER, 2020, p. 113).

Em outras palavras, o trabalho do acompanhante terapêutico envolve uma


esfera de pessoalidade, em que pode introduzir um desejo junto ao paciente, com
direcionamentos, passeios que o paciente consiga fazer sem ser demandado para além
de suas possibilidades. Isso também caracteriza um envolvimento do acompanhante
para atuar “em nome” do paciente junto à família, às instituições e/ou outros cuidados
representando o protagonismo do paciente. Não obstante, o foco principal é, de fato,
“fazer valer o desejo de ver o acompanhado ser incluído, defendido e, num certo sentido,
desejado” (MÜLLER, 2020, p. 114).

Com esse cenário, a prática de um AT-GT estaria voltada para que o sujeito
compreenda o seu campo psicológico de forma integral, sem que suas fronteiras de
contato sejam rígidas nem que suas verdades sejam absolutas. Isso também dilui as
causas do comportamento e do adoecimento, que não são vistas a partir de fontes
únicas e unilaterais. Nesse sentido, a prática tem que estar voltada para que o sujeito se
sinta à vontade o suficiente para mostrar-se, para se colocar na forma como se percebe
no mundo.

O fazer do acompanhante terapêutico na abordagem gestáltica implica num


tipo de interlocução, de criação de diálogos e lugares sociais para que os sujeitos
possam se expressar, conviver e se relacionar de forma a promover seu crescimento e
desenvolvimento (FERREIRA, 2020).
208
Nesse sentido, além de uma defesa, a priori, dos sujeitos, é necessário trabalhar
as relações e os laços sociais, pois nas palavras de Ferreira (2020, p. 139), “por mais
importante que seja a criação de espaço para um jeito “esquisito”, por exemplo, de
forma que este não sofra abusos, é igualmente importante, se necessário, intervir junto
ao sujeito “esquisito” quando este também abusa das possibilidades de existência de
outros sujeitos envolvidos”.

Dito de outra forma, é necessário que haja um trabalho de responsabilização


social de todos os envolvidos, a perceber como todos se ajustam, como existem
compartilhando os espaços, o que, certamente, não significa apenas introjetar sem
mastigar os conteúdos, não apenas se adequar às normas (FERREIRA, 2020). É nesse
sentido que uma intervenção psicossocial tem um caráter de interlocução, pois trabalha
na criação de relações possíveis dos acompanhados e seu mundo circundante.

Em diálogo com a interlocução necessária em cada caso, há também


considerações a serem feitas em termos de diagnóstico, que é um instrumento que
auxilia o profissional na compreensão de diferentes realidades e particularidades
(YONTEF, 1998). A partir do diagnóstico, o profissional pode ter mais possibilidades
de intervenção e reconhecimento de limites. Nesse sentido, em termos gestálticos,
observa-se como se formam as figuras para o paciente e, assim, qualquer figura que
esteja mais nítida é significativa para o processo terapêutico. Portanto, o diagnóstico vai
no sentido processual, não sendo absoluto, mas sendo construído na relação, em que
se busca esclarecer a dinâmica de figura e fundo do paciente.

O desvio de uma norma pode ser subnormal, supranormal ou apenas


diferente. É essencial ter claro qual o critério para o uso do termo
anormal. O que é estatisticamente normal para o grupo ou cultura
pode ou não ser no contexto de alguma teoria sobre funcionamento
humano, ou do ponto de vista do funcionamento organísmico de
um indivíduo qualquer. O que é funcional para um indivíduo, em
determinado contexto ou cultura, poderia ser disfuncional em outra
(YONTENFF, 1998, p. 289).

Por essa perspectiva, a Gestalt-terapia trabalha com um conceito de


diagnóstico que não é fixo e estável, com um conteúdo ou um processo específico e
homogêneo a todos. A normalidade é reconhecida em termos de formação e destruição
de figura/fundo, campo organismo/meio, mas não definindo características a priori. É
uma perspectiva ao mesmo tempo prática e inclusiva, pois não leva em consideração
aspectos morais que podem mudar de cultura para cultura e oferece um terreno fértil
para o profissional desenvolver sua prática. Não obstante, estando no cerne de uma
política que direciona práticas em saúde mental, certamente a avaliação e o diagnóstico
devem estar em diálogo com os documentos oficiais, como a Classificação Internacional
de Doenças (CID) e o Diagnóstico em Saúde Mental (DSM).

209
O foco na saúde é primordial na abordagem gestáltica. Isso porque o foco é
no indivíduo a partir da totalidade, de modo que a doença, a psicopatologia, está na
relação, trata-se de uma psicopatologia relacional, ou seja, de uma desarmonia com o
campo no qual atua, interage, afeta e é afetado. Desse modo, a partir de um diagnóstico,
pode-se pensar e compreender suportes e necessidades do indivíduo, além de escolher
formas de intervenção, porém, o diagnóstico não representa a totalidade do sujeito, é
apenas um meio pelo qual o sujeito se apresenta. O foco, assim, não é na doença, mas
na pessoa adoentada.

210
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Frederick Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman são os precursores da Gestalt-


terapia.

• A fenomenologia de Edmund Husserl é uma das bases da Gestalt-terapia a pensar na


consciência e na noção de temporalidade.

• A Teoria Organísmica de Kurt Goldstein é a referência à noção de integralidade do


sujeito, que sempre buscará formas de autorregulação.

• A Teoria de Campo de Kurt Lewin é um contributo para pensar a teoria de campo e a


noção de fronteira de contato em Gestalt-terapia.

• O foco na Gestalt-terapia é sempre na consciência que se mostra presente no


momento.

• A awareness é a perspectiva de consciência e dá-se na fronteira de contato, no aqui-


agora.

• A awareness é possível a partir do contato com o novo e com o diferente.

• A fronteira de contato é onde ocorrem as experiências e pode ser mais ou menos


plástica e permeável.

• A fronteira de contato não é algo geográfico nem predeterminado, mas maleável de


acordo com diversos fatores, podendo adaptar-se.

• O ajustamento criativo é a forma que o indivíduo encontra novas energias para velhos
problemas.

• O self é composto por id, eu(ego) e personalidade.

• O self não é estável nem fixo, mas espontâneo, ajustando-se às situações de acordo
com as demandas do indivíduo.

• Algumas formas de interrupção de contato são: confluência, introjeção, projeção,


retroflexão, deflexão, proflexão e egotismo.

211
• A Gestalt-terapia no âmbito do Acompanhamento Terapêutico demanda uma ação
que vise o indivíduo em suas esferas antropológica, política e ética.

• A Gestal-terapia não trabalha com o sujeito em termos individualizantes, mas foca


nos laços e nas potencialidades do campo.

• A Gestalt-terapia busca oferecer ao acompanhado novas interlocuções e contato


com a novidade.

212
AUTOATIVIDADE
1 A Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia que surgiu num contexto
de contracultura e tem algumas bases teóricas que contribuíram com os seus
fundamentos. Sobre as bases da Gestalt-terapia, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A Psicanálise foi a principal referência dos criadores da Gestalt, pois estes


também eram psicanalistas.
b) ( ) A noção de figura-fundo foi extraída de teorias de design contemporâneo.
c) ( ) A fenomenologia é referência para pensar a temporalidade.
d) ( ) A Psicologia da Gestalt surgiu a partir da Gestalt-terapia.

2 A Gestalt-terapia oferece um novo arsenal conceitual e novas formas de perceber o


sujeito, tendo um foco primordial na saúde, não na doença. Sobre os conceitos da
Gestalt-terapia, marque V para as opções verdadeiras e F para as falsas.

( ) A awareness traz uma noção de consciência que implica ser afetado pelas
experiências.
( ) O contato e a fronteira de contato são conceitos equivalentes.
( ) O ajuste criativo demanda potência e contato com a novidade no campo.
( ) A autorregulação busca sempre a separação entre organismo e meio.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - V - F.
b) ( ) V - V - F - V.
c) ( ) F - F - V - F.
d) ( ) V - F - F - V.

3 A teoria do self na Gestalt-terapia afasta-se das noções tradicionais que estudam os


sujeitos. Sobre a teoria do self, analise as sentenças a seguir:

I- O self tem como funções: id, eu(ego) e personalidade.


II- O self é uma estrutura basicamente inconsciente.
III- O self relaciona-se com o campo buscando rotina.
IV- O self é espontâneo, flexível e holístico.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.

213
4 Para a Gestalt-terapia, o fluxo de crescimento e desenvolvimento do indivíduo
pode ser interrompido a partir de como ocorre o contato organismo/meio. A
confluência é uma das formas de interrupção de contato, escreva sobre como
ocorre este mecanismo.

5 A Gestalt-terapia é relativamente nova no campo do Acompanhamento Terapêutico,


mas tem uma preocupação sobretudo política com esta forma de atuação profissional.
Escreva sobre o funcionamento do AT na perspectiva gestáltica.

214
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E
PSICOLOGIA SISTÊMICA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos o acompanhamento terapêutico através
da psicologia sistêmica, abordagem utilizada principalmente para a compreensão
das relações familiares e os impactos que elas podem causar nos sujeitos que estão
envolvidos nesta teia dinâmica e interativa. Dessa forma, a família é vista como um
sistema aberto que está constantemente interagindo com o ambiente e passando por
mudanças e/ou buscando manter o equilíbrio.

Para iniciar nossos estudos, buscaremos na história quais são os antecessores


dessa teoria, o que nos remeterá à filosofia aristotélica, ao mecanicismo e à ciência através
de um paradigma tradicional (objetividade, simplicidade e estabilidade). Após a realização
de estudos que resultaram na mudança do movimento mecanicista para o movimento
organicista, adentraremos nos estudos das principais teorias de base da teoria sistêmica:
Teoria Geral dos Sistemas, Cibernética e Teoria da Comunicação Humana.

A partir desse embasamento, abordaremos a relação da abordagem sistêmica


dentro da psicologia, a sua forma de compreender o ser humano e as suas relações,
sempre em interação com o contexto. Na sequência, buscaremos aportes teóricos
que sustentam a abordagem sistêmica no contexto familiar, já que sua utilização, na
maioria das vezes, está relacionada a este contexto e suas implicações para os sujeitos
envolvidos, apresentando também os estudos multigeracionais.

Finalmente, apresentaremos a abordagem sistêmica e suas implicações no


acompanhamento terapêutico. Com base nos pressupostos do pensamento sistêmico,
podemos ampliar a compreensão sobre o sistema familiar como um todo, tirando o foco
do sujeito adoecido e compreendendo o sintoma (ou doença) como algo que surgiu
e pertence ao sistema familiar, em que o sujeito acabou manifestando-o e, portanto,
toda essa dinâmica complexa precisará ser olhada para que a transformação possa
acontecer. Vamos lá?

215
2 ANTECESSORES E FUNDAMENTOS DA
ABORDAGEM SISTÊMICA
Acadêmico, para iniciarmos nossos estudos a respeito da relação possível da
prática do acompanhamento terapêutico dentro de uma abordagem sistêmica, é muito
importante partir de uma retomada histórica de como esta abordagem foi construída. A
construção das bases do pensamento sistêmico aconteceu entre as décadas de 1930
e 1940, sendo reconhecido logo na primeira metade do século XX (GOMES et al., 2014).

No entanto, podemos verificar que seus antecessores iniciam bem antes, com
a filosofia de Aristóteles que, naquela época, “acreditava que a matéria continha a
natureza essencial de todas as coisas, de forma que a essência somente poderia se
tornar real através da forma. A visão de mundo como espiritual, orgânico, característica
da filosofia aristotélica, dominou o pensamento ocidental durante toda a Idade Média”
(GOMES et al., 2014, p. 4).

Durante os séculos XVI e XVII acontece uma revolução científica que dá origem
a um pensamento racionalista, com isso entramos em uma lógica mecanicista, que
acredita em um mundo pautado através de leis matemáticas exatas. Seus principais
expoentes foram Galileu Galilei, Copérnico, René Descartes, Francis Bacon e Isaac
Newton. Destacamos principalmente Descartes, em virtude de seu método analítico,
que buscava a compreensão do todo pelo estudo de partes isoladas (GOMES et al., 2014;
KASPER, 2000).

Experimentos como o de William Harvey, que possibilitam explicar a circulação


sanguínea, levaram o método mecanicista ao sucesso. No entanto, processos
mais complexos, como a digestão e o metabolismo, não tiveram possibilidade de
comprovação através desse método. Foi somente através da química moderna e seu
precursor, Antoine Lavoisier, no século XVIII, que ocorre a comprovação dos processos
químicos envolvidos na digestão e no metabolismo, fazendo com que a metodologia
mecanicista fosse deixada de lado (GOMES et al., 2014).

Nesse contexto, surge o movimento romântico, que perdura a partir do final


do século XVIII até o término do século XIX. Este movimento é o primeiro a se opor
ao pensamento analítico da época e propõe um retorno para as ideias elaboradas por
Aristóteles, tendo como foco principal a origem da forma orgânica (GOMES et al., 2014;
KASPER, 2000). O principal expoente vinculado ao movimento romântico foi Johann
Wolfgang Von Goethe, que cunhou o termo morfologia:

Para explicar o estudo da forma biológica a partir de um ponto de vista


dinâmico. A natureza teria uma forma móvel e seguiria um padrão
de relações dentro de um grande todo organizado e harmonioso. A
preocupação básica dos biólogos tornou-se o problema da forma
biológica, de modo que as questões referentes às composições
materiais tornaram-se secundárias (GOMES et al., 2014, p. 5).

216
Também no século XIX podemos observar avanços significativos na biologia em
virtude do aprimoramento do microscópio, o que desencadeia um retorno da lógica
mecanicista. O foco dos biólogos desloca-se do organismo em função da teoria da
célula, buscando compreender o seu funcionamento. Apesar do avanço observado
na biologia celular, ainda não era possível compreender as suas diversas funções nem
a sua totalidade. Essa compreensão torna-se possível somente no século XX, com
o movimento chamado organicismo. Esse movimento é contrário ao mecanicismo e
contribui para a construção do pensamento sistêmico (GOMES et al., 2014).

Segundo a concepção Organísmica, as propriedades essenciais de um


organismo pertencem ao todo, de maneira que nenhuma das partes
as possuem, pois tais propriedades surgem justamente das interações
entre as partes. Portanto, as propriedades das partes podem ser
entendidas apenas a partir da organização do todo. O Organicismo
coloca o foco no entendimento das relações organizadoras, sendo
que a concepção de organização foi aperfeiçoada posteriormente
com o conceito de auto-organização (GOMES et al., 2014, p. 5).

Com a biologia organísmica surge também a ecologia, que estuda a relação entre
os organismos e dá origem ao que entendemos por ecossistema, causando um impacto
na forma como compreendemos a ecologia, já que a direciona para uma abordagem
sistêmica, de forma que compreende todos os seres vivos em redes hierarquizadas
dentro da natureza (GOMES et al., 2014).

No mesmo período em que surge a ecologia é criada a física quântica por Werner
Heisenberg. Sua teoria é contrária ao pensamento newtoniano, que acredita que todos
os fenômenos físicos podem ser entendidos a partir das propriedades que possui. A
física quântica apontará para uma nova direção, que entende que as propriedades de
um fenômeno estão em relação com as demais propriedades do mesmo fenômeno e de
outros fenômenos também, o que aponta para a compreensão de que o todo é o que
demarcará o comportamento das partes, pois há uma interconexão entre suas partes,
não podendo ser olhado de forma isolada (GOMES et al., 2014).

Finalmente, o modelo oriundo da física quântica propiciou o


surgimento de outro paradigma, representado pelo pensamento
relacional. De acordo com este, o homem, a natureza e o universo
não constituem simplesmente o conjunto ou a soma dos objetos
existentes, mas uma complexa teia de relações, em constante
interação. As propriedades essenciais de um sistema são as
propriedades de seu todo – que nenhuma das partes isoladamente
possui – surgidas da interação entre essas partes, que tendem a
desaparecer quando separadas do conjunto (MULLER, 2011, p. 13-14).

Considerando ainda os acontecimentos da década de 1920, permanece um


movimento forte contra o mecanicismo, focando nas totalidades e não na separação de
suas partes. Nesse contexto, emerge a psicologia da Gestalt, em que seus estudiosos
apontam para a impossibilidade de totalidades redutíveis, afirmando que o principal

217
ponto da percepção é que o todo apresenta características diferentes do que as suas
partes de forma individual. “O filósofo Christian Von Ehrenfels afirma que o todo é maior
do que a soma das partes, princípio este que se tornou central na Teoria Sistêmica”
(GOMES et al., 2014, p. 6).

Uma década mais tarde, o biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy


apresenta a Teoria Geral dos Sistemas e, em 1940, o matemático
norte-americano Norbert Wiener inicia a elaboração da Cibernética.
Ambas as teorias tiveram desenvolvimento paralelo no século XX e
configuram os limites paradigmáticos para a Teoria Sistêmica, em
conjunto com a influência da Teoria da Comunicação Humana, criada
por Gregory Bateson e Paul Watzlawick (GOMES et al., 2014, p. 6).

Com o objetivo de facilitar a compreensão das principais diferenças entre


o pensamento analítico e o pensamento sistêmico que vão sendo desenhadas
historicamente, a seguir, será apresentado um quadro sintetizando estas informações.

QUADRO 3 – COMPARAÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS EXPLICATIVOS DA REALIDADE DO


PENSAMENTO ANALÍTICO E DO PENSAMENTO SISTÊMICO

FONTE: Kasper (2000, p. 198)

Dessa forma, concluímos nosso percurso pelos antecessores históricos que


contribuem para a formação da abordagem sistêmica. A partir de agora, veremos cada
uma dessas três teorias que dão sustentação teórica para a sua compreensão e prática: a
teoria geral dos sistemas, a cibernética e a teoria da comunicação humana.
218
DICAS
Caso deseje aprofundar os seus estudos a respeito do novo paradigma da
ciência apresentado pelo pensamento sistêmico, recomendamos a leitura do
livro Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência.

VASCONCELLOS, M. J. E. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da


ciência. 11. ed. Campinas: Papirus, 2020.

2.1 TEORIA GERAL DOS SISTEMAS


A teoria geral dos sistemas emerge diante da insuficiência do modelo mecanicista
em responder questões (principalmente teóricas no campo das ciências biossociais)
através do estudo das partes de forma isolada (BERTALANFFY, 2010).

Dessa forma, essa teoria, que é uma das teorias de base do pensamento
sistêmico, foi fundada por Ludwig von Bertalanffy através de uma ótica organísmica
na biologia (BERTALANFFY, 2010), com o objetivo de ser aplicada nos sistemas sociais
e com seres vivos, considerando todo organismo como um sistema aberto e, portanto,
em constante interação com o seu meio, buscando sempre o equilíbrio possível a partir
das condições disponíveis (COSTA, 2010).

Em virtude de sua origem organicista, possui um olhar para o organismo


que o compreende como um todo organizado, trabalhando na criação de leis para o
funcionamento desse sistema (MULLER, 2011). É importante salientar também, que a
partir deste ponto, considerando o organismo como um todo organizado, e entendendo-o
como um organismo regido pela teoria do sistema aberto, este é visto dentro de uma
comunidade, e mesmo quando olhado de forma individualizada há ali uma soma de
células, logo, um todo organizado (BERTALANFFY, 2010).

A finalidade da teoria dos sistemas foi recebida com incredulidade,


sendo julgada fantástica ou presunçosa. Além do mais – objetava-
se – a teoria era trivial, porque os supostos isomorfismos eram
simplesmente exemplos do truísmo segundo o qual a matemática
pode aplicar-se a todas as espécies de coisas e, portanto, não tem
maior peso do que a “descoberta” de que 2 + 2 = 4 é igualmente
verdadeira para maçãs, dólares e galáxias. Dizia-se também que era
uma teoria falsa e desnorteadora, porque as analogias superficiais
– como na famosa similitude entre a sociedade e um “organismo” –
escamoteiam as diferenças reais e assim conduzem a conclusões
erradas e mesmo moralmente inaceitáveis. Ou, ainda uma vez,
dizia-se que a teoria era filosófica e metodologicamente infundada,
porque a alegada “irredutibilidade” dos níveis superiores aos
inferiores tendia a impedir a pesquisa analítica, cujo sucesso era
evidente em vários campos, tais como na redução da química aos
princípios físicos ou dos fenômenos da vida à biologia molecular
(BERTALANFFY, 2010, p. 34).

219
Com o tempo, todas as críticas realizadas à teoria geral dos sistemas foram
derrubadas e foi possível compreender que esta teoria tinha por sua natureza buscar
um novo caminho de realizar a ciência, focando em questões que o paradigma utilizado
até então já não dava conta de responder (BERTALANFFY, 2010).

A Teoria Geral dos Sistemas foi muito importante para a construção de conceitos
dentro do pensamento sistêmico, principalmente para a compreensão da relação do
ser humano (considerado como um subsistema) com os demais sistemas em que está
inserido (familiar, conjugal, entre outros).

2.2 CIBERNÉTICA
A teoria da Cibernética foi escrita por Norbert Wiener no final da década de
1940 e ficou conhecida como ciência da correção. A palavra cibernética possui origem
na linguagem grega no termo kybernetes, cujo significado remete a piloto, condutor
(GOMES et al., 2014).

No entanto, a fundação de tal teoria começou a ser desenhada na escola de


Medicina de Harvard, onde Wiener e outros professores e pesquisadores reuniam-se
para discutir sobre o método científico. Foi nesse contexto que Wiener conheceu os
fisiologistas Walter Cannon e Arturo Rosenblueth, e com as discussões realizadas entre
eles, iniciaram os pensamentos que deram origem à cibernética (GOMES et al., 2014).

Seu contexto de criação remete à Segunda Guerra Mundial, com o financiamento


de pesquisas por parte dos Estados Unidos para ampliar e melhorar seu arsenal. Dessa
forma, Wiener, em parceria com Rosenblueth e Bigelow, realiza a construção de máquinas
que se relacionam com o sistema nervoso humano. Cabe destacar aqui que o objetivo
principal deles era criar uma máquina que desempenhasse a função do ser humano,
dando origem ao conceito de feedback, também conhecido como realimentação ou
retroação (GOMES et al., 2014).

Com o objetivo de discutir sobre a Cibernética, foi realizado um congresso em


Princeton, no ano de 1944, onde reuniram-se pesquisadores de diversas áreas, tais
como engenheiros, matemáticos, neurocientistas, entre outros. Em 1946, acontece a 1ᵃ
Conferência Macy, na cidade de Nova Iorque, que abordou o tema feedback, envolvendo
diversas áreas de pesquisadores, inclusive áreas relacionadas ao estudo do ser humano,
como a psicologia e a antropologia (GOMES et al., 2014). “O encontro pretendia reunir
cientistas que pudessem ajudar na compreensão do sistema nervoso, comunidades
sociais e meios de comunicação. Nos anos subsequentes, houve várias conferências
Macy e pode-se afirmar que o arcabouço teórico da Cibernética foi construído nestes
encontros” (GOMES et al., 2014, p. 9-10).

220
É importante ressaltar também que a realização dessas conferências foi
essencial para o desenvolvimento de diversas inovações tecnológicas, como:

Aparelho que permite aos cegos a leitura auditiva de um texto


impresso, computadores ultrarrápidos, próteses para membros
perdidos, máquinas artificiais com performances altamente
elaboradas, pulmão artificial, máquina de jogar xadrez, aparelho
auditivo para deficientes auditivos, máquinas para atuarem em
situações em que o trabalho implica risco para o homem, entre outras
invenções (VASCONCELLOS, 2010 apud GOMES et al., 2014, p. 10).

Os estudos sobre a cibernética envolvem também a busca pela compreensão de


como acontece a comunicação, já que “o propósito da Cibernética era o de desenvolver
uma linguagem e técnicas que permitissem abordar o problema da comunicação e
do controle em geral” (GOMES et al., 2014, p. 10). Nesse ponto, tem-se como objetivo
principal a mensagem que precisará ser transmitida (seja de forma mecânica, elétrica
ou nervosa), portanto, um processo possível de mensuração. É nesse contexto que
posteriormente Gregory Bateson desenvolverá a teoria da comunicação, contribuindo
com a ampliação das máquinas cibernéticas (GOMES et al., 2014).

Durante a construção de conhecimento a respeito da cibernética, ela passou


por algumas fases distintas, dividindo-se em cibernética de 1ᵃ e 2ᵃ ordem, sendo que a
cibernética de 1ᵃ ordem se subdivide em 1ᵃ e 2ᵃ cibernética, conforme veremos a seguir.

2.2.1 Cibernética de 1a ordem


A cibernética de 1ᵃ ordem busca uma compreensão objetiva dos sistemas
observados, a respeito dos outros e do mundo. Ela aborda o conhecimento ainda de
uma forma mecanicista, com base em paradigmas, como a estabilidade e a objetividade
(GOMES et al., 2014; MULLER, 2011).

Dessa forma, a 1ᵃ cibernética prioriza a estabilidade e a estrutura e tem como


foco os processos morfoestáticos, que são consequência da retroalimentação negativa
e buscam a manutenção da mesma forma, objetivando o equilíbrio, um retorno ao
estado anterior, a homeostase (GOMES et al., 2014).

Aqui, temos destaque ao que é observado, sem envolver o observador como


um sistema participante, dando prioridade à objetividade, e utiliza-se um entendimento
causa-efeito (linear). No entanto, é durante essa fase também que se começa a
desenhar o entendimento da complexidade, pois observa-se que tratar os sistemas de
forma objetiva dificulta a compreensão do sistema em suas relações, inserindo também
o conceito de causalidade circular (GOMES et al., 2014).

Sobre o conceito de causalidade circular, este é apresentado muito bem por


Barbosa (1996, p. 11), quando aponta que:

221
Segundo esse princípio, as informações que entram no sistema
repercutem no todo, da mesma forma também, em cada elemento em
particular. Isso é possível através de inúmeros processos recursivos
que se potencializam, indo ao encontro de um e outro membro do
sistema; o que chamamos de circularidade. Na circularidade, um dado
comportamento ou atitude, que tem sua origem em um subsistema,
possui certa repercussão em outro subsistema, que tão logo tenha
sido impactado pela mensagem enviada, responde ao subsistema de
origem conforme a mensagem recebida, sobrepondo a ideia de causa
e efeito. Esse intercâmbio entre as partes do sistema é circularmente
repetido entre si, tantas vezes quanto o sistema necessitar para o
seu equilíbrio.

Já a 2ᵃ cibernética trata dos processos morfogenéticos, que são consequência


da retroalimentação positiva e trata da construção de novas formas, isto é, ao passar
por uma determinada transformação, caso o sistema não seja destruído, ele poderá
se reorganizar, apresentando uma nova forma e organização. Considera-se o sistema
como capaz de autogerir-se nas mudanças que lhe acontecem. Vale ressaltar que é
nessa fase que emerge o entendimento de feedback (GOMES et al., 2014).

Considerando que nessa fase o olhar é ampliado para as mudanças que


acontecem nos sistemas, emerge um novo pressuposto que difere na ciência
tradicional: o conceito de instabilidade, pois se o mundo está constantemente
sofrendo transformações e mudanças, alguns fenômenos podem ser imprevisíveis,
indeterminados e, consequentemente, não é mais possível obter controle sobre todas
as variáveis (GOMES et al., 2014).

2.2.2 Cibernética de 2a ordem


A cibernética de 2ᵃ ordem abrange o que ficou conhecido como sistemas
observantes, termo cunhado pelo físico Heinz Von Foster, que aponta para o observador
como um sistema inserido dentro do sistema que é observado, apontando também
para um olhar construtivista. Nessa fase, entende-se que eventuais problemas ou
acontecimentos não acontecem de forma isolada, mas estão presentes na relação que
se estabelece no próprio sistema em interação (GOMES et al., 2014; MULLER, 2011).

Cabe ressaltar que a cibernética de 2ᵃ ordem apresentará as três características


da ciência novo-paradigmática: complexidade, instabilidade e intersubjetividade,
sendo que:

A noção de complexidade está ligada a sistemas, a ecossistemas,


à causalidade circular, à recursividade, a contradições e ao
pensamento complexo. A ideia de instabilidade está relacionada à
desordem, à evolução, à imprevisibilidade, aos saltos qualitativos,
à auto-organização e à incontrolabilidade. O pressuposto da
intersubjetividade envolve a inclusão do observador, a autorreferência,
a significação da experiência na conversação e a coconstrução
(VASCONCELLOS, 2010 apud GOMES et al., 2014, p. 11).

222
Podemos compreender, com base nas fases da cibernética, a importância
que ela terá posteriormente na compreensão dos sistemas familiares e na dinâmica
de funcionamento dos sistemas e subsistemas (entendendo o ser humano também
como um subsistema). Dando continuidade à nossa caminhada através das teorias
que sustentam a abordagem sistêmica, nos debruçaremos agora na teoria da
comunicação humana.

2.3 TEORIA DA COMUNICAÇÃO HUMANA


Gregory Bateson deu continuidade em suas pesquisas iniciadas com a
cibernética, dando origem à teoria da comunicação. Em Palo Alto (Califórnia), com
seus colaboradores, Bateson desenvolveu estudos sobre a comunicação patogênica
em uma família cujo um membro possuía esquizofrenia, elaborando a teoria de duplo
vínculo, em que ao receber orientações paradoxais, a interação familiar sofre diversas
implicações (GOMES et al., 2014),

A comunicação é um processo que abrange diversos fatores complexos, entre


eles encontramos: o conteúdo (o que se pretende comunicar), a forma (como comunicar)
e a linguagem (meio utilizado para comunicar) (GOMES et al., 2014).

Esses três elementos sempre estão presentes no processo comunicativo e,


além disso, podemos observar que a teoria da comunicação humana contempla três
dimensões: a sintaxe, a semântica e a pragmática, sendo que “a sintaxe se refere à
transmissão da informação; a semântica está relacionada ao significado dos símbolos; e
a pragmática diz respeito aos aspectos comportamentais da comunicação” (GOMES et
al., 2014, p. 12). A teoria também possui outros conceitos, como o de metacomunicação
e mensagens congruentes e incongruentes (GOMES et al., 2014).

Ao se comunicar umas com as outras, as pessoas enviam mensagens, sejam


elas verbais ou não verbais. Essa relação e a forma com que as coisas são ditas ou
feitas causam impactos, sendo causa e efeito da relação que é estabelecida em dado
momento entre tais pessoas. Para a Teoria da Pragmática da Comunicação Humana,
a comunicação causa impacto sobre o comportamento, tendo consequência sobre os
aspectos relacionais (GOMES et al., 2014).

Watzlawick, Beavin e Jackson (1973, p. 45 apud GOMES et al., 2014, p. 12) afirmam
que “atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui valor de mensagem,
influencia os outros, e estes outros que, por sua vez, não podem não responder a essas
comunicações, estão, portanto, comunicando também”.

Cabe salientar também que a teoria da comunicação humana abrange ainda


os cinco axiomas da comunicação, sendo eles: não é possível não comunicar; a
comunicação sempre é composta pelo conteúdo e pela relação; a relação acontece

223
através de uma sequência de mensagens entre os comunicantes, isto é, há uma relação
de causa e efeito no ato de comunicar; a comunicação entre os seres humanos acontece
de forma verbal ou não verbal e as trocas realizadas durante o processo comunicativo
ou são iguais ou se complementam, fundamentando-se na igualdade ou na diferença
(GOMES et al., 2014).

DICAS
Caso deseje aprofundar os seus estudos a respeito da teoria da comunicação
humana, recomendamos a leitura do livro Pragmática da comunicação
humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação.

WATZLAWICK, P.; BEAVIN, J. H.; JACKSON, D. Pragmática da comunicação


humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. 9.
ed. São Paulo: Cultrix, 1973.

3 ABORDAGEM SISTÊMICA NA PSICOLOGIA


A partir dos estudos realizados sobre as teorias que dão base e sustentam a
abordagem sistêmica, agora podemos contextualizá-la dentro da psicologia, com o
ser humano e suas relações. No contexto pós-Segunda Guerra Mundial, a psicanálise,
que era a forma de trabalho predominante na psicologia na época, foi muito criticada e
não deu conta da nova realidade que se apresentava. O pensamento sistêmico rompe
com um olhar sobre o indivíduo e direciona-se para o contexto das inter-relações,
compreendendo que o que acontece, acontece em um contexto, influenciado pelos
sistemas e subsistemas que o envolvem (GOMES et al., 2014).

Dessa forma, não se busca mais uma relação linear de causa e efeito, mas
entende-se que o mundo, os fenômenos e as relações passam por mudanças,
que nem sempre podem ser controladas ou previstas. A abordagem sistêmica,
portanto, tem como objetivo principal olhar para as relações, considerando desde o
macrossistema (ordem social, cultura, comunidade) até o microssistema (escola e
família, por exemplo). Essas relações são construídas com base em uma hierarquia,
considerando também os valores e as regras estabelecidos dentro do sistema (GOMES
et al., 2014; CELESTINO, 2015).

Cabe ainda ressaltar, no que diz respeito às relações estabelecidas, que elas
são permeadas por fronteiras, e estas podem ser: rígidas (as relações estabelecidas
não são flexíveis, há dificuldade durante o contato), difusas (não apresentam limites e
constantemente os subsistemas se misturam e confundem-se) ou nítidas (os limites
da relação estão bem claros para todos e é possível ser flexível), sendo estas últimas as
fronteiras desejadas nas relações entre os sistemas (PADILHA; LUCAS; PALMA, 2016).

224
3.1 ABORDAGEM SISTÊMICA E O CONTEXTO FAMILIAR
Acadêmico, para adentrarmos nos estudos a respeito da abordagem sistêmica
familiar, abordaremos inicialmente as transformações que a família sofreu no decorrer
da história até hoje, apresentando diversos impactos na compreensão que temos
atualmente sobre o sistema familiar.

Na década de 1950, a família era composta de pai, mãe e muitos filhos. O pai
era visto como provedor, responsável pelo sustento da família, sua palavra era a mais
importante, sendo uma figura central nas decisões tomadas pela família e seus membros.
A mãe, neste sistema familiar, era responsável pelo cuidado da casa e dos membros da
família, permanecendo mais tempo em casa para exercer esta função (DESSEN, 2010).

O sistema familiar e as relações exercidas nesse sistema representam


certo poder; como apresentam Brosco e Bertrando (2012), a relação
do poder tem extrema influência, tanto na construção do sujeito,
em que os papéis são estabelecidos dentro da família e em sentido
macro, como na relação cliente-terapeuta (PADILHA; LUCAS; PALMA,
2016, p. 59).

A partir do final da década 1960, assim como nas décadas de 1970 e 1980, a
mulher começa a obter um papel mais ativo na sociedade, resultado também de diversos
movimentos sociais, como o feminismo, por exemplo. Dessa forma, a mulher também
ingressa no mercado de trabalho (nesse momento, em profissões tipicamente femininas,
relacionadas ao cuidado e ao ensino, como enfermagem e pedagogia) (DESSEN, 2010).

Com essa alteração, observa-se uma diferença no número médio de filhos por
família, que cai da década de 1960 (de uma média de três a quatro filhos) para a década
de 1980 (para uma média de dois a três filhos). A redução do número de filhos por casal
também pode ser relacionada com o ingresso da mulher no Ensino Superior, o uso do
anticoncepcional, assim como a regulamentação do divórcio também. No entanto, é
importante destacar que mesmo com o ingresso da mulher no mercado de trabalho,
não houve um ajuste igualitário no sistema familiar, mantendo como papel da mulher o
cuidado com a casa e com a família (DESSEN, 2010).

No que diz respeito às mudanças que começaram a aparecer na organização dos


sistemas familiares, Bion (2012, p. 14) aponta que “importantes fenômenos e movimentos
sociais, tais como, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e sua maior participação
no sistema financeiro familiar acabaram por criar um novo perfil de família”.

Ainda na década de 1980 encontramos base para entender duas formas de


organização da família: a família hierárquica (década de 1950) e a família igualitária
(década de 1980), em que a mulher, ao ingressar no mercado de trabalho e compartilhar
com o homem a responsabilidade de sustento da sua família, impacta na configuração
familiar, na divisão de tarefas do lar e cuidado com os filhos (DESSEN, 2010).

225
O ingresso da década de 1990 foi marcado por um aumento considerável
nas solicitações de divórcios (uma média de três vezes mais do que o habitual). Este
foi um fator muito importante nas novas configurações familiares que surgiriam,
como as monoparentais (constituídas de um cônjuge e os filhos); cangurus (de um
cônjuge e o retorno dos filhos aos lares) e as compostas por recasamentos (DESSEN,
2010). Dessa forma:

Em contraponto à estrutura familiar tradicional, com o pai como único


provedor e a mãe como única responsável pelas tarefas domésticas
e cuidados dos filhos, o que vem ocorrendo em algumas famílias hoje
é decorrente de um período de transição dessa estrutura para uma
nova forma de família (BION, 2012, p. 15).

Nesse contexto histórico de construção das relações familiares é importante


destacar que não existe uma forma de conceber a família melhor ou pior que outra,
pois cada formato de família que foi sendo construído no decorrer da história possui
implicações históricas e contextuais, o que impacta na sua formação, compreensão e
organização (DESSEN, 2010).

Olhando a família através da abordagem sistêmica, podemos partir da


compreensão de que a família é um sistema aberto, inserido dentro de um sistema maior,
e composta de subsistemas menores, como as relações conjugais, filiais e parentais.
O desenvolvimento dessas relações possui fronteiras que as delimitam, mas ao tornar
essas fronteiras demasiadamente rígidas ou frouxas, abre-se espaço para o surgimento
de patologias no sistema e nas relações estabelecidas (DESSEN, 2010).

A necessidade de apego ao outro é compreendida como essencial ao


homem, que é um ser social. As relações com pessoas significativas,
principalmente com a família de origem, são estabelecidas por
relações de proximidades e distâncias afetivas. Assim, os autores
Brosco e Bertrando (2012) elencam a importância da consideração
desses vínculos para o cliente, tanto o vínculo afetivo consigo
mesmo como os sistemas externos de referência e com o terapeuta
(PADILHA; LUCAS; PALMA, 2016, p. 59).

O sistema familiar perpassa diversas mudanças no decorrer da história, que


interferem no equilíbrio e demandam mudanças para o encontro de um novo equilíbrio.
“Esses períodos caracterizam as transições no desenvolvimento ou, usando uma
terminologia própria da abordagem sistêmica da família, as crises normativas” (DESSEN,
2010, p. 213).

No que diz respeito ainda ao sistema familiar, é importante apresentar os estudos


multigeracionais realizados por Murray Bowen, que apontam para a compreensão de
como os membros de uma família tendem a seguir os padrões das gerações anteriores,
muitas vezes como “lealdades invisíveis”, fundamentais para manter o equilíbrio da família,
já que funcionam como um “livro virtual de prestação de contas” (BOSZORMENYI-NAGY,
1984 apud CELESTINO, 2015, p. 320), onde aquele que recebe algo (intergeracional)
fica em dívida com aquele que o deu, necessitando retribuir e atender aquilo que lhe é
solicitado, para que a homeostase do sistema não seja interrompida (CELESTINO, 2015).

226
Ao abordar as questões relacionadas aos aspectos multigeracionais é
importante sempre considerar que estamos falando de padrões e modelos familiares
que perpassam de uma geração para a outra, por diversas gerações. Esses modelos, por
sua vez (e muitas vezes, diga-se de passagem), são seguidos sem que o sujeito perceba
e/ou mesmo que não concorde com tal formato de ação. Quando a pessoa se dá conta
desse movimento e tenta rompê-lo, também sofre consequências, pois estará seguindo
por uma nova direção, rompendo com a “lealdade invisível” (CELESTINO, 2015, p. 320)
estabelecida pela família (CAMICIA; SILVA; SCHMIDT, 2016).

A transmissão transgeracional ou multigeracional aborda a maneira


pela qual padrões de relacionamento dos membros da família
refletem um processo previsível e ordenado de várias gerações.
É previsível devido à quantidade limitada de padrões relacionais
no sistema emocional da família nuclear, sendo sua intensidade e
características fortemente influenciadas pela geração anterior,
com consequências previsíveis na geração seguinte. Os padrões
relacionais dizem respeito às emoções, aos valores, às crenças e
atitudes passados de uma geração a outra na tentativa de facilitar a
adaptação ao ambiente (OTTO; RIBEIRO, 2020, p. 87).

Com base nos estudos realizados sobre a terapia sistêmica e o impacto que os
aspectos multigeracionais podem ocasionar no sistema familiar e nos sujeitos que o
compõem, é importante a compreensão de como esse padrão se estabelece, em que
pontos ele se torna saudável ou patológico, para que o sistema possa ser conduzido na
busca de adaptações que façam sentido na sua realidade e não resultem em sofrimento
(CELESTINO, 2015; OTTO; RIBEIRO, 2020).

A partir de agora daremos continuidade em nossos estudos a respeito dos


ciclos de vida familiar, focando nas crises normativas e suas principais características e
desafios no contexto familiar.

DICAS
Caso deseje aprofundar os seus estudos a respeito da teoria sistêmica,
recomendamos a leitura do livro Terapia relacional sistêmica: famílias, casais,
indivíduos, grupos, que pode auxiliar também na prática do acompanhante
terapêutico realizada através desta ótica.

ROSSET, S. M. Terapia relacional sistêmica: famílias, casais, indivíduos,


grupos. Belo Horizonte: Artesã, 2013.

227
3.1.1 Ciclos de vida familiar
Esse tema já foi estudado por muitos pesquisadores, que criaram diversas
teorias. Como exemplo, podemos citar Solomon (1973 apud BION, 2012), que descreveu
cinco estágios e foi um dos precursores a desenvolver teorias a respeito do ciclo de vida
familiar e elaborar tarefas a serem realizadas em cada um deles. Duwall (1977 apud BION,
2012) construiu uma teoria dividida em oito estágios, buscando a compreensão entre
as proximidades e os distanciamentos dos membros que compõem o sistema familiar.

Nesse momento, e para contemplar a proposta da disciplina, abordaremos os


seis estágios elaborados por Carter e McGoldrick (1995 apud BION, 2012, p. 13). A ideia
central dessa teoria do ciclo de vida familiar apresenta a família:

vista como sistema movendo-se através do tempo, possui


características particulares, que não são comuns a nenhum outro
sistema ou organização. As famílias podem incorporar membros
somente através do nascimento, adoção ou casamento e os membros
da família só podem ir embora pela morte. Assim sendo, não há outro
sistema sujeito a tais limitações.

Contudo, essa teoria foi desenvolvida em meados da década de 1990, tomando


como modelo a família tradicional americana de classe média, portanto, ela não considera
na sua construção as novas configurações familiares que foram surgindo com o tempo.
Esse ponto é importante para que ela não seja tomada como verdade em todos os seus
aspectos, mas para que possa ser um meio de reflexão para a compreensão da família
em sua singularidade (BION, 2012; DESSEN, 2010).

Apesar de a proposta de Carter e McGoldrick não incluir características


próprias das formas alternativas de família, como estruturas
monoparentais, famílias recasadas e outras formas de família, bem
como as especificidades dos diferentes contextos sócio-histórico-
culturais, ela ilustra a interconexão entre o desenvolvimento do grupo
familiar e o desenvolvimento do indivíduo (DESSEN, 2010, p. 214).

Carter e McGoldrick (1995 apud BION, 2012) consideram o fator transgeracional


em sua teoria, olhando para o que a família realizou no passado, o percurso que está
trilhando no presente e para que direção se encaminha a perspectiva de futuro (podemos
observar aqui a causalidade circular, apresentada anteriormente).

Os seis estágios descritos por Carter e McGoldrick (1995 apud BION, 2012, p. 14)
e suas principais tarefas são, respectivamente:

1- Saindo de casa: jovens solteiros. A principal tarefa deste estágio


é aceitar a responsabilidade emocional e financeira pelo eu, e
também a diferenciação do individuo em relação a sua família de
origem, tarefa esta que influenciará as etapas seguintes.
2- A união de famílias no casamento. Neste estágio, é desejável que
haja comprometimento com um novo sistema.

228
3- Famílias com filhos pequenos. Nesta fase, o desafio é aceitar novos
membros no sistema.
4- Famílias com adolescentes. A principal tarefa deste estágio é o
aumento da flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a
independência dos filhos e as fragilidades dos avós.
5- Lançando os filhos e seguindo em frente. Neste estágio, os
membros vão se deparar com muitas saídas e entradas no sistema
familiar.
6- Famílias no estágio tardio da vida. A tarefa principal deste período
é aceitar as mudanças dos papéis geracionais.

Esses estágios, que são também denominados de crises normativas, são muito
importantes para a compreensão de como acontece o processo de desenvolvimento
da família, pois a partir das vivências de cada um desses estágios a família realizará
as tarefas que lhe competem, também enfrentará os desafios a elas inerentes e
poderá atravessar as mudanças que se fazem necessárias para a transformação e o
restabelecimento do equilíbrio do sistema familiar (DESSEN, 2010).

3.2 ABORDAGEM SISTÊMICA: IMPLICAÇÕES NO


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Realizamos um percurso histórico na teoria e no pensamento sistêmico,
desde os seus antecessores, construção e ampliação no contexto familiar e, agora,
abordaremos a sua relação com o acompanhamento terapêutico. Dessa forma, para
iniciar a compreensão entre esses dois campos é importante deixar claro que o
acompanhamento terapêutico é uma função e ela não está articulada necessariamente
com o arcabouço teórico da abordagem sistêmica, podendo ser exercida através de
diversas outras teorias existentes (NETTO; IAMIN, 2013).

A terapia familiar sistêmica sempre vai olhar para o sujeito em relação ao


contexto em que ele está inserido. Dessa forma, o sintoma ou a patologia nunca é do
sujeito, ele apenas transmite o funcionamento desajustado que se instalou no ambiente
familiar (NETTO; IAMIN, 2013). Por isso, é muito importante que o terapeuta tenha um
papel ativo no processo com a família, principalmente como um observador da teia de
relações estabelecidas, pois é a partir da observação dessas relações que será possível
compreender “como a família enfrenta as diversas situações que se apresentam ao longo
do tempo, tais como as doenças psiquiátricas ou crônicas, o sentimento de exclusão, o
uso e abuso de substâncias químicas, a violência familiar, o desemprego, entre tantas
outras situações que surgem no processo terapêutico” (NETTO; IAMIN, 2013, p. 62).

Ao realizar um atendimento sob o olhar sistêmico, também é importante se atentar


para as novas configurações familiares existentes, conforme abordado anteriormente.
O acompanhante terapêutico deve compreender a dinâmica estabelecida entre os
membros do sistema familiar, sem deixar-se conduzir por preconceitos e julgamentos
que possa ter em relação a tal dinâmica familiar, pois isso afetaria todo o sistema e o
desenvolvimento do trabalho ficaria prejudicado (NETTO; IAMIN, 2013).

229
O trabalho desenvolvido pelo AT na convivência familiar do seu acompanhado
pode ser considerado como um trabalho interdisciplinar, na medida em que este
profissional é um mediador entre paciente, família e demais profissionais que o assistem.
Com isso, é muito importante que esteja atento a algumas questões, pontuadas por
Diaz Usandivaras (NETTO; IAMIN, 2013, p. 63):

• Interação familiar: diz respeito às características da comunicação, de


manutenção que perpetuam os sintomas e a homeostase familiar.
• Estrutura familiar: refere-se aos conceitos de poder e de fronteiras
entre os diferentes subsistemas (fraternal, parental e conjugal).
• Construção da realidade: são as concepções atuais e históricas
da família e seu grupo social sobre os aspectos da realidade que
podem se converter em mitos familiares.
• Evolução: processo de discriminação que permite que o indivíduo
cresça e desenvolva suas potencialidades, de acordo com a etapa
do ciclo de vida individual e familiar.
• Autoestima: a valorização de si mesmo e da família.

Os ciclos de vida familiar também podem apresentar implicações na prática do


acompanhamento terapêutico, já que no contexto do processo terapêutico sob a ótica
sistêmica, tratamos de dois sistemas diferentes trabalhando em unicidade (MARIN;
OLIVEIRA, 2012). Tanto a família quanto o terapeuta possuem o seu estágio no ciclo de
vida familiar, que pode ser, de acordo com Simon (1995 apud MARIN; OLIVEIRA, 2012,
p. 221): “1) o terapeuta ainda não experienciou o estágio do ciclo de vida da família; 2) o
terapeuta está experienciando o mesmo estágio do ciclo de vida da família; e, por fim, 3)
o terapeuta já passou pelo estágio do ciclo de vida da família”.

Nos casos em que o terapeuta ainda não experienciou o ciclo de vida em


que a família está, o terapeuta poderá utilizar como ferramentas as suas vivências da
infância ou adolescência, mas é importante tomar cuidado para não se identificar em
demasia com os filhos e invalidar o posicionamento dos pais. Quando o terapeuta está
experienciando o mesmo estágio do ciclo de vida da família, é possível que haja uma
maior compreensão e acolhimento, mas é preciso tomar cuidado para que não despreze
o que a família está vivendo ou sentindo, em função daquilo que sente em relação a sua
família (MARIN; OLIVEIRA, 2012).

No caso do terapeuta que já passou pelo estágio do ciclo de vida em que a


família se encontra naquele momento, o acolhimento e a compreensão tornam-se mais
fáceis, assim como o manejo com a família. No entanto, é importante ressaltar que o
terapeuta jovem, mesmo sem tais vivências, poderá desempenhar bem seu papel, mas
o fará com estratégias diferentes (MARIN; OLIVEIRA, 2012).

Marin e Oliveira (2012) realizaram estudos a respeito das influências do ciclo


de vida familiar em que o terapeuta e a família possam estar vivenciando no momento.
No entanto, na medida em que o acompanhante terapêutico é inserido nessa família
com o objetivo de intervir na dinâmica que está em funcionamento, o AT é que será o
sistema inserido junto ao sistema familiar, que possui as suas vivências (ou não) dos
ciclos de vida familiar, e precisará estar atento a esses aspectos, seus e da família com
quem está trabalhando.

230
Dessa forma, considerando o que foi exposto neste tópico, ressaltamos que
a abordagem sistêmica, ao olhar para as relações estabelecidas dentro do sistema
familiar, sendo este o primeiro sistema em que o sujeito se reconhece, torna-se muito
importante para a prática do acompanhante terapêutico, ampliando o olhar sobre o
sujeito adoecido e intervindo em todas as suas relações para que possa encontrar o
equilíbrio de todo o sistema em que está inserido.

231
LEITURA
COMPLEMENTAR
TÉCNICAS DE TERAPIA COGNITIVA-COMPORTAMENTAL (TCC) NA PRÁTICA DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT)

Manoela Dutra Ramos

1 INTRODUÇÃO

O Acompanhamento Terapêutico (AT) é uma modalidade de intervenção


psicossocial realizada em uma situação clínica. O objetivo dessa prática é fazer um
atendimento psicológico em pessoas que possuem prejuízos em uma ou demais
áreas do comportamento humano decorrentes da presença de transtornos mentais,
orgânicos e em situações de vulnerabilidade (LONDERO, 2010). O AT coloca em prática
estratégias pensadas na psicoterapia, desenvolvendo suas intervenções em distintos
settings terapêuticos, nas atividades cotidianas do acompanhado dentro de espaços
públicos e privados.

Este presente artigo tem como objetivo abordar a prática do AT e contextualizá-


la nas terapias cognitivo-comportamentais (TCC). Principalmente em sua fase de
estruturação, a TCC focou-se mais no desenvolvimento de modelos teóricos que
abordassem o entendimento, as estratégias e as técnicas terapêuticas dos diversos
transtornos psicológicos (PICCOLOTO et al., 2007). Desse modo, achamos interessante
ressaltar algumas técnicas que podem ser utilizadas na prática do AT.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 DEFINIÇÕES E UM POUCO DA HISTÓRIA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O Acompanhamento Terapêutico surge em comunidades terapêuticas, onde


foi usado como alternativa nas internações psiquiátricas. Em sua maioria eram jovens,
universitários que procuravam uma aproximação com pacientes graves, considerados
loucos. Desde sua configuração inicial, o AT mostra uma ruptura com um modelo da
saúde que desejava isolar as pessoas que eram rotuladas como loucas dentro de
hospícios. Alguns acontecimentos ajudaram na constituição do Acompanhamento
Terapêutico. A criação do Hospital-Dia, com tratamentos em determinados períodos
do dia, e a produção dos psicofármacos participaram da constituição do AT. Além
destes, temos também a invenção da comunidade terapêutica e a Reforma Psiquiátrica
(SILVA, 2005).

A Casa (1991) destaca: “o acompanhamento terapêutico é uma prática de


saídas pela cidade com a intenção de montar um “guia” que possa articular o paciente
na circulação social, através de ações, sustentado por uma relação de vizinhança do
acompanhante com o louco e a loucura, dentro de um contexto histórico”.

232
Segundo A Casa (1997), “de uma extensão do hospital-dia, passou a ser um
dispositivo para que as conexões com a cidade acontecessem”. Com o surgimento do
hospital-dia, certos pacientes necessitavam de mais tempo de auxílio, pois o hospital
só funcionava das 9h às 17h. Desse modo, surgiu o acompanhamento terapêutico, o
qual no começo tinha a função de suprir o horário em que o hospital não funcionava
e, mais tarde, como um lugar de intervenções específicas no âmbito da coletividade.
O acompanhamento terapêutico é uma clínica preocupada em romper o isolamento
dos sujeitos psicóticos e outros que precisem de tratamento. O setting é fora dos
equipamentos tradicionais de tratamento, que se dá na interface do acompanhante, do
acompanhado e da cidade, clínica na cidade.

De acordo com Veríssimo (2010), nas comunidades terapêuticas, o acompanhante


terapêutico tinha a função de um auxiliar psiquiátrico, pois ajudava a administrar
a medicação do paciente e auxiliava o psiquiatra com dados que sabia graças a sua
proximidade com os pacientes. O AT não saía com os pacientes e os pacientes que ele
ajudava eram, em sua maioria, psicóticos. Entretanto, com o desmonte das comunidades
terapêuticas, o AT passa a ter função fora do ambiente fechado e passa a circular com o
paciente pelas ruas da cidade e na sua casa. Assim, nasce uma das funções principais
do acompanhamento terapêutico, que é introduzir o paciente retraído no meio social.

A função do AT passou a ser de reconstruir, ou, em alguns casos, de construir


um suporte do eu que permitisse ao sujeito estar no mundo, situar-se frente aos outros
e estabelecer relações sem que isso signifique uma ameaça. O AT começa a servir como
modelo de identificação, espelhamento da subjetividade do paciente, nomeação dos
afetos, necessidades e desejos, apresentação de lugares e objetos que possam ser
significativos, enfim, executar funções que possibilitem ao sujeito, que se desorganizou
psiquicamente por conta de uma crise, reorganizar-se (VERÍSSIMO, 2010).

A Casa (1991) destaca: “o acompanhante também deve ser acompanhado,


nos momentos em que seus passos claudicam, seus pés escorregam, suas pernas
se misturam, seja por um grupo de supervisão, ou grupo de referências, seja por um
trabalho analítico pessoal”.

Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC) e Acompanhamento Terapêutico (AT)

A Terapia Cognitivo-Comportamental integra técnicas e conceitos vindos de


duas abordagens principais: a cognitiva e a comportamental. No raciocínio da terapia
cogntivo-comportamental, as mudanças terapêuticas acontecem na medida em que
ocorrem alterações nos modos disfuncionais de pensamento. Nesse ponto de vista,
a avaliação cognitiva que o sujeito faz das suas situações vividas é o que determina o
tipo de resposta que será dado na forma de sentimentos e comportamentos (BAHLS;
NAVOLAR, 2004).

233
De acordo com Bahls e Navolar (2004), a TCC dá uma grande ênfase aos
pensamentos do cliente e à forma como este interpreta o mundo. A Terapia Cognitivo-
Comportamental centra-se nos problemas que estão sendo apresentados pelo paciente
no momento em que este procura a terapia, sendo que seu objetivo é ajudá-lo a aprender
novas estratégias para atuar no ambiente de forma a promover mudanças necessárias.

Principalmente em sua fase inicial, a TCC focou-se mais no desenvolvimento


de modelos teóricos que abordassem o entendimento, as estratégias e as técnicas
terapêuticas dos diversos transtornos psicológicos (PICCOLOTO et al., 2007). A terapia
cognitivo-comportamental dispõe de uma ampla gama de tratamento de diversos
problemas psiquiátricos, tais como transtornos de ansiedade, depressão, disfunções
sexuais, distúrbios obsessivos-compulsivos e alimentares.

A relação transferencial não é o alvo do trabalho terapêutico na TCC,


entretanto, não se pode desconsiderar a influência recíproca sofrida entre terapeuta-
cliente, uma vez que ambos têm suas cognições e comportamentos moldados a partir
dessa inter-relação. Desse modo, o vínculo estabelecido entre o terapeuta e o cliente
é um fator determinante do sucesso, considera-se de extrema importância um maior
entendimento sobre as variáveis neste envolvidas. O setting terapêutico funciona
como um “laboratório controlado”, o qual oferece a oportunidade da dupla (terapeuta e
cliente) conceituar as crenças centrais disfuncionais do cliente, compreendendo seus
efeitos no relacionamento com outras pessoas e oportunizando o desenvolvimento
de novas estratégias, mais funcionais e adaptativas em suas relações cotidianas
(PICCOLOTO et al., 2007).

O Acompanhamento Terapêutico é um dispositivo clínico que tem como objetivo


o desenvolvimento de habilidades comportamentais básicas em pessoas que possuem
déficits em uma ou demais áreas do comportamento humano, decorrentes da presença
de transtornos mentais, orgânicos e em situações de vulnerabilidade (LONDERO, 2010).

Nas terapias comportamentais e cognitivas, a prática do AT é utilizada


em basicamente dois contextos: 1) terapia de consultório, e o mesmo terapeuta,
esporadicamente, como acompanhante terapêutico em exercícios práticos e 2) terapia
de consultório e a indicação a outro profissional AT para a realização dos exercícios ou
auxílio nas tarefas de casa propostas pelo terapeuta principal. É um trabalho que deve
estar associado a uma equipe multiprofissional ou a um psicoterapeuta (LONDERO, 2010).

A indicação para outro profissional AT geralmente é baseada na necessidade


observada pelo terapeuta principal quanto à área do comportamento a ser abordada,
levando em consideração a intensidade e a frequência dos episódios que são
manifestados, os prejuízos comportamentais que o cliente apresenta e lhe geram
incapacidades e desvantagens funcionais (LONDERO, 2010).

234
De acordo com Baumgarth et al. (1999 apud LONDERO, 2010), a variável principal
que decide se a intervenção vai ser na clínica ou no ambiente natural é o repertório
comportamental do cliente, porque várias vezes é no ambiente natural que achamos
os reforçadores necessários para a aprendizagem de novas habilidades, a partir da
exposição direta à contingência e teste efetivo de hipóteses.

3 TÉCNICAS DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO

A Terapia Cognitivo-Comportamental é um modelo de tratamento psicoterápico


que planeja tópicos e metas para serem abordados em cada consulta. Para quem
sejam executadas as intervenções que permitam que a dupla paciente/terapeuta
clarifiquem pensamentos automáticos, desfazendo distorções que afetam emoções e
comportamentos, são utilizadas as técnicas cognitivas e comportamentais (PICCOLOTO
et al., 2007).

O AT tem a tarefa de ser um elo entre a equipe e o cliente, podendo fornecer


variáveis importantes que poderiam auxiliar a elaboração do programa terapêutico.
Não existe um manual de atendimento a problemas específicos e sim um artesanal
de técnicas que deverá ser empregado de acordo com cada cliente, com as variáveis
envolvidas na emissão de comportamento e o repertório de cada um (PICCOLOTO et
al., 2007).

As técnicas utilizadas nas intervenções cognitivas comportamentais são


uma ferramenta para o cliente e para o AT. A utilização das técnicas deve sempre
estar amparada em uma análise clínica ampla e detalhada, realizada por profissionais
habilitados para isso. O AT deve participar da discussão do caso com os responsáveis e
seguir suas orientações de forma crítica e participativa, sempre agindo de acordo com
o que foi decidido com a equipe (PICCOLOTO et al., 2007).

A técnica mais utilizada em transtornos ansiosos é a exposição, que é um


procedimento de extinção das respostas de esquiva, que são comportamentos
aprendidos através de condicionamento clássico e reforçamento negativo. Sabendo
que estímulos condicionados adquirem propriedades aversivas, esse procedimento
pode ser empregado de uma forma gradual (de estímulos menos provocativos até
os mais evocadores) ou de uma maneira implosiva (ou inundação), em que o cliente
é colocado frente ao estímulo mais ansiogênico. A exposição baseia-se em colocar o
cliente em contato direto com a situação ou evento ansiogênico por um período de
tempo prolongado (de 45 minutos aproximadamente) ou até que a ansiedade chegue
ao seu máximo e então decline totalmente de forma natural. Em algumas situações, o
AT faz a exposição assistida, como andar de metrô com o cliente, acompanhar o cliente
na direção de um carro, por exemplo, o que pode ser de grande auxílio, pois o cliente
pode ter dificuldades (LONDERO, 2010).

235
As estratégias terapêuticas que tratam a exposição a situações sociais
específicas e treinamento em habilidades para lidar com essas situações são
normalmente beneficiadas pelo trabalho do AT. A falta de habilidades sociais significa
uma vida social com poucos reforçadores positivos. Desse modo, pode gerar
pensamentos negativos, como depressão, baixa autoestima, ansiedade, frustração e
revolta (LONDERO, 2010).

As habilidades sociais são comportamentos que têm maior probabilidade de


atingir os objetivos de quem se comporta (ou de produzir as consequências reforçadoras
das quais é a função), e baixa probabilidade de ser punido. Fundamentado em um
programa de treinamento em habilidades sociais (TSH), o AT pode auxiliar de várias
maneiras, utilizando algumas técnicas construídas dentro de princípios respondentes
e operantes da aprendizagem e principalmente na teoria da aprendizagem social.
Algumas dessas técnicas são:

1) Atuar como modelo em interações sociais com terceiros. O AT deve agir em casos que
o cliente apresenta prejuízos de habilidades básicas, ou seja, em comportamentos
ainda ausentes ou ainda não completamente modelados.
2) Atuar como orientador, incentivador e reforçador. O AT pode ser um reforçador
condicionado para a atuação do cliente ou um estímulo aversivo condicionado no
momento da exposição social.
3) Agir como observador: o acompanhante terapêutico deve informar o terapeuta sobre
comportamentos de esquiva, passividade, agressividade, nível de ansiedade, postura
geral, volume da voz, nível de sensibilidade a estímulos discriminativos, entre outros
(LONDERO, 2010).

É relevante o terapeuta auxiliar o cliente na reestruturação cognitiva, que é a


identificação e a modificação dos pensamentos automáticos disfuncionais e as crenças
centrais que interferem no seu comportamento. A modificação da cognição é realizada
por meio de técnicas, como diálogo socrático (elaborar uma série de questões que levam
a conclusões lógicas em relação a um problema e diretrizes adequadas para futuras
ações), descatatrofização (auxiliar o paciente a pensar logicamente em alternativas que
não a sua pior escolha), entre outros (LONDERO, 2010; PICCOLOTO et al. 2007).

CONCLUSÃO

Este artigo procurou trazer informações a respeito do acompanhamento


terapêutico, terapias cognitivo-comportamentais e técnicas de TCC.

A partir desta revisão, pôde-se observar que o Acompanhamento Terapêutico


é um dispositivo clínico que tem como objetivo o desenvolvimento de habilidades
comportamentais básicas em pessoas que possuem déficits em uma ou demais áreas
do comportamento humano.

236
As técnicas terapêuticas podem ser muito bem aplicadas na prática do AT,
principalmente as que tratam a exposição a situações sociais específicas e treinamento
em habilidades sociais para lidar com essas situações.

A Terapia Cognitivo-Comportamental dá uma grande ênfase aos pensamentos


do paciente e à forma como este interpreta o mundo, centrando-se nos problemas que
estão sendo apresentados com o objetivo de ajudar a aprender novas estratégias para
atuar no ambiente de forma a promover mudanças necessárias.

FONTE: RAMOS, M. D. Técnicas de Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC) na Prática do


Acompanhamento Terapêutico (AT). Siteat.net, 2014. Disponível em: https://siteat.net/
manoela/. Acesso em: 30 set. 2021.

237
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A construção das bases do pensamento sistêmico aconteceu entre as décadas de


1930 e 1940, sendo reconhecido logo na primeira metade do século XX. A história
que lhe antecede possui um caráter mecanicista e é pautada na lógica científica
tradicional (estabilidade, objetividade e simplicidade).

• O movimento romântico, que perdura a partir do final do século XVIII até o término
do século XIX, foi o primeiro a se opor à lógica mecanicista, ingressando na lógica
organicista, que será muito importante para a elaboração e a compreensão do
pensamento sistêmico.

• A teoria geral dos sistemas surge em virtude da insuficiência da lógica mecanicista, e


sua origem é organicista, possuindo um olhar para o organismo, que o compreende
como um todo organizado, trabalhando na criação de leis para o funcionamento
deste sistema.

• O contexto de criação da cibernética remete à Segunda Guerra Mundial, com o


financiamento de pesquisas por parte dos Estados Unidos para ampliar e melhorar o seu
arsenal, sendo que o objetivo principal dos pesquisadores envolvidos era de criar uma
máquina que desempenhasse a função do ser humano.

• A cibernética é dividida em cibernética de 1ᵃ e 2ᵃ ordem. A cibernética de 1ᵃ ordem


subdivide-se em 1ᵃ e 2ᵃ cibernética, sendo que a primeira trabalha os processos
morfoestáticos (retroação negativa, manutenção da forma), e a segunda trabalha os
processos morfogenéticos (retroação positiva, criação de novas formas).

• No contexto pós-Segunda Guerra Mundial, o pensamento sistêmico rompe com


um olhar sobre o indivíduo e direciona-se para o contexto das inter-relações,
compreendendo que o que acontece, acontece em um contexto, influenciado pelos
sistemas e subsistemas que o envolvem.

• Ao olhar a família através da abordagem sistêmica, podemos partir da compreensão


de que a família é um sistema aberto, inserido dentro de um sistema maior, e composta
de subsistemas menores, como as relações conjugais, filiais e parentais.

• O desenvolvimento das relações é delimitado por fronteiras e, ao tornar essas


fronteiras demasiadamente rígidas ou frouxas, abre-se espaço para o surgimento de
patologias no sistema e nas relações estabelecidas.

238
• A abordagem sistêmica, ao olhar para as relações estabelecidas dentro do sistema
familiar, sendo este o primeiro sistema em que o sujeito se reconhece, torna-se muito
importante para a prática do acompanhante terapêutico, ampliando o olhar sobre o
sujeito adoecido e intervindo em todas as suas relações para que possa encontrar o
equilíbrio de todo o sistema em que está inserido.

239
AUTOATIVIDADE
1 A construção das bases do pensamento sistêmico aconteceu entre as décadas de 1930
e 1940, sendo reconhecido logo na primeira metade do século XX. No entanto, podemos
verificar que seus antecessores iniciam bem antes, com a filosofia de Aristóteles. Sobre
os antecessores da teoria sistêmica, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A física quântica apontará para uma nova direção, que entende que as propriedades
de um fenômeno estão em relação com as demais propriedades do mesmo
fenômeno e de outros fenômenos também, o que aponta para a compreensão
de que o todo é o que demarcará o comportamento das partes, pois há uma
interconexão entre suas partes, não podendo ser olhado de forma isolada.
b) ( ) Os estudiosos da psicologia da Gestalt acreditam que as totalidades podem ser
reduzidas as suas partes, afirmando que o principal ponto da percepção é o
estudo de cada parte de forma separada.
c) ( ) Pesquisadores, como Galileu Galilei, Copérnico, René Descartes, Francis Bacon
e Isaac Newton, foram muito importantes para o movimento organicista e
estabelecimento do novo paradigma da ciência.
d) ( ) O principal expoente da lógica mecanicista foi Johann Wolfgang Von Goethe.

2 A teoria da Cibernética foi escrita por Norbert Wiener no final da década de 1940, e
ficou conhecida como ciência da correção. A palavra cibernética possui origem na
linguagem grega no termo kybernetes, cujo significado remete a piloto, condutor.
Com base na cibernética e suas divisões, analise as sentenças a seguir:

I- A 2ᵃ cibernética trata dos processos morfogenéticos, que são consequência da


retroalimentação positiva e trata da construção de novas formas, isto é, ao passar
por uma determinada transformação, caso o sistema não seja destruído, ele poderá
se reorganizar, apresentando uma nova forma e organização.
II- A cibernética de 1ᵃ ordem busca uma compreensão intersubjetiva dos sistemas
observados, a respeito dos outros e do mundo. Ela aborda o conhecimento de forma
organicista, com base no novo paradigma da ciência.
III- A cibernética de 2ᵃ ordem abrange o que ficou conhecido como sistemas observantes,
termo cunhado pelo físico Heinz Von Foster, que aponta para o observador como
um sistema inserido dentro do sistema que é observado, apontando também para
um olhar construtivista.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

240
3 Com foco nos estudos a respeito dos problemas da comunicação e das relações
humanas, Gregory Bateson deu continuidade em suas pesquisas iniciadas com a
cibernética. De acordo com a teoria da comunicação humana, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A comunicação é um processo simples, que consiste somente na mensagem que


será comunicada. 
( ) A teoria possui somente os conceitos de metacomunicação e mensagens
congruentes e incongruentes, acontecendo somente de forma verbalizada.
( ) A teoria da comunicação humana abrange ainda os cinco axiomas da comunicação,
sendo eles: não é possível não comunicar; a comunicação sempre é composta
pelo conteúdo e pela relação; a relação acontece através de uma sequência de
mensagens entre os comunicantes, isto é, há uma relação de causa e efeito no ato
de comunicar; a comunicação entre os seres humanos acontece de forma verbal
ou não verbal e as trocas realizadas durante o processo comunicativo ou são iguais
ou se complementam, fundamentando-se na igualdade ou na diferença.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V - F - F.
b) ( ) V - F - V.
c) ( ) F - V - F.
d) ( ) F - F - V.

4 Durante o estudo realizado a respeito dos antecessores da teoria sistêmica, podemos


observar duas formas de pensar a ciência: o pensamento analítico, pautado no
paradigma tradicional de ciência, e o pensamento sistêmico, que deu origem a
um novo paradigma. Disserte sobre as diferenças existentes entre o pensamento
analítico e o sistêmico.

5 No contexto histórico de construção das relações familiares é importante destacar que


não existe uma forma de conceber a família melhor ou pior que outra, pois cada formato
de família que foi sendo construído no decorrer da história possui implicações históricas
e contextuais em sua formação, o que impacta na sua formação, compreensão e
organização. Nesse contexto, disserte sobre o olhar que a abordagem sistêmica possui
sobre a família e o surgimento de patologias neste sistema.

241
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