Você está na página 1de 70

APONTAMENTOS DE DIREITO DO TRABALHO II

DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

Diz-nos JORGE LEITE que o direito do trabalho é “o conjunto das normas jurídicas, de
origem convencional e estadual, que visam regular, com vista à sua normalização, as relações
individuais e coletivas que têm como seu elemento unificante e desencadeante o trabalho
assalariado”. Ora, tivemos já oportunidade de nos debruçar sobre o direito individual do
trabalho que tem na sua génese a relação individual de trabalho. Agora, o nosso objeto de
estudo será o direito coletivo do trabalho, isto é, iremos abordar o exercício da autonomia
coletiva, ou seja, da atuação conjunta dos trabalhadores. Dimensão fundamental do direito do
trabalho, porquanto esteve na sua origem, traduzindo a assimilação, pelos trabalhadores, da
ideia de solidariedade de interesses por banda dos mesmos.
Em suma, com JORGE LEITE, “o direito do trabalho exprime a rutura com o
individualismo radical, é o produto do homem solidário, versus, homem solitário”.
O direito coletivo do trabalho encontra-se, hoje, regulado no Título III do Livro I do
Código do Trabalho, respetivamente, dos arts. 404.º a 545.º.

2
ÍNDICE GERAL

CAPÍTULO I – ESTRUTURAS DE REPRESENTAÇÃO COLETIVA DOS TRABALHADORES


CAPÍTULO II – CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
CAPÍTULO III – O REGIME JURÍDICO DA GREVE

3
CAPÍTULO I – ESTRUTURAS DE REPRESENTAÇÃO COLETIVA DOS TRABALHADORES

1. A liberdade sindical e os direitos das associações sindicais.


2. Noção de sindicato.
2.1. Uma questão polémica.
3. As dimensões da liberdade sindical.
3.1. Liberdade de constituição de sindicatos.
3.2. Liberdade de inscrição.
3.3. Liberdade de organização e de regulamentação interna.
3.4. Liberdade de ação sindical na empresa.
4. Tutela da liberdade sindical.
5. Associações sindicais e ordens profissionais.
6. As comissões de trabalhadores.
7. A tutela dos representantes eleitos.
7.1. Em especial, em matéria de transferência e de despedimento.
7.1.1. O espaço laboral e o art. 411.º do Código do Trabalho.
7.1.2. O despedimento patronal e o art. 410.º do Código do Trabalho.

4
CAPÍTULO I – ESTRUTURAS DE REPRESENTAÇÃO COLETIVA DOS TRABALHADORES

1. A liberdade sindical e os direitos das associações sindicais.

No art. 55.º/1, a CRP consagra a liberdade sindical como um dos DLG’s dos
trabalhadores1. A liberdade sindical é uma forma particular da liberdade de associação (art.
46.º CRP), mas constitui um tipo autónomo. Na verdade, a liberdade de associação é, hoje,
mais do que uma simples liberdade de associação perante o Estado. Assim, o acento tónico
coloca-se no direito à atividade sindical perante o Estado e os empregadores, o que implica,
por um lado, o direito de não ser prejudicado pelo Estado ou pelos empregadores, por causa
do exercício de direitos sindicais e, por outro lado, o direito a condições de atividade sindical
(direito de informação e de assembleias nos locais de trabalho, entre outros).
Ora, não obstante do art. 404.º CT resultar a consagração do princípio do pluralismo
das estruturas de representação coletiva – sendo de notar que da nossa CRP resulta, aliás,
a existência de um sistema dualista de estruturas de representação coletiva, na medida em
que reconhece nesta qualidade as comissões de trabalhadores (art. 54.º) e as associações
sindicais (arts. 55.º e 56.º) –, as associações sindicais são aquelas que, pela sua importância,
se destacam no nosso ordenamento jurídico.
A importância a que aludimos tem um alcance especificamente jurídico, na medida em
que: a CRP reserva, exclusivamente, a possibilidade de representar os trabalhadores na
celebração de convenções coletivas de trabalho para as associações sindicais (art. 56.º/3),
podendo falar-se de um verdadeiro monopólio sindical do exercício do direito de contratação
coletiva; e o Código do Trabalho, no seu art. 531.º/1, reserva, quase exclusivamente (ex vi,
art. 531.º/2), o direito de decidir do recurso à greve para as associações sindicais, podendo,
então, falar-se de um quase-monopólio sindical da greve.
Só que, dada a sua natureza de organizações de interesses dos trabalhadores, os
sindicatos possuem, também, uma importante dimensão política, que se alarga muito para
além dos interesses socioprofissionais dos sindicalizados (porém, cfr. o art. 440.º/1 CT),
fazendo com que a liberdade sindical consista, também, no direito dos sindicatos a exercer
determinadas funções políticas.

1
Importa observar que a Constituição não confere qualquer proteção especial às associações patronais (as quais,
naturalmente, gozam da garantia geral do direito de associação, expressa no art. 46.º CRP). A proteção exclusiva
das associações sindicais, inserida, aliás, no âmbito da garantia especial dos direitos dos trabalhadores, é
expressão do favor laboratoris perfilhado na Constituição; o qual, obviamente, não se compaginaria com um
estatuto de igualdade dos parceiros sociais (cfr., porém, o art. 440.º CT onde se preveem expressamente as
associações de empregadores ao lado das associações de trabalhadores).

5
Neste sentido, decorre da CRP o direito das associações sindicais de se fazerem
representar nos organismos de concertação social (art. 56.º/2-d) CRP, alínea aditada pela LC
n.º 1/89 que introduziu o conceito de concertação social no texto da Constituição), direito que
contribui para um papel de destaque das associações sindicais.
Apenas umas breves notas sobre a figura, antes de se desvelar a importância a que
se aludiu. A concertação social traduz-se na negociação e no compromisso dos parceiros
sociais entre si e entre eles e o Governo quanto à adoção, implementação e execução de
medidas de natureza económica e social particularmente relevantes no domínio da legislação
laboral e da política económica, especialmente quanto à política de rendimentos e preços. A
expressão mais típica da concertação social é a celebração de pactos sociais ou acordos
sociais tripartidos sobre as matérias enunciados. Concertação entre o Governo e as
confederações sindicais2 e patronais que tem lugar no âmbito da Comissão Permanente de
Concertação Social, integrada num órgão de concertação macroeconómica, o Conselho
Económico e Social (art. 92.º CRP), nos termos do art. 6.º da Lei n.º 108/91. Entendem GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA que o direito de representação das organizações sindicais nos
organismos de concertação social significa que não podem ser instituídos organismos de
concertação com marginalização de um setor sindical por motivos políticos ou ideológicos. Do
mesmo modo, dentro de tais organismos, não pode haver discriminações consoante a postura
mais ou menos conciliadora de cada organização. Sendo um direito o de participar nos
referidos organismos, não pode essa participação ser imposta, nem pode estabelecer-se
qualquer prejuízo pela não participação.
Mas como é que este direito se reflete numa importância de relevo das associações
sindicais? É que, ainda que os acordos de concertação social alcançados nesta sede não
vinculem juridicamente o Parlamento, na prática, estes têm-se traduzido num forte fator de
constrangimento político do órgão legislativo. Com efeito, surge uma espécie de “legislação
concertada”3 que o Parlamento é chamado a chancelar a posteriori, pondo em xeque, segundo
LEAL AMADO, os velhos princípios da democracia representativa – diluição da

2
Assim, o direito parece competir às organizações de cúpula da estrutura sindical. Mas, a não ser que se entenda
que a organização (ou organizações) de cúpula da estrutura sindical representa o movimento sindical, a solução
pode ser complicada pela existência de sindicatos não representados – por não estarem filiados – naquelas
superestruturas sindicais. Na maior parte dos casos, a lei tem seguido uma solução pragmática, deixando às
próprias associações sindicais a determinação dos critérios de representação.
3
Note-se que não preclude o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho (art. 56.º/2-a) CRP)
o facto de a legislação ter sido objeto de negociação ou mesmo de acordo em sede de concertação social, pois
esta nem é necessariamente pública nem abrange todo o universo das organizações de trabalhadores com direito
de participação, pois na concertação social estão representadas somente as confederações sindicais. De resto, a
separação dos dois direitos em alíneas separadas (als. a) e d)) mostra que a segunda não consome a primeira.

6
responsabilidade da maioria parlamentar pelas decisões político-legislativas, obnubilação da
supremacia legislativa do Parlamento e da representação partidária.

2. Noção de sindicato.

Na lição de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, por sindicato compreende-se uma


associação específica de trabalhadores assalariados ou equiparados destinada a defender os
seus interesses, desde logo e fundamentalmente, perante as entidades empregadoras. A
differentia specifica do sindicato em relação às restantes associações está, pois, no seu
caráter de associação de classe, de associação de defesa dos direitos e interesses dos
trabalhadores.
Além da classificação doutrinal, deparamo-nos com uma noção legal de sindicato no
art. 442.º/1-a) CT: “associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos
seus interesses socioprofissionais”. A noção legal de sindicato, para sua bastante
compreensão, carece, contudo, de ser explicitada.
Trata-se de uma associação, ou seja, é uma pessoa coletiva associativa (tem,
portanto, personalidade jurídica própria que adquire através do registo dos estatutos ex vi art.
447.º/1 CT e distingue-se dos membros que a constituem) que, por força do seu substrato
pessoal, não se confunde com uma fundação – elemento organizativo. Note-se que, na
medida em que não existem, no nosso regime, sindicatos obrigatórios (art. 55.º/2-a) CRP), a
voluntariedade é também uma das notas que predica o conceito. Uma associação
permanente, pois tem uma vocação de permanência, apesar das entradas e saídas dos seus
membros. Contudo, uma associação permanente de trabalhadores, isto é, apenas podem
fazer parte de um sindicato aqueles que prestam trabalho em moldes juridicamente e
hierarquicamente dependentes, ou seja, o trabalho de execução heteroconformada, não
podendo, desde logo, integrar um sindicato prestadores de serviços e profissionais
autónomos – elemento subjetivo. Por fim, uma associação permanente de trabalhadores para
defesa e promoção dos seus interesses socioprofissionais – elemento objetivo ou finalista.
Fala-se em interesses profissionais propriamente ditos, isto é, interesses que têm que ver
somente com condições de trabalho (salários, horários, condições de segurança). Mas será
ou deverá ser assim? O confronto do normativo com os arts. 55.º/1 e 56.º/1 CRP demonstra
uma clara restrição quanto ao âmbito de interesses a defender naquele. Desta feita, deve
fazer-se uma leitura ampla desta noção de “interesses” fornecida pelo Código, de tal modo
que abranja também outros interesses dos trabalhadores, designadamente, interesses de
ordem social (p. ex., relacionados com a dignidade social da categoria profissional
representada pelo sindicato).

7
De acordo com o critério do nível de organização – critério seguido pelo Código do
Trabalho nas als. a) a d) do art. 442.º/1 –, podemos identificar quatro tipos associativos,
orientados por três graus: associações sindicais de 1.º grau, sindicato (al. a)); associações
sindicais de 2.º grau, federação (base subjetiva) e união (base territorial) (als. b) e c),
respetivamente); e associações sindicais de 3.º grau, confederação (al. d)).

2.1. Uma questão polémica.


A respeito da noção de sindicato, em especial, quanto ao elemento subjetivo daquela,
tem-se levantado o problema de saber quem é trabalhador para efeitos da liberdade sindical,
ou seja, temos em vista o o problema do âmbito subjetivo da liberdade sindical. Trata-se, de
qualquer maneira, de casos-limite.
Em particular, tem-se levantado o problema de saber se os magistrados judiciais e do
Ministério Público gozam de liberdade sindical, nos termos do art. 55.º da CRP, cujo n.º 2
preceitua “no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer
discriminação”.
De facto, o art. 110.º CRP identifica os tribunais como órgãos de soberania, a par do
Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo. Por isso, diz-nos JORGE
MIRANDA, os juízes são inamovíveis (art. 216.º/1 CRP) e irresponsáveis pelas suas decisões,
salvas as exceções consignadas na lei (art. 216.º/2 CRP). Ora, um estatuto como este, no
entendimento do A., implica, em contrapartida, quer deveres quer restrição de alguns direitos.
E sendo, contudo, certo que o art. 18.º/2 CRP parece consentir apenas as restrições da DLG’s
nos casos expressamente previstos na Constituição e o art. 270.º apenas se referir aos
militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo e aos agentes
dos serviços e das forças de segurança, certo é, também, que existem restrições implícitas,
fundadas em princípios constitucionais e derivadas da necessidade de preservar “outros
direitos e interesses constitucionalmente protegidos”, conforme acrescenta o mesmo art.
18.º/2 CRP.
Por outro lado, outros AA. apontam a necessidade de considerar certas diferenças
entre os titulares destes órgãos de soberania com outros semelhantes. Com efeito, o acesso
à magistratura faz-se, em grande medida, através do exercício da liberdade pessoal que
decorre do art. 47.º CRP – liberdade de escolher uma profissão – sujeitando-se a um concurso
público; diferentemente, integrar um Executivo ou ser Deputado não repousa no exercício de
um direito pessoal como aquele, mas, antes, num direito político. Ademais, tem-se aludido a
um critério de profissionalidade que aponta para a ideia de que a profissão de magistrado
(judicial ou do Ministério Público) é heteroconformada e dependente, colocando-se, no seu
âmbito, as questões típicas da liberdade sindical. Assim, tem permanecido, quanto aos

8
magistrados, a ideia de uma dupla faceta: a de titular de um órgão de soberania que tem as
suas condições de trabalho definidas por outrem.
Estes argumentos não deixam, contudo, de encontrar o seu contra em JORGE
MIRANDA. Quanto à ideia de que os magistrados são trabalhadores subordinados, entende
que estes não se encontram em qualquer situação aproximável da dos trabalhadores das
empresas privadas e da Administração Pública: investidos na titularidade de órgãos de
soberania, encontram-se, perante o Estado, numa relação de identificação (“não são
empregados do Estado, são o Estado a agir”). Quanto à existência de uma carreira
profissional, aponta que se trata de uma carreira singular e irredutível a qualquer outra, na
medida que se trata de uma carreira em que o poder disciplinar é um poder de exercício
participado pelos próprios e em que as classificações atendem a rigorosos critérios
intelectuais, sem tocarem, minimamente, no conteúdo decisório dos arestos emitidos. Que
não sejam os magistrados a determinar as condições materiais do exercício da sua atividade,
aponta o A., não ressalta diferença bastante entre estes e o que sucede com o Presidente da
República, os Deputados e os Ministros. Por fim, em particular quanto ao reconhecimento do
direito à greve aos magistrados judiciais atenta que o reconhecimento de liberdade sindical a
estes não implica, como corolário lógico necessário, o reconhecimento do direito à greve,
aliás, como sucede quanto aos agentes das forças de segurança que, em 2001 (Lei n.º
14/2002), alcançaram o direito de associação sindical e a quem foi recusado, de forma
terminante, o direito à greve (art. 270.º, in fine).

3. As dimensões da liberdade sindical.

A liberdade sindical, enquanto DLG, expressamente reconhecido na CRP (art. 55.º), é


um direito complexo de titularidade diferenciada. De facto, a liberdade sindical analisa-se, tal
como a liberdade de associação em geral, num conjunto de liberdades e direitos, dos quais
os principais estão referidos nos n.ºs 2 a 6 do art. 55.º CRP. Ora, sucede que uns são direitos
individuais dos trabalhadores (face ao Estado, aos empregadores e aos próprios sindicatos);
outros são direitos próprios dos sindicatos (face ao Estado e aos empregadores).
O art. 55.º/2 garante os direitos e liberdades sindicais aos “trabalhadores sem qualquer
discriminação”. Com GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, mais do que a reafirmação do
princípio constitucional da igualdade (art. 13.º/2 CRP), trata-se de não deixar dúvidas de que
todos os trabalhadores, qualquer que seja a entidade para quem trabalham, e qualquer que
seja o setor, gozam dos direitos e liberdades sindicais, não sendo lícita qualquer interdição
legal. Ora, a análise do art. 55.º/2 CRP permite-nos desdobrar a liberdade sindical em duas
fundamentais valências: uma individual e outra coletiva.

9
3.1. Liberdade de constituição de associações sindicais.
Reflexo da valência coletiva da liberdade sindical reconhece a CRP, na al. a) do art.
55.º/2, a “liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis”,
designadamente, a sua não sujeição a qualquer forma de autorização administrativa (art.
46.º/1 CRP).
Neste sentido, a liberdade de constituição abrange a liberdade de escolha do respetivo
âmbito pessoal e geográfico, do setor ou ramo de atividade respetivo, bem como a liberdade
de organização sindical derivada, não podendo a lei estabelecer qualquer restrição. Quer isto
dizer que o legislador constituinte de 1976 optou pela consagração do princípio do pluralismo
sindical, opção que se encontra vertida, também, no art. 440.º/1 CT; por oposição ao princípio
da unicidade sindical, marcado pela imposição legal de existência de um único sindicato para
determinada categoria profissional, de inscrição obrigatória, que vigorou durante o período do
Estado Novo, em consonância com a opção pelo corporativismo e pela aversão à
conflitualidade social. Por conseguinte, é constitucionalmente inadmissível a proibição legal
de criação de sindicatos paralelos ou concorrentes.
No entanto, o art. 55.º/1 CRP estabelece uma clara conexão entre a liberdade sindical
e a unidade dos trabalhadores. Impõe-se a questão: como articular esta referência
constitucional à unidade dos trabalhadores com o princípio do pluralismo sindical? Simples e
sem qualquer antinomia normativa. Da articulação entre estes dois binómios resulta que: a
Constituição rejeita a proteção legal da unidade sindical (“unicidade”) por via de restrições à
constituição de sindicatos concorrentes ou paralelos e considera a unidade dos trabalhadores
como tarefa deles próprios, no respeito pelas suas opções sindicais. Ou seja, da CRP resulta
que a unidade dos trabalhadores, sendo embora um objetivo a atingir, não é um objetivo que
possa ser legal ou constitucionalmente imposto, devendo ser a partir da vontade associativa
dos trabalhadores que essa unidade se deve construir.
Não obstante, a referência à unidade indicia, claramente, o desfavor constitucional em
relação à pulverização sindical – e consequente perda de força dos sindicatos –, de que a
imposição do “direito de tendência”4 (art. 55.º/2-e) constitui um claro testemunho, ao garantir

4
O direito de tendência (art. 55.º/2-e) CRP) está dependente da sua concretização nos estatutos dos sindicato.
Trata-se de um direito sob reserva de estatutos, devendo estes definir organizatória e materialmente o respetivo
âmbito (art. 450.º/2 CT). Não é uma simples liberdade, mas uma verdadeira obrigação estatutária sob pena de
omissão ilícita. Os estatutos são livres na definição das formas de por em prática o direito de tendência, mas não
podem dispensá-lo. Os estatutos sindicais ficam aqui na mesma situação da lei, quando a Constituição remete
para ela a definição dos termos de determinado direito, não podendo deixar de conferir-se um âmbito
razoavelmente relevante que há-de consistir na possibilidade de expressão institucional de várias correntes
minimamente representativas existentes em cada associação sindical. Remetendo a Constituição diretamente para
os estatutos, é óbvio que, salvo a título supletivo, a lei não pode vir intrometer-se, impondo, p. ex., um figurino de
exercício de direito de tendência. Este direito visa assegurar a expressão das tendências minoritárias dos

10
a existência de sindicatos plurais (“pluralismo interno”), como alternativa à multiplicação de
“sindicatos de tendência” (“pluralismo sindical externo”).
Ora, num sistema em que a regra é o pluralismo, mas em que a unidade é um objetivo
a atingir, levanta-se o problema da representatividade das associações sindicais. Problema
que ganhou particular acuidade a partir do Memorando de Entendimento com a Troika (2011),
do qual consta expressamente no ponto 4.7. Contudo, poder-se-á dizer que, se o problema
foi objetivamente identificado e reconhecido pelo Executivo da altura, até hoje, carece de uma
solução legal que defina regras e critérios para aferir da representatividade dos sindicatos.
Ademais, sendo um direito de exercício necessariamente coletivo, é
constitucionalmente admissível a criação de sindicatos com número mínimo de fundadores,
que a lei pode estabelecer dentro de limites razoáveis, que não criem obstáculos
consideráveis à liberdade de criação de sindicatos. Por fim, note-se que paralela à liberdade
de criação é a liberdade de dissolução dos sindicatos pelos seus associados.

3.2. Liberdade de inscrição


Reflexo da valência individual da liberdade sindical, consagra a CRP, na al. b) do art.
55.º/2 a liberdade de inscrição no sindicato, a qual pode ser teorizada em duas dimensões.
Desde já, note-se que entendemos que ambos os aspetos estão abrangidos por este direito
constitucional, embora a letra do texto pareça abranger apenas o último.
Uma positiva, que reconhece ao trabalhador a liberdade de se filiar ou até o direito de
se inscrever no sindicato que o possa representar, sem dependência de um ato de admissão
discricionário do sindicato (“direito ao sindicato”). Esta faceta tem expresso acolhimento no
art. 444.º/1 CT. Não obstante, conhece duas limitações. Em primeiro lugar, a liberdade de
inscrição do trabalhador está condicionada pelo âmbito subjetivo e geográfico do sindicato.
Depois, o CT estabelece, no art. 444.º/5, o princípio da proibição da dupla filiação, daí
resultando que o trabalhador não se poderá filiar em dois sindicatos em simultâneo em relação
à mesma profissão (resulta a contrario que, se o trabalhador exercer duas profissões
diferentes, poderá filiar-se em dois sindicatos que digam respeito a cada uma dessas
profissões). Porém, note-se que a limitação decorrente do princípio da proibição da dupla
filiação não decorre necessariamente do texto constitucional, como sucede quanto aos
partidos políticos (art. 51.º/2 CRP). Em suma, desta faceta da liberdade de inscrição resulta
que a decisão do trabalhador se filiar num sindicato é, by all means, uma decisão exclusiva.
Outra, negativa, que garante o direito de não inscrição no sindicato, bem como o direito
de o abandonar a todo o tempo, de forma imotivada e sem quaisquer consequências (art.

sindicatos, sendo uma garantia de sindicatos pluralistas e, portanto, da unidade sindical, podendo prevenir a
ocorrência de cisões sindicais e a criação de sindicatos paralelos.

11
444.º/6 CT) e, na lição de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, o direito de não pagar quotas
para sindicato em que não esteja inscrito (art. 457.º CT).
Por fim, note-se que a liberdade de inscrição proíbe, seguramente, que a inscrição no
sindicato constitua requisito necessário para o exercício de profissão ou para o exercício dos
direitos e regalias legalmente reconhecidos aos trabalhadores. Mas não impede que aos
sindicatos sejam conferidas, facultativamente, atribuições de caráter público em relação a
todos os trabalhadores, desde que legalmente vinculadas (e desde que, também, não
ofendam a independência sindical), nem exige que os direitos e regalias obtidos por ação do
sindicato beneficiem automaticamente os não inscritos (o que favoreceria o fenómeno de free
rider e fomentaria o desinteresse na atividade sindical).

3.3. Liberdade de organização e de regulamentação interna.


Reflexo da valência coletiva da liberdade sindical, a Constituição garante a liberdade
de auto-organização e a liberdade estatutária das associações sindicais, através da “liberdade
de organização e regulamentação interna” (art. 55.º/2-c)), não podendo a lei estabelecer
outros limites que não os resultantes da própria Constituição, sem prejuízo de a lei reguladora
poder assegurar os requisitos mínimos e normas supletivas dos estatutos (cfr. art. 445.º CT).
A auto-organização implica a liberdade de definição da forma de governo da
associação (p. ex., órgãos dirigentes escolhidos entre os sócios, relações entre eles), bem
como as formas de expressão da vontade sindical (eleições, referendos), tudo apenas com o
limite do respeito pelo princípio democrático.
O princípio democrático (art. 55.º/3 CRP) estabelece requisitos (“organização e gestão
democráticas”) que se impõem aos sindicatos e constituem limites à liberdade de organização
e regulamentação interna; princípio, de resto, acolhido expressamente no CT nos arts. 445º
e 451.º. Ele constitui uma irradiação do princípio democrático geral da CRP que se torna um
princípio estruturante de todas as organizações coletivas, especialmente daquelas, como os
sindicatos, que assumem uma função constitucional relevante.
Entre os requisitos da organização e gestão democráticas, hão-de contar-se não
apenas a “eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes” (incluindo um limite
razoável de duração dos mandatos), mas, também, entre outros, a universalidade e igualdade
de sufrágio e igualdade de candidaturas, bem como exigências quanto à maioria de aprovação
dos estatutos, o controlo e a responsabilização dos órgãos dirigentes. LEAL AMADO aponta a
existência de uma pormenorização talvez excessiva deste princípio quanto às suas
exigências, p. ex., em relação ao escrutínio secreto que não se exige, sequer, para os partidos
políticos (art. 51.º/5 CRP).

12
Acrescenta-se, expressamente, que as eleições sindicais não estão sujeitas a
qualquer autorização ou homologação administrativa, princípio que, de resto, já resultava do
próprio princípio da liberdade sindical e que deve valer para todos os atos dos sindicatos.
Os estatutos são aprovados mediante deliberação da assembleia constituinte,
conforme dispõe o art. 447.º/1 CT, devendo solicitar-se o registo dos mesmos por parte do
serviço competente do Ministério responsável pela área laboral. Contudo, no respeito pela
liberdade estatutária, o Ministério do Trabalho procede a um mero controlo formal, a posteriori
e de natureza judicial (art. 447.º/4 CT). Compete ao Ministério Público o controlo da legalidade
dos estatutos, promovendo a declaração judicial de nulidade de cláusula ou de extinção.

3.4. Liberdade de ação sindical na empresa.


O art. 55.º/2-d) CRP consagra o direito de exercício da atividade sindical na empresa,
reflexo da dimensão individual da liberdade sindical. Trata-se de uma importante conquista do
movimento sindical, face ao anterior entendimento que deixava a atividade sindical “à porta
da empresa”. Entendimento que se foi democratizando até ter sido superado, reconhecendo-
se, hoje, expressamente o direito à atividade sindical na empresa (cfr. arts. 460.º e ss. CT).
Com efeito, a Constituição considera-o um verdadeiro direito dos trabalhadores e das
associações sindicais e não uma simples liberdade perante a entidade empregadora; muito
menos se poderá configurar como mera tolerância destas entidades. É um direito que implica
o reconhecimento da secção sindical da empresa e do seu direito de organização através de
delegados sindicais (cfr. art. 54.º/4) e comissões sindicais, e que supõe certas garantias
indispensáveis, incluindo as necessárias obrigações positivas (designadamente, o
reconhecimento da possibilidade de acesso aos locais de trabalho dos representantes dos
trabalhadores, o direito de reunião, o direito a um local de trabalho para os delegados
sindicais, o direito de afixação e informação sindical, o direito de circular no interior da
empresa, o direito de obter esclarecimentos de caráter económico e social, o direito de crédito
de tempo para trabalho sindical).

4. Tutela da liberdade sindical.

Os preceitos constitucionais sobre direitos e liberdades sindicais, uma vez que dizem
respeito a direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, vinculam diretamente as
entidades privadas (art. 18.º/1 CRP), mesmo quando se dirigem também contra o Estado. Os
empregadores têm de respeitar os direitos e liberdades sindicais, sendo, portanto, nulos ou
suscetíveis de sanção penal os seus atos que atentem contra aqueles. Esta a lição de GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, expressamente acolhida no art. 406.º/1-a) CT e 407.º/1 CT.

13
Com efeito, resulta do art. 406.º/1-a) CT a proibição, na medida em que violam a
liberdade de inscrição (expressamente consagrada no art. 55.º/1-b) CRP e corolário da
liberdade sindical na sua dimensão individual) na sua faceta positiva, os pactos e atos
antissindicais, e, porque conflituam também com a liberdade de inscrição, mas na sua vertente
negativa, os pactos de segurança sindical.
Mas o que são uns e outros?
Os pactos ou atos antissindicais visam reduzir a influência socioeconómica do
sindicato ou, por outro lado, reforçar o sindicato que seja do especial agrado das entidades
empregadores, dos quais é exemplo o yellow dog contract.
Por outro lado, os pactos de segurança sindical, de matriz anglo-saxónica, andam
muito ligados à contratação coletiva ao nível da empresa e expressam-se nas chamadas
cláusulas de garantia sindical (union security). Trata-se de disposições com várias
modalidades pelas quais o acesso e a manutenção do emprego são postos na dependência
da filiação nos sindicatos subscritores da convenção.
Salienta-se a conhecida closed shop, há muito proscrita no ordenamento dos EUA pela
lei Taft/Harley de 1947, que restringe em absoluto o campo de recrutamento do empregador
aos trabalhadores inscritos no sindicato – funcionando este como um serviço de emprego
dotado de exclusividade na oferta de mão de obra. Estas estipulações correspondem a
conveniências de ambas as partes, como nota MONTEIRO FERNANDES: o sindicato recolhe não
apenas benefícios indiretos (maior volume de quotizações), mas, sobretudo, um reforço do
seu poder contratual e da sua capacidade de controlo social; o empregador, por seu turno,
obtém a corresponsabilização do sindicato no tocante à qualificação profissional dos
trabalhadores admitidos, além de averbar a vantagem do recorte nítido do interlocutor legítimo
nas questões laborais coletivas.
Outra modalidade é a cláusula de preferential hiring ou preferência sindical que
determina a contratação preferencial de trabalhadores sindicalizados. Neste último tipo de
casos, note-se que o fim não é um fim ilegítimo, consistindo no reforço das associações
sindicais, objetivo que até está patente na CRP (art. 55.º/1); contudo, entende-se, e bem, que
os meios não justificam os fins, que a possibilidade de o empregador se fazer valer de um
meio jurídico como forma de pressionar o trabalhador na sua decisão de se filiar ou não num
determinado sindicato é inadmissível, o que, em todo o caso, seria inconstitucional, note-se.
Por fim, quanto às sanções correspondentes a qualquer um dos atos
supramencionados: o art. 406.º/1, no plano da tutela civil, fulmina com a nulidade estes atos
(art. 286.º e 289.º CC); o art. 407.º/1, no plano da tutela penal, determina a configuração de
crime para este tipo de pactos, com a correspondente pena de multa até 120 dias.

5. Associações sindicais e ordens profissionais.

14
As associações sindicais não se confundem com as ordens profissionais, ainda que a
distinção não seja, por vezes, fácil de se fazer no plano empírico.
De facto, as ordens profissionais têm uma natureza híbrida ou dualista, na medida em
que são, simultaneamente, organismos públicos de regulação da profissão (não só no que diz
respeito ao acesso, mas também quanto ao exercício da mesma) e associações de defesa
de interesses profissionais. Do que vai dito, logo se verifica a existência de uma distinção
formal clara entre as associações sindicais e as ordens profissionais: enquanto aquelas são
pessoas coletivas privadas; estas são associações públicas criadas por delegação do Estado.
Além do mais, note-se que às associações sindicais não cabe qualquer papel de regulação
do acesso ou exercício da profissão.
Neste sentido, compreende-se que também as funções exercidas pelas ordens
profissionais tenham um caráter ambivalente, isto é, tanto desempenham funções de tipo
privado, como seja a representação e defesa dos interesses profissionais no campo social e
económico, como funções de natureza pública, nomeadamente, a regulação do acesso à
profissão e do seu exercício, funções disciplinares.
A explicitação das suas funções permite-nos compreender fundamentais diferenças
de regime, em relação às associações sindicais. Com efeito, as ordens profissionais têm
natureza unicitária e obrigatória, abrangendo todos os membros da profissão, sendo-lhe,
contudo, constitucionalmente vedada a representação dos interesses laborais daqueles que
sejam trabalhadores dependentes (art. 267.º/4 CRP e art. 5.º/2 Lei n.º 2/2012). As diferenças
com as associações sindicais, neste ponto, refletem-se com particular acutilância. De facto,
para estas, vigora o princípio do pluralismo (art. 55.º/2-a) CRP) e a liberdade de inscrição por
parte dos trabalhadores (art. 55.º/2-b) CRP).
As associações sindicais e as ordens profissionais, por quanto foi dito, conhecem
claros pontos de semelhança, sem, contudo, se deixarem de distinguir. No entanto, dada a
semelhança existente, convirá saber se será possível a existência de associações sindicais
em profissões reguladas por uma ordem profissional. A resposta é afirmativa, sendo
amplamente conhecidas situações em que sucede isso mesmo, nomeadamente, o caso dos
médicos, profissão em que existe uma Ordem dos Médicos e um Sindicato dos Médicos.

6. Comissões de trabalhadores.

A Constituição de 76 veio reconhecer, como instâncias representativas dos


trabalhadores, as associações sindicais (arts. 55.º e 56.º CRP) e as comissões de
trabalhadores (art. 54.º CRP). Estabeleceu, assim, um sistema de dualidade de instâncias
representativas dos trabalhadores, conquanto não taxativo, o que se reflete, claramente, na

15
consagração do princípio do pluralismo das estruturas de representação dos trabalhadores
no art. 404.º CT.
Ora, a respeito das comissões de trabalhadores, diz-nos a CRP, no seu art. 54.º/1,
que: “é direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus
interesses e intervenção democrática na vida da empresa”.
Cumpre notar que o direito de constituir comissões de trabalhadores existe em relação
a todas as empresas, qualquer que seja o seu tipo ou natureza e qualquer que seja o seu
estatuto legal, pertençam ou não a cidadãos nacionais. Assim, para que se trate de uma
empresa para efeitos constitucionais, com GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “basta que se
esteja perante uma organização empresarial, isto é, cuja função consista na combinação de
meios de produção e trabalho para produzir bens ou serviços”.
O direito de criar comissões de trabalhadores consiste em os trabalhadores não serem
impedidos de as criarem, em elas não poderem ser dissolvidas ou extintas pelo empresário
ou pelo Estado. Tal como a liberdade sindical, o direito de criar comissões de trabalhadores
reveste natureza necessariamente coletiva, não podendo reduzir-se à iniciativa individual de
cada trabalhador. Por isso, é duvidosa a questão de saber se é exigível a participação de uma
percentagem ou número mínimo de trabalhadores para criar uma comissão de trabalhadores.
As comissões de trabalhadores, contudo, não se confundem com as associações
sindicais. A distinção entre umas e outras é tanto mais pertinente, quanto é certo que pode
haver delegados sindicais a nível de empresa (arts. 54.º/4 e 55.º/2-d) CRP), os quais podem
constituir comissões sindicais de empresa que são, simultaneamente, órgãos da secção
sindical da empresa (i. é., dos trabalhadores da empresa sindicalizados) e órgãos da respetiva
associação sindical, não se confundindo com a comissão de trabalhadores, mesmo quando
haja acumulação de funções em ambos.
No que diz respeito ao âmbito de atuação destas estruturas, as comissões de
trabalhadores são órgãos dos trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento,
independentemente da sua categoria profissional, e visam defender os seus interesses nessa
qualidade, enquanto trabalhadores dessa empresa ou desse estabelecimento. Ao invés, os
sindicatos são organizações dos trabalhadores de determinada categoria profissional ou de
determinado setor de atividade e visam defender os interesses desses trabalhadores como
categoria geral, independentemente da empresa onde trabalham. Em suma, poder-se-á dizer
que o âmbito de atividade das comissões de trabalhadores é, primeiramente, o da respetiva
empresa e, secundariamente o setor económico em que ela se integra; o âmbito da atividade
sindical é, por natureza, supra-empresarial (mesmo quando o sindicato englobe trabalhadores
pertencentes a uma única empresa, já que ele se pode associar a outros sindicatos de outras
empresas e setores).

16
O nexo de representação dos trabalhadores nas comissões de trabalhadores e nas
associações sindicais também não é igual. Enquanto, as comissões de trabalhadores são
órgãos do coletivo dos trabalhadores da empresa ou estabelecimento, independente da
vontade individual de cada trabalhador – existe, portanto, um nexo de representação
automática; as associações sindicais são formas particulares de associação, implicando uma
específica vontade associativa dos trabalhadores – existe, portanto, um nexo de
representação voluntário.
O facto de a comissão de trabalhadores representar todos os trabalhadores de uma
determinada empresa explica a opção do nosso ordenamento jurídico por um princípio de
unicidade, isto é, a inadmissibilidade de comissões de trabalhadores paralelas ou
concorrentes, ao invés do que sucede para as associações sindicais em que vigora o princípio
do pluralismo (art. 55.º/2-a) CRP). Opção implicitamente consagrada no art. 55.º/2 CRP e
expressamente sancionada no art. 415.º/1 CT.
Contudo, o princípio da unicidade para as comissões de trabalhadores é temperado
pela possibilidade de criar subcomissões e, ainda, pelo princípio da representação
proporcional. Assim, não se exige que exista uma só estrutura para toda a empresa, sendo
admissível, se os próprios trabalhadores o decidirem, várias subcomissões (art. 415.º/2 CT)
nas empresas com estabelecimentos geograficamente dispersos. Ademais, note-se que o art.
54.º/2 CRP contém princípios constitucionais consagradores do direito dos trabalhadores à
auto-organização, exigindo-se apenas que os membros das comissões sejam eleitos por voto
direto e secreto e que a constituição da comissão de trabalhadores e os seus estatutos sejam
deliberados pelos trabalhadores, sem distinção (princípio democrático). Contudo, no que
respeita às eleições das comissões de trabalhadores, além do voto direto e secreto, são de
considerar também os demais requisitos das eleições democráticas, nomeadamente a
periodicidade das eleições, a pessoalidade do voto, a liberdade e igualdade de candidaturas.
Ora, notam GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA que “problemático é saber se, sob o ponto de
vista da representação democrática, a unicidade das CTs não impõe a adoção do princípio
da representação proporcional, ou pelo menos, de representação das minorias”.
Problematização certeira, na medida em que o Código do Trabalho vem consagrar o princípio
da representação proporcional para estas estruturas (art. 433.º/1).
Quanto às atribuições das comissões de trabalhadores e das associações sindicais,
note-se que as atribuições daquelas têm sobretudo a ver com a organização e gestão
empresarial; enquanto que as atribuições dos sindicatos dizem respeito, sobretudo, às
relações entre trabalhadores e entidades patronais, a começar pelas relações laborais.
Facto que se reflete no modo como as comissões de trabalhadores procedem à defesa
dos interesses dos trabalhadores. Com efeito, esse escopo é prosseguido, sobretudo, através
da grande proximidade e envolvimento destas comissões na gestão da empresa. Os direitos

17
das comissões de trabalhadores estão, em geral, consagrados no art. 54.º/4 CRP, sendo,
depois, desenvolvidos, especificamente no Código do Trabalho.
Assim, a CRP consagra no seu art. 54.º/5-a) o direito das comissões de trabalhadores
a “receber todas as informações necessárias ao exercício da sua atividade” (arts. 423.º e ss.
CT) e entre estas informações devem contar-se todos os esclarecimentos de caráter
económico ou social, de que as comissões careçam para o exercício das suas atribuições.
Trata-se de um direito instrumental em relação a todos os restantes direitos das comissões
de trabalhadores; trata-se das informações necessárias ao exercício do controlo de gestão, à
intervenção na reestruturação das empresas, à participação na elaboração da legislação do
trabalho e dos planos setoriais. A fórmula enfática do preceito constitucional não deixa dúvidas
sobre o amplo alcance deste direito, cabendo às comissões de trabalhadores definir o que
têm por necessário e não podendo a empresa recusar as informações pedidas, salvo se elas
prejudicarem o normal funcionamento da empresa . O âmbito das informações é
particularmente vasto no caso de controlo de gestão e, entre elas, há-de incluir-se a evolução
da atividade e situação da empresa e informação da evolução do emprego.
Ora, o direito ao controlo de gestão (art. 54.º/5-b) CRP e arts. 426.º e ss. CT) não
consiste num mero direito à informação sobre a gestão. Com efeito, o controlo de gestão
implica diretamente, pelo menos, o direito de conhecimento prévio sobre as principais
decisões de gestão e o direito de as comissões de trabalhadores se poderem pronunciar antes
de serem tomadas. Note-se que o controlo de gestão não se confunde com participação no
exercício da gestão (cogestão). O controlo de gestão supõe e implica a separação e
contraposição entre os trabalhadores e os órgãos de gestão da empresa, pressupondo que
aqueles não participam nestes nem fazem parte deles. Este direito é, aliás, exclusivo das
comissões de trabalhadores não se conhecendo semelhante quanto às associações sindicais.
Do que foi dito sobre as atribuições das comissões de trabalhadores, compreende-se
que estas não possam dispor dos direitos de declaração de greve e de contratação coletiva,
que não se compaginam com a sua configuração constitucional e com a lógica das suas
funções e cujo exercício não poderia deixar de gerar conflitos com as funções sindicais.
Assim, o direito de contratação coletiva está constitucionalmente atribuído de forma explícita
aos sindicatos (art. 56.º/3, contudo, cfr. o art. 491.º/3 CT que admite a possibilidade de
comissões de trabalhadores, em empresas com, pelo menos 150 trabalhadores poderem
celebrar convenções coletivas, desde que tal faculdade lhe seja delegada por uma associação
sindical) e o direito à greve é por natureza um dos instrumentos fundamentais de ação
sindical. Ademais, note-se que o direito à representação na CPCS é exclusivo das
associações sindicais (art. 56.º/2-d) CRP).
Por fim, note-se que, apesar das diferenças, há direitos que pertencem
simultaneamente às comissões de trabalhadores e às associações sindicais, como seja o

18
direito à participação na elaboração da legislação do trabalho (arts. 54.º/5-d) e 56.º/2-a) CRP).
Mas, mais importante que a existência de direitos que são partilhados por estas estruturas, é
a unidade teleológica existente entre as mesmas: ambas visam defender os interesses dos
trabalhadores (arts. 54.º/1 e 56.º/1 CRP).

7. Tutela dos representantes eleitos dos trabalhadores.

O art. 55.º/6 CRP consagra o direito de proteção legal adequada dos representantes
eleitos dos trabalhadores e desdobra-se, com GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, em duas
dimensões: a dimensão subjetiva, pois trata-se da consagração de um verdadeiro direito de
defesa dos representantes eleitos dos trabalhadores no exercício das suas funções; a
dimensão objetiva, traduzida na consagração de uma imposição constitucional dirigida ao
legislador no sentido de este concretizar as formas de proteção adequada.
Entre as várias formas de proteção, merecem destaque: a consagração de um regime
garantidor da observância dos direitos e princípios constitucionais em casos de despedimento
e de transferência do local de trabalho (arts. 410.º e 411.º CT); a definição material do
exercício da atividade sindical na empresa e a garantia dos direitos das comissões de
trabalhadores; a definição legal da responsabilidade civil e penal das entidades patronais.
Note-se que, embora inserido numa disposição dedicada à liberdade sindical, o
preceito mencionado abrange todos os representantes eleitos dos trabalhadores, sejam
representantes sindicais (membros de órgãos de associações sindicais ou delegados
sindicais), sejam membros das comissões de trabalhadores5; sejam outros representantes
eleitos (cfr. art. 54.º/5-f) CRP).
A proteção específica que é conferida aos representantes eleitos dos trabalhadores
decorre, naturalmente, da sua situação de particular exposição perante as entidades
empregadoras e as entidades públicas, encabeçando e dirigindo as reivindicações para a
defesa dos restantes trabalhadores, o que os transforma em alvos privilegiados de retaliações
ou outros abusos de poder privado dessas entidades. Por isso, o tratamento adequado deve

5
Nos termos do art. 54.º/4 CT, os membros das comissões de trabalhadores gozam de proteção legal específica
idêntica à dos delegados sindicais, que, todavia, não está definida na Constituição, a qual nem sequer menciona
em qualquer outro lugar a figura dos delegados sindicais. Esta incongruência tem uma explicação histórica: não
existindo, no momento da elaboração da Constituição, um estatuto legal das comissões de trabalhadores, aquela
pretendeu, desde logo, reconhecer aos seus membros a proteção legal que, nessa altura, a lei sindical já
reconhecia aos delegados sindicais, a qual foi, por assim dizer, “recebida” pela Constituição; por outro lado, o
preceito explicita um princípio de igualdade de tratamento legal entre delegados sindicais e membros das
comissões de trabalhadores. É evidente que estes estão igualmente abrangidos na proteção aos “representantes
eleitos dos trabalhadores”, a que se refere o art. 55.º/6 CRP (aditado na primeira revisão constitucional).

19
ter particularmente em conta as dimensões garantísticas necessárias contra os
despedimentos sem justa causa, sobretudo os despedimentos discriminatórios violadores dos
princípios estruturantes do Estado de direito democrático.

7.1. Em especial, em matéria de transferência e despedimento.


O art. 55.º/6 CRP assume-se como uma inequívoca credencial constitucional para uma
tutela legal diferenciada dos representantes eleitos dos trabalhadores. Claro que não se trata
de instituir um tratamento privilegiado para esta classe de trabalhadores; pelo contrário trata-
se de respeitar escrupulosamente o princípio da igualdade que manda tratar de modo igual o
que é igual e de modo diferente o que é desigual, na proporção da respetiva diferença.
Ora, a assunção de responsabilidades ao nível das estruturas de representação
coletiva dos trabalhadores coloca aqueles que são eleitos numa situação distinta dos demais
trabalhadores: serão eles que, em princípio, irão encarnar a conflitualidade inerente à relação
laboral, serão eles que irão liderar os processos reivindicativos em relação à entidade
empregadora, serão eles os principais protagonistas do dissídio coletivo... o que,
evidentemente, os coloca numa situação de especial vulnerabilidade face àquela. Daí que o
art. 55.º/6 CRP aponte para uma tutela reforçada destes trabalhadores, assente numa dupla
ratio: uma dimensão subjetiva, consistente em acautelar a segurança no emprego dos
trabalhadores em causa, e uma dimensão objetiva, de molde a criar condições para o efetivo
exercício da liberdade sindical e dos direitos coletivos dos trabalhadores.
Pergunta-se: a imposição legiferante contida no art. 55.º/6 CRP analisa-se numa
simples permissão de diferenciação ou, mais que isso, numa autêntica obrigação de
diferenciação? A nosso ver, proteção adequada significa, aqui, necessariamente, proteção
diferenciada, isto é, implica um tratamento específico, um regime especial, uma mais-valia de
proteção para os trabalhadores em causa. Se assim não fosse, tratar-se-ia de modo igual o
que é desigual, o que se traduziria numa típica forma de violação do princípio da igualdade.
E também não nos parece haver grandes dúvidas quanto à circunstância de aquela differentia
specifica na situação dos representantes eleitos reclamar um regime legal diferenciado em
matéria de despedimento patronal – ou não fosse nesta sede que, em primeira linha, se fazem
sentir as tentações persecutórias e os instintos retaliatórios da entidade empregadora6.

6
Em sentido diferente, considerando nada impedir que, “estando garantida uma proteção legal adequada dos
representantes eleitos dos trabalhadores em sede de despedimento, o legislador ordinário opte por alargar a
mesma proteção a todos os trabalhadores”, cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS. Não podemos, contudo,
subscrever esta leitura do preceito constitucional em questão. É certo que, comos os AA. observam, o preceito
exige que os representantes dos trabalhadores tenham uma proteção adequada e não, propriamente, uma
proteção diferenciada. No entanto, parece-nos que um qualquer regime legal igualitário em sede de despedimento
desatenderia à supramencionada diferentia specifica da situação dos representantes face aos demais
trabalhadores. Manifestamente, a CRP quer que o legislador estabeleça um plus de proteção para aqueles, não

20
O Código do Trabalho em vigor dispõe de um conjunto de preceitos relativos relativos
à “proteção especial dos representantes dos trabalhadores”. Trata-se dos arts. 408.º (crédito
de horas), 409.º (faltas), 410.º (proteção em caso de procedimento disciplinar ou
despedimento) e 411.º (proteção em caso de transferência). Vamos centrar a nossa atenção
nestes dois últimos preceitos, que se referem a outros tantos aspetos particularmente
delicados da relação de trabalho, a saber: os termos em que o empregador pode, de modo
unilateral, modificar o local de trabalho que havia sido contratualmente estabelecido por
ambos os contraentes; os termos em que o empregador pode proceder ao despedimento de
um representante dos trabalhadores.

7.1.1. O espaço laboral e o art. 411.º do Código do Trabalho.

§ A transferência individual, a transferência coletiva e a inamovibilidade dos


representantes dos trabalhadores.

A cabal compreensão do disposto no art. 411.º CT requer o conhecimento do


regime geral estabelecido pelo CT em matéria de mobilidade geográfica dos
trabalhadores. Ora, a este propósito, dir-se-á: a fixação do local de trabalho
corresponde a um elemento do maior relevo para ambos os sujeitos deste contrato; a
fixação do local de trabalho possui natureza contratual, resultando de acordo expresso
ou tácito das partes; assim sendo, pacta sunt servnda (art. 406.º/1 CC), vale dizer, o
contrato deverá ser pontualmente cumprido, não podendo modificar-se por vontade
unilateral de qualquer dos contraentes. Nas palavras de JÚLIO GOMES, “o princípio de
que os contratos devem ser pontualmente cumpridos tem aqui como corolário que a
entidade patronal não pode, em princípio, transferir o trabalhador sem o seu acordo”.
Resulta, destarte, inteiramente compreensível que o Código do Trabalho tenha
consagrado expressamente a chamada “garantia da inamovibilidade” (art. 129.º/1-f)),
vedando à entidade patronal, em princípio, a transferência do trabalhador para outro
local de trabalho. Em consonância com esta garantia, cfr. o art. 193.º/1 CT.
Em todo o caso, note-se que o local de trabalho contratualmente definido, isto
é, a zona geográfica contratualmente ajustada pelos sujeitos, coincidirá, em regra, com
a área da empresa, estabelecimento ou unidade produtiva em que o trabalhador
labore. Este será, de acordo com a terminologia de MENEZES CORDEIRO, o local de
trabalhão potencial do trabalhador, competindo, depois, ao empregador, no uso do seu

se vislumbrando como é que, numa ótica constitucionalmente adequada, tal plus poderá deixar de passar pelo
regime do despedimento.

21
poder diretivo, a definição do local de trabalho efetivo daquele. Vale dizer, o local de
trabalho potencial resulta de estipulação contratual, ao passo que o local de trabalho
efetivo resulta da direção patronal. Sendo o primeiro mais vasto que o segundo, este
poderá mudar sem que aquele seja alterado – tratar-se-á da normal execução do
contrato de trabalho, de acordo com as ordens e instruções do empregador, e não já
uma qualquer modificação do mesmo7.
Consagrando embora a referida garantia de inamovibilidade, o certo é que o
nosso ordenamento jurídico nunca foi insensível às exigências e, até, às
conveniências empresariais no sentido da mobilidade dos trabalhadores. Assim, o
Código do Trabalho mantém a clássica dicotomia de fattispecies – transferência
individual (art. 194.º/1-b)) e transferência coletiva (art. 194.º/1-a)). Com efeito, neste
domínio, o conceito indeterminado de prejuízo sério desempenha uma função central
no tratamento normativo desta matéria: na hipótese de transferência individual (a qual
é plausível no seio de uma organização produtiva plurilocalizada), o empregador
apenas poderá modificar o local de trabalho se tal transferência não implicar prejuízo
sério para o trabalhador (em caso de prejuízo sério, o trabalhador poderá desobedecer
à ordem patronal de transferência, visto que o dever de obediência tem como limite o
respeito pelos seus direitos e garantias, ex vi art. 128.º/1-e) CT); no caso de
transferência coletiva, o trabalhador não poderá opor-se eficazmente à mudança, mas
sempre poderá resolver o contrato, com direito a indemnização, se aquela lhe causar
prejuízo sério (art. 194.º/5).
Tendo em conta o que vem de ser dito sobre o regime geral da mobilidade
geográfica dos trabalhadores, logo se depreende o alcance da tutela reforçada
conferida, nesta matéria, aos representantes dos trabalhadores: em sede de
transferência individual, a prerrogativa patronal de transferir o trabalhador, contanto
que tal transferência lhe não cause um prejuízo sério, não existe; destarte, ainda que
não haja prejuízo sério, quando se trate de um representante dos trabalhadores, a
respetiva transferência individual sempre carecerá do seu acordo (art. 411.º/1).
A solução legal compreende-se. Exigindo a aquiescência deste trabalhador
como conditio sine qua non para a respetiva transferência individual, a lei procura
alcançar um duplo objetivo: neutralizar quaisquer decisões persecutórias ou
retaliatórias do empregador nesta matéria; evitando, do mesmo passo, que o
representante seja afastado dos trabalhadores que o elegeram. E, justamente porque
estes inconvenientes não existem nas hipóteses de transferência coletiva, nestes

7
Cfr. o Ac. STJ de 31-10-2000, no qual se decidiu que, mesmo em relação a dirigentes sindicais, a entidade
empregadora pode transferir o trabalhador de um setor para outro, desde que dentro das mesmas instalações.

22
casos, a especial tutela dos representantes dos trabalhadores em matéria de
modificação do local de trabalho já não encontra aplicação8.
Em suma, o art. 411.º/1 CT, do mesmo passo que circunscreve a tutela
reforçada dos representantes dos trabalhadores às hipóteses de transferência
individual, consagra, quanto a estas hipóteses, a garantia da inamovibilidade em toda
a sua extensão: em qualquer caso, haja ou não prejuízo sério, o trabalhador poderá
opor-se à transferência desejada pela sua entidade empregadora; esta transferência
jamais lhe poderá ser imposta, mas apenas proposta pelo empregador e só com a
anuência do trabalhador-representante poderá ocorrer. Note-se que a violação do
disposto neste preceito, constitui contra-ordenação grave (art. 411.º/3).

§ Transferência definitiva, transferência temporária e inamovibilidade;


O Código do Trabalho, a par da dicotomia transferência individual/transferência
coletiva, veio distinguir as hipóteses em que a transferência é meramente temporária
(art. 194.º/3) daquelas em que a transferência é definitiva (art. 194.º/5).
Ora, para alguns AA., como ALBINO BATISTA e ANDRADE MESQUITA, esta
distinção assumiria grande relevo para o nosso tema, visto que, na sua opinião, a
tutela reforçada concedida aos representantes dos trabalhadores apenas funcionaria
nos casos de transferência definitiva e não já nas hipóteses de transferência
temporária. Pela nossa parte, porém, confessamos não vislumbrar motivos suficientes
para interpretar restritivamente o disposto no art. 411.º, dado que também uma
transferência temporária poderá dificultar o exercício das funções do representante
e/ou analisar-se numa medida persecutória.
É esta a posição de CATARINA CARVALHO que observa: “o risco de a
transferência consubstanciar atos persecutórios e prejudicar ou dificultar o exercício
das funções dos representantes dos trabalhadores não é afastado (embora possa ser
minorado) pelo caráter temporário da transferência. Esta pode mesmo ocorrer em
momentos de particular conflituosidade laboral ou em que se tencionam tomar
medidas que podem gerar descontentamento acentuado nos trabalhadores,
assumindo especial relevância para o empregador o afastamento, ainda que
temporário, dos membros dos órgãos representativos daqueles. Pode inclusivamente
diminuir as suas condições de elegibilidade futuras. Aliás, convém recordar que muito
embora a transferência não deva exceder o prazo de seis meses, tal pode suceder se

8
Salvo no que se refere à obrigatoriedade de prévia comunicação à estrutura a que pertencem (art. 411.º/2), a
qual tanto vale para a transferência individual como para a transferência coletiva.

23
se verificarem “necessidades imperiosas ao funcionamento da empresa”, não
explicitadas pelo legislador, inexistindo, então, qualquer limite máximo à sua duração”.

§ As “cláusulas de mobilidade geográfica” e a necessidade do acordo (atual) do


trabalhador-representante;
No que diz respeito à liberdade de estipulação de cláusulas de mobilidade
geográfica pelas partes, o Código do Trabalho aposta no papel do contrato de trabalho
como fator de promoção da mobilidade geográfica do trabalhador.
Convém notar que, ainda que o art. 194.º/2 aponte claramente para a
supletividade do regime legal da transferência do trabalhador, a verdade é que nem a
inamovibilidade nem a mobilidade poderão ser absolutas. Assim sendo, através de
estipulação contratual, as partes poderão apenas restringir ou alargar as faculdades
patronais de transferência.
O legislador, em sede de mobilidade geográfica do trabalhador, em suma,
aposta no vetusto da liberdade contratual e sobrevaloriza o poder jurisgénico das
partes. As cláusulas de mobilidade geográfica serão, pois, em princípio, admissíveis à
luz do Código do Trabalho. Ora, assim sendo, poder-se-á colocar a seguinte questão:
quid iuris se um determinado trabalhador aceita a inclusão de uma cláusula de
mobilidade no seu contrato de trabalho, aquando da celebração do contrato, e, mais
tarde, vem a ser eleito para desempenhar funções numa qualquer estrutura de
representação coletiva? Poderá o empregador transferir este trabalhador para outro
local de trabalho, baseando-se naquela estipulação contratual e prescindindo do
consentimento (atual) do trabalhador-representante?
A nosso ver, a resposta é negativa. Quando eleito para uma estrutura de
representação coletiva, o trabalhador volve-se em algo mais que um simples parceiro
contratual: ele transforma-se num representante legítimo de uma coletividade de
trabalhadores, em cujo nome desempenha as correspondentes funções e cujo
interesse lhe compete prosseguir. Com efeito, caso se permitisse à entidade
empregadora transferir o trabalhador de local de trabalho, prescindindo do seu acordo
e arrimando essa decisão na cláusula de mobilidade inicialmente estabelecida, isso
autorizaria o empregador a fazer, justamente, aquilo que a lei quer evitar: usar a
transferência como mecanismo persecutório/retaliatório e como meio de desenquadrar
o trabalhador do coletivo que representa. Parece-nos, por isso, que a cláusula de
mobilidade geográfica não poderá ser acionada pelo empregador durante o período
em que o trabalhador goza do estatuto do representante. Durante esse período,
qualquer transferência do trabalhador – rectius, qualquer transferência individual, seja
ela definitiva ou temporária – carecerá do seu assentimento. Dir-se-ia, pois, que a

24
assunção da condição de representante eleito opera uma modificação no estatuto do
trabalhador nesta matéria, desativando transitoriamente a cláusula de mobilidade,
como que colocando-a numa situação de quiescência.
Entretanto, a questão pode assumir contornos mais complexos e delicados,
pois, a essencialidade ou centralidade do local de trabalho na economia deste contrato
em nada obstam a que a correspondente noção seja algo relativa ou elástica, podendo
assumir uma amplitude ou extensão variáveis. Basta pensar, a este propósito, nas
atividades itinerantes em que, pela sua própria natureza, o local de trabalho possui
uma geometria variável, tendendo a cobrir um perímetro mais dilatado do que o do
operário fabril p. ex. Suponhamos, então, que o trabalhador, ao celebrar o contrato,
aceita a inclusão neste de uma cláusula nos termos da qual o seu local de trabalho
será num dos vários estabelecimentos que a empresa explora, p. ex., na zona norte
do país. Em rigor, dir-se-á que não há, aqui, uma genuína cláusula de mobilidade, mas
antes uma cláusula de fixação ampla do local de trabalho: com efeito, não se
convenciona que o local de trabalho será no estabelecimento do Porto, aceitando o
trabalhador a posterior modificação do mesmo por decisão patronal (isso sim
configuraria uma cláusula de mobilidade), antes, convenciona-se que o local de
trabalho é, afinal, a zona norte do país, gozando o empregador da prerrogativa de
especificar e concretizar esse local em função dos seus mutáveis interesses, sem que,
tecnicamente, haja aí uma transferência do local de trabalho. Mas atendamos à
execução contratual e suponhamos que o trabalhador em questão sempre laborou no
Porto9. Alguns anos depois, ele é eleito para uma estrutura de representação coletiva
de trabalhadores. E, poucos meses após, é-lhe dada uma ordem no sentido de ir
trabalhar para Bragança. Pergunta-se: deve o trabalhador-representante obediência a
esta ordem patronal? Não nos parece. Sob pena de todo o edifício de tutela dos
representantes, em matéria de transferência do local de trabalho, se desmoronar,
julgamos que, para efeitos do art. 411.º CT, aquela ordem consubstancia uma decisão
patronal de transferência do trabalhador, transferência que só será possível mediante
o acordo deste. Em sentido contrário, o Ac. TRP de 15-04-2002.

9
Chamando a atenção para a necessidade de atender à execução contratual, em ordem à determinação do local
de trabalho, ANDRADE MESQUITA. Escreve o A.: “o local de trabalho tem que estar determinado ou ser determinável,
correspondendo, em qualquer caso, à efetiva execução contratual e não a hipotéticas necessidades empresariais
futuras. Esta podem dar lugar a posteriores alterações do local de trabalho, segundo regras que equilibrem os
interesses de ambas as partes”. E conclui: “em qualquer caso, na delimitação do local de trabalho tem de respeitar-
se o disposto nos arts. 193.º e ss., que regulam a sua alteração, não podendo abranger sítios que, por não
corresponderem à atual e efetiva execução do contrato, apenas assumirão relevo no caso de transferência”.

25
7.1.2. O despedimento patronal e o art. 410.º do Código do Trabalho.

§ Procedimento disciplinar e suspensão preventiva;


Nos termos do art. 354.º/1 CT, “com a notificação da nota de culpa, o
empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na
empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição”. Pois bem,
tratando-se de um representante dos trabalhadores, a respetiva suspensão preventiva
não obsta ao exercício normal das suas funções de representante, como resulta do
art. 410.º/1. Dir-se-ia que o trabalhador poderá ser preventivamente suspenso, mas
não o representante eleito. As suas funções laborais poderão ver-se transitoriamente
paralisadas, mas as suas funções representativas já não. Daí que a lei, sem excluir a
possibilidade de suspensão preventiva do trabalhador-representante, logo esclareça
que a mesma não poderá impedir ou dificultar o acesso deste aos locais de trabalho,
bem como o desempenho das atividades que se compreendam no exercício das suas
funções de representante. Trata-se de uma solução lógica, que salvaguarda os
interesses coletivos para defesa dos quais o trabalhador foi eleito, e que, aliás, tem
reflexo noutras disposições codicísticas.

§ A presunção legal de ausência de justa causa;


Em matéria de despedimento, o art. 410.º/3 estabelece uma presunção de
inexistência de justa causa. O despedimento de trabalhadores que exercem,
exerceram nos últimos três anos ou são candidatos ao exercício de funções sindicai,
presume-se feito sem justa causa, afirma o preceito.
Prima facie, resulta desta norma um regime probatório privilegiado, mais
vantajoso para o representante eleito que tenha sido objeto de um despedimento do
que aquele aplicável à generalidade dos trabalhadores. A vantagem regimentar
residiria na circunstância de, neste caso, ao contrário das demais situações, se
presumir iuris tantum que o despedimento do trabalhador-representante foi efetuado
sem justa causa, assim cabendo ao empregador fazer prova dos factos constitutivos
da justa causa de despedimento.
Porém, a verdade é que esta vantagem só o é na aparência. Com efeito, é
ponto assente que, em todo e qualquer caso de despedimento com alegação de justa
causa, sempre recai sobre o empregador, nos termos do art. 342.º CC, o ónus de
provar os factos que integram a referida justa causa e que, portanto, legitimam o
despedimento. Repete-se: não existe, na economia do Código do Trabalho, qualquer
presunção de justa causa de despedimento, pelo que o onus probandi estará,
invariavelmente, a cargo do empregador; a este competirá, em qualquer caso, provar

26
que o trabalhador incorreu em violação contratual e que as infrações disciplinares
assumiram uma gravidade tal que inviabilizaram (isto é, tornaram inexigível) a
manutenção do contrato. Ora, se assim é, parece inevitável extrair a seguinte
conclusão, ainda que um tanto desconsoladora: em rigor, o art. 410.º/3 CT consiste
numa norma desprovia de conteúdo útil – uma norma, dir-se-ia, de embalagem vistosa,
cujo invólucro atrai o olhar, mas cujo conteúdo se revela dececionante.

§ Os meios de reação contra o despedimento;


Entre nós, não existe, atualmente, qualquer sistema de tutela preventiva dos
trabalhadores-representantes em matéria de despedimento. Ou seja, a decisão de
despedimento pode ser tomada pelo empregador, no termo do competente processo
disciplinar, sem que alguma entidade externa e imparcial seja chamada a
controlar/autorizar tal despedimento. Aqui, como em geral sucede, o empregador é o
acusador e o primeiro juiz: a ele cabe instaurar o procedimento disciplinar, remetendo
ao trabalhador a respetiva nota de culpa (empregador-acusador); e a ele cabe decidir,
a final, em caso afirmativo, se o sanciona com o despedimento (empregador-juiz).
Em todo o caso, sendo certo que o ordenamento juslaboral reconhece a
existência de um autêntico poder punitivo auto-tutelar na esfera do empregador,
nenhuma dúvida existe quanto à possibilidade de o exercício daquele poder punitivo
particular vir, a posteriori, a ser escrutinado e sindicado pelos tribunais. E isto é válido,
em matéria de despedimento, quer em relação ao representante eleito, quer em
relação ao trabalhador comum. Um e outro podem, nos termos gerais, recorrer à
providência cautelar da suspensão judicial do despedimento (art. 386.º CT) e intentar
a ação de impugnação do despedimento, ao abrigo do disposto no art. 387.º CT.
Significa isto que não há quaisquer especificidades regimentais, quanto aos
meios reativos colocados à disposição do trabalhador-representante despedido? Não.
Os n.ºs 4 e 5 introduzem, na verdade alguns desvios, ainda que ligeiros, face ao
regime aplicável aos demais trabalhadores.

§ Suspensão do despedimento facilitada;


Como deverá o juiz decidir, caso um qualquer trabalhador seja
despedido e recorra à providência cautelar, requerendo a suspensão
preventiva do despedimento? Responde o art. 39.º/1 CPT “a suspensão é
decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes,
concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento”;
designadamente quando o juiz conclua, na al. b), “pela provável inexistência
de justa causa”. E quando se trate da suspensão do despedimento de um

27
representante eleito? Responde o art. 410.º/4: “só não é decretada se o tribunal
concluir pela existência de probabilidade séria de verificação da justa causa
invocada”. Deparamos, aqui, com uma nuance, porventura pouco significativa
na prática, mas, ainda assim, uma nuance; ao passo que, para o trabalhador
comum, a lei reclama uma convicção forte do julgador para que a providência
cautelar seja concedida (probabilidade séria de inexistência de justa causa), já
no tocante ao representante eleito a lei mostra-se menos exigente, na medida
em que a providência só não será decretada caso exista probabilidade séria
de verificação de justa causa. Dir-se-ia, pois, que, em caso de dúvida, a
providência será concedida ao representante eleito, mas não já ao trabalhador
comum. Ainda assim, e pela nossa parte, temos algumas dúvidas quanto à real
“mais-valia” protetora desta nuance legal. Não será, também esta, uma norma
simpática, mas pouco mais do que ornamental?

§ Impugnação do despedimento acelerada;


Se a concessão da providência cautelar é, ao menos teoricamente,
facilitada em relação ao representante eleito, também em sede de impugnação
do despedimento o legislador emite um sinal de maior presteza: nos termos do
art. 410.º/1 CT, as ações de impugnação judicial do despedimento dos
representantes eleitos têm “natureza urgente”. Significa isto que o escrutínio
judicial do despedimento será, nestes casos, tendencialmente mais rápido,
com as inerentes vantagens para todas as partes envolvidas: para o
trabalhador, a quem a celeridade convém, até para, eventualmente, poder
retornar ao seu posto de trabalho; mas também para o empregador, o qual, em
caso de despedimento ilícito, verá os respetivos custos aumentar na razão
direta do tempo que mediar entre o despedimento e o trânsito em julgado da
decisão condenatória (“salários intercalares”, “indemnização de antiguidade”).
Tudo visto e ponderado, reconhecer-se-á que, no atinente aos meios de
reação contra o despedimento colocados à disposição do trabalhador-
representante, o reforço da posição deste, sendo real, não é muito substancial.
Há ganho comparativo, há uma mais-valia protetora, mas esta é pouco
significativa.

§ Os efeitos da ilicitude do despedimento;


Em caso de despedimento ilícito, que direitos possui o trabalhador-
representante? Existem, nesta matéria, diferenças de regime face aos demais
trabalhadores? E quais? Segundo o art. 410.º/6 CT “em caso de ilicitude de

28
despedimento por facto imputável ao trabalhador membro de estrutura de
representação coletiva, este tem direito a optar entre a reintegração e uma
indemnização calculada nos termos do art. 392.º/3”. Que dizer desta solução?
Em termos gerais, dir-se-á que, quanto aos efeitos da ilicitude do
despedimento, a nossa lei concede ao representante eleito a opção pela reintegração
na empresa ou pela perceção de uma “indemnização de antiguidade” majorada
(majorada, leia-se, em relação aos demais trabalhadores). Na verdade, a opção
reintegração/indemnização substitutiva é concedida a qualquer trabalhador que tenha
sido alvo de um despedimento ilícito, conforme resulta do art. 391.º CT. Simplesmente,
ao passo que, para a generalidade dos trabalhadores, esta indemnização substitutiva
será calculada “entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano
completo ou fração de antiguidade” (art. 391.º/1), não podendo ser inferior a três
meses (art. 391.º/3), tratando-se de um trabalhador-representante, a sua
indemnização será calculada entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades
por cada ano completo ou fração de antiguidade, não podendo ser inferior a 6 meses
(art. 392.º/3 por remissão do art. 410.º/6). E nesta indemnização de antiguidade
majorada residiria, afinal, a especial tutela deferida aos representantes eleitos, quanto
aos efeitos do despedimento ilícito.
Porém, coloca-se uma questão suplementar cuja resolução não se mostra
simples. Suponhamos que o trabalhador-representante labora numa microempresa.
Ou que o mesmo ocupa, na empresa, um cargo de administração ou de direção.
Sabemos que, nestas duas hipóteses, o CT confere ao empregador a faculdade de se
opor à reintegração do trabalhador ilicitamente despedido “com fundamento em factos
e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e
perturbador do funcionamento da empresa” (art. 392.º/1). Pergunta-se: será esta
oposição patronal à reintegração admissível, quando o trabalhador em causa acumule
a condição de representante-eleito com a de trabalhador dirigente ou que labora numa
microempresa?
Questão delicada. Como decidir?
Por um lado, dir-se-á que o art. 410.º/6 limita-se a dizer que o trabalhador
despedido “tem direito a optar entre a reintegração e uma indemnização”, sem aludir
a qualquer hipótese de oposição patronal àquela reintegração. Logo, esta faculdade
patronal decairia atento o silêncio do legislador... Mas este é um argumento débil, pois
do que se trata é de concatenar os preceitos, isto é, de saber como se conjugam os
artigos em causa (arts. 391.º, 392.º e 410.º), apurando se, à opção reintegratória
exercida pelo trabalhador-representante, o empregador poderá ou não retorquir e
manifestar a sua oposição a tal reintegração.

29
De outra parte, invocar-se-á o argumento do “lugar paralelo” constituído pelo
regime estabelecido para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, caso em
que a lei afirma, expressis verbis, que o “empregador não se pode opor à reintegração
do trabalhador nos termos do n.º 1 do artigo 392.º” (art. 63.º/8). Nesta linha, alegar-se-
á que, se a lei tivesse querido excluir idêntica faculdade patronal em sede de
despedimento de representantes eleitos, nada mais simples que dedicar um n.º 7 do
art. 410.º a tal proibição. Não existindo semelhante disposição proibitiva, nada
justificaria que se impedisse a entidade empregadora de fazer uso de tal faculdade
contra um representante eleito dos trabalhadores.
Tendo algum peso, este argumento também não se nos afigura decisivo. Tem
o peso de mostrar que a questão é de resposta líquida quanto àquelas trabalhadoras,
mas nem por isso resolve o problema no que concerne aos representantes eleitos.
Desde logo porque, a nosso ver, também não poderá ser ignorado um outro dado
normativo. Com efeito, o mesmo legislador que veio conceder ao empregador a
faculdade de se opor à reintegração do trabalhador ilicitamente despedido, nos casos
art. 392.º/1, não deixou de compensar o trabalhador em sede de indemnização
substitutiva: como se sabe, se for o próprio trabalhador a optar pela indemnização em
detrimento da reintegração, aquela será calculadas nos termos do art. 390.º; porém,
se o trabalhador optar pela reintegração e o empregador se opuser à mesma, caso
esta oposição patronal seja julgada procedente pelo tribunal, o trabalhador já receberá
uma indemnização majorada, os termos do art. 392.º/3. E, note-se, esta majoração
indemnizatória compreende-se sem dificuldade, revelando-se mesmo de uma lógica
inatacável – afinal, aqui o trabalhador foi ilicitamente despedido e pretende ser
reintegrado, sendo que, apesar disso, o tribunal acaba por sacrificar o seu emprego
no altar das conveniências empresariais...
Ora, sucede que este mecanismo compensatório (oposição patronal à
reintegração julgada procedente, indemnização substitutiva majorada para o
trabalhador) não existe em relação aos trabalhadores-representantes. Aqui, conforme
decorre do art. 410.º/6, caso o trabalhador despedido opte, ele mesmo, pela
indemnização, esta já será calculada nos termos do art. 392.º/3. E, se entendermos
que o empregador poderá lançar mão da faculdade de oposição prevista no art.
392.º/1, ainda que esteja em causa um representante eleito, então a alternativa será,
para este trabalhador, receber a mesmíssima indemnização a que teria direito caso
ele mesmo tivesse optado pela indemnização... Que compensação pela reintegração
frustrada? Zero! Que preço a pagar pela oposição à reintegração? Nenhum!
Por quanto se disse, somos levados a concluir, ainda que com dúvidas, que da
leitura conjugada do material normativo relevante se deverá extrair a regra segundo a

30
qual o empregador não poderá opor-se à reintegração na empresa de um
representante eleito que tenha sido ilicitamente despedido, qualquer que seja a
dimensão da empresa e qualquer que seja o cargo ocupado pelo trabalhador na
mesma. Dir-se-á, deste ponto de vista, que se o legislador pretendesse admitir aquela
oposição patronal teria, decerto, criado um n.º 7 do art. 410.º, majorando a
indemnização devida ao representante eleito caso a oposição fosse julgada
procedente pelo tribunal...
Seja como for, ainda que se proceda a uma outra leitura dos dados normativos,
concluindo pela possibilidade de recurso ao art. 392.º/1 em caso de despedimento de
um trabalhador-representante, sempre haverá que não ignorar o n.º 2 do mesmo
preceito, do qual decorre a inaplicabilidade da oposição à reintegração “sempre que a
ilicitude do despedimento se fundar em motivo político, ideológico, étnico ou religioso”.
Aliás, no sentido de que o art. 392.º/1 se aplica também quando ele se baseie “em
qualquer forma inadmissível de discriminação”, PEDRO ROMANO MARTINEZ. Ou seja,
caso se trate de um despedimento discriminatório, de um caso em que o trabalhador-
representante foi despedido por ser representante, então estaremos perante um
despedimento abusivo, que permitirá ao trabalhador optar entre a reintegração (sem
possibilidade de oposição patronal) e a indemnização de antiguidade. Neste quadro,
só quando o despedimento do trabalhador-representante se mostrasse ilícito , mas
não discriminatório (isto é, desprovido de justa causa, mas não motivado pelo especial
estatuto desse trabalhador) se poderia colocar o problema da oposição patronal à
reintegração.

§ Balanço: uma proteção adequada e eficaz?


Tendo passado em revista as normas codicísticas destinadas a conceder ao
trabalhador-representante uma especial proteção em caso de despedimento, julgamos
poder concluir, com segurança, que o balanço não é famoso. Com efeito, a lei institui
uma presunção de inexistência de justa causa em conteúdo útil, introduz uma nuance
pouco significativa em matéria de suspensão do despedimento, confere maior
celeridade à ação de impugnação do despedimento (o que aproveita ao empregador,
tanto ou mais do que ao trabalhador), eleva o montante da indemnização substitutiva
da reintegração, mas não esclarece se o empregador poderá, nesta sede opor-se à
reintegração do trabalhador-representante ilicitamente despedido...
De todo o modo, julgamos que a principal pecha do atual sistema de tutela dos
representantes eleitos face ao despedimento é de ordem temporal, sequencial,
cronológica, visto que todos estes (algo débeis) mecanismos de tutela operam a
posteriori, depois de o despedimento se consumar. Ora, como há muito afirmam

31
GOMES CANOTILHO e JORGE LEITE, “o direito à proteção adequada dos representantes
eleitos dos trabalhadores é um direito incindível de garantias processuais e
procedimentais”. “O problema fundamental é o de saber se a proteção adequada dos
representantes dos trabalhadores não exigirá uma dimensão
procedimental/processual traduzida num due process que, preventivamente, impeça
à entidade patronal a consumação do despedimento de um representante dos
trabalhadores com base em qualquer aparência de justa causa”.
Um sistema de tutela preventiva face ao despedimento existiu, entre nós, ao
abrigo da Lei n.º 68/79, de 9-10, tendo sido abandonada a partir de 1989. Mas esse
sistema existe, no domínio do CT, quando se trate do despedimento de trabalhadora
grávia, puérpera ou lactante (art. 63.º/1). Pergunta-se: tendo em conta a norma inscrita
no art. 55.º/6 CRP – direito à proteção legal adequada dos representantes eleitos dos
trabalhadores contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou
limitação do exercício legítimo das suas funções –, não seria mais curial reintroduzir
no nosso ordenamento um qualquer sistema de tutela preventiva nesta matéria, à
imagem do que vigora para as trabalhadoras grávias, puérperas ou lactantes? Não
seria mais adequado, numa ótica constitucional de ponderação dos bens e valores
constitucionais, prevenir do que punir, evitar do que reagir? Certo, o ordenamento
jurídico deve tutelar com particular carinho uma trabalhadora grávida, p. ex., visto que
ela é, amiúde, alvo de procedimentos discriminatórios. Mas não se passará o mesmo,
mutatis mutandis, em relação a um delegado sindical ou a um membro da comissão
de trabalhadores? Parece-nos que só alguma ingenuidade permitirá dar uma resposta
negativa a esta questão...
Objetar-se-á que a maternidade constitui um valor social eminente, de acordo
com o próprio texto constitucional (art. 68.º/2 CRP). Mas não se deverá ignorar que as
associações sindicais e as restantes estruturas de representação coletiva dos
trabalhadores constituem peças essenciais em qualquer democracia digna desse
nome. E aqueles que, numa relação fortemente assimétrica e marcadamente conflitual
como é a relação laboral, assumem a condição de representantes dos trabalhadores,
carecem de uma proteção adequada (segundo a CRP) e eficaz (segundo a OIT) –
coisa que, pelos motivos expostos, é muito discutível que exista no nosso
ordenamento.

32
II – CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO

1. Noção e tipologia.
2. Conteúdo e limites.
3. Relação entre a lei e a convenção coletiva de trabalho.
4. Âmbito pessoal ou subjetivo.
5. Âmbito temporal.

33
II – CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO

1. Noção e tipologia.

“O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação


coletiva de trabalho”, lê-se no art. 1.º CT, sob a epígrafe “fontes específicas”. O vasto elenco
dos IRCT aparece no artigo seguinte, o qual os divide em instrumentos negociais (convenção
coletiva de trabalho, acordo de adesão e decisão de arbitragem voluntária) e não negociais
(portaria de extensão, portaria de condições de trabalho, e decisão de arbitragem obrigatória
ou necessária).
A figura da convenção coletiva, nas suas três modalidades – contrato coletivo, acordo
coletivo e acordo de empresa (art. 2.º/3) –, distinção que tem por base o critério da entidade
empregadora signatária, integra o grupo dos IRCT negociais, na medida em que tem na sua
base um acordo de vontades, sendo expressão da autonomia coletiva dos sujeitos coletivos
laborais, e constitui o IRCT nuclear, em torno do qual todos os outros giram e em função do
qual todos os outros se compreendem. Na verdade, a convenção coletiva de trabalho afirma-
se como uma das mais influentes fontes de Direito do Trabalho, salientando-se o seu caráter
pioneiro relativamente à legislação estadual – vale dizer, a circunstância de, não raro ser ao
nível da contratação coletiva que se vão reconhecendo e difundindo direitos para os
trabalhadores, os quais, mais tarde, vêm a ser consagrados pelo legislador (é o caso, p. ex.,
do que sucedeu entre nós em relação ao subsídio de Natal).
LEAL AMADO avança com uma noção de convenção coletiva. Segundo o Autor, a
convenção coletiva é um acordo escrito entre instituições patronais (empregadores e suas
associações), por um lado, e, por outro, associações representativas de trabalhadores (entre
nós, em princípio, associações sindicais), com o objetivo principal de fixar as condições de
trabalho (maxime, salários, mas também carreira profissional, férias, duração de trabalho,
regime disciplinar, etc.10) que hão-de vigorar para as categorias abrangidas.
Mais controvertida, contudo, é a problemática da natureza jurídica da convenção
coletiva. Note-se que a convenção coletiva não chega a ser um a lei, mas também não se
reduz à mera condição de contrato; ela é, diz-se, uma síntese destas figuras, é um contrato-
lei, é uma lei negociada, é um contrato criador de normas, um contrato normativo... Na feliz

10
Nota MONTEIRO FERNANDES que a contratação coletiva evoluiu consideravelmente quanto à amplitude e à
complexidade do seu objeto, desde a fase primitiva em que nela se tratava essencialmente de salários. As
“condições de trabalho” convencionalmente reguladas envolvem uma enorme variedade de aspetos, entre os
quais, pode dizer-se, a matéria quantitativa cedeu há muito o passo à matéria qualitativa, nomeadamente ao que
respeita à delimitação das categorias e carreiras profissionais, à organização do tempo de trabalho, à configuração
do direito ao repouso, à intervenção dos trabalhadores na vida da empresa.

34
expressão de CARNELUTTI, as convenções coletivas são “um híbrido que tem um corpo de
contrato e alma de lei”. Isto porque a convenção coletiva, apresentando embora uma
inequívoca faceta negocial, pois resulta do acordo alcançado entre trabalhadores e
empregadores, apresenta igualmente uma faceta normativa11, através da qual ocorre a
determinação coletiva das condições de trabalho. Com efeito, as cláusulas normativas da
convenção condicionam diretamente o conteúdo dos contratos individuais de trabalho por ela
abrangidos, no duplo sentido de que preenchem os pontos deixados em branco pelos
respetivos sujeitos e se substituem às condições contratuais individualmente estipuladas que
sejam menos favoráveis para o trabalhador (art. 476.º CT).
Entre nós, o direito de contratação coletiva encontra expressa consagração no texto
constitucional, perfilando-se como um dos direitos fundamentais dos trabalhadores,
competindo o respetivo exercício às associações sindicais (art. 56.º/3 CRP).
Assim, na lição de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “a Constituição não deixa,
portanto, margem para o exercício da contratação coletiva, em sentido próprio, por comissões
de trabalhadores ou por comités de empresa, sem prejuízo de os sindicatos poderem negociar
e celebrar acordos coletivos de empresa”. Contudo, mas sem contradição, é legalmente
admitida – para além da delegação de um sindicato noutro – a atribuição, por uma associação
sindical, de poderes negociais à comissão de trabalhadores de uma empresa, desde que esta
ocupe, pelo menos, 150 trabalhadores (art. 491.º/3, com a redação dada pela L. 23/2012).
Esta possibilidade não põe em causa o monopólio sindical em matéria de contratação coletiva.
Desfavorável a esta solução mostra-se MONTEIRO FERNANDES que nos diz que nem por isso
deixa de ser hipótese artificiosa e potencialmente disfuncional. Na verdade, o referido preceito
legal não deixa dúvidas acerca do âmbito pessoal dos acordos que venham a ser celebrados
desse modo. Trata-se de regulamentação coletiva aplicável no específico âmbito de filiação
da associação sindical. Ora, a comissão de trabalhadores é uma estrutura de representação
unitária dos trabalhadores da empresa, abrange-os a todos, e tenderá a interpretar o interesse
coletivo comum. Por outro lado, é verdade que outra configuração desta hipótese incorreria
facilmente no risco da inconstitucionalidade.

11
Com GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “A Constituição não toma partido quanto à origem do caráter normativo
das convenções coletivas. Pode deduzir-se do contexto constitucional que a eficácia normativa das convenções
não depende de um ato autorizativo do Estado nem representa uma regulação delegada por lei. A matriz estatalista
subjacente a estas conceções deixa por explicar como é que as partes de um contrato se vinculam entre si e
vinculam terceiros. Também não explica esta dimensão normativa a ideia de garantia institucional do direito à
contratação coletiva e que se traduz na obrigação de o Estado respeitar a competência jurídico-normativa das
associações sindicais. Esta competência normativa é recebida e garantida pela Constituição como dimensão
positiva do direito das associações sindicais a prosseguirem a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.”.

35
Note-se, contudo, que, apesar de a Constituição ter reservado, expressamente o
exercício do direito de contratação coletiva às associações sindicais não se confunde com o
problema de saber que associações sindicais terão legitimidade para celebrar convenções
coletivas. Ora, a Constituição remeteu para a lei a questão da legitimidade contratual,
deixando em aberto a opção quanto ao sistema concreto da legitimidade na celebração de
convenção coletiva. Dentre estes sistemas, a lei pode optar: por um sistema de legitimidade
de contratação coletiva para o sindicato mais representativo, com eficácia geral em relação a
todos os outros trabalhadores; ou um esquema de competência sindical concorrente, com
limitação da eficácia das convenções em relação aos associados de cada sindicato. A opção
legislativa foi, claramente, no segundo sentido, opção que dispensa a necessidade de
estabelecer legalmente critérios que permitam a escolha do sindicato mais apto a contratar.
Contudo, resulta do Memorando de Entendimento de 2011 com a Troika, um compromisso
assumido pelo Executivo, no sentido de definir critérios de representatividade, compromisso
até hoje não cumprido, mas no qual vemos grande proveito, em virtude do sistema de
pluralismo sindical consagrado entre nós.
Por fim, atente-se que a Constituição confia ao legislador a missão de garantir o direito
de contratação coletiva (art. 56.º/3), cabendo, portanto, ao Estado uma função de promoção
da contratação coletiva, a qual é vista como uma técnica privilegiada de composição de
interesses coletivos (cfr. art. 485.º CT).

2. Conteúdo e limites.

2.1. Conteúdo.
No que ao conteúdo diz respeito, pode-se distinguir entre o conteúdo formal e o
conteúdo material da convenção coletiva de trabalho.
Neste sentido, note-se que o conteúdo formal está previsto no art. 492.º/1, sendo
constituído pelas menções que todas as convenções coletivas de trabalho têm de indicar.
De resto, dentro do conteúdo material, relevante é que se proceda à distinção que,
tradicionalmente, se faz entre conteúdo obrigacional e conteúdo normativo.
A convenção coletiva, como qualquer contrato bilateral, gera obrigações para ambas
as partes. Ora, o conteúdo obrigacional diz, precisamente, respeito às relações entre as
entidades outorgantes da convenção coletiva de trabalho (o sindicato e a associação patronal,
por hipótese). Note-se que o art. 492.º/212-a) refere-se, claramente, ao conteúdo obrigacional

12
MONTEIRO FERNANDES refere que a fórmula “deve” utilizada por várias vezes pelo preceito não é feliz. Assim, diz-
nos que: “A determinação dos objetos e conteúdos das convenções não implica a obrigatoriedade da negociação
sobre todos eles; não existe um modelo ou paradigma legal da convenção coletiva, a que os outorgantes devam

36
das convenções coletivas de trabalho (“as relações entre as entidades celebrantes”). Além do
mais, o preceito refere-se às ações de formação profissional e à definição e aplicação dos
serviços mínimos da greve (art. 492.º/2, als. b) e g), respetivamente), os quais integram,
também, o conteúdo obrigacional da convenção coletiva. Entre outros exemplos de matérias
que integram o conteúdo obrigacional, destacam-se: o dever de influência ou de execução
leal (art. 520.º); as cláusulas de garantia sindical, ainda que proibidas entre nós, ex vi art.
406.º; as cláusulas de paz social; a cláusula que preveja a existência de comissão paritária
(arts. 492.º/3 e 493.º); a cláusula que regule o sistema de cobrança de quotas sindicais (art.
458.º). A importância prática da classificação de uma cláusula da convenção coletiva como
obrigacional reflete-se no facto de esta só vincular as partes outorgantes, não vinculando,
portanto, os trabalhadores e os empregadores que, sendo abrangidos pelo âmbito subjetivo
da convenção, não sejam partes da mesma.
Contudo, o que diferencia a convenção coletiva de outros contratos é a sua eficácia
normativa: a quase-totalidade do clausulado aparece, não como um conjunto de
compromissos entre os outorgantes, mas como um complexo de autênticas normas jurídicas
endereçadas aos trabalhadores e aos empregadores que cabem no âmbito representativo
dos mesmos outorgantes. Tais normas definem um “modelo” para as relações individuais de
trabalho que se desenvolvam nesse âmbito – são, pois, normas reguladoras dos contratos de
trabalho (art. 1.º CT). Assim se compreende que o conteúdo normativo da convenção diga
respeito às condições de trabalho propriamente ditas e o art. 492.º/2 fornece, precisamente,
exemplos daquilo que sempre integrará o conteúdo normativo das convenções coletivas,
nomeadamente, na al. e).

2.2. Limites.
Determina o art. 478.º/1-a) que “o instrumento de regulamentação coletiva não pode
contrariar norma legal imperativa”. O preceito aponta para o problema das relações entre
fontes de regulação, nomeadamente, para as relações entre a lei e, para o que agora nos
importa, a convenção coletiva de trabalho.
Contudo, o problema de saber que fonte prevalece importa um primeiro esclarecimento
a respeito da classificação ou tipologia das normas legais. Assim, as normas podem ser:
absolutamente imperativas, quando não admitem afastamento ou alteração da disciplina que
estabelecem por fonte inferior; relativamente imperativas, quando admitem admitem
modificação do seu regime por fonte hierarquicamente inferior num sentido, mas não noutro,

obediência; a liberdade de estipulação é, aí, plena. A lei, mais do que verdadeiramente desenhar os “limites” do
domínio contratual, quis definir de modo compreensivo a função jurídica típica das convenções enquanto produtos
da autonomia coletiva.

37
isto é, apenas acima de determinado mínimo (não abaixo) ou então abaixo de determinado
máximo (não acima); e supletivas/dispositivas, quando admitem alterações por fonte
hierarquicamente inferior, em qualquer sentido.
Mas como é que apuramos a natureza – absolutamente imperativa, relativamente
imperativa ou supletiva – de uma norma legal? Pode suceder que a própria norma,
expressamente, revele a sua natureza, contendo elementos literais que a traduzam (cfr. arts.
223.º/2 e 203.º/1); pode, também, ocorrer que não seja a própria norma que contenha
elementos reveladores da respetiva natureza, resultando esta de um preceito anexo, por
exemplo, localizado no início ou no final de uma secção ou capítulo (cfr. arts. 139.º, 250.º e
339.º). Por vezes, porém, não existe qualquer preceito que esclareça a natureza das normas
nem da própria estatuição da mesma decorre qualquer elemento revelador dessa natureza.
Quando assim suceda, teremos que fazer apelo ao art. 3.º CT o qual estabelece presunções
acerca da natureza das normas legais, quando em conflito com outras fontes de regulação.
No tocante às relações entre a convenção coletiva e a lei, sabe-se que o princípio do
tratamento mais favorável ao trabalhador (princípio do favor laboratoris) constitui,
historicamente, uma diretriz principiológica que governa as relações entre ambas, sempre que
estas duas fontes de direito laboral se encontram em concorrência. Ora, pode dizer-se que
este princípio se desdobra analiticamente nas seguintes proposições nucleares: o direito do
trabalho consiste num ordenamento de caráter protetivo e compensador da assimetria típica
da relação laboral, desempenhando uma função tuitiva relativamente ao trabalhador
assalariado; esta função tutelar do direito do trabalho é cumprida através de normas legais
que, em regra, possuem uma natureza relativamente imperativa, as quais consagram
garantias mínimas para o trabalhador, admitindo o reforço de tais garantias por via da
contratação coletiva; daqui decorre que, no tocante às relações entre a lei e a convenção
coletiva, o princípio da prevalência hierárquica da lei deve articular-se com o princípio do favor
laboratoris; assim, e em princípio, o regime convencional poderá afastar-se do regime legal,
desde que a alteração se processe in melius e não in pejus; o favor laboratoris perfila-se, pois,
como uma técnica de resolução de conflitos entre lei e convenção coletiva, pressupondo que,
em princípio, as normas juslaborais possuem um caráter relativamente imperativo, isto é,
participam de uma inderrogabilidade unidirecional.
Assim sendo, a hoje revogada LCT fixava, em geral, a presunção de semi-
imperatividade das normas legais, quando em conflito com as normas da convenção coletiva.
Por conseguinte, podendo as normas legais ter a mais variada natureza, o certo é que, com
JORGE LEITE, a norma típica do ordenamento juslaboral era constituída por uma regra jurídica
explícita impositiva e por uma regra jurídica implícita permissiva, vendando aquela qualquer
redução dos mínimos legalmente garantidos e facultando esta a fixação de melhores
condições de trabalho (proibição de alteração in pejus e possibilidade de alteração in melius).

38
No domínio da concorrência e articulação entre as respetivas fontes, concluía-se, em
conformidade, que em direito do trabalho a regra era a da aplicação da norma que
estabelecesse um tratamento mais favorável ao trabalhador, ainda que tal norma se
encontrasse contida numa fonte hierarquicamente inferior. A imodificabilidade in melius da
norma superior, bem como a sua modificabilidade in pejus por norma inferior eram
excecionais, pelo que se aludia à singular imperatividade das normas juslaborais, traduzindo
a ideia de mínimo de proteção da parte mais débil da relação, como traço característico e
identitário das normas juslaborais.
Entretanto, a função de tutela do trabalhador, a função promocional, a função de
instrumento de melhoria das condições de trabalho, tudo isto não desmente o caráter
compromissório deste ramo do direito e a diversidade de funções ao mesmo atribuídas,
inclusive por meio da negociação coletiva. Para além daquela função nuclear, o direito do
trabalho sempre desempenhou outras funções, entre elas a de ser um importante instrumento
de gestão, no plano económico, preocupado com a salvaguarda da eficiência e da
competitividade das empresas. E, no tocante à própria negociação coletiva, a mesma
dualidade sempre esteve presente: consistindo a sua função principal em melhorar as
condições de trabalho, reforçando as garantias mínimas estabelecidas por lei, também a ideia
de flexibilizar e de adaptar essas condições de trabalho, correspondendo às necessidades da
empresa, da sua observância e da sua competitividade, sobretudo em tempos de crise, nunca
esteve ausente do elenco de missões da convenção coletiva.
Porém, nos últimos anos, dir-se-ia que as prioridades se inverteram: a preocupação
fundamental do direito do trabalho parece ser hoje a garantia da eficiência económica das
empresas e, no tocante à negociação coletiva, a sua histórica função de melhoria das
condições de trabalho aparece hoje subalternizada e substituída pela função de flexibilização
e adaptação das normas aos interesses da empresa. Assim, assumiu foros de normalidade,
com o CT de 2003, a hipótese de afastamento in pejus das normas legais por via da
negociação coletiva, tendo-se traduzido num verdadeiro atestado de óbito do favor laboratoris
relativamente à contratação coletiva, dele se extraindo que, em princípio, o o direito do
trabalho legislado possui um caráter supletivo face à contratação coletiva – ou seja, por mor
deste preceito, concluía-se que as normas legais passariam a ser, em regra, normas
convénio-dispositivas, isto é, normas afastáveis por convenção coletiva de trabalho.
Era, pois, um novo direito do trabalho aquele que resultava do CT de 2003, um direito
do trabalho menos garantístico e mais transacional, em que aumentava o espaço concedido
à autonomia coletiva, em virtude do relaxamento da regulação estadual das condições de
trabalho, em que a norma negociada se substituía à norma legislada. Ademais, estávamos
perante um regime que exprimia um inegável abrandamento da atuação interventiva do
Estado neste domínio, o que, alegava-se, contribuiria para promover e estimular a contratação

39
coletiva, correspondendo, nessa medida, a um desiderato constitucional. Contudo, importa
notar que, no campo laboral, o reconhecimento da autonomia coletiva não se processou
nunca contra a heteronomia estadual, mas sim contra o poder decisório do empregador. Com
efeito, a lei e o tradicional princípio do favor laboratoris nunca impediram que a autonomia
coletiva se exercesse, cumprindo a principal missão que cabe à contratação coletiva: servir
de instrumento de melhoria das condições de trabalho. Aliás, não é decerto por acaso que a
CRP consagra o direito de contratação coletiva como um direito dos trabalhadores, não dos
empregadores.
Aquando da elaboração do atual CT, colocou-se o problema de saber se o princípio
do tratamento mais favorável, abandonado em 2003, iria ou não ser reposto em vigor. A
resposta veio a ser fornecida pelo art. 3.º/1 do novo CT, em 2009. Do preceito resulta que o
princípio é – continua a ser – o da natureza convénio-dispositiva das normas trabalhistas.
Significa isto que o CT não trouxe quaisquer novidades neste domínio? Não. Com efeito, o
art. 3.º/3 não deixa de elencar um amplo bloco normativo de matérias cujo regime jurídico
possui, em princípio, um caráter relativamente imperativo. Mas note-se: só em princípio, pois
a lei não deixa de ressalvar a hipótese de algumas normas incluídas nesse bloco terem um
caráter absolutamente imperativo (“sem oposição daquelas normas”). E, note-se ainda, fora
deste bloco normativo poderá haver casos de imperatividade relativa (cfr. art. 112.º/5), ou de
imperatividade absoluta (cfr. art. 339.º). Isso mesmo resulta, aliás, do segmento final do art.
3.º/1.
De todo o modo, a verdade é que, nesta questão estruturante e identitária, atinente à
determinação da natureza das normas laborais e à definição do caráter do ordenamento legal,
o atual CT situa-se numa linha de perfeita continuidade em relação ao diploma que o
procedeu. Crítico desta solução mostra-se LEAL AMADO. No entendimento do Autor, porque,
no séc. XXI, ainda subsiste fundamento que confere valor normativo ao princípio do favor
laboratoris, a regra, deveria ser a de que o legislado é insuscetível de desmelhoramento
mediante o negociado.

3. Âmbito subjetivo ou pessoal.

Cabe à lei definir a eficácia as normas das convenções coletivas (art. 56.º/4 in fine
CRP). A lei constitucional é clara quanto ao facto de as convenções coletivas de trabalho
assumirem caráter normativo, impondo-se, como tais, às relações individuais de trabalho e
funcionando, assim, como fonte de direito heterónoma para estas. Cabe, porém, à lei definir
as regras sobe a eficácia material, pessoal, temporal e espacial das normas das convenções
coletivas. Iremo-nos debruçar sobre o problema da eficácia pessoal das convenções

40
coletivas, isto é, sobre a questão de saber a quem é que se aplica a convenção coletiva de
trabalho, que o legislador regulou, fundamentalmente, nos arts. 496.º e ss. CT.
Ora, do art. 496.º CT resulta que as normas constantes de uma convenção coletiva se
aplicam aos contratos de trabalho que existam ou, durante a sua vigência, venham a existir
entre trabalhadores e empregadores representados no processo negocial que lhe deu origem
(isto é, que sejam membros das associações subscritoras), ou, quanto aos empregadores,
que tenham outorgado diretamente a mesma convenção.
A nossa lei adota, pois, o princípio da dupla filiação – correspondente ao modelo da
eficácia limitada/relativa das convenções coletivas de trabalho – o qual, na sua pureza,
implicaria que, em cada momento, um trabalhador e um empregador ligados por contrato de
trabalho só tivessem de atender ao regime convencional subscrito pelo sindicato e pela
associação de empregadores de que cada um deles, nesse momento, fosse membro.
Com efeito, note-se que a adoção do princípio da dupla filiação não é um corolário
forçoso da liberdade sindical. A circunstância de a lei conferir ao sindicato o monopólio da
negociação coletiva não implica, necessariamente, que as convenções só abranjam os
respetivos membros (assim como os empregadores inscritos nas associações subscritoras).
De facto, em Espanha, as convenções obrigam todos os trabalhadores e empregadores no
âmbito de aplicação acordado (independentemente da filiação) – modelo da eficácia
absoluta/erga omnes. Entre nós, o art. 56.º/4 CRP encarrega o legislador ordinário de regular
a eficácia das disposições convencionais, podendo fazê-lo segundo variados critérios. A
opção que, neste plano, foi feita é apenas uma entre as possíveis. Opção que não se encontra
isenta de críticas, porquanto, levanta o problema da necessidade de um regime convencional
único no âmbito de cada organização de trabalho; questão que deriva do facto de a maioria
dos trabalhadores e das empresas não ter filiação sindical, mas também e, sobretudo, da
circunstância de existirem sindicatos que, em paralelo, representam as mesmas categorias,
dispondo de legitimidade idêntica para a negociação coletiva respeitante a uma mesma
empresa ou a um certo setor de atividade. Mais uma vez, o problema da representatividade
das associações sindicais na berra.
Do princípio da dupla filiação resulta que a inscrição no sindicato subscritor é o
pressuposto necessário para que um trabalhador fique originariamente coberto pelo regime
da convenção. Contudo, o Código do Trabalho consagra algumas soluções que, em certa
medida, se afastam da pureza deste princípio.
Assim, o art. 496.º/3: além de determinar que a convenção é aplicável àqueles
trabalhadores ou empregadores que se venham a filiar durante a vigência da convenção
(filiação posterior); determina, como momento de conexão entre o conteúdo da convenção e
o corpo dos inscritos nas associações subscritoras o do início do processo negocial, quer
dizer, o da apresentação da proposta. Sinteticamente, pode-se dizer que a norma tem em

41
vista tornar inoperante a manipulação da filiação associativa, de tal modo que a convenção
coletiva fique deserta. Assim, acode-se à necessidade de prevenir a hipótese de um
empregador ou um trabalhador pretenderem furtar-se à aplicação do regime convencional a
estabelecer. Claro está que a solução é válida, também, para a hipótese de desfiliação após
a conclusão do processo negocial – expressamente prevista no art. 496.º/4 (filiação pós-
eficaz) que determina que o regime convencional se aplica a esses trabalhadores ou
empregadores até ao seu termo de vigência ou, não prevendo prazo de vigência, durante um
ano, ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja) –, porquanto,
o momento relevante não deixa de ser o início do processo negocial.
Contudo, a hipótese de um trabalhador originariamente membro de um sindicato que
negociou a convenção x se desfiliar durante a vigência desta pode ser complicada pela
inscrição desse mesmo trabalhador num outro sindicato, que seja parte numa convenção y
ou se prepare para iniciar um processo negocial próprio. Encarado isoladamente esse facto
(filiação no segundo sindicato), o preceito citado conduziria a que o trabalhador em causa se
considerasse no âmbito de aplicação da convenção y ou da que viesse resultar do novo
processo negocial. No entanto, a situação não pode ser analisada corretamente sem se ter
em conta também o antecedente: desfiliação dum sindicato de que era parte numa convenção
em vigor. Afasta-se o enquadramento da situação como problema de concorrência de
convenções, regulado pelo art. 482.º, porquanto este regime não se ajusta a situações
geradas por atos de vontade individuais, mas sim às que decorrem da dinâmica da
negociação coletiva. Entende MONTEIRO FERNANDES que: “a regra do art. 496.º/4 incorpora,
manifestamente, o propósito de fixar o campo de aplicação das convenções, subtraindo-as
aos efeitos instabilizadores da flutuação oportunista da filiação sindical ou associativa. Não
se trata, pois, nesse preceito de garantir a continuidade de uma cobertura convencional, em
benefício do trabalhador (ou do empregador) que escolhe afastar-se do quadro associativo,
mas de impor ao mesmo trabalhador (ou empregador) a neutralização do efeito imediato
pretendido com esse afastamento. Sendo assim, a filiação noutro sindicato ou associação não
importa, durante o período de vigência da convenção x, a saída do trabalhador ou do
empregador do âmbito de aplicação desta.”. Posição contrária é a JOÃO REIS que entende
que, nestes casos, o nexo de representação voluntário deve prevalecer.
A rigidez do princípio da dupla filiação não deixa, contudo, de ser colmatada pela
consagração legal de mecanismos que permitem o alargamento do âmbito subjetivo da
convenção. Com efeito, tanto a equidade social, como a racionalidade económico-
organizacional impõem que, dentro de um conjunto homogéneo de relações de trabalho,
sejam aplicáveis os mesmos padrões normativos.
De facto, em muitos casos, a racionalidade da gestão leva a que os próprios
empregadores procurem generalizar ao conjunto do pessoal das suas empresas um só regime

42
convencional, ainda que assumindo com isso custos adicionais. Contudo, essa uniformização
por decisão gestionária também levanta dificuldades: o empregador pode estender benefícios,
mas não pode, unilateralmente, impor desvantagens.
Não obstante a possibilidade referida, a lei consagra, como possibilidade de extensão
por via administrativa, a portaria de extensão (IRCT não negocial, ex vi art. 2.º/4 CT), a qual
se encontra regulada pelos arts. 514.º a 516.º e se opera por portaria do Ministro da área
laboral e, no caso previsto no art. 516.º/1 também do Ministro de tutela. Este mecanismo pode
ampliar o âmbito originário da convenção (ou, também, da decisão arbitral) a todo o setor de
atividade ou a trabalhadores de profissão definida naquela, desde que não se produza
sobreposição com outra convenção coletiva vigente (art. 515.º/1). Na prática, a extensão é
frequentemente determinada logo que entra em vigor uma convenção, tendo em vista a
cobertura de trabalhadores não sindicalizados ou membros de sindicatos minoritários que não
subscreveram. O processo de extensão inicia-se com a publicação de um projeto de portaria
no Boletim do Trabalho e Emprego (art. 516.º/2). Com essa publicação, abre-se um prazo de
15 dias, durante o qual podem os interessados deduzir oposição fundamentada. De qualquer
modo, os pressupostos da extensão – os quais refletem necessidade de uma ponderação
casuística, ainda que orientada por critérios legalmente definidos – tornam evidente que se
trata de um processo estritamente subjetivo ou residual perante a negociação coletiva, não
podendo sobrepor-se-lhe quando esta exista ou seja viável. Por fim, note-se que o
fundamento deste mecanismo assenta na necessidade social de suprir a inevitável
insuficiência do sistema de contratação coletiva, já que este se baseia na exclusiva
legitimidade de certos sujeitos e no princípio da filiação.
Com a revisão de 2009, surgiu, no art. 497.º, uma nova possibilidade de superação
das consequências naturais do princípio da dupla filiação que consiste na adesão individual
dos trabalhadores não sindicalizados a uma convenção coletiva vigente na empresa em que
exercem atividade.
Este direito potestativo que agora se confere aos trabalhadores não sindicalizados não
se confunde, contudo, com o acordo de adesão (art. 504.º), o qual consiste num acordo (que
não numa escolha unilateral) superveniente entre uma das partes da convenção e um
sindicato, uma associação de empregadores ou um empregador isolado, que nela não
outorgou e deseja ser por ela abrangido. Com efeito, a adesão implica a aceitação integral do
conteúdo da convenção (art. 504.º/3) . A adesão coloca a entidade aderente em posição igual
à dos outorgantes originários da convenção coletiva a que se refere. Esse efeito insere-se,
aliás, na linha de desenvolvimento dos princípios básicos da contratação coletiva: só se
consideram legitimadas para a adesão entidades que podem ser partes numa convenção
coletiva e os efeitos prático-jurídicos do ato produzem-se por via do princípio da filiação.

43
Distinção feita, procede-se à análise do regime do art. 497.º. Na aparência, a hipótese
refere-se apenas aos casos em que existem, para uma mesma organização de trabalho,
vários regimes convencionais paralelos, isto é, aplicáveis aos mesmos grupos profissionais.
Tratar-se-ia, então, de consagrar uma faculdade de escolha entre essas várias convenções.
Mas não. O n.º 1 do preceito reporta-se à existência (isto é, aplicabilidade), uma empresa, de
“uma ou mais convenções coletivas ou decisões arbitrais”, o que, tratando-se de uma
“escolha”, confere à norma, no entendimento de MONTEIRO FERNANDES, o aspeto de uma
pequena malícia do legislador. É, assim, entregue aos trabalhadores não sindicalizados a
faculdade de adesão individual ao regime coletivo que a cada um deles deverá ser aplicado.
Tal “escolha” redunda na submissão do trabalhador a um regime laboral pré-definido por
convenção coletiva ou decisão arbitral que não lhe é diretamente aplicável.
Esta norma tem, contudo, sido alvo de várias críticas que acentuam o efeito
desfavorecedor da sindicalização, na medida em que: pode ser mais favorável para o
trabalhador não se filiar em nenhum sindicato, de modo a que, por exemplo, numa empresa
em que existam sindicatos concorrentes ou paralelos que venham a celebrar, ambos,
convenções coletivas distintas, possa proceder a uma “análise de mercado” e escolher a
convenção que ache mais adequada aos seus interesses. Ora, tal situação coloca este
trabalhador numa clara posição de free rider, na medida em que não teve de suportar os
custos das negociações nem os sacrifícios que as mesmas possam ter envolvido, não
deixando, contudo, de poder auferir dos benefícios alcançados e, mais, podendo escolher, no
caso de existirem duas ou mais convenções aplicáveis, a convenção que mais lhe agrade.
Esta crítica não entendeu, contudo, o legislador que fosse suficiente ao ponto de não vir a
consagrar esta solução; não obstante, ela tem claro reflexo no disposto pelo art. 492.º/4 que
admite a possibilidade de a convenção “escolhida” estabelecer uma espécie de taxa de
adesão a pagar pelo trabalhador optante aos sindicatos celebrantes, “a título de
comparticipação nos encargos da negociação”.
Por fim, note-se que a eficácia relativa das convenções coletivas em resultado da
opção pelo princípio da dupla filiação no CT tem sido temperada pelo princípio da igualdade
retributiva (arts. 270.º CT e 59.º/1-a) CRP).
Justificam-se breves notas acerca deste princípio. O que ele proíbe não é a
diferenciação salarial, ou seja, a diferenciação injustificada, p. ex., em fatores como o sexo, a
raça etc. Com efeito, já constitui fundamento bastante para a diferenciação os fatores ligados
à distinta quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado. No entanto, o princípio não
compreende apenas um conteúdo negativo, comportando também uma vertente positiva,
reclamando a igualdade substantiva de tratamento dos trabalhadores que prestam o mesmo
tipo de trabalho. Parece, porém, que para além dos fatores da quantidade, natureza e

44
qualidade do trabalho, outros critérios de diferenciação salarial serão admissíveis (desde logo,
a antiguidade do trabalhador, através do acréscimo retributivo expresso nas diuturnidades).
Assim, muitas dúvidas tem gerado a questão de saber se a opção sindical do
trabalhador poderá, outrossim, traduzir-se num critério de diferenciação salarial atendível, por
via da aplicação das disposições de uma convenção coletiva de trabalho. É que, por força do
princípio da filiação, casos há em que dois trabalhadores, conquanto desempenhem funções
idênticas para o mesmo empregador, acabem por receber uma retribuição distinta, visto que
só àquele que esteja sindicalizado serão aplicáveis as normas convencionais, maxime, as de
natureza remuneratória. Neste posto, os nossos tribunais têm entendido que o princípio da
igualdade retributiva deve prevalecer sobre o princípio da filiação, assim reconhecendo aos
trabalhadores não filiados no sindicato outorgante de determinada convenção o direito de
reclamar o estatuto remuneratório nessa convenção estabelecido para os trabalhadores
filiados que desempenhem funções idênticas, segundo a quantidade, natureza e qualidade
do trabalho. Mas os resultados a que tal entendimento jurisprudencial conduz, são, no
entendimento de LEAL AMADO, algo dececionantes: por um lado, aplica aos trabalhadores não
sindicalizados uma parte, apenas uma parte, da convenção coletiva, quando é inegável que
a convenção coletiva é um todo complexo, fruto de um delicado compromisso negocial feito
de cedências e de contrapartidas mútuas, que só artificialmente poderá ser seccionado; por
outro lado, é óbvio que a aplicação indiferenciada das disposições convencionais de natureza
remuneratória aos trabalhadores, independentemente de os mesmo estares ou não
sindicalizados, representa um inequívoco desincentivo à sindicalização dos mesmos, visto
que eles acabam por usufruir de boa parte das vantagens da atividade sindical, sem, todavia,
suportarem os correspondentes sacrifícios (desde logo, sem terem de pagar as quotas
sindicais) – ora, é bem sabido, ubi commoda, ibi incommoda...

4. Âmbito temporal.

A lei constitucional é clara quanto ao facto de as convenções coletivas de trabalho


assumirem um caráter normativo, impondo-se, como tais, às relações individuais de trabalho,
e funcionando, assim, como fonte de direito heterónoma para estas. Cabe, porém à lei, nos
termos do art. 56.º/4 CRP, definir as regras sobre a eficácia material, pessoal, temporal e
espacial das normas das convenções coletivas. Ora, iremos debruçar a nossa atenção no
problema da eficácia temporal das convenções coletivas e, portanto, nas soluções dadas pelo
legislador, nos arts. 499.º e ss. CT, para o problema da saber até quando vigora uma
convenção coletiva.
Note-se, desde já, que se trata de uma matéria muito sensível na qual houve
alterações muito significativas nos últimos anos. Note-se, também, que as discussões que se

45
travam nesta matéria têm subjacente a problemática da natureza jurídica da convenção
coletiva de trabalho, sendo que: a acentuação da dimensão contratual aponta para a
necessidade de um prazo de caducidade; enquanto que a acentuação da dimensão normativa
aponta para a ideia de que a convenção coletiva, tal como uma lei, se deve manter em vigor
até que seja substituída.
Ora, o regime que, entre nós vigorou até 2003, assentava sobre o princípio da
perenidade/continuidade do ordenamento coletivo laboral, isto é, sobre a vigência contínua
da convenção coletiva de trabalho, a significar que esta só deixaria de vigorar se e quando
fosse substituída por outra. Esta opção de princípio credenciava-se na conveniência de
prevenir vazios normativos: era o horror ao vácuo regulativo. Contudo, aquando da elaboração
do Código do Trabalho de 2003, esta solução foi acusada de promover o desincentivo da
dinamização da contratação coletiva, na medida em que permitia às associações sindicais
que tivessem efetuado conquistas relevantes no âmbito da convenção coletiva, repousar
sobre essas mesmas conquistas. Não existia, portanto, nenhum estímulo no sentido de rever
e adaptar as convenções coletiva de trabalho, o que se refletia na obsolescência de que,
caracteristicamente, se revestiam um grande número de convenções coletivas em Portugal.
Neste sentido, o legislador de 2003 passou a prever, expressamente, a possibilidade
de a convenção coletiva caducar, mesmo não havendo outra para a substituir. Alterou-se,
portanto, o paradigma tradicional. Solução que perpassou para o Código de 2009, contudo,
com, pelo menos, uma alteração relevante: algumas matérias reguladas pela convenção
coletiva de trabalho caducada continuam a vigorar (pós-eficácia).
Os efeitos de uma convenção coletiva produzem-se durante um certo período que a
lei, tendo em atenção a natureza normativa do essencial desses efeitos, designa como “prazo
de vigência” (art. 499.º/2). Normalmente, este é fixado pela vontade das partes (art. 499.º/1)
ao abrigo da liberdade contratual, resultante da autonomia coletiva, caso em que teremos um
prazo convencional, o qual não conhece qualquer mínimo legalmente imposto. Mas CT
oferece uma regra supletiva: no caso de a convenção ser omissa sobre o ponto, considera-
se que vigora por um ano (art. 499.º/2).
Contudo, note-se que não obstante ter um prazo de vigência, resulta do art. 499.º/2
que a convenção coletiva é um contrato-lei que não se destina a caducar, mas sim a perdurar
no tempo, renovando-se sucessivamente. O princípio da continuidade está impresso neste
regime, porquanto, implica que a vigência de uma convenção nunca cessa por mero efeito do
esgotamento de um prazo, seja ele o estipulado pelas partes ou o fixado supletivamente pela
lei. No entanto, tal como sucede com o prazo de vigência, a renovação automática da
convenção coletiva é um regime supletivo, podendo as partes, ao abrigo da autonomia
coletiva, determinar outra solução.

46
Ora, o art. 500.º CT debruça-se sobre o regime da denúncia da convenção coletiva. A
denúncia constitui uma manifestação unilateral no sentido de terminar a vigência da
convenção. Uma das alterações relevantes operada pela revisão de 2009 traduz-se na
exigência de que a denúncia13 seja acompanhada de proposta negocial global (art. 500.º/1),
tratando-se, portanto, de uma “denúncia construtiva”. Com efeito, não basta uma simples
reformulação parcial da convenção, referida a certas cláusulas que a parte proponente deseja
modificar: é necessário que a declaração de denúncia tenha como anexo um novo projeto
integral de clausulado, incluindo as matérias sobre as quais não há alterações a fazer. Neste
sentido, o propósito do legislador pareceria ser, simplesmente, o de convidar o proponente à
ponderação balanceada das suas pretensões no contexto global da convenção. Mas, no
entender de MONTEIRO FERNANDES, não se trata apenas disso. A denúncia assume, no
sistema do Código (desde 2003), uma importância fundamental: ela é o pressuposto da
eventual cessação da convenção por caducidade. O mecanismo que pode conduzir a este
resultado inicia-se com a denúncia (art. 501.º/3). Ora, a caducidade é um efeito apontado à
globalidade da convenção e daí que se exija que, com a denúncia, a convenção seja
globalmente colocada em discussão. Assim, a lei deixa de admitir a denúncia parcial de uma
convenção coletiva.
Hipótese diferente é a de apresentação de proposta de revisão de uma convenção
sem que seja feita denúncia, caso em que o art. 500.º/2 determina, também ai, a ineficácia do
ato: a mera proposta não equivale a denúncia, não gerando o dever de negociar nem abrindo
espaço à aplicação do regime da caducidade. O regime legal é discutível. Com MONTEIRO
FERNANDES, não se entende bem que outro sentido pode ser atribuído a uma proposta de
alteração de uma convenção que não seja o de uma manifestação de vontade de a alterar ou
fazer cessar – ou seja, de uma denúncia. Julga-se que a razão de ser da particular exigência
formal que a lei faz acerca da denúncia, estará no dramatismo do processo que com ela se
abre, e que pode conduzir à cessação da vigência daquela, sem regime substantivo.
Por fim, note-se que a denúncia não se traduz num mecanismo extintivo da convenção
coletiva de trabalho. Antes, compreende-se como um ato-condição do desencadeamento do
processo de revisão de uma convenção coletiva em vigor, que tanto pode conduzir à
revogação (por celebração de nova convenção no mesmo âmbito), como à caducidade da
convenção, sem sucessão. Assim, o efeito que a denúncia produz, de imediato e por si
própria, é o de abrir a sequência legal (estabelecida no art. 501.º/3 a 6), prolongando a

13
Note-se que a convenção pode ser denunciada imediatamente após a publicação e entrada em vigor. Com
efeito, a revisão de 2009 eliminou a condição de que a declaração de denúncia fosse pronunciada com certa
antecedência (3 meses), relativamente ao prazo de vigência que estivesse em curso.

47
vigência da convenção, ope legis, pelo tempo considerado razoável para que uma nova
regulamentação convencional possa ser concluída no mesmo âmbito.
O artigo 501.º/1 debruça-se sobre o problema das chamadas “cláusulas de
perenidade/continuidade”. Trata-se de uma cláusula segundo a qual, independentemente do
prazo de vigência estipulado ou supletivamente aplicado, a convenção coletiva vigora,
necessariamente, até ser substituída por outra. Ora, viu-se já que o regime anterior à
codificação assentava na continuidade dos regimes convencionais e que a política legislativa
do CT 2003 apontava em sentido exatamente oposto àquele que decorria da longa tradição
legislativa (e convencional!), consagrando a admissibilidade da hipótese de caducidade de
uma convenção coletiva, sem substituição da mesma. No entanto, o CT 2003 fazia depender
a aplicação desse regime do facto da convenção não regular a matéria, isto é, não definir a
sorte da convenção após o decurso do prazo de vigência. E é claro que as referidas cláusulas
de perenidade constituíam regulamentação da matéria e o certo é que a tradição convencional
passava pela inserção dessas mesmas cláusulas nas convenções coletivas. Por esta razão,
o mecanismo da caducidade de convenções idealizado pelo legislador, que repousava no
objetivo de dinamizar a contratação coletiva deparava, em muitos casos, com um fator
paralisante. Por conseguinte, a questão foi abordada na revisão de 2009, nomeadamente, no
art. 501.º/1 que impõe a caducidade das cláusulas de perenidade, após o decurso de um certo
prazo (3 anos) sobre um dos seguintes factos: a última publicação integral da convenção, a
denúncia da mesma, ou a apresentação de proposta de revisão que inclua a alteração dessa
cláusula.
Como se viu supra, o efeito que a denúncia produz, de imediato e por si própria, é o
de abrir a sequência legal (estabelecida no art. 501.º/3 a 6), prolongando a vigência da
convenção, ope legis, pelo tempo considerado razoável para que uma nova regulamentação
convencional possa ser concluída no mesmo âmbito. Precisamente nisto consiste a noção
legal de sobrevigência (ou ultra-atividade limitada) que designa a situação de uma convenção
coletiva que continua a vigorar para além do prazo acordado ou legalmente determinado e
que assenta no princípio da conservação da convenção.
A sobrevigência após a denúncia tem uma duração muito variável. Assim, no mínimo,
estender-se-á por 12 meses (art. 501.º/3) – mesmo que, porventura, não se desenvolvam
quaisquer diligências negociais, conciliatórias ou arbitrais destinadas a propiciar uma nova
convenção. Um “mínimo” condicionado, portanto: pode suceder que as partes concluam e
depositem um novo acordo antes de esgotado esse prazo, e não se vê razão para que a
vigência deste deva ser retardada até ao esgotamento do referido lapso de tempo. No
máximo, poderá atingir 18 meses, mas só se houver interrupção de negociações, com
diligências probatórias, mediação e/ou arbitragem, por período superior a 30 dias.

48
Estes prazos contam-se a partir da data da denúncia (isto é, da receção dela pelo
destinatário), pois é esse o momento-chave para o desencadeamento do processo que pode
conduzir à substituição ou à caducidade da convenção. Mas tal leitura está subordinada à
condição de que tenha decorrido o prazo de vigência estipulado ou, na sua falta, o prazo
supletivo do art. 499.º/2 – isto é, em suma, que a convenção se encontre já em sobrevigência.
No entanto, a cessação da convenção coletiva ainda de uma comunicação de uma
das parte ao ministério da área laboral e à contraparte, constatando e dando nota de que o
processo não conduziu a acordo (art. 501.º/6). Só a partir dessa comunicação se conta o
prazo final, de 45 dias, até à caducidade da convenção. Assim, nada impede que uma
negociação prolongada ou o recurso a processos de resolução de conflitos, estendam
consideravelmente a sobrevigência, até à concussão de novo acordo.
Se, de todo o modo, este contraente interessado na cessação da convenção proceder
com total diligência e sem qualquer interesse na celebração de acordo substitutivo, aquela
poderá ter, no máximo, uma vigência adicional (a partir da denúncia) de 19 meses e meio.
Atingido o limite temporal (isto é, esgotado o prazo de 45 dias contado a partir da
comunicação de inexistência ou frustração das negociações), a convenção denunciada cessa
a sua vigência, mesmo que não tenha sido possível atingir convenção substitutiva.
A caducidade produz-se ope legis (arts. 502.º/1-b))mediante, conforme se viu já, o
decurso de certo lapso de tempo em combinação com factos ou circunstâncias a que a lei liga
tal consequência (art. 502.º/1-b)).
Nos termos do art. 502.º/6, o “serviço competente do ministério responsável pela área
laboral” deve publicar no BTE um “aviso sobre a data (...) da cessação da vigência da
convenção coletiva” por caducidade. Este aviso, embora de indiscutível utilidade sob o ponto
de vista da segurança jurídica e da prevenção de litígios, não assume papel constitutivo, mas
meramente declarativo de uma situação cujos pressupostos e requisitos temporais estão
claramente previstos na lei. Com efeito, o pressuposto legal imediato da caducidade da
convenção é o decurso do prazo de 60 dias sobre a comunicação de que “o processo de
negociação terminou sem acordo”. Verificado este requisito, a convenção deixou de vigorar.
Ora, o problema principal que deriva da hipótese de caducidade é o das suas
consequências ao nível da situação contratual dos trabalhadores por ela abrangidos. Trata-
se de saber se e em que medida, para além da cessação da convenção, o seu conteúdo é
suscetível de invocação no quadro dos contratos de trabalho existentes naquele que foi o seu
âmbito de aplicação. O art. 501.º/7 fala da possibilidade de um acordo pré-existente acerca
desses efeitos (cfr. art. 492.º/2-h)). Na falta deste acordo prévio, o ministro responsável pela
área laboral convida as partes a acordarem esses efeitos. Não chegando, ainda assim, a
acordo, importa atentar no regime do art. 501.º/8, o qual reflete a evidente preocupação do
legislador com a chamada “angústia do dia seguinte”; problema que se fez sentir na sequência

49
do regime do CT 2003 que determinava, com a caducidade da convenção, a extinção total
dos seus efeitos. A orientação seguida pelo preceito segue, aliás, a linha jurisprudencial que
se fez sentir no TC, ainda durante a vigência do CT 2003, no Ac. n.º 306/2003 que, apesar de
não considerar a solução que o legislador encontrara para a caducidade das convenções
inconstitucional, considerou, ainda assim, que “a caducidade da eficácia normativa da
convenção não impede que os efeitos desse regime se mantenham quanto aos contratos
individuais de trabalho celebrados na sua vigência e às respetivas renovações”.
Deste modo, o art. 501.º/8 ressalva, em caso de caducidade da convenção, os efeitos
já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho, no que respeita a retribuição do
trabalhador, categoria e respetiva definição, duração do tempo de trabalho e regimes de
proteção social. Deste texto, podem retirar-se várias ilações quanto àquilo que se pode
designar por pós-eficácia da convenção coletiva. A primeira consiste no reconhecimento de
que esta produz efeitos nos contratos de trabalho, isto é, penetra, nalguma medida, no seu
conteúdo, ainda que uma parte do resultado de tal absorção contratual venha a apagar-se
com a caducidade da convenção. A segunda diz respeito à dimensão estritamente individual
desse fenómeno: não são as normas da convenção que sobrevivem, é o conteúdo dos
contratos individuais por ela determinados que se mantém, enquanto direitos adquiridos. E a
terceira é a de que, no direito positivo português, a referida absorção contratual só se
consolida em aspetos que, de modo mais ou menos direto, respeitam ao sinalagma
fundamental do contrato de trabalho: atividade versus contrapartida económica.
Isto significa que os regimes contidos nessas disposições da convenção caducada se
aplicam aos referidos trabalhadores agora e para futuro, até que surja nova convenção que
os abranja; nessa altura, aplica-se o art. 503.º/3 e 4 (sucessão de convenções). Deve,
contudo, ter-se presente que da combinação do art. 501.º/8 e 503.º/4 resulta que, se surgir
uma convenção que suceda à caducada, os próprios direitos mantidos na esfera contratual
individual dos trabalhadores abrangidos podem ser modificados ou eliminados pela nova
convenção.
Assim, a caducidade de uma ou mais convenções coletivas pode gerar uma situação
de insuficiência regulatória, dada a falta de adequação e especificidade dos regimes legais e
dados os inconvenientes da estipulação individualizada de condições de trabalho. A
convenção desaparece, a lei geral assume a primeira linha no tratamento das situações
concretas, a individualização ganha espaço praticamente ilimitado e dificilmente voltará a
haver, na empresa, no grupo ou no setor, regulamentação do trabalho formada em moldes
coletivos, isto é, tendo em conta o quadro concreto da empresa e o jogo dos interesses
coletivos em presença. Ora, a resposta do legislador a esse problema consta dos arts. 510.º
e 511.º: se a situação de desguarnecimento de regulamentação coletiva, resultante de
caducidade, se mantiver por 12 meses, poderá ser determinada (pelo “ministro responsável

50
pela área laboral”) a realização de uma arbitragem (IRCT não negocial). Embora a lei se refira
a arbitragem necessária, entende MONTEIRO FERNANDES que não parece que a designação
seja correta. A arbitragem necessária realiza-se independentemente da intervenção de
quaisquer vontades, por força de norma que a imponha e distingue-se da arbitragem
obrigatória, porque a realização desta se funda numa decisão política, ditada por razões de
oportunidade e conveniência. Trata-se, pois, de uma arbitragem obrigatória, fundada numa
decisão política, que pode ser ou não tomada face às circunstâncias de cada caso. De
qualquer modo, este recurso destina-se também a atuar como estímulo à retoma de
negociações entre os interlocutores sociais no sentido da obtenção de um acordo efetivo.
Para concluir, convirá notar que, hoje, o sujeito menos empenhado em negociar parece
ter-se alterado. Tipicamente, eram as associações sindicais que não tinham grande empenho
em renegociar a convenção coletiva. Agora, como o regime legal, apesar de todos os
dispositivos retardadores, acaba por desembocar na caducidade, parece haver o ensejo por
parte das entidades empregadoras de não negociar, desencadeando, assim, a caducidade
da convenção. Em suma, não se verificou a intensificação da contratação coletiva que o
legislador de 2003 e 2009 tinha em mente. As soluções encontradas acabam por redundar na
existência de um interesse juridicamente estratégico de uma das partes no sentido de não
negociar.

§ Sucessão de convenções.
As convenções coletivas são, não apenas sob o ponto de vista sociológico, mas
também na sua configuração legal, negócios modificáveis: a sua alterabilidade é um
traço de caráter, não uma simples contingência. Encaradas como plataformas de
equilíbrio transitórias, as convenções coletivas são acordos a termo estabilizador.
Ora, o fenómeno de sucessão de convenções coletivas – que configura o caso
típico de revogação, isto é, um acordo extintivo ou revogatório (expressão da
autonomia coletiva dos sujeitos), entendido por MONTEIRO FERNANDES como IRCT
inominado, cujo objeto consiste na cessação da vigência de uma convenção pré-
existente (art. 502.º/1-a)); e implica a neutralização completa dos efeitos da
convenção, salvo aqueles que o mesmo acordo preserve (art. 502.º/5) – corresponde
à revisão ou substituição de um instrumento de regulamentação coletiva por outro da
mesma natureza e com idêntico âmbito potencial.
Este fenómeno encontra-se regulado no art. 503.º CT. Tributário da conceção
tradicional de irreversibilidade de vantagens, o preceito confronta-se com o problema
da interação entre conteúdos convencionais coletivos que evoluem no tempo e os
contratos individuais de trabalho inseridos no seu âmbito de aplicação.

51
Nessa perspetiva, resulta do art. 503.º/3 que, no que respeita à relação entre
os conteúdos normativos de convenções que se sucedem, em princípio, uma
convenção posterior não pode incorporar disposições menos favoráveis do que as que
lhe correspondiam, no antecedente. Deste modo, assenta no entendimento da
convenção coletiva como instrumento de progresso social.
Contudo, o princípio admite desvio se as próprias partes, no clausulado da
convenção, exprimirem o consenso de que ela é “globalmente mais favorável” do que
a anterior. Trata-se da consagração do princípio da conglobação que se trata de uma
manifestação, ainda que ténue, da ideia de não retrocesso social ao nível da
contratação coletiva. De todo o modo, uma solução sui generis, que claramente reflete
o reconhecimento de: novas tarefas à contratação coletiva, nomeadamente, de
adaptação à realidade empresarial; e dos sindicatos enquanto entidades maturas que
se norteiam pela defesa dos interesses dos trabalhadores. Com efeito, a exigência
feita pelo art. 503.º/3 trata-se de um requisito formal e, de resto, insindicável.
Cumprido o referido requisito, dispõe o n.º 4 que a convenção prejudica os
direitos decorrentes de convenção precedente, salvo se forem expressamente
ressalvados pelas partes na nova convenção. MONTEIRO FERNANDES coloca a questão
de saber que direitos são esses, isto é, que parte do conteúdo individual é suscetível
de ser afetada pela sucessão. O que o art. 503.º/4 esclarece é que a sucessão só
pode, nos contratos individuais pré-existentes, atingir conteúdos que neles se
inseriram por efeito de regulamentação coletiva antecedente. Mesmo no domínio
destes conteúdos, MONTEIRO FERNANDES, levanta o problema de saber quais, de entre
estes, podem ser suscetíveis de redução ou eliminação. Assim, entende que não
poderá dizer-se que se trata daqueles direitos, consagrados normativamente numa
convenção, que se achem já cristalizados na titularidade deste ou daquele trabalhador
(p. ex., um crédito por horas extraordinárias prestadas), em virtude de este ter
preenchido os respetivos pressupostos na vigência do regime convencional que lhes
liga tal efeito. Com efeito, o prejuízo de tais direitos, em consequência da substituição
do regime convencional por outro que os não consagra, equivaleria a conferir a este
último uma eficácia retroativa a que nenhuma ponderação poderia explicar. Esses
direitos adquiridos e vencidos são intocáveis pelo fenómeno da sucessão de
convenções. Coisa diversa se poderá afirmar a propósito dos direitos cujos
pressupostos são realizáveis, na normalidade do desenvolvimento das relações de
trabalho, mas não têm ainda (no momento da sucessão) realidade efetiva, não se
encontram subjetivados – não sendo, afinal, verdadeiros direitos subjetivos, mas
simples expetativas juridicamente tuteladas. Assim, p. ex., uma convenção estabelece
que cada hora de trabalho suplementar em dia útil será paga com o acréscimo de

52
100%: o direito a receber esse acréscimo só se subjetiva com a efetiva prestação de
trabalho suplementar. Em suma, entende o Autor que quando a lei prevê o prejuízo de
direitos adquiridos é ao direito objetivo e não ao direito subjetivo, que verdadeiramente
alude.

53
CAPÍTULO III – O REGIME JURÍDICO DA GREVE

1. A greve como direito fundamental.


2. Tipologia das greves.
3. A natureza do direito de greve.
4. A greve e o Código do Trabalho.
4.1. Decisão e declaração de greve.
4.2. Situação de greve.
4.3. Efeitos da greve.
4.4. Termo da greve.
4.5. Greve ilícita.
5. Limites do direito de greve.
5.1. Limites legais.
5.2. Limites convencionais.
6. Greve e lock-out.

54
CAPÍTULO III – O REGIME JURÍDICO DA GREVE

1. A greve como direito fundamental.

A Constituição consagra o direito à greve como um direito fundamental dos


trabalhadores: de todos os trabalhadores e apenas dos trabalhadores (art. 57.º/1 CRP). Em
contrapartida, não gozam do direito à greve todos aqueles que não se enquadrem no conceito
constitucional de trabalhadores. Desde logo, não se enquadra no âmbito normativo-
constitucional de greve a ação concertada de utentes de serviços públicos no sentido de
recusar utilizá-los (por exemplo, “greves de estudantes às aulas”). A greve surge, assim, como
um fenómeno intrinsecamente ligado às relações de trabalho subordinado.
Ademais, a greve surge como um instrumento de autotutela dos trabalhadores. Como
seu meio de pressão e expressão. Como meio de ação direta constitucionalmente
reconhecido, a greve traduz-se num incumprimento lícito da obrigação de prestação de
trabalho, com os prejuízos inerentes para as entidades empregadoras. Porém, constitui
também um sacrifício para os trabalhadores, que perdem o direito à remuneração pelo
trabalho não prestado durante a greve, sem nenhuma garantia do sucesso da mesma.
Neste sentido, diz-nos JORGE LEITE que “é corrente dizer-se que o fenómeno da greve
é rebelde à sua apreensão e à sua disciplina pelo direito. Muitos autores consideram mesmo
inevitável a sua analogia com outros fenómenos de rutura, incluída a guerra”. Contudo,
importa acentuar, juridicamente assumida como direito, a greve é apenas uma forma de
compensar o desequilíbrio de poder entre o empresário e os trabalhadores, desequilíbrio que
lhe permite ditar as suas “leis”, impor as suas condições.
Hoje, a greve não é mais vista como um crime ou um delito. Não é mais vista como
mera liberdade ou faculdade, relativamente à qual o ordenamento jurídico assumiria uma
postura de tolerância e contemporização. Hoje, a greve consiste num direito e, mais do que
isso, num direito fundamental dos trabalhadores que laboram em moldes heterodeterminados.
É o que resulta dos n.ºs 1 e 2 do art. 57.º CRP que consagram formulações normativas fortes
e que pretendem afirmar e salvaguardar este tão singular direito – quer em face do
empregador, quer em face do próprio legislador –, reconhecendo-lhe o estatuto
jusconstitucional de direito, liberdade e garantia dos trabalhadores. Justamente a sua
consagração como direito reflete-se no efeito jurídico que, no plano contratual produz – a
suspensão do contrato de trabalho –, configurando-se como um direito potestativo
modificativo.
Determina o art. 57.º/2 CRP que “compete aos trabalhadores definir o âmbito de
interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito”. Do preceito
resulta que os trabalhadores são livres na determinação dos motivos, na definição da

55
mensagem e na seleção dos fins da greve, não podendo a lei limitar o âmbito dos interesses
defendidos – liberdade de definição dos motivos da greve. Ora, uma tão enfática norma não
pode deixar margem para dúvidas acerca da ilegitimidade da restrição do direito de greve ao
âmbito das relações de trabalho propriamente ditas, sendo um caso raro de proibição
expressa de restrições a direitos fundamentais.
Precisamente esta proibição constitucional expressa, a razão que se entende estar na
base da inexistência de uma noção legal de greve. De facto, a motivação é um dos elementos
da noção jurídica de greve: a amplitude dessa noção é, em grande parte, definida pela maior
ou menor abrangência das motivações juridicamente admissíveis, pelo que definir greve
implicaria referir o elemento finalístico, a sua motivação, o que poderia redundar em limitá-lo.
Contudo, ainda que a lei não defina o conceito de greve, dessa omissão não pode
concluir-se que: todo o tipo de conduta coletiva que como “greve” seja apresentada caiba
nesse direito nem que só a abstenção coletiva de trabalho com fins contratuais merece a
respetiva tutela.
Assim, também não nos parece sustentável que, na mens legislatoris, não exista uma
delimitação dos fenómenos que integram a matriz referencial para o regime do exercício do
direito de greve. Entendemos, então, que o silêncio da lei aponta no sentido de que o termo
greve tenham um significado jurídico coincidente com o entendimento comum do fenómeno,
tal como se encontra consolidado na prática social. Com JOÃO ABRANTES, podemos definir a
greve como uma suspensão coletiva e concertada da prestação de trabalho por um grupo de
trabalhadores, tendo em vista exercer pressão no sentido da obtenção de uma finalidade ou
objetivo comum. Trata-se de uma noção que analiticamente pode ser decomposta em dois
elementos: um objetivo e outro teleológico/finalístico.
Ora, o elemento objetivo aponta para a ideia de que a greve se trata de uma abstenção
da prestação de trabalho, que tem de ser total, isto é, na totalidade dos elementos que a
constituem. Assim, não há greve em sentido jurídico se não se verificar uma completa
cessação de trabalho: não é viável realizar a conduta devida só em certos aspetos, aspirando-
se, simultaneamente, na medida restante, à tutela do direito de greve. Por conseguinte, deve,
no entender de JOÃO ABRANTES, excluir-se do conceito uma abstenção meramente parcial,
com a exclusão, apenas, de parte da atividade devida ou uma conduta em que haja a
realização total dessa atividade, mas de modo diverso do definido pelo empregador ou,
simplesmente, do que é o usual (é o caso da greve de zelo que não é uma greve, mas uma
execução defeituosa do contrato).
Quanto ao elemento finalístico, isto é quanto ao móbil ou motivos da greve, verifica-se
uma evidente demarcação face ao conceito “tradicional” de greve que não conhece causa
legítima de justificação que não assente em motivos estritamente profissionais (isto é,

56
relacionados com as condições de trabalho, v.g., salários, progressão na carreira etc.) e que
não tem em vista outro destinatário que não a entidade empregadora.
De acordo com os fins que visa prosseguir, é corrente, então, distinguir-se as greves
profissionais das greves extraprofissionais, sendo que, entre estas, se incluem: as greves de
solidariedade, que assentam numa atitude de solidariedade para com outros trabalhadores; e
as greves políticas, ditadas por um objetivo de caráter político14 (p. ex., uma greve contra um
projeto lei de segurança social), cujo destinatário não é o empregador, na medida em que a
concretização das reivindicações por parte dos trabalhadores não estarão na disponibilidade
do empregador, mas, antes, do legislador.
Serão as aludidas greves extraprofissionais admissíveis à luz do nosso ordenamento
jurídico? A resposta a esta questão, desde que o art. 57.º/2 CRP e o art. 530.º/2 CT, que o
reproduz, não interferem na definição dos motivos da greve, optando por uma
desfuncionalização do direito à greve, não pode deixar de ser afirmativa. Deve, por isso,
concluir-se que o programa normativo-constitucional é materialmente mais amplo do que o
que corresponde à “greve clássica”, assente no modelo contratual-profissional de greve, ou
seja, como abstenção coletiva e concertada da prestação de trabalho como meio de pressão
dos trabalhadores sobre os empregadores para defesa dos seus interesses profissionais.
Entende-se, portanto, que a greve é um instrumento de autotutela dos trabalhadores perante
quaisquer instâncias que adotem decisões suscetíveis de os afetar. Em suma, na lição de
GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “para que uma greve seja legítima quanto aos seus
motivos e objetivos, basta que eles tenham a ver, ainda que indiretamente, com os direitos e
interesses dos trabalhadores e que não sejam constitucionalmente ilícitos”.
Por fim, note-se, simplesmente, que o direito à greve não se trata de um direito
absoluto ou ilimitado, que sobre todos os outros deva prevalecer e todos os outros deva
sacrificar. A CRP é, outrossim, inequívoca quanto a este ponto, conforme resulta do art. 57.º/3.

2. Tipologia das greves.

14
ROMANO MARTINEZ chega a colocar a dúvida sobre a qualificação como greve destas situações, pois, na medida
em que a greve funciona como meio de pressão para atingir certos fins, se as pretensões não podem ser satisfeitas
pelo empregador, não se pode qualificar a situação como verdadeira greve. Os fins comuns que se reivindicam
devem estar na disponibilidade de satisfação do empregador. Até porque é a entidade empregadora quem suporta
o risco inerente à greve. Só será justo que o empregador suporte tal risco se tiver a possibilidade de satisfazer as
pretensões dos trabalhadores. No fundo, entende o Autor que é preciso fazer a distinção entre o exercício do
direito de greve e o direito de manifestação política. Assim, entende que na medida em que se tratam de
reivindicações que não podem ser satisfeitas pelo empregador, este não deverá ter que suportar o risco inerente,
como o pagamento de salários a não grevistas ou a responsabilidade pelo não cumprimento dos contratos.

57
3. A natureza do direito de greve.

A greve consiste num direito de estrutura complexa, em que se mesclam dimensões


individuais e coletivas. Sendo a greve, por definição, um fenómeno essencialmente coletivo e
grupal, produto da solidariedade dos trabalhadores, a mesma participa, também,
irrecusavelmente de dimensões individuais.
Ora, num primeiro momento, no momento da decisão e declaração de greve, avulta a
dimensão coletiva, visto que a greve terá de ser decidida e declarada por estruturas de
representação coletiva dos trabalhadores. Mas os sindicatos não podem fazer a greve. Num
segundo momento, no momento da adesão ou não à greve antes decidida, a dimensão
individual deste direito surge, cristalina: ao trabalhador, a cada trabalhador, compete escolher
entre aderir ou não à greve, em condições de total liberdade – trata-se de um direito
potestativo de adesão à greve.
O direito à greve consiste, assim, com JORGE LEITE, num direito individual de exercício
coletivo, isto é, num direito de que é titular o trabalhador, cada trabalhador, mas cujo exercício
se realiza em necessária cooperação ou conjugação com outros titulares de idêntico direito.
No mesmo sentido, com JOÃO ABRANTES, “a greve é um direito individual de cada trabalhador,
que comporta uma dimensão coletiva, que, sem apagar essa fisionomia de direito individual,
faz parte do seu próprio conteúdo e é condição da sua efetivação”.

4. A greve e o Código do Trabalho.

4.1. Decisão e declaração de greve.


No chamado momento do processo preliminar da greve, avulta a dimensão coletiva
deste direito, o que se reflete no facto de a competência normal de decidir do recurso à greve
ser das associações sindicais, ainda que a maioria dos trabalhadores da empresa não esteja
sindicalizada (art. 531.º/1). Note-se que tal competência não está, sequer, condicionada a
qualquer requisito de representatividade mínima da associação sindical na empresa ou setor
a abranger. Fala-se, contudo, de um quase-monopólio sindical da decisão do recurso à greve,
na medida em que, nos termos do art. 531.º/2, a assembleia de trabalhadores da empresa
também pode deliberar validamente sobre o recurso à greve, mas os requisitos para que isso
possa suceder quase remetem essa hipótese para o domínio académico.
Trata-se de uma solução legal, no entender de autores como JOÃO ABRANTES e GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, de duvidosa constitucionalidade, por se traduzir na restrição de
um direito fundamental que a Constituição reconhece a todos os trabalhadores,
independentemente de serem sindicalizados ou não. Com efeito, se é certo que o trabalhador
não sindicalizado pode ou não aderir a uma greve decidida pelo sindicato cujo âmbito

58
subjetivo e geográfico o abranja, é igualmente certo que a lei o impede de contribuir para a
formação da vontade coletiva de greve ou de se pronunciar sobre a sua oportunidade, a sua
duração, os seus motivos, os interesses a defender, as formas que deve assumir, etc. Na
prática, impede-se esses trabalhadores não filiados de participarem num dos momentos mais
importantes do processo em que este direito se analisa, o momento coletivo da concertação
e da decisão, sem dúvida alguma também integrador, tal como o momento individual de
adesão, do conteúdo do direito.
Uma vez tomada a decisão de recurso à greve por estrutura competente para o efeito,
importa saber como é que a greve é declarada. Importa, então, que a entidade que decida do
recurso à greve dirija, por meios idóneos (art. 534.º/2), ou seja, por meios que garantam a
cognoscibilidade da declaração, ao empregador ou associação de empregadores e ao
ministério responsável pela área laboral um aviso prévio (art. 534.º/1). Descortinam-se,
contudo, prazos distintos para este aviso que, em geral, será de 5 dias úteis ou, no caso de
empresas que se dediquem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, um prazo
especial de 10 dias. Por conseguinte, resultam proibidas as greves-surpresa. Proibição que
tem por base garantir a possibilidade do empregador tentar minorar os prejuízos para a
empresa, nos limites do legalmente possível, e permitir aos utentes dos serviços que
programem as suas vidas em conformidade, minorando os prejuízos que a greve acarreta.
Com efeito, entende-se que esta imposição não põe em causa o direito à greve, nem
chega a constituir um verdadeiro limite a tal forma de luta. A norma que o prevê não restringe,
muito menos de forma intolerável, o direito, não inibe ou dificulta o seu exercício, apenas o
condiciona, representando, contudo, a concretização de regras de boa fé nesse exercício.
Não obstante, a imposição legal não deixa de levantar o problema da diminuição do impacto
da greve.
Em estreita relação com a imposição de um dever de aviso prévio e, diz-se, como sua
contrapartida, deparamo-nos com a expressa proibição legal de substituir grevistas (art.
535.º). Note-se que a regra não proíbe que o empregador proceda a uma reorganização da
atividade produtiva e uma redistribuição de tarefas, permitindo-lhe que mude trabalhadores
de atividade e de local dentro do mesmo setor ou estabelecimento da empresa,
nomeadamente por recurso à mobilidade funcional. É-lhe, porém, vedado afetar trabalhadores
de um estabelecimento ou serviço a outro estabelecimento. A única possibilidade que resta
ao empregador, para manter a funcionar os serviços afetados, consiste, pois, no recurso ao
trabalho dos não aderentes que já pertencessem aos mesmos serviços15. De todo o modo,
note-se que a proibição funciona como um claro mecanismo protetor da greve.

15
De acordo com o art. 535.º/2 CT, salvo em caso de incumprimento de serviços mínimos, é também proibido
contratar serviços alternativos, de outra empresa, para esse fim. Na esteira de BERNARDO XAVIER, “afigura-se-nos

59
4.2. Situação de greve.
No momento da adesão ou não à greve antes decidida, a dimensão individual deste
direito surge, cristalina: ao trabalhador, a cada trabalhador, compete escolher entre aderir ou
não à greve, em condições de total liberdade, sendo nulo, nos termos do art. 540.º CT,
qualquer ato que implique coação, prejuízo ou discriminação do trabalhador por motivo de
adesão ou não à greve. Com efeito, não há nesta matéria qualquer princípio da filiação: a
decisão das associações sindicais não abrange apenas os seus filiados, alargando-se a todos
os trabalhadores não filiados ou filiados num sindicato concorrente, desde que abrangidos
pelo seu âmbito subjetivo e geográfico estatutariamente definido. A decisão é, pois,
irrecusável e estruturalmente individual (o que, aliás, legitima a atuação do fura-greve).
No entanto, a decisão, conquanto não tenha de ser solidária, também não terá de ser
tomada solitariamente, sem diálogo, sem informação e sem esclarecimento sobre as razões
e propósitos da greve. O nosso ordenamento jurídico é inequívoco a este respeito,
reconhecendo a figura dos piquetes no art. 533.º CT. E compreende-se que assim seja. A lei,
procurando cumprir a sua missão de garantir o direito à greve, reconhece a faculdade sindical
de constituição, organização e atuação de piquetes de greve, em ordem a que os
trabalhadores possam ser devidamente informados sobre os motivos e os objetivos da greve,
sempre e quando a atividade destes piquetes se processe de forma pacífica e com respeito
pela liberdade de trabalho daqueles que optaram por não aderir. Assim, entende LEAL AMADO
que os piquetes são uma componente fundamental do exercício da greve, na medida em que
a lei procura garantir o livre e esclarecido exercício deste direito, através de mecanismos
dinamizadores da greve, entre os quais avulta a faculdade sindical de constituir piquetes de
greve, em ordem a esclarecer os trabalhadores e tentar persuadi-los a aderirem ao movimento
grevista. Em suma, temos que a lei autoriza que o sindicato constitua piquetes que, atuando
por meios pacíficos, através da informação, do diálogo e da persuasão, procurem convencer
o trabalhador da justeza da greve e levá-lo a optar por aderir à mesma.
Quanto à atuação dos piquetes, tem-se, contudo, levantado o problema da
admissibilidade ou não da presença de piquetes de greve nas instalações das empresa e nos
próprios locais de trabalho.

que se pretende especialmente garantir que os postos de trabalho concretos dos grevistas não sejam assumidos
por empresa de trabalho temporário, contratada para o efeito, nem por prestadores de serviços destacados por
outras empresas, nem por cedência ocasional de trabalhadores”. Mas, de seguida, acrescenta que “não nos parece
que esta disposição ponha em causa a prática existente de assegurar serviços alternativos pela contratação de
outras empresas, pois não há aqui a realização das tarefas que caberiam ao trabalhador grevista, mas, antes, a
substituição de uma organização por outra”.

60
Um setor doutrinário (MENEZES CORDEIRO) procura a resposta recorrendo ao
regulamento interno da empresa e aplicando um princípio de não discriminação: assim, os
elementos dos piquetes que sejam trabalhadores da empresa poderão circular nessas
instalações exatamente nas mesmas condições em que o regulamento aí permita a sua
presença fora do período normal de trabalho e os terceiros também poderão aí aceder nas
mesmas condições em que o possam fazer na ausência do conflito; se tal regulamento na
dispuser sobre a matéria, o empregador poderá proibir a presença dos elementos dos
piquetes nas instalações quando a sua atuação possa de algum modo perturbar a prestação
de trabalho dos não aderentes. Para outros autores (BERNARDO LOBO XAVIER e MARIA PALMA
RAMALHO), pelo contrário, o acesso às instalações da empresa poderá ser sempre vedado,
em nome do direito de propriedade do empresário e da privação do título de acesso ao
estabelecimento por força da suspensão do contrato de trabalho.
LEAL AMADO entende que o problema assume os contornos de uma falsa questão. É
que, ao problema de saber onde é que a missão do piquete pode ser desempenhada, a
resposta não poderá deixar de ser que tal missão poderá ser desempenhada onde haja
trabalhadores atingidos pela declaração de greve e potencialmente aderentes à mesma.
Assim, se esses trabalhadores estiverem no interior da empresa, pois será aí que o piquete
terá de atuar, sempre dentro dos limites legais, vale dizer, por meios pacíficos e com absoluto
respeito pela liberdade de trabalho daqueles que, a despeito dos esforços de persuasão do
piquete, optarem por não aderir à greve (art. 533.º). É que, no entendimento de GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “o direito à greve não justifica ações que se traduzam numa
violação da liberdade de trabalho dos não grevistas, no encerramento das instalações ou no
sequestro de pessoas. Os trabalhadores em greve têm o direito de tentar persuadir todos os
trabalhadores a aderir à ação coletiva, mas não podem forçar ninguém a fazê-lo”.
Entendimento certeiro que nos mostra que a associação sindical, através dos piquetes
de greve, tem o direito de tentar persuadir todos os trabalhadores a aderir à ação coletiva,
conquanto não possa forçar ninguém a fazê-lo. Ora, para tentar persuadir todos os
trabalhadores a aderir à greve, é óbvio que a ação dos piquetes não pode ser confinada, por
decisão do empregador, ao espaço exterior à empresa.
Com efeito, nada na lei legitima uma limitação espacial para o exercício das funções
do piquete de greve, que circunscreva a atuação deste ao espaço externo ou limítrofe às
instalações da empresa.
Acresce que: uma tal limitação espacial encontrava-se prevista no primeiro diploma
regulador da greve subsequente à Revolução de Abril (DL n.º 392/74), o qual, porém, vigorou
por pouco tempo tendo sido revogado e substituído pela chamada “Lei da Greve” (Lei n.º
65/77), depois pelo CT 2003 e, depois, pelo CT 2009, sendo certo que em nenhum destes
diplomas se encontra qualquer vestígio das disposições limitativas que constavam daquela

61
primeira lei; por ouro lado, no processo parlamentar conducente à aprovação da
supramencionada “Lei da Greve”, chegou a ser apresentada uma proposta do PSD no sentido
de os piquetes só poderem atuar fora das instalações da empresa, proposta que veio a ser
votada e rejeitada pela maioria dos deputados; a Procuradoria-Geral da República teve
ocasião de emitir um importante parecer sobre a matéria em 29 de junho de 1978, em que
expressamente admite a figura do “piquete interno”; por fim, este tem sido o entendimento da
jurisprudência chamada a debruçar-se sobre o assunto (cfr. Ac. TRC 4-12-1979 e o Ac. TRL
23-01-200216).
Em suma, tanto o elemento gramatical de interpretação (a letra da lei não assimila os
piquetes de greve a “piquetes externos” e ubi lex non distinguere, nec nos distinguere
debemus), como o elemento racional ou teleológico (permitir o cabal desempenho da função
de persuasão dos demais trabalhadores), bem assim como o elemento histórico (a evolução
histórica do regime jurídico da greve, incluindo a rejeição da proposta limitativa apresentada
pelo PSD), todos estes fatores hermenêuticos convergem no sentido de que as associações
sindicais têm o direito de desenvolver a sua atividade fora ou dentro das instalações da
empresa, contanto que respeitem os limites estabelecidos no art. 533.º CT.
Assim sendo, note-se que o piquete de greve poderá ir além do permitido e extravasar
os limites legais, quer atue fora quer atue dentro das instalações da empresa; assim como o
piquete poderá respeitar esses limites legais, mesmo atuando dentro da empresa. Por
conseguinte, diríamos que a questão pertinente, para o nosso ordenamento jurídico, não é a
do onde mas a do como: pouco importa se o piquete atua no interior ou no exterior das
instalações da empresa; importa, sim, o modo como atua, a forma pacífica ou não, persuasiva
ou não, respeitadora ou não, como os seus membros atuam em relação aos trabalhadores.
Com efeito, o próprio sentido persuasivo das funções exercidas pelo piquete de greve
pode implicar a necessidade do seu exercício no interior das instalações da empresa ou
estabelecimento, como é o caso de existirem locais próprios para o convívio dos
trabalhadores. E nem se alegue que os membros do piquete não gozariam do direito de
aceder às instalações da empresa porque o respetivo contrato de trabalho se suspendeu com
a adesão à greve e, com tal suspensão, os trabalhadores teriam perdido o título de acesso às
instalações pelo tempo que durasse a greve. Estamos convictos que a observação não
procede porque aqueles trabalhadores da empresa, membros da brigada ou equipa de
intervenção organizada pela associação sindical que convocou a greve, não são meros
trabalhadores em greve com o contrato suspenso; são muito mais que isso: eles são membros

16
Em que se ressalva, contudo, que a não ilicitude da ação do piquete de greve no interior do estabelecimento da
empresa não confere o direito aos dirigentes sindicais de, sem comunicação prévia à entidade patronal,
introduzirem-se nas instalações desta para ali se integrarem naquele piquete.

62
do piquete de greve, previsto e legitimado pelo art. 533.º CT, tendo por função legal a tentativa
de persuadir os restantes trabalhadores a aderirem à greve; e, logicamente, se esses
trabalhadores se encontrarem no interior das instalações da empresa, é lá mesmo que os
membros do piquete de greve terão de tentar cumprir a sua missão.
Tendo em conta o exposto, é óbvio que, se a entidade empregadora proibir os
membros do piquete de entrar nas instalações da empresa, essa entidade empregadora
estará a criar entraves injustificados à atuação do piquete e, nessa medida, estará a dificultar
o exercício dos direitos da associação sindical que convocou a greve e organizou o piquete.
Então, é manifesto que se estará perante uma violação do disposto no art. 405.º CT, norma
destinada a proteger a autonomia e independência das estruturas de representação coletiva
dos trabalhadores, bem como a salvaguardar o exercício dos seus direitos.
É óbvio que da parte do empregador pode haver interesse em opor-se à entrada do
piquete de greve na empresa, visto que, se alguns trabalhadores não aderirem à greve, a
entidade patronal, em princípio, não pretende que eles sejam persuadidos a abandonarem o
trabalho. Simplesmente, o nosso ordenamento jurídico dá primazia aos interesses ligados ao
exercício do direito à greve, autorizando que os piquetes tentem persuadir os trabalhadores
em causa a aderir a essa mesma greve. Na verdade, entende LEAL AMADO que o nosso
ordenamento mostra-se, a um tempo, bastante generoso para com os piquetes de greve, não
circunscrevendo a sua atuação ao espaço exterior da empresa, mas também bastante
exigente para com esses piquetes, pois coloca limites inultrapassáveis à sua atividade:
utilização de meios pacíficos, tendo por escopo persuadir os trabalhadores, com respeito
absoluto pela liberdade de trabalho dos não aderentes. E é outrossim verdade que, na ordem
prática das coisas, num fenómeno intrinsecamente conflitual como é o grevista, admitir
piquetes no interior das instalações, com a inerente proximidade física dos respetivos
membros e dos trabalhadores que, apesar da greve, se deslocaram para a empresa, potencia
os riscos de conflito e de emprego de meios coativos por parte do piquete, tendentes a
pressionar ou intimidar os trabalhadores a modificarem a sua posição e a virem a aderir à
greve. Porém, nada disto serve para desautorizar a presença dos piquetes no interior da
empresa. Tudo isto serve, isso sim, para demonstrar que os membros do piquete, embora
disponham de bastante latitude para exercer a sua missão, terão de estar particularmente
atentos à fina linha que, na prática, se estabelece entre persuadir e coagir, por exemplo. E,
se a ação do piquete redundar em coação sobre trabalhadores por motivo de não adesão à
greve, tal ato será nulo, nos termos do art. 540.º/1 CT, podendo dar azo a responsabilidade
penal, nos termos do art. 543.º CT. Em suma, dir-se-ia que os membros do piquete de greve
poderão pensar e sentir como Mike Tyson, mas terão de falar e agir quase como Mahatma
Ghandi.

63
4.3. Efeitos da greve.
O principal efeito da greve é, nos termos do art. 536.º CT, a suspensão do contrato de
trabalho. Tal como sucede nas situações de impossibilidade temporária da prestação laboral
não imputável ao trabalhador (p. ex., doença), o contrato permanece, não obstante haver uma
não prestação de atividade do trabalhador, uma vez que a lei considera que a causa dessa
paralisação a legitima e descaracteriza como violação contratual, ficando o trabalhador,
durante ela, exonerado do seu débito.
A ausência do trabalhador no local de trabalho por motivo de adesão à greve não
configura uma falta (nem sequer justificada), porque durante a greve não se mantém o dever
de assiduidade. Assim, o contrato mantém-se, só ficando suspensos temporariamente os
seus efeitos principais, desde logo o direito à retribuição. Por sua vez, o trabalhador deixa de
estar sujeito, entre outros, aos deveres de assiduidade e diligência, mantendo-se, todavia, os
“deveres que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho”, como é o caso dos deveres
de respeito, sigilo e não concorrência (art. 128.º/1-a) a f)), autónomos da prestação principal
e, como tal, não abrangidos pelo efeito suspensivo decorrente da adesão à greve. Também
não se alteram os direitos do trabalhador em matéria de segurança social (art. 536.º/2) e a
suspensão conta para efeitos de antiguidade (art. 536.º/3).
Uma questão que se levanta é saber se atos praticados por ocasião da greve são
passíveis de procedimento disciplinar. Uma vez que os trabalhadores, durante a greve, ficam
“fora do contrato”, então, pelo menos no que toca às obrigações principais, estão subtraídos
ao poder disciplinar do empregador. Ao suspender o contrato, a greve legitima a inobservância
pelo trabalhador de certos deveres ligados à prestação que se recusa e, por conseguinte,
paralisa, nessa medida, o poder diretivo e disciplinar do empregador. Contudo, não neutraliza
disciplinarmente os comportamentos ilícitos daqueles que, apesar da greve, continuam a ser
trabalhadores e poder ser responsabilizados por esses atos, nomeadamente, pela violação
de deveres laborais que não estejam suspensos.

4.4. Termo da greve.


Sobre o termo da greve, dispõe o art. 539.º CT. Sendo a greve de duração
indeterminada , ela terminará mediante acordo das partes ou por deliberação da entidade que
a tenha declarado. Tendo uma duração limitada, terminará no final do período para o qual foi
declarada.

4.5. Greve ilícita.


Problemático é o regime da greve ilícita declara e praticada à margem da Constituição
e da lei. Desde logo, haverá que distinguir entre a ilicitude da própria greve, quanto à sua

64
declaração, e os atos ilícitos praticados durante uma greve, no resto incensurável, e que,
portanto, não afetam o estatuto desta.
As greves ilícitas podem enquadrar-se numa de diversas situações. Assim, são ilícitas:
as greves que prossigam fins ilícitos (v.g., as que tenham por finalidade atacar a organização
política do Estado, no tocante à sua estrutura ou às instituições constitucionais); as
desencadeadas em desrespeito de regras imperativas ligadas à legitimidade para a sua
declaração, ao seu processamento e aos deveres acessórios que durante a greve hajam de
ser atacados (v.g., o caso da greve não antecedida de aviso prévio); e, de um modo geral, as
que violem os respetivos limites, sejam eles constitucionais, legais ou convencionais.
Seja o vício de ordem material (greve ilícita), seja formal (greve irregular), em qualquer
uma das situações, as condutas dos trabalhadores aderentes ficam sujeitas ao regime do art.
541.º CT. A recusa da prestação laboral fica excluída da proteção da lei, passando, por isso,
a ser qualificada como um caso de incumprimento do contrato e não como um caso de
exercício de um direito. Os trabalhadores, incorrem, pois, no regime de faltas injustificadas.
Ressalva JOÃO ABRANTES que importa, nos termos gerais, ressalvar a posição dos
grevistas de boa fé, isto é, dos trabalhadores que, tendo usado da diligência exigível, tenham
suspendido o trabalho, convictos da regularidade formal da greve. Se o trabalhador não
conhecia nem razoavelmente lhe era exigível que conhecesse o vício, a sua conduta não deve
ser disciplinarmente prosseguida.
Por fim, note-se que a greve ilícita pode ocasionar igualmente a responsabilidade civil
dos sindicatos, por via contratual (no caso de greve violadora de uma convenção coletiva ou
do dever de paz social) ou extracontratual.

5. Limites do direito de greve.

5.1. Limites legais.


Os limites legais específicos da greve referem-se, em geral, à legitimidade para a
declarar, ao seu processamento e aos deveres acessórios que durante ela há que acatar.
Vamo-nos referir a estes últimos.
O direito de greve, apesar de se tratar de um direito fundamental dos trabalhadores,
não se trata, evidentemente, de um direito absoluto ou ilimitado, que sobre todos os outros
deva prevalecer e todos os outros deva sacrificar. Com efeito, este entendimento perpassa o
art. 57.º/3 CRP, introduzido na Lei Fundamental pela revisão constitucional de 1997. Existe,
pois, explícita credencial constitucional para limitar ou restringir o direito à greve. Essa
credencial constitucional radica na ideia de conflito ou colisão de direitos – in casu, o conflito
entre o direito à greve e outros bens jurídico-constitucionais.

65
A narrativa, a propósito do conteúdo do regime próprio dos direitos, liberdades e
garantias, é bem conhecida e aplica-se na perfeição ao caso da greve. Na lição de GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “mesmo quando constitucionalmente autorizada, a restrição só é
legítima pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse
constitucionalmente protegido, e a medida restritiva estabelecida por lei tem de sujeitar-se ao
princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo, com
as suas três dimensões – necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito –
, de forma a que as restrições se limitem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º/2 CRP)”. Assim, a questão dos limites do
direito de greve é, pois, fundamentalmente uma questão de concordância prática com outros
bens e valores constitucionais.
Em suma, a despeito do seu estatuto privilegiado como direito fundamental, o direito
à greve comporta limites, os quis se traduzem: na obrigação de segurança, isto é, na
obrigação de os grevistas prestarem, durante a greve, os serviços necessários à segurança
e manutenção de equipamentos e instalações; e na necessidade de satisfação das chamadas
necessidades sociais impreteríveis, caso em que os trabalhadores em greve deverão cumprir
a obrigação de serviços mínimos. Existe, pois, uma relação umbilical entre as necessidades
sociais tidas por impreteríveis e a obrigação de serviços mínimos: esta só existe se e na
medida em que aquelas existirem e forem ameaçadas pela greve17.
Com efeito, é sabido que as ideias de prejuízo, perturbação, incómodo e transtorno
acompanham a definição mesma da greve. A greve analisa-se num direito que consiste em
causar prejuízos a outrem (desde logo, ao empregador) e em criar transtornos de vária ordem
aos utentes do serviço paralisado. A nocividade, diria-se, faz parte da essência do fenómeno
grevista. Neste quadro, o direito fundamental à greve poderá, decerto, de ter de ceder e de
sofrer acomodações, mas só quando aqueles prejuízos ou transtornos se revelarem
socialmente intoleráveis, vale dizer, quando a paralisação da atividade inerente à greve se
revelar apta a comprometer a satisfação de necessidades sociais impreteríveis – isto é,
necessidade cuja não satisfação tempestiva provoque danos irremediáveis.
Em qualquer caso, deparamos, aqui, com conceitos difusos e indeterminados que
carecem de densificação normativa e jurisprudencial. Pergunta-se: o que é isso de
necessidades sociais impreteríveis? Dir-se-á que necessidade social impreterível é aquela
que não pode deixar de ser satisfeita, é aquela que é inadiável, que se torna imperioso

17
Neste sentido, note-se que o primeiro conceito é claramente subordinante, pois é preciso identificar as
necessidades sociais impreteríveis para, num segundo momento lógico, definir a medida de prestação dos serviços
mínimos.

66
satisfazer, sendo socialmente intolerável que a mesma seja sacrificada em homenagem a
uma desmedida afirmação do direito de greve.
O legislador ordinário ensaia uma resposta para esta pergunta, sem sede de Código
do Trabalho, no seu art. 537.º/2. Ora, o quadro normativo esboçado neste preceito convida o
intérprete/aplicador a raciocinar em moldes silogísticos segundo um esquema simples, quiçá
simplista. Assim, por exemplo: premissa maior, nas empresas que se destinam à satisfação
de necessidades sociais impreteríveis, impõe-se a prestação de serviços mínimos; premissa
menor, a lei considera que as empresas do setor dos transportes se destinam à satisfação de
necessidades sociais impreteríveis; conclusão, ocorrendo uma greve nos transportes
públicos, impõe-se, sempre, a prestação de serviços mínimos. Percorrendo alguns acórdãos
(Ac. TRL 7-12-2010, Ac. TRP 24-09-2012), concluímos sem margem para dúvidas que o
silogismo se afirmou e se instalou entre nós. A jurisprudência, procede, assim, a um juízo de
preliminar, antecipatório e de prognose.
Simplesmente, no entender de LEAL AMADO, o preceito, assim lido, deveria ser
declarado inconstitucional por violação do direito de greve, por restrição excessiva do mesmo.
A nosso ver, no art. 537.º/2, o legislador procura auxiliar o intérprete a preencher o conceito
indeterminado de necessidades sociais impreteríveis, indicando alguns setores de atividade
em que, prima facie, uma greve poderá por em xeque a satisfação de tais necessidades.
Contudo, o preenchimento do n.º 2 desse preceito nem é condição necessária nem é condição
suficiente para tal efeito: não é condição necessária, porque o catálogo legal tem caráter
meramente exemplificativo, pelo que uma greve que ocorra fora daqueles setores poderá sim
ameaçar a satisfação dessas necessidades impreteríveis, legitimando o estabelecimento de
serviços mínimos; mas também não é condição suficiente, porque, tendo em atenção todas
as circunstâncias da greve em apreço, o intérprete bem poderá concluir que, in casu, não se
mostra necessário fixar quaisquer serviços mínimos, por essa particular greve não
comprometer a satisfação de necessidades impreteríveis. E, assim decidindo o intérprete
estará a proceder a uma leitura da lei em conformidade com a Constituição.
Reiteramos, pois, que numa ótica jurídico-constitucionalmente adequada, impõe-se
sempre proceder a uma análise casuística da greve em apreço, para apurar se há ou não
necessidades sociais impreteríveis que a mesma venha colocar em xeque e cuja satisfação
deva ser salvaguardada através da prestação de serviços mínimos pelos grevistas.
Por conseguinte, compreende-se que a questão de saber se devem ou não ser fixados
serviços mínimos, em qualquer greve que ocorra nos setores essenciais, constantes do
catálogo do art. 537.º/2, é tudo menos despicienda. Pelo contrário: é a questão primeira que,
nesta sede, o intérprete/aplicador sempre terá de enfrentar e resolver. Só depois de lhe dar
resposta afirmativa se colocará a questão da medida desses serviços, da sua volumetria.
Após o an dos serviços mínimos, o quantum desses serviços. Tudo a analisar em concreto,

67
sem generalizações apriorísticas e sem automatismos legais, os quais conduzirão para o
terreno do constitucionalmente inadmissível, vulnerando o direito fundamental de greve.

5.2. Limites convencionais.


Para além dos limites legais, a greve tem, também, limites, diretos ou indiretos,
estabelecidos em convenções coletivas. No primeiro caso, estabelecem um dever de paz
social (relativo), não possibilitando a sua declaração na vigência da convenção coletiva e por
motivos que nela tenham assento; no segundo caso, fixam processamentos a observar em
caso de greve (art. 542.º/1).
Começando por estes últimos, dir-se-á que estamos aí perante uma autolimitação do
direito de greve pelos seus titulares. Nessa medida, será, por exemplo, válida a cláusula de
uma convenção que condicione o recurso à greve ao facto de serem exauridos os
mecanismos pacíficos de resolução de conflitos coletivos ou de se fazer uma consulta aos
trabalhadores, por meio de referendo sindical interno.
Por sua vez, quanto às cláusulas convencionais restritivas do direito de greve, elas
apenas são admissíveis se, em termos de substancialidade, não representarem um simples
despojar desse direito e antes responderem ao respeito pelos compromissos livremente
assumidos, no termo de negociações legítimas. De facto, coloca-se o problema da conciliação
entre o princípio da irrenunciabilidade deste direito fundamental (art. 530.º/3) e o dever de paz
social subjacente à contratação coletiva, entendido como corolário lógico de juridicidade da
convenção, a integrar no seu conteúdo obrigacional (art. 492.º/2-a)), ainda que não conste de
uma explícita cláusula de paz social. A solução tem sido buscada a partir da delimitação de
dois sentidos para o dever de paz social e da distinção entre renúncia ao direito de greve e
limitação voluntária ao seu exercício.
Assim, tem-se entendido que o dever de paz social absoluto, ao impedir o recurso à
greve durante a vigência da convenção coletiva, independentemente da motivação e objetivos
da mesma, consubstancia uma verdadeira renúncia a tal direito e, por isso, não é admissível.
Pelo contrário, o dever de paz social relativo, na medida em que apenas ficarão proscritos os
comportamentos conflituais cujo objeto respeite ao conteúdo da convenção e durante a
vigência desta, não consubstancia uma renúncia ao direito, mas apenas uma autolimitação
temporária ao seu exercício e, portanto, lícita.
No quadro de vigência da LRCT, na medida em que existiam disposições legais
limitativas da possibilidade de alteração dos acordos, nomeadamente, o preceito definidor de
um período mínimo de vigência dos mesmos (o que apontava para a irrelevância da cláusula
rebus sic stantibus), era possível configurar, no entender de MONTEIRO FERNANDES, a
existência de um dever de paz social relativo implícito (e, portanto, não expresso), mero
corolário dos princípios pacta sunt servanda e da boa fé na execução dos contratos, à

68
semelhança do que sucede noutros ordenamentos jurídicos como a Alemanha. O dever de
paz assim configurado não podia deixar, contudo, de repousar na conceção que a lei anterior
ao CT traduzia quanto ao papel do contrato coletivo como instrumento estabilizador do conflito
de interesses, através de uma fórmula de equilíbrio temporariamente inalterável. É preciso ter
presente que este dever de paz decorria de uma imposição legal que, no entendimento do
Autor, contendia não com a irrenunciabilidade do direito de greve, mas com a limitação
constitucional ao campo de intervenção da lei ordinária na disciplina do exercício daquele
direito. É que o art. 57.º/2 CRP veda à lei ordinária a limitação do âmbito dos interesses a
defender através da greve e uma das várias projeções da norma constitucional consiste,
decerto, na rutura do nexo lógico-funcional entre contratação coletiva e exercício da greve.
Ora, o CT 2003 omitia a antiga a regra estabilizadora segundo a qual a revisão das
convenções só pode ser iniciada após um certo período de vigência. A prioridade do legislador
passou a ser, então, a de conferir o máximo de adequabilidade aos regimes convencionais,
através de uma dinâmica renovadora que a lei procura promover. A própria fixação de um
período mínimo de vigência desapareceu do Código com a revisão de 2009. Deixa, assim, de
ter validade o argumento segundo o qual a conceção legal da convenção coletiva envolve um
elemento de conservação ou permanência dos regimes convencionados. Assim, para que
seja lícita, a cláusula de paz social (relativa) terá de ser assumida voluntariamente, terá de
ser expressa (e não implícita), de conteúdo relativo e temporária. Note-se, contudo, que o
acordo desta cláusula não impedirá a declaração da greve com fundamento em alteração
anormal de circunstâncias (apontando para a relevância da cláusula rebus sic stantibus) ou
no incumprimento da convenção (art. 542.º/2).
Com efeito, tais cláusulas, além de estarem em inteira coerência com o regime da
denúncia das convenções, nem sequer colidem com o princípio legal da irrenunciabilidade do
direito de greve. A questão nelas envolvida é, meramente, a da possibilidade de autolimitação
da faculdade de decidir o exercício desse direito (e não a admissibilidade de exclusão desse
elemento da capacidade jurídica dos trabalhadores), isto é, a da sua concreta aplicação à
promoção de certos fins. Por outro lado, uma estipulação desse tipo assume o sentido
fundamental da atribuição voluntária e explícita de um papel estabilizador ao regime acordado,
no tocante à matéria conflitual que nele se contempla. Nenhum destes significados põe em
causa a subsistência do direito de greve na titularidade dos trabalhadores abrangidos. De
resto, o art. 542.º/3 exonera os trabalhadores de responsabilidade individual pela adesão a
uma greve declarada com inobservância do compromisso de paz.
De qualquer modo, a natureza obrigacional do dever relativo de paz social tem como
consequência a circunscrição dos seus efeitos às partes da convenção – o que abre a
possibilidade de desencadeamento da greve por sindicatos que não tenham outorgado a

69
convenção (ou, ainda que sobre matéria da convenção, por assembleias de trabalhadores,
desde que verificadas as condições do art. 531.º/2).
O dever sindical de não decretar greve durante a vigência da convenção relativamente
a matérias que integrem o seu conteúdo não se comunica, pois, aos trabalhadores filiados,
podendo estes aderir a uma greve decretada por outro sindicato ou pela assembleia de
trabalhadores.

6. Greve e lock-out.

70

Você também pode gostar