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SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

1. Contextualização da obra
Vida e Obra

O Padre António Vieira nasceu em 1608. Com cerca de 6 anos de idade acompanhou a
família para o Brasil e começou os seus estudos na Companhia de Jesus, da qual não mais saiu.
Professor, político, teólogo, conselheiro de reis, confessor de rainhas, precetor de príncipes,
diplomata, escritor, pregador e missionário, defensor e lutador persistente de grandes causas,
foi sobretudo a dos Índios aquela a que se dedicou com maior paixão.
É considerado o maior orador sacro português e domina todo o século XVII pela sua
personalidade vigorosa que capta a atenção dos ouvintes.
Destaca-se, ainda, pela coragem evidenciada na luta, através das palavras, contra a
exploração dos povos oprimidos e pelo patriotismo evidenciado na luta pela manutenção da
independência nacional, numa época instável como foi a da Restauração.
É marcante, também, o seu anti convencionalismo e ousadia ao combater a organização
social e religiosa mais poderosa de Portugal – O Tribunal do Santo Ofício – cujas práticas
anticristãs denuncia, independentemente dos perigos a que se expôs e do sofrimento que tais
atitudes lhe causaram.
Deixou-nos uma variadíssima obra que se divide em Sermões (cerca de 200), Cartas (cerca
de 700), A História do Futuro, Clavis Prophetharum e textos esparsos.

Barroco

O período Barroco em Portugal situa-se entre 1508 e 1680.


O estilo Barroco é, acima de tudo, o resultado de uma série de questões, um tanto ou
quanto controversas, que agitam o espírito do homem. Após a euforia das descobertas e o
contacto com novos mundos e novas conceções de vida, levam o homem a uma certa rejeição
dos modelos clássicos, não aceitando a simples contemplação.
As principais caraterísticas deste estilo são:
 Cultismo – excessivo culto da forma através de jogos de palavras, jogos de imagens,
jogos de construções, bem como uso de determinados recursos estilísticos como:
trocadilhos, perífrases, aliterações, homonímias, sinonímias, etc.
 Concetismo – jogo de ideias ou de conceitos através do recurso a comparações
ousadas, metáforas, hipérboles, sinédoques e imagens.

Razão do título do Sermão de Santo António aos Peixes


O sermão inspira-se na lenda medieval segundo a qual Santo António, numa das
pregações destinadas a emendar o comportamento dos homens, decide falar aos peixes ao
constatar que os homens não lhe prestam atenção. Compreensivos e atentos, os peixes
levantam as cabeças à superfície das águas, comprovando a força da palavra do santo.
António Vieira imitá-lo-á visto que também não é ouvido pelos colonos do Maranhão que
exploram os ameríndios e os escravos negros; à semelhança do santo que tanto venera, falará
aos “peixes” – alegoria dos colonos. Deste modo pode criticá-los sem temer represálias.
Contexto em que foi pregado este sermão e objetivo do mesmo
Foi pregado na cidade brasileira de São Luís do Maranhão, em 13 de junho de 1654, “três
dias antes de se embarcar ocultamente para o Reino, a procurar o remédio da salvação dos
Índios (…) E nele tocou todos os pontos de doutrina (posto que perseguida) que mais
necessários eram ao bem espiritual e temporal daquela terra, como facilmente se pode
entender das mesmas alegorias.”.

Funções do sermão

O sermão:
 tem uma missão social, isto é, salvar os ameríndios da cobiça e exploração, isto é,
salvá-los da antropofagia que era a prática comum entre os homens na sociedade;
 é instrumento de intervenção na vida política do país;
 tem uma missão espiritual: divulgar a palavra de Cristo, o Evangelho e histórias de
santos como exemplos de condutas a imitar.

Intencionalidade comunicativa do pregador


O sermão é um texto que pretende:
 ensinar através do recurso a citações bíblicas, dados da História natural, exemplos da
sabedoria popular. Tem, portanto, uma função informativa (informa sobre diversos
saberes)
 agradar aos ouvintes através do recurso a frases exclamativas, interrogações retóricas,
gradações, apóstrofes, alegorias. Tem, assim, uma função emotiva (desperta emoções
nos ouvintes)
 persuadir os ouvintes através da argumentação por meio do confronto com a Bíblia,
emprego do modo imperativo, do vocativo e interrogações retóricas. Tem, por isso,
uma função apelativa (interpela os ouvintes, obrigando-os a refletir no que é dito)
 intervir na sociedade portuguesa da sua época.

A estrutura do sermão
Segundo a retórica clássica, a estrutura do texto argumentativo organiza-se de acordo com
as seguintes partes:
 Exórdio – apresentação do tema e captação da atenção do auditório;
 Exposição e confirmação – apresentação dos factos e defesa da tese com argumentos
e exemplos;
 Peroração – síntese do que foi dito e apelo à adesão dos ouvintes.
O Exórdio ou Introdução

O sermão parte de uma afirmação retirada da Bíblia à qual se dá o nome de conceito


predicável: “Vós sois o sal da terra”, afirmação retirada por Vieira do Evangelho de São
Mateus.
Que pretende dizer o pregador aos seus ouvintes do Maranhão? O sal preserva os
alimentos impedindo-os de se estragarem (era assim que antigamente a carne e o peixe eram
conservados); ora, tal como o sal preserva os alimentos da corrupção, o mesmo faz a palavra
de Cristo a quem a ouve, visto que a palavra divina transmitida pelos pregadores (eles são o
sal) impede que os colonos (a terra) se afastem do caminho do bem.
O conceito predicável é uma verdade intemporal que tem raízes bíblicas e que, por esse
facto, dá credibilidade à pregação já que ninguém se atreve a contestar a palavra de Cristo.

Capítulo I
É uma parte importante porque é através dela que o pregador capta a atenção dos
ouvintes, logo, tem que prender e agradar.
O conceito predicável está inserido na 1ª parte do sermão – o Exórdio, que corresponde
ao capítulo I. Neste, o pregador apresenta o tema do sermão: a necessidade dos colonos do
Maranhão alterarem a sua conduta desumana.
Resumidamente: no exórdio, Vieira diz que, se as palavras do pregador (o sal) não
cumprem a sua função de impedir a corrupção entre os homens, duas questões devem ser
analisadas:
 Será que o defeito está nos pregadores cujas palavras não convencem porque dizem
uma coisa e fazem o contrário do que pregam? A solução para este caso consiste em
deitar fora o sal porque não presta: “é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado
de todos.” (cap. I)
 Será que o pregador ou sal seja bom e a terra ou colonos o desprezem? – “E à terra
que não se deixa salgar, que se lhe há-de fazer?” (cap. I). Para este problema, não há
solução: “Este ponto não resolveu Cristo Nosso Senhor no Evangelho; mas temos a
sobre ele a resolução do nosso grande português Santo António.”.
Assim sendo, Vieira opta por imitar Santo António, que deixou os homens e se virou para
melhores ouvintes: os peixes.

O Exórdio termina com uma invocação à Virgem Maria ou Domina Maris (Senhora do
mar) para obter a inspiração necessária à pregação convincente que deseja.

No que respeita à organização do discurso e linguagem figurada, notar alguns exemplos


de:
 encadeamento lógico das ideias;
 paralelismo sintático ou estrutural: “ou é porque (…) ou é porque (…) ou é porque
(…)”;
 interrogações retóricas que confrontam diretamente os ouvintes: “Não é tudo isto
verdade?”;
 vocativo: “Vós, diz Cristo, (…)”;
 repetição da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” que inicia várias frases com
estrutura idêntica;
 linguagem metafórica: “sal”, “salgar”, “e como erros de entendimento são dificultosos
de arrancar”, “começam a ferver as ondas (…)”…;
 exclamações retóricas: “Ó maravilhas do Altíssimo!”;
 enumeração e gradação crescente: “sempre com doutrina muito clara, muito sólida,
muito verdadeira”;
 trocadilhos: “é melhor pregar como eles que pregar deles”;
 ironia: “o mar está tão perto que bem me ouvirão”.
São ainda de notar as inúmeras afirmações, interrogações e citações bíblicas em latim:
servem para mostrar erudição e dar validade ao discurso.

A Exposição e Confirmação

Correspondem à 2ª parte do sermão (o desenvolvimento) e neles o orador desenvolve,


através de um discurso fortemente argumentativo, a tese exposta no cap. I: é necessário
reformar os costumes dos colonos do Maranhão.
Assim, se existe o Bem e o Mal, o sermão, a partir do capítulo I, será dividido em 2 partes,
a saber:
 louvores às virtudes dos peixes:
o em geral – capítulo II;
o em particular –capítulo III; são louvados o Santo Peixe de Tobias, a Rémora, o
Torpedo e o peixe Quatro-Olhos.
 repreensão aos peixes:
o em geral – capítulo IV
o em particular – capítulo V, são repreendidos os peixes Roncadores, Pegadores,
Voadores e o Polvo.
Para defender as suas ideias, Vieira recorre a uma argumentação cerrada, a uma
linguagem alegórica1 de modo a tornar claras e facilmente compreensíveis determinadas
realidades abstratas (os vícios e as virtudes humanas) e a citações bíblicas e/ou de padres
famosos/santos para melhor convencer acerca da pertinência das suas ideias.

Capítulo II
As 2 qualidades dos peixes mencionadas no início deste capítulo estabelecem um
contraste com 2 defeitos humanos:
 “os peixes ouvem e não falam”, donde se depreende que os homens falam demais e
não ouvem os bons conselhos do pregador.
 foram os primeiros animais criados por Deus, são os animais mais numerosos e com
maiores dimensões, são ordeiros, tranquilos e ouviram com atenção e devoção a
mensagem de Santo António, contrariamente aos homens que a desprezaram “tão
furiosos e obstinados”.
Vieira informa ainda que quer pregar com a mesma imparcialidade que Santo António
usou nas suas pregações porque essa é a atitude que deve manifestar qualquer pregador

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Alegoria – figura de estilo através da qual se refere ideias abstratas recorrendo a exemplos comuns do
mundo material; os vários peixes elogiados e repreendidos são alegorias da maldade e bondade
humanas.
digno desse nome: “Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o
conservar e repreender o mal para preservar dele.”, isto é, o louvor das virtudes humanas
influencia a continuidade das mesmas e a crítica aos vícios (humanos) leva a que quem os
pratica se consciencialize dessa prática errada.

Para além disso, o pregador louva os peixes por:


 serem melhores do que os homens, dando como exemplo Jonas, personagem do
Antigo Testamento a quem Deus encarregou de cumprir uma missão, que foi deitado
ao mar pelos homens e salvo por uma baleia.
 viverem retirados do convívio com os humanos, facto que revela a sua sensatez pois
são independentes e livres: “Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e
familiaridade com eles, Deus vos livre!”.
Na conclusão do capítulo II, Vieira interpela diretamente os peixes e diz-lhes: “Vede,
peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.”.
Como eles procedeu Santo António, cuja biografia é sumariamente narrada na antítese
que termina este capítulo: “e por fim acabou a vida em outro deserto, tanto mais unido com
Deus, quanto mais apartado dos homens.”.

Capítulo III
Neste capítulo, o pregador passa louvar os peixes em particular e enumera as razões que
levam a esses elogios.

Peixe de Tobias – Tobias, personagem do Antigo Testamento é surpreendido por “um grande
peixe com a boca aberta em ação de que o queria tragar (…)” no momento em que ia lavar os
pés ao rio. Acontece que as entranhas deste peixe assustador iam, afinal, ajudar Tobias com as
suas entranhas: “o fel era bom para salvar da cegueira e o coração para lançar fora os
demónios.”. O fel iria curar a cegueira do pai de Tobias e o coração iria afastar os demónios de
sua casa, permitindo o casamento com Sara.
Santo António fazia o mesmo com as suas pregações.

Rémora – “peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder”, ela prende-se
às naus e impede que elas se mexam.
A rémora é alegoria da energia e força de vontade que devem ser o “leme” / a orientação das
ações humanas. A rémora representa todos os que são imunes, como Santo António, à “fúria
das paixões”, guiando-se na vida pela racionalidade. Ela representa também a língua de Santo
António que domou a fúria das “paixões humanas”.
À alegoria da rémora seguem-se outras alegorias: as “naus” soberba, vingança, cobiça e
sensualidade. Estes são vícios humanos decorrentes da falta de racionalidade que arrastam o
homem para comportamentos indevidos.

Torpedo – “aquele outro peixezinho, a que os latinos chamam torpedo”. Este peixe produz
uma descarga elétrica que passa para a mão do pescador, fazendo-lhe tremer o braço.
Isto quer dizer que a virtude deste peixe contagia o ser humano, sendo essa virtude a energia
para lutar contra a atração pelo mal. Com esta nova alegoria, Vieira critica os padres
pregadores que se interessam apenas por falar sem atender à qualidade das suas mensagens
evidenciando ausência de espírito crítico e descuido relativamente aos fiéis que “pescam” com
os respetivos discursos. Isto nunca acontecia com os sermões de Santo António visto que
aqueles que os ouviam “tremiam” de tanta emoção que, “tremendo, confessaram seus furtos;
(…) todos enfim mudaram de vida e de ofício e se emendaram.”. O sermão proferido a vinte e
dois pescadores fê-los confessar os seus pecados e converterem-se à verdadeira doutrina.

Quatro-olhos – “Tantos instrumentos de vista a um bichinho do mar, nas praias daquelas


mesmas terras vastíssimas, onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos
milhares de gentes há tantos séculos!”. Como o nome indica, este peixe tem dois olhos virados
para cima e dois virados para baixo. Tantos olhos num único peixe devem-se ao facto de
serem muito perseguidos no mar e no ar, pelas aves marítimas.
Deste facto o pregador conclui que este peixe ensina os homens a olharem para o céu para
praticarem a virtude e a não esquecerem o inferno sempre que olham para a terra.
Há ainda a referência a Cristo, que ensinou o pregador David a não olhar à sua volta, onde só
havia vaidade, mas antes para baixo, para aqueles que se encontravam no Inferno, ou para
cima, diretamente para aqueles que estavam no Paraíso.

O capítulo III termina com um elogio a todos os peixes que alimentam os pobres (as
solhas); já os salmões alimentam os ricos. Devido a esta boa ação dos peixes, o pregador
deseja que se reproduzam em abundância: “Crescei, peixes, crescei e multiplicai, e Deus vos
confirme a sua bênção.”

Capítulo IV
Neste capítulo, Vieira repreende os peixes em geral porque os peixes grandes comem os
pequenos.
Alegoricamente, é referida a antropofagia social, isto é, os homens poderosos aniquilam os
mais frágeis, os marginalizados da sociedade: os ameríndios e negros do Brasil. Assim sendo, a
terra parece “um açougue”, isto é, um matadouro, já que os marginalizados vão morrendo de
cansaço, fome e doença, diante da indiferença dos colonos.
Mas os homens também se comem uns aos outros mesmo dentro da mesma classe social,
porque cobiçam os bens uns dos outros, são interesseiros: “Pois tudo aquilo é andarem
buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer. Morreu algum deles, vereis
logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e a comê-lo. Comem-nos os herdeiros, comem-no
(…) ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.”. Os homens
deviam preocupar-se em lutar pela independência da sua terra atacada pelos piratas ingleses e
holandeses em vez de se perderem em lutas por bens menores sem objetivo que as justifique.

Os peixes comem-se uns aos outros no mar por razões de sobrevivência, mas os seres
humanos aniquilam-se e desprezam-se por amor excessivo ao dinheiro. Esta constatação leva
a uma segunda repreensão geral aos peixes, alegoria dos homens: estes dão a vida por
insignificâncias, “um retalho de pano”. Os bens terrenos são ilusórios e fonte de discórdias; o
costume de se aproveitarem dos bens dos naufragados é condenável: “Pode haver maior
ignorância e mais rematada cegueira que esta?”. Deviam seguir o exemplo de Santo António
que, tendo nascido rico, abandonou tudo para imitar Jesus Cristo.
Capítulo V
Neste capítulo, Vieira repreende alguns peixes em particular: “Descendo ao particular,
direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós”. Os peixes criticados são alegorias dos
piores vícios humanos, ainda que haja uma gradação nesta enumeração porque o polvo será o
“peixe” mais criticado.

Roncador – peixes pequenos no tamanho que roncam muito. Estes são criticados por
roncarem demais, serem vaidosos e exibicionistas, isto é, vangloriarem-se sem razão.
São a alegoria dos homens arrogantes e vaidosos que prometem e não cumprem porque “o
muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela”. Condena os soberbos e exibicionistas
que, apesar da sua insignificância, gostam de se fazer notar, sobressair. (“Deus não quer
Roncadores, e tem particular cuidado de abater, e humilhar aos que muito roncam”).
Como argumento, o pregador menciona as seguintes histórias:
 S. Pedro vangloriou-se que se todos fraquejassem, só ele havia de ser constante até
morrer; no entanto, ele fraquejou mais que todos e tremeu perante a voz de uma
mulherzinha e negou conhecer Cristo;
 Antes, já S. Pedro tinha fraquejado, pois adormeceu Horto das Oliveiras e negou a
Cristo no pretório de Pilatos;
 David venceu o gigante Golias apenas com uma fisga.
Santo António era detentor do saber e do poder e não se vangloriava por isso, tornando-se
célebre pela sua discrição. “Assim que, amigos roncadores, o verdadeiro conselho é calar e
imitar a Santo António. Duas cousas há nos homens que os costumam fazer roncadores,
porque ambas incham: o saber e o poder.”.

Pegadores – peixes pequenos que se pegam aos costados dos peixes maiores e não os largam.
Assim, são criticados por se juntarem aos “grandes”, aos seus hospedeiros e viverem à mercê
destes, aproveitando-se dos seus benefícios, não tendo a capacidade de sobreviver sozinhos.
São a alegoria da adulação, do parasitismo e do oportunismo, vícios da alta nobreza e classe
política, gostam de receber favores e da adulação daqueles que deles dependem. Estes peixes
nadam presos a um “tubarão”, membro mais importante na escala social que eles vão
explorando como podem: “porque não parte vice-rei ou governador para as Conquistas, que
não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam a eles, para que cá lhes matem a fome, de
que lá |em Portugal continental| não tinham remédio.”. Vivem à custa dos grandes, mas
quando esses morrem, também eles morrem: “morre o Tubarão, e morrem com ele os
pegadores.”.
Como argumento, o pregador menciona as seguintes história:
 Morto Herodes, apareceu o Anjo a José no Egito e disse-lhe que já poderia tornar à
pátria, porque estavam mortos todos aqueles que queriam tirar a vida a Cristo
menino;
 Adão – funciona como o tubarão de que a humanidade é pegadora, e por isso paga
pelo seu pecado.
Santo António, tal como David, pegou-se somente a Deus. Por outro lado, o Senhor fez-se
pequeno para se pegar a Santo António, mas S. António fez-se menor para se pegar a Deus.
Voadores – peixes com grandes barbatanas que querem ser aves. São criticados por
ambicionarem ter uma condição que não a sua original, sendo presunçosos e vaidosos (“Mata-
vos a vossa presunção, e o vosso capricho”; ”Ao Voador mata-o a vaidade de voar, e a sua isca
é no vento”).
São a alegoria dos sempre insatisfeitos com a vida e ambiciosos porque não se contentando
em nadar no mar, querem voar como os pássaros, deixando-se levar pela presunção e
capricho: “Dizei-me, voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser
aves? (…) Peixes, contente-se cada um com o seu elemento. (…) À vista deste exemplo, peixes,
tomai todos na memória esta sentença: quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer
e o que tem.”.
Para apelar a que cada um se contente com o que tem, o pregador serve-.se das seguintes
histórias como argumentos:
 Simão Mago quis passar-se por filho de Deus e ao precipitar-se para voar, Deus não
quis que ele morresse logo, assim, partiu-lhe os pés. Simão «pode andar e quer voar;
pois quebrem-se-lhe as asas para que não voe, e também os pés, para que não ande.»
 Ícaro: símbolo da ambição humana e do seu castigo.
Santo António tinha “asas” (sabedoria) e não as usou para subir (exibir o seu valor), mas
encolheu-as para descer (respeitar Cristo).

Polvo – o maior traidor do mar por ser dissimulado, fingido, astuto e enganoso, “vestir ou
pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado” e “escurecendo-se a si,
tira a vista aos outros”. Contra o polvo ergueram-se as vozes de dois santos importantes: S.
Basílio e Santo Ambrósio porque o polvo aparenta ser aquilo que não é: “com aquele seu
capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão.”
Assim, é a alegoria da hipocrisia, da falsidade e da traição, os vícios piores entre todos. Com a
frase “com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos
parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a
mesma mansidão.” percebemos o alcance da crítica ao polvo: como ele, também os monges
enganam os fiéis, passando por homens piedosos quando não passam de homens imorais e
interesseiros que utilizam a palavra de Deus para melhor conseguirem os seus verdadeiros
intentos.
O pregador argumenta através de anáforas, frases paralelísticas e comparações, descrevendo
a aparência enganadora o polvo que, devido ao mimetismo, se disfarça para melhor enganar
os inocentes. Refere ainda que o ele é um maior traidor do que Judas, que apesar de ter
abraçado Cristo, não o prendeu: “Se está nos limos faz-se verde, se está na areia, faz-se
branco, se está no lodo, faz-se pardo (…) E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente
da traição, vai passando desacautelado (…) Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez
tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que
prende.”. Para além das razões já invocadas contra o polvo, Vieira refere o contraste entre a
“sujidade” moral do polvo e a transparência do elemento natural em que habita – o mar: “Oh
que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino
como o da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu!”
Vieira intui os argumentos que os peixes/homens empregariam, se pudessem falar, para
rebater as acusações contra o polvo: “Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das
terras em que batem os vossos mares, me estais respondendo e convindo, que também nelas
há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas
traições. (…) Mas ponde os olhos António, vosso pregador, e vereis nele o mais ouro exemplar
da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano.”. Isto
é, é verdade que a terra está infestada de traidores e não apenas o mar onde vivem os peixes
acusados, sobretudo o polvo, pior entre os piores. Mas também é verdade que há habitantes
da terra que se destacam pela pureza de coração e amor, como é o caso de Santo António a
quem Vieira imita e cita frequentemente no seu sermão. Ele esteve sempre afastado da
traição, sempre houve candura, verdade e sinceridade nos seus atos e palavras. Que se há de
então fazer, já que Santo António é inimitável? Para Vieira, basta que os portugueses do seu
tempo se mantenham fiéis aos valores morais e éticos que outrora existiam em Portugal e que
agora parecem estar arredados das intenções dos colonos do Maranhão: “E sabei também que
para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser português, não era
necessário ser santo.”

O capítulo V termina com uma censura àqueles que roubam os bens dos náufragos que
dão à costa e avisa: “Para os homens não há mais miserável morte, que morrer com o alheio
atravessado na garganta.”

A Peroração ou Conclusão

Capítulo VI
No último capítulo, Vieira quer “consolar” os peixes, eles que para além de terem sido alvo
de duras críticas, também foram excluídos do terceiro livro da Bíblia – O Levítico. Esta
desconsideração feita aos animais marinhos num livro sagrado deve-se a esta razão: “(…) foi
porque os outros animais podiam ir vivos ao sacrifício [tratava de uma oferenda a Deus que
passava por sacrificar animais, tal como era habitual nas práticas religiosas ancestrais] e os
peixes geralmente não, senão mortos; e cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem
chegue aos seus altares.”. Ora, tal como os peixes que morrem antes de chegar a Deus,
também “quantas almas chegam àquele altar mortas (…) estando em pecado mortal!”
Assim, os peixes estão em vantagem relativamente aos humanos já que nem chegam a
aproximar-se de Deus, não o podendo ofender. Por oposição, os homens chegam a Deus
cheios de pecados, facto que leva o pregador a exclamar: “Peixes, dai muitas graças a Deus de
vos livrar deste perigo, porque melhor é não chegar ao sacrifício, que chegar morto.”
Mas as vantagens dos peixes não se resumem apenas ao que foi referido antes: o pregador
também é humano e dotado de razão, contrariamente aos peixes que agem segundo as leis da
natureza. Assim sendo, o pregador inveja “a bruteza” dos peixes porque estes não ofendem a
Deus já que nem pensam nem têm vontade própria.
Vieira termina reconhecendo, numa atitude humilde, as fraquezas inerentes aos seres
humanos que falham perante Deus porque a inteligência destrói a inocência e pureza que os
peixes, seres irracionais, conservam, e que o livre-arbítrio, que falta aos peixes, nem sempre o
conduz à prática mais cristã: “Vós fostes criados por Deus para servir ao homem, e conseguis o
fim para que fostes criados; a mim criou-me para o servir a ele, e eu não consigo o fim para que
me criou.”. Acrescenta a esta confissão da sua indignidade face a Deus, o pedido aos peixes
para que louvem a Deus, criador da vida e a quem tudo se deve.
O estilo do Padre António Vieira
O Padre António Vieira escrevia e pregava o que escrevia em público, nas igrejas, a partir
do púlpito ou lugar destinado na igreja aos pregadores. Para que a sua pregação produzisse o
efeito pretendido pelo orador, tornava-se necessário agradar aos ouvintes e conseguir prender
a atenção destes durante o tempo da pregação. Assim, nenhuma parte dos longos discursos
era deixada ao acaso, mas, pelo contrário, minuciosamente trabalhada previamente.
Vieira conseguia seduzir os ouvintes à custa dos seus dons oratórios ou capacidade para se
expressar oralmente com convicção, através do recurso a figuras de estilo ou de retórica, do
encadeamento lógico dos raciocínios e das imagens sugeridas, através das associações de
vocábulos selecionados para esse efeito, e do recurso a argumentos difíceis de contestar
pelos ouvintes.
Para ter sucesso na pregação e convencer os ouvintes a alterar a mentalidade e modos de
agir, Vieira serve-se de variados recursos; para além da argumentação, emprega largamente
citações bíblicas, normalmente em latim, faz referências à vida de Santos e Doutores da Igreja
(Santo António, São Basílio, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, São Mateus), refere passagens
conhecidas do Antigo Testamento (o episódio de Jonas, no capítulo I; o episódio do Dilúvio e a
arca de Noé, no cap. I; o episódio de Tobias a quem apareceu o Arcanjo Rafael, no capítulo II;
passagens da vida do rei David, capítulo II; o episódio vivido por Jesus Cristo no Horto, capítulo
V; a fuga de Jesus para o Egipto, capítulo V;…); referências a filósofos e pensadores
(Aristóteles, por exemplo); referências à mitologia greco-latina; referências à variedade da
fauna marítima e terrestre, a zonas geográficas, à sabedoria popular, …
O recurso a abundantes referências bíblicas confere seriedade e credibilidade à pregação
já que não há argumentos de peso que se oponham às narrações bíblicas. Como foram escritos
para serem ouvidos, os sermões têm um ritmo facilmente captável pela audição. Para além
disto, os conceitos mais importantes são acentuados através da repetição e as palavras são
escolhidas criteriosamente porque deviam ser, segundo o pregador, “distintas e claras como
estrelas”.

Principais recursos estilísticos presentes no Sermão de Santo António aos


Peixes:

 Alegoria: todo o sermão é alegórico ou uma extensa alegoria, a partir do cap. II (os
peixes são alegorias dos homens e das virtudes e vícios destes).

 Anáfora e Paralelismo sintático ou estrutural:


o “Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham
nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas” – cap. II;
o “Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer
às praças e cruzar as ruas, vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes
aquele entrar e sair sem quietação nem sossego?” – cap. IV (nota os verbos
antitéticos aqui presentes);
o ”Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no
lodo, faz-se pardo” – cap. V.
 Apóstrofes:
o “Vindo pois, irmãos, às vossas virtudes (…)” – cap. I;
o “Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens” – cap. I;
o “Ah moradores do Maranhão, quanto (…)” – cap. II;
o “Parece-vos isto bem, peixes?” (interrogação retórica + apóstrofe) – cap. IV.
 Antíteses:
o “Uma é louvar o bem, outra é repreender o mal” (paral. sintáctico + antítese);
o “tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos homens” – cap. II;
o “tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder”;
o “traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras” – cap. V;
o “de manhã e de tarde, de dia e de noite” – cap. I;
o “e visse na terra os homens tão furiosos e tão obstinados e no mar os peixes
tão quietos e tão devotos” – cap. II;
o “não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro” . cap. II;
o “ou desta hipocrisia tão santa” – cap. V.
 Enumerações:
o “Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os
legatários, comem-no os acredores; comem-no os oficiais dos órfãos e dos
defuntos e ausentes; come-o o médico (…), come-o o sangrador, (…)” – cap. IV;
o “(…) que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas
e muito maiores e mais perniciosas traições” – cap. V;
o “primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal” (enumeração
+ gradação) – cap. II;
o “mudou o nome, mudou o hábito e até a si mesmo se mudou” – cap. II.
 Gradações:
o “sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira” – cap. I;
o “Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os
maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças fora de
água” (enumeração + gradação) – cap. I;
o “Estes e outros louvores, estas e outras excelências de vossa geração e
grandeza (…)” – cap. II;
o “o mar é muito largo, muito fértil, muito abundante” – cap. IV;
o “de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água” – cap. V.
 Comparações:
o “Rodeia a nau o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores às
costas, tão cerzidos com a pele, que mais parecem remendos” – cap. V;
o “O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles
seus raios estendidos parece uma estrela (…)” – cap. V.
 Metáforas:
o “e esse fel que tanto vos amarga (…) uma é alumiar e curar as vossas
cegueiras, e outra lançar-vos os demónios fora de casa” – cap. III;
o “Quem dera aos pescadores do nosso elemento (…) Tanto pescar e tão pouco
tremer!” – cap. III;
o “onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de
gentes” – cap. III;
o “porque a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os
pequenos” – cap. IV;
o “Com aquela corda e com aquele pano, pescou ele muitos” – cap. IV;
o “porque ambas incham: o saber e o poder” – cap. V.
 Quiasmo:
o “mas neste caso os homens tinham a razão sem o uso e os peixes o uso sem a
razão” – cap. II
 Interrogações e exclamações retóricas:
o “Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao
tempo?” – cap. I;
o “Oh grande louvor para os peixes e grande afronta e confusão para os
homens!” – cap. II;
o “Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer livrar dos demónios
perseguis vós?” – cap. III;
o “Oh quão altas e incompreensíveis são as razões de Deus, e quão profundo o
abismo de seus juízos!” – cap. III;
o “Parece-vos bem isto, peixes?” – cap. IV.
 Repetições:
o “Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a
cidade é que haveis de olhar” – cap. IV.
 Trocadilhos:
o “Dizei-me: o espadarte porque não ronca? (…) Contudo que lhe sucedeu
naquela noite? Tinha roncado e barbateado Pedro (…) O muito roncar antes
da ocasião, é sinal de dormir nela.” – cap. V.
 Adjetivação dupla:
o “Eis aqui, peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e enganoso é este
modo de vida que escolhestes.” – cap. V;
o “Vê peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade” – cap. V;
o “Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno (…)” – cap. V.
 Forte apelo ao sentido da visão (o sentido da visão é, de todos os sentidos, aquele que
está mais em evidência):
o “Vede, peixes, quão grande bem é estar longe dos homens.” – cap. II;
o “para a cidade é que haveis de olhar” – cap. IV;
o “Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar (…) Morreu algum deles
e vereis logo tantos sobre o miserável” – cap. IV;
o “Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos (…) e olhai
quantos o estão comendo. (…) E para que vejais como estes comidos na terra
são os pequenos (…)” – cap. IV;
o “Vede o vosso Santo António, que pouco o pode enganar o mundo” – cap. IV;
o “Vê, voador, como correu pela posta o teu castigo.” – cap. V;
o “Mas ponde os olhos em António, vosso pregador (…)” – cap. V.
 Verbos no modo imperativo:
o “Crescei, peixes, crescei e multiplicai (…)” – cap. III Ex2 “Vede um homem
desses (…) e olhai (…)” – cap. IV.
 Deícticos espaciais:
o “Porque cá, no Maranhão, ainda que se derrame muito sangue (…)” – cap. IV;
o “E começando aqui, pela nossa costa” – cap. V.
 Aforismos:
o “Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem” – cap. V.
 Ironia:
o “o mar está tão perto que bem me ouvirão” – cap. I;
o “Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente.” – cap.
II.
Os conhecimentos de Vieira sobre o mundo

São muitos e variados:


 Referências a filósofos e pensadores:
o “Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não
domam nem domesticam” – cap. I.
o a propósito dos peixes: “porque há filósofos que dizem que vós não tendes
memória” – cap. I;
o “Olhai como estranha isto Santo Agostinho” – cap. II.
 Conhecimentos bíblicos:
o “No tempo de Noé sucedeu o dilúvio que cobriu e alagou o Mundo” – cap. I;
o a história de Tobias – cap. II;
o “querei ver um Job destes?” – cap. II;
o “Pilatos roncava de poder” – cap. V;
o “Lá diz a Escritura daquela famosa árvore, em que era significado o grande
Nabucodonosor, que (…)” – cap. V
 História natural:
o referências a animais exóticos: o bugio (macaco), tigres, leões, papagaio
referências a animais europeus: rouxinol, açor, cão, boi;
o referências a peixes diversos conhecidos possivelmente nas viagens marítimas
que fez: “navegando daqui para o Pará (…)” – cap. II: rémora, voadores,
quatro-olhos, baleia, tubarão, ….;
o “Comerem-se uns animais uns aos outros é voracidade e sevícia e não estatuto
da natureza. Os da terra e do ar que hoje se comem, no princípio do Mundo
não se comiam, sendo assim conveniente e necessário para que as espécies se
multiplicassem” – cap. IV;
o “Se o rio Jordão e o mar de Tiberíades têm comunicação com o Oceano, como
devem ter, pois dele manam todos.” – cap. V;
o “Vai o xaréu correndo atrás do bagre, como o cão atrás da lebre, e não vê o
cego que lhe vem nas costas o tubarão” – cap. IV.
 Mitologia:
o “o canto das sereias” (Odisseia de Homero), cap. I;
o “O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens.” – cap.
V;
o “depois que Ícaro se afogou no Danúbio não haveria tantos Ícaros no Oceano”
– cap. V.
 Sociedade:
o “e os bonitos, ou os que querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali
ficam engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro ano, e de uma
safra para outra safra, e lá vai a vida. Isto não é encarecimento. Todos a
trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal; e
este trabalho de toda a vida quem o leva? Não o levam os coches, nem as
liteiras (…)? No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o
ano.” – cap. IV;
o “São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o come os
corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não
está executado nem sentenciado, e já está comido.” – cap. IV;
o “Porque os grandes que têm o mando das cidades e das províncias, não se
contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos
senão que devoram e engolem os povos inteiros.” – cap. IV;
o “Os mais velhos, que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, (…)
que os maiores que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o
mesmo Estado, o destruíram; (…) Assim foi; mas, se entre vós se acham por
acaso alguns dos que, seguindo a esteira dos navios, vão com eles a Portugal e
tornam para os mares pátrios, bem ouviriam este lá no Tejo que esses mesmos
maiores que cá comiam os pequenos, quando lá chegam, acham outros
maiores que os comam também a eles” – cap. IV;
o “A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto e que mais facilmente
engana os homens.” – cap. IV;
o “Nesta viagem, de que fiz menção, e em todas as que passei a Linha
Equinocial, vi debaixo dela o que muitas vezes tinha visto e notado nos
homens, e me admirou que se houvesse estendido esta ronha e pegado
também aos peixes. (…) Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso
se passou e pegou de um elemento a outro, sem dúvida que o aprenderam os
peixes do alto, depois que os nossos portugueses o navegaram.” – cap. V.

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