GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2004. Coleção Questões da Nossa Época; v. 24.
Moacir Gadotti, na obra “Escola cidadã”, aborda sobre a autonomia da
escola, a qual deveria significar a liberdade de formular e executar um projeto educativo, abolindo a escola burocrática existente e a transformando em uma escola com autonomia, uma escola cidadã. Para Gadotti, o principal objetivo da educação deve ser a formação do indivíduo autônomo, porque a autonomia conduz diretamente à cidadania. Autônomo não é o indivíduo isolado. Pelo contrário, autônomo é o sujeito ativo, sujeito da práxis. Uma sociedade autônoma é uma sociedade autocontrolável, autodirigida, onde suas instituições promovem e facilitam a autonomia individual. Nas condições atuais, o autor questiona se pode a escola fazer alguma coisa nesse sentido. A Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si e para si. Ela é cidadã na medida mesma em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço: os alunos, portanto, a escola cidadã precisa primar pela formação do aluno cidadão, que é o aluno autônomo, ativo, liberto para perseguir seus ideais de capacitação e formação integral. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade. É coerente com o eu discurso formador, libertador. É toda escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-educadores também sejam eles mesmos. E como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo, de parceria com a comunidade escolar. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que não pode ser jamais silenciosa, apática, nem jamais autoritária. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia. Gadotti considera que a pedagogia atual deve servir para formar o aluno autônomo, mas para isso deve ocorrer a autonomia da escola, ou seja, ela precisa ter liberdade de expressão e de ensino. A escola que não tem autonomia perde a sua capacidade de educar para a liberdade. Para que o aluno seja formado um cidadão autônomo o papel do professor não é o de guiar, mas sim de criar condições para o aluno desenvolver seus desejos, se colocando como um especialista a seu serviço e a serviço do grupo de trabalho, e o professor como um especialista a serviço do grupo. O educador tem o dever de mostrar como suas idéias podem ser postas em prática. Não pode apenas apontar perspectivas. Suas ações devem estar impregnadas de sua teoria. Neste sentido sua autoridade externa a partir daí passa a ser interna proporcionada credibilidade ao grupo com sua filosofia. Através da educação o homem é capaz de transformar-se num homem livre, consciente de tal herança cultural, um sujeito histórico de acordo com a transformação simultânea das condições que uma boa educação pode oferecer durante a sua existência. Conforme o princípio da cidadania institucional escolar, o aluno é o centro e o elemento principal da escola. Por isso, a Escola Cidadã deve iniciá-lo na compreensão dos acontecimentos, formá-lo para o reconhecimento dos problemas e para a participação na tomada de decisões nos assuntos que lhe dizem respeito. O aluno deve ter direito à co-responsabilidade proporcional à sua capacidade. O exercício da democracia interna na escola dá aos alunos o papel de autênticos co-gestores do ensino, atribuindo-lhes o direito de informação em todos os domínios, o de consulta em algumas áreas e o de co-decisão em outros campos na medida de sua competência, em igualdade de condições com as outras categorias de participantes. O reconhecimento deste direito não é suficiente; é necessária sua efetiva concretização. Como centro e elemento principal da instituição escolar, o aluno vai à escola não só para aprender teoricamente a exercer o direito de participação, mas para efetivamente exercê-lo já na escola. A participação na gestão da escola será facilitada pela conquista de crescente autonomia pela escola nos domínios da gestão financeira, pedagógica, administrativa e cultural. A descentralização e a autonomia poderão liberar a iniciativa criadora da escola, permitir que ela se insira mais harmoniosamente no contexto sociocultural da comunidade e reduzir os controles burocráticos inúteis que a fazem perder tempo. Para isso, é imprescindível que o poder descentralizado transferido oficialmente à responsabilidade das unidades escolares seja respeitado pelas autoridades dos níveis hierárquicos superiores de decisão. Com a adoção da política de descentralização, os limites da competência de cada unidade escolar ficam claramente estabelecidos e os mecanismos de intervenção, controle ou tutela das autoridades também podem ser previstos. Neste caso, porém, deve se ater aos princípios de subsidiariedade do Estado ou dos órgãos centrais que assegurarão a unidade do sistema escolar na diversidade das unidades escolares. Existe uma descentralização administrativa ou de órgãos descentralizados e uma descentralização política ou do governo. Neste caso, trata-se desta última que cria uma nova relação entre as comunidades e a escola, ou seja, uma relação em que há uma redistribuição básica da autoridade e das responsabilidades e, consequentemente, do poder decisório. A descentralização e a autonomia efetiva das escolas criam a condição facilitadora básica da possibilidade de sua gestão colegiada. Sua prática constitui a garantia de uma inserção dinâmica do sistema escolar no sistema social global, assegurando a supressão das disfunções burocráticas e a prioridade dos fins pedagógicos. Neste novo contexto, as relações burocráticas entre os participantes do ensino irão transformar-se numa relação de colegiados. Gadotti ressalta que descentralização e autonomia caminham juntas. A luta pela autonomia da escola insere-se numa luta maior pela autonomia no seio da própria sociedade. A eficácia dessa luta depende muito da ousadia de cada escola em experimentar o novo caminho de construção da confiança na escola e na capacidade dela resolver seus problemas por ela mesma, confiança na capacidade de autogovernar-se. Através da autonomia, criam-se novas relações sociais opostas às relações autoritárias preexistentes. A autonomia nega a uniformização e celebra a diferença, valorizando a originalidade e o novo e buscando o intercâmbio com outras experiências sociais. Autonomia, democracia e cidadania são conceitos que se implicam mutuamente. Cidadão é aquele que participa do governo e participa do governo aquele que tem poder, liberdade e autonomia para exercê-lo. A descentralização e a autonomia das escolas abrem espaço para a participação e a democratização num sistema público de ensino. Estas formas práticas de formação para a cidadania se dão de modo privilegiado na participação no processo de tomada de decisão dentro do colegiado da escola. Este conselho é o órgão mais importante de uma escola autônoma e a base da democratização da gestão escolar. Para não se alegar a "apatia das massas", é preciso que a participação de pais e membros da comunidade no colegiado da escola se constitua numa estratégia explícita da administração. Para facilitar a participação, é preciso conscientizar os pais de seus direitos de participação, programar as reuniões para horários adequados e realizá-las em locais confortáveis. Mas, mais importante, ainda, é que a escola se abra para estabelecer parceria com esse colegiado. Segundo Gadotti, quatro grandes princípios devem reger a administração de um sistema único e descentralizado de ensino: a gestão democrática, a comunicação direta com as escolas, a autonomia da escola e a avaliação permanente do desempenho escolar. A gestão democrática supõe a descentralização do poder para a instância da unidade escolar, eliminando as incontáveis instâncias de poder intermediário. A comunicação direta com as escolas parte do pressuposto de que a escola é o locus central da educação e, por isso, deve tornar-se o pólo irradiador da cultura, para reproduzi-la e para elaborá-la. A autonomia implica em que cada escola tenha poder para escolher e elaborar seu próprio projeto educativo. Finalmente, a avaliação permanente do desempenho escolar precisa tornar-se parte essencial de seu projeto educativo para adquirir um sentido emancipatório. Sabe-se que a educação é um processo coletivo. Portanto, pais e escola têm responsabilidades legais em relação à educação dos alunos/filhos, mas esta ocorre tanto dentro como fora da escola. A coordenação destes elementos da educação é importante, e é no colegiado da escola que se quer cidadã, que pais e educadores devem se encontrar para definir os rumos do processo educacional, que visa formar o aluno autônomo, o cidadão. A escola é um espaço transformador que deve estar adaptada às necessidades da sua comunidade. Por esta razão entende-se que uma escola cidadã é aquela voltada para a formação de cidadãos plenos, na qual assume a capacidade de superar a organização administrativa burocrática e de poder imposto, bem como se constitui autônoma o suficiente para abolir uma organização curricular fragmentada do aprendizado. Espera-se de uma escola cidadã que seja uma escola que planeje constantemente de forma coletiva o trabalho docente, supere a atual forma de avaliação seletiva e estabeleça uma nova relação: participativa, investigativa, considerando o tempo e o ritmo de aprendizagem de cada aluno, a fim de formá-lo sujeito autônomo. Somente a partir da concretização desta nova escola de qualidade e de direitos para todos é que se poderá considerá-la “Cidadã” e capaz de superar os graves problemas que vive hoje a Educação brasileira.