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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Dora Nathália de Oliveira Mesquita Teixeira

REQUALIFICAÇÃO DE VAZIOS URBANOS PARA FINS DE HABITAÇÃO SOCIAL


NA AVENIDA BRASIL, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: LIMITES E
PERSPECTIVAS PARA INTERVENÇÕES EM RUÍNAS FABRIS

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para obtenção do Grau de Mestre
em Arquitetura e Urbanismo. Área de
Concentração: Produção e Gestão do
Espaço. Linha de Pesquisa: Projeto,
Planejamento e Gestão da Arquitetura e
da Cidade

Orientador: Prof. Dr.Gerônimo Leitão

Niterói
2020
2
Ficha catalográfica automática - SDC/BAU Gerada com
informações fornecidas pelo autor

O48r Oliveira Mesquita Teixeira, Dora Nathália de


social na Avenida Brasil, na cidade do Rio de Janeiro: limites
e perspectivas para intervenções em ruínas fabris / Dora
Nathália de Oliveira mesquita teixeira ; Gerônimo Emílio
Almeida Leitão, orientador. Niterói, 2020.
130 f. : il.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense,


Niterói, 2020.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/PPGAU.2020.m.10290298733

1. Ruína fabril. 2. Habitação popular. 3. Ocupação. 4.


Avenida Brasil. 5. Produção intelectual. I. Almeida Leitão,
Gerônimo Emílio, orientador. II. Universidade Federal
Fluminense. Escola de Arquitetura e Urbanismo. III. Título.

CDD -

Bibliotecário responsável: Sandra Lopes Coelho - CRB7/3389


3

AGRADECIMENTOS

Agradeço àquelas com quem avanço e divido minhas dificuldades e


celebrações, minha mãe e irmã. À minha mãe que tanto me ensina e a minha irmã
que atravessa a vida sempre ao meu lado. A ambas e a minha avó com quem
aprendi o quanto o amor pode nos manter íntegros e firmes. A nós quatro que
seguimos juntas nos nutrindo de inspirações pelo alcance de uma vida mais leve e
feliz, ainda que em meio a dificuldades.
Ao meu pai que me serve de inspiração pela disposição de ter sido alguém
que cumpre o bem com vigor e coragem. Pela sua coragem e confiança que
contribuiria com o bem dos adolescentes a quem pretendia restaurar no Juizado de
Menores de Duque de Caxias, às lembranças alegres que permanecem e geram a
sua assinatura em mim. Pelo amor e esperança que me ensinou a manter diante da
vida.
As minhas primas-irmãs, que respeitaram o meu tempo mais restrito e
mantiveram o nosso lar disponível a qualquer tempo, ainda que o meu tempo fosse
diferente. As minhas afilhadas, Lavynia e Mylena, pela oportunidade de receber
tanto amor e carisma que me realinham e reanimam em dias de ansiedade e febre
das horas.
À Raphaela, Tathiane e Tota, grandes amigos a quem pude contar para me
manter confiante de que o produto desse trabalho seria eficiente para o outro e para
mim. E por serem parceiros de uma jornada sem diminuírem o tom de cumplicidade
atravessando os anos de amizade, mudanças de estado e de nós mesmos.
Obrigada pela segurança de poder contar com vocês.
Agradeço ao meu Orientador, Gerônimo Leitão, pela orientação eficiente e os
estímulos dados com tanto interesse, envolvimento e segurança. E por tanto
aprendizado de forma clara e horizontal que me entregou com tanto entusiasmo.
Além do aprendizado quando oportunizou a minha Tutoria para alunos da
Graduação em experiência repleta de nuances sobre ensino, autoavaliação,
estímulos sobre a troca de aprendizado e recomendações sobre o papel do
educador, tanto em sala-de-aula como no cotidiano como para além da escola.
Agradeço às professoras da Banca de Avaliação da minha Dissertação que
tanto contribuíram traçando comentários e sugestões que viabilizaram o
amadurecimento de escolhas metodológicas e práticas sobre o meu trabalho, além
de serem grandes inspirações profissionais. À Maíra pela iniciativa em me levar a
campo e pelo interesse em discutir o meu trabalho e as contribuições que trouxe, à
Laisinha por me receber em sua casa e discutir o meu trabalho de forma lúcida e
objetiva, além de justa e investigativa sobre o percurso metodológico e os detalhes
da pesquisa e à Julieta por se manter a fim de discutir o meu trabalho sempre que
eu a solicitei, pelo carinho e respeito construídos a partir da minha atividade em
Projeto de Extensão liderada por ela, na FAU UFRJ quando eu era estudante da
Graduação.
E por fim, agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense com quem pude
desenvolver um olhar apurado para a minha pesquisa e em prol do ensino público
de qualidade. À Angela, secretária do PPGAU, que faz parte da alegria do ingresso
ao ter me telefonado dando o resultado de aprovação e quem se dedicou ao longo
do mestrado a dar apoio e afeto, além de auxílio nas questões administrativas
quando ingressei na Prefeitura de Guapimirim. Todo um trabalho afinado na coxia e
que contribuiu com o meu bom resultado.
5

Dedico este trabalho a Doralice, Patrícia e Maria (in memoriam), mãe, irmã e
avó, mulheres com quem aprendi sobre amor, cumplicidade e superação. E Pedro
(in memoriam), pai, com quem aprendi sobre esperança e coragem.
RESUMO

Essa Dissertação apresenta o estudo elaborado a partir de pesquisa de


natureza aplicada com o objetivo de gerar subsídios para a implementação de
políticas públicas que indiquem possíveis soluções para a questão das ocupações
organizadas de imóveis, originalmente de uso industrial abandonados, por razões
diversas – crise econômica, violência urbana, etc.
O trabalho se detém, especificamente nos espaços fabris, localizados na
Avenida Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, no trecho compreendido pela Área de
Planejamento 3 (AP 3) que, a partir de um processo de esvaziamento de suas
funções produtivas originais, converteram-se em ruínas industriais, e que
posteriormente, foram objeto de ocupação para fins de moradia.
Este trabalho se desenvolveu a partir de fontes primárias e secundárias,
construindo hipóteses acerca das motivações para as ocupações em plantas
fabris.Ao longo do trabalho foram desenvolvidas entrevistas com moradores de
ocupação na cidade do Rio de Janeiro, agentes do Poder Público e privado que
concerne ao contexto do mercado imobiliário da região.
A análise da pesquisa possibilitou a abordagem de diferentes experiências,
buscando compreender através de seus relatos o processo multifacetado que
produziu espaços como esses, reaproveitando-se de ruínas de antigas fábricas e
adaptando-se para fins de moradia. Também foram analisadas as práticas dos
atores sociais envolvidos e as suas interações, na medida em que, desenvolvem
formas de ordenamentos da ocupação e a ação do Poder Público nesses espaços.
Com este trabalho, como afirmamos anteriormente, pretendemos contribuir
com elementos que fomentem futuras políticas para a abordagem dessa questão
relevante.

Palavras-chave: Ruínas fabris, habitação de interesse social, ocupação, Avenida


Brasil
ABSTRACT

This Dissertation presents the study based on applied research with the
objective of generating subsidies for the implementation of public policies that
indicate possible solutions to the issue of organized occupations of real estate,
originally for industrial use abandoned, for various reasons - economic crisis , urban
violence, etc.
The work stops, specifically in the manufacturing spaces, located on Avenida
Brasil, in the city of Rio de Janeiro, in the section comprised by Planning Area 3 (AP
3), which, after a process of emptying its original productive functions, converted in
industrial ruins, which were subsequently occupied for housing purposes.
This work was developed from primary and secondary sources, building
hypotheses about the motivations for occupations in manufacturing plants.
Throughout the work, interviews were carried out with occupational residents in the
city of Rio de Janeiro, agents of the Public and Private Power concerning the context
of the region's real estate market.
The analysis of the research made it possible to approach different
experiences, seeking to understand through their reports the multifaceted process
that produced spaces like these, reusing ruins of old factories and adapting for
housing purposes. The practices of the social actors involved and their interactions
were also analyzed, as they develop forms of ordering the occupation and the action
of the Public Power in these spaces.
With this work, as we stated earlier, we intend to contribute with elements that
foster future policies to address this relevant issue.

Keywords: Factory ruins, social housing, occupation, Brazil Avenue


LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Ocupações de imóveis abandonados na AP3 do Rio de Janeiro............31


Figura 02 - Ocupação na antiga fábrica Borgauto, Ano 1999....................................33
Figura 03 - Ocupação na antiga fábrica Borgauto e Ocupação Chaparral, Ano
2018...........................................................................................................................34
Figura 04 - Parque Itambé.........................................................................................35
Figura 05 – Avenida Brasil, Parque Itambé – Identificação.......................................36
Figura 06 – Ocupação Borgauto, 2011 .....................................................................38
Figura 07 – Ocupação Borgauto (antes da entrada de moradores)..........................39
Figura 08 – Ocupação Borgauto (depois da entrada de moradores)........................40
Figura 09 – Ocupação Borgauto, em 2009: Piscina..................................................41
Figura 10 – Ocupação Borgauto, em 2018: Piscina..................................................41
Figura 11 – Ocupação Borgauto, em 2018: Construções adicionais à edificação
original........................................................................................................................42
Figura 12 – Obras de construção da Avenida Brasil, em 1941..................................47
Figura 13 – Obras de construção da Avenida Brasil, em 1941..................................47
Figura 14 – Linha do Tempo contendo Legislação para ordenamento do solo e
produção habitacional, no Rio de Janeiro..................................................................52
Figura 15 – Visita do atual Prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella à Ocupação
na indústria Borgauto, Avenida Brasil........................................................................57
Figura 16 - Ocupação Borgauto, Avenida Brasil, Bairro: Ramos, Rio de Janeiro, Ano
2018...........................................................................................................................59
Figura 17 - Avenida Brasil, Nº 8.883..........................................................................60
Figura 18 - Avenida Brasil/ Avenida Teixeira de Castro............................................61
Figura 19 - Avenida Brasil, nº 6.532...........................................................................61
Figura 20 – Buffer da AEIU........................................................................................62
Figura 21 – Área de abrangência da AP 3.................................................................63
Figura 22 – Zoneamento da Avenida Brasil...............................................................64
Figura 23 – Capa do Estudo Técnico: Imóveis em estado de abandono na AP3.....66
Figura 24 – População residente por AP - População residente em favela por AP -
Percentuais para cada AP..........................................................................................69
Figura 25 – Total de Vazios Urbanos por AP (Área de Planejamento.......................70
Figura 26 – Caracterização de Usos na AP 3............................................................71
9

Figura 27 – Planta contendo as ruínas fabris da AP-3.............................................73


Figura 28 – Planta Geral de Intervenções................................................................73
Figura 29 – Edificação identificada como 01 na Planta Geral de Intervenções.......75
Figura 30 - Edificação identificada como 01 na Planta Geral de Intervenções........75
Figura 31 - Edificação identificada como 02 na Planta Geral de Intervenções........76
Figura 32 - Edificação identificada como 02 na Planta Geral de Intervenções........76
Figura 33 – Avenida Postal (constante como Edificação 02 no estudo acima) em
projeto preliminar sobre os terrenos remanescente da Transcarioca........................77
Figura 34 – Av. Brasil, próximo ao Nº 11.391............................................................78
Figura 35 – Propostas de Aproveitamento dos Imóveis............................................78
Figura 36 – Distribuição da população por Área de Planejamento, na cidade do Rio
de Janeiro...................................................................................................................79
Figura 37 – Distribuição da Área Licenciada por AP no intervalo 2009 a 2013.........80
Figura 38 – Ruína fabril da antiga Fábrica de Sabão Português, 2018.....................85
Figura 39 – Ruína fabril da antiga Sede da empresa Touring Club, na Avenida Brasil,
2019............................................................................................................................89
Figura 40 - Balsa em Lagoa na Comunidade Rio das Pedras, Barra da Tijuca, em
2019............................................................................................................................94
Figura 41 - Faixa de divulgação da balsa que liga a Comunidade Rio das Pedras ao
Metrô da Barra da Tijuca, em 2019............................................................................95
Figura 42 - Folheto de divulgação da balsa.Entregue pela Associação de Moradores,
em 2019.....................................................................................................................96
Figura 43 - Conceito de Milícia em cinco traços........................................................98
Figura 44 - Foto em Visita à Ocupação Manoel Congo, em 2019
Kitnet, a partir de redistribuição dos espaços originais de escritórios do INSS.......109
Figura 45 - Foto em Visita à Ocupação Manoel Congo, em 2019
Kitnet, a partir de redistribuição dos espaços originais de escritórios do INSS.......110
Figura 46 – Espaço Criarte Mariana Criola - Ocupação Manoel Congo.................112
Figura 47 - Representantes de movimentos sociais que participaram do seminário "A
quem serve a Constituição? Medidas de Exceção, Criminalização dos Movimentos
Sociais e Direito de Resistência", na Defensoria Pública do Rio de Janeiro...........115
Figura 48 - Folder do Seminário...............................................................................116
Figura 49 - Seminário "A quem serve a Constituição? Medidas de Exceção,
Criminalização dos Movimentos Sociais e Direito de Resistência", na Defensoria
10

Pública do Rio de Janeiro.........................................................................................116

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Características das ocupações em imóveis abandonados na


AP3.............................................................................................................................31
LISTA DE SIGLAS

AP 3 – Área de Planejamento 3................................................................................19


FAU UFRJ – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio
de
Janeiro......................................................................................................................124
Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro...............................20
ADEMI – Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário................20
UFF – Universidade Federal Fluminense.................................................................126
IPPUR UFRJ– Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro ...................................................................20
UERJ –Universidade do Estado do Rio de Janeiro....................................................52
PUC RJ–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro...................................111
PCRJ –Prefeitura do Município do Rio de Janeiro....................................................21
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística................................................24
SMU – Secretaria Municipal de Urbanismo do Município do Rio de Janeiro.............24
IPP – Instituto Pereira Passos...................................................................................59
SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda..........................................31
FEEMA – Federação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente............................39
COMTECOM–Empresa mitigadora de danos ambientas..........................................39
ITERJ – instituto de Terras e Cartografia...................................................................47
SMH - Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro....................................49
AEIU–Área de Especial Interesse Urbanístico...........................................................58
IAT – Índice de Aproveitamento do Terreno..............................................................60
CODIN – Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de
Janeiro........................................................................................................................63
GPL – Gerência de Planejamento Local....................................................................64
MCMV – Minha Casa Minha Vida..............................................................................75
PGE – Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro...........................................79
FGV Transportes – Fundação Getúlio Vargas Transportes.......................................83
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito.................................................................96
MNLM – Movimento Nacional de Luta por Moradia.................................................106
UMM – União dos Movimentos de Moradia.............................................................112
12

UMP – União Moradia Popular...............................................................................112


ANF– Agência Nacional de Favelas.......................................................................112
CMP – Central de Movimentos Populares .............................................................112
MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas........................................113
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra......................................113
MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto..................................................113
Almor – Associação Livre por Moradia...................................................................113
NUTH – Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria do Estado do Rio de
Janeiro....................................................................................................................116
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................15

METODOLOGIA.....................................................................................................18

1. A OCUPAÇÃO DOS VAZIOS URBANOS NA AVENIDA BRASIL...................22

1.1 VAZIOS URBANOS NA DINÂMICA DA AVENIDA BRASIL..................................................22


1.1.1 Conceituando Vazios Urbanos e Ruínas Fabris ..................... 22
1.1.2Desdobramento do Conceito - Friches Industrialles e
Brownfields............................................................................... 40
1.1.3A formação das áreas vazias e o processo de ocupação: breve
histórico de esvaziamento do uso industrial dos galpões e
posterior ocupação dessas ruínas como modalidade de
moradia, na Avenida Brasil.......................................................41

2. PERSPECTIVAS PARA USO E OCUPAÇÃO DAS RUÍNAS FABRIS:


PROPOSIÇÕES DO PODER PÚBLICO, SETOR PRIVADO E
OCUPAÇÕES.....................................................................................................47

2.1 PROJETOS DE INTERVENÇÃO NAS RUÍNAS FABRIS DA AVENIDA BRASIL COMO

CONTEXTO DA REABILITAÇÃO LOCAL: AS PROPOSIÇÕES DO PODER PÚBLICO..............47

2.2 DINÂMICA DO SETOR PRIVADO NA AVENIDA BRASIL: OPORTUNIDADE PARA

REQUALIFICAÇÃO DAS RUÍNAS FABRIS NA AP3 ........................................................82

2.3 AVANÇO DO PODER PARALELO, A MILÍCIA: A INSTALAÇÃO DE LIDERANÇAS NUM

CENÁRIO DE ILEGALIDADES.....................................................................................90
14

3. A HABITABILIDADE EM RUÍNAS FABRIS: UMA NOVA ESTRATÉGIA DE


MORADIA..........................................................................................................99

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE HABITABILIDADE E AUTOGESTÃO.....................99

3.2 HABITABILIDADE – CENÁRIOS POSSÍVEIS NAS RUÍNAS FABRIS...................100

3.1 AUTOGESTÃO: APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO DE

INCENTIVO À AUTOGESTÃO............................................................................102

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................115

Referências ............................................................................................................. 119


15

INTRODUÇÃO

Essa dissertação é produto de um processo de diversas questões, pois os


questionamentos nela depositados são resultantes de observações atuantes
como usuária da Avenida Brasil e observadora da crescente ocupação por
moradia ao longo dela, observadas ao longo do meu percurso diário para a FAU-
UFRJ, como aluna, no período de 2007 a 2014.
A Graduação em Arquitetura e Urbanismo na UFRJ possibilitou apurar o olhar
acerca das dinâmicas de uso e ocupação dos espaços na cidade do Rio de
Janeiro e esse corredor viário presente no meu cotidiano representou interesse
abordar as práticas dos moradores dos imóveis que margeiam essa avenida,
visivelmente autogestores das moradias em detrimento de infra-estrutura pública.
Estruturamos o trabalho da seguinte forma:
O primeiro capítulo apresenta as nuances da pesquisa, a partir da etapa de
esclarecimento dos termos afins ao conceito do estudo, seus desmembramentos
e o enquadramento do fenômeno da pesquisa numa possível teorização dela.
Destaca, também, o histórico de esvaziamento industrial da Avenida Brasil como
processo que originou os eventos de invasão posteriores, e em consonância à
ausência de proposições efetivas do Poder Público, como lacuna de intervenção.
Como objeto empírico foi investigado e demonstrado, posteriormente, o recorte
espacial que compreende a AP-3 (Área de Planejamento 3). Inicialmente,
pretendia-se realizar a etnografia da ocupação Borgauto1, situada na Avenida
Brasil, no bairro de Ramos, na cidade do Rio de Janeiro, a qual a PCRJ busca
intervir com projeto de MCMV, conforme será mencionado na pesquisa, a partir
de Audiências na Prefeitura do Rio de Janeiro.

contudo, diante da dificuldade de permanência no local de estudo, ampliou-se


o recorte para investigação considerando a AP-3. Esse capítulo serve à

1
Empresa que produzia e vendia peças automotivas. Teve falência e fechou em 1996.
16

contextualização e caracterização da área de objeto de estudo para resgatar a


história do desenvolvimento urbano nessas áreas.
No segundo capítulo comento a trama de imbricações acerca de práticas do
Poder Público, atores locais e moradores de ocupações de moradia e suas inter-
relações. Nesse capítulo foi investigada a existência de proposições do Poder
Público para essas ruínas fabris ocupadas por moradia, tais como Leis, Decretos,
projetos de intervenção elaborados no passado ou em andamento, no momento
de elaboração da pesquisa.
Também foram considerados os relatos do Setor Privado como balizador da
visibilidade desses espaços fabris no contexto do interesse de futuros
empreendimentos imobiliários, na área de objeto de estudo.
Junto a isso, abordo o avanço das lideranças ilegais nesses espaços
focando, a partir de registros na mídia, as práticas e características desses atores
sociais – milícias.
No terceiro capítulo analiso as estratégias e práticas na produção da
moradia em considerações acerca da habitabilidade e autogestão, de forma a
abrir futuras discussões através de relatos de Coordenação de movimentos
sociais sobre a chegada à moradia, a apropriação da infra-estrutura existente
nas ruínas fabris, suas estratégias de habitar e a construção de redes de apoio.
Para reconhecimento das práticas de moradia em espaços desativados de
suas funções originais apresento, ainda nesse capítulo, a política de habitação
feita por movimentos sociais de luta por moradia, através de exemplo de
ocupação – Manoel Congo (Centro – Rio de Janeiro). Embora a minha análise se
centrasse em outra área, que não a área central do Rio de Janeiro, foram
travados contatos com a Manoel Congo para dar visibilidade e registrar a atuação
do MNLM que vem sendo referência a grupos organizados por luta de moradia e
ser uma ocupação emblemática abordando, ainda, as ações da Defensoria
Pública da cidade do Rio de Janeiro, no suporte a ação a esses movimentos
sociais organizados.

Sobre o Referencial Teórico contido na estrutura dos capítulos, foram


providenciados referenciais teóricos para estruturar os capítulos e conduzir o
desenvolvimento da pesquisa, a partir de levantamento e análise do que já foi
publicado sobre o tema, acerca do direito à moradia e função social da cidade, de
17

modo a mapear os principais autores para contextualizar o problema de


pesquisa.
Esse referencial foi desenvolvido ao longo dos dois anos de pesquisa e é
mencionado em cada um dos capítulos que seguem, dando suporte ao trabalho
como instrumento analítico.
18

METODOLOGIA

“Frank Sinatra has a cold”


Gay Talese
O processo metodológico foi elaborado a partir de pesquisa de natureza
aplicada com o objetivo de gerar conhecimentos para fins práticos que indiquem
possíveis soluções do problema específico da moradia em ruínas fabris na cidade do
Rio de Janeiro.
A abordagem do fenômeno pesquisado foi realizada de forma qualitativa e
quantitativa, sobretudo quantitativa por conta da dificuldade de aproximação com os
moradores das ruínas fabris o que promoveria estudo aproximado sobre as
interpretações dos moradores através dos próprios moradores. Essa lacuna
demonstrou a dificuldade de realização de pesquisa empírica nesses espaços.
Contudo, o produto buscou registros junto a órgãos oficiais, pesquisa bibliográfica
sobre o contexto da pesquisa e de levantamento de dados da cidade do Rio de
Janeiro para demonstrar os aspectos relacionados ao fenômeno. A parcela
quantitativa da pesquisa viabilizou a compreensão do fenômeno a partir de um
recorte - ruínas fabris na Avenida Brasil e estudos na Área de Planejamento 3 da
Avenida Brasil - que representa a viabilidade da mensuração dos dados acerca do
foco da pesquisa e os fatores relacionados a ele - poder público, milícia, movimentos
sociais.
Para o alcance desses dados foram construídas hipóteses à medida que
surgiram padrões numéricos relacionados aos conceitos do problema de pesquisa -
vazios urbanos, ruínas fabris.
Quanto aos objetivos a pesquisa desenvolveu-se de forma exploratória e
explicativa, construindo hipóteses e identificando fatores que determinem ou
contribuíram para a ocorrência dos fenômenos - ausência do poder público, aumento
da população em imóveis abandonados na AP3.
Com isso, o objetivo do trabalho foi identificar terrenos fabris invadidos por
ocupações irregulares e convertidos em espaços de moradia, na Zona Norte da
Cidade do Rio de Janeiro, na Avenida Brasil, no recorte espacial que compreende
AP-3 (Área de Planejamento 3).
Por conta da dificuldade de realizar o estudo o estudo de caso na ruína fabril
19

da Borgauto, reconduzi a pesquisa para o aporte das ruínas fabris da AP-3, por
terem expressão e relevância no levantamento de dados junto aos órgãos públicos,
privados, por meio de entrevistas, audiências e dados públicos disponíveis.
Por fim, os procedimentos técnicos utilizados foram: pesquisa bibliográfica a
partir de materiais publicados sobre o contexto do fenômeno estudado, constituído
por livros, periódicos e material disponível na Internet; de caráter documental através
de busca por materiais disponíveis em órgãos públicos da cidade do Rio de Janeiro -
Secretaria Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Habitação, ITERJ
(Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro) e levantamento
realizado diretamente com pessoas vinculadas ao recorte da pesquisa - setor
privado que corresponde a investimento da localidade, no caso: Firjan, ADEMI,
Corretora Sérgio Cortes, Pesquisadores de instituições de ensino superior UFRJ -
UFF - IPPUR - UERJ - PUC, Pesquisadores de instituições da sociedade civil de
pesquisa, consultoria e ação pública - Observatório de Favelas, Redes da Maré.

Operacionalização da pesquisa
Por conseqüência da presença da milícia e do recorte da pesquisa não
possuir nenhuma ocupação desenvolvida ou relacionada a movimentos sociais
precisei, ao longo do segundo ano de trabalho, alterar o método de estudo. No
início, pretendia ancorar a pesquisa num estudo etnográfico sobre a ocupação da
Borgauto, no bairro de Ramos, na Avenida Brasil.
Com o propósito de entrada em campo mobilizei pesquisadores na intenção
de conseguir algum moderador para a minha aproximação.
Ao longo do primeiro ano de trabalho – 2018 – e até meados do segundo
semestre do ano seguinte, busquei acesso a alguma ocupação, nesta avenida. À
medida que esse método se inviabilizou, decidi alterá-lo mas, mantenho todo o
material levantado depositado na pesquisa como forma de dar visibilidade ao
interesse de pesquisar ainda que, não seja possível construir uma verificação de
padrões com a quantidade de registros encontrados. Além disso, demonstrar a
dificuldade de operacionalizar um estudo etnográfico em ocupações de ruínas fabris
na Avenida Brasil.
Como resultado dessa busca pelo levantamento etnográfico pude conhecer
estudos produzidos sobre a região à luz do contexto da pesquisa – ocupações,
ruínas fabris, vazios urbanos – e de outras demandas também. Conheci
20

pesquisadores do Observatório de Favelas e Redes da Maré que intervêm nos


galpões desocupados na Avenida Brasil e o arrendam para atividades de educação
e cultura para os moradores do Complexo da Maré através de atividades pulsantes.
Também se mobilizaram para a minha entrada nas ocupações, mas, sem
conseguirmos.
Numa outra tentativa de entrada a campo e para que eu compreendesse a
atuação dos movimentos sociais na luta por moradia visitei a Ocupação Manoel
Congo, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, em 2018 e 2019. Através das falas
da Coordenadora da ocupação foi verificado que em todo o seu histórico de
planejamento e atuação há o enfrentamento com o Poder Público para alcançar a
dinâmica de ocupar imóveis abandonados.
Isso confirma a hipótese de que o Poder Público só não executa proposições
para essas edificações, como também, criminaliza as ações de ocupação. Em
justaposição a isso, foram demonstradas as contribuições em favor de mitigar ou
findar com isto a partir de apoio jurídico da Defensoria Pública da cidade do Rio de
Janeiro. Esses grupos atuantes na cidade do Rio de Janeiro não têm avançado pela
Avenida Brasil por conta da presença intensa e consolidada de grupos criminosos
organizados, o que foi mais uma investida sem sucesso sobre o campo etnográfico.
E com as Audiências junto à PCRJ2, realizadas no segundo ano da pesquisa,
através das Secretarias Municipais de Urbanismo e Habitação, foi corroborada a
hipótese de ausência de proposições públicas para as ruínas fabris da Avenida
Brasil, pela fragmentação de propostas para intervenção em ruínas fabris,
contribuindo com a descontinuidade de ações, a partir das mudanças de Gestão
Municipal.
A dificuldade de aproximação do objeto estudado teve um estágio angustiante
e exploratório sobre quais outras permissões me aguardariam sem que eu pudesse
ter recursos práticos para êxito. Essa questão é observada por MINAYO,
DESLANDES E GOMES (1994), p.13 em:

Ora, se existe uma ideia de devir no conceito de cientificidade, não


se pode trabalhar, nas ciências sociais, com a norma da cientificidade já

2
Prefeitura do Rio de Janeiro
21

construída. A pesquisa social é sempre latente, mas, ao progredir, elabora


critérios de orientação cada vez mais precisos.
(Livro Pesquisa Social – Teoria, Método e Criatividade)

Transformações da abordagem durante a trajetória da pesquisa


Numa tentativa de suprir o meu interesse em conhecer o cotidiano de quem
habita ruínas fabris realizei uma “triangulação” como num jogo de sinuca para obter
acesso seguro a alguma ocupação na Avenida Brasil – em especial a Borgauto que
sempre que passava pela avenida quis saltar o paredão de tijolos da sua fachada
para dentro e conhecer o cotidiano daqueles moradores – porque sabia da
inflamação deste recorte por conta da presença intensa do tráfico e a consolidada
milícia também.
Inspirada por uma peça jornalística, publicada na edição de abril de 1966 pela
Revista Esquire, pelo jornalista Gay Talese, a metodologia da pesquisa pôde se
operacionalizar através de um trabalho minucioso de apuração de entrevistas,
relatos e registros públicos ou informais e de bibliografia sobre o tema.

Sistematização de dados
À medida que a pesquisa etnográfica se mostrou inviável, alterei a condução
do levantamento de dados sobre a dissertação e redistribuí as minhas possíveis
fontes de informações, conforme – respeitada a quantidade limitada de fontes
secundárias que o percurso da pesquisa demonstrou disponível – comenta a
reportagem sobre o trabalho de Talese

Em 1965, Gay Talese assinou contrato de 1 ano com a Esquire,


importante revista dos Estados Unidos, com a missão de escrever 6
histórias. Por conta do talento, o editor Harold Hayes logo lhe incumbiu da
mais difícil: entrevistar Frank Sinatra, algo que a publicação tentava há
anos, sem sucesso.

O jornalista então partiu para Los Angeles, onde gastou 3 meses e 5


mil dólares para produzir o que o considerado o melhor perfil sobre "The
Voice". O músico se negou a falar com ele, mas isso não impediu Talese de
realizar seu trabalho. O repórter falou com todo mundo na órbita do artista,
22

incluindo membros de seu staff de 75 pessoas, e também agiu como


detetive, seguindo o astro para analisar seus movimentos.

[...]

O texto é reconhecido pelo minucioso trabalho de apuração e de


pesquisa bibliográfica sobre o personagem retratado. Talese abriu
referência do que mais tarde seria batizado de "novo jornalismo" ou
jornalismo literário, um tipo de reportagem que alia um texto de alta
qualidade, com descrições precisas, a um olhar que foge aos lugares-
comuns.
(Fonte: Correio do Povo. Acesso em Novembro de 2019)

Nesse ínterim de captura de relatos e dados oficiais na cidade do Rio de


Janeiro, a operacionalização da pesquisa se deu serpenteando as dificuldades e se
contaminando de perspectivas diferentes sobre o objeto de estudo – ruínas fabris
com objetivo de desenvolver um estudo qualitativo e quantitativo, já que o conjunto
de dados quantitativos e qualitativos compilados não se opõem, e sim, se
complementam, posto que, a realidade abrangida por eles abrange dinamicamente
depondo qualquer dicotomia (DESLANDES et al, 1994).
23

1. A OCUPAÇÃO DOS VAZIOS URBANOS NA AVENIDA BRASIL

1.1 VAZIOS URBANOS NA DINÂMICA DA AVENIDA BRASIL


1.1.1 Conceituando Vazios Urbanos e Ruínas Fabris

Ao longo do primeiro ano da pesquisa - 2018 - foram verificadas categorias


de identificação sobre o fenômeno estudado: terrenos fabris invadidos por
ocupações irregulares e convertidos em espaços de moradia, para atribuir uma
classificação aos espaços obsoletos na Avenida Brasil. Porque o fenômeno de
estudo está associado a diversos conceitos e me detive em categorizá-los de
maneira a evidenciá-los para que, o foco da pesquisa fosse balizado dentro dessas
camadas.
Inicialmente, investiguei a literatura sobre os conceitos. A partir disso,
segundo os órgãos interlocutores do Estado (IBGE3, SMU4) esses espaços fabris
categorizam-se como “imóveis em estado de abandono” e de “vazios urbanos”.
A partir da literatura sobre vazios urbanos, compreende-se que o fenômeno
pesquisado – ocupações em ruínas fabris - está inserido num contexto bivalente: (1):
o esvaziamento industrial da Avenida Brasil e (2): a posterior adoção desses
espaços fabris. Sendo assim, para fins de compreensão e enfoque do problema a
ser pesquisado me detive nas análises que traçassem características que
providenciassem o reconhecimento de um contexto histórico que ancorasse o objeto
estudado – ocupações de ruínas fabris que passam por um processo de
refuncionalização de seus usos originais, fabril a moradia.
Analisando o conceito de vazio urbano à luz da definição na
contemporaneidade, a fim de compreender as tramas que engendram essa
categoria dentro do estudo sobre direito à cidade, colocam-se questões: quê
apontamentos determinam espaços industriais esvaziados como sendo vazios
urbanos? Quais justificativas os enquadram nesse quesito?
Esse questionamento sobre espaços esvaziados de seus usos originais é
analisado a partir da consolidação da fábrica esvaziada de seu uso como sendo um
vazio urbano, como discursa BORDE (2006):

3
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
4
Secretaria Municipal de Urbanismo do Município do Rio de Janeiro
24

Terrenos e edificações desafetados (não utilizados), subutilizados,


desocupados (não ocupados) ou desestabilizados localizados em terrenos
consolidados e infraestruturados que passaram, ou estão passando, por um
processo de esvaziamento, o vazio esvaziado.

Segundo Borde (2006), esses espaços desocupados são denominados


vazios urbanos e estão inseridos num contexto de conseqüente desaquecimento de
usos locais, conforme o comportamento de cidade pós-industriais.
A despeito disso, a região de recorte da pesquisa, a Avenida Brasil, está
dentro de um contexto em que cidades que passaram por um processo pós-
industrial imprimem mudanças em seus espaços através das transformações de
seus usos originais. Então, as ruínas fabris não são um elemento restrito a esta
rodovia, e seguem um desdobramento similar a outros lugares na
contemporaneidade. A Trienal de Arquitetura de Lisboa, em 2007, tratou como tema
essa discussão para estender o debate sobre a identificação desses espaços.
Assim, vem:

Urban Voidis - Vazios Urbanos, focou-se em fenómenos de


rarefacção ou de ruptura urbana gerados por processos de decadência e
degradação física e social de áreas das cidades. Estes espaços sendo
expectantes, mais ou menos abandonados, mais ou menos delimitados
no coração da cidade tradicional, ou mais ou menos indefinidos nas
periferias difusas. São manchas de “não-cidade”, espaços ausentes,
ignorados ou caídos em desuso, alheios ou sobreviventes a quaisquer
sistemas estruturantes do território.
Fonte: <https://www.trienaldelisboa.com/programa/trienais/2007>
Acesso em Mai 2019

Contudo, alguns mesclam a noção de ausência e pertença onde esses


espaços evocam diversas funções dentro da cidade, o que fundamenta o
princípio da função social da cidade. Sendo espaços preferencialmente não
edificados e que estão ligados às infra-estruturas urbanas tendo importância para
o equilíbrio da cidade ao incorporarem funções sociais e urbanas. (MORGADO,
2005).
25

Com isso, verifiquei que o conceito de vazio urbano remete a um estágio


da trajetória do fenômeno estudado, e que, era anterior ao estágio atual, sendo
uma condição conseqüente do pós-industrial. Conforme Nuno Portas (2010)
comenta:

Vazio urbano é uma expressão com alguma ambiguidade: até


porque a terra pode não estar literalmente vazia, mas encontrar-se
simplesmente desvalorizada com potencialidade de reutilização para outros
destinos, mais ou menos cheios... No sentido mais geral denota áreas
encravadas na cidade consolidada, podendo fazer esquecer outros “vazios”,
menos valorizáveis, os das periferias incompletas ou fragmentadas, cujo
aproveitamento poderá ser decisivo para reurbanizar ou revitalizar essa
cidade-outra.

Ao passo que esses vazios são detectados como oportunidade, como


suporte para desenvolvimento de funções se dão as invasões, como diz SOUSA
(2010):

Quando classificamos um espaço de “vazio urbano‟


(independentemente da questão se o estamos a classificar bem ou não) é
porque vemos nele uma oportunidade de mudança, que pode implicar novo
uso, nova construção, ou pelo contrário, uma qualificação como espaço de
memória ou espaço verde ou espaço de nova infra-estruturação

Sendo assim, a investigação do conceito o qual o fenômeno estivesse


enquadrado perpassou vazios urbanos culminando em ocupações em ruínas
fabris, porque detém maior balizamento dentro das nuances da pesquisa e dentro
do que esses espaços conjugam, atualmente. Assim, já não estando mais vazios.
Segundo Rodeia (2007), [...] “o vazio não é tanto associado a este algo
(algum suporte), mas antes ao contido nele. E é este contido que resulta
desconsiderado porque desocupado, desprovido ou destruído em face do que é
próprio e material da cidade”. Assim como, Mateus (2007) refere que se
entendermos a cidade como um texto, os vazios urbanos são vocábulos em
circuito de fala ou que, temporariamente, parecem desajustados do texto integral.
São esses espaços que, gradativamente, se destituíram da categoria de
vazios urbanos, apesar da cidade formal denominá-los assim atualmente.
26

Conforme foi verificado em Audiências que participei presencialmente ao longo


do ano de 2019, nas Secretarias Municipais de Urbanismo e Habitação, a partir
dos discursos das suas Coordenações que atuam sobre tais espaços, em que
todo o tempo de reunião se reportavam a esses espaços os denominando de
vazios urbanos.
Tendo em vista a necessidade de adotar um conceito que definisse o
problema de pesquisa, cheguei à expressão friches industrialles que na língua
portuguesa tem como sinônimo: ruína, vazio industrial. E, à medida que se
associa ao contexto de “ciclos industriais” e “descentralização industrial”, se
chega ao conceito “friches socialles”. Este conceito foi introduzido pelo geógrafo
francês LABASSE (1966):

As friches são um recurso e uma responsabilidade – recurso


porque há uma infraestrutura que pode ser reaproveitada; e uma
responsabilidade devido aos problemas ambientais (tanto para o meio físico
como o social).

Sendo assim, para fixar um termo para caracterizar o objeto de pesquisa,


irei utilizar ruínas fabris, ruínas industriais. Já que, o objeto evoca o seu
enquadramento nesse termo.
Existem programas de reabilitação de ruínas industriais em diversos
países, como por exemplo, nos EUA e Europa. A presença das friches na Europa
é conseqüência da mudança da estrutura econômica e o declínio das indústrias
tradicionais, principalmente, no Reino Unido, França, Alemanha e Bélgica.
Os ambientes marcados pela indústria necessitam de reestruturações
econômicas e estratégias de reconversão, assim como, de políticas ambientais e
da conversão dos espaços para dinamizar a economia dessas regiões (COUTO,
2009).
No Brasil, algumas das causas predominantes para a formação de
friches é a desconcentração industrial, a reestruturação industrial, declínio dos
ciclos econômicos, conforme destaca A. R. Vasques (2005, p. 24 – 25).
A utilização dessas ruínas industriais como moradia é uma realidade no
Brasil e vem avançando ao longo dos últimos anos.
27

A indústria Borgauto, ocupação na Avenida Brasil, é um exemplo de


unidade que não conseguiu reestruturar sua base de produção para acompanhar
as mudanças tecnológicas, levando-a ao declínio. Esse fato se deu em diversos
espaços fabris na Avenida Brasil, ao longo dos anos, e gerou o desenvolvimento
de vazios industriais fragmentando o tecido dessa região.
O estudo das friches brasileiras é necessário para o reconhecimento de
estratégias para planejamento, a identificação de ferramentas para tratamento de
áreas contaminadas, ações coordenadas nas esferas pública e privada. Dessa
forma, possibilitaria a reconversão à medida que, geraria integração entre os
setores público e privado para a reinclusão dessas áreas, conforme discursa
Lefebvre em:

Impossível considerar a hipótese da reconstrução da cidade


antiga; possível apenas encarar a construção de uma nova cidade, sobre
novas bases, numa outra escala, em outras condições, numa outra
sociedade. Nem retorno (para a cidade tradicional), nem fuga para frente,
para aglomeração colossal e informe – esta é a prescrição. O passado, o
presente, o possível não se separam. É um objeto virtual que o pensamento
5
estuda. O que exige novas demarches . (LEFÈBVRE, 1901, p.105).

Diante das colocações de Lefebvre, se evidencia a importância do


planejamento como forma de atender às necessidades dos usuários na produção
dos espaços. Com isso, o atendimento das exigências fundamentais de
ordenamento da cidade, por meio de Plano Diretor6 e Estatuto da Cidade7, é
5
Tradução: novas medidas
6
A Constituição do Brasil estabelece no § 1º do artigo 182 que o plano diretor: 1) é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana; 2) deve ser aprovado pela
Câmara Municipal. Por seu turno, o § 2º do artigo 182 incumbe ao plano diretor definir as
exigências fundamentais de ordenação da cidade que delineiam o cumprimento da função social
da cidade.
7
A Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade – vem regulamentar os artigos
182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que conformam o capítulo relativo à Política Urbana.
O artigo 182 estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder
público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes,
definindo que o instrumento básico desta política é o Plano Diretor.
28

requisito da função social da propriedade com o emprego de esforços no sentido


de dar contribuição ao bem estar da coletividade em detrimento dos interesses
unicamente individuais sobre a propriedade.
Com a realidade em que se encontram as ruínas industriais ao longo do
corredor da Avenida Brasil: fechadas e destituídas de sua função original e sem
atividade produtiva, houve a entrada de moradores oriundos das comunidades
próximas.

O resultado da pesquisa de dados oficiais sobre o número de ocupações no


recorte da pesquisa – AP3, Avenida Brasil, se deu a partir da interlocução com o
Geógrafo Leandro Souza 8, do IPP9,por meio de troca de e-mail’s em Julho de
2019. Ele afirmou que no IPP não há cadastro que trate, especificamente de
ocupações, mas disse que algumas delas estão cadastradas como favelas, e a
tabela disposta na sua Dissertação10 lista os dados mais atuais, conforme figura
abaixo.

O artigo 183, por sua vez, fixou que todo aquele que possuir, como sua, área urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirirá o seu domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Este artigo abriu a possibilidade de regularização de
extensas áreas de nossas cidades ocupadas por favelas, vilas, alagados ou invasões, bem como
loteamentos clandestinos espalhados pelas periferias urbanas, transpondo estas formas de
moradia para a cidade denominada formal.

8
Leandro Gomes Souza é Gerente de Cartografia e Cadastro Técnico, na Coordenadoria
Técnica de Informações da Cidade, no IPP
9
Instituo Pereira Passos
10
Consultar Analise espacial e gestão municipal de vazios urbanos no Rio de Janeiro,
IPPUR - UFRJ, 2014 (Leandro Gomes Souza)
29

Figura 01 – Ocupações de imóveis abandonados na AP3 do Rio de Janeiro

Fonte: Souza, 2012

Essas ocupações numeradas na figura acima estão relacionadas na Tabela


01, a seguir.

Considerando-se as ocupações com dados disponíveis, na Avenida Brasil,


destacam-se a quantidade de habitantes residentes nas antigas fábricas
caracterizando um quadro de moradia instalada em plantas fabris através da
tabela abaixo.
30

Tabela 01 – Características das ocupações em imóveis abandonados na


AP3

Fonte: Alterado da Dissertação Leandro Gomes Souza (2014)


(-) Não existem dados disponíveis

Para efeito de exemplificar o uso da plataforma, a ocupação Borgauto


(mencionada como Nº 13 na Tabela acima), o Geógrafo sugeriu o levantamento
através da plataforma online <http://www.data.rio/app/sabren >11, onde encontra-
se um banco de dados com levantamento fotoaéreo ao longo de vinte anos sobre
a região estudada.
Para efeito de condensar dados, demonstro apenas duas figuras da
sequência de vinte anos disponíveis no site (1999 a 2018) para a ocupação
Borgauto.

11
SABREN – Sistema de Assentamentos de Baixa Renda
31

Figura 02 - Ocupação na antiga fábrica Borgauto, Ano 1999

Fonte: Alterado de <http://www.data.rio/app/sabren>


Acesso em: 15 de Jul de 2019
32

Figura 03 - Ocupação na antiga fábrica Borgauto e Ocupação Chaparral,


Ano 2018

Fonte: Alterado de <http://www.data.rio/app/sabren>


Acesso em: 15 de Jul de 2019

Através desse levantamento que consta no Database da Prefeitura do Rio


de Janeiro, em Julho de 2019, foi identificado que a ocupação Borgauto está
incluída numa espécie de complexo, denominado Parque Itambé com 36.591m².
Esse complexo foi nomeado a partir do nome de uma das ruas localizadas entre
as ocupações: “Rua Itambé”. O complexo contempla cinco favelas:
1. Do lado esquerdo da rua Itambé, as ocupações da Borgauto e do
Chaparral, denominadas como “Avenida Brasil”
2. Do lado direito da Rua Itambé, a ocupação denominada “Barra
Velha”, conforme figura abaixo
3. Travessa Marques de Oliveira
4. Vila Residencial Darcy Vargas
5. Avenida Teixeira de Castro
33

Figura 04 - Parque Itambé

Fonte: Alterado de <http://www.data.rio/app/sabren>


Acesso em: 15 de Jul de 2019

Segundo o Database, sobre a regularização urbanística fundiária da


ocupação Nº 1 Avenida Brasil: “Não existem informações de Regularização
Urbanística Fundiária para esta favela” (Histórico, 1º Registro de ocupação –
1992). Sendo assim, suponho que as denominações são alternativas de controle
e organização dessa região sem fins de promover uma regularização formal.
34

Figura 05 – Avenida Brasil, Parque Itambé – Identificação

Fonte: <http://www.data.rio/app/sabren>
Acesso em: 15 de Jul de 2019

Por fim, a plataforma menciona um breve histórico de ocupação:

A ocupação do lado direito da Rua Itambé foi realizada em 1992, por


um grupo de mais de cem pessoas que não possuíam condições de pagar
aluguel e famílias sem renda, oriundas do Nordeste, do Rio de Janeiro e
Minas Gerais. Uma segunda invasão, organizada com trezentos integrantes,
ocupou o lado esquerdo da rua em 1996. O crescimento depois disso se
deu gradualmente e parece ter atingido toda área livre do local.
<http://www.data.rio/app/sabren>
Acesso em: 15 de Jul 2019

Martins (2011), discute sobre as três ocupações mencionadas acima no


SABREN (Borgauto, Chaparral e Barra Velha), tendo realizado estudo de caso
sobre a Borgauto. E caracterizou os limites entre elas, conforme a Figura 06).
35

Segundo Martins (2011), a ocupação Borgauto, denominada pelos


moradores de Palace12, em Ramos, na Avenida Brasil, apresenta área, de
aproximadamente, 3.800m². Sobre os ambientes originais, Martins acrescenta:

Quando o estabelecimento fechou as suas portas em 1996 o seu


espaço principal tinha um prédio de três andares, um armazém com um
andar de produção e um loft, um edifício de dois andares, como uma
espécie de anexo, uma construção que sediou vestiários e funcionários da
cantina, e um espaço vazio na parcela interior, provavelmente um
estacionamento. (p. 167)

12
O nome "Palace" era um edifício residencial no bairro "Barra da Tijuca" (o "Palace II") foi
demolido em 1998, logo após colapso de uma parte de sua estrutura, que condenou 44
apartamentos e provocou oito mortes. O evento foi transmitido largamente pela mídia brasileira à
época (MARTINS, p. 168)
36

Figura 06 – Ocupação Borgauto, 2011

Fonte: MARTINS, 2011

Através do estudo de caso de Martins (2011) é possível compreender como se


deu o histórico de ocupação da Borgauto, além da compreensão sobre os ambientes
originais e as transformações desenvolvidas pelos moradores (Figuras 07 e 08).
37

Figura 07 – Ocupação Borgauto (antes da entrada de moradores)

Fonte: MARTINS, 2011

No desenvolvimento da Tese de Martins (2011), a respeito do estudo de


caso da ocupação Palace, a autora demonstra as alterações observadas na
ocupação13 (Figura 08):

Assim, o principal edifício foi totalmente ocupado e dividido em


apartamentos. Casas foram construídas pelos habitantes nos dois pisos do
edifício principal e no térreo, primeiro andar e no mezanino do mezanino. O
edifício dedicado aos funcionários, atualmente, abriga dois bares e unidades
habitacionais.O espaço vazio tornou-se uma área de lazer. (p. 167)

13
Tradução genérica da legenda: limite terrain - linha de fronteira; immeuble principal -
edifício principal; entrepot - armazém; terrain de sports - campo de esportes; entrée - entrada;
bars - bares; zone de loisirs - área de lazer; logements - habitação
38

Figura 08 – Ocupação Borgauto (depois da entrada de moradores)

Fonte: MARTINS, 2011

No que se refere à quantidade de residências e famílias, Martins (2011)


afirma que a ordem de 201 residências e 9 lojas no interior da ocupação é o mais
próximo do real realizado em seu levantamento à época da Tese.
Por fim, esse valor está afim ao demonstrado pelo IBGE que menciona
para essa ocupação: 101 e 500 domicílios (Censo 2010).

Abaixo, imagens da ocupação em épocas diferentes (Figuras 09, 10 e


11).
39

Figura 09 – Ocupação Borgauto, em 2009: Piscina

Fonte: MARTINS, 2011

Figura 10 – Ocupação Borgauto, em 2018: Piscina

Fonte: Autora, 2018


40

Figura 11 – Ocupação Borgauto, 2018: Construções adicionais à edificação


original

Fonte: Autora, 2018


41

1.1.2. Desdobramento do Conceito - Friches Industrialles e Brownfields

Diante da análise do conceito, verificou-se desdobramentos dentro de


alguns conceitos. O conceito friche industrialle: ruína industrial, possui incluso o
conceito brownfield, que se faz necessário mencionar a fim de demonstrar a
profundidade em que o objeto de estudo está inserido e para identificar
características para evidenciá-lo.
Num contexto semelhante a antiga indústria Borgauto, atual Conjunto
Palace, no bairro de Ramos, se desenvolveu o Conjunto Vila-Nova – antiga
indústria Parmalat, no bairro de Acari – ambos localizados na Avenida Brasil e
contemporâneos, o primeiro citado tendo se originado a ocupação em meados de
1990, e o segundo em meados dos anos 2000. O Conjunto Vida-Nova é
proveniente de uma ocupação de moradia localizada num terreno fabril
desativado entre as margens do Rio Acari e a favela de Parque Acari, no
Complexo de Favelas de Acari, no bairro de mesmo nome (SILVA, 2017). O
estudo sobre essa ocupação alcançou dados, matérias oficiais e estudos sobre o
território da Parmalat junto à SMU que afirmam que houve crime ambiental,
conforme SILVA (2017) menciona:

14
Em janeiro de 2001, a Parmalat informou à FEEMA que os
vazamentos estavam solucionados, que a amônia já havia sido retirada pela
empresa Amonex e que os resíduos contaminados por óleo BPF seriam
15
removidos pela COMTECOM . Em fevereiro de 2001, a FEEMA notificou
mais uma vez a empresa a apresentar uma avaliação de seu passivo
ambiental, em que constasse o grau de contaminação do solo e águas
subterrâneas, como também um cronograma para mitigação dos problemas
porventura identificados. A investigação geoambiental trouxe resultados
surpreendentes: constatou a contaminação do solo por mercúrio e cromo, e
das águas subterrâneas por cromo, chumbo e níquel. (FEEMA. Crimes
ambientais- Transcrição de apresentação em DVD)

14
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
15
Empresa dedicada a minimizar o impacto da indústria na natureza.
Ver: http://contecomambiental.com.br/quem-somos/
42

A conversão desse terreno fabril em espaço de moradia se deu


simultaneamente ao processo do crime ambiental. O que configura essa ruína
industrial como sendo do tipo brownfield
Com isso, a partir de friches industrialles vem: brownfields, que são
“instalações industriais ou comerciais abandonadas, ociosas e subutilizadas cujo
redesenvolvimento é complicado devido contaminação real ou percebida, mas
que tem um potencial ativo para reuso”, segundo VASQUES (2006).
Enquanto que, a Borgauto não se enquadra nesta espécie de sub-
conceito, já que, não existem evidências em estudos que denotem uma hipótese
de crime ambiental por solo contaminado ou outra interferência ambiental, o
Conjunto Vida-Nova se enquadra. Isso ratifica que, o Conjunto Vida-Nova é um
brownfield.
Sendo assim, revelou-se que, as ruínas industriais concentram sub-
categorias dentro do conceito de ruína industrial que podem ser identificadas à
medida que se investigue as características de atuação de cada ruína.
Diante da escala de investigação sobre as características do objeto de
estudo, considera-se ruína fabril como conceito que melhor lhe enquadre.

1.1.3. A formação das áreas vazias e o processo de


ocupação: breve histórico de esvaziamento do uso
industrial dos galpões e posterior ocupação dessas
ruínas como modalidade de moradia, na Avenida
Brasil

O Rio de Janeiro passou por um processo de adesão e desenvolvimento


ao modo de produção industrial na segunda metade do século XIX e até o século
XX as atividades se localizam, principalmente, no Centro da cidade. Ao longo dos
anos, essa concentração de mercado de trabalho à época e o baixo nível de
mecanização gerou demanda por mão de obra. Simultaneamente, bairros
próximos ao Centro passavam por mudanças provenientes da Proclamação da
República em 1809, a exemplo, São Cristóvão onde indústrias avançavam, à
medida que, as grandes residências eram deixadas pela elite que se dirigia à
Zona Sul.
43

A Avenida Brasil é implementada a partir deste contexto de avanço


industrial, produzindo novas localizações industriais na cidade. Desde a sua
inauguração, em 1946, esta avenida de 57,5Km tem desempenhado
contribuições na produção do espaço industrial.
A partir disso, a localização de indústrias contribui para a origem e
desenvolvimento de favelas. E isto demonstra a falta de planejamento urbano à
época, com grande maioria de favelas surgindo no Rio de Janeiro no período de
1948-1960 localizadas no entorno da Avenida Brasil, conforme Abreu (2013, p.
126) em: "em 1960, estavam ali 33% das favelas e 52% dos favelados."
Essas instalações, tanto industriais quanto habitacionais, na Rodovia,
ilustram esses espaços como dotados de diversidade funcional, já que, permitem
desenvolvimento e intensificação de indústria e habitação.
A partir disso, o estudo sobre a construção da Avenida Brasil permitiu
compreender o momento histórico em que esteve inserida e os desdobramentos
do investimento nessa rodovia. A construção do corredor da Brasil aconteceu na
primeira metade do século XX, sendo inaugurada na década de 1940, com o
objetivo de dar visibilidade e acesso para a cidade, como afirma Costa (2006, p.
04):

O projeto de uma avenida, nos moldes da Avenida Brasil, já estava


presente nos projetos de Pereira Passos, embora não realizado, talvez pelo
alto custo, talvez pelas dificuldades técnicas impostas pelo traçado17, ou
talvez mesmo por não ser uma das tantas prioridades do caderno de obras
executada pelo então Prefeito. A primeira tentativa de abrir a via aos
veículos automotores é datada de 1906, e o objetivo era conectar o centro
da cidade aos bairros localizados depois da Ponta do Caju até Irajá, tendo
como ponto de partida a Avenida Rodrigues Alves e o Cais do Porto,
também cogitando uma via que facilitasse o acesso à então capital federal.

A proposta era a de um papel estratégico em que a Avenida facilitasse o


tráfego para o centro da cidade do Rio de Janeiro e para as regiões de
escoamento de mercadorias na Região Serrana. E, promover a ligação com a
cidade de São Paulo, possibilitando novos fluxos de comércio através de ligação
e acesso alternativo rumo a essas regiões, conforme Torres (2018, p. 291):
44

Avenida Brasil, inicialmente chamada de “variante da estrada Rio-


Petrópolis”, era uma via de passagem, de escoamento, em meio à
paisagem desértica da orla guanabarina da cidade, onde hoje estão bairros
como Bonsucesso, Maré, Penha, Olaria entre outros. No entanto, do ponto
de vista estratégico, a avenida era de suma importância para o aumento da
oferta de “entradas” e “saídas” da cidade, tendo em vista o rodoviarismo
ascendente e a necessidade de maior integração com São Paulo, além do
acesso à região Serrana.

Assim, desenvolvia novos eixos de mobilidade para mercados da cidade. Isso


desencadeou o investimento comercial e de habitação irregular às margens da
avenida, conforme comenta Torres (2018, p. 287):

A partir da construção da avenida um novo eixo estruturante da cidade


se expandiu pela orla da baía da Guanabara, produzindo uma nova
configuração espacial para a localidade – antes inabitada – com fábricas,
moradia operária e favelização crescente.

Como espaço de moradia ou de circulação e passagem, a avenida evidencia


o avanço da ocupação industrial e habitacional da região no cenário de
desenvolvimento econômico da cidade. Como Torres (2018, p. 288) diz:

Assim, funcionou como importante eixo impulsionador da ocupação da


área por indústrias, estabelecimentos e negócios urbanos nos anos
1940/1950. Foi, portanto, um marco importante do processo de urbanização
e industrialização do Rio de Janeiro, capital federal à época, e da região
metropolitana ao longo do século XX.

Posteriormente à inauguração da década de 1940, a avenida passou por uma


duplicação realizada entre 1951 e 1954 com uma nova inauguração em 1961,
incorporando o avanço à Zona Oeste, próximo ao traçado conhecido atualmente.
Detiveram-se a entrar na região da avenida, não somente os comerciantes,
como também, a população que cumpria as atividades de operação das
indústrias locais, mencionado por Torres (2018, p 291):
45

[...] Com a abertura da Avenida, a chegada das fábricas, e uma


alternativa ao trem (e também ao bonde13) para o transporte até a área
central da cidade, a região passou a atrair diversas formas de moradias de
classe média e operária14, começando um longo processo de
reconfiguração espacial que caracterizava a zona norte até a zona oeste [...]

Figura 12 – Obras de construção da Avenida Brasil, em 1941

Fonte: A abertura da Avenida Brasil e o desenvolvimento dos subúrbios no Rio de Janeiro, 2005

Figura 13 – Obras de construção da Avenida Brasil, em 1941

Fonte: A abertura da Avenida Brasil e o desenvolvimento dos subúrbios no Rio de Janeiro, 2005
46

A abertura da avenida e o potencial alcançado, no traçado consolidado


conforme conhecemos atualmente,é celebrado por Reis (1977, p. 112) em:

Antes da abertura da avenida Brasil, a saída do Rio de Janeiro


efetuava-se pelas chamadas Estradas Rio - São Paulo e Rio Petrópolis.
Constituíam antes um verdadeiro suplício, pela travessia da região
suburbana, tanto da Central, como da Leopoldina. O trajeto era feito através
de Ruas estreitas com um tráfego cada vez mais intenso. O novo trajeto,
realizado as margens da Baía, foi a solução mais lógica, inteligente e
econômica

Essa expansão, à época, de atividades industriais na avenida e no centro do


Rio desencadeou o processo de construções irregulares para fins de moradia dos
trabalhadores locais nesses espaços, conforme Bernardes (1967, p. 73): A
proeminência, segundo a autora, da função residencial deu-se, principalmente,
pelo aumento considerável da população e, ao mesmo tempo, pela dificuldade de
locomoção até o centro da cidade.
Com isso, a nova avenida se encarregava de diversas funções, além da
original de ligar o Rio de Janeiro ao interior do país, assim como, facilitar a
comunicação dos subúrbios da Leopoldina distribuindo acessos
que desenvolvem tráfego para diferentes zonas da cidade.
Para Maurício de Abreu (2013, p 102), na análise dessa época, sobre o
crescimento e adensamento deve-se deter atenção ao desenvolvimento industrial
que é acompanhado de um processo de ocupação do subúrbio.

Nos anos 1940, com a abertura da Avenida Brasil, há uma forte


expansão das favelas justamente no trajeto que segue o percurso do
logradouro. É preciso registrar que o período coincide, também, com a
instalação de indústrias ao longo da Avenida. A ocupação de um novo
espaço de rodoviário, a Avenida Brasil, assim como a expansão fabril,
implementada pelo Estado é exemplo concreto da associação Estado-
Indústria no período em análise. “O deslocamento das indústrias em direção
ao subúrbio e o desenvolvimento da zona sul descentralizaram, entretanto,
as fontes de emprego e, com elas, também as favelas”
47

Para Abreu (2013, p. 103), inclusive:

Toda área próxima à Avenida Brasil foi destinada à localização fabril, além
de armazéns, oficinas, garagens, respeitando-se apenas terrenos de
propriedade militar. Mas esta destinação natural não foi disciplinada a
tempo, pois a participação maior do transporte rodoviário no Brasil somente
se verificou na década de 1950, tendo havido alguma antecipação pela
ocupação de vastos terrenos por favelas. A invasão da área pelas favelas,
atraída pela ocupação fabril no espaço, impediu a instalação de indústrias
em alguns trechos, (notadamente) entre Olaria e Lucas.

Esse processo de ocupação irregular para moradia na avenida ocorre junto, e


é também decorrente, da expansão fabril dessa localidade, como afirma Silva,
(2010, p.162) que “É possível perceber, portanto, que não apenas a favela é
parte da expansão da cidade, mas parte de sua expansão suburbana e fabril
desde o final do século 19.”
Com o passar dos anos de 1960, as moradias irregulares vão se depositando
ao longo da avenida e nessa época acontece um programa de remoções.
Contudo, a pesquisa sobre o histórico de ocupação da Avenida Brasil não se
propõe aprofundar nesse assunto de remoções. Porque pretende se deter ao
panorama de: construção, declínio e falência da massa fabril e posterior
ocupação desses espaços por moradores oriundos de favelas próximas. Sendo
este último o objeto de foco da pesquisa.
48

2 PERSPECTIVAS PARA USO E OCUPAÇÃO DAS RUÍNAS FABRIS:


PROPOSIÇÕES DO PODER PÚBLICO, SETOR PRIVADO E OCUPAÇÕES

2.1PROJETOS DE INTERVENÇÃO NAS RUÍNAS FABRIS DA AVENIDA BRASIL


COMO CONTEXTO DA REABILITAÇÃO LOCAL: AS PROPOSIÇÕES DO PODER
PÚBLICO

Para o desenvolvimento desse capítulo avaliei a revisão bibliográfica sobre o


contexto das ocupações para moradia na Avenida Brasil, em específico na Área
de Planejamento 3, e adotei também a investigação de dados públicos, de forma
virtual e presencial, na Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro – municipalidade
do recorte de pesquisa, reportagens de jornal que veiculassem notícias da
atuação das milícias na cidade e registrassem as ações desses grupos, no
contexto atual por conta da sua grande atuação em ocupações de moradia na
cidade.
Exploro também as visitas aos órgãos públicos onde fiz levantamento de
registros públicos sobre ocupações na Avenida Brasil – SMU, SMH, IPP e ITERJ;
contatos de forma virtual com o setor empresarial habitacional – SINDUSCON,
ADEMI e FIRJAN, e por último, entrevista com o Diretor da Corretora Sérgio
Castro que efetuou a venda da antiga fábrica de Sabão Português, em 2018.
Além de incluir autores que tecem contribuições para os aspectos discutidos no
capítulo.
Esse referencial teórico é desenvolvido a partir dos seguintes autores: Miguel
Martínez e Julia Caminha, que discursam sobre ocupações em Barcelona; Michel
Misse, Ignacio Cano e Thais Duarte e o Jornal O Globo, acerca das milícias; e a
presença de relatos de morador e Coordenação de ocupação; assim como, falas
de audiências nas Secretarias de Urbanismo e Habitação, na Prefeitura do Rio
de Janeiro e a análise de processos de regularização fundiária junto ao ITERJ –
Instituo de Terras e Cartografia do Rio de Janeiro16.

16
O Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro - ITERJ tem como
atribuição constitucional democratizar o acesso à terra – posseiros, sem teto e sem terra –
intervindo na solução dos conflitos e nos processos de regularização fundiária. Como órgão
49

O desenrolar do levantamento de dados oficiais junto às Secretarias


Municipais de Urbanismo e Habitação, da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro
foi feito ao longo do segundo ano da pesquisa (2019). A Coordenadora de
Planejamento de Habitação da PCRJ17 indicou a Coordenação de Assistência
Social para que eu verificasse apontamentos e registros sobre a região da AP3 e
indústria Borgauto. Após as Audiências presenciais realizei telefonemas à
secretária da Coordenadora de Habitação para obter os contatos que disse que
iria disponibilizar, já que, me pediu um intervalo de tempo para que buscasse.
Disparei e-mail’s e me detive a telefonemas semanais na tentativa de garantir
retorno de informações sobre a continuação do levantamento na Prefeitura.
Num intervalo de cinco meses (maio a outubro, de 2019) passando pela
Secretaria de Urbanismo e a Secretaria de Habitação, a pesquisa junto à
Prefeitura proporcionou acesso a dados no setor público a cargo da Secretarias
mencionadas anteriormente, com as quais pude obter dados e registros de
estudos técnicos da população investigada – ocupações das ruínas fabris na
Avenida Brasil.
Verifiquei que não existem registros sobre as ocupações da avenida junto à
Prefeitura, e que apenas a ocupação da antiga fábrica Borgauto passou por
levantamento e captura de dados.
Para compreensão do processo de planejamento de intervenções públicas
para esses espaços, realizei o levantamento de dados disponíveis da Borgauto
junto às Coordenações da Prefeitura. Para facilitar a compreensão das políticas
públicas praticadas no contexto em que a pesquisa está inserida, organizei-as
numa linha do tempo (Figura 11).

técnico, o ITERJ é o executor da política fundiária do Estado visando promover, ordenar e


priorizar os assentamentos urbanos e rurais, em terras públicas e privadas Fonte:
<http://www.iterj.rj.gov.br/>. Acesso em: Fevereiro de 2020
17
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro
50

Figura 14 – Linha do Tempo contendo Legislação para ordenamento do solo


e produção habitacional, no Rio de Janeiro

Fonte: Produzido pela Autora


51

Ao longo da pesquisa sobre a investigação da ocupação na Borgauto como


um possível estudo de caso, analisei os registros tanto da ação da
municipalidade, quanto de lideranças ilegais que denotam encadeamento de
redes de controle, esta última mais presente. Quanto à Prefeitura, que atuou de
maneira rarefeita, a representante da SMH afirmou, em entrevista datada de
Maio de 2019:

A Borgauto é um desafio pra gente que está no nosso radar mas,


não começamos ainda algum trabalho ali.
Acho que foi um levantamento ainda muito incipiente de como
aquela ocupação se deu. A gente não entrou, realmente, para fazer o
trabalho. É uma perspectiva de se fazer isso mas, não temos essa
informação aqui.
(Entrevista em Audiência com a Coordenação de Planejamento da
AP3, em Maio de 2019)

A Coordenadora da SMU menciona, ainda, a existência da Lei Nº 116 – AEIU


- de estímulos à ocupação dos vazios urbanos da Avenida Brasil e, então,
questiono se a Borgauto está enquadrada em alguma tarifa social.

Não, que eu saiba não. Essas coisas só acontecem quando há


alguma intervenção do Poder Público. Então, não havendo, é muito difícil
haver algum subsídio, alguma tarifa. Porque isso vem decorrente de alguma
intervenção. A situação é irregular mesmo. É uma ocupação que se deu ao
longo do tempo e eles estão ali usando os serviços que tinham.
(...)
Aqui no Rio o nosso grande desafio são essas plantas industriais e
que a gente ainda não conseguiu entrar com um programa específico pra
isso. Porque a demanda em relação às favelas e loteamentos é muito
grande.
É uma perspectiva que requer recursos e ainda não conseguimos
ter iniciativa para começar.
(Entrevista em Audiência com a Coordenação de Planejamento da
AP3, em Maio de 2019)
52

Os discursos nas Audiências das duas Secretarias – SMU e SMH - se afinam


sobre a perspectiva de intervenção. E convergem na falta de recursos para iniciar
mas, que já houve prenúncios de estudos sobre a viabilidade do entorno da
fábrica receber a implantação de edificação para essa população.

A gente sempre respeita a própria forma da ocupação. Claro que a


gente, em alguns momentos, tem que desadensar para levar infra-estrutura
e tal. Mas, sempre com a idéia de uma produção habitacional próxima e
isso é sempre discutido, nada é imposto.
(Entrevista em Audiência com a Coordenação de Planejamento da
AP3, em Maio de 2019)

Seria a Borgauto a primeira ocupação a passar por intervenção, na Avenida


Brasil? Existe alguma ocupação que já tenha tido algum tratamento da Prefeitura
nessa avenida? Nessas audiências me foram confirmadas as negativas sobre a
atuação para execução de projetos propostos na localidade mas, que seguem
como perspectiva.
A perspectiva de intervenção nessas ruínas fabris está em estado
embrionário, segundo ambas as Secretarias, de Urbanismo e de Habitação:

No trabalho que fizemos: imóveis em estado de abandono para a AP3


toda, a Borgauto apareceu. Há pouco tempo, a Secretaria de Infra-Estrutura
e Habitação foi lá e foi feito levantamento de alguns imóveis. Daí,saiu uma
legislação específica para a Avenida Brasil, justamente para aproveitamento
desses imóveis.
E, há pouco tempo, o Prefeito pediu para fazer um levantamento do
prédio da Borgauto. Então, segundo a Coordenadora da SMH, as
Assistentes Sociais foram lá. Eu não sei se chegaram a levantar o número
total de pessoas que moram lá, que habitam aquela edificação.
A idéia era através do Minha Casa Minha Vida retirar as pessoas
dali, fazer um MCMV na Avenida Brasil, próximo ali àquela altura da
edificação, e fazer tipo uma operação casada: retirar alguns, desmanchar
uma parte do prédio e aí, você tem uma área mais livre e começa a
implantar naquele mesmo terreno o restante das pessoas, através do
MCMV.
[...]
A idéia é, tanto que existe um Decreto, que foi desapropriado um
terreno ali perto, na Avenida Postal, que seria, que é uma área grande, que
53

começaria a construir alguns prédios para começar a retirar as pessoas.


Então, fazia os prédios, retirava um grupo, depois faria a desapropriação do
terreno da Borgauto e aí, faria o restante das construções.
(Entrevista em Audiência com a Coordenação de Planejamento da AP3, em Maio de 2019)

Com isso, essas ruínas fabris – como o exemplo da Borgauto – tendo


incorporado a modalidade de moradia num contexto aquém ao Poder Público
expõe a vulnerabilidade à entrada de lideranças ilegais. As ocupações na
Avenida Brasil se enquadram nesse contexto e as entrevistas vêm comunicando
esse personagem depositado nas ambiências desse lugar – a milícia -, nas
definições da produção habitacional, no acesso aos serviços de instalações
prediais e nas relações interpessoais. E foi essa personagem que se interpôs à
viabilidade da pesquisa etnográfica, a qual precisei alterar a operacionalização
em campo. Porque isso me colocaria em risco e, com isso, decidi modificar o
zoom do contato com o recorte físico da pesquisa.
Apesar de decidir retirar o caráter etnográfico do produto continuei
buscando contato com pesquisadores e moradores da região, ao longo do
segundo semestre de 2019. E a partir disso, conheci uma Diretora da Rede
Pública Municipal de Educação lotada em uma escola próxima à Borgauto, na
Maré, num Congresso na UERJ18. Conversamos sobre a pesquisa e expus a
tentativa de encontrar interlocutores para alcançar moradores das ocupações
dali. Ela atendeu, - prontamente e -, pediu que eu entrasse em contato durante a
próxima semana quando poderia buscar apoio a minha solicitação.
Ao longo da quinzena posterior, conversamos e ela obteve o contato de
um morador da Borgauto, marido de uma senhora que trabalha na Associação de
Moradores desta ocupação, e me encaminhou para que eu fizesse tentativa de
contato. O morador me respondia mas, não se dispunha a me receber quando
chegávamos a essa questão nas conversas e em todos os contatos me
perguntava: “Você é da UFRJ ou da Prefeitura?” (WhatsApp – Conversa por
Aplicativo com morador da Borgauto, Julho, 2019)

18
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
54

Essa dificuldade de acesso é parte integrante da sensação de


vulnerabilidade e risco de exposição que os moradores têm quando agentes de
pesquisa tentam aproximação. Porque isso traz a possibilidade de conhecimento
sobre a situação deles, conforme o questionamento de um morador da Borgauto,
em dezembro de 2018: “o prefeito veio aí, a gente não sabe se querem tirar a
gente.”
Então, ainda numa tentativa de coletar relatos, continuei conversando
com a Diretora sobre alternativas. Perguntei se na escola tinha algum aluno
morador de ocupação e ela disse que já sim, que para o entrevistar eu deveria
entrar em contato com a Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro
para formalizar a entrega dos dados do aluno, porque não é permitido que a
escola entregue dados pessoais dos estudantes, ou seja, mediadora desse
contato. Decidi aguardar e tentar outras alternativas durante a pesquisa.

Essa ambiência de instabilidade dos moradores sobre o meu contato é


reflexo da ausência do Poder Público unido ao discurso de representantes da
SMU e SMH que demonstram a trajetória rarefeita da municipalidade junto a
esses vazios urbanos, que vem sendo demonstrado no levantamento da
pesquisa.
Esse quadro de ausência de proposições do Poder Público contribui para
o desenvolvimento e intensificação das ocupações irregulares ao longo de anos,
avançando décadas, que apesar de estarem na perspectiva de intervenções, não
foram iniciadas e ainda não há previsão para que passe a ser considerado
possível.
Em 2018 o Prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Mandato: 2017 a
2021), fez visitas em favelas cariocas para informar que serão feitas intervenções
nessas localidades. Como menciona o site da Prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro:

Em pleno feriado, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, fez um


verdadeiro trabalho de zeladoria e visitou diversos bairros da cidade. Logo
nas primeiras horas da manhã, Crivella iniciou o tour da zeladoria,
começando pelas vistorias às obras de recuperação de asfalto na Vila do
Pan, na Barra. Em seguida, visitou as comunidades do Anil, Gardenia Azul
e Rio das Pedras. Nestes locais, o prefeito verificou a necessidade de obras
55

de dragagem e saneamento e avaliou um terreno onde há possibilidade de


construção de unidades do Minha Casa Minha Vida.

Figura 15 – Visita do atual Prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella à


Ocupação na indústria Borgauto, Avenida Brasil, em 02 de Novembro de 2018

Fonte: Site da Prefeitura do Rio de Janeiro


Acesso em: 17/ 01/ 2019 às 10h 40min

No bairro de Ramos, zona norte, o prefeito esteve no prédio da antiga


Borgauto, onde dezenas de pessoas moram em condições precárias. Lá,
Crivella conversou com moradores e pretende iniciar em breve o trabalho de
cadastramento das famílias. Posteriormente, o projeto é erguer mais um
empreendimento do Minha Casa Minha Vida.”
Fonte: <http://vai.rio/web/guest/exibeconteudo?id=8667723>
Acesso em: 17 Jan 2019

Dando continuidade ao contato com a Prefeitura do Rio, a Audiência com a


SMU – RJ, em Outubro de 2019, me possibilitou acesso a um Estudo Técnico
56

elaborado em 2001 que não foi publicado e também não teve suas propostas de
intervenção executadas constantes do Estudo Técnico: Revitalização da Avenida
Brasil, feito pela Coordenadoria de Planejamento Local – GPL-3, da Gerência de
Planejamento Urbano da AP3. Fui orientada pelo Técnico da Equipe à relevância de
mencionar a data de criação do estudo, porque já não caracteriza a situação atual
desses locais e caracterizá-los a partir do material disponibilizado para pesquisa
registraria dados equivocados.
Ao longo dessa última Audiência, identifiquei que há um aspecto recorrente
sobre os projetos elaborados pelo Grupo Técnico que é a concepção e execução de
tais projetos estarem atrelados à submissão de interesses políticos. Sobre isso, o
Técnico comenta na Audiência que: “a trajetória dos projetos é fragmentada”. Sendo
assim, as proposições do Poder Público são concatenadas através da incidência das
prioridades políticas, aquém ou não (verificada maior freqüência ao dito: aquém) a
essas ruínas fabris.

Neste Estudo Técnico (2001) consta o levantamento histórico de ocupação da


Avenida Brasil, o zoneamento, levantamento fotográfico de edificações antigas e
atuais em estado de abandono e propostas para o local, a partir de princípios
básicos:

Revitalizar a Avenida Brasil e seu entorno imediato;


Requalificar as zonas industriais e os corredores comerciais da zona
residencial 5;
Efetivar a implantação da Via Light e dos corredores lindeiros às
linhas ferroviárias e metroviárias;
Preservar os Distritos Industriais da Fazendo Botafogo, Palmares e
Campo Grande além do Polo Empresarial da Pavuna;
Incentivar a recuperação de áreas degradadas e subutilizadas.
(Revitalização da Avenida Brasil, 2001, p. 02)

O Estudo menciona as causas da decadência do setor industrial carioca


na última década do século XX, mediante a obsolescência de setores tradicionais
da indústria e migração para a periferia metropolitana destes; o avanço
tecnológico; o processo de favelização e insegurança, além da guerra fiscal.
Esses fatores contribuíram para a situação atual da AP3, o recorte de estudo,
57

conforme figuras 16, 17, 18 e 19.

Figura 16 – Ocupação Borgauto, Avenida Brasil, Bairro: Ramos, Rio de


Janeiro, Ano 2018

Fonte: Autora
58

Figura 17 - Avenida Brasil, Nº 8.883

Fonte: SMU RJ – Estudo Técnico – Out. 2019


Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

Por conta da dificuldade da realização de um estudo etnográfico nas


ruínas fabris da Avenida Brasil, à ocasião desta Audiência decidi que a
operacionalização da pesquisa passaria a se dar através dos dados obtidos
sobre essas edificações fabris na AP3.
Com isso, a escala da pesquisa foi alterada e a abrangência de
levantamento aumentada para um recorte para além de uma única ocupação.
59

Figura 18 - Avenida Brasil/ Avenida Teixeira de Castro

Fonte: SMU RJ – Estudo Técnico – Out. 2019


Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

Figura 19 - Avenida Brasil, nº 6.532

Fonte: SMU RJ – Estudo Técnico – Out. 2019


Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
60

O Estudo demonstra também a faixa de influência da AEIU19 através de


buffers20 de 300m onde é possível identificar a abrangência da Lei 116/ 2012 no solo
urbano da Avenida Brasil, conforme a figura abaixo.

Figura 20 – Buffer da AEIU

Fonte: SMU RJ – Estudo Técnico – Out. 2019


Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

19
A Área de Especial Interesse Urbanístico é uma área submetida a regime urbanístico
específico, relativo a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano e formas
de controle que prevalecerão sobre os controles definidos para as Zonas e Subzonas que a
contêm. A Área de Especial Interesse Urbanístico é aquela destinada a projetos específicos de
estruturação ou reestruturação, renovação e revitalização urbana.
Dentre as AEIUs criadas no município, destaca-se como exemplo a AEIU da Avenida
Brasil
Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/web/smu Acesso em: Dezembro de 2019

20
Buffer zone é usada para definir proximidade espacial, podendo englobar um ou mais
polígonos de uma certa área ao redor de pontos, linhas ou áreas.
61

Esse buffer demonstra a área destinada à investidura de espaços orientados


pela Lei AEIU. Com isso, é possível identificar espaços para possíveis intervenções
públicas que vêm passando por ocupação irregular.
Essa Lei incentiva a ocupação residencial:

A criação desta Legislação indica mudanças na regulação do uso e


ocupação do solo, a flexibilização de regras urbanísticas com relação à taxa
de ocupação (70%) e permeabilidade de terrenos (15%) e aumento do
gabarito (cinco pavimentos mais um pavimento de pilotis destinado a
dependências de uso comum e estacionamento)”.
(IPP RIO, Diagnóstico para a sustentabilidade do desenvolvimento da
Maré, Abril, 2016, p. 76).

Este Estudo de 2001 mostra, inclusive, a rede de distribuição - ainda que


superficialmente sem detalhar bairros por se tratar de uma escala que compreenda a
AP3 dentro do município visualmente - de linhas importantes de mobilidade: Metrô,
Supervia e Via Light.

Figura 21 – Área de abrangência da AP 3

Fonte: SMU RJ – Estudo Técnico – Out. 2019


Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
62

Essa área é dotada de grande disponibilidade de transporte público, suas


conexões e os principais corredores de transporte, conforme afirma a Gerência de
Normas e Informações Urbanísticas – GNIU (2019).

Através desse material técnico foi possível identificar também o zoneamento


ao longo da Avenida Brasil (Figura 18) e identificar que as ocupações de imóveis
vazios estão enquadradas em maior quantidade na Zona ZI221

Figura 22 – Zoneamento da Avenida Brasil

Fonte: SMU RJ – Estudo Técnico – Out. 2019


Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

O Estudo finaliza a investigação de imóveis vazios com potencial para o


planejamento urbano e investimento em descristalizá-los desse cenário de
abandono com uma legislação proposta em contrapartida à vigente para incentivar a
adoção desses espaços. Confere possíveis alterações em parâmetros urbanísticos
como o IAT, gabarito, construção de grupamentos comerciais e/ ou de serviços não
permitidos que passariam a ser aceitos; concedido o aumento das unidades de duas
residências por lote, passando a multifamiliar; previsão de adaptação de imóveis
21
Zona Industrial 2
63

industriais para uso residencial.


O objetivo é impulsionar a reversão do processo de esvaziamento econômico
das zonas degradadas da cidade, em especial a AP-3, através de dispositivos legais
incentivando à reutilização de imóveis em estado de abandono, permitindo
diversidade de atividades em áreas infraestruturadas.
O Técnico da Gerência de Planejamento da SMU mencionou nessa última
audiência em Outubro de 2019 que, embora o Estudo Técnico para Revitalização da
Avenida Brasil tenha sido realizado, este não foi publicado e também não se
converteu em ações do Poder Público para um projeto de requalificação de vazios
urbanos ao longo da Avenida. Disse também que a mudança de gestores do
município contribui para que os projetos sigam fragmentados e submetidos a
alternâncias e, na maioria das vezes, sem implementação concreta.

Nessa mesma audiência, ainda, pude dispor de outro material “Imóveis em


estado de abandono” (2006), realizado pela Coordenação de Planejamento Local da
AP-3 (Figura 19), que teve como premissa traçar ações que providenciassem a
requalificação urbana dessa região. Essa requalificação é proposta a partir de
reutilização dos imóveis identificados num cenário de vazio urbano que seriam
ocupados para atividades comerciais, comunitárias ou elaboração de equipamentos
públicos com instrumentos disponíveis para o desenvolvimento dos locais a
receberem intervenção que, inclusive, não possuam resíduos industriais que
incorram em impacto ambiental.
64

Figura 23 - Capa do Estudo Técnico: Imóveis em estado de abandono na AP3

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019– Imóveis em Estado de Abandono, Capa
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

A Introdução desse Estudo Técnico versa sobre o processo de esvaziamento


industrial da cidade do Rio de Janeiro e prevê instrumentos de desenvolvimento da
área. Contudo, ainda que o entusiasmo do Técnico que me permitiu fotografá-lo
conferisse relevância a minha pesquisa junto aos órgãos oficiais da cidade, ele
confidenciou a angústia de reproduzirem estudos que caducavam, ou seja, que não
era executados. Isso demonstra a ausência do Poder Público nesses espaços de
ruínas fabris.

A Introdução deste estudo técnico (2006) ancora a justificativa do


esvaziamento industrial em questões relacionadas às mudanças de meios de
produção e deslocamento das indústrias para regiões que privilegiassem os serviços
industriais:
65

Nos últimos anos houve um processo de esvaziamento industrial do


Rio de Janeiro com a desocupação de inúmeras fábricas e galpões de
menor porte, em toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Há que se
considerar fatores não ligados à questão urbana, com novas formas de
produção devidas ao avanço tecnológico, a transmissão de informações e a
guerra fiscal promovida por diversos Estados nos últimos anos, que levou
indústrias para o sul e o nordeste do Brasil.

Além da mudança no caráter industrial é mencionada na Introdução, também,


a insegurança. E comenta a necessidade de investimento através do capital privado
para reaproveitamento dessas áreas fabris e destaca como exemplo o complexo de
shopping’s centers na Zona Norte do Rio de Janeiro desenvolvido em área fabril e
que reflete privilégios ao entorno imediato com ganho de serviços e infra-estrutura
para produção imobiliária:

Segundo informações da Codin (Companhia de Desenvolvimento


Industrial do Estado do Rio de Janeiro), neste processo há que se
considerar também que a insegurança existente nas áreas próximas aos
Distritos Industriais contribui para o deslocamento das indústrias de
pequeno e médio porte.
Para resolver a questão são essenciais investimentos públicos, para
atrair capital privado e reverter o quadro de degradação, com a implantação
de novos empreendimentos, ou com o aproveitamento destas áreas para a
implantação de equipamentos que contribuam para a revitalização da
vizinhança. Representativo disso é o complexo formado pelo Norte
Shopping/ Leroy/ Wallmart/ Shopping Nova América, que apesar de
localizados em zona industrial promoveu uma dinâmica de ocupação que se
reflete inclusive no mercado imobiliário residencial.

A Introdução traz, ainda, a justificativa para a formação de equipe


multifuncional para atuar na realização do estudo técnico, já que, existem questões
relacionadas a diversas áreas a serem atendidas para além do objeto construído
que se encontra vazio de suas funções originais:
66

A formação de Equipe Multifuncional tem como objetivo fazer um


diagnóstico da situação desses imóveis e propor ações que requalifiquem
urbanisticamente as áreas onde estão construídos. Esta requalificação
poderá se propor através de reutilização dos imóveis para outras atividades
comerciais com geração de emprego e renda, para atividades comunitárias,
cooperativas, para moradia popular, ou para a construção de equipamento
público. Poderá ser feito também apenas o aproveitamento do lote para o
desenvolvimento da atividade de interesse da população local, ou a
abertura de logradouros ou praças.

E conclui na Introdução afirmando a relevância em atender intervenções que


não introduzam impactos negativos no ambiente:

Deverão ser também estudados os diversos mecanismos e


instrumentos disponíveis para o desenvolvimento destas ações e
priorizadas as áreas que não apresentem resíduos que incorram em risco
ambiental.

De acordo com esse estudo, a área de planejamento 3, correspondente à


Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, demonstra o quadro mais intensificado em
relação às demais áreas da cidade sobre a presença de imóveis industriais
abandonados caracterizando uma paisagem urbana degradada ao longo do corredor
da Avenida Brasil.

Nos Distritos Industriais localizados na AP 5, muitas áreas que


estariam ocupadas no início da década de 1990 segundo dados da CODIN
NOTA, encontram-se vazias e diversos galpões abandonados, conforme
verificado em vistorias locais em julho de 2006, feitas pela U/ CPN/ 5ª GPL.
Mesmo assim, as áreas industriais da AP 5 são as que apresentam maior
concentração de indústrias em funcionamento e a grande concentração de
imóveis degradados e completamente abandonados está na AP 3.
(Imóveis em estado de abandono, 2006, p. 06)

Atualmente, esse quadro se mantém, de acordo com estudos do IPP (2012) e


evidenciados na Figura 24, e no relato do Geógrafo Leandro Souza, ainda que,
67

passada mais de uma década desse estudo sobre a AP-3.

Figura 24 - População residente por AP - População residente em favela por


AP - Percentuais para cada AP

Fonte: Elaboração da Autora, a partir de dados do IPP (2012)


68

Souza (2014) contribui, inclusive, mostrando dados levantados sobre a


quantidade de vazios urbanos nas Áreas de Planejamento, conforme Figura 21.
Além de caracterizá-los em duas categorias: domicílios vagos e estabelecimentos
vagos, onde a AP 3 e a AP 5 são as que concentram maior quantidade de vazios
urbanos.

Figura 25 – Total de Vazios Urbanos por AP (Área de Planejamento)22

Fonte: Souza, 2014. Alterado pela Autora.

Através do foco da Equipe Multifuncional de requalificação urbanística de

22
O somatório entre domicílios e estabelecimentos vagos é descrito como vazios urbanos.
Ler: IPP, 2012
69

áreas onde há imóveis em estado de abandono foi feita uma abordagem a partir das
áreas de planejamento da cidade, estabelecidas no Plano Diretor vigente:

[...] a começar pela AP-3 (...) apresenta o pior quadro de abandono


de imóveis industriais. Posteriormente será abordada a questão da AP-5,
considerando que para a AP-1, onde estão os bairros de São Cristóvão e o
Porto da Cidade, já estão formados Grupos de estudo para a regeneração
urbana.
(Imóveis em estado de abandono, 2006, p. 6)

Para esse estudo da AP 3 foi criada uma equipe multidisciplinar através do


Decreto 26610/ 06 que balizou as propostas de projeto através de uma metodologia
que considerasse os aspectos urbanísticos, edilícios e sócio-econômicos existentes
no entorno dos imóveis, a partir de uma proposta da Secretaria Municipal de Habitat,
conforme figura 21 abaixo.

Figura 26 – Caracterização de Usos na AP 3

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono, p. 08
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
70

Desta forma, seriam providenciadas a adoção de usos mistos e a articulação


adequada entre entorno e projeto.
Com o intuito de melhorar a qualidade ambiental urbana da Avenida Brasil a
Fundação Parques e Jardins propõe no corpo desse Estudo Técnico sobre a AP 3: a
implantação de áreas de arborização/ bosques nos espaços advindos da demolição
dos galpões abandonados.
Foram feitos estudos preliminares considerando o levantamento dos galpões
esvaziados das funções originais e do entorno deles.

Sugerimos ampliar os espaços verdes, demolindo galpões


abandonados e ‘construindo’ bosques (não nos referimos a praças, mas a
um adensamento arbóreo que permita caminhada no seu interior) como
forma de contribuir para a melhoria das condições ambientais, possibilitando
diminuir a intensidade da radiação solar, diminuir a temperatura, aumentar a
umidade à precipitação e circulação do ar e criar uma área de solo
permeável na região.
(Imóveis em estado de abandono, 2006, p. 60)

As diretrizes da implementação de Bosques na Avenida Brasil é influenciada


por análise de planejamento de reestruturação urbana a partir de redução de
poluição e crime, segundo a provisão de construção de “um parque público ou área
livre a menos de 1 quilômetro para os habitantes da cidades.” Conforme o Estudo
(2006, p.57) menciona.
Como parte integrante da metodologia, o Estudo contém Planta constando os
imóveis abandonados numerados em legenda identificando o nome das indústrias
(Escala 1: 75000) ou apenas com a numeração do endereço, feito pelo IPP através
de Levantamento Aerofotogramétrico Digital, em 1999 (Figura 23). E demonstra
trechos de intervenções contendo: Planta Geral de Intervenções Figura 24), uma
planta com intervenções, núcleos de arborização e uma perspectiva da proposta
(Figura 25).
71

Figura 27 – Planta contendo as ruínas fabris da AP-3

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

Figura 28 – Planta Geral de Intervenções

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono, p. 08
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
72

As intervenções desse Estudo Técnico aparecem restritas a pontos


(quadrados vermelhos numerados, na imagem acima) num trecho longo (linha
pontilhada na cor azul, na imagem acima também). Essa escala de estudo pode
operar ao preço de uma representatividade superficial (Lepetit, 2001). Porque o
estudo se torna genérico, ao passo que, a análise não alcança as pré-existências
vivenciadas nessas localidades.
Essa perspectiva distante sugere que o estudo seja superficial. Contudo,
apesar disso, a mobilização de intervenção para a área foi iniciada e a noção sobre
esse caráter necessário no estudo é comentada no corpo do trabalho:

A aplicação de recursos em alguns locais que se encontram em


flagrante estado de decadência pode até se dar de forma pontual, porém
como etapa de um projeto maior que englobe o levantamento das reais
necessidades da região por ordem de prioridade, visando uma atuação
integrada dos diversos órgãos públicos, de modo a evitar o desperdício de
recursos econômicos e de trabalho técnico.
(Imóveis em estado de abandono, 2006, p. 09)

O Estudo mostra o levantamento de diversos imóveis industriais em estado de


abandono e ressalta que alguns imóveis abrigam atividades industriais em pleno
funcionamento, em especial na Pavuna e em alguns setores de Bonsucesso mas,
não os demonstra em fotos ou menciona os nomes das indústrias para possível
identificação no recorte da pesquisa, que integra Bonsucesso, inclusive.
73

Figura 29– Edificação identificada como 01 na Planta Geral de Intervenções

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

Figura 30 - Edificação identificada como 01 na Planta Geral de Intervenções

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
74

Figura 31 - Edificação identificada como 02 na Planta Geral de Intervenções

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

Figura 32 - Edificação identificada como 02 na Planta Geral de Intervenções

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
75

Esse mesmo trecho possui proposta para o trecho superior do terreno como
intenção de urbanização de terrenos remanescentes da Transcarioca (Figura 33).

Figura 33 – Avenida Postal (constante como Edificação 02 no estudo acima)


em projeto preliminar sobre os terrenos remanescente da Transcarioca

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora

Esses dados coletados junto à SMU demonstram que vêm sendo feitos
estudos técnicos de investigação dos imóveis abandonados e que os projetos não
seguem uma trajetória de execução que, segundo os técnicos que mediaram as
audiências, mudam de prioridade conforme mudam as gestões do Município.
Por último, o terceiro terreno em que se propõe a construção de um bosque.
76

Figura 34 – Av. Brasil, próximo ao Nº 11.391

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
(Esse vazio não possui mais detalhes)

No trecho final do Estudo Técnico são demonstrados Estudos Preliminares


com propostas de Mercado Popular, Construção de Bosques e Legislação (Figura
31)

Figura 35 – Propostas de Aproveitamento dos Imóveis

Fonte: Audiência com a SMU RJ, Out. 2019 – Imóveis em Estado de Abandono,
Foto concedida pela SMU e reproduzida pela Autora
77

Na Audiência anterior, em meados do primeiro semestre de 2019, a Gerência


de Planejamento da AP 3 comentou que a ocupação Borgauto que foi visitada pelo
atual Prefeito em dezembro de 2018 poderia ter a sua população transferida para o
terreno da Avenida Postal que já havia sido estudado e que é próximo à moradia e
que, inclusive, seria uma perspectiva numa produção de MCMV na Avenida Brasil
para essa localidade.
Isso demonstra que os estudos poderiam vir a ser diretrizes de projeto de
habitação para a AP 3 num futuro ainda indefinido. Devendo, comentou ainda a
Gerência, passarem por uma revisão por conta do tempo acrescido às suas
elaborações e tornando-se insuficiente ou equivocado.

Figura 36 – Distribuição da população por Área de Planejamento, na cidade


do Rio de Janeiro

Fonte: IBGE, 2010


78

Em termos absolutos a AP 4 se consolida entre 2009 e 2013 como maior


área de expansão do licenciamento de construção na cidade, seguida de longe
pela AP 5 e AP 3, conforme Figura 33 abaixo (Relatório de Evolução de
Ocupação, 2013, p. 41).

Figura 37 - Distribuição da Área Licenciada por AP no intervalo 2009 a 2013

Fonte: SMU, 2013


Alterado pela Autora

O grande fator de dinamização da AP 5 foi a implantação do maior número de


empreendimentos de interesse social do programa Minha Casa Minha Vida
(Relatório de Evolução de Ocupação, 2013, p. 41).

Como parte do percurso junto aos órgãos públicos realizei entrevistas em


audiências presenciais nas Secretarias Municipais de Urbanismo e Habitação,
responsáveis por uso e ocupação de solo. Posteriormente, consultei processos para
análise de regularização fundiária de ocupações junto ao ITERJ. Ao passo que a
pesquisa pudesse alcançar além do Poder Público Municipal, como também, os
dados junto ao Estado.
Consta em análise de processos junto ao ITERJ relacionados à
regularização fundiária de ocupações, apenas, a ocupação da Borgauto no seu
banco de dados referente ao recorte espacial da pesquisa.
79

A partir de entrevistas com a Assessoria de Pesquisa, Acervo e Memória


Fundiária – ASSPAM, o Assessor Chefe agendou a minha visita para analisar o
processo presencialmente, porque não é permitida a retirada do mesmo e nem
fotocópias em Novembro de 2019. Foi permitida leitura na íntegra e fotografar com o
compromisso verbal de preservar a identidade dos indivíduos envolvidos, tanto os
moradores quanto os funcionários da instituição. Assinei um Termo de entrega de
documentos e pude dispor do tempo que fosse necessário para análise dos
documentos.
O processo de Regularização da Borgauto foi aberto ao Secretário de
Estado de Habitação, em 27/ 11/ 2003, pelo Síndico23 e Ministério Público
solicitando a desapropriação à Governadora à época – Rosinha Garotinho. O
processo foi encaminhado ao ITERJ24, que é o órgão encarregado de analisar essa
questão de assentamento das famílias e a situação fundiária na cidade do Rio de
Janeiro.
Conforme mencionado na Folha 10 do Processo, em dezembro de 2003,
sobre a Comunidade Borgauto:

Trata-se de assentamento e regularização fundiária das famílias que


ocupam o imóvel situado na Avenida Brasil nº 7.901, nesta Cidade, objeto do
Processo Falimentar da empresa BORGAUTO PEÇAS PARA AUTOMÓVEIS LTDA.,
em curso perante o Juízo da 1ª Vara Empresarial desta Comarca (Proc. Nº
94.001.020556-3).
Em atenção ao requerido pelo Síndico e Ministério Público (...) sobre o
interesse do Estado do Rio de Janeiro em efetivar a desapropriação do imóvel, por
interesse social, o qual se encontra invadido e ocupado por diversas famílias
carentes.
(Processo de Regularização, ITERJ, 2013)

23
Administrador Judicial na recuperação e falência de um empreendimento
24
À época desta dissertação a Assessoria de Pesquisa, Acervo e Memória do ITERJ foi extinta. O
acervo continua disponível à pesquisa.
80

Tal processo a cargo da Curadoria de Massas Falidas do Estado concluiu


em despacho que:

Considerando-se o aparente interesse social decorrente da ocupação do


imóvel em tela, assim como o prejuízo que a remoção acarretará às famílias
ocupantes, oficie-se ao Prefeito do Município do RJ e a Governadora do Estado,
para fins propostos pelo Síndico e MP em tempo (...). Atenda-se.

O ITERJ, a partir disso, inicia o levantamento do espaço para verificar junto


aos moradores as ocorrências de melhorias das instalações e como se deu a
refuncionalização da ruína fabril para moradia. São feitos registros fotográficos e
redigidas descrições atuais sobre o imóvel ocupado, através de vistoria da
Gerências de Cadastro do ITERJ. O Técnico dessa Gerência relatou em parecer
final das vistorias que o imóvel passou por uma modificação de uso (fabril –
habitação) resultando em alternativa de moradia para a população.
O processo permaneceu no MP de 2003 a 2005 e foi feito em 2003, pela
PGE25, para o levantamento da dívida ativa do imóvel para a análise de negociação
e/ ou adjudicação compulsória26 do bem.
27
Em 2007, é sugerida a possibilidade do usucapião . Já que, este precede
às justificativas para adjudicação do imóvel cogitado. É solicitado o pedido de
levantamento físico e cadastral necessário ao processo de usucapião, pelo
Presidente do ITERJ. Entre 2003 e 2018, se dá o histórico do processo, que é
arquivado e em dezembro do mesmo ano é encerrado.
Embora o processo sobre a Borgauto traga relevância sobre os dispositivos
legais que estão disponíveis para a regularização, ele não demonstrou de forma
integral o procedimento, já que, foi arquivado sem conclusão da regularização.

25
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro
26
Adjudicação compulsória é uma ação que visa o registro de um imóvel para o qual não se
tem a documentação correta exigida em lei. Com ela, o proprietário do imóvel pode obter a Carta
de Adjudicação, pela qual um juiz determina que se proceda ao registro de imóveis
27
A usucapião é uma das formas de aquisição originária de propriedade, desde que se
encontrem preenchidos os requisitos básicos. Posse ininterrupta, ânimo de dono e sem oposição,
além do prazo de tempo definido legalmente, são requisitos para que o possuidor possa requerer
a usucapião, seja de forma judicial ou extrajudicial, ou seja, diretamente em um cartório
imobiliário, presente no Código Civil e no Estatuto das Cidades
81

Dessa forma, entrei em contato, novamente, com o Assessor para outra


análise de processos semelhantes para compreender a atuação do ITERJ em
ocupações.
Com isso, tive acesso a processos de ocupações na proximidade à Rodovia
Presidente Dutra, via de grande importância como a Avenida Brasil, foram abertos
dois processos de regularização (2004) das seguintes ocupações: Comunidade
Pequena Juriti e Morada Feliz – originalmente, Nosso Hotel. Ambas em São João de
Meriti no município de Duque de Caxias e tendo seus processos de regularização
sido abertos pelos próprios moradores.
Para efeito de compreensão do percurso do processo de regularização junto
ao ITERJ pude ler e compará-los para esclarecer medidas disponíveis para investida
de regularização desses espaços, inclusive, a partir dos próprios moradores sem
que seja intervenção exclusiva do Poder Público.
Inicialmente, é aberta solicitação ao Cadastro e Cartografia e este averigua a
pesquisa fundiária e solicita vistoria da área para posterior desdobramento das
ações necessárias (cadastro físico e sócio-econômico da comunidade) ao
ajuizamento da ação de usucapião.
A ocupação da Comunidade Pequena Juriti encontra-se dentro de um
galpão no interior de uma antiga fábrica de sabão, um depósito de alimentos e um
depósito de máquinas de caça níqueis. Segundo o relatório de vistoria à época, o
imóvel foi recuperado pelos ocupantes e foram feitas divisões internas de alvenaria.
Passados três anos da abertura do processo, em 2007, é feito o
levantamento físico e sócio-econômico do imóvel e dos seus moradores e solicitada
a expedição de Certidão de Ônus Reais. E em 2010 os moradores obtêm o Termo
de Reconhecimento de Posse, e no ano seguinte, a Declaração Oficial de
Comprovação de Posse, Cadastro e Moradia pelo prazo de sete a dez anos e
também é feita nova Vistoria Estrutural.
Em 2010 alterou-se a modalidade de usucapião para legitimação de posse
através de Auto de Demarcação Urbanístico, porque se entendeu ser mais
convincente, tendo em vista maior celeridade em sua execução.
Em 2012 o processo é arquivado e em 2013 é feito desarquivamento por
conta de denúncias de supostas irregularidades praticadas na Comunidade. Surgem
pessoas questionando a venda de casas no lote e por causa de conflitos desse tipo
82

o processo é encaminhado à Gerência de Atendimento Comunitário para medidas


cabíveis.
Em 2015 foi verificado que o conflito ocorre em área particular não
regularizada pelo ITERJ.
Como a Pequena Juriti (17 famílias em 2008) a Ocupação do Nosso Hotel,
denominada de Morada Feliz (21 famílias em 2003), localizada ao lado da Via Show
(antiga casa de eventos), na Avenida Presidente Dutra seguiu os trâmites de
pesquisa fundiária, vistoria técnica e ajuizamento da ação junto ao órgão da
Defensoria Publica Estadual por estarem preenchidos os requisitos para aquisição
coletiva ou individual da propriedade.
Concluindo a pesquisa junto à Assessoria de Regularização, afim de
compreender a contextualização do diálogo entre os órgãos que regularizam a
situação de moradia, questionei o Assessor do ITERJ sobre a relação do Instituto
com a Prefeitura. Ele comentou que o morador tem autonomia para solicitar a
regularização direto com eles sem a necessidade de passar pela SMU ou a SMH, na
Prefeitura do Rio de Janeiro:

Muitos processos são anteriores à Lei 13.465/ 2017, que atribui ao


município grandes poderes, isso é um dado. Além disso, outros municípios
não sabem, não conseguem fazer então, os próprios municípios pedem
para o ITERJ. E depende de caso a caso. Quando a área é particular o
ITERJ faz direto com cartório e Poder Judiciário. Quando é uma área
pública, dependendo de quem for, o ITERJ faz a mediação. Se for do
Estado melhor ainda. A atribuição do ITERJ é junto à Secretaria Estadual de
Assuntos Fundiários fazer a regularização de um modo geral e resolver
conflitos fundiários.

Quando a terra é pública, hoje em dia, é mais fácil com a Lei


13.467/ 17 que desburocratizou uma série de questões. Mas, quando a terra
é privada se arrasta por anos. Por isso que, o Estado tem algumas
modalidades, como por exemplo, a concessão real de direito de uso e a
promessa com vários graus. No Brasil todo isso é complicado.
(Assessor do ITERJ. Entrevista realizada em Nov.,2019)
83

2.2 DINÂMICA DO SETOR PRIVADO NA AVENIDA BRASIL: OPORTUNIDADE PARA


REQUALIFICAÇÃO DAS RUÍNAS FABRIS, NA AP 3

A escassez de dados registrados nas instituições públicas sobre o histórico de


ocupação das fábricas da região da AP-3 contribuiu para que eu realizasse uma
pesquisa de estudos técnicos e de dados no setor privado no recorte físico de
estudo. Contatei a ADEMI28, Firjan29 e, por último, a Corretora de Imóveis que
vendeu o imóvel onde se situava o Sabão Português (Figura 33), agora Assai
Atacadista, que há pouco tempo instalou uma unidade na Avenida Brasil para
compreender como foi o estudo de viabilidade do empreendimento.

Figura 38 – Ruína fabril da antiga Fábrica de Sabão Português, 2018

Fonte O Globo. Acesso Jan. 2020

28
Associação de Empresas do Mercado Imobiliário
29
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
84

O Setor de Pesquisa da ADEMI disse que não possuem dados sobre a


Avenida Brasil, o que demonstra baixo interesse do mercado imobiliário por
investimentos na região.
Já a Firjan, em sua Carta da Indústria publicada em Setembro de 2019, no
site da instituição, demonstra que a orientação dos investimentos industriais no
Estado do Rio de Janeiro aponta para as regiões Norte e Leste. Sendo assim, a
Avenida Brasil não é contemplada, atualmente.

Marcus Quintella, Coordenador da FGV Transportes, em entrevista à Carta da


Indústria Firjan de Setembro de 2019, discute as perspectivas de investimento em
infraestrutura e segurança das estradas frente à ausência de verba pública:

Prioritário é resolver o que for possível. No estado do Rio, hoje, isso


significa melhorar o sistema rodoviário, o que inclui terminar a duplicação
das serras das Araras (na BR 116) e de Petrópolis (na BR 040), concluir o
Arco Metropolitano e melhorar a BR-101, na Costa Verde. Além disso,
envolve fazer manutenção. A Linha Vermelha, por exemplo, é uma
vergonha em termos de riscos gerados com relação ao pavimento e à
iluminação, não só com a falta de segurança pública. Cito ainda melhorar o
tráfego na Avenida Brasil e a segurança pública de modo geral, porque não
adianta recuperar o Arco, por exemplo, se ninguém passa porque tem medo
de ter carga roubada.
É importante ter a estruturação da parte rodoviária e dar acesso aos
portos,como a alça da Ponte Rio-Niterói ao Porto do Rio.
Carta da Indústria, p. 09 – Set. 2019

E Quintella finaliza a entrevista à Firjan afirmando que:

O momento é de preparar o país para a retomada do


desenvolvimento, abrindo possibilidade de atração de investimentos no
futuro. Enquanto isso, o governo deve preparar projetos, inclusive um plano
estratégico de país, vislumbrando uma infraestrutura multimodal integrada
que possa virar realidade quando a “casa” estiver arrumada.

Grande parte do segmento empresarial não demonstra planejamento sobre a


região de estudo, porque não tem interesse, atualmente, e sequer previsão futura
sobre alguma atuação no corredor da Avenida.
85

Somado a isso, a ausência do Estado contribui para que esses locais não
desenvolvam potenciais para atrair mercado investidor, além do cenário de
degradação em expansão com lojas fechando. No último ano, sendo usuária do
transporte público que passa pela avenida, acompanhei lojas com baixo movimento
de clientes fecharem e, rapidamente, passarem por um processo de degradação e,
posterior, ocupação.
O empresário, suponho segundo o levantamento de dados para a pesquisa
junto aos órgãos do Setor Privado, não tendo o seu negócio assegurado pela
Fiscalização, autuação e intervenção da Municipalidade sobre a ação ilegal intensa
no corredor viário da avenida tem pouca alternativa sobre a sua permanência ou
entrada nesses espaços.
Além da Carta Industrial, a Firjan comenta em reportagem no Jornal O Globo
(Maio de 2019)que o Norte Fluminense é a região do RJ com mais investimentos
previstos para os próximos anos.

Um estudo feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de


Janeiro (Firjan) aponta que há 111 grandes investimentos confirmados no
estado do Rio para os próximos anos. São cerca R$ 162,3 bilhões em
projetos e o Norte Fluminense é a região com maior volume de
investimentos previstos, com R$ 19,4 bilhões.
O estudo levou em conta apenas os projetos em andamento ou a
serem iniciados.

O mapa de investimentos da Firjan demonstra baixa perspectiva em relação à


área pesquisada – Avenida Brasil – e, afirma que o maior dos projetos em fase de
estudos é a ferrovia Rio – Vitória (EF-118):

que irá aumentar a integração entre os sistemas portuários do Rio e do


Espírito Santo. Terminais portuários também são planejados em Macaé e Maricá.
Entre as obras rodoviárias, destaque para o contorno de Campos, na BR-101, e a
nova pista de descida da Serra das Araras, na BR-116.
(Fonte: O Globo, Nov. 2019)

Apesar da Firjan e ADEMI não demonstrarem perspectiva de atuação


pulsante na região, a Corretora de Imóveis que vendeu o Sabão Português –
edificação de grande porte na AP3 - realizou a venda de outro imóvel em situação
86

similar (Figura 35) e em entrevista do Diretor dessa Corretora ao Jornal Diário de Rio
em Julho de 2019 é dito que a perspectiva sobre os imóveis da localidade é
diferente.

Conforme a reportagem de Julho de 2019:

A antiga sede do Touring Club do Brasil na Avenida Brasil, em


Bonsucesso, é uma velha conhecida dos cariocas. Quem vai para a Linha
Amarela é obrigado a passar bem na sua porta, e há muito o carioca
acreditava que aquilo seria mais um rolo sem solução."
[...]
A construção, que sediara também um longevo campus da antiga
Faculdade da Cidade, tem 3.000 metros quadrados e necessita de reforma
geral, pois devido à depredação que sofreu, virou um esqueleto de concreto
(Fonte: Diário do Rio. Acesso em Jul., 2019)

O Diretor de Vendas Comerciais da Sergio Castro Imóveis, Nelson Borges,


contou que: "a venda foi realizada a uma empresa que irá reformar o prédio com
pele de vidro e contratou a imobiliária de Borges para alugar o edifício depois da
obra pronta. A escritura já foi assinada." (JORNAL DIÁRIO DO RIO, Jul. 2019).
A corretora é responsável pela recente venda do Largo do Boticário e
demonstra um horizonte de possíveis atuações sobre esses imóveis degradados na
Avenida Brasil:

Depois que vendemos por mais de dez milhões o esqueleto da


Fábrica do Sabão Português, ano passado, descobrimos que a Avenida
Brasil tem solução, detectamos o tipo de cliente que compra na área, e já
estamos trabalhando outro imóvel “invendável”” (JORNAL DIÁRIO DO RIO,
Jul. 2019), satiriza o Diretor.
87

Figura 39 – Ruína fabril da antiga Sede da empresa Touring Club, na


Avenida Brasil, 2019

Fonte: Diário do Rio. Acesso: Jul., 2019

Por último, agendei uma entrevista com o Diretor da Corretora Sergio Castro
que fez a venda da antiga fábrica Sabão Português onde foi possível explorar o
contexto da atuação do empresariado que investe na AP-3 e obter mais detalhes.
Com isso, descobri que também tinha concluído inúmeras vendas de imóveis na
área de recorte da pesquisa.
O Diretor da Corretora sugeriu que marcássemos uma reunião para que
conversássemos pessoalmente sobre o assunto da pesquisa em sua Sede, na Rua
da Assembléia, no Centro do Rio de Janeiro.
Apresentei um breve resumo da minha pesquisa para o conhecimento do
Diretor Sr. Claudio, disse que realizo um levantamento sobre a região da Avenida
Brasil para compreender a dinâmica relacionada ao investimento e ao
desaquecimento de interesses desses espaços construídos, e ele comentou que em
2018 vendeu o Sabão Português, então Assai e esse ano (2019) vendeu o Touring,
próximo à Linha Amarela.
Sr. Claudio comentou que existe um interesse maior por um dos lados da
avenida – sentido Centro do Rio – ainda que, existam clientes para procurando
ambos os lados:
88

O lado que estão os dois imóveis que nós vendemos - do Sabão


Português e do Turing - é mais procurado do que o lado oposto, porque tem
uma proximidade maior com parte indesejável da cidade e as pessoas
evitam um pouco.
(...)

O problema é que você tem uma informalidade, Corretores que não são
registrados trabalham nos imóveis e assim, os imóveis ficam por vender por
anos e anos.

Mas, quando entrega a uma empresa séria o preço é normal e quando não
tem invasão e documentação normal, vende.

Perguntei sobre o perfil do investidor desses imóveis e ele disse ser


diferenciado e atuando tanto em imóveis grandes, quanto em imóveis pequenos.

Perfil do cliente da região para os imóveis grandes e significativos é


Construtora, Mercado e empresa arquivos históricos. Já os imóveis
pequenos têm procura de todo tipo, desde uma pequena pensão até uma
pequena loja, loja de automóveis, gás. Existe procura para a construção
civil, supermercados, revitalização e aluguel.

(...)

O Touring, por exemplo, foi vendido para um investidor de locação. Ele vai
reformar tudo e nós já temos dois a três candidatos para alugar. Estamos
esperando só sair a licença.

Referindo-me às ocupações das ruínas fabris o Diretor disse ser um dos


problemas, além da questão da documentação do terreno e proprietário, para se
concluir um negócio. Comentou, inclusive, sobre um terreno pertencente à empresa
que está ocupado e nessa situação.

Nós temos na Hermes Macedo, o terreno é nosso, esquina com a Avenida


Paris, acho. Também tem uma invasão e está decretado o despejo há dois
anos. (...) Os invasores recebem mais de R$50mil reais por mês de aluguel
das várias lojinhas na porta.

(...)

E tem procura, tem gente para comprar. Só não consigo vender, porque
tenho que tirar primeiro esses invasores.
89

O Diretor demonstra conhecimento sobre o histórico de ocupação decorrente


de mudanças econômicas que alteraram a ocupação do solo da cidade e comenta
que a Prefeitura detém responsabilidade pelo cenário de ilegalidades e
vulnerabilidade social em que se encontra a Avenida Brasil.

Tem que entender que o Rio de Janeiro tinha uma ocupação


industrial e comercial anterior aos anos oitenta e aquelas empresas não
existem mais. Muitas não existem mais, porque tiveram algum problema e
esses imóveis, às vezes, estão encrencados com os problemas que
aconteceram nos anos sessenta, setenta e oitenta (1960/ 1970/ 1980).
Uma vez que não tenha encrenca, as pessoas compram. Não tem
dificuldade nenhuma.
O maior agente de destruição da Avenida Brasil é a Prefeitura que
não termina obra, que transforma tudo aquilo em cracudo e a Justiça que
não dá as ações de reintegração de posse e deixa os vagabundos tomarem
conta dos imóveis que são dos outros.
Esse que é o problema maior.

Sr. Claudio discursa sobre a estrutura de poder feita por grupos ilegais
através da mercantilização da moradia, conforme comentado neste Capítulo mais a
frente, sobre a atuação das milícias: “Tem problema habitacional? Tem. Mas, não
pensem que eles são coitadinhos não, porque eles invadem e, imediatamente, o
chefe aluga. E aí, aquele pessoal todo que vai morar paga aluguel pro chefe. É
sempre assim. O negócio é extremamente lucrativo.”

Em contraste à SMU sobre o interesse público na região com intervenções


atuais o Diretor comenta sobre dois terrenos próximos a um Posto de Gasolina de
gás, que foram vendidos pela sua empresa e, ainda, sobre o seu interesse em fazer
negócio com o proprietário de um imóvel que está se deteriorando nas imediações
do terreno do antigo Sabão Português que, segundo ele, inicia vitalidade:

Você tem um problema que o terreno logo em frente, que é um


terreno maravilhoso, não está conosco para vender. Se estivesse, eu já
teria feito algum tipo de proposta por ele. Mas, é um imóvel que vem sendo
depredado, não sei quem cuida.
É um imóvel profundamente vendável mas, não sei o que acontece,
nunca nos procuraram. E você tem uma procura.
90

No desenrolar da entrevista, o mesmo enfatiza a questão da municipalidade


ser força motriz do potencial ou declínio do investimento da região que possui
problemas de ordem de segurança e moradia.

Problema é problema, porque deprecia a cidade do ponto de vista


urbanístico, mas, o problema ajudou a sair a venda do Sabão Português,
porque o valor era o dobro, o valor que foi vendido era o dobro. E não iria
vender. Então, a obra parar foi providencial pro negócio sair.

Ainda sobre o Sabão Português, imóvel relevante na região que a sua


empresa concluiu a venda no ano passado (2018), ele sinaliza a necessidade do
investimento em segurança por parte do cliente que investe na região. Sendo assim,
há um montante para além da compra como também para garantir a segurança
permanente dos estabelecimentos que buscam se instalar na região.

Um posto de segurança 24h, registrado direito e que não é


miliciano, uma empresa própria, custa R$16mil um posto. Um homem 24h.
Um homem 24h dá conta de um imóvel de 1000m², não dá conta de um
imóvel de 27mil m².
Então, você tinha um custo de segurança que era mais de R$70 mil
por mês por conta do risco dos vagabundos invadirem.

Ressaltou no fim da entrevista que o problema desses imóveis são a invasão


e a documentação, e que, quando as obras na Avenida Brasil terminarem os imóveis
irão valorizar. Por fim, mencionou ser a favor da cobrança do IPTU progressivo 30
sobre os imóveis abandonados sem estarem alugados e isso contribuiria na
diminuição do tempo de abandono.

Devia ter um tipo de imposto, não no caso do imóvel estar invadido,


que existe em vários países do mundo, progressivo pelo imóvel estar vazio

30
Segundo a Secretaria de Urbanismo da PCRJ, o IPTU Progressivo segue sem
regulamentação até o momento (Dinâmica do desenvolvimento Urbano e Ordenamento Territorial
- SMU/ SUBU/ CGPP/ GNIU 2019, p. 26)
91

e na posse do proprietário. Tinha que ter um IPTU progressivo para o


proprietário ser penalizado que está vazio e na posse dele. Não pro dono da
Borgauto que tem aquele monte de gente morando, mas, se o proprietário
está na posse e não aluga porque não quer, devia ter um IPTU progressivo
que iria... O cara iria pensar duas vezes antes de pedir 8 milhões e está
recebendo uma proposta de 5 e recebe outra de cinco, provavelmente, vale
cinco e não oito.

2.3 AVANÇO DO PODER PARALELO, A MILÍCIA: A INSTALAÇÃO DE LIDERANÇAS


NUM CENÁRIO DE ILEGALIDADES

Partiremos de uma aproximação ao problema da violência urbana no Rio de


Janeiro a partir da contextualização do conceito de milícia para demonstrar
relevância à pesquisa, porque na análise sobre os atores que formam esse
espaço de moradia em plantas fabris, foi identificada a presença de lideranças
ilegais denominadas milícias. A análise do material empírico indicou que esse
agente atua como regulador do espaço da moradia, à medida em que,
estabelece ordem e aos moradores dos modos de construir e habitar esses
espaços, e supostamente, os protege contra o crime.
Esses grupos se estabeleceram na ocupação sem que se possa ter registro
da ocasião por conta do caráter velado da sua presença e, com isso, providenciei
que não houvesse esse questionamento na pesquisa para não produzir impacto
que me colocasse em situação insegura.
Com uma lógica de controle desses territórios, visando impor a venda de
proteção a seus moradores (MISSE, 2011) esses grupos se instalam e conduzem
um cenário de ilegalidade no interior das ruínas fabris.
A origem das milícias remonta aos anos 1950, segundo Misse (2011):

Nos anos 1950, no Rio de Janeiro, por iniciativa do então chefe de


polícia, foi criado um denominado “Grupo de Diligências Especiais” cuja
principal missão – que deveria ser cumprida clandestinamente – era
executar criminosos. Esse grupo passou a ser chamado popularmente de
“Esquadrão da Morte” e seu modelo disseminou-se para outros estados
brasileiros, com o mesmo nome.
92

Apesar das sucessivas críticas da imprensa e das comissões de


investigação criadas para apurar os crimes cometidos e punir seus autores,
o Esquadrão da Morte permaneceu, inclusive, após a morte de seu principal
dirigente, o detetive Le Cocq. Seus comandados criaram, já nos anos 1960,
a “Scuderie Le Cocq”, composta pelos autodenominados “Homens de Ouro”
da Polícia do Rio de Janeiro.

Na década de 1990 surge uma modalidade de agente policial denominada


“policia mineira” na favela de Rio de Pedras, no Rio de Janeiro. Atualmente, essa
região é um exemplo emblemático da atuação desses grupos distribuídos em
ações que regulam serviços de construção civil e transporte ilegais. Esse ano foi
veiculado o acidente com uma edificação residencial que desmoronou na região
da Muzema e o transporte aquaviário irregular nessa localidade.
Conforme o site do Jornal Globo aponta, em Maio de 2019, as atividades
irregulares na Comunidade Rio das Pedras, na Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro, são dominadas por um grupo paramilitar - termo fixado pelo jornal - que
passou a oferecer transporte aquaviário, além da atividade de construção de
edifícios irregulares dentro da comunidade.

Figura 40 - Balsa em Lagoa na Comunidade Rio das Pedras, Barra da Tijuca,


em 2019

Foto: Reprodução – O Globo


Fonte: Site O Globo
93

Pelo menos duas balsas circulavam pela Lagoa da Tijuca, levando


passageiros da Areinha à estação de metrô do Jardim Oceânico.(...) cada
morador que quisesse usar o serviço pagaria R$40 mensais, com direito a
travessias ilimitadas.
Fonte: Site O Globo
Acesso em: 26 Jun. 2019

Figura 41 - Faixa de divulgação da balsa que liga a Comunidade Rio das


Pedras ao Metrô da Barra da Tijuca, em 2019

Foto: AntonioScorza – Agência O Globo


Fonte: Site O Globo

Houve divulgação com carro de som pela comunidade, entrega de folder e


instalação de faixa sob um viaduto na Barra, conforme imagem abaixo.
94

Figura 42 - Folheto de divulgação da balsa.


Entregue pela Associação de Moradores, em 2019

Fonte: Site O Globo

Tal arranjo exerce controle social da favela e desenvolve um modelo de


dominação que se dissemina para outros bairros da Zona Oeste da cidade, onde
surge a “Liga da Justiça”. E em 2006, esses grupos passam a ser chamados de
milícia pela imprensa.
Segundo Cano e Duarte (2011, p. 22), havia cerca de noventa favelas sob
controle de milícias, à época do artigo.

Há hoje cerca de 90 favelas sob controle das chamadas “milícias”.


Em todas elas há um grupo armado que controla a distribuição de gás em
botijão, os serviços clandestinos de internet e televisão a cabo e, em
algumas áreas, o transporte público ilegal por veículos de passageiros do
tipo “vans”. Impedem também que o tráfico de drogas instale-se na
localidade, embora haja casos em que milícias “venderam” seu território
para traficantes, quando não obtiveram os lucros esperados.
Livro ‘No Sapatinho’: A evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008 – 2011), p. 22
95

A sensação de proteção que os moradores têm diante da ação de repressão


à entrada do tráfico e crimes em sua área de atuação, matando ladrões e jovens
desviantes que não se mudaram para outros lugares (Misse, 2011), é notada no
discurso de moradores no estudo de caso da pesquisa desta dissertação:

O moleque roubava direto e eles mandaram ele sair daqui ou iam matar
ele. A mãe se mudou com o filho para a Maré, porque sabia que logo, iam
matar o filho dela
(Fala de Morador do Conjunto Palace, na Avenida Brasil.
Dezembro de 2018)

Essa regulação da conduta dos moradores caracteriza as ações da milícia


sobre a segurança e o mercado de serviços dessa população de forma
controladora. Conforme Misse (2011, pág. 23) afirma: “O ganho nesse mercado
não resulta exclusivamente da lei da oferta e da procura, mas de uma relação de
força, de uma relação de poder.”
O conceito de milícia é compreendido através de um estudo exploratório a
partir de artigos de imprensa; do livro ‘No Sapatinho’: A evolução das milícias no
Rio de Janeiro (2008 – 2011); artigos acadêmicos sobre o tema que o
caracterizam através de estudos empíricos de caráter quantitativo e qualitativo
em localidades dominadas por essas lideranças, inclusive, com entrevistas de
pessoas que residem ou trabalham nessas regiões.
Segundo os autores Ignacio Cano & Thais Duarte, na obra ‘No Sapatinho’: A
evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008 – 2011), o conceito de milícia
resume-se pela confluência de cinco traços centrais:
96

Figura 43 - Conceito de Milícia em cinco traços

Fonte: Livro ‘No Sapatinho’: A evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008 – 2011)

O domínio da milícia avançou ao longo dos anos de 2000 sobre a extensão


do território carioca e demonstrou ser estruturado por personagens ligados ao
Poder Público, segundo levantamento de Michel Misse.
Em meados de 2007, começam a ser veiculadas notícias sobre a ação
repressiva do Estado contra a milícia (CANO & DUARTE, 2012, p. 51) como
medidas de enfrentamento do Poder Público a esses grupos.
O conceito de milícia desenvolvido acima, através de cinco aspectos
primordiais com ocorrência simultânea, segundo Cano e Duarte (2012), passou
por mudança desses aspectos. Atualmente, possui acentuação dos três primeiros
traços (1: controle territorial e populacional de grupos armados irregulares; 2:
coação contra moradores e/ ou comerciantes locais e 3: motivação de lucro
individual dos integrantes do grupo) .Enquanto que, o quarto (discurso de
legitimação em oposição ao narcotráfico e à desordem social) passou por
modificação e o quinto (participação aberta de agentes armados do Estado em
posições de comandos dos grupos) foi atenuado.
Tendo assim, alterado sua atuação, conforme Cano & Duarte (2012, p. 58)
comentam: “[...] as milícias continuam sendo grupos armados que controlam o
território e a população de pequenas comunidades de forma coativa, movidos
pelo lucro.” E, ainda em:
97

As milícias no Rio de Janeiro experimentaram mudanças profundas


entre 2008 e 2011 desencadeadas pela crescente rejeição contra elas, bem
como pelas prisões e condenações contra milicianos conduzidas pelo
sistema de justiça criminal.
(CANO & DUARTE, 2012, p. 127)

Em 2008, foi presidida a CPI das Milícias da Assembleia Legislativa, pelo


Deputado Marcelo Freixo. Foi um marco na luta contra o crime organizado e sua
articulação com o poder público (FREIXO, M., 2008).

O relatório final pediu o indiciamento de 225 políticos, policiais, agentes


penitenciários, bombeiros e civis. Apresentamos 58 propostas concretas
para enfrentarmos essa máfia, entre elas a necessidade de cortarmos as
fontes de financiamento das quadrilhas.
Fonte: https://www.marcelofreixo.com.br/cpi-das-milicias
Acesso em Set. 2019

A CPI foi desenvolvida por um grupo de profissionais de Segurança,


estudiosos, delegados e membros do Ministério Público. Foi feito um
levantamento multidisciplinar através desse corpo de profissionais a fim de
demonstrar e orientar as proposições para enfrentamento da milícia com análise
qualitativa dos dados estudados.
Foi verificado que a ausência do Estado leva à arbitrariedade e substituição
de normas através de coação e extorsão, já que:

Se não houver coação, possivelmente é um caso de segurança privada,


na qual a iniciativa parte do usuário, que controla o serviço. No caso das
milícias, a iniciativa parte dos próprios milicianos, que são quem controla o
suposto beneficiário. Mesmo assim, a intensidade da coação é muito
variada. Em alguns casos, os moradores sofrem ameaças diretas se, por
exemplo, não pagarem as taxas de proteção, o que se caracteriza como
extorsão. Em outros, a coação é bem mais sutil e os moradores receiam o
que possa lhes acontecer se não pagarem o ― “serviço”. Na verdade,
trata-se de oferecer proteção paga contra eles mesmos.
(Relatório da CPI das Milícias, p. 36 – 37, 2008)
98

Esses grupos estão presentes em ocupações da Avenida Brasil e vêm


submetendo moradores a um regime de ilegalidade com discurso de proteção a
partir da participação de agentes públicos, o que os legitima e oferece uma
espécie de ordem para os habitantes desses espaços em troca do controle do
território e da população através de serviços de gás, internet, luz, água, TV a
cabo, transporte alternativo, venda de imóveis com a contrapartida da ausência
do poder público.

O medo também é origem da “legitimidade informal” dos grupos de


controle. Ele instrumentaliza de tal forma a insegurança que torna viável a
crença e a aceitação de “justiceiros”, “salvadores” ou qualquer sorte de
“libertador” que ofereça segurança. É nesse sentido que comércios ilegais e
informais de segurança se expandem e dão origem, na prática, à
privatização informal da segurança, diante de uma opção política que se
absteve, nos últimos anos, de oferecer uma alternativa de segurança
pública para a população.
(Relatório da CPI das Milícias, p. 39, 2008)

Essas atividades criminosas com domínio de território são conduzidas por


redes criminosas territoritalizadas, que atuam em atividades econômicas ilegais
através da coação como forma de manutenção e reprodução de suas práticas
(SOUZA E SILVA, 2008). Jailson31 afirma, ainda:

Esta atividade ilícita possui uma estrutura organizacional interna


baseada na divisão do espaço pelos seus membros, que atuam dentro de
suas áreas de influência, inclusive para além de sua atividade específica,
como é o caso de suas ligações com políticos locais e mesmo com outras
“máfias”, como a dos caça-níqueis ou das vans. Esse exemplo remete a
uma relação de uso, apropriação e domínio do espaço como forma de
garantia da reprodução das atividades criminosas o que implica, neste caso,
o que os geógrafos chamam de “territorialidade.
(SOUZA E SILVA, p. 18, 2008)

31
Coordenador Geral do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e do Redes da Maré,
Doutor em Sociologia da Educação, professor Adjunto do Departamento de Educação da UFF,
Consultor do UNICEF e Canal Futura
99

Soma a esta definição, também, a do geógrafo Marcelo Lopes de Souza


(1995), para quem o território é definido por “um espaço definido e delimitado por
e a partir de relações de poder”. (SOUZA, p. 96, 1995).

Para finalizar o discurso sobre a atuação da milícia no campo da pesquisa


da dissertação, pode-se concluir que a evolução apresentada acima interpretada
à luz dos autores, somado à ausência da intervenção do município – corroborada
através dos discursos coletados nas audiências com a SMU e a SMH, do Rio de
Janeiro, entre Maio e Julho de 2019 – contribui para que a população dessas
ruínas fabris lideradas por milicianos considere necessária e natural as figuras de
um “dono do morro”. De fato, “eles nunca conheceram nada diferente de uma
ordem social baseada na violência à margem da Lei” (CANO & DUARTE, 2012,
p. 87).
E ainda, conforme mencionado por Misse (2011, p. 22), não há negociação,
alternativas, espaços para diálogos democráticos nesse contexto: “no caso da
proteção, quando não há clientela espontânea, ela pode ser induzida por
extorsão.”
Considerando a dificuldade relativa à repressão das condutas criminosas de
milicianos, Cano & Duarte (2012, p. 99) destacam, na investigação sobre as
características desses indivíduos:

O fato de muitos milicianos serem agentes do Estado implica que


conhecem o aparato estatal e a forma como as investigações são
conduzidas, o que lhes permitiria tomar medidas para prejudicá-las. Muitos
milicianos são pessoas influentes, conhecem o sistema de justiça criminal
por dentro e, portanto, agem no sentido de interferir nos procedimentos
instaurados contra eles. Adicionalmente, investigar as milícias significa, em
muitos momentos, enfrentar o poder político, já que muitos milicianos
apresentam algum tipo de inserção no campo político estadual.

De maneira atuante frente a essas investigações a Câmara dos Deputados


aprovou em 5 de setembro de 2012 um projeto de Lei que tipifica no Código
Penal a formação de milícia ou grupos de extermínio:

A proposta de lei prescreve uma pena de quatro a oito anos de prisão


para quem “constituir, organizar, integrar, mantiver ou custear organização
100

paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão” com a finalidade de


praticar crimes. A proposta também estabelece que a pena prevista para
homicídios seja aumentada de um terço à metade se o crime for praticado
“por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança,
ou por grupo de extermínio.
Fonte: Site O Globo
Acesso em 26 Jun 2019

Esse projeto de Lei pode ser considerado como uma ação do Poder Público
para enfrentamento desses grupos. Contudo, a Milícia continua avançando em
diversas áreas da cidade.

3. A HABITABILIDADE EM RUÍNAS FABRIS: UMA NOVA ESTRATÉGIA DE


MORADIA

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE HABITABILIDADE E AUTOGESTÃO

Esse capítulo objetiva demonstrar o alcance da pesquisa sobre a produção de


moradia em ruínas fabris através de ações do poder público e de movimentos
sociais. Para tanto, realiza uma análise sobre os conceitos de habitabilidade e
autogestão, porque foi identificado ao longo da pesquisa que esses espaços ainda
que não planejados para abrigar originalmente a função de moradia são
refuncionalizados para esse fim de forma alternativa e sem apoio ou orientação do
poder público, e que, os dados coletados indicam algum grau de habitabilidade
desenvolvido por moradores em ruínas. Isso evoca questionamentos sobre aspectos
de habitabilidade serem construídos sem a técnica construtiva profissional,
sobretudo nesses espaços com uso originalmente fabril e não habitacional.
Para isso, o capítulo se divide em duas partes. Inicialmente, visa uma
compreensão sobre o conceito de habitabilidade e, posteriormente, o conceito de
autogestão.Pretende-se com essa análise responder ao questionamento inicial da
pesquisa: Quê possibilidades se colocam para as ruínas fabris através de
proposições do Poder Público? Qual o lugar das ruínas fabris na produção de
101

habitação na cidade? Quê alternativas críticas permitem refletir e questionar a


produção de políticas públicas de habitação na cidade através de autogestão?
Nesse capítulo é demonstrado o resultado da pesquisa com o intuito de contribuir
sobre o quadro de vazios urbanos na Avenida Brasil, do caráter autogestionário de
ocupações como fonte de alternativas para adoção de estoques de ruínas fabris sem
requalificação ao longo de décadas na cidade do Rio de Janeiro e em proposições
para intervenções nesses locais, apresentando exemplos de ações exitosas, com
base nas pesquisas realizadas.
Por fim, comento a atuação de movimentos sociais de luta por moradia de
ocupação na cidade do Rio de Janeiro para demonstrar o fenômeno da pesquisa na
contemporaneidade e contribuir para a visibilidade dessas ações.

3.2 HABITABILIDADE – CENÁRIOSPOSSÍVEIS NAS RUÍNAS FABRIS

Relacionado com o contexto da pesquisa, chegou-se à habitabilidade urbana,


afim de compreender o que é vivenciado no recorte espacial pesquisado.
Segundo Oliveira (2013), a habitabilidade urbana é uma questão com pouca
visibilidade junto aos órgãos públicos que fomentam a produção habitacional e
pouca produção bibliográfica. Contudo, permite contribuir para a gestão de
ocupações irregulares.
Para efeito de desenvolvimento urbano das áreas onde estão as ruínas fabris, a
habitabilidade urbana possui um conjunto de indicadores urbanos que traçam um
modelo de habitabilidade para possíveis cenários de gestão urbana de ocupações
com o propósito de elencar as tomadas de decisões e prover soluções de problemas
e limites a serem enfrentados nas cidades com estoques de imóveis abandonados.
Sobre habitabilidade, Cohen et al (2004),comenta:

Entende-se por padrão de habitabilidade a adoção de tipologias


em correspondência aos requisitos mínimos que garantam o morar com
desfrute de saúde e bem-estar e propiciem a dignidade humana, Nesse
sentido, promove o pleno exercício do ato de morar, ampliando e
melhorando, respectivamente, a qualidade do espaço e da vida. Padrões
102

que propiciem o convívio harmônico através da reflexão e do


aprimoramento do lugar/ objeto/ habitação (COHEN, 2004, p. 809)

A investigação das pré-existências presentes nas ocupações possibilita


compreender como a habitabilidade se dá nesses espaços e como a gestão deles
será feito.

Para a determinação das necessidades habitacionais é preciso


que sejam estabelecidos parâmetros mínimos de habitabilidade, a partir dos
quais possam ser mensurados o tamanho e a natureza dos problemas
habitacionais locais. Nesse sentido, destaca-se que o processo de definição
desses parâmetros é influenciado por modos específicos de se perceber a
questão da habitação e os problemas que suscitam dela. De maneira que a
cada padrão definido corresponderá uma opção de olhar a problemática da
população (RIBEIRO; CARDOSO; LAGO, 2003, p. 12)

Oliveira (2013), menciona ainda,que a habitabilidade urbana abrange a habitação


num sentido amplo no contexto da cidade em que a população deve ser atendida
plenamente pelos serviços urbanos de infra-estrutura e equipamentos urbanos, ou
seja, inclusão territorial e pertencimento a um espaço sadio.
As ocupações de ruínas fabris na Avenida Brasil, apesar de estarem no radar da
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, conforme demonstrado em entrevistas e
estudos técnicos da Secretaria de Urbanismo no capítulo 2, não possuem
planejamento de readequação desses imóveis pelo Poder Público, até o presente
momento.
Isso gera aumento de ocupações irregulares à revelia de mecanismos formais
que persistem por anos nessas localidades, conforme demonstra a ausência de
proposição pública sobre a área de maior ocupação irregular em ruínas fabris do Rio
de Janeiro, Área de Planejamento 3.
Existe dificuldade de operacionalizar o reenquadramento dessas regiões através
do Poder Público e, inclusive, da ausência de interesse do capital privado. Contudo,
o trecho da Avenida Brasil, próximo ao Centro, demonstra alguma mudança sobre
tais imóveis, conforme as falas do Diretor da Corretora que concluiu a venda do
Sabão Português, que se tratava de um imóvel de grande porte o que o tornava caro
ao investimento de segurança por conta da localidade.
103

O avançar de décadas mantendo a continuidade do abandono faz as ruínas


fabris se tornarem uma camada menos atrativa do ponto de vista dos investidores,
sobretudo com a ausência da Prefeitura da cidade em intervenções de infra-
estrutura, segurança, saúde.

O indicador habitabilidade urbana parte do pressuposto de


que moradia é entendida em seu sentido amplo, conjugando-se ao
direito à cidade.
Essa avaliação deve verificar em que medida a habitação
responde a uma preocupação dessa ordem, de estar inserida na
malha urbana, baseada em sua relação com a rede de infra-estrutura
e a possibilidade de acesso aos equipamentos públicos. Soma-se a
isso o estudo da implantação urbana dos empreendimentos,
mediante análise da acessibilidade física, das barreiras
arquitetônicas e das patologias e problemas construtivos que podem
se manifestar no conjunto do empreendimento. (BONDUKI, 2002, p.
208)

3.3 AUTOGESTÃO: APONTAMENTOS SOBRE A POLÍTICA DE HABITAÇÃO DE INCENTIVO À

AUTOGESTÃO

As fontes de pesquisa deste item foram a revisão bibliográfica sobre a luta no


espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro por direito à moradia, assim como
experiências que tive em ocupações no Rio de Janeiro - Ocupação Manoel Congo,
no centro do Rio de Janeiro e o contato com pesquisadores sobre os
desdobramentos da pesquisa – ocupação, favela, moradia, vazios urbanos – que
atuam na AP3 e, inclusive, no Complexo da Maré.
Pretendeu-se compreender a relação entre as permissões e limitações de ocupar
através da investigação da existência de embasamento legal sobre as ocupações
desenvolvidas pelos movimentos sociais, em especial, na Avenida Brasil.
A alternativa da utilização de imóveis vazios a partir de ocupações para moradia
surgiu no contexto europeu nos anos 1960 e à época os movimentos relacionados a
essa reivindicação já apontavam que os abandonos estavam relacionados com a
especulação imobiliária.
104

No Brasil, os movimentos de ocupação possuem atuações em vários estados


mas, a visibilidade da atuação de frente popular sobre a adoção de imóveis vazios
no cenário internacional é mais consolidada, enquanto que, aqui sofre repressão e
criminalizações. Conforme a experiência de Copenhagen, demonstrada por
Caminha (2013):

Em 26 de setembro de 1971, um grupo de pessoas ocupou um campo


militar,com cerca de 130 edifícios, na área central de Copenhagen. Menos
de um ano depois, em maio de 1972, o Ministério da Defesa autoriza a
utilização pelos ocupantes dos edifícios e terrenos da área pertencente ao
Estado. No ano seguinte,é autorizada a permanência da "Freetown
Christiania"por um período de três anos.Influenciados pela contracultura e o
32
ideário de uma sociedade alternativa, a okupação começa a se
transformar em uma verdadeira comunidade. Chistiania hoje é considerada
a única cidade anarquista do mundo, possuindo suas próprias leis, impostos
e modos de decisão – através da autogestão. Porém, nos últimos anos tem
sofrido pressão por parte da população e do governo dinamarquês,
possivelmente –como muitos alegam - por estar localizada em uma área de
possível valorização imobiliária, próxima ao porto.

A origem da autogestão está associada ao ideal de gestão, decisão e controle


pelos próprios trabalhadores da unidade de produção, em meado dos séculos XVIII
e XIX.
A experiência uruguaia disseminada até os dias atuais pela América Latina
influencia movimentos de moradia no Brasil representando, segundo Ferreira (2014,
p. 198), “a apropriação do espaço residencial organizado como valor de uso, em
oposição ao espaço como valor de troca e a construção de novas relações solidárias
baseadas na gestão coletiva e comunitária dos espaços e equipamentos.”

Ao longo do primeiro ano da pesquisa (2018) iniciei a busca por mediadores


para entrada em campo. Através do recorte espacial foi identificada a presença do
Observatório de Favelas33 dentro do raio de atuação da pesquisa, no Complexo da

32
O movimento squatter (ou okupa) surge no contexto europeu da contracultura, nos anos
1960
33
https://www.observatoriodefavelas.org.br/
105

Maré.
Com isso, entrei em contato com pesquisadores da instituição para reunião
visando explanar sobre o meu estudo e a necessidade de mobilizar apoio para
entrar em alguma ocupação.
Na reunião com o Pesquisador João34, em outubro de 2018, fui convidada a
conhecer os espaços internos do OF35onde ele apresentou as atividades
desenvolvidas pelos pesquisadores e integrantes, contou a sua atuação. Perguntei
se algum deles era morador de ocupação na região, disse que não tem registro de
colaboradores que residam nas ocupações, contudo, a maioria é residente em
comunidades ali e fora dali, como requisito da provisão de oportunidade de atividade
remunerada ou não junto ao OF. Fomos para a área externa do galpão principal do
OF e caminhamos até a Avenida Brasil para que eu conhecesse o galpão Bela
Maré36 e o Pesquisador contou que esses galpões são arrendados. Ao longo do
trajeto até uma das ruas transversais à Avenida onde funciona o Bela ele indicou
que eu observasse construções ao longo da calçada que estavam fechando e que
eram, rapidamente, reformadas pelo tráfico de drogas para que gerassem aluguéis.
Sobre isso, há discussões sobre o valor de troca em detrimento do valor de
uso presente nesses espaços, independente da intenção inicial de ocupar para
morar. A pesquisa não se detém em aprofundamentos sobre esse foco de
discussão, contudo, identificou indícios do recurso de aluguéis bastante presente
nas ocupações de moradia desenvolvido e mantido, tanto por morador como por
lideranças ilegais.
As conversas com o OF contribuíram para o conhecimento das ações
desenvolvidas pelo grupo de pesquisadores ao longo dos anos de atuação.
Conversei também com o Fundador Jailson Santos37 que orientou entrar em contato

34
João Felipe P. Brito, Pesquisador do OF com quem troquei e-mail's, me recebeu e
apresentou os espaços físicos dos galpões da Sede do OF e o Bela Maré. Bacharel em Ciências
Sociais, UFRJ (2009); Mestre em Sociologia e Antropologia, PPGSA-UFRJ (2012); Doutor em
Sociologia, PPGSA-UFRJ (2016)
35
Observatório de Favelas
36
Galpão vinculado ao OF com atividades artísticas (dança, teatro, etc)
37
Jaílson de Souza e Silva, criador do Observatório de Favelas. Geógrafo, Doutor em
Sociologia da Educação, fundador e atual diretor geral da Universidade Internacional das
Periferias - UNIperiferias/IMJA
106

com o Redes da Maré para buscar informações de colaboradores que pudessem


mediar acesso às ocupações. O professor encaminhou o contato do Sr. Humberto
que buscou por pessoas conhecidas que residiam na região contudo, não encontrou.
Ainda relacionado ao OF, contatei o Redes da Maré 38 a partir do Jailson e
também não consegui quem pudesse moderar visitas.
Apesar do objetivo inicial não ter sido alcançado e não ter tido suporte para
entrar em ocupação na AP-3, o contato com o OF contribuiu para o conhecimento de
vasto material de atuação do grupo junto àquela população do entorno imediato do
Complexo da Maré.

Acerca de grupos atuantes em ocupações de edifícios públicos, anteriormente


abandonados, existe o MNLM – Movimento Nacional de Luta por Moradia39, que luta
por direito à cidade através da adoção de imóveis ociosos para provisão de moradia,
e inclusive, desenvolver práticas sociais de participação horizontal. Ou seja, a partir
dos próprios moradores.
Sobre o planejamento do processo de ocupar, a Coordenadora da Manoel
explica sobre a divisão de tarefas e construção do aprendizado sobre a entrada no
espaço que servirá para moradia.

Doze anos de luta, nega. Nós passamos por todos os processos. Mais
dois anos de preparação, porque antes de entrarmos aqui nós ficamos dois
anos mobilizando as famílias. Imagina famílias que moram em vários
lugares. Aqui tinha de Caju, Anchieta, Campo Grande, Cantagalo, Pavão
Pavãozinho, Chapéu Mangueira, Babilônia. Todo mundo não se conhecia,
então, você precisa de um preparo, dividir tarefas, cada um fazer a sua
parte, a própria interiorização que é o mais importante. Conhecer o próprio

38
A Redes da Maré é uma instituição da sociedade civil que produz conhecimento, elabora
projetos e ações para garantir políticas públicas efetivas que melhorem a vida dos 140 mil
moradores das 16 favelas da Maré. Ver: http://www.redesdamare.org.br/
39
O MNLM é uma entidade do movimento popular de moradia, com 20 anos de luta,
organizado nacionalmente em 18 estados. Possui como missão estimular a organização e
articulação da classe trabalhadora na busca da unidade de suas lutas, pela conquista de uma
política habitacional de interesse social com reforma urbana, sob o controle dos trabalhadores,
que garanta a universalização dos direitos sociais, contribuindo para a construção de uma
sociedade socialista, igualitária e democrática. <http://mnlmrj.blogspot.com/p/apresentacao.html>
107

movimento, a gente tem que falar que não luta só pela casa que é uma luta
maior, que é pela cidade, da reforma urbana.
A gente tem um núcleo, que chamamos de núcleo duro, que a gente
sabe sobre políticas públicas, que sabe o nosso papel, que é militante. Tem
ocupação que não tem essa organização por trás, é difícil.
É um quebrar de paradigma que a gente faz. Esse é o nosso grande
diferencial, foi construído coletivamente.
(Entrevista com a Coordenação da Ocupação Manoel Congo em Maio
de 2019)

Figura 44 - Foto em Visita à Ocupação Manoel Congo, em 2019


Kitnet, a partir de redistribuição dos espaços originais de escritórios do INSS

Fonte: Acervo pessoal da Autora, a partir de proposta como Aula Externa na Tutoria do Estágio
Docente, da disciplina Projeto de Habitação Popular, Primeiro Semestre de 2019, EAU/ UFF

A atuação autogestionária vem construindo reflexões e ações sobre alternativas


de produção de habitação nas cidades, conforme Ferreira (2014, p. 198) salienta:
108

“Esta concepção representa uma nova forma de pensar o espaço da cidade, gerido
pelos seus cidadãos, em oposição à forma burocrática e centralizada com a qual
muitas vezes o espaço urbano é gerido pelo Estado.”

Figura 45 - Foto em Visita à Ocupação Manoel Congo, em 2019


Kitnet, a partir de redistribuição dos espaços originais de escritórios do INSS

Fonte: Acervo pessoal da Autora, a partir de proposta como Aula Externa na Tutoria do Estágio
Docente, da disciplina Projeto de Habitação Popular, Primeiro Semestre de 2019, EAU/ UFF

A requalificação de imóveis por meio de ocupações permite a transição de


modos de vida com elementos para maior valor de uso do que de troca, através da
autogestão em crítica à desigualdade social motivada pela propriedade privada.
109

Para tanto, Martínez (2002, p. 203) comenta:

Las okupaciones son parte de una lucha política al margen del sistema
institucional, entendiendo que es política porque se ejercealgún tipo de
relaciones de poder [...]. Su sentido político es emancipatorio en la medida
en que plante a una resistencia genérica a La dominación [...]. Que
podamos valorar este sentido ideológico general como emancipatorio o
progressista no significa que exista siempre una unânime comprensión de
las dimensiones de la dominación social existente.

Com isso, observa-se que as ocupações utilizam em sua prática, redes de


conexão social e representatividade presente diante das instituições de poder
público para que obtenham legitimidade frente à sociedade.
Acerca disso, na Ocupação Manoel Congo, no centro do Rio, foi criado o Criarte
que conjuga arte e participação social no aprendizado do cotidiano da criança e do
adolescente.
A Coordenação da Manoel Congo, numa das visitas que fiz à Ocupação em
meados de 2019, explica a importância dos núcleos no contexto da ocupação:

Além da Ocupação, a gente tem núcleos que é o núcleo de educação,


núcleo de comunicação responsável pela comunicação do movimento e o
Criarte, que é um projeto de educação popular que a gente trabalha a
questão da cidade com as crianças desde cedo, além do reforço escolar e a
participação social deles. [...] Sala multimídia, com mesas para oficinas não
só para crianças e adolescentes também. Uma sala multifuncional, na
verdade.
(Entrevista com a Coordenação da Ocupação Manoel Congo em Maio
de 2019)
110

Figura 46 – Espaço Criarte Mariana Criola - Ocupação Manoel Congo

Fonte: Acervo pessoal da Autora, em Aula Externa como Ouvinte, PUC - Rio
Ministrada pela Professora Maíra Martins, Junho de 2018

Segundo Ferreira (2014, p. 203), se faz necessário alterar o foco do


financiamento da habitação para a concepção da política de autogestão através da
adequação do programa institucional à demanda autogestionária. Ou seja, “o
programa tem que se adequar à política de autogestão, fundada na gestão
participativa dos processos e na propriedade coletiva.”
Desse modo, as ocupações permitem diálogo do espaço tanto para moradia
quanto para construções de saberes, numa forma de providenciar o
desenvolvimento sócio-cultural dos moradores, através de "equipamentos coletivos
ETC", conforme demonstra Julia (2018, p. 12).
Essa reapropriação de espaços ociosos por meio de ação coletiva com
planejamento autogestor demonstra perspectiva de construção de uma cidade mais
justa. Através de união de práticas entre população e instituições públicas numa luta
em favor de novas formas de organização para produção de habitação, conforme
Caminha (2018, p. 13):

Essas ações coletivas conformam-se como lutas e/ ou insurgências e


por isto têm se orientado pela produção de espaços de experimentação de
novos modos de vida, mais abertos às múltiplas singularidades e com
relevância do uso à troca.
111

No segundo semestre de 2019, busquei contato com os movimentos sociais num


recorte mais amplo, e realizei conversas com a Coordenação do UMM40 em SP,
onde obtive o contato do Coordenador da UMP 41, no Rio de Janeiro que retornou
meus questionamentos sobre a atuação de movimentos sociais na Avenida Brasil,
dizendo que não possuem informações sobre a área pesquisada. Além disso,
explicou num breve panorama como tem sido a atuação da UMP:

A UMP-RJ atua na organização de cooperativas de habitação


popular para a produção de moradias através do processo da autogestão.
As ocupações são uma das estratégias de luta do movimento, mas não é a
única. No Rio de Janeiro a UMP tem 3 experiências de cooperativas
consolidadas (a Cooperativa Shangrila e a Cooperativa Esperança, que
ficam em Jacarepaguá; e a Cooperativa Ipiiba, que fica em São Gonçalo) e
5 grupos organizados que estão na luta pelo acesso à terra e ao
financiamento para a produção de moradias. Destes grupos organizados,
nós temos uma única ocupação que é a Vito Giannotti, que fica no Morro do
Pinto, no bairro do Santo Cristo, na região portuária do Rio e que é
42 43
organizada em parceria com a CMP e com o MLB
(Conversa por e-mail com Felipe Nin, Coordenador da UMP, Outubro de 2019)

Em contato com a ANF - Agência de Notícias das Favelas44, em Outubro de

40
União dos Movimentos de Moradia
41
União Moradia Popular
42
Central de Movimentos Populares - A CMP é fruto de um processo histórico de resistência
e dos movimentos sociais populares, em especial das lutas sociais dos anos 1980. Foi fundada no I
Congresso Nacional de Movimentos Populares, realizado de 28 a 31 de outubro de 1993, em Belo
Horizonte - MG. No encontro de fundação, estiveram presentes 950 pessoas oriundas de 22 Estados
do País e representando vários movimentos, tais quais os de prostitutas, negros, mulheres, crianças
e adolescentes, homossexuais, moradores de rua, portadores de deficiência, índios, movimento por
transporte, moradia, saúde, saneamento, direitos humanos, entre outros, demonstrando a amplitude e
a diversidade ali representadas. Seu eixo central de atuação é as Políticas Públicas com Participação
Popular, um instrumento de articulação dos movimentos populares
(https://landportal.org/organization/central-dos-movimentos-populares)
43
Movimento de Luta de Bairros
44
Fundada pelo jornalista André Fernandes em janeiro de 2001, foi logo reconhecida pela
Reuters como a primeira agência de notícias de favelas do planeta http://www.anf.org.br/
112

2019, também não obtive êxito sobre dados relacionados às ocupações de ruínas
fabris na Avenida Brasil em retorno de contato da Secretaria Executiva da
instituição.

Em Junho de 2018 a Defensoria Pública do RJ promoveu um evento aberto


ao público em sua Sede - "A quem serve a Constituição? Medidas de Exceção,
Criminalização dos Movimentos Sociais e Direito de Resistência" por conta de
medidas do Congresso Nacional que poderiam responsabilizar penalmente os
movimentos sociais de luta por moradia. O Seminário teve a presença de
especialistas, Deputados e também a participação de representantes de movimentos
sociais (MST45, MTST46, MNLM47, UMP/ RJ48, CMP49, Almor50 e MLB51).

45
O Movimento Sem Terra está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país. No
total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e da organização
dos trabalhadores rurais.Mesmo depois de assentadas, estas famílias permanecem organizadas
no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro passo para a realização da Reforma
Agrária. (https://mst.org.br/quem-somos/)

46
“Movimento dos Trabalhadores Sem Teto — é um movimento que organiza trabalhadores
urbanos a partir do local em que vivem: os bairros periféricos. Não é e nem nunca foi uma
escolha dos trabalhadores morar nas periferias; ao contrário: o modelo de cidade capitalista é que
joga os mais pobres em regiões cada vez mais distantes.

Mas isso criou as condições para que os trabalhadores se organizem nos territórios
periféricos por uma série de reivindicações comuns. Criou identidades coletivas dos
trabalhadores em torno destas reivindicações e de suas lutas. Ao mesmo tempo, a organização
sindical, no espaço de trabalho, tem tido enormes dificuldades em organizar um segmento
crescente de trabalhadores (desempregados, temporários, terceirizados, trabalhadores por conta
própria, etc.), a partir de transformações ocorridas no próprio processo produtivo, que tornaram
as relações trabalhistas mais complexas e diversificadas.

Assim, o espaço em que milhões de trabalhadores no Brasil e em outros países têm se


organizado e lutado é o território. É aí que o MTST se localiza: somos um movimento territorial
dos trabalhadores. (https://mtst.org/quem-somos/)”

47
Movimento Nacional de Luta por Moradia
48
União de Moradia Popular/ RJ
113

Figura 47 - Representantes de movimentos sociais que participaram do


seminário"A quem serve a Constituição? Medidas de Exceção, Criminalização dos
Movimentos Sociais e Direito de Resistência", na Defensoria Pública do Rio de
Janeiro

Fonte: Site da Defensoria Pública do Rio de Janeiro


Acesso em: Dezembro de 2019

49
Central de Movimentos Populares (mencionado em nota anterior e, novamente, afim de
facilitar a menção aos grupos presentes no Seminário)
50
Ação Livre por Moradia - A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é o único
entrave para que a situação da ocupação Almor (Ação Livre por Moradia) seja regularizada,
constituindo-se como moradia popular. Localizada na Mem de Sá, no Centro do Rio de Janeiro, a
ocupação foi incluída, em 2010, no Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e
contemplada com o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, do Ministério das
Cidades (FNHIS 2009). Além disso, ganhou um projeto de arquitetura de Chiq da Silva,
associação que defende o enquadramento de propriedades ociosas do Estado em
programashabitacionais, para a realização das obras que o prédio necessitava
(https://lutafob.wordpress.com/2016/04/07/uerj-e-unico-entrave-para-que-ocupacao-seja-
regularizada/).
51
Movimento de Luta de Bairros
114

Figura 48 - Folder do Seminário

Fonte: Site da Defensoria Pública do Rio de Janeiro


Acesso em: Dezembro de 2019

Figura 49 - Seminário "A quem serve a Constituição? Medidas de Exceção,


Criminalização dos Movimentos Sociais e Direito de Resistência", na Defensoria
Pública do Rio de Janeiro

Fonte: Site da Defensoria Pública do Rio de Janeiro


Acesso em: Dezembro de 2019
115

Segundo a Coordenação do NUTH52o seminário teve como objetivo


"combater as conseqüências dos projetos de lei em tramitação na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal que, se forem aprovados, vão criminalizar os
movimentos sociais que têm como foco as ocupações urbanas e rurais" (Defensoria
Pública RJ - 2018).

A Defensora Pública lembrou que as ocupações urbanas e rurais são


alternativas de política habitacional que se dá de forma pacífica e destinam-se a
demonstrar o abandono dos imóveis, portanto, sem cumprimento de sua função
social.

O seminário começou a ser organizado antes da queda do Edifício Wilton Paes


de Almeida, em São Paulo. Com o acontecimento, passamos a assistir o aumento
dos discursos voltados para a criminalização dos movimentos e para a
culpabilização dos ocupantes dos imóveis ociosos por eventuais tragédias, sem
atentar para a realidade nacional marcada pelo empobrecimento da população,
déficit habitacional e inexistência de política habitacional nas três esferas de Poder
(Maria Julia Miranda, Coordenadora do NUTH - Defensoria Pública do RJ, Junho de 2018)

O Projeto de Lei a quê o seminário se refere contém a seguinte menção sobre


o os movimentos sociais de luta por moradia em sua justificação:

seja criminalizado o abuso do direito de articulação de movimentos sociais, destinado a


dissimular a natureza dos atos de terrorismo, como os que envolvem a ocupação de imóveis urbanos

52
Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Atua na defesa
jurídica do direito à moradia nos casos de despejos, remoções, reintegrações de posse e outros
conflitos fundiários;
Acompanha procedimentos administrativos que representem risco para a posse e moradia
das comunidades pobres;
Promove a regularização fundiária de comunidades por meio de usucapião e legitimação de
posse ou auto de demarcação;
Acompanhamento de Políticas Públicas que possam trazer reflexos para o Direito a Moradia
das comunidades pobres, tais como CHOQUE DE ORDEM, TRANSCARIOCA, TRANSOESTE,
TRANSOLÍMPICA, PARQUE OLÍMPICO, ETC (http://www.defensoria.rj.def.br/Cidadao/NUTH)
116

ou rurais, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado.


(Câmara dos Deputados, Projeto de Lei Nº 9.604, de 2018)

Atualmente, o Projeto de Lei continua tramitando sem ter sido aprovado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objeto central da pesquisa foi investigar as ocupações de ruínas fabris e o


objeto empírico foram os galpões da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro.
Nesse sentido, inicialmente, para que a questão central da pesquisa fosse
caracterizada foi feita uma análise sobre as diferentes categorias de vazios urbanos.
Com isso, identificou-se que as chamadas ruínas fabris são uma dessas categorias.
A pesquisa pretendeu buscar através de registros oficiais junto a órgãos
públicos e relatos de moradores de ocupações de ruínas fabris sobre a ocupação
dessas edificações, a fim de alcançar registros junto à Municipalidade do Rio de
Janeiro participei de Audiências e entrevistas presenciais na Prefeitura local, nas
Secretarias Municipais de Urbanismo e de Habitação (SMU e SMH) onde pude
levantar dados sobre o tema estudado.
Através dessas Audiências constatei que não existem proposições atuais ou
futuras do Poder Público que viabilizem possibilidades de intervenções em
ocupações de ocupações informais de imóveis fabris. Embora estudos técnicos
tenham sido feitos acerca desses espaços com levantamentos fotográficos e de
Legislação vigente e o desenvolvimento de propostas preliminares pela Secretaria
Municipal de Urbanismo não foram executados.
Esses Estudos Técnicos (2001 e 2006) possuem um lapso temporal e, com
isso, estão defasados e são incipientes, sobretudo, considerando as transformações
ocorridas nessas ocupações. Contudo, poderia ser feito um acompanhamento dessa
evolução para posteriores intervenções, ainda que sem previsão de realização, já
que a área estudada é a que demonstra maior incidência de produção irregular de
moradia de modo a torná-la objeto de ações concretas. Então, em alguma ocasião
poderia se tornar alvo de políticas públicas de habitação na cidade do Rio de
117

Janeiro. A Coordenação da SMH diz que “essa região está no radar da Prefeitura” -
embora isto não se traduza em ações concretas. E se está no radar, quais as razões
objetivas para negligenciar esses registros identificados? Essas perguntas não
tiveram respostas suficientes para além da justificativa sobre a alternância dos
interesses de cada Gestão Municipal. Isso reproduz a manutenção da invisibilidade
desses espaços. A Prefeitura do Rio de Janeiro não atua para regularizar, ordenar,
dotar de infraestrutura ou avaliar medidas para as ocupações de ruínas fabris,
conforme verificado na pesquisa.
Isso é claramente observado no discurso dos técnicos que desenvolveram
esses Estudos Técnicos. Em uma das Audiências um dos Técnicos da Equipe da
Coordenação de Planejamento 3 (AP3 – Área de Planejamento 3) confidenciou que
esses estudos foram feitos por equipes capacitadas, mas que foram fragmentados
em virtude das mudanças na Gestão do Município do Rio e Janeiro.
A ausência do Poder Público nesses espaços possibilita o surgimento de
grupos criminosos organizados – milícia e tráfico – que consolidaram a sua
dominação nas ocupações fabris de tal forma que é possível identificá-los nas falas
de setores do mercado imobiliário da cidade do Rio de Janeiro.
O que pode ser observado nas declarações da ADEMI – Associação de
Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário - e da Firjan – Federação das
Industrias do Estado do Rio de Janeiro - é que não vislumbram interesse em
investimentos na área. Uma exceção a essa visão é a da Corretora Sergio Castro
que concluiu a venda da antiga fábrica Sabão Português (2018), na Avenida Brasil.
Com o fim de compreender essa afirmativa sobre a investida em imóveis
abandonados ao longo da Avenida Brasil, entrevistei o Diretor dessa Corretora e ele
demonstrou conhecimento sobre a dificuldade de proposições para esses espaços.
Contudo, confia e defende o potencial existente nessa área. Comenta que os
entraves são de ordem legal ao que diz respeito à propriedade fundiária, assim
como do encarecimento da segurança, responsabilizando a milícia por esse
encarecimento.
Nessa área que concentra vazios urbanos na Brasil, destaca-se o papel que o
Complexo da Maré desempenha o que diz respeito de formação de cultura,
educação, considerando que já contribui com oportunidades de educação,
educação, cultura e emprego. Esses dados não estão disponíveis na Prefeitura do
Rio de Janeiro e sequer são considerados como possibilidade de parceiros para
118

condução de acesso, já que a Prefeitura diz que a entrada nas ruínas fabris é
prejudicada por conta de segurança.
Uma aproximação entre a Prefeitura e as instituições atuantes nesses locais
poderia providenciar a entrada nessas ocupações ou um levantamento mais real
sobre esses imóveis para compor os Estudos Técnicos feitos pela Secretaria
Municipal de Urbanismo.

Sobre a atuação dos movimentos sociais de moradia na cidade do Rio de


Janeiro, foi verificado que esses grupos não têm avançado no recorte estudado,
tendo sido confirmado em relatos de Coordenações entrevistadas – MNLM53 e
UMP54– assim como, em levantamento de registros de atuações publicados.
Isto demonstra que apesar de existir demanda por imóveis estocadas para
fins de ocupação, não têm sido reivindicados por esses movimentos por priorizarem
imóveis públicos abandonados e, também, por conta do grande numero de grupos
criminosos organizados ao longo da Avenida Brasil.
Corroborando a questão levantada junto à Prefeitura do Rio de Janeiro,
realizei entrevistas e pesquisas de processos de ocupações no ITERJ – Instituto de
Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro – e uma antropóloga pesquisadora
relatou que sobre a dificuldade presente na cidade do Rio de Janeiro para o avanço
da parceria entre Poder Público e as ocupações, ratificando as Audiências com a
SMU e a SMH.
Seria desejável a articulação entre as entidades que gerenciam a cidade com
interferências admissíveis, em favor de criar mecanismos para políticas públicas de
habitação. As Audiências demonstraram que isso não está em curso, e sequer é de
interesse, dentro do planejamento urbano, na Prefeitura do Rio de Janeiro.
Há que considerar, ainda, que a investida autogestionária por movimentos
sociais em imóveis abandonados vem sendo criminalizada, conforme a Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro que promove ações para colaborar dando
suporte aos moradores desses espaços.
Não há uma perspectiva de acordos, atos das SMU e SMH – ou outra
Secretaria Municipal – a fim de discutir a morosidade de intervenção nas ocupações

53
Movimento Nacional de Luta por Moradia
54
União de Moradia Popular
119

em ruínas fabris. Esses Estudos Técnicos realizados não foram publicados,


inclusive, o que contribui para a invisibilidade dessa modalidade de moradia e sua
população.
Além da esfera municipal, foi identificado também que o Estado possui
instrumentos que possibilitam a regularização dessas moradias, conforme o ITERJ
afirmou. Esse órgão estadual salientou que os municípios, em sua maioria, não
possuem quadro de funcionários capacitados para operacionalizar essa
regularização e que algumas Prefeituras sequer reconhecem essa questão como
relevante, não dispondo, ainda, de estruturas administrativas para tratar desse tema.
Ou seja, foi verificado que não existem ações em favor dessa população em
sentido horizontal - Governo Municipal e Ocupação - e nem vertical - Governo
Municipal e Governo Estadual.
Apesar disso, no momento de realização desta pesquisa, a Coordenação do
ITERJ comunicou que atende todos os casos que os alcancem em totalidade, a
partir de processos analisados na Sede, abertos por moradores e não a Prefeitura.
Isso demonstra a ausência de interação entre as instâncias de Governo -
Municipal e Estadual – para providenciar políticas públicas de habitação que
inexistem para a região estudada, assim como, apontam para a irrelevância dessas
ocupações, o que contribuiria para o ordenamento afim de usufruir de instrumentos
já existentes para contribuir com essa população.

As ocupações decorrem da ausência de políticas públicas de provisão da


moradia social através do Poder Público. Isto contribui para a maneira como essas
ocupações avançam e desenvolvem espaços de moradia sem qualidade de vida.
Além da morosidade da justiça, no que diz respeito à retomada dos imóveis, a
crise econômica e a violência que geraram esse cenário de abandono na área
citada, a partir de ações do crime organizado no frágil controle desses territórios
também são fatores que consolidaram esse contexto.
Com isso, o estudo se encaminha para reflexões sobre a habitabilidade e
autogestão nas ruínas fabril, e que, precisa de informações para além dos
resultados até aqui. E assim, abre investigação para estudos futuros.

Assim, considero que a pesquisa está aguardando que se retorne ao lugar


para “desrepresá-la”.
120

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