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Ano x / Número 32
maio 2012
Guerra
Estética e narrativas de conflito
nas artes, na política, na ciência
e no esporte
Editorial
Proximidade
e distância
Em 1942, há 70 anos, o Brasil entrava na
Segunda Guerra Mundial ao lado das Forças
Aliadas. A Força Expedicionária foi mandada
para Europa apenas em 1944, mas a guerra Provocação
já estava presente entre nós de outra
maneira: ao longo dos anos 1930 e 1940,
ampliada
e apesar das politicas restritivas do Estado
Novo, imigrantes fugindo do nazifascismo “Arriscar a vida é excitante”, disse Michel
Expediente acharam refúgio no país. Além disso, Houellebecq em recente passagem pelo Brasil,
todos acompanhavam, nas manchetes onde falou no ciclo de debates Fronteiras do
Conselho Editorial dos jornais, nas rádios e nos cinemas, Pensamento. “O desejo de violência no homem,
Ernesto Strauss; Flavio Mendes Bitelman;
Raul Meyer; Yael Steiner os acontecimentos no Velho Continente. em particular seu desejo de violência coletiva,
A guerra parecia próxima e distante; seu lado animal de rebanho, se satisfaz
Publisher Flavio Mendes Bitelman
fantasiada e vivida. Por essas razões, diante das revoluções e das guerras.”
Superintendente Executiva Yael Steiner na mesma época, Lasar Segall tentou dar Com seu costumeiro tom irônico, exposto
Editores Benjamin Seroussi e Michel Laub um peso real a esse imaginário e trabalhou na pág. 42, o escritor francês identifica no futebol
no caderno Visões de Guerra, exposto um escoadouro moderno para esse impulso
Coordenação Editorial
Martine Birnbaum agora no Centro da Cultura Judaica. destrutivo. Uma das ideias desta edição foi ampliar
A Revista 18 dá continuidade, no papel o espectro de sua provocação, numa perspectiva não
Projeto Gráfico Estúdio Campo
impresso, ao que o CCJ promove nos necessariamente pessimista: por meio de narrativas
Atualização do Projeto Gráfico seus espaços: ela é mais uma e linguagens diversas, investigar até que ponto a
e Diagramação Joana Amador
ferramenta para pensar a cultura judaica. guerra está presente nas principais representações –
Revisão Daniel Pellizzari Partindo do tema da guerra, do exemplo artísticas, políticas, sociais, psicológicas – do mundo
Impressão Eskenazi Indústria Gráfica de Segall e de sua simultânea proximidade contemporâneo. E até que ponto, além do inevitável
e distância, os editores escolheram rastro de tragédias, ela também pode aguçar
Impresso nos papéis
Off set, 90g/m2 e 180g/m2. caminhos diversos para entender como a consciência histórica e individual –
essa herança está presente nas nossas o que é uma das prerrogativas da arte.
Tiragem 5000 exemplares
vidas de hoje – em sentidos que vão A reflexão é feita por nomes heterogêneos,
As matérias assinadas não necessariamente do literal ao simbólico, com sua carga separados no tempo, na geografia e nas respectivas
refletem a opinião da Revista 18 ou do
Centro da Cultura Judaica. de violência e humanidade. áreas de atuação. De maneira mais temática,
Amós Oz mostra como a guerra aparece –
Colaboraram nesta edição Nilton Serson ou não – na literatura israelense. Ilana Feldman
Alexandre Rodrigues, Amós Oz, André Conti, Presidente do Centro da Cultura Judaica
e André Conti desvendam suas relações com
Breno Lerner, Daniel Pellizzari, Dor Guez, Dora
Longo Bahia, Ed Viggiani, Fábio Zuker, Franklin o cinema e os videogames. Jorge Amado escreve
Foer, Jorge Amado, Ilana Feldman, Martin Parr, sobre o engajamento antifascista na obra de Lasar
Michel Houellebecq, Renato Parada, Segall. E Dor Guez aponta, na série fotográfica
Tatiana Salem Levy e Wagner Morales Al-Lydd, a memória dolorosa que o conflito do
Agradecimentos Oriente Médio deixou na paisagem da cidade de Lod.
Alcino Leite Neto, Ana Paula Cohen, Companhia Já de um ponto de vista menos direto, mas
das Letras, Dor Guez, Eyal Danon, Galeria igualmente vigoroso, Alexandre Rodrigues conta
Vermelho, Israeli Center for Digital Art, Joana
Casa de Cultura de Israel a história dos boxeadores judeus que encontraram
Reiss Fernandes, Jorge Schwartz, Juliana
Vettore, Marcos Gallon, Marcelo Monzani, nos ringues uma chance de afirmação étnica.
Museu Lasar Segall, Pierina Camargo, Rosa Renato Parada revela como as metáforas de batalha
Rua Oscar Freire, 2500 . São Paulo . SP Esteves, Thyago Nogueira e Wagner Morales são indissociáveis da experiência de um paciente
CEP 05409-012 . TEl.: (11) 3065 4333
de câncer e sua família. E no ensaio Bored Couples,
www.culturajudaica.org.br Capa Foto de Martin Parr, série Bored Couples
culturajudaica@culturajudaica.org.br (Martin Parr/ Magnum Photos) complementado com um conto de Tatiana
Salem Levy, no coroamento de um conjunto
Horário de funcionamento cartas
revista18@culturajudaica.org.br que vai do coletivo ao individual, do grande painel
3ª a Sáb., das 12h às 19h / Dom., das 11h às 19h
ao relato íntimo, Martin Parr mostra o quanto pode
Apoie as atividades do Centro da Cultura Judaica haver de bélico no tédio e na incomunicabilidade
Entre em contato conosco - Projetos e Patrocínios
de um casal sentado para comer.
Tel (11) 3065-4330 e/ou 7868-4096
Marketing: cultural@culturajudaica.org.br
e/ou claudiafichel@culturajudaica.org.br Benjamin Seroussi e Michel Laub
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Colaboradores
Pellizzari/ 6. Dor Guez/ 7. Dora Longo Bahia/ 2. Principal nome da literatura israelense, 11. U
m dos mais conhecidos escritores
8. Ed Viggiani/ 9. Fábio Zuker/ 10. Franklin Foer/ publicou romances como A caixa preta
e a autobiografia De amor e trevas
brasileiros do século XX, autor
de romances traduzidos no mundo todo
11. Jorge Amado/ 12. Ilana Feldman/ (Companhia das Letras). e adaptados para cinema e televisão.
15. Renato Parada/ 16. Tatiana Salem Levy/ caderno Tec, da Folha de S. Paulo, e
autor do blogue de games http://jogatina.
tese de doutorado Jogos de cena:
ensaios sobre o documentário brasileiro
Guimátria Sumário
p. 10 p. 14 p. 18 p. 28
No hebraico, as letras têm valor numérico.
Somando os números das letras, pode-se atribuir 1. 2.
zain ז 7
chet ח 8
tet ט 9
iod י 10
kaf כ 20
lamed ל 30
mem מ 40
nun נ 50
ENSAIO resenha depoimento ENSAIO fotográfico
samech ס 60
Mercado, ideologia e bombas Estrelas no ringue O mundo que desaparece de vista Bored couples
ain ע 70 A história dos games de temática Como os judeus fizeram 26 campeões Os conceitos de vitória e derrota Por Martin Parr
pei פ 80 militar, de Orwell ao Hezbollah. mundiais de boxe no século XX na luta contra o câncer.
Por André Conti Por Alexandre Rodrigues Por Renato Parada
tzadi צ 90
kuf ק 100
resh ר 200
shin
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ת
300
400 p. 50 ps. 2, 42, 52 p. 55
1 e 5. Museu Lasar Segall / 2 e 3. Divulgação / 4. Cristovão Tezza
4. 5.
EXPOSIÇÃO/FILMES/
8= ח
LIVROS/MÚSICA/receitas
+ 10= י p. 62
glossário
18= = חיvida
O vocabulário da guerra
ficção
Conto de Tatiana Salem Levy
VINHETAs
Escalpos cariocas, por Dora
NO CENTRO
e MAIS
p. 66
Longo Bahia/ Futebol, por Michel UM POUCO
(hai)
. Houellebecq e Ed Viggiani Carta dos editores
10
Guimátria
Opinião 923=
Análise 958=
Por
Amós Oz
não os amou. Por serem europeus, eram rotulados de lhas enquanto atirávamos pedras contra eles na Intifada
Uma definição de tragédia cosmopolitas. Eram rotulados de intelectuais sem raízes. dos judeus de 1946/47. As ironias da história...
importa. Isso transmite um pouco da experiência dos imi- calorosos, briguentos, em resumo, uma nação muito me- a Europa colonizadora, branca e sofisticada. Olhamos E o oposto de acordo não é idealismo e integridade. É
grantes e um pouco da essência da literatura israelense. diterrânea. Nós nos sentimos à vontade num filme de Felli- para os árabes e não os vemos como vítimas da Europa, fanatismo e morte. Quando digo que teremos de chegar a
É divertida, e também chocante. Quando somos jovens, ni, não num filme de Ingmar Bergman. mas como uma nova encarnação de nossos opressores um acordo, não me refiro a capitulação. Não vou dizer que
achamos que comédia e tragédia são planetas distintos. do passado. Cossacos, os que faziam os pogroms. Antis- precisamos aceitar tudo que o inimigo quer. Estive em um
Na minha idade percebemos que são duas janelas atra- Deus, moral, política – Amo Israel mesmo quando semitas. Os nazistas. Muitos escritores israelenses com- campo de batalha duas vezes, e se a existência de Israel
vés das quais vemos a mesma paisagem. não gosto. Mesmo quando não consigo suportá-lo por partilham dessa opinião, e muito da literatura israelense fosse ameaçada iria uma terceira e uma quarta. Mas só
questões políticas. Eu diria que Israel não é uma nação, lida com essa ambiguidade moral. É um conflito entre lutaria pela existência de Israel e sua liberdade. Não por
Sonhos – Países nascem da geografia e da história. não é um país, é uma coleção calorosa de discussões. certo e certo. Os palestinos estão na Palestina e não têm lugares sagrados, interesses nacionais, recursos. Acor-
Nascem de política e demografia. Israel, não. Israel nas- Oito milhões de cidadãos, oito milhões de primeiros-mi- outra terra. Os judeus estão em Israel e não têm outra ter- do não é dar a outra face, é uma tentativa de encontrar o
ceu de um sonho, e tudo que nasce assim está desti- nistros, oito milhões de profetas e messias, todos com ra. Muitos palestinos foram para países árabes vizinhos, outro na metade do caminho. Digo que sei o que é isso
nado a ser uma decepção. A única maneira de manter sua fórmula particular para a redenção instantânea. Todo mas foram humilhados e mantidos em campos em con- porque estou casado com a mesma mulher há 50 anos.
um sonho intacto, róseo, é nunca vivê-lo. Isso vale para mundo berrando e ninguém ouvindo. Cada fila de ônibus dições desumanas. Aprenderam a duras penas que não
tudo: viagens ao exterior, escrever um romance, viver uma pode virar um seminário entusiasmado, discutindo enfa- são sírios, não são libaneses, não são egípcios. Esperando pelo Messias – Não gosto da fazer
fantasia sexual, ter uma família. Israel é uma pequena de- ticamente sobre política, moral, história e o verdadeiro profecias ou previsões, mas um dia haverá uma embai-
cepção. Mas a decepção não está na natureza de Israel, objetivo de Deus. Então participamos de um seminário Acordo – Essa é uma definição de tragédia: um con- xada palestina em Israel e uma embaixada israelense na
mas na natureza dos sonhos. na rua com completos desconhecidos, que, embora flito entre certo e certo. Às vezes é também um conflito Palestina, e essas duas embaixadas estarão próximas
discordem em relação a tudo, estão tentando chegar ao entre errado e errado, mas acredito na possibilidade de uma da outra, na Jerusalém oriental (árabe) e na Jerusa-
Fundadores – Alguns dos fundadores de Israel so- começo da fila. Se você vier a Israel como turista e não um acordo histórico entre israelenses e palestinos. Não lém ocidental (judia). Nasci em Jerusalém e amo a cidade
nharam um país bíblico, uma renovação dos antigos rei- conseguir dormir, pegue o telefone, ligue para qualquer apenas é possível, como é viável. Teremos de dividir um por inteiro, mas ela está dividida entre judeus e árabes e
nos de Davi e Salomão. Uma nação de soldados, cléri- número e tenha uma discussão fantástica sobre o assun- país muito pequeno em dois países menores. Precisare- isso terá de ser resolvido por um acordo. As pesso-as me
gos, profetas e camponeses. Outros sonharam que Israel to que escolher mos dividir a casa em casas geminadas e aprendermos perguntam: e os lugares sagrados? Minha avó Shlomit,
deveria virar uma réplica de um schtetl do leste europeu. a conviver como vizinhos. Mas tenho uma boa notícia: a quando eu era um menininho, disse que a diferença en-
Outros, marxistas sionistas, acreditavam em Stalin. Até Escritores e profetas – Israel deve ser o único país maioria dos judeus israelenses e a maioria dos palestinos tre os judeus e os cristãos era de que os últimos acham
1952, sonhavam que Stalin visitaria um kibutz. Eles o fa- do mundo onde primeiros-ministros convidam escritores aceita a solução de dois Estados. Israel ao lado da Pa- que o Messias já veio e ainda vai voltar, e os primeiros
riam conhecer o estábulo, o galinheiro, e depois o trariam e poetas para uma conversa de fim de noite, não no ga- lestina. Pesquisas de opinião pública mostram mês após pensam que ele ainda está por vir. “Por causa dessa
para uma longa discussão e revelariam a ele o significado binete, mas em sua casa. Já passei por isso com sete mês que 70% da população em Israel e na Palestina ocu- diferença, você não imagina quanto ódio, perseguição
do marxismo e do leninismo. No final da noite, Stalin se ou oito de nossos primeiros-ministros. Ele vai perguntar pada aceitam a solução de dois estados. e derramamento de sangue aconteceram. Por que sim-
levantaria e lhes diria em russo: “Seu socialismo supera o ‘o que fizemos de errado?’ ou ‘para onde vamos?’ Vai plesmente não podemos esperar para ver? Se o Messias
nosso”. E havia também os sionistas de classe média do admirar as respostas e ignorá-las completamente. Mas Sacrifícios – Estão felizes com isso? Não. Vão dançar disser: ‘Olá, que bom vê-los de novo’, os judeus terão de
leste europeu, que sonharam em criar no meio do Oriente é natural. Não se pode esperar que a geração atual de nas ruas quando essa solução for implantada? Não. Será se desculpar com os cristãos. Se o Messias disser ‘Que
Médio uma cópia do império Áustro-Húngaro do impe- escritores e intelectuais de Israel seja mais bem sucedida percebida como uma amputação tanto por uns quanto prazer conhecê-los’, todos os cristãos terão de pedir des-
rador Francisco José, com gente muito educada, todo do que os profetas. Mesmo os profetas, em sua época, por outros. Os israelenses terão de sacrificar a Cisjordâ- culpas aos judeus. Até então”, disse a minha avó, “viva
mundo se cumprimentando com “Herr Direktor” e “Herr não conseguiam mudar a mente dos dirigentes ou o co- nia, berço histórico do povo judeu, onde ocorreram mui- e deixe viver”. Essa é a minha resposta para os locais
Doktor” e paz e tranquilidade. ração das pessoas. tos eventos bíblicos. Os palestinos terão de dizer adeus sagrados em Jerusalém: que haja acordos práticos para
a cidades como Haifa, que pertenciam a eles antes de que todos possam rezar, judeus, cristãos e muçulmanos.
Fellini e Bergman – Evidentemente, aqueles sonhos Vítimas – De um modo estranho, Israel é um campo de 1948. Vai doer, mas a cirurgia é inevitável. Os dois po- Não vamos colocar bandeiras em cima desses locais.
não podiam se concretizar. Em parte porque se concreti- refugiados ameaçado. A Palestina também é um campo vos não podem viver em conjunto, como uma família feliz,
zar não faz parte da natureza dos sonhos, e em parte por- de refugiados. O conflito entre israelenses e palestinos é porque não estão felizes e nem sequer são uma única Shakespeare e Tchekov – Para terminar, e voltan-
que eram sonhos excludentes. Então, o que aconteceu? um conflito trágico entre duas vítimas da Europa. Os ára- família. São duas famílias infelizes. Precisam dividir a do ao gênero do conflito israelense-palestino: tragédias
Alguns dos sonhos morreram, foram esquecidos. Muitos bes foram vítimas por meio do colonialismo, exploração e casa. Todos sabem disso, exceto os líderes. Acho que no podem ser resolvidas à maneira shakespeariana e à ma-
ainda estão vivos e lutando uns com os outros. Alguns se humilhação. Os judeus foram vítimas por meio de discri- fundo os líderes também sabem, mas não têm coragem neira de Tchekov. Na tragédia de Shakespeare, no final o
tornaram pesadelos, e alguns são a realidade de Israel. minação, perseguição e, em última instância, genocídio de fazer o que sabem que precisa ser feito. Se pudesse palco é coberto de cadáveres e talvez a justiça prevaleça.
Há uma grande diferença entre o país da imprensa – não sem precedentes. Podemos imaginar que duas vítimas usar uma metáfora simples, diria o seguinte: o paciente Na conclusão de uma tragédia de Tchekov, todos estão
conheço a imprensa brasileira, falo da americana e a eu- do mesmo opressor se amariam, se abraçariam e iriam israelense e palestino está relutantemente pronto para a melancólicos, infelizes, decepcionados e amargos, mas
ropeia – e o real. Na mídia 80% dos israelenses são faná- juntas para as barricadas. Não. Na vida real, dois filhos cirurgia, mas os médicos são covardes. vivos. Em Israel, eu e meus companheiros escritores lu-
ticos religiosos ou moradores furiosos de assentamentos, do mesmo pai violento não se amam. Eles olham um para tamos não por um final feliz, porque não há possibilidade
19% são soldados impiedosos e 1% são autores e inte- o outro e dizem: “Você é como ele. Não, você é como ele”. Vida e morte – Sei que a palavra acordo tem uma co- de um final feliz. Queremos uma conclusão tchekoviana.
lectuais maravilhosos, como eu, que criticam o governo e notação muito negativa para os ouvidos de jovens idea-
lutam pela paz. Na verdade, 80% vivem na planície costei- Certo e certo – Os árabes não nos veem como o que listas, que tendem a pensar que um acordo é desonesto. Trechos de palestra proferida em São Paulo, 2011,
ra, não moram em Jerusalém ou nos assentamentos. Não somos na realidade, um grupo de refugiados semi-histé- Acordo é uma coisa mole, é falta de integridade... Não no no aniversário de 25 anos da Companhia das Letras,
são ortodoxos, são de classe média, ruidosos, falantes, ricos. Eles nos veem como uma extensão dos opressores, meu vocabulário. Para mim, a palavra é sinônimo de vida. editora de Oz no Brasil
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Guimátria
Por
Dor Guez Al Lydd, 2010, fotografias P&B, 35x50cm
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A obra de Dor Guez confronta o espectador com a memória dos palestinos que ficaram e dos que
tiveram de sair ao fim da Guerra de 1948, logo depois da independência de Israel. Al-Lydd, o nome
árabe da atual Lod, representa a memória da antiga cidade palestina. As imagens desta série trazem,
em meio à paisagem contemporânea, ruínas e resquícios quase imperceptíveis de casas destruídas.
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Guimátria
Ensaio 392=
treinamento”, onde as massas aprendiam a controlar o das imagens, entre os gabinetes de guerra e os escritó- Estendendo-se não apenas às dimensões do espaço, “cinemetralhadora” de aviação, híbrido de arma e câmera
medo do desconhecido ou, como dizia Hitchcock, do que rios de propaganda. Os ditadores já não governam, mas mas ao conjunto da realidade, a “guerra total” prescinde filmadora. Tais “máquinas de visão”, paulatinamente e a
sequer existe. Hoje, certamente os campos de treinamen- comportam-se como diretores de cinema. “Hitler profa- de limites claros e alvos fixos. partir de uma crescente demanda por aceleração, subju-
to, ou de percepção, não se restringem às salas escuras. na nada mais do que o realismo cotidiano, e a própria Se o lendário diretor norte-americano Samuel Fuller garão a visão humana ao aparato técnico, automatizando-
Os jovens que operam eximiamente games simuladores natureza de seus crimes permanece incompreensível se dizia que “o cinema é um campo de batalha”, frase que -a e industrializando-a, na medida em que um verdadeiro
– esses híbridos da indústria do entretenimento com o nos esquecermos de seu extraordinário conhecimento ficou notória, o próprio campo de batalha passava a ser mercado de percepção sintética é instaurado. Herdeira
complexo industrial-militar –, realizando operações cirúr- técnico nos campos da direção teatral, da trucagem, do também cinematográfico. Agora, a totalidade da realida- direta da linha de tiro – e estando presente das câme-
gicas, assépticas e pautadas por uma relação de acele- mecanismo de alçapões e cenas giratórias e, sobretudo, de tornava-se cinemática, isto é, obedecia a princípios de ras de vigilância aos mais longínquos satélites –, a “visão
ração constante, também estão tendo, porém de modo das diferentes possibilidades de iluminação e manejo movimento e construção estética calcados na articulação sem olhar”, dessubjetivada, é o efeito visível do invisível e
muito mais eficaz e efetivo, suas percepções estimuladas de refletores”. Segundo seu ministro Albert Speer, Hitler entre imagens e sons. E é justamente quando os Aliados contínuo processo de “desregulação da percepção”.
e superexcitadas por uma disposição bélica. preocupava-se mais com a eficácia psicológica de uma se colocam na vanguarda das técnicas cinemáticas que Embora Virilio não se aprofunde em uma investigação
Em um momento oportuno e em pouquíssimo tem- arma do que com sua força operacional. o carisma de Hitler pode ser atacado e seu poderio en- metodológica sobre o estatuto da percepção na contem-
po, esses mobilizados jovens competidores poderiam ser Dessa forma, a Alemanha nazista promovia uma im- tra em declínio. “Em 30 de abril”, sintetiza Virilio, “Hitler poraneidade, oferece pistas para compreendermos que,
convocados a usar suas habilidades para constituir uma bricada relação entre cinema, poderio militar e propagan- abandona o inferno das imagens suicidando-se em sua agora, não se trata mais de perguntar qual é o sujeito da
complexa e virtualizada máquina de guerra, assim como da, cujo objetivo era reunir e tratar instantaneamente a ‘câmera escura’ do bunker da Chancelaria de Berlim”. percepção, pois a percepção, cada vez mais desregula-
nos anos 1940 Vannevar Bush, citado por Virilio, então informação, garantindo a eficácia e a coesão do conjunto da e automatizada, emancipada do próprio olhar, tem se
diretor do Escritório de Pesquisa Científica e Desenvolvi- das representações dos conflitos, endereçadas tanto aos Desregulação da percepção tornado resultado ou efeito de um acoplamento do corpo
mento durante o governo Roosevelt, achava que os milha- soldados, pilotos e oficiais quanto à população civil. Para Desde as alturas das fortificações que dominaram o com as “máquinas de visão”. Com isso, torna-se cada
res de jovens que dirigiam carros e se interessavam por tanto, o exército alemão passou a contar com um cinegra- passado, com a inovação arquitetônica das “torres de vez mais tênue a linha divisória entre a realidade ocular
mecânica, eletrônica e motocicletas encontravam-se, sem fista em cada uma de suas unidades e fronts de batalha, observação” e do modelo panóptico desenvolvido pelo e a construção midiática de um mundo em vias de des-
perceber, em verdadeiros campos de habilitação militar. o que possibilitou (embora Virilio não comente o assunto) jurista Jeremy Bentham no século XVIII (um dispositivo de materialização, para o qual “o cinematógrafo dos irmãos
a naturalização do uso da câmera na mão, já que não era visão e de poder minuciosamente analisado por Michel Lumière tem mais credibilidade do que o sentinela melan-
Guerra total e pancinema possível montar um tripé em meio a um campo de guer- Foucault em Vigiar e punir, mas que escapa a Virilio), pas- cólico que não acredita em seus próprios olhos”.
Embora os soldados da Primeira Grande Guerra tenham ra, hoje um sedimentado e repisado código do realismo sando pelo uso do balão, da aviação e da restituição foto- Se o cinema fora então inventado pelos irmãos Lu-
sido protagonistas de combates sangrentos, foram tam- cinematográfico. gráfica dos campos de batalha em 1914 até o “satélite de mière para “salvar o ser pela aparência”, como defendia
bém os primeiros espectadores de um espetáculo pirotéc- No dia 18 de fevereiro de 1943, Goebbels faz seu alerta avançado”, não cessamos de assistir à expansão o crítico André Bazin, para fazer perpetuar a vida em seu
nico, no qual já se reconhecia seu aspecto espetacular e pronunciamento oficialmente denominado “Guerra to- do campo de percepção dos conflitos. Assim, “a visão movimento e duração, também fora inventado no cora-
grandioso. Grandiosidade e perturbação – uma sensação tal”, estabelecendo uma data histórica. A partir de então, ocular vai progressivamente cedendo lugar aos procedi- ção das máquinas de morte. Por isso, convém não esque-
de vertigem da técnica, de “desrealização” puramente ci- comenta Virilio, a massa de figurantes-sobreviventes mentos ótico-eletrônicos mais sofisticados”. cer que essa ambiguidade irremediável entre a câmera, o
nemática – presentes nos impressionantes e impressiona- alemães é precipitada da “guerra total” a um “pancine- Nessa nova ordem visual, da “máquina de guerra olho, a arma e o espetáculo, entre a preservação da vida
dos relatos de Ernst Jünger, Apollinaire e Marinetti mencio- ma”, um cinema tão total quanto a própria guerra. Nesse moderna” por excelência, o avião, passamos às novas e sua exposição, bem como sua insidiosa coação, irá
nados por Virilio. momento, as populações reivindicam a guerra como um performances das “máquinas de espreita”, como a foto- sempre comparecer no mais ínfimo e ingênuo dos gestos,
Mas é a partir da Segunda Guerra que o poder real espetáculo cada vez mais grandioso, capaz de rivalizar grafia aérea ou o fotograma cinematográfico, tendo como como ligar uma traquitana qualquer e apertar o botão do
passa a dividir-se entre a logística das armas e a logística mais uma vez com as superproduções hollywoodianas. auge desse processo o desenvolvimento da Blitzkrieg, a REC – mesmo que seu olhar não esteja mais lá.
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Guimátria
Ensaio 1134=
Impossível contabilizar quantos pássaros foram arremes- tornar aquela guerra representativa de todas as guerras Segunda Guerra. A campanha principal culmina na in- Variáveis e estratégia
sados para a morte. Na ponta do dedo, milhões dessas e, por extensão, traçar uma crítica orwelliana ao próprio vasão da Inglaterra e dos Estados Unidos e a queda de A consequência natural dessa mentalidade é o gênero
aves pereceram nos campos de batalha, deixando um conceito de guerra. Tampouco os responsáveis por esses Washington marca o fim da partida. conhecido como grand strategy. Enquanto os jogos de
rastro indelével de extinção suína. jogos são leitores fervorosos do Homo Ludens. O único Não há registro de controvérsia acerca do jogo. É estratégia reduzem a guerra a elementos mais básicos,
Embora a única referência efetivamente militar em An- contexto necessário são os dois tanques. O único olhar como um xadrez com peças pintadas: o que importa simplificando a realidade, a grand strategy tenta dar conta
gry Birds seja o capacete utilizado pelos porcos, a técnica sobre a guerra diz respeito a vento, distância, força e são os movimentos no tabuleiro. A diferença é que as do maior número possível de elementos. É como se, para
para dizimá-los é uma das mais antigas em termos de ângulo. De resto, o gráfico só está ali para representar regras desse xadrez tentam simular o funcionamento cada variável num jogo comum, houvesse vinte outras.
guerra: a balística. Na Idade Média usavam o trébuchet. visualmente as contas sendo feitas pelo sistema. Podem estratégico de uma guerra, e os movimentos no tabu- Por conta disso, o grau de liberdade é imenso. He-
No século XX, migramos para a artilharia. No iPhone, um ser tanques se matando, mas também minhocas (a série leiro precisam levar em conta as linhas de suprimento, o arts of Iron 3, da produtora sueca Paradox Interactive,
dedo conduz a ave camicase à morte. “Worms”), porcos (Hogs of War) ou aves (Angry Birds). moral das tropas, os desenvolvimentos tecnológicos etc. maior representante do gênero, simula os gabinetes po-
Não é de espantar que os primeiros jogos eletrônicos Se há uma exaltação, ela soa menos patriótica do A mudança faz parte da evolução natural dos jo- líticos e militares de dezenas e dezenas de nações na
de balística fossem de temática militar. Artillery, de 1980, que técnica. Computer Bismarck, por exemplo, é o opos- gos de estratégia, que migraram do tabuleiro para os Segunda Guerra, tudo fruto de ampla pesquisa histórica.
punha em confronto dois tanques de guerra. Com base to de Artillery. Há um objetivo expresso de simular da ma- computadores. O grande avanço que o PC trouxe ao Pode-se controlar qualquer força militar ou país e há de
na distância entre ambos e na força e direção do vento, neira mais acurada possível eventos históricos reais, no gênero foi a capacidade de simulação a partir de uma se lidar com diplomacia, comércio, indústria, comunica-
ajustava-se o ângulo do canhão. Dizimar o adversário era caso as últimas batalhas do navio de guerra Bismarck, base concreta de dados. Enquanto num tabuleiro de ções e outros tantos fatores, todos infinitamente ajustá-
uma experiência quase matemática. A primeira versão, in- na Segunda Guerra. O jogador controla a força britânica, War os “fatos históricos” são decorrência das atitudes veis e modificáveis.
clusive, trazia apenas textos e tabelas, sem gráficos. que enfrenta uma série de unidades alemãs, incluindo o (e da sorte) dos jogadores, um jogo como Panzer Ge- Novamente, não há uma questão ideológica sendo
O recorte balístico de Artillery também dispensa en- Bismarck. A frota nazista tem superioridade técnica, mas neral pode armazenar dados estatísticos reais e assim tratada; o ponto de vista é técnico. Jogar com a Grã-Bre-
redo, personagens, contexto. Funciona porque o jogador uma eventual vitória do jogador, e portanto dos Aliados, reagir às estratégias do jogador de forma supostamen- tanha representa um começo tortuoso e reforços no meio
preenche as lacunas necessárias: qual guerra é aquela, não é representada como a superação de uma tirania ou te verossímil. do caminho. Controlar a Polônia aumenta o grau de difi-
de que lado estamos etc. Um texto técnico descrevendo coisa que o valha. O navio pisca um pouco, solta um pio Lembrando que, em 1980, o mercado para jogos de culdade do jogo, mas não é uma rota moralmente mais
a mesma situação, com os pormenores da influência do metálico e desaparece. Fim de caso. computador era restrito a quem dispusesse de conhe- correta do que escolher a Itália, por exemplo. A ironia é
vento no uso de canhões, seria frio e tedioso. cimento técnico, necessário para instalar e operar os que, ao expressar nominalmente as diferenças entre táti-
Moral das tropas aplicativos. Por serem inicialmente destinados a esse ca e estratégia, os jogos dessa linha seguem muito mais
Força e ângulo Da mesma forma, a empresa responsável por Computer público de engenheiros eletrônicos, programadores e a concepção leninista (estratégia como o plano geral da
Ainda assim, ao abrir mão de um contexto histórico defi- Bismarck lançou, quinze anos depois, a série Panzer Ge- hobbistas, fazia todo sentido que os jogos reduzissem revolução, tática como as batalhas e problemas imedia-
nido, não parece que a intenção do desenvolvedor seja neral, em que o jogador conduz as tropas alemãs pela a guerra a seus elementos mais técnicos e numéricos. tos) do que qualquer outra coisa.
34
Ideologia e mercado fornecem programadores, scripters etc., mas não pos- trói uma cidade muçulmana. O jogo tem apenas um final Modelo alternativo
Claro que seria ingenuidade dizer que séries de tiro em suem indústria própria. possível: a destruição completa de ambas as cidades. Como alternativa viável ao monolito ideológico, os títulos
primeira pessoa, como “Call of Duty” e “Battlefield”, onde Ou de Carpet Invaders, que substitui os alienígenas de mais interessantes parecem pertencer à empresa síria
os inimigos são majoritariamente árabes (na ocasional Jogos proibidos Space Invaders por uma tapeçaria persa. Ou ainda de (T) Afkar Media. Os jogos da Afkar reproduzem grandes gê-
vertente “árabes do futuro”), não tenham componente De modo que a predominância será sempre de solda- error, em que o jogador assume o papel de Bush, Blair ou neros vigentes no mercado americano, mas inseridos na
ideológico. Com a popularização dos jogos eletrônicos, dos americanos matando árabes, comunistas, alieníge- Bin Laden na guerra ao terror. O objetivo da instalação — realidade do Oriente Médio. O jogo de tiro em terceira
o público foi de “especialista” a geral. Paralelamente, a nas e, no caso de Angry Birds, suínos opressores. Por que exige que o jogador se mova, pule e interaja com o pessoa UnderSiege usa apenas eventos reais, tirados de
tecnologia os aproximou da experiência cinematográfica. isso um jogo como The Night Bush Was Captured cau- ambiente — é sempre o mesmo: matar civis e conseguir relatórios da ONU. Como estão numa zona de ocupação,
Inseridos na lógica da cultura de massa, os jogos vão sa tanto estranhamento. Do ponto de vista técnico ele mais poços de petróleo. a resistência militar é “legítima”, de acordo com as pró-
atender a ideologia dominante, como ocorre no cinema. não difere de qualquer jogo de tiro em primeira pessoa, prias Nações Unidas. Mas ao colocar o jogador contra
Mas “Call of Duty” não é um jogo para adolescentes embora seja menos sofisticado. As próprias missões — Doutrina e momento tropas israelenses, UnderSiege não busca inspirar ódio
de direita, assim como o filme Os Vingadores não se des- “inferno americano”, “Bush caçado como um rato” etc. Trata-se de críticas mais abrangentes, que usam a lingua- aos adversários. Eles são apenas o inimigo “real”, no sen-
tina a converter a juventude ao partido Republicano. Ape- — são apenas o espelho do que nos acostumamos a jo- gem dos jogos de forma livre para passar algum tipo de tido concreto, e UnderSiege parece estar mais interessa-
nas apresentam uma concepção de mundo (no caso, a gar. No penúltimo “Call of Duty”, por exemplo, uma das discurso pré-estabelecido. Mais impactantes são os jogos do em conectar o jogador a uma realidade imediata do
capitalista) como realidade definitiva. Nesse sentido, não fases consiste em invadir Cuba e assassinar Fidel Cas- “de momento”, como Special Force, desenvolvido pelo He- que em demolir a civilização ocidental.
há diferença entre os jogos e qualquer outro produto da tro (representado como um vilão cruel e cartunesco). zbollah, e cujo objetivo é a destruição de um tanque de A mesma empresa produz ainda Quaraish, jogo de
indústria cultural. Os avanços técnicos entre um “Battle- The Night Bush Was Captured fez parte da mostra guerra israelense. O mote, digamos, é o mesmo de Artil- estratégia em tempo real nos moldes de Age of Empires,
field” e outro, por exemplo, conferem à série uma ideia de “Forbidden Games”, organizada pelo Centro Israelen- lery. Todavia, a função é crítica e doutrinadora (entre uma da Microsoft. Enquanto a versão americana narra séculos
progressão, quando na verdade estamos apenas adqui- se de Cultura Digital, na cidade de Holon. A ideia da tela e outra, atira-se na cabeça de Ariel Sharon). de história de um ponto de vista do Ocidente, Quaraish
rindo o mesmo jogo sabe-se lá quantas vezes. mostra era apresentar uma produção alternativa de jo- O mesmo tipo de anseio parece ser aplacado pelo trata da origem do Islã. O jogador controla os persas, os
É uma questão de mercado. Os custos de produção gos, que vai desde “reações sanguíneas” — respostas chamado “ciclo Nasrallah”. Para além de assassinar de romanos, os beduínos ou os árabes. O público, que vai
dos grandes jogos são quase equivalentes aos do cine- imediatas a conflitos como os do Egito e da Síria — a inúmeras formas o atual líder do Hezbollah, a pontuação de jovens do Oriente Médio à população de imigrantes na
ma, e exigem um público consumidor que dê conta do in- obras críticas que exploram a miríade de possibilidades nesses jogos em geral é contabilizada pela habilidade Europa, tem acesso a um tipo de criação de identidade
vestimento. Por isso, a produção está praticamente toda narrativas dos jogos. de um governo em humilhar o outro. Tanto essa série muito menos homogêneo do que o modelo predominante
localizada nos Estados Unidos e na Europa. Países como Caso do fliperama War on Terror, em que o jogador quanto Special Force viraram febre entre a juventude do oferece. Segundo a própria empresa, “se não fizermos,
a Índia, onde a mão de obra especializada é abundante, precisa defender Nova York ao mesmo tempo que des- Oriente Médio. quem vai fazer?”. É isso aí.
36
Guimátria
Resenha 333=
Por
Alexandre Rodrigues
Estrelas no ringue
Conflito e estigma
“Quando os judeus percebiam oportunidades, tiravam
vantagem delas. Ainda que o boxe fosse uma novidade
para eles, não era diferente de nada que vinham fazendo
para melhorar sua condição econômica”, escreve Bodner.
Os lutadores encontraram uma comunidade onde não
havia preconceito, lembrada como “uma grande família”
Em sentido horário, a partir do alto à esq., Allie Stolz, Artie Levine, Sammy Farber e Julie Bort:
“Talvez você consiga nos derrubar, mas não pode nos manter lá embaixo”
40
Lutas metafóricas
Ao contrário da média dos esportistas, mesmo os campe-
Todo um segmento do movimento judaico torná-lo forte e vigoroso, ágil e potente.” ões abandonaram as luvas antes dos 30 anos, capitulan-
Músculos contra acreditava que o futebol, e o esporte de Os judeus, exortava em artigos e do em busca de uma atividade mais respeitável. Em 1938
o antissemitismo maneira mais geral, os libertaria da violência palestras, deviam investir em ginásios já eram minoria no esporte. A partir da década de 1940
e tirania do antissemitismo. O polemista e pistas de atletismo, pois o esporte simplesmente desapareceram, dando lugar aos negros
Max Nordau, um dos pais do sionismo “vai reforçar-nos no corpo e no caráter”. e porto-riquenhos, que seguiam o mesmo caminho de
A doutrina que impulsionou na virada do século, criou uma doutrina O judaísmo musculoso não foi uma afirmação das comunidades pobres. Com as novas opor-
atletas judeus no futebol e outros intitulada Muskeljudentum, ou judaísmo quimera intelectual. As palavras retumbantes tunidades econômicas do pós-guerra, a geração seguin-
esportes nos anos 1910 e 1920 musculoso. Nordau afirmava que as vítimas de Nordau capitalizaram-se pelas lideranças te de judeus retomou a tradição de estudo. Desde então
do antissemitismo padeciam de uma doença das comunidades judaicas da Europa apenas um deles, Mike Rossman, peso-leve como Benny
própria chamada Judendot, ou angústia Central. Das 52 medalhas olímpicas obtidas Leonard, voltou a ser campeão mundial (1978-1979).
Franklin Foer judaica. A vida no gueto sujo provocara pela Áustria entre 1896 e 1936, 18 foram Na época, também pesou entre os lutadores o medo
nos judeus a efeminação e o nervosismo. ganhas por judeus – 11 vezes mais do que de que os golpes recebidos na cabeça causassem le-
“Nas estreitas ruas judaicas”, escreveu ele, teriam obtido caso seu desempenho fosse sões cerebrais, algo que Bodner ouviu de vários ex-luta-
“nossos pobres membros esquecem proporcional ao tamanho de sua população. dores ao mencionarem Muhammad Ali, portador do mal
como é caminhar com alegria. Na escuridão E embora a maior parte desses feitos tenha de Parkinson. Reunidos em 1992 no Ring 8, organização
de casas sem a luz do sol, nossos olhos ocorrido em competições individuais, que auxilia ex-boxeadores em dificuldades, a maioria con-
se acostumam a piscar com nervosismo. especialmente na esgrima e na natação, cordou com Artie Levine, que se considerava “muito sor-
Por medo da perseguição constante, os judeus também brilharam no futebol. tudo” por ter abandonado a carreira sem nenhuma lesão.
o timbre de nossas vozes se reduz Durante as décadas de 1910 e 1920, boa Bodner faz uma abordagem concisa do boxe, assim
a um suspiro ansioso.” parte da seleção húngara era composta por como de seus praticantes judeus, a partir de uma pers-
Para derrotar o antissemitismo e judeus. Por um breve momento, o sucesso pectiva histórico-social. Trata-se um livro menos sobre
erradicar a Judendot, os judeus precisavam obtido por eles no esporte imitava boxe e mais sobre boxeadores, arenas enfumaçadas,
não apenas reinventar sua política corporal suas realizações no plano intelectual. judaísmo e cultura jovem no início do século XX. Mas é
– tinham de reinventar os próprios corpos. sobretudo um livro sobre o afeto do autor, filho de um
Nordau escreveu: “Desejamos devolver Trecho do livro Como o futebol explica ex-boxeador amador e empresário do esporte, por seus
ao flácido corpo judeu o tônus perdido, o mundo (Jorge Zahar Editor, 223 páginas). heróis e suas lutas reais e metafóricas.
42
Guimátria
Por
Ed Viggiani
Depoimento 901=
Por
Renato Parada
O mundo que
desaparece de vista
Até meu pai morrer de câncer, nossa
família lutou uma batalha em que
os conceitos de vitória e derrota
fugiam ao senso comum
“O câncer não é um campo de concentração, mas par- dois mundos que tem início outra batalha solitária e família, trazendo a sensação de que agora, depois
tilha com ele a característica da aniquilação: nega a claustrofóbica. É como se o doente de câncer não de tantos meses, começaríamos a sofrer juntos. Não
possibilidade de vida fora e além de si mesmo; englo- pudesse ter pensamentos negativos nem dividi-los mais sozinhos.
ba toda a vida. A rotina diária de um paciente torna-se com alguém. Afinal de contas, será curado pelo pen- Dizer a verdade insuportável para meu pai, ao in-
tão intensamente dedicada à sua doença que o mun- samento positivo, pela força de vontade Por querer vés de lhe tirar o chão, forneceu uma nova base para
do desaparece de vista.” A analogia é de Siddhartha viver. Se ceder um milímetro que seja nessa postura, ele continuar na guerra com outras armas, conce-
Mukherjee, oncologista e autor do livro O Imperador a doença avança. A guerra para se integrar às faci- bendo e planejando conceitos renovados de vitória.
de Todos os Males, uma biografia médica, histórica, lidades do mundo dos saudáveis é solitária e des- Agora ele sentia que podia confiar em nós, que nada
política e social da doença que nos acompanha des- conexa, marcada pela ladainha que recomenda “não estava sendo escondido. Apesar da tristeza, agora
de o primeiro caso registrado, no Século VII a.C.. desanime, tudo vai dar certo, tenha fé!” enquanto havia um senso de apreciação de sua parte. Como
Meu pai foi transferido para esse campo quando tudo só piora e fica mais difícil. se tivesse recebido a oportunidade de concluir sua
descobriu que estava com câncer de pulmão metas- Vi meu pai chorando apenas uma vez. Um choro história antes de partir.
tático. Até então era um homem de sucesso, bonito parecido com o choro de um bebê, profundo, intenso, A despedida é um dos momentos mais profundos
e saudável. “Você está com câncer”, repetia sozinho carregado de saudade dos tempos em que tudo esta- nos relacionamentos. A perspectiva de que as coi-
para seu reflexo no espelho do banheiro, numa tenta- va bem. Foi como abrir as comportas de uma represa. sas não duram para sempre é surpreendentemente
tiva de digerir a nova realidade. Poder chorar é uma benção. As tensões se aliviam libertadora. Dar amor e carinho, oferecer cuidados
Uma das primeiras batalhas na luta contra uma e o ânimo se acalma, deixando um novo rastro de ou perdoar, ceder e sentir gratidão pelos momentos
doença pode ter como alvo seu estigma social. Um sabedoria para aceitar a realidade. que passamos juntos se torna incondicional. Nossa
problema de enfermidades cujas causas e cura se- Toda a confusão e todo o sofrimento do mundo apreciação se concentra no momento presente.
guem misteriosas para a ciência é a quantidade de surge das melhores intenções de cada universo par- Mas esquecemos que todos nós temos uma
metáforas que atraem para si, advertiu Susan Sontag ticular, das limitações em nossa capacidade de es- doença terminal. Que nossos próprios dias são
no ensaio Doença como metáfora. Aconteceu com a tabelecer uma comunicação verdadeira com o outro. contados. Que, mais cedo ou mais tarde, tudo que
tuberculose, associada aos excessos do romantismo, Se a morte é uma verdade insuportável, faz sentido identificamos como “eu” irá se desfazer. Nossos rela-
e com a AIDS, que chegou a ser definida como “pes- tentar escondê-la para minimizar o sofrimento en- cionamentos, nossa profissão, nossas posses, nos-
te gay”. Com o câncer não é diferente. Um paciente quanto se avança até algo que não pode ser evitado. sas opiniões, nosso corpo, tudo se mostrará fugaz.
não é somente alguém que sofre de uma condição Isso é amor. Mas há outros casos. Talvez a verdade Diante disso, a ideia de que “tudo vai dar certo” so-
biológica. Há todo um aspecto de vergonha no pro- insuportável se mostre de outra maneira “para aque- mente nos enfraquece. E quando chega a hora de en-
cesso, insinuando uma espécie de punição para pes- les extraordinariamente esclarecidos e inteligentes”, carar a verdade nos sentimos sozinhos, ameaçados,
soas infelizes, amarguradas e frustradas, incapazes como diz Sontag. A tensão é máxima. A linha é mui- vitimizados e negligenciados. Como se o mundo, ou
de compartilhar suas angústias e cuidarem da saúde. to sutil. O campo é minado. Um passo em falso e Deus, estivesse sendo injusto apenas conosco.
Isso se torna socialmente contagioso. Se antes as pode ocorrer uma explosão com consequências im- Em uma guerra onde o inimigo é desconhecido
pessoas sentiam satisfação ao cumprimentarem meu previsíveis. e traiçoeiro, as táticas para vencê-lo também se re-
pai, após o câncer sentiam constrangimento. Se an- Em uma tarde ensolarada, sem energia para sair velam desconhecidas e traiçoeiras. Fogem do senso
tes elas lidavam com sua imagem de sucesso, agora da cama, meu pai apertou o Pikachu de brinquedo comum, viram o bom senso do avesso. Uma nova
lidavam com uma sentença de morte. cujo barulho chamava quem estivesse na casa. En- perspectiva se mostra necessária, onde vencer ou
Todos nós temos dupla cidadania, diz Sontag trei no quarto e ele carinhosamente pediu para que perder não é mais a questão. Nesse momento o im-
no mesmo ensaio. Uma vale para o reino dos sau- eu me sentasse na cama ao seu lado. “Você está es- portante talvez seja lembrar que jamais permanece-
dáveis, e a outra para o reino dos doentes. Embora condendo alguma coisa de mim? Se estiver, quero remos em um único lugar. E, por mais grandiosas ou
queiramos usar apenas o passaporte do primeiro rei- que diga tudo, não esconda nada.” E as comportas terríveis que se mostrem, todas as guerras da nossa
no, inevitavelmente teremos de nos identificar com da minha represa, há tanto tempo no limite, foram vida não conseguem escapar de sempre ter um co-
os cidadãos do outro lugar. É no embate entre esses abertas. E o mesmo aconteceu com todos da nossa meço, um meio e um fim.
46
Guimátria
Por
Martin Parr
bored couples
48
Ficção
Por
Tatiana Salem Levy
Eu só pensava nisso – nela morta. Melhor: em como seria a minha . .._ ... .__. . _. ... ._ ..._ ._ _. .. ... ... ___ _. .
vida se ela morresse. O que nos perde é o pensamento. A ideia de que ._.. ._ __ ___ ._. _ ._ __ . ._.. .... ___ ._. . __ _._. _
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poderia haver vida depois da morte, da morte dela, começou a me
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perseguir. Eu fechava os olhos para dormir e me via sozinho na cama. . _. ___ ... .__. . ._. _.. . ___ .__. . _. ... ._ __ . _.
Finalmente, eu poderia estender os braços. Então abria os olhos e lá _ ___ ._ .. _.. . .. ._ _.. . __._ .._ . .__. ___ _.. . .
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estava ela, me olhando torto. ... _.. ._ __ ___ ._. _ . _.. ._ __ ___ ._. _ . _.. . ._
Ia mijar, fechava os olhos, e pensava nela. Morta. Não teria mais que .. ._ _._. ___ __ . ___ .._ ._ __ ..__. . ._. ... . __. .
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escutar seus gritos, por que não baixei a tampa da privada. Por que . .... ___ ... .__. ._ ._. ._ _.. ___ ._. __ .. ._. . __ .
deixei a pasta de dentes aberta. Ah! Aquele silêncio bom, imenso, se ..._ .. ._ ... ___ __.. .. _. .... ___ _. ._ _._. ._ __ ._
alastrando pela casa, depois da morte dela. O difícil era abrir os olhos. .._. .. _. ._ ._.. __ . _. _ . . .._ .__. ___ _.. . ._. ..
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Dora Longo Bahia, Escalpo carioca, 2005
Acrílica sobre construção de madeira
255 x 350 cm
Foto: Edouard Fraipont
no
centro
e
mais
um
pouco
Destaques da
programação do Centro
da Cultura Judaica
e uma seleção de livros,
filmes, discos, músicas
e receitas de guerra
Horário de funcionamento
3ª a Sáb., das 12h às 19h / Dom., das 11h às 19h
56
Acontece no centro
Guia
Por
Alexandre Rodrigues
Filmes
Guia
Livros Músicas
Guia Glossário
Por
Fábio Zuker
Língua e
confronto
era mais onipresente do que a guerra. as mãos que datam de antes das Europa – Área que se estende de 34 graus (e por vezes se confundindo com o
As canções do álbum se fixam civilizações greco-romanas. Algo próximo e 45 minutos a 80 graus de latitude norte, próprio Maghreb ou Ásia Central). Foi fruto
em seus efeitos materiais Objetos, lugares e conceitos ao boxe também era praticado entre e de 24 graus de longitude oeste a 65 graus de disputas entre judeus, romanos, árabes,
e emocionais. War desbancou Thriller, que ajudam a entender, direta os astecas. As regras oficiais, que o de longitude leste. Segundo menor continente mongóis, cristãos, turcos otomanos e,
ou indiretamente, a lógica da guerra transformaram em algo mais próximo ao do mundo, possui 10.530.751 km2 que mais recentemente, dividida entre franceses
de Michael Jackson, do topo das
e suas representações. Os termos formato atual, foram estabelecidas em 1867. serviram de palco para algumas das piores e britânicos durante o colonialismo. No
vendas na Inglaterra, legando um hit,
foram retirados das matérias carnificinas da história. Recentemente seus século 20, viu nascer nações independentes,
Sunday Bloody Sunday, em memória
que compõem a presente edição
C países firmaram um pacto de integração o que esteve longe de trazer paz – em muitos
do massacre de irlandeses pelo política e econômica, a União Europeia, casos, ao contrário, intensificou conflitos
exército britânico numa marcha de Câmera – Instrumento que, em sua projeto que vem sendo minado pela econômicos, étnicos, nacionais e religiosos.
protesto em 1972, na Irlanda do Norte. versão cinematográfica, tem por objetivo crise iniciada na década de 00.
captar imagens em movimento, que P
são fotogramas estáticos em sequência. F
Inventado no século XIX, o cinema Paz – Substantivo feminino. Relação
A CANÇÃO ornou-se indissociável do imaginário
da cultura de massas no século XX.
Futebol – Esporte que mais atrai fãs
no mundo, tem como objetivo colocar uma
tranquila entre cidadãos. O vocábulo
parece sempre dependente de seu oposto,
DO SENHOR A bola no gol do adversário sem tocá-la com guerra, para ganhar sentido: ausência de
DA GUERRA D as mãos, prerrogativa que fica restrita problemas e de violência, situação de uma
Acordo – Ajuste entre partes baseado ao goleiro. Fonte de desavenças, brigas nação ou estado que não está em conflito.
no desejo recíproco de fazer desaparecer Doença – Alteração da saúde física matrimoniais e familiares, suicídios Em hebraico, a palavra – shalom –
LEGIÃO URBANA, (MÚSICA as diferenças, ou atenuá-las num meio termo de um ser, que só pode ser compreendida e confusões generalizadas, sua beleza significa literalmente plenitude.
PARA ACAMPAMENTOS, 1992) que anule seus efeitos nocivos. Em termos como espelho de seu estado oposto, reside nas diferentes maneiras pelas
históricos, é mais frequente a supressão sadio. Ou como versão hipereficiente deste – quais os jogadores se empenham na tarefa, T
Gravada para um especial da Globo, do conflito por meio da violência, ou caso do câncer, cuja origem são células e no arsenal de metáforas e ressonâncias
a música foi por anos um hit ausente em negociações apenas levadas a sério que crescem patologicamente. Manifestação narrativas encerradas em cada partida. Terror – Historicamente, é o período
da discografia oficial da banda, quando um dos agentes beligerantes física da ideia de mortalidade. da Revolução Francesa no qual Robespierre
até ser incluída numa coletânea. estava em situação desfavorável. G levou adiante uma política generalizada
Os temas são o militarismo Drogas – Substâncias químicas que, de decapitação de opositores, até ser
Arma – Instrumento utilizado pra agredir. incorporadas ao organismo humano, Guerra – Extensão armada da diplomacia, ele próprio guilhotinado. A palavra, que em
e a hipocrisia, atacados pelos versos
Objeto ímpar, cujo grau de letalidade alteram seu funcionamento – às vezes luta entre nações, tribos, etnias e, num sentido seu sentido mais comum significa medo
de Renato Russo: “Veja que uniforme é por vezes objetivo, por vezes relacional, com reflexo nos sentidos. Existem em diversas mais alegórico, indivíduos, ideias e valores. intenso ou uma estratégia de guerrilha –
lindo fizemos para você/ E lembre-se variando de acordo com o agressor, a vítima culturas e podem ter finalidades lúdicas, Elemento constitutivo da marcha da história, ou de Estado – baseada na morte
sempre que Deus está do lado e o contexto. Uma pessoa mal-intencionada terapêuticas, religiosas e laborais. Sua história sua representação, lógica e imaginário de inocentes, é ainda utilizada para um
de quem vai vencer”. não precisa de mais que um batedor mistura-se com o desenvolvimento das filosófico e cultural está presente determinado gênero cinematográfico
de bolo para tirar a vida alheia. ciências biomédicas: diversas substâncias em diversos âmbitos da vida social. que joga com as reações do expectador
consideradas psicoativas possuem finalidades por meio de cenas assustadoras.
b medicinais e, de maneira complementar, I
MOSH algumas drogas médicas podem ser V
Bombardeio – Ato de lançar bombas consideradas psicoativos. Insanidade – Característica inerente
ou projéteis de artilharia a fim de danificar ou àquele ou àquela que perdeu as faculdades Videogame – Jogo em que se
EMINEM, (ENCORE, 2004) destruir um alvo. Manobra relacionada com E mentais. Em geral é considerado um estado manipulam eletronicamente imagens
a maximização de danos e, ao mesmo fisiológico destrutivo, mas também – de forma numa tela. Os tiranossauros do que hoje
O rapper lançou a música – e tempo, a higienização – um grau maior Espetáculo – A transformação do modelo tanto real quanto metafórica, tanto positiva conhecemos como videogame surgiram
um vídeo animado – para estimular de desumanização, portanto – da guerra, que idealiza o ser para o modelo do ter, e quanto trágica – motor de sensibilidade, nos EUA já na década de 40, como
com a vítima sofrendo os resultados do ter para aparecer, surge como parte do talento artístico e grandeza histórica. protótipos. Foi, porém, na década
os jovens a impedirem a reeleição
da agressão longe dos olhos de seu agente. processo de espetacularização da vida. A de 1970 que os videogames passaram
de George W. Bush, com um ataque
ao seu governo e à Guerra do Iraque.
máquina de propaganda do nazifascismo, o a ser vendidos comercialmente, atingindo
Boxe – Embora só tenha começado a ser capaz de transformar figuras ignóbeis em grande popularidade com o passar dos anos
Não conseguiu, mas o sucesso regulamentado na Inglaterra do século XVII, mitos vivos por meio da estética e do discurso Oriente Médio – Região ao redor ao possibilitar a encarnação vicária e lúdica
da canção ajudou na virada o esporte tem origens remotas. Há indícios ideológico, é um exemplo do fenômeno da parte sul e leste do Mar Mediterrâneo, de aventuras, guerras, esportes, lutas,
da opinião pública sobre o tema. arqueológicos da existência de lutas com levado às suas consequências mais sombrias. estendendo-se do Norte da África ao Irã jornadas de herói e desafios em geral.
64
Comida
Por
Breno Lerner
Capas e escolhas
A escolha da capa de uma revista pode da revista, com 12 páginas dedicadas familiarizados com a cultura judaica vão
se tornar um intenso debate interno. Não foi ao trabalho de Joseph Dadoune (imagem reconhecer um símbolo retrabalhado,
diferente no caso do número anterior da 18. em azul), e no número 30, cujo centro os não familiarizados identificarão apenas
Dentro das diversas opções testadas, era o belo ensaio de Bob Wolfenson um elemento tradicional de seu imaginário –
as duas finalistas foram uma foto da sobre o Bom Retiro (acima, à direita). sem perceber o simbolismo irônico
série Crisálidas, de Madalena Schwartz A favor da capa com o trabalho de e/ou paradoxal que ele carrega.
(acima, à esquerda), que retratou travestis Bartana estava, sem dúvida, o fato de partir Foi pesando essas questões, e ao fim
e transformistas do meio artístico brasileiro de um símbolo da cultura judaica – a estrela priorizando a abertura para novos leitores, que
nos anos 1970, e a bandeira criada de David tal como aparece na bandeira a capa foi escolhida. Para quem abrir a revista,
por Yael Bartana (imagem em vermelho) de Israel. Longe de questões vinculadas à no entanto, os demais questionamentos
para o movimento Jewish Renaissance diversidade sexual e à nudez dos corpos – o também se fazem presentes.
Movement in Poland, trabalho apresentado que não deixa de ser assunto relevante para
nas Bienais de Veneza e São Paulo. A favor uma revista de cultura publicada no Brasil,
da primeira, além da imagem forte e sua num momento em que fotografias de Nan
composição perfeita para a inserção das Goldin que seriam expostas no Rio de Janeiro
chamadas, havia a possibilidade de aumentar foram consideradas chocantes –, a artista
o leque de leitores para além dos que se israelense mesclou a águia da bandeira da
interessam a priori por cultura judaica. Polônia com a estrela de David e criou uma
O encontro entre o título Outros exílios e nova imagem, familiar e estranha ao mesmo
a pose de um homem de traços andróginos tempo. Se esse trabalho se alinha com o
cria uma sobreposição sugestiva. Além disso, eixo editorial da 18, focado em iniciativas
as dez páginas que o ensaio de Madalena que pensam cultura judaica hoje – e, numa
ganhou na revista justifica, por seu peso decorrência natural, todas as culturas –,
na edição, sua representação na capa. por outro lado leva a uma ambiguidade
Tal critério foi observado no número 29 de interpretação. Enquanto leitores
A2