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APOSTILA DE DIREITO DO CONSUMIDOR

Aplicação: Oitavo Período do Curso de Direito da


UGB/FERP
Bibliografia:
GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado
pelos autores do Anteprojeto, 8ª ed. – Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004.
CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Direito do
Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.

UNIDADE I: O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

- Aspectos históricos
- Dispositivos constitucionais. Origem e
finalidade.
- Princípios que norteiam as relações
consumeristas.
- A Política Nacional das Relações de Consumo.
- Conceitos: consumidor, fornecedor, produtos e
serviços.
- O consumidor perante a Teoria Finalista,
Maximalista e Finalista Atenuada.

Para o Mestre João Batista de


Almeida, hodiernamente, o consumo é
parte indissociável do cotidiano do
ser humano. É verdadeira a afirmação
de que todos nós somos consumidores.
Independente da classe social e da
faixa de renda, consumimos desde o
nascimento e em todos os períodos de
nossa existência.

I - ASPECTOS HISTÓRICOS

Devemos, inicialmente, entender quais fatos


sociais que contribuíram para o surgimento do Código
de Defesa do Consumidor, Lei n.° 8.078 de 11 de
setembro de 1990, além de afastar a influência dos
conceitos de base privatista, por serem absolutamente
inadequados a sociedade capitalista contemporânea,
para então, compreendermos a sua extensão e aplicação.

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Cediço que o CDC foi editado em 11/09/1990. Antes
mesmo de sua criação já existiam relações de consumo
que eram protegidas, inadequadamente, pelas regras do
direito civil. Nesse sentido, aplicamos durante quase
um século às relações de consumo a lei civil e tal
aplicação, naturalmente, influenciou na nossa formação
jurídica, fato este que dificultou a compreensão da
nova era jurídica, iniciada com sobredita lei que
regula as relações jurídicas de consumo.

Assim, entender o CDC pressupõe compreender a


sociedade em que vivemos, conhecida como sociedade de
massa, que começou a se formar a partir da Revolução
Industrial. Não obstante, cediço que o ser humano
realiza atos de consumo desde sempre, há, inclusive,
menção no Código de Hamurabi. Contudo, o enfoque
histórico será dado a partir da história mais recente
da humanidade, especialmente à época que surgiu a
sociedade de consumo em massa.

Nesse momento histórico, iniciou-se crescimento


demográfico nos grandes centros urbanos, proveniente
do êxodo rural, gerando, com isso, um aumento da
demanda e, consequentemente, o aumento da oferta.
Diante dessa nova realidade, as indústrias se viram
impelidas a produzirem cada vez mais. Passou-se então
a pensar num modelo de produção capaz de entregar,
para um maior número de pessoas mais produtos e
serviços. Para isso, criou-se a chamada produção em
série, “standartização” da produção, ou seja, a
homogeneização da produção.

A aludida produção homogeneizada levou a redução


dos custos e ao aumento da oferta e deu tão certo que
passou a alcançar um número cada vez maior de
consumidor, tornando essa relação indireta e
impessoal. Assim, ela rompeu com a conhecida produção
artesanal, onde o consumidor conhecia pessoalmente o
fornecedor e isso lhe permitia, de certa forma,
controlar a produção e distribuição do produto
pretendido, já que nessa ocasião a relação era direta
e pessoal.

Com a segunda grande guerra o novo modelo ganhou


um plus com o uso da tecnologia tornando-se o modelo
padrão de produção adotado mundialmente, criando,
assim, os grandes empreendedores comerciais e

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industriais que se tornaram a parte mais forte na
relação jurídica de consumo.

Dentre as diversas características do aludido


modelo, existem duas que interessam de perto para o
estudo do direito do consumidor. A primeira
caracteriza-se pela produção unilateral do fabricante,
que tem como escopo ofertar um grande número de
produtos ou serviços para serem adquiridos por um
número cada vez maior de pessoas, sem que, para tanto,
os consumidores participem da produção. Para tanto,
ele cria, por exemplo, um modelo de produto e depois o
reproduz milhares de vezes. A segunda resta
evidenciada pelo gritante desequilíbrio da relação
contratual que se formou, onde a parte mais fraca da
relação, o consumidor, fica subordinada as regras
impostas pela mais forte, o fornecedor.

Com escopo de vender os milhares de exemplares


produzidos tornou-se preciso contratar em massa.
Diante disso, os contratos passaram a obedecer a mesma
regra da linha de produção do bem ou serviço, qual
seja, cria-se, unilateralmente, um único contrato e o
reproduz milhares de vezes, fazendo, com isso, surgir
os contratos de adesão, assim denominado, pois não
permitem a discussão das cláusulas nele contidas,
impedindo o pleno exercício do elemento volitivo do
contratante-consumidor.

Tomemos como exemplo uma montadora que produz mil


carros e os vende a uma concessionária. Não teria
sentido se a referida concessionária fizesse mil
contratos diferentes para mil compradores ou no
exemplo das instituições financeiras, milhões de
contratos diferentes. Conforme leciona Rizzatto
Nunes, quem planeja a oferta de um serviço ou um
produto qualquer, por exemplo, financeiro, bancário,
para ser reproduzido milhões de vezes, também planeja
um único contrato e o imprime e distribui milhões de
vezes.

Para realmente compreendermos a missão do CDC,


devemos, portanto, romper com a memória privatista,
pois caso contrário, nesse caso do contrato nos
reportaríamos, entre outros, ao aforismo pacta sunt
servanda, (o contrato faz lei entre as partes ou os
pactos devem ser respeitados), já que no direito civil

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essa é uma forte característica contratual que
fundamenta-se na autonomia da vontade, pois presume-se
que o que ali está contido é fruto da deliberação
conjunta das partes envolvidas, que se apresentam em
igualdades de condição e não da imposição de uma sobre
a outra.

Como vimos essa não é uma realidade nas relações


de consumo, pois o consumidor não participa da
produção, tampouco discute qualquer cláusula
contratual, apenas faz a sua adesão, experimentando
uma completa diminuição do seu poder de deliberar que
evidencia uma das vertentes de sua vulnerabilidade
diante do fornecedor.

Como se sabe, o direito é, e realmente deve ser,


uma ciência dinâmica, cambiante no tempo. Atento a
isso e percebendo os fenômenos sociais que estavam
ocorrendo, o legislador começou a pensar em uma forma
de compensar o desequilíbrio que estava se formando
nas novas relações jurídicas, principalmente, com
relação a vulnerabilidade (econômica, técnica, fática,
jurídica, etc.)do consumidor. Assim, os velhos dogmas
começaram a ser repensados e, aos poucos, o contrato
foi perdendo a sua aparência individualista para
adquirir uma função social dentro da sociedade
moderna.

O discurso realizado pelo presidente John Kennedy


ao Congresso Nacional Americano em 15 de março de 1962
representa, para muitos, um marco da proteção ao
consumidor. Nesta ocasião, ele proclamou: “consumer by
definition, include us all” salientando que todo
consumidor tem direito, essencialmente, de ser ouvido,
mas também à segurança, à informação e à escolha. O
referido pronunciamento provocou debates em vários
países e estudos sobre a matéria e passou a ser
considerado um marco na defesa dos direitos dos
consumidores.

Outrossim, verificou-se que o consumidor seria o


elo mais fraco da corrente econômica capitalista, e
nenhuma corrente é mais forte que o seu elo mais fraco
ou nas palavras de Henry Ford "O consumidor é o elo
mais fraco da economia. E nenhuma economia pode ser
mais forte do que seu elo mais fraco".

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Esta proclamação inspirou posteriormente
legislações de proteção do consumidor em diversos
países, tornando o referido dia, 15 de março, como o
Dia Mundial de Proteção ao Consumidor. A partir desse
pronunciamento, ocorreu uma crescente inserção da
proteção ao consumidor nas constituições sendo este
mais um importante passo para a fundação deste ramo
jurídico. Entre os anos 1974 e 1990, cerca de 30
(trinta) países passaram por uma transição rumo à
democracia. Mauro Cappelletti afirma que este processo
incluiu a feitura de novos textos constitucionais que
passam a conter a proteção ao consumidor e a tutela
dos interesses difusos.

No Brasil, este rol de direitos básicos do


consumidor foi acolhido pelo Código de Defesa do
Consumidor e ampliado por seu art. 6º, bem como o dia
15 de março foi proclamado como o Dia Nacional do
Consumidor pela Lei 10.504 de 08 de julho de 2002.

Com a nossa Constituição Cidadã não foi diferente.


Assim, o Brasil incluiu o consumidor como destinatário
da proteção jurídica constitucional com a Constituição
de 1988. O reconhecimento da defesa do consumidor
representou um avanço aos direitos fundamentais. Da
concepção individual, restrita a direitos civis e
políticos, ele passa ao conceito coletivo ou grupal
(criança e adolescente, consumidores idosos,
torcedores), abarcando direitos sociais e difusos.

Podemos verificar que o CDC é um norma jurídica


completamente adaptada a realidade contemporânea da
Pós-modernidade jurídica que se desenvolveu a partir d
ano de 1968 diante dos protestos e movimentos em prol
da liberdade e de outros valores sociais que eclodiram
pelo mundo.

A Carta Magna brasileira reconhece a proteção do


consumidor como direito fundamental, no art. 5º,
XXXII, in verbis:

Art. 5º - Todos são iguais perante a


lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade

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do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXXII - o Estado promoverá, na forma
da lei, a defesa do consumidor;

Diante de tal regra, o constituinte originário


institui um direito subjetivo público geral a todos os
brasileiros e estrangeiros que estejam no país.

Efeitos do status de direito fundamental.

A doutrina aponta três consequências da


consagração do Direito do Consumidor como um
fundamental. Quais sejam:

I – Proteção como parte do núcleo imodificável da


CF. Trata-se, portanto, de cláusula pétrea (artigo 60,
§4º da CF)

II – Eficácia Horizontal (direta ou indireta) do


direito fundamental – o Estado deverá garantir que os
fornecedores respeitem o direito do consumidor. Será
direta, quando utilizar o texto constitucional para
proteção dos direitos dos consumidores; será indireta,
quando se utilizar norma infraconstitucional para
proteção, por exemplo, as normas do CDC dentre outras.

Além da eficácia vertical dos direitos


fundamentais, entendida como a vinculação dos Poderes
estatais aos direitos fundamentais, podendo os
particulares exigi-los diretamente do Estado, surgiu
na Alemanha, com expansão na Europa e, atualmente, no
Brasil, a teoria da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais,


também chamada de eficácia dos direitos fundamentais
entre terceiros ou de eficácia dos direitos
fundamentais nas relações privadas, decorre do
reconhecimento de que as desigualdades não se situam
apenas na relação Estado/particular, como também entre
os próprios particulares, nas relações privadas.

DANIEL SARMENTO[7], em monografia sobre o tema diz


que:

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“O Estado e o Direito assumem novas
funções promocionais e se consolida
o entendimento de que os direitos
fundamentais não devem limitar o seu
raio de ação às relações políticas,
entre governantes e governados,
incidindo também em outros campos,
como o mercado, as relações de
trabalho e a família.”

Trazemos a lume algumas teorias explicativas


sobre a relação entre particulares e os direitos
fundamentais, com destaque as Teoria da INEFICÁCIA
HORIZONTAL dos direitos fundamentais, Teoria da
EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA dos direitos
fundamentais, e por fim, mas não menos importante, a
Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA dos direitos
fundamentais.

TEORIA da INEFICÁCIA HORIZONTAL dos direitos


fundamentais

Segundo essa teoria, se há uma ineficácia


horizontal, significa que os direitos fundamentais não
podem ser aplicados às relações entre particulares. É
a teoria adotada nos Estados Unidos, onde se entende
(doutrina e jurisprudência) que os direitos
fundamentais têm apenas a eficácia clássica, vertical.
Aplicam-se às relações entre Estado e particular, mas
não seria aplicado às relações entre particulares.

Essa teoria só vigora nos EUA devido ao fato de a


Constituição norte americana, que é de 1787 (vigente
até os dias atuais) e à época de sua promulgação só
haviam direitos de defesa do indivíduo em face do
Estado. Seu texto traz vários dispositivos que
consagram direitos fundamentais, fazendo referência ao
Estado, ao Poder Público como destinatário desses
deveres. Só que mesmo nos EUA, criou-se uma teoria
para contornar essa situação.

Há muita divergência doutrinária sobre essa


teoria da ineficácia horizontal dos Direitos
Fundamentais, ou Doutrina da State Action (Doutrina da
Ação Estatal).

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Para Daniel Sarmento, referida teoria
simplesmente nega aplicação da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, ou seja, os direitos
fundamentais não se aplicariam nas relações entre
particulares.

Já para Virgílio Afonso da Silva, a teoria


da State Action não nega aplicação dos direitos
fundamentais entre particulares, mas tenta, de alguma
forma, contornar a falta de regulamentação, sendo a
finalidade da doutrina definir em que caso se poderia
fazer a aplicação, mesmo que os direitos fundamentais,
em regra, não se apliquem às relações entre
particulares. O detalhe, segundo o doutrinador, é que
não estamos nos referindo a uma doutrina que
estabelece de forma sistemática as situações.

Nas palavras do constitucionalista Virgilio


Afonso da Silva:

 “Tentar afastar a impossibilidade


de aplicação definindo, ainda que de
forma casuística e assistemática em
que situações essa aplicação poderia
ocorrer.”, essa a finalidade da
Teoria da State Action.

Ainda nas palavras do autor: “A equiparação de


determinados atos privados a atos estatais.”, é o
artifício utilizado para aplicação da eficácia
horizontal em determinados atos privados.

Temos ainda duas teorias que buscam explicar a


eficácia horizontal dos direitos fundamentais: a
teoria da eficácia indireta ou mediata e a teoria da
eficácia direta ou imediata.

TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Para a teoria da eficácia indireta ou mediata, os


direitos fundamentais são analisados do ponto de vista
de duas dimensões:

a) dimensão negativa ou proibitiva, que veda ao


legislador editar lei que viole direitos fundamentais;

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b) dimensão positiva, impondo um dever para o
legislador implementar direitos fundamentais,
ponderando, porém, quais deles devam se aplicar às
relações privadas. Essa a teoria prevalente na
Alemanha.

Para essa teoria, não há que se falar em


imposição de direitos fundamentais numa relação entre
particulares que estão em nível de igualdade. Não
negam - os seguidores de referida teoria - que os
direitos fundamentais possam ser aplicados a essas
relações, mas dizem que para isso acontecer, é
necessário uma intermediação através da lei. A lei, o
direito privado, teria que regulamentar, que
incorporar aqueles direitos fundamentais ao direito
privado, para que a aplicação fosse relativizada, ou,
tecnicamente falando, os direitos fundamentais
irradiam os seus efeitos nas relações entre
particulares por meio de mediação legislativa. Então,
segundo a doutrina alemã, essa porta de entrada dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares
seriam as cláusulas gerais do direito privado, os
pontos de infiltração.

Portanto, para a teoria da eficácia indireta dos


direitos fundamentais, ao se interpretar uma cláusula
geral, deve-se fazê-lo com base nos direitos
fundamentais que a Constituição consagra.

TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Esta teoria curiosamente surgiu na Alemanha, na


década de 50, por meio de um magistrado do Tribunal
Federal do Trabalho, chamado Hans Carl Nipperdey. A
curiosidade reside no fato de que, apesar de ter
surgido na Alemanha, não prevalece naquele país.

Nos termos da proposta da teoria da eficácia


direta ou imediata, como o próprio nome sugere, alguns
direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente
às relações privadas, ou seja, sem a necessidade da
intervenção legislativa.

III – Garantia constitucional deste novo ramo do


direito, tendo em vista a força normativa da

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Constituição. Significa que nenhuma lei poderá
desrespeitar a normatividade do CDC, pois está
lastreado na força normativa da Constituição, o que
garante a eficácia de suas normas.

O Direito do Consumidor continue, portanto,


verdadeiro ramo do direito, eis que possui campo de
aplicação próprio, objeto próprio e princípios
próprios.

Para alguns doutrinadores, aplica-se também a


Teoria da Proibição do Retrocesso, segundo a qual,
qualquer norma que tente diminuir ou suprimir direitos
dos consumidores deve ser considerada
inconstitucional.

Outrossim, a CF/88 elenca a defesa do consumidor,


adotando-o como princípio da ordem econômica, conforme
se depreende do art. 170, inciso V, a seguir:

Art. 170 - A ordem econômica,


fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os
seguintes princípios:
(...)
V – defesa do consumidor.

Vislumbra-se então, que a defesa do consumidor é


princípio que deve ser seguido pelo Estado e pela
sociedade para atingir a finalidade de existência
digna e justiça social, imbricado com o princípio da
dignidade da pessoa humana.

Para a doutrina, este princípio possui um caráter


conformador, pois autoriza a intervenção do Estado na
economia - decorrência do Estado Social de Direito,
bem como conforma a atuação do fornecedor, garantindo
a sua livre iniciativa, mas garantindo a proteção do
consumidor. É uma forma de harmonizar o sistema,
evitando desequilíbrio na relação consumerista.

Assim, como nosso país adota o modelo de economia


capitalista de produção, onde a livre iniciativa é um

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princípio basilar da economia de mercado, mesmo assim,
a CF/88 confere proteção ao consumidor contra os
eventuais abusos ocorridos no mercado de consumo,
abrindo uma brecha para a intervenção do Estado na
ordem econômica.

Além disso, a Constituição confere concreção ao


princípio de defesa do consumidor através de regras
referentes à competência para legislação sobre a
responsabilidade por danos ao consumidor (art. 24,
VIII); ao esclarecimento sobre impostos incidentes
sobre mercadoria e serviço (art. 150, § 5º); à
necessidade de lei sobre a concessão de serviços
públicos e o direito dos usuários (art. 175, parágrafo
único, II); ao esclarecimento em propaganda dos
malefícios causados pelo fumo, bebida, agrotóxico,
medicamentos e terapias (art. 220, § 4º), etc.

Por fim, a Constituição bem diferente de como


ocorre com as demais leis ordinárias em geral,
determinou a elaboração de uma lei para a defesa do
consumidor dando, portanto, origem constitucional ao
CDC, conforme se depreende do art. 48 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias:

Art. 48 - O Congresso Nacional,


dentro de cento e vinte dias da
promulgação da Constituição,
elaborará código de defesa do
consumidor.

Assim, por expressa determinação da Carta Política


de 1988, atribuindo, portanto, origem constitucional,
surge o CDC para fazer frente a nova realidade fática
e, consequentemente, jurídica da expansão mundial do
consumerismo e regular o princípio constitucional da
defesa do consumidor.

INFLUÊNCIA
O Código de defesa do consumidor foi inspirado em
vários modelos legislativos estrangeiros, mas foi o
Código de Consumo Francês nossa principal influência.
Salienta-se que o CDC foi uma norma extremamente
revolucionária, servindo, hoje, como modelo para
outros países da América Latina.

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O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR => Lei Ordinária
n.° 8.078 de 11 de setembro de 1990.

CONCEITO

O Direito do Consumidor deve ser compreendido como


um ramo do direito composto de regras e princípios que
regulam a tutela do consumidor, como sujeito especial
de direitos, agente privado vulnerável nas suas
relações frente a fornecedores.

CARACTERÍSTICAS DA LEI

OBJETO de tutela
O direito consumerista é concebido como conjunto
de princípios e regras destinadas à proteção do
consumidor, logo se verifica que não é o consumo o
objeto central da tutela instituída (como ocorre na
França), e sim o próprio consumidor.

TERMINOLOGIA

Esta terminologia também se revela por ser mais


adequada do ponto de vista constitucional e legal,
pois como vimos a defesa do consumidor é preocupação
expressa no art. 5º, XXXII da CF/88.

NORMA COGENTE

Verifica-se da simples leitura do artigo 1º do CDC


que se trata de norma cogente, uma vez que são normas
de ordem pública, cuja observância de seus preceitos
se torna obrigatória, pois não tolera transação ou
renúncia de direito.

Assim, o diploma consumerista se impõe sobre a


própria vontade dos contratantes, ditando regras e
estabelecendo obrigações imutáveis, e nesse sentido
têm decidido o nosso Tribunal Superior:

"O caráter de norma pública atribuído ao


Código de Defesa do consumidor derroga a
liberdade contratual para ajustá-la aos
parâmetros da lei, impondo-se a redução
da quantia a ser retida pela promitente

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vendedora a patamar razoável, ainda que
a cláusula tenha sido celebrada de modo
irretratável e irrevogável." (Superior
Tribunal de Justiça, REsp 292.942/MG,
Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, data da decisão:
03/04/2001.

O caráter cogente do CDC decorre do fato de ser


uma norma de ordem pública que busca proteger do
interesse social, jurídicas fundamentais, além de
garantir segurança às relações jurídicas e tutelar
situações jurídicas que não podem ser alteradas pelo
juiz ou pelas partes. Como forma de proteção,
permite a atuação do juiz de oficio, a fim de que seja
preservado o interesse do consumidor e o interesse
social. Assim, o juiz pode inverter o ônus da prova de
oficio, declarar de oficio nulidade de cláusula
abusiva, etc.

Assim sendo, fica claro que representa uma total


afronta ao princípio do protecionismo do consumidor o
teor da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça,
segundo a qual, nos contratos bancários, é vedado ao
julgador conhecer de ofício das abusividades das
cláusulas contratuais.

Nesse sentido o STJ: “As normas de proteção e


defesa do consumidor têm índole de ordem pública e
interesse social. São, portanto, indisponíveis e
inafastáveis, pois resguardam valores básicos e
fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a
impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ‘ex
ante’ e no atacado” (Resp 586.316/MG). Registra-se
apenas que a expressão ex ante é um latinismo relativo
aos planos e desejos dos agentes econômicos, ou seja,
aquilo que os economistas desejam e esperam fazer, já
o termo ex post, é aquilo que efetivamente fazem.

Outra consequência da norma de ordem pública,


seria a de que cabe sempre a intervenção do Ministério
Público em questões envolvendo problemas de consumo,
que interessam a coletividade. A Lei da Ação Civil
Pública (Lei 7.347/1985) reconhece a legitimidade do
Ministério Público para as demandas coletivas
envolvendo danos materiais e morais aos consumidores
(art. 1º).

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O interesse social permite que se combata os
abusos não só das partes, mas de toda a coletividade,
pois as relações jurídicas de consumos são
disseminadas.

Nessa toada, o interesse social do CDC funciona


como um complemento à proposição "ordem pública",
materializando a dimensão coletiva que se pretendeu
dar à legislação consumerista. O acréscimo da
sobredita expressão foi uma maneira encontrada pelo
legislador de reforçar a importância e necessária
aplicação do Código de Defesa do Consumidor a
situações que envolvam as chamadas relações de
consumo, bem como para reforçar de tutela coletiva.

Ressaltando ainda mais a importância da proteção


do consumidor, destaque-se, do ano de 2013, a
emergência do Decreto 7.963, que institui o Plano
Nacional de Consumo e Cidadania e cria a Câmara
Nacional das Relações de Consumo. Nos termos do seu
art. 1º, tal Plano tem como finalidade promover a
proteção e defesa do consumidor em todo o território
nacional, por meio da integração e articulação de
políticas, programas e ações. O Plano Nacional de
Consumo e Cidadania será executado pela União em
colaboração com Estados, Distrito Federal, Municípios
e com a sociedade. São suas diretivas fundamentais: a)
educação para o consumo; b) adequada e eficaz
prestação dos serviços públicos; c) garantia do acesso
do consumidor à justiça; d) garantia de produtos e
serviços com padrões adequados de qualidade,
segurança, durabilidade e desempenho; e)
fortalecimento da participação social na defesa dos
consumidores; f) prevenção e repressão de condutas que
violem direitos do consumidor; e g) autodeterminação,
privacidade, confidencialidade e segurança das
informações e dados pessoais prestados ou coletados,
inclusive por meio eletrônico (art. 2º).

MICROSSISTEMA JURIDICO MIIGADO


O CDC ao lado de outras leis como a das Locações
(Lei 8.245/91), do Seguro (Dec. Lei 73/66), dos
Condomínios e Incorporações (n°. 4.591/64) entre
outras, criam o que se chama de microssistema jurídico
ou subsistema autônomo, instituindo uma tutela
especial protetiva, muito similar da legislação

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trabalhista, da criança e do adolescente, do idoso e
outras leis ou estatutos tendentes a criar uma esfera
particular de normatização.

Outrossim, é importante ressaltar que o CDC,


diante de uma relação jurídica de consumo e na
qualidade de subsistema, norma especial e supra legal,
prevalece sobre as demais regras exceto claro, com
relação a Constituição, como de resto qualquer norma
de hierarquia inferior, sendo ainda, aplicado às
outras normas de forma supletiva e complementar.

Registra-se porém, que não significa que o CDC


afaste, como microssistema jurídico, a incidência de
outras normas jurídicas como se entendia na vigência
do Código Civil de 1916. Pelo contrário, o CDC já que
essa posição foi superada com a vigência do Código
Civil de 2002, quando passou a prevalecer a teoria do
diálogo das fontes. Em sínteses, a teoria estabelece
que as normas jurídicas não se excluem, mas se
complementam.

Dessa forma, verifica-se que o CDC possui posição


de destaque dentro do ordenamento jurídico, sendo uma
norma supra legal com uma malha principiológica
própria, certo que eventual conflito aparente de
normas será resolvido com a aplicação da norma mais
benéfica ainda que está não seja o CDC, conforme
dispõe o artigo 7º, a seguir transcrito:

Art. 7º - Os direitos previstos neste


Código não excluem outros decorrentes
de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja
signatário, da legislação interna
ordinária, de regulamentos expedidos
pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem
dos princípios gerais do direito,
analogia, costumes e eqüidade.

STJ – O microssistema jurídico criado pela


legislação consumerista busca dotar o consumidor de
instrumentos que permitam um real exercício dos
direitos a ele assegurados e, entre os direitos
básicos do consumidor, previstos no art. 6.º, VIII,
está a facilitação da defesa dos direitos privados.

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Ademais, para Rizzatto Nunes, o CDC é uma lei
principiológica, modelo até então inexistente no
Sistema Jurídico Nacional. Como lei principiológica
entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico de
forma horizontal, atingindo toda e qualquer relação
jurídica que possa ser caracterizada de consumo e que
também seja regrado por outra norma jurídica
infraconstitucional, levando a sua aplicação a todas
as áreas do direito, seja público, privado,
contratual, extracontratual, material, formal, mas
que, frisa-se, se caracterize uma relação jurídica de
consumo.

Nesse sentido, ensina Nelson Nery Júnior quando


discorre sobre a proteção contratual no CDC, comentado
pelos autores do anteprojeto da editora Forense
Universitária – página 444, 7ª edição, “Optou-se por
aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que
fixasse os princípios fundamentais das relações de
consumo. É isto que significa ser uma lei
principiológica. Todas as demais que se destinarem, de
forma específica, a regular determinado setor das
relações de consumo deverão submeter-se aos preceitos
gerais da lei principiológica, que é o Código de
Defesa do Consumidor”.

O Mestre Sérgio Cavalieri Filho bem ensina quando


afirma, que hoje, tudo ou quase tudo é relação de
consumo: saúde, habitação, segurança, transportes,
alimentação, medicamentos, e assim, por diante: Somos
mais de 180 milhoes de consumidores no Brasil, sem
contar as pessoas jurídicas, gerando diariamente
outros tantos milhões de relações de consumo. Seria
uma temeridade, e até uma impossibilidade, se o
legislador pretendesse retirar dos múltiplos diplomas
legais tudo aquilo que se relaciona com os direitos ou
interesses do consumidor, para concentrar tudo isso em
um minissistema jurídico. Isso seria impraticável. Por
isso, sem retirar as relações de consumo do campo do
Direito onde por natureza se situam, sem afastá-las de
seu natural habitat, o Código do Consumidor irradia
sobre elas a sua disciplina, colorindo-as com as suas
tintas. Vale dizer, a disciplina do Código de Defesa
do Consumidor alcança as relações de consumo onde quer
que venham a ocorrer.

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Outrossim, tomemos como exemplo da sua inserção
horizontal um contrato de seguro de automóvel, pois
continua sendo regrado pelo Código Civil e pelas
demais normas editadas pelos órgãos que regulamentam o
setor (SUSEP, instituto de Resseguros, etc.).
Etretanto, também está submetido a todos os princípios
e regras da Lei 8.078/90, ressaltando que esta última
prevalece sobre àquelas. Igualmente ocorre com os
serviços públicos, pois continuam regidos pelas leis e
princípios de Direito Público, mas o que for
pertinente as relações de consumo fica também sujeitos
a disciplina do CDC.

Por fim, e, que pese discordar, cabe registrar


que, nos termos do art. 178 da Constituição da
República, as normas e os tratados internacionais
limitadores da responsabilidade das transportadoras
aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de
Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao
Código de Defesa do Consumidor, nos termos do
entendimento do STF. Plenário. RE 636331/RJ, Rel.
Min. Gilmar Mendes e ARE 766618/SP, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgados em 25/05/2017 (repercussão geral)
(Info 866).

POLÍTICA NACIONAL DE RELAÇÕES DE CONSUMO

Adotar uma Política Nacional significa adotar uma


orientação global para disciplinar as relações de
consumo. A Política Nacional de Relações de Consumo
está contemplada pelo artigo 4° do CDC e deve
fundamentar-se em diversos princípios que permeiam
todo o CDC, sendo inclusive utilizados como direitos
básicos do consumidor.

Ressalta-se, que os objetivos da Política Nacional


de Defesa do Consumidor, previstos no artigo 4º do
Código de Defesa do Consumidor, consistem no
atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção
de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo, atendidos determinados
princípios. Tais princípios consubstanciam no
estabelecimento de alguns pressupostos básicos

17
previstos pela lei, a serem observados pela sociedade
(também o Poder Público), que servem de diretrizes
para todo o sistema de proteção e defesa do
consumidor.

Para efetivação destes princípios, o Código de


Defesa do Consumidor, em seu artigo 5º, dispôs sobre
os instrumentos que devem ser utilizados, como a
assistência jurídica, integral e gratuita para o
consumidor carente; criação de Promotorias de Justiça
de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério
Público; criação de delegacias de polícia
especializadas no atendimento de consumidores vítimas
de infrações penais de consumo; criação de Juizados
Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas.

Conforme se depreende da simples leitura do artigo


4º da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990),
vários são os princípios gerais da defesa do
consumidor que visam proporcionar o atendimento das
necessidades dos consumidores, levando-se em
consideração sua dignidade, saúde e segurança, bem
como a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, transparência e
harmonia nas relações entre eles e seus fornecedores
de produtos ou serviços.

Vejamos então, os incisos e princípios mais


importantes e não somente aqueles adotados pela
Política Nacional de Relações de Consumo:

PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

O princípio em baila é, na verdade, a primeira


medida da isonomia, garantida pela Constituição
Federal. Significa dizer que o consumidor é a parte
mais fraca da relação jurídica de consumo. Essa
fraqueza é real, concreta e decorre de vários aspectos
entre os quais temos o aspecto econômico, o técnico e
o aspecto fático.

O aludido princípio está contemplado expressamente


no CDC, em seu artigo 4°, I, a seguir transcrito:

Art. 4° (…)

18
I – reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no
mercado de consumo.

As suas vertentes serão estudadas quando da


análise do conceito de consumidor, haja vista ser este
o sujeito que ostenta esse título por não possuir
qualquer controle sobre o processo produtivo
(produção, distribuição e comercialização), pois
apenas participa em sua última etapa (consumo).

Registra-se, por oportuno, que a vulnerabilidade


do consumidor pessoa física é presumida, enquanto que
da pessoa jurídica deve ser comprovada no caso
concreto.

Como bem ensina o mestre Antônio Hermam Benjamim,


vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência,
para ele, a vulnerabilidade é um traço universal de
todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou
ignorantes, crédulos ou espertos. Já a
hipossuficiência e a marca pessoal, limitadade de
alguns – até mesmo de uma coletividade – mas nunca de
todos os consumidores (....) A vulnerabilidade do
consumidor por si, justifica a existência do Código.

PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
O principio da transparência consta em diversos
artigos do CDC de forma implícita e explicita como é o
caso do caput do artigo 4.° do CDC, conforme segue:

Art.4° A Política Nacional das Relações


de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos,
a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das
relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios. (grifei)

Nas relações de consumo, o que se quer é uma


conduta transparente de ambas as partes. As partes não
podem contratar de maneira ambígua, com reserva
mental, elas devem expor uma á outra as suas
pretensões, as suas expectativas. Foi-se o tempo dos

19
contratos redigidos em linguagem hermética,
impenetrável, técnica, que o contratante não podia
decifrar e, por isso, somente depois percebia que
tinha sido enganado.

Tamanha é a necessidade de transparência que o


próprio CDC determinou expressamente que haja
transparência nas relações de consumo. Igualmente
ocorreu com outras leis que lhes seguiram, inclusive
para alterá-lo, pois reafirmaram a necessidade de
transparência nas relações de consumo, come ocorreu
com a Lei 11.785/2008 que determinou que a fonte n.°
12 deverá ser utilizada nos contratos de adesão,
igualmente, a Lei 11.989/2009 acrescentou o parágrafo
único no art. 31 do CDC, dispondo que as informações,
nos produtos refrigerados devem ser gravados de forma
indelével, ou seja, não podem delir, desvanecer,
apagar, a exemplo do queijo, iogurte, margarina,
pizza, etc.

O que se busca com a transparência é permitir que


os contratos, uma vez lidos, por pessoas comuns, sejam
por elas compreendidos. O princípio da transparência
decorre do dever de informar do fornecedor e do
direito a informação do consumidor, que torna defeso a
criação de barreiras à informção a fim de ocultar
desvantagens ao consumidor ou a enganosa valorização
das vantagens que o contrato lhe trará.

PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO

Visa suprir a deficiência técnica do consumidor,


ou seja, a vulnerabilidade técnica do consumidor
diante do produto e serviço colocado a disposição no
mercado de consumo. O fornecedor deve informar o
consumidor tudo que ele precisa saber sobre aquele
produto/serviço, em especial, no que tange a sua
segurança, qualidade, características, funcionamento,
preço, etc.

Assim, ainda que o consumidor adquira um produto


importado, o manual deve estar em português a fim de
que o mesmo possa ser compreendido. Acabou-se o tempo
que consumidor comprava um determinado produto
importado, inclusive no supermercado, e ficava sem

20
saber quais eram os seus componentes ou como era o seu
funcionamento.

O aludido princípio está contemplado expressamente


no inciso II do artigo 6°, entre outros artigos, senão
vejamos:
Art. 6º - São direitos básicos do
consumidor:
(…)
III - a informação adequada e clara
sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta
de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem;

O direito a informação trata-se de um dever


exigido mesmo antes do início de qualquer relação. A
informação passou a ser um componente do produto ou
serviço que não podem ser ofertados no mercado sem
ela.

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA

O princípio da segurança garante a proteção à vida


e a saúde dos consumidores determinando que os
produtos e serviços colocados no mercado de consumo
não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos
consumidores, exceto os considerados normais e
previsíveis. Neste último caso o fornecedor tem o
dever de informar ao consumidor os riscos que o
produto pode causar as medidas para mitigá-los, como
nos casos os produtos potencialmente perigosos como os
de limpeza, os defensivos agrícolas, remédios, etc.

O princípio de segurança resta contemplado no


caput do artigo 4°, e inciso I do 6°, bem como na
estrutura do sistema de responsabilidade civil. Por
isso mesmo é que vamos encontrá-lo no parágrafo dos
artigos 12 e 14 do CDC.

Art. 4º - A Política Nacional de


Relações de Consumo tem por objetivo
o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a

21
proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria de sua
qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das
relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:

Art. 6º - São direitos básicos do


consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e
segurança contra os riscos
provocados por práticas no
fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos;

PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

O parágrafo único do art. 7° estabeleceu o


princípio da solidariedade legal para a
responsabilidade pela reparação dos danos causados ao
consumidor, conforme segue:

Art. 7º  ( ... )


Parágrafo único - Tendo mais de um
autor a ofensa, todos responderão
solidariamente pela reparação dos
danos previstos nas normas de
consumo.

Outrossim, a norma estipulou de forma implícita a


responsabilidade solidária quando atribui a
responsabilidade aos fornecedores, ou seja, deixando
firmado a obrigação de todos os partícipes da cadeia
de produção, conforme se extrai da leitura dos artigos
12 a 20.

Isso significa que o consumidor pode escolher a


quem acionar: um ou todos. Como a solidariedade obriga
a todos os responsáveis, simultaneamente, todos
respondem pelo total do dano causado.
Do ponto de vista processual a escolha do
consumidor em mover a ação contra mais de um
responsável está garantido na forma de litisconsórcio
facultativo, descrito no artigo 113 do CPC.

22
O principio da solidariedade aparece novamente nos
artigos 12 e 18, caput, nos parágrafos 1° e 2° do
artigo 25, no parágrafo 2° do art. 28 e no art. 34,
entre outros. Dessa forma, tanto a responsabilidade
por vício ou defeito será solidária.

PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

O presente artigo está contemplado no inciso II do


art. 6° do CDC que garante a ampla proteção de acesso
aos órgãos administrativos e judiciais para proteção e
garantia de seus direitos enquanto consumidores, o que
implica abono e isenção de taxas e custas, nomeação de
procuradores para defendê-los, atendimento
preferencial, entre outros.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que


acesso a justiça difere de acesso ao judiciário. Sendo
este último estendido a todas as pessoas por força da
própria Constituição Federal.

O acesso a justiça aqui tratado é o direito que o


consumidor tem de receber uma resposta do Estado
rápida e efetiva, conferindo utilidade ao provimento
jurisdicional. Para tanto, o CDC criou regras que
tornam o acesso e a resposta ao judiciário mais
eficiente, como, por exemplo, a inversão do ônus da
prova, a responsabilidade solidária, a proibição, como
regra, de intervenção de terceiros.

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

O princípio da Boa fé vem da necessidade de criar


uma harmonia nas relações de consumo entre os seus
partícipes. Essa harmonização nasce fundada na boa-fé
que resta estampada no inciso III do artigo 4° do CDC,
como cláusula geral de uma relação jurídica de
consumo, o que importa dizer que ela estará inserida
em toda relação assim considerada.

A boa-fé aqui tratada é a objetiva, ou seja,


decorre da própria relação de consumo que seria uma
regra de conduta que deve ser obrigatoriamente
observada pelos dois pólos da relação de consumo, isto
é, tanto o consumidor quanto o fornecedor devem agir
conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade a

23
fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de
consumo.

Assim, boa-fé objetiva, conforme Cláudia Lima


Marques, “significa atuação refletiva, uma atuação
refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual,
respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos,
suas expectativas razoáveis seus direitos, agindo com
lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão
ou devantagem excessiva, cooperando para atingir o bom
fim das obrigações”.

Com base nesse princípio, torna-se lícito ao juiz,


modificar as cláusulas de um contrato se verificar que
é abusiva ou, da mesma forma que poderá modificar ou
rever de alguma cláusula, a pedido do consumidor,
quando demonstrar que, por motivo superveniente, o
mesmo tenha se tornado excessivamente oneroso.

Enfim, boa-fé objetiva é a ética negocial, ou


seja, o comportamento ético, padrão de conduta,
tomando como paradigma o homem honrado, leal e
honesto.

RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

O Código de defesa do Consumidor não conceitua


relação jurídica de consumo, mas para que ele seja
aplicado é preciso que o caso concreto se caracterize
como uma relação jurídica de consumo.
Assim, para justificar a incidência do Código de
Defesa do Consumidor é preciso estudar a estrutura da
relação jurídica de consumo, na perspectiva de seus
elementos subjetivos e objetivos, ou seja, das partes
relacionadas e o seu conteúdo.
Nelson Nery Júnior define relação jurídica de
consumo como sendo a relação jurídica existente entre
fornecedor e consumidor, tendo por objeto a aquisição
de produtos ou a utilização de serviços pelo
consumidor.

Com o conceito acima noticiado, podemos


identificar os elementos da relação jurídica de
consumo em subjetivos e objetivos. No primeiro
encontram-se os sujeitos da relação, consumidores e
fornecedores no segundo o objeto, a razão pela qual

24
realizaram a relação, sendo este os produtos ou
serviços.

Nesse contexto, para que haja efetiva relação


jurídica de consumo torna-se necessário identificar
num dos pólos da relação o consumidor no outro, o
fornecedor, que pode tomar forma de fornecedor real
(fabricante, produtor construtor e prestador de
serviços) fornecedor presumido (importador) e
fornecedor aparente (comerciante) e devem estar
transacionando produtos ou serviços.

Assim, será efetiva a relação de consumo quando


ocorrer direta transação entre o consumidor e
fornecedor de um produto ou serviço ou quando o
consumidor fizer uso efetivo de um produto ou serviço
de um determinado fornecedor. Será, entretanto,
presumida quando realizada por simples oferta ou
publicidade inserida no mercado de consumo, bem como
pela ocorrência de um acidente de consumo que cause
dano a terceiro, ainda que este não tenha participado
diretamente de uma relação de consumo, por exemplo.

Temos, portanto, no art. 2°, caput, do CDC a


definição do titular merecedor de uma proteção
integral, denominado consumidor em sentido próprio.
Além deste, há outros três consumidores denominado
equiparados que restam dispostos, respectivamente, no
parágrafo único do art. 2º; no art. 17 e 29. A técnica
da equiparação permite que certos sujeitos que não
figure, efetivamente, em uma relação jurídica de
consumo, possam fazer uso restrito do Código.

Inicialmente, nos preocuparemos com a definição de


Consumidor sentido próprio, chamado pela doutrina de
consumidor padrão, standard ou stricto sensu, cuja lei
disponibiliza sua tutela integral e que é exatamente a
que apresenta mais conflito em razão do uso do termo
“destinatário final”.

CONSUMIDOR STANDARD

Assim, o Código de Defesa do Consumidor, em seu


art. 2º, caput, define:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa


física ou jurídica que adquire ou

25
utiliza produto ou serviço como
destinatário final.

Parece fácil, mas é muito árduo o labor no sentido


de se exarar a precisa definição de consumidor, pois
temos que levar em conta a acirrada divergência
conceitual em torno do significado do vocábulo
“destinatário final”, desenvolvido nas teorias que
veremos mais adiante. Antes, porém cabe tecer algumas
elucidações iniciais.

Vislumbrando-se o seu enquadramento inicial,


previsto no texto da norma, o consumidor pode ser, uma
pessoa natural ou jurídica, sem qualquer distinção.

A respeito da pessoa jurídica consumidora, como


bem aponta José Geraldo Brito Filomeno “Prevaleceu,
entretanto, como de resto em algumas legislações
alienígenas inspiradas na nossa, a inclusão das
pessoas jurídicas igualmente como ‘consumidores’ de
produtos e serviços, embora com a ressalva de que
assim são entendidas aquelas como destinatárias finais
dos produtos e serviços que adquirem, e não como
insumos necessários ao desempenho de sua atividade
lucrativa”.

Na opinião deste autor, estando configurados os


elementos da relação de consumo, não se cogita
qualquer discussão a respeito de tal enquadramento,
uma vez que, conforme outrora exposto, a
vulnerabilidade é elemento posto da relação de
consumo. Em outras palavras, é irrelevante ser a
pessoa jurídica forte ou não economicamente, pois tal
constatação acaba confundindo a hipossuficiência com a
vulnerabilidade.

De toda sorte, a jurisprudência do STJ já concluiu


pela possibilidade de se mitigar a vulnerabilidade da
pessoa jurídica, conforme adiante veremos com a
análise das teorias. Por ora, registra-se que uma
pessoa jurídica pode ser considerada consumidora.
Assim, podendo uma pessoa jurídica ser consumidora
destaca-se que tanto a pessoa de Direito Privado
quanto a de Direito Público podem também o ser. Entre
as primeiras, cite-se uma pessoa jurídica de direito
privado que se constitui sobre a forma de sociedade
que adquire um eletrodoméstico em uma loja de

26
departamentos. Entre as últimas, consigne-se a
hipótese de uma prefeitura como consumidora, conforme
o entendimento jurisprudencial:

“Administrativo. Serviço de
telefonia. Falta de pagamento.
Bloqueio parcial das linhas da
Prefeitura. Município como
consumidor. 1. A relação jurídica,
na hipótese de serviço público
prestado por concessionária, tem
natureza de Direito Privado, pois o
pagamento é feito sob a modalidade
de tarifa, que não se classifica
como taxa. 2. Nas condições
indicadas, o pagamento é
contraprestação, aplicável o CDC, e
o serviço pode ser interrompido em
caso de inadimplemento, desde que
antecedido por aviso. 3. A
continuidade do serviço, sem o
efetivo pagamento, quebra o
princípio da isonomia e ocasiona o
enriquecimento sem causa de uma das
partes, repudiado pelo Direito
(interpretação conjunta dos arts. 42
e 71 do CDC). 4. Quando o consumidor
é pessoa jurídica de direito
público, a mesma regra deve lhe ser
estendida, com a preservação apenas
das unidades públicas cuja
paralisação é inadmissível. 5.
Recurso especial provido” (STJ –
REsp 742.640/MG – Segunda Turma –
Rel. Min. Eliana Calmon – j.
06.09.2007 – DJ 26.09.2007, p. 203).

Noutro giro, admite-se que o consumidor seja


pessoa nacional ou estrangeira. Em relação ao último,
imagine-se o caso de um turista, em férias no Brasil,
que fica intoxicado com um alimento consumido na praia
ou em um restaurante, podendo demandar os agentes
causadores do dano com base na responsabilidade
objetiva prevista pela Lei 8.078/1990.

27
O consumidor pode ser ainda um ente
despersonalizado, mesmo não constando expressamente
menção a ele na Lei Consumerista. Incide a
equivalência das posições jurídicas, uma vez que tais
entes podem ser fornecedores, como antes exposto,
cabendo, do mesmo modo, a sua qualificação como
consumidores. Entes despersonalizados são
coletividades de seres humanos ou de bens que não
possuem personalidade jurídica própria, também
conhecidos como pessoas formais.

A título de exemplo, cite-se julgado do Tribunal


Paulista, que considerou o condomínio edilício –
tratado como ente despersonalizado – consumidor de uma
prestação de serviços:

“Contrato. Prestação de serviços.


Relação de consumo. Condomínio e
prestadora de serviços de engenharia
e manutenção. Código de Defesa do
Consumidor. Aplicabilidade.
Condomínio, ente despersonalizado,
com capacidade processual, pode ser
considerado consumidor final dos
serviços prestados pela agravada.
Recurso provido nesse aspecto” (TJSP
– Agravo de Instrumento
1.009.34000/1, Santos – Trigésima
Segunda Câmara de Direito Privado –
Rel. Des. Orlando Pistoresi – j.
26.01.2005).

Apesar de a conclusão final da decisão ser


perfeita, deve ser feita a ressalva na qual, para
parte da doutrina, o condomínio edilício pode ser
considerado pessoa jurídica, conforme consta do
Enunciado n.º 90, do Conselho da Justiça Federal, da I
Jornada de Direito Civil, que sintetiza o pensamento
da melhor doutrina contemporânea.

Vimos que tanto a pessoa física quanto a jurídica


podem ser considerados consumidores, desde que sejam
destinatários finais do produto ou serviço.

Assim, “destinatário final é o elemento


qualificador da figura do consumidor e que causa
grande divergência doutrinária por sua amplitude.

28
Surge ai o problema, a definição de destinatário
final, em razão da sua ambigüidade. Diante do termo em
baila surgiram algumas correntes, sendo as mais
relevantes a que seguem:

TEORIAS

DESTINATÁRIO FINAL
Cumpre registrar, desde inicio, que o consumidor
pode ser o destinatário final do produto ou serviço,
seja sob o aspecto fático e econômico. Aonde a
destinação fática seria aquela que retira o produto,
por exemplo, da cadeia de produção e o atribui destino
pessoal ou familiar. Por sua vez, o destino final
econômico é aquele que não admite revenda, uso
profissional, pois o bem seria novamente um
instrumento de produção, cujo preço será incluído no
preço final do profissional para adquiri-lo, já que
nesse caso o destino seria intermediário.

CORRENTE SUBJETIVA OU FINALISTA

Essa teoria analisa o que é feito com o produto ou


serviço sob os aspetos fático e econômico, por isso,
subjetivista.

Para a corrente finalista, o destinatário final


seria a pessoa que retira o produto ou serviço não
apenas da cadeia de produção, mas também da cadeia do
mercado, assim caracterizado como sendo aquele que
utiliza o produto para o seu benefício pessoal ou da
sua família e que não usa como meio de produção de
outro produto ou serviço ou, ainda para revendê-lo.
Não se admite, portanto, que o consumo se faça com
vistas à incrementar uma atividade profissional
lucrativa, qualquer que seja a sua destinação.

Nesse sentido, é necessário dar destinação final


fática e econômica ao produto ou serviço, ou seja, é
preciso retirar do mercado de consumo e esgotá-lo
economicamente (não pode ser utilizada em novo ciclo
de produção)

Como exemplo, imagine que um advogado adquira um


ar condicionado para colocar no seu escritório,
incorporando em sua atividade laboral para dar maior
conforto aos seus clientes, podendo, com isso,

29
aumentar o preço da consulta ou mesmo captar novos
clientes. Para essa corrente esse advogado não seria
consumidor, pois não estaria utilizando o bem como
destinatário final, mas estaria incorporando-o no seu
labor para auferir renda. Diferente seria se ele
utilizasse o mesmo aparelho em seu quarto dando-lhe
uma destinação pessoal, pois nesse caso e, somente
nessa hipótese, ele seria considerado consumidor.

Assim, a corrente subjetiva entende ser


imprescindível para a conceituação de consumidor que a
destinação final seja entendida como fática e
econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a
utilização de um serviço satisfaça uma necessidade
pessoal do adquirente, seja ele pessoa física ou
jurídica desde que esta não desenvolva atividade
econômica organizada e ainda, não objetive o
desenvolvimento de outra atividade negocial ainda que
a sua utilização não esteja vinculada a atividade fim.

Nesse contexto, a corrente sbjetivista, restringe


o conceito de consumidor às pessoas fisicas ou
jurídicas, não profissionais, que não desenvolvam
atividade econômica organizada por caracterizar uso
intermediário. Não se admite, portanto, que o consumo
se faça com intuito de incrementar atividade
profissional lucrativa e isto, ressalte o produto ou
serviço à revenda ou a integração do processo de
transformação, beneficiamento ou montagem de outros
bens ou serviços, que simplesmente passe a compor o
ativo fixo da atividade profissional desenvolvida pelo
consumidor.

Não há de se cogitar em consumo final, mas


intermediário, quando um profissional adquire produto
ou usufrui serviço com o fim de, direta ou
indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu
negócio lucrativo.

Adotando essas premissas, na I Jornada de Direito


Comercial, promovida pelo Conselho da Justiça Federal
em outubro de 2012, foi aprovado enunciado doutrinário
no sentido de que não se aplica o Código de Defesa do
Consumidor nos contratos entre empresários que tenham
por objetivo o suprimento de insumos para as suas
atividades de produção, comércio ou prestação de
serviços (Enunciado n. 20). Todavia, a verdade é que

30
existem outras teorias a respeito da caracterização do
consumidor. Uma delas, como se verá, até se justifica,
eis que a aplicação cega e literal da teoria finalista
pode gerar situações de injustiça.
Como destacado pela própria Claudia Lima Marques
no trecho transcrito, vários julgados do Superior
Tribunal de Justiça adotam esse posicionamento
categórico. A ilustrar, por todos:

“Conflito de competência. Sociedade


empresária. Consumidor. Destinatário
final econômico. Não ocorrência. Foro de
eleição. Validade. Relação de consumo e
hipossuficiência. Não caracterização. 1.
A jurisprudência desta Corte sedimenta-
se no sentido da adoção da teoria
finalista ou subjetiva para fins de
caracterização da pessoa jurídica como
consumidora em eventual relação de
consumo, devendo, portanto, ser
destinatária final econômica do bem ou
serviço adquirido (REsp 541.867/BA). 2.
Para que o consumidor seja considerado
destinatário econômico final, o produto
ou serviço adquirido ou utilizado não
pode guardar qualquer conexão, direta ou
indireta, com a atividade econômica por
ele desenvolvida; o produto ou serviço
deve ser utilizado para o atendimento de
uma necessidade própria, pessoal do
consumidor. 2. No caso em tela, não se
verifica tal circunstância, porquanto o
serviço de crédito tomado pela pessoa
jurídica junto à instituição financeira
decerto foi utilizado para o fomento da
atividade empresarial, no
desenvolvimento da atividade lucrativa,
de forma que a sua circulação econômica
não se encerra nas mãos da pessoa
jurídica, sociedade empresária, motivo
pelo qual não resta caracterizada, in
casu, relação de consumo entre as
partes. 3. Cláusula de eleição de foro
legal e válida, devendo, portanto, ser
respeitada, pois não há qualquer
circunstância que evidencie situação de
hipossuficiência da autora da demanda

31
que possa dificultar a propositura da
ação no foro eleito. 4. Conflito de
competência conhecido para declarar
competente o Juízo Federal da 12ª Vara
da Seção Judiciária do Estado de São
Paulo” (STJ – CC 92.519/SP – Segunda
Seção – Rel. Min. Fernando Gonçalves –
j. 16.02.2009 – DJe 04.03.2009).

“Competência. Relação de consumo.


Utilização de equipamento e de serviços
de crédito prestado por empresa
administradora de cartão de crédito.
Destinação final inexistente. A
aquisição de bens ou a utilização de
serviços, por pessoa natural ou
jurídica, com o escopo de implementar ou
incrementar a sua atividade negocial,
não se reputa como relação de consumo e,
sim, como uma atividade de consumo
intermediária. Recurso especial
conhecido e provido para reconhecer a
incompetência absoluta da Vara
Especializada de Defesa do Consumidor,
para decretar a nulidade dos atos
praticados e, por conseguinte, para
determinar a remessa do feito a uma das
Varas Cíveis da Comarca” (STJ – REsp
541.867/BA – Segunda Seção – Rel. Min.
Antônio de Pádua Ribeiro – Rel.
p/Acórdão Min. Barros Monteiro – j.
10.11.2004 – DJ 16.05.2005, p. 227).

CORRENTE MAXIMALISTA OU OBJETIVA

Essa teoria, minoritária, amplia sobremaneira o


conceito de consumidor e daí a própria relação
jurídica de consumo, na medida em que para ela pouco
importa com o que é feito com o produto ou serviço,
tendo, pois conceito jurídico, exceto no caso de
revenda.

A corrente maximalista ou objetiva tenta ampliar


as hipóteses de incidência do CDC, sustentando, em
síntese que o destinatário final é aquele que retira o
produto do mercado, ainda que para usá-lo como meio de
produção.

32
Assim, defende que a expressão “destinatário
final” deve ser interpretada de forma ampla, bastando
que o consumidor seja o destinatário fático de bem ou
serviço, isto é, que retire do mercado, encerrando
objetivamente a cadeia produtiva em que foi inserido o
fornecimento do bem ou da prestação do serviço, não
podendo apenas, ser objeto de revenda.

Como bem apresenta Claudia Lima Marques, “os


maximalistas viam nas normas do CDC o novo regulamento
do mercado de consumo brasileiro, e não normas
orientadas para proteger somente o consumidor não
profissional. O CDC seria um código geral sobre o
consumo, um código para a sociedade de consumo, que
institui normas e princípios para todos os agentes do
mercado, os quais podem assumir os papéis ora de
fornecedores, ora de consumidores. A definição do art.
2º deve ser interpretada o mais extensivamente
possível, segundo esta corrente, para que as normas do
CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de
relações de consumo”.

No exemplo citado acima, o advogado que comprou o


ar-condicionado para o seu escritório seria
destinatário final, portanto. Igualmente ocorreria no
caso de hipotético de uma grande pessoal jurídica ao
adquirir um computador como instrumento de trabalho de
um de seus funcionários de um pequeno fonercedor, ou
seja, a única exigência é que se dê ao bem ou serviço
uma destinação final fática, pouco importanto se há ou
não desequilíbrio na relação decorrente da
vulnerabilidade deste adquirente.

Adeptos da corrente maximalista defendem que para


a definição legal de consumidor, ex vi o art. 2º do
CDC, basta que o consumidor seja o destinatário final
de produtos e serviços, incluindo aquilo que é
utilizado, adquirido para empenho de atividade ou
profissão, bastando, para tanto, que não haja a
finalidade de revenda.

Não há razão plausível para se distinguir o uso


privado do uso profissional, o importante é a ausência
de intermediação ou revenda.

33
Os maximalistas defendem em última análise que o
CDC seria um Código geral de consumo, para toda a
sociedade de consumo, devendo aplicar uma
interpretação extensiva para que as suas normas possam
servir cada vez mais às relações de mercado.

Assim, a doutrina maximalista prega a


interpretação mais extensa possível e considera a
definição do art. 2º puramente objetiva, não
importando se tem ou não objetivo de lucro quando
adquirido o produto ou serviço.

Destinatário final seria, portanto, o destinatário


fático, ou seja, aquele que retira do mercado o
produto ou serviço e utiliza ou consome. O uso privado
ou econômico-profissional não infere na definição de
consumidor desde que o produto ou serviço não integre
diretamente o seu processo de produção, transformação,
montagem, beneficiamento ou revenda da atividade fim
do adquirente.

Assim, a aquisição de um computador ou software,


para o exercício profissional da advocacia pouco
importa se por um advogado principiante ou por grande
banca de advocacia, a presente corrente qualifica
ambos como consumidor, pois não se apoia na
vulnerabilidade do adquirente que no caso da banca
poderá não exsitir. Da mesma forma, a aquisição de
gasolina por um taxista ou por uma empresa de ônibus,
colocaria ambos sob a êgide do CDC. Portando, sendo o
taxista ou a grande empresa destinatários finais,
podem ser perfeitamente considerados consumidores.

TEORIA FINALISTA ATENUADA

Cláudia Lima Marques partiu do viés da


vulnerabilidade para melhor definir a figura do
consumidor.

Essa teoria é fruto do trabalho de criação de


Claudia Lima Marques, a maior doutrinadora brasileira
sobre o tema Direito do Consumidor. Nesse ínterim,
cumpre colacionar seus ensinamentos:
“Realmente, depois da entrada em vigor
do CC/2002 a visão maximalista diminuiu
em força, tendo sido muito importante

34
para isto a atuação do STJ. Desde a
entrada em vigor do CC/2002, parece-me
crescer uma tendência nova da
jurisprudência, concentrada na noção de
consumidor final imediato
(Endverbraucher), e de vulnerabilidade
(art. 4º, I), que poderíamos denominar
aqui de finalismo aprofundado.

POSIÇÃO DO STJ

Inicialmente, registra-se que a linha de


precedentes adotada pelo STJ inclinava-se pela teoria
maximalista ou objetiva, posto que vinha considerando
consumidor o destinatário final fático do bem ou
serviço, ainda que utilizado no exercício de sua
profissão ou empresa.

Neste sentido: vide Resp 208.793/MT,


Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
Terceira Turma, unânime, DJ
01/08/2000; Resp 329.587/SP, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito.
Terceira Turma, unânime, DJ
24/06/2002, Resp 286.441/RS, Min.
Rel. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ
03/02/2003.

Resp 286.441/RS, DJ 03/03/2003, Resp


488.274/MG, Rel. Min. Nancy
Andrighi, DJU 23/06/2003, Resp
468.148/SP, DJU 23/06/2003, Resp
445.854/MS, Rel. Castro Filho, 3a.
T. DJU 28/10/2003.

Depois de 10.11.2004, especificamente, com o


julgamento do REsp n.° 541.867/BA, na segunda Seção do
STJ, Rel. Min. Barros Monteiro, a corrente
subjetivista prevaleceu: “não há falar em relação de
consumo quando a aquisição de bens ou utilização de
serviços, por pessoa natural ou jurídica, tem como
escopo incrementar a sua atividade comercial.”

O recurso acima julgou o caso de uma pequena


farmácia que se filiou ao sistema de cartões de
crédito, mas que por erro da administradora do cartão
que teria efetuado o pagamento a terceiro que não a

35
farmácia, pela compra realizada no seu
estabelecimento. Após delonga discussão sobre a
configuração ou não da relação jurídica de consumo o
STJ, por maioria, decidiu pela inexistência.

Por fim, após o REsp n.° 476.428/SC - 2005, embora


o STJ consagre como teoria majoritária a teoria
subjetiva para interpretação do conceito de
consumidor, ele passou a reconhecer a necessidade de
uma analise diferenciada para situações específicas,
abrandando o rigor do critério subjetivista para
admitir a aplicação do CDC nas relações entre
adquirentes e fornecedores, em que, mesmo o adquirente
utilizando os bens ou serviços para suas atividades
econômicas, desde que fique comprovada a
vulnerabilidade do adquirente frente o fornecedor,
surgindo, com isso a mitigação da teoria finalista,
mais aprofundada e madura, que deve ser saudada.

Nessa linha, em casos difíceis envolvendo pequenas


empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas
não em sua área de expertise ou com uma utilização
mista, principalmente na área de serviços, provada a
vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de
consumo prevalente.

Verifica-se que o STJ em regra ado a subjetivista,


mas adota a teoria finalista
atenuada/mitigada/abrandada/aprofundada que suaviza os
conceitos trazidos pelo CDC, reconhecendo como
consumidor a pessoa física ou jurídica que adquire o
produto ou utiliza o serviço, mesmo em razão de sua
atividade econômica tendo em vista a necessidade de se
equilibrar as relações entre fornecedores e
consumidores, quando verificada a vulnerabilidade
destes com relação aqueles.

Seguindo nas concretizações dessa tese, vejamos


decisão publicada em 2010 no Informativo n. 441 do
Superior Tribunal de Justiça, a respeito da aquisição
da aquisição de máquina de bordar para pequena
produção de subsistência:

“A jurisprudência do STJ adota o


conceito subjetivo ou finalista de
consumidor, restrito à pessoa física
ou jurídica que adquire o produto no

36
mercado a fim de consumi-lo.
Contudo, a teoria finalista pode ser
abrandada a ponto de autorizar a
aplicação das regras do CDC para
resguardar, como consumidores (art.
2º daquele Código), determinados
profissionais (microempresas e
empresários individuais) que
adquirem o bem para usá-lo no
exercício de sua profissão. Para
tanto, há que demonstrar sua
vulnerabilidade técnica, jurídica ou
econômica (hipossuficiência). No
caso, cuida-se do contrato para a
aquisição de uma máquina de bordar
entabulado entre a empresa
fabricante e a pessoa física que
utiliza o bem para sua sobrevivência
e de sua família, o que demonstra
sua vulnerabilidade econômica.
Destarte, correta a aplicação das
regras de proteção do consumidor, a
impor a nulidade da cláusula de
eleição de foro que dificulta o
livre acesso do hipossuficiente ao
Judiciário. Precedentes citados:
REsp 541.867-BA, DJ 16.05.2005; REsp
1.080.719-MG, DJe 17.08.2009; REsp
660.026-RJ, DJ 27.06.2005; REsp
684.613-SP, DJ 1º.07.2005; REsp
669.990-CE, DJ 11.09.2006, e CC
48.647-RS, DJ 05.12.2005” (STJ –
REsp 1.010.834-GO – Rel. Min. Nancy
Andrighi – j. 03.08.2010).

Assim, a corrente subjetivista sofre certo


abrandamento, em casos pontuais, a fim de admitir a
aplicação do CDC quando a aquisição do produto ou
serviço, ainda que feita para incremento de atividade
profissional, mas que entre os sujetios da relação
esteja presente a vulnerabilidade do adquirente em
relação ao fornecedor.

A exemplo, podemos citar o caso da 3º Turma do STJ


que demonstra a ampliação do conceito de consumidor a
uma pessoa que utilize determinado produto para fins
de trabalho e não apenas para consumo direto. Nesse

37
sentido, a 3ª turma negou provimento a recurso
especial interposto pela Marbor Máquinas Ltda., de
Goiás, que pretendia mudar decisão de primeira
instância. A decisão beneficiou uma compradora que
alegou ter assinado, com a empresa, contrato que
possuía cláusulas abusivas.

A consumidora-costureira, Sheila de Souza Lima,


ajuizou ação judicial pedindo a nulidade de
determinadas cláusulas existentes em contrato de
compra e venda firmado com a Marbor para aquisição da
determinada máquina de costura, mediante pagamento em
vinte prestações mensais. O acórdão de primeira
instância aceitou a revisão do contrato da compradora,
de acordo com a aplicabilidade do CDC.
Mas, ao recorrer ao STJ, a Marbor alegou que não
se configura como relação de consumo um caso em que o
destinatário final adquire determinado bem para
utilizar no exercício da profissão, conforme
estabelece o CDC. Argumentou, ainda, que de acordo com
o CPC, a ação deve ser julgada no foro eleito pelas
partes - uma vez que, no contrato firmado, foi eleito
o foro da comarca de São Paulo/SP - para dirimir
eventuais controvérsias da referida relação
contratual, e não a comarca de Goiânia/GO - onde
correu a ação.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.834 – GO
(2007/0283503-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARBOR MÁQUINAS LTDA
ADVOGADO : JOSE ROBERTO CAMASMIE
ASSAD E OUTRO(S)
RECORRIDO : SHEILA DE SOUZA LIMA
ADVOGADO : VALÉRIA DE BESSA
CASTANHEIRA LEÃO E OUTRO(S)
EMENTA PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE
MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE.
ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO
DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA
ELETIVA DE FORO.

Ao proferir seu voto, a Ministra Relatora do


recurso no âmbito do STJ, Nancy Andrighi, considerou
que embora o Tribunal tenha restringido anteriormente
o conceito de consumidor à pessoa que adquire
determinado produto com o objetivo específico de

38
consumo, outros julgamentos realizados depois,
voltaram a aplicar a tendência maximalista. Dessa
forma, agregaram novos argumentos a favor do conceito
de consumo, de modo a tornar tal conceito "mais amplo
e justo", conforme destacou.

A ministra enfatizou, ainda, que "no processo em


exame, o que se verifica é o conflito entre uma
empresa fabricante de máquinas e fornecedora de
softwares, suprimentos, peças e acessórios para a
atividade confeccionista e uma pessoa física que
adquire uma máquina de bordar em prol da sua
sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada
sua vulnerabilidade econômica".

Por conta disso, a relatora entendeu que, no caso


em questão, pode sim ser admitida a aplicação das
normas do CDC a determinados consumidores
profissionais, "desde que seja demonstrada a
vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica" da
pessoa. Os ministros que compõem a 3ª turma
acompanharam o voto da relatora e, em votação unânime,
negaram provimento ao recurso da empresa Marbor.

Voltemos ao exemplo de um advogado que adquire


livros ou computadores para usá-los profissionalmente.
Para os maximalistas, quer se cuide de um profissional
iniciante ou de um grande e conceituado escritório de
advocacia o CDC iria incidir sobre a transação.
Entretanto, para os finalistas, ambas relações
(advogado iniciante ou grande banca) estariam
excluídas da incidência do CDC, por não restar
caracterizada a figura do consumidor no adquirente,
seja ele o profissional liberal ou grande escritório.
Entretanto, como vimos o STJ passou a adotar a
corrente subjetivista atenuada e isso quer dizer que a
figura do consumidor se caracteriza pela posição do
vulnerável em relação ao fornecedor, pouco importando
tratar-se de pessoa fisíca ou jurídica, ainda que o
consumo seja para incremento de atividade
profissional, ou seja, teoricamente, o CDC iria
proteger a figura do pequeno advogado, mas o mesmo não
ocorreira com a grande banca, conforme segue:

REsp 476428 / SC
RECURSO ESPECIAL 19/04/2005

39
2002/0145624-5 Direito do
Consumidor. Recurso especial.
Conceito de consumidor. Critério
subjetivo ou finalista. Mitigação.
Pessoa Jurídica. Excepcionalidade.
Vulnerabilidade. Constatação na
hipótese dos autos. (...) - A
relação jurídica qualificada por ser
"de consumo" não se caracteriza pela
presença de pessoa física ou
jurídica em seus pólos, mas pela
presença de uma parte vulnerável de
um lado (consumidor), e de um
fornecedor, de outro.
- Mesmo nas relações entre pessoas
jurídicas, se da análise da hipótese
concreta decorrer inegável
vulnerabilidade entre a pessoa-
jurídica consumidora e a
fornecedora, deve-se aplicar o CDC
na busca do equilíbrio entre as
partes. Ao consagrar o critério
finalista para interpretação do
conceito de consumidor, a
jurisprudência deste STJ também
reconhece a necessidade de, em
situações específicas, abrandar o
rigor do critério subjetivo do
conceito de consumidor, para admitir
a aplicabilidade do CDC nas relações
entre fornecedores e consumidores-
(...). (grifei)

Deve ficar claro que, deve ser devidamente


demonstrada para que se mitigue a teoria finalista.
Nesse sentido, decisão extraída do seu Informativo n.
236:
“Em ação de indenização por danos
morais e materiais, a empresa alega
a suspensão indevida do fornecimento
de energia elétrica pela
concessionária. Por outro lado, a ré
sustentou preliminares de
ilegitimidade ativa, incompetência
da vara de defesa do consumidor por
não existir relação de consumo e
inépcia da inicial. O Tribunal a quo

40
manteve a decisão agravada que
rejeitou as preliminares. Daí o REsp
da concessionária ré. A Turma, em
princípio, examinou a questão
relativa à admissibilidade e
processamento desse REsp e
reconheceu que, como a discussão
versa sobre competência, poderia
influenciar todo o curso processual,
justificando, pela excepcionalidade,
o julgamento do REsp, sem que ele
permanecesse retido, conforme tem
admitido a jurisprudência. A Turma
também reconheceu a legitimidade
ativa da recorrida, pois cabe à
locatária, no caso a empresa, o
pagamento das despesas de luz (art.
23 da Lei do Inquilinato). Mas
proveu o recurso quanto à
inexistência de consumo e a
consequente incompetência da vara
especializada em Direito do
Consumidor. Argumentou-se que a
pessoa jurídica com fins lucrativos
caracteriza-se, na hipótese, como
consumidora intermediária e a
uniformização infraconstitucional da
Segunda Seção deste Superior
Tribunal perfilhou-se à orientação
doutrinária finalista ou subjetiva,
na qual o consumidor requer a
proteção da lei. O Min. Relator
ressaltou que existe um certo
abrandamento na interpretação
finalista a determinados
consumidores profissionais, como
pequenas empresas e profissionais
liberais, tendo em vista a
hipossuficiência. Entretanto, no
caso concreto, a questão da
hipossuficiência da empresa
recorrida em momento algum restou
reconhecida nas instâncias
ordinárias. Isso posto, a Turma
reconheceu a nulidade dos atos
processuais praticados e determinou
a distribuição do processo a um dos

41
juízos cíveis da comarca. Precedente
citado: REsp 541.867-BA” (STJ – REsp
661.145/ES – Rel. Min. Jorge
Scartezzini – j. 22.02.2005).

Nessa linha, não reconhecendo a vulnerabilidade do


da pessoa que adquira ou utilize o produto ou serviço,
consumidor será reconhecido nos moldes da teoria
subjetivista, conforme segue:

DIREITO CIVIL E DIREITO DO


CONSUMIDOR. CLÍNICA DE ONCOLOGIA.
COMPRA DE MÁQUINA RECONDICIONADA, DE
VENDEDOR ESTRANGEIRO, MEDIANTE
CONTATO FEITO COM REPRESENTANTE
COMERCIAL, NO BRASIL. PAGAMENTO DE
PARTE DO PREÇO MEDIANTE REMESSA AO
EXTERIOR, E DE PARTE MEDIANTE
DEPÓSITO AO REPRESENTANTE COMERCIAL.
POSTERIOR FALÊNCIA DA EMPRESA
ESTRANGEIRA. CONSEQUÊNCIAS.
APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE.
DEVOLUÇÃO DO PREÇO TOTAL PELO
REPRESENTANTE COMERCIAL.
IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO
DA PARCELA DO PREÇO NÃO TRANSFERIDA
AO EXTERIOR. POSSIBILIDADE.
APURAÇÃO. LIQUIDAÇÃO. 1. A relação
jurídica entre clínica de oncologia
que compra equipamento para prestar
serviços de tratamento ao câncer,
e representante comercial que vende
esses mesmos equipamentos, não é de
consumo, dada a adoção da teoria
finalista acerca da definição das
relações de consumo, no julgamento
do REsp 541.867/BA (Rel. Min. Barros
Monteiro, Segunda Seção, DJ de
16/5/2005). 2. Há precedentes nesta
Corte mitigando a teoria finalista
nas hipóteses em que haja elementos
que indiquem a presença de
situações de clara vulnerabilidade
de uma das partes, o que não ocorre
na situação concreta. 3. Pela
legislação de regência, o
representante comercial age

42
por conta e risco do representando,
não figurando, pessoalmente,
como vendedor nos negócios que
intermedia. Tendo isso em vista, não
se pode imputar a ele a
responsabilidade pela não conclusão
da venda decorrente da falência da
sociedade estrangeira a quem
ele representa. 4. Não tendo sido
possível concluir a entrega da
mercadoria, contudo, por força de
evento externo pelo qual nenhuma das
partes responde, é lícito que seja
resolvida a avença, com a
devolução, pelo representante, de
todos os valores por ele
recebidos diretamente, salvo os que
tiverem sido repassados à
sociedade estrangeira, por regulares
operações contabilmente
demonstradas. 5. Recurso especial
conhecido e parcialmente provido.
(Recurso Especial Nº 1.173.060,
Terceira Turma, Superior Tribunal de
Justiça, Relator: Nancy Andrighi,
Julgado em 16/10/2012)

A vulnerabilidade, portanto, e aqui se inclui a


técnica, fática ou econômica, jurídica e
informacional, é o ponto de partida fundamental para
verificação da aplicabilidade ou não das normas do
CDC, nos termos do STJ REsp 1195642/RJ.

Hodiernamente, o conceito de consumidor e o seu


alcance, portanto, passa necessariamente pela análise
in concreto da noção de vulnerabilidade, independente
do adquirente ser profissional ou não, pessoa física
ou jurídica.
A desigualdade entre consumidor e fornecedor é um
dado objetivo no exame das relações submetidas ao CDC.
Uma das causas dessa desigualdade está no caráter
vulnerável do consumidor. A vulnerabilidade, na
concepção de Ada Pellegrinni Grinover seria
multifária, decorrendo ora da atuação dos monopólios e
oligopólios, ora da carência de informação sobre
qualidade, preços, crédito e outras características
dos produtos e serviços. Não bastasse tal, o

43
consumidor ainda é cercado por uma publicidade
crescente, não estando, ademais, tão organizado quanto
os fornecedores.

O princípio, vulnerabilidade do consumidor é tido


como o princípio maior que rege as relações de
consumo. Com seu reconhecimento no mercado de consumo,
trazido explicitamente no CDC, em seu art. 4.º, I, o
legislador consumerista demonstrou a fragilidade do
consumidor na relação perante o fornecedor.

          Assim considera-se que todos os princípios,


direitos e garantias relacionadas ao direito
consumerista advém do reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor.

Seguindo essa concepção, um taxista que adquire o


veiculo para seu trabalho pode ser considerado
consumidor (REsp 611.872-RJ, 2012, INFO 505) ou da
empresa administradora de imóveis que adquire um avião
para servir de meio de transporte de seus sócios e
funcionários, havendo relação de consumo entre ela e a
vendedora de aviões (REsp 1321083-PR, 2014, INFO 548),
ainda da concessionária de veículos que firma contrato
de seguro de responsabilidade para proteção do seu
patrimônio (REsp 1352419-SP, 2014, INFO 548).

Como vimos, a vulnerabilidade do consumidor


decorre dos fenômenos de massificação da produção e da
contratação em massa e pode, em sintese, ser
verificada em algumas situações distintas, quais
sejam: econômica, técnica, jurídica, fática e
informacional, não obstante a doutrina abarque outras
searas da vulnerabilidade, como a científica, entre
outras.

VULNERABILIDADE ECONÔMICA
A regra, é que o consumidor é sempre o mais fraco
na relação sob o enfoque econômico que, como vimos, é
resultado do sistema capitalista estruturado na
chamada produção em série, a Standartização da
produção, ou seja, a homogeneização da produção.

Assim, a vulnerabilidade econômica resulta das


disparidades de força entre os agentes econômicos e os
consumidores, fazendo com que os fornecedores possam
blindar seu negócio. Os fornecedores detêm condições

44
objetivas de impor sua vontade seja, pela ignorância
do consumidor, sua dispersão, pela pressão das
necessidaddes, ou por muitos outros mecanismos. O
próprio contrato de adesão é um exemplo desses
mecanismos.
A doutrina tradicionalmente aponta a existência de
três modalidades de vulnerabilidade: jurídica (falta
de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de
seus reflexos na relação de consumo), técnica
(ausência de conhecimento específico acerca do produto
ou serviço objeto de consumo), e fática (situações em
que a insuficiência econômica, física ou até mesmo
psicológica do consumidor o coloca em pé de
desigualdade frente ao fornecedor).

Mais recentemente, tem se incluído também a


vulnerabilidade informacional (dados insuficientes
sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no
processo decisório de compra).

Além disso, a casuística poderá apresentar novas


formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência
do CDC à relação de consumo

VULNERABILIDADE JURÍDICA
Essa espécie de vulnerabilidade se manifesta pela
falta de conhecimentos jurídico, contábil e econômico
do consumidor, o que o fragiliza diante do poderio do
fornecedor que, sob a alegação de legalidade de suas
práticas, fragiliza e anula uma possível discussão
sobre o tema, fazendo com que o consumidor
simplesmente acate as exigências do fornecedor e acabe
por pagar tarifas indevidas, aceitar obrigações que
não são licitas, condicionar a aquisição de um produto
ou serviço a outro, entre outras práticas abusivas.

VULNERABILIDADE TÉCNICA
Mesmo na sociedade de massa em que vivemos é
possível, ainda que mesmo remotamente, o consumidor
não seja o mais fraco da relação sob o aspecto
econômico, poderá ser quanto ao conhecimento técnico,
pois, inegavelmente, é o fornecedor que possui
conhecimentos sobre o processo produtivo, pois a ela
cabe o monopólio da cadeia produtiva.

  A vulnerabilidade técnica é decorrente do fato


de o consumidor não possuir conhecimentos específicos

45
sobre produtos ou serviços por ele adquiridos, ficando
sujeito a vontade dos fornecedores e tendo como única
garantia a confiança na boa-fé da outra parte, no
proceder honesto, leal do fornecedor, fato que lhe
deixa sensivelmente exposto.

Esta vulnerabilidade concretiza-se pelo fenômeno


da complexidade do mundo moderno, que impossibilita o
consumidor de conhecer propriedades, malefícios e
benefícios dos produtos e serviços adquiridos no
mercado de consumo. Dessa forma, o consumidor se vê
totalmente desamparado, já que dificilmente há
possibilidade de saber quando determinado produto ou
serviço apresenta defeito ou vício, colocando em
perigo a sua incolumidade física e patrimonial. Como
exemplo, suponha que uma pessoa não entenda nada de
computadores, mas influenciada pelo vendedor, acaba
comprando um equipamento que está além das suas
necessidades e, portanto, mais caro do que o que lhe
atenderia.

A vulnerabilidade técnica se caracteriza,


portanto, pela falta de conhecimentos específicos
sobre o produto ou serviço. É presumida no caso de
consumidor não-profissional. Eventualmente, nos casos
que o produto ou serviço adquirido não tiver relação
com a formação, competência ou área de atuação do
consumidor.

VULNERABILIDADE FÁTICA
Ocorre em situações que a insuficiência econômica,
de mercado, física ou até mesmo psicológica do
consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao
fornecedor em determinados mercados, como é o caso de
existirem um ou poucos fornecedores, afetando o
direito de escolha do consumidor.

Pode decorrer até da essencialidade do


produto ou serviço no mercado, como no caso de saúde,
educação, fornecimento de energia, disponibilidade de
crédito etc. Desta forma o consumidor fica sujeito às
condições impostas pelo fornecedor, pois não tem como
escolher outro fornecedor.

De acordo com o atual posicionamento do STJ, o CDC


tem como escopo equilibrar as partes das relações
jurídicas que se formaram sob esse novo mercado de

46
produção em massa. Nesse sentido, a relação jurídica
de consumo não se caracteriza pela presença de pessoa
física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de
uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um
fornecedor, de outro, o que permite seu reconhecimento
mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, desde que
da análise do caso concreto verificar inegável
vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e
a fornecedora.

VULNERABILIDADE INFORMACIONAL

Advém da ausência, insuficiência ou complexidade


da informação prestada que não permite a compreensão
do consumidor. O consumidor tem direito a informação o
que leva ao fornecedor o direito de informar, nos
termos do artigo 6º, III do CDC. Portanto, está ligada
ao consumidor consciente, por isso o fornecedor deve.

O STJ negou provimento ao fornecedor que, sem


informar claramente o consumidor, reduziu o volume do
refrigerante de garrafa PET de 600 ml para 500,
prática que é considerada “maquiagem de produto” ou
“aumento disfarçado de preço”.

Aqui o consumidor não detém informações


suficientes para realizar o processo de aquisição ou
não do produto.

DOS CONSUMIDORES EQUIPARADOS


bystandard

O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu


consumidores por equiparação, ampliando a sua
aplicação a terceiros que não se encaixam no conceito
padrão de consumidor (destinatário final), mas que a
estes se equiparam para efeitos da tutela legal,
conforme estabelece dos artigos 2º, parágrafo único,
17, e 29. Tais dispositivos funcionam como normas de
extensão na medida em que colocam sob o manto
protetivo do CDC, as figuras ali encontradas.

Conforme já afirmado, o conceito jurídico previsto


no art. 2º caput, é denominado pela doutrina como
conceito padrão ou standard, entretanto, a lei
consumerista reconhece outras pessoas (a coletividade
de pessoas, vitimas do fato do produto ou serviço e

47
todas as pessoas expostas as práticas comerciais e à
dsiciplina contratual) como consumidoras denominando-
as de consumidores por equiparação ou bystandard.

DA COLETIVIDADE DE PESSOAS
Art. 2º (...)
Parágrafo único. Equipara-se a
consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis,
que haja intervindo nas relações de
consumo.

A regra do parágrafo único do artigo 2º amplia a


definição de consumidor, dada pelo caput, equiparando
a ele a coletividade de pessoas, mesmo que não possam
ser identificadas, desde que, tenham de alguma maneira
participado da relação de consumo, (terceiros
intervenientes) absorvendo bens ou serviços ou se
apresenantando para tais absorções. Assim ocorreria
caso uma empresa de água não toma os cuidados
necessários para garantir a qualidade do produto,
pondo em risco toda a coletividade. Não se sabe
quantas pessoas foram atingidas, nem quem pode estar
sendo lesado pela má qualidade da água, assim mesmo
toda essa coletividade está amparada pelo código.

José Geraldo Brito Filomeno, “é a universalidade,


conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou
mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que
relacionados a um determinado produto ou serviço,
perspectiva essa extremamente relevante e realista,
porquanto é natural que se previna, por exemplo, o
consumo de produtos e serviços perigosos ou então
nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente as
referidas universalidades e categorias de potenciais
consumidores. Ou, então, se já provocado o dano
efetivo pelo consumo de tais produtos ou serviços, o
que se pretende é conferir à universalidade ou grupo
de consumidores os devidos instrumentos jurídico-
processuais para que possa obter a justa e mais
completa possível reparação dos responsáveis”.

Dispensa-se a efetiva aquisição do produto ou


serviço, mas não quer dizer que não possa ter efetiva
aquisição ou utilização.

48
Por outro lado, a aludida regra, segundo Rizzatto
Nunes, tem como escopo garantir e proteger uma
particular coletividade de pessoas, como o condomínio
e, por analogia, a massa falida, o espólio (mesmo que,
tecnicamente, não se trate de uma coletividade de
pessoa e o artigo não contemple os entes com
personalidade anômala) que possam ser, de alguma
maneira, afetadas pela relação de consumo. Assim, o
aludido artigo amplia o caput do art. 2º e permite,
por exemplo, que a massa falida ao adquirir produtos
possa estar resguardada pelas regras do CDC.

Assim, tratando do condomínio edilício, recente


decisão do Superior Tribunal de Justiça considerou-o
legitimado a defender os interesses dos seus
componentes perante a incorporadora imobiliária, em
tratamento regido pelo CDC.

Nos termos da ementa:

“polêmica em torno da possibilidade


de inversão do ônus da prova para se
atribuir a incorporadora demandada a
demonstração da destinação integral
do produto de financiamento
garantido pela alienação fiduciária
de unidades imobiliárias na
incorporação em questão (patrimônio
de afetação). Aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor ao
condomínio de adquirentes de
edifício em construção, nas
hipóteses em que atua na defesa dos
interesses dos seus condôminos
frente a construtora/incorporadora.
O condomínio equipara-se ao
consumidor, enquanto coletividade
que haja intervindo na relação de
consumo. Aplicação do disposto no
parágrafo único do art. 2º do CDC.
Imposição de ônus probatório
excessivamente complexo para o
condomínio demandante, tendo a
empresa demandada pleno acesso às
provas necessárias à demonstração do
fato controvertido” (STJ – REsp
1.560.728/MG – Terceira Turma – Rel.

49
Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j.
18.10.2016 – DJe 28.10.2016).

Ainda no tocante aos entes despersonalizados,


vejamos decisão do Tribunal Fluminense que tratou o
espólio como consumidor, em caso envolvendo a
prestação de serviços de telefonia:

“Cessão do direito ao uso de linha


telefônica. Morte do titular. Art.
1.572. Código Civil de 1916.
Obrigação de fazer. Ação de
obrigação de fazer. Uso de linha
telefônica. Indevida rescisão do
contrato. Com o falecimento do
titular do direito de uso de linha
telefônica, este se transmite aos
herdeiros, na forma do art. 1.572 do
Código Civil, integrando o acervo
hereditário. Desta forma, é possível
o espólio pleitear em ação de
obrigação de fazer a instalação de
linha telefônica, desde que esteja
em dia com pagamentos. Os serviços
interrompidos, com afronta ao
disposto na Lei 9.472/1997 e no
Código de Defesa do Consumidor,
merecem ser restabelecidos. Afasta-
se a possibilidade de indenização
por dano moral, uma vez que o
espólio é ente despersonalizado,
sendo-lhe conferida apenas
capacidade processual, como parte
formal. Recurso provido em parte”
(TJRJ – Acórdão 14.509/2002, Rio de
Janeiro – Décima Quarta Câmara Cível
– Rel. Des. Walter D’ Agostino – j.
17.12.2002).

O mestre Sérgio Cavalieri Filho interpreta de


forma diversa o referido artigo quando diz que a regra
afirma o caráter difuso do direito do consumidor, ou
seja, explica que a norma visa tratar da classe dos
consumidores de forma difusa ou coletiva, permitindo
com isso que esteja amparado pela tutela jurisdicional

50
coletiva. Por isso, teria no CDC previsão tanto da
tutela individual, quanto da coletiva, conforme
artigos 81 e 91 do CDC. Assim, para o renomado Mestre,
entra em cena, portanto, a defesa dos interesses
individuais homogêneos, coletivos e difusos, que podem
ser objeto de ações coletivas, inclusive intentadas
por associações voltadas à proteção dos direitos do
consumidor, Ministério Público etc.

VITIMAS DO ACIDENTE DE CONSUMO

Art. 17 Para os efeitos desta Seção,


equiparam-se aos consumidores todas
as vítimas do evento.

Já o artigo 17 equiparou a vítima do acidente do


consumo (pessoa que foi atingida pelo fato do
produto/serviço – terceiros-vítimas) como consumidor
para os fins de responsabilizar o fornecedor do
produto/serviço defeituoso de forma objetiva.

Quanto aos objetivos protecionistas buscados pelo


legislador consumerista, Zelmo Denari cita as
considerações feitas pela jurista espanhola Parra
Lucan, de seguinte teor: "trata-se de impor, de alguma
forma, ao fornecedor a obrigação de fabricar produtos
seguros, que satisfaçam os requisitos de segurança a
que tem direito o grande público”.

Cabe aqui destacar que, a regra contida no art. 17


do CDC agasalha a proteção ao terceiro que não faz
parte da relação direta de consumo, logo de se
concluir que, se do acidente de consumo restou
prejuízo para qualquer pessoa, mesmo aquelas que não
estariam enquadradas no conceito de consumidor padrão,
o dever de indenizar estará presente, bem como a
aplicação do diploma consumerista. Neste aspecto,
Jaime Marins nos fornece um exemplo bem ilustrativo do
que seja o chamado ‘bystander’ ao relatar o caso de um
comerciante de defensivos agrícolas que se vê
seriamente intoxicado pelo simples ato de estocagem em
decorrência de defeito no acondicionamento do produto
(defeito de produção). Neste caso, embora o
comerciante não seja consumidor stricto sensu, poderá
se socorrer da proteção consumerista.

51
Imagine um pedestre que atropelado em decorrência
deste defeito de fabricação de um veículo adquirido
por um consumidor ou de uma empresa de transporte
coletivo, que após brusca colisão com uma escola,
causa lesão aos seus passageiros e fere diversas
crianças que ali estudavam.

Na realidade o fato do acidente que causou a lesão


aos passageiros foi o mesmo fato que causou a lesão
nas crianças. Ora, não restam dúvidas que os
passageiros são considerados consumidores, logo
poderão valer-se do CDC (e também do Código Civil por
ser mais benéfico ao consumidor por regular o contrato
de transporte), buscando responsabilizar o fornecedor
(empresa de transporte coletivo), pelos danos
causados, utilizando inclusive a responsabilidade
objetiva. E as crianças?

Diante do artigo em comento o CDC chama estas


pessoas (crianças) de vítimas do evento, pois foram
vítimas de um acidente de consumo, vale dizer: foram
vítimas de um serviço defeituoso, que expôs a vida
humana em risco, daí, em razão do critério ex vi
legis, tais pessoas são equiparadas aos consumidores
garantindo-lhes os instrumentos do CDC. Assim, as
crianças também estarão amparadas pelo CDC.

A compreensão dessa modalidade permite inclusive


que um fornecedor se torne consumidor equiparado
quando se tornar vitima do produto que comercializa,
como foi o caso do REsp 1288008 - MG, 2013, no qual o
comerciante foi atingido em seu olho esquerdo pelo
estilhaço de uma garrafa de cerveja que estourou em
suas mãos quando colocava em um freezer, causando
graves lesões. O comerciante foi vitima de um acidente
de consumo.

Nesse sentido, Zelmo Denari afiança que o CDC


demonstra a preocupação com "terceiros" nas relações
de consumo, protegendo os denominados bystanders, vale
dizer, aquelas pessoas estranhas à relação de consumo,
mas que sofreram prejuízo em razão dos defeitos
intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço.

EXPOSTOS ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS

52
Art. 29 Para os fins deste Capítulo
e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às
práticas nele previstas.

Consigna-se ainda, que o produto ou serviço


defeituoso atinge o consumidor (terceiros-expostos)
não só em sua incolumidade física, mas também
psíquica, e para tanto, tem-se a regra do artigo 29 do
CDC.

Leciona Maria Zanardo que o consumidor equiparado


é também a pessoa que foi exposta a uma prática
comercial. Maria Zanardo expõe que práticas comerciais
são técnicas, meios de que o fornecedor se utiliza
para comercializar, vender, oferecer o seu produto ao
consumidor potencial, atingindo a quem se pretende
transformar em destinatário final: o
consumidor/adquirente. Pela sistemática adotada pelo
CDC, a expressão “Práticas Comerciais” abrange desde a
oferta do produto até as cobranças de dívidas.
Estende-se, pois, da pré-venda a pós-venda.

Conforme ensinamentos de Hélio Zaghetto Gama,


equiparam-se ao consumidor na forma do art. 29 do CDC,
as pessoas expostas à oferta, à publicidade, às
práticas comerciais abusivas, às cobranças de dívidas
e aos bancos de dados e cadastros. Com isso, todas as
ilegalidades que os fornecedores praticarem sob esse
enfoque, as vitimas serão equiparadas a consumidor.

Vamos imaginar que uma imobiliária de uma cidade


litorânea anuncia pela imprensa a venda de um
loteamento cujos lotes ficam de frente para o mar, mas
na realidade somente alguns poucos lotes tem essa
característica, pois os demais ficam de frente para um
morro.

Está claro que a imobiliária fez propaganda


enganosa, assim, toda a coletividade é consumidora por
equiparação, pois o número de pessoas atingidas por
essa publicidade é indeterminável. Desta forma todos
que ajuizarem ação contra a imobiliária estarão no
exercício de um legítimo direito por serem
consumidores por equiparação

53
Assim, o artigo 29, assim como o 17, apresenta-se
como regra excepcionadora da abrangência original do
CDC, pois amplia a incidência da legislação
consumerista para além dos restritos limites da
relação de consumo, originada pela relação do
consumidor e fornecedor descritos no caput dos artigos
2° e 3°, respectivamente. Assim, basta que o
consumidor esteja exposto áquelas práticas,
prescindindo, portanto, da efetiva participação da
pessoa na relação juridica de consumo (art. 2°) ou que
seja atingida pelo evento danoso (art. 17).

Conclui-se, que na sistemática adotada pelo Código


de Defesa do Consumidor a definição de consumidor se
alarga, indo além da figura do cosumidor strito sensu
do produto e/ou serviço descrita no caput do art. 2º,
para contemplar toda a coletividade de consumidores,
de acordo com parágrafo único do art. 2°, além das
vítimas do acidente decorrente do fato de produto e/ou
serviço, na forma do art. 17, bem como aqueles que
estejam expostos às práticas consideradas abusivas,
conforme reza o art. 29.

FORNECEDOR
Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa
física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados,
que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação,
construção, transformação,
importação, exportação, distribuição
ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

O art. 3º do CDC conceitua fornecedor como sendo


toda pessoa física ou jurídica nacional ou estrangeira
de direito público ou privado, que atua na cadeia
produtiva, exercendo atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

Conforme vimos anteriormentes, temos como


elementos subjetivos da relação jurídica de consumo, a
figura do consumidor e do fornecedor, onde este último
pode tomar forma de fornecedor real (fabricante,

54
produtor, contrutor e prestador de serviços)
fornecedor presumido (importador) e fornecedor
aparente (comerciante) e devem estar transacionando
produtos ou serviços. Assim, temos que a expressão
fornecedor foi utilizada pelo CDC para designar o
gênero, do qual fabricante, produtor, construtor,
prestador de serviços, importador e comerciante são
espécies.

CONCEITO

Diferente do que ocorre com o consumidor, o


conceito de fornecedor não ganhou grande discussão
doutrinária em razão da amplitude do artigo 3° do CDC,
pois conceitua como fornecedor todas as pessoas,
naturais ou jurídicas, bem como os entes
despersonalizados e os considerados como entes de
personalidade anômala, que mediante suas atividades de
caráter profissional ofereçam no mercado, produtos ou
serviços.

Deste modo, não apenas o fabricante ou produtor


originário, mas também todos os intermediários
(intervenientes, transformadores, distribuidores) e,
ainda, o comerciante, desde que façam disso suas
atividades principais ou profissões, serão tratados
pela lei, como fornecedores. Frisa-se que o rol do
artigo 3º é um rol meramente exemplificativo, mas que
pratica com habitualidade e mediante remuneração.

A determinação precisa de fornecedor tem grande


relevância para caracterizar a relação jurídica de
consumo, pois mesmo que haja na relação o consumidor
como destinatário final do produto ou serviço não será
relação de consumo se a figura do fornecedor não for
encontrada.

Como exemplo, suponha que uma pessoa queira vender


seu carro usado para adquirir um novo e assim o faz.
Diante do conceito de consumidor, anteriormente
estudado, verificamos que o comprador será um
consumidor se adquirir o veiculo como destinatário
final e não para revendê-lo. Entretanto, a relação
jurídica celebrada não estará sob a égide do CDC, pois
o vendedor não será considerado fornecedor já que a
venda não tem caráter atividade profissional. A
atividade tem que ser de caráter profissional

55
habitual, seja cíclica ou continua, como no caso do
estudante que, apesar de ser funcionário de uma
empresa, vende roupas para ajudar a pagar a
mensalidade. Nesse caso, sua atividade de venda é
exercida com características de atividade
profissional, pois faz dela uma atividade regular
ainda que seja realizada de forma cíclica, já que só
vende seus produtos em determinados períodos. Igual
ocorre com os vendedores ambulantes das praias
brasileiras, que trabalham somente alguns meses do
ano.

Assim, o requisito fundamental para a


caracterização da figura do fornecedor é a atividade
profissional habitual remunerada, que pode ser cíclica
ou continua, no exercício contínuo de determinado
serviço ou fornecimento de produto.

DA PESSOA JURÍDICA

Com relação as pessoas jurídicas não há qualquer


exclusão, pois o Código declarou que todas as espécies
de pessoa jurídica, personalizadas ou não, podem ser
fornecedores, ou seja, qualquer pessoa jurídica de
direito público, interno ou externo, privado, nacional
ou estrangeira, poderá figurar na relação jurídica de
consumo na qualidade de fornecedora.

A respeito da finalidade lucrativa ou não da


pessoa jurídica fornecedora, é interessante reproduzir
o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no
sentido de que “Para o fim de aplicação do Código de
Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa
física ou jurídica ou de um entre despersonalizado
como fornecedor de serviços atende aos critérios
puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza
jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até
mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem
fins lucrativos, de caráter beneficente e
filantrópico, bastando que desempenhem determinada
atividade no mercado de consumo mediante remuneração”
(STJ – REsp 519.310/SP – Terceira Turma – Rel. Min.
Nancy Andrighi – j. 20.04.2004). Desse modo, entidades
beneficentes podem perfeitamente ser enquadradas como
fornecedoras ou prestadoras, sem qualquer entrave
material.

56
Com relação a pessoa jurídica estrangeira o artigo
em baila se refere àquela admitida em nosso território
e que, nessa qualidade, presta serviços ou venda
produtos, como no caso da companhia aérea que aqui faz
escalas, ou da companhia teatral estrangeira que vem
ao país para realizar apresentações.

ENTES DESPERSONALIZADOS E DE PERSONALIDADE ANÔMALA

A proteção do CDC subsiste, ainda que o fornecedor


seja um ente despersonalizado, ou seja, entidades
despedidas de personalidade jurídica ou, por analogia,
considerado de personalidade anômala, como nos casos
do espólio e da massa falida.

Por exemplo, a quebra de um fabricante de


televisores não tem o condão de eliminar a garantia do
funcionamento dos aparelhos, bem como afastar a
aplicação do CDC, igualmente ocorreria com a morte de
um prestador de serviço.

DA PESSOA FÍSICA

No que tange a pessoa física, seja ela empresário


individual ou autônomo poderá ser considerado
fornecedor. Assim, o eletricista, encanador,
pedreiro, o vendedor, camelô, vendedor ambulante, etc,
desde que coloquem no mercado, com habitualidade e
profissionalmente, produtos e serviços são
considerados fornecedores.

Para facilitar a compreensão retornemos ao exemplo


acima que considera fornecedor o estudante que vende
roupas para ajudar a pagar a mensalidade escolar ou do
ambulante que vende coco na praia.

Certo, porém que o CDC, no caso dos “profissionais


liberais” prestadores de serviços, o CDC fez uma
ressalva com relação as suas responsabilidades, pois
para eles, em regra necessita da análise da culpa.

Por derradeiro, o CDC utiliza-se de critério


puramente objetivos para definir a figura do
fornecedor, sendo irrelevante a sua natureza jurídica,
assim, mesmo as pessoas que não exploram fins
econômicos, como as associações e fundações, também

57
denominadas de entidades filantrópricas ou
beneficentes, podem ser consideradas fornecedor. Esse
é o entendimento dos nossos trinbunais, conforme REsp
n.° 519.310/SP, em parte transcrito:

“Processo Civil. Recurso Especial.


Sociedade Civil, sem fins lucrativos
de carárter beneficente e
filantrópico. Prestação de serviços
médicos, hospitalares, odontológicos
e jurídicos aos seus associados.
Relação de consumo caracterizada.
Possibilidade de aplicação do Código
de Defesa do Consumidor.”

O estatuto de torcedor equipara a fornecedor os


organizadores do evento ou aquele que possui o mando
de campo, por outro lado, o torcedor é considerado
consumidor. Segundo o STJ, o STJD não é equiparado a
fornecedor.
Na verdade, o que interessa mesmo na
caracterização do fornecedor ou prestador é o fato de
ele desenvolver uma atividade, que vem a ser a soma de
atos coordenados para uma finalidade específica, como
bem pontua Antonio Junqueira de Azevedo:

“‘Atividade’, noção pouco trabalhada


pela doutrina, não é ato, e sim
conjunto de atos. ‘Atividade’ foi
definida por Túlio Ascarelli como a
‘série de atos coordenáveis entre
si, em relação a uma finalidade
comum’ (Corso di diritto
commerciale. 3. ed. Milano: Giuffrè,
1962. p. 147). Para que haja
atividade, há necessidade: (i) de
uma pluralidade de atos; (ii) de uma
finalidade comum que dirige e
coordena os atos; (iii) de uma
dimensão temporal, já que a
atividade necessariamente se
prolonga no tempo. A atividade, ao
contrário do ato, não possui
destinatário específico, mas se
dirige ad incertam personam (ao
mercado ou à coletividade, por

58
exemplo), e sua apreciação é
autônoma em relação aos atos que a
compõem”.

A par dessa construção, se alguém atuar de forma


isolada, em um ato único, não poderá se enquadrar como
fornecedor ou prestador, como na hipótese de quem
vende bens pela primeira vez, ou esporadicamente, com
ou sem o intuito concreto de lucro. Como bem observa
José Fernando Simão, há, na relação de consumo, o
requisito da habitualidade, retirado do conceito de
atividade, sendo interessante a ilustração do jurista:

“O sujeito que, após anos de uso do


carro, resolve vendê-lo, certamente
não será fornecedor nos termos do
Código de Defesa do Consumidor.
Entretanto, se o mesmo sujeito tiver
dezenas de carros em seu nome e
habitualmente os vender ao público,
estaremos diante de uma relação de
consumo e ele será considerado
fornecedor”.

Pelo mesmo raciocínio, não pode ser tido como


fornecedor aquele que vende esporadicamente uma casa,
a fim de comprar outra, para a mudança de seu
endereço. Do mesmo modo, alguém que vende coisas
usadas, de forma isolada, visando apenas desfazer-se
delas. Ainda, para a visualização da atividade do
fornecedor, pode servir como amparo o art. 966 do
Código Civil, que aponta os requisitos para a
caracterização do empresário, in verbis:

“Considera-se empresário quem exerce


profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens ou de
serviços.” Na doutrina empresarial,
merecem atenção os comentários no
sentido de que não se pode falar em
atividade quando há o ato ocasional
de alguém, mas, sim, em relação
àquele que atua “de modo sazonal ou
mesmo periódico, porquanto, neste
caso, a regularidade dos intervalos
temporais permite que se entreveja

59
configurada a habitualidade”.7 A
mesma conclusão serve para a relação
de consumo, visando a caracterizar o
fornecedor de produtos ou prestador
de serviços, em um mais um diálogo
de complementaridade entre o CDC e o
CC/2002. Ato contínuo de estudo, a
atividade desenvolvida deve ser
tipicamente profissional, com
intuito de lucro direto ou vantagens
indiretas.8 A norma descreve algumas
dessas atividades, em rol meramente
exemplificativo (numerus apertus),
eis que a Lei Consumerista adotou um
modelo aberto como regra dos seus
preceitos.

Vejamos, com as devidas exemplificações:

Atividade de produção – caso dos fabricantes de


gêneros alimentícios industrializados.
Atividade de montagem – hipótese das montadoras de
automóveis nacionais ou estrangeiras.
Atividade de criação – situação de um autor de
obra intelectual que coloca produtos no mercado.
Atividade de construção – caso de uma construtora
e incorporadora imobiliária.
Atividade de transformação – comum na panificação
das padarias, supermercados e afins.
Atividade de importação – como no caso das
empresas que trazem veículos fabricados em outros
países para vender no Brasil.
Atividade de exportação – caso de uma empresa
nacional que fabrica calçados e vende seus produtos no
exterior.
Atividades de distribuição e comercialização – de
produtos e serviços de terceiros ou próprios,
desenvolvidas, por exemplo, pelas empresas de
telefonia e pelas grandes lojas de eletrodomésticos.

Por fim, em um sentido de ampliação ainda maior, a


doutrina construiu a ideia do fornecedor equiparado. A
partir da tese de Leonardo Bessa, tal figura seria um
intermediário na relação de consumo, com posição de
auxílio ao lado do fornecedor de produtos ou prestador
de serviços, caso das empresas que mantêm e
administram bancos de dados dos consumidores.

60
A categoria conta com o apoio da nossa melhor
doutrina, caso de Claudia Lima Marques, que cita o seu
exemplo do estipulante profissional ou empregador dos
seguros de vida em grupo e leciona:

“A figura do fornecedor equiparado,


aquele que não é fornecedor do
contrato principal de consumo, mas é
intermediário, antigo terceiro, ou
estipulante, hoje é o ‘dono’ da
relação conexa (e principal) de
consumo, por deter uma posição de
poder na relação outra com o
consumidor. É realmente uma
interessante teoria, que será muito
usada no futuro, ampliando – e com
justiça – o campo de aplicação do
CDC”.

A construção, do mesmo modo, conta com a adesão


deste autor, sendo certo que há decisão do Tribunal
Mineiro que equiparou o órgão que mantém o cadastro à
instituição financeira em relação de consumo:

“Indenização. Fornecedor.
Contratação de empréstimo e
financiamento. Fraude. Negligência.
Injusta negativação. Dano moral.
Montante indenizatório.
Razoabilidade e proporcionalidade.
Prequestionamento. Age
negligentemente o fornecedor,
equiparado à instituição financeira,
que não prova ter tomado todos os
cuidados necessários, a fim de
evitar as possíveis fraudes
cometidas por terceiro na
contratação de empréstimos e
financiamentos. (…)” (TJMG –
Apelação cível 1.0024.08.958371-
0/0021, Belo Horizonte – Nona Câmara
Cível – Rel. Des. José Antônio Braga
– j. 03.11.2009 – DJEMG 23.11.2009).

Mais recentemente, na mesma linha, o Tribunal do


Paraná aplicou o conceito de fornecedor equiparado

61
para o agente financeiro, responsável pelo empréstimo
visando à aquisição do bem de consumo. Do negócio
decorreu a inscrição indevida do consumidor no
cadastro de inadimplentes, o que gerou a
responsabilização solidária dos dois envolvidos na
contratação.
Nos termos da ementa:

“Aplicação do CDC. Fornecedor


equiparado. Inversão do ônus da
prova. Fatos aduzidos na inicial não
refutados pela ré. Apelação (2).
Agente financeiro. Integrante da
cadeia de fornecedores do produto.
Mútuo coligado à compra e venda.
Responsabilização solidária pelos
danos decorrentes da relação
jurídica comerciante consumidor.
Inscrição indevida nos órgãos de
restrição ao crédito. Dano moral in
re ipsa. Prescindibilidade da
comprovação do dano. Cobrança
abusiva. Inversão do ônus da prova.
Fatos adesivo. Autora. Majoração dos
danos morais. Pedido não acolhido.
Responsabilização autônoma da
terceira ré que aumenta o valor a
ser recebido pela autora. Termo
inicial dos juros de mora.
Responsabilidade contratual. Juros
contados da citação. Devolução do
sofá. Impossibilidade. Vedação ao
enriquecimento sem causa. Parcelas
quitadas não foram objeto do pedido
inicial. Apelação Cível 1 e Recurso
adesivo conhecidos e parcialmente
providos. Apelação Cível 2 conhecida
e não provida” (TJPR – Apelação
Cível 1284659-8, Londrina – Oitava
Câmara Cível – Rel. Des. Guilherme
Freire de Barros Teixeira – DJPR
24.02.2015, p. 335).

Do Tribunal Gaúcho, igualmente com conteúdo


interessante e na mesma linha do último aresto, foram
considerados fornecedores equiparados os dois entes

62
relacionados com o contrato de empréstimo de dinheiro
para funcionários públicos. Vejamos a sua ementa, com
destaque especial:

“Recurso inominado. IPERGS.


Instituto de Previdência do Estado
do Rio Grande do Sul. FUSEPE.
Fundação dos Servidores Públicos do
Estado do Rio Grande do Sul.
Pretensão de cancelamento de
desconto de contribuição associativa
e devolução em dobro de valores
indevidamente descontados.
Litisconsórcio passivo necessário.
Inocorrência. Prazo para expedição
de RPV. Lei Estadual nº 13.756/2011.
Sentença reformada em parte. No
tocante à preliminar de
litisconsórcio passivo necessário,
para a formação do qual a Lei exige
seja ele unitário ou expressamente
previsto, vislumbra-se evidente que
a relação jurídica discutida não se
enquadra em nenhuma dessas
hipóteses, na medida em que a parte
demandante sofria descontos de
valores que eram repassados pelo
IPERGS à FUSEPE, a título de
contribuição para a manutenção da
qualidade de associado, condição
necessária para a fruição do
empréstimo bancário que a referida
fundação intermediava para os seus
associados. Relação, portanto,
diversa da que estava constituída
entre a parte demandante e o banco
privado. Caso concreto em que a
parte autora encaminhou, na via
administrativa, de forma expressa, o
pedido de cancelamento da cobrança
de contribuição à FUSEPE, após o
total adimplemento do contrato de
empréstimo intermediado, razão pela
qual, diante do direito de não ser
compelida a manter-se filiada – Art.
8º, V, CF/88 – Têm-se por indevidas
as cobranças realizadas a partir do

63
protocolo do pedido de desligamento.
Pela aplicação do conceito de
fornecedor equiparado, tendo os
demandados participado de alguma
forma da execução do contrato de
mútuo bancário que configura relação
de consumo, cabível a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor para
obrigar a parte demandada à
devolução em dobro dos valores
indevidamente descontados, a teor do
artigo 42, parágrafo único, do CDC,
na medida em que à conduta lesiva
não se pode conferir a qualidade de
erro justificável. (…)” (TJRS –
Recurso Cível 0058556-
77.2015.8.21.9000, Caxias do Sul –
Segunda Turma Recursal da Fazenda
Pública – Rel. Des. Mauro Caum
Gonçalves – j. 26.08.2016 – DJERS
27.09.2016).

Com tal interessante conceito, que deve ser


incrementado nos próximos anos, encerra-se o estudo do
fornecedor como elemento subjetivo da relação de
consumo.

OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: PRODUTO E SERVIÇOS

PRODUTO

O objeto de uma relação jurídica é o elemento em


razão do qual a relação se constitui e sobre a qual
recai tanto a exigência do credor, como a obrigação do
devedor, podendo ser tanto uma coisa quanto uma
prestação. Na relação de consumo, esse objeto, é
determinado na atividade humana de dar um produto ou
de realizar um serviço por parte do fornecedor.

Destarte, uma relação jurídica de consumo será


caracterizada pela presença em um de seus pólos do
consumidor padrão, assim definido pelo caput do artigo
2°, no outro polo, o fornecedor, assim definido pelo
caput do artigo 3° e, finalmente, pela existência de
um vínculo jurídico de direito material decorrente da

64
celebração de contrato de fornecimento de produto
(art. 3° § 1°) ou prestação de serviço. (art. 3° §
2°).

Conceito de produto

O § 1º do art. 3º do CDC define:


“produto é qualquer bem, móvel ou
imóvel, material ou imaterial.”

Assim, produto corresponde ao elemento objetivo da


relação de consumo, isto é, o objeto sobre o qual
recai a relação jurídica.

O CDC conceitua produto como sendo qualquer bem,


novo ou usado, seja ele móvel, imóvel, material ou
imaterial (ambiente virtual, softwares), suscetível de
apropriação e que seja destinado a satisfazer uma
necessidade do consumidor, isto é, aquilo que resulta
do processo de produção ou fabricação. Diante do
dialogo das fontes, como o CDC não traz o que é bem
móvel ou imóvel, utilizam-se os artigos 79 a 84 do CC.

Bens, portanto, podem ser definidos como coisa


que, diante da sua utilidade e raridade, passam a ter
valor econômico e tornam-se suscetíveis de apropriação
pelo homem.

VALOR ECONÔMICO

Produto necessariamente deve possuir valor


econômico, sendo o bem jurídico objeto de direito
subjetivo, que goza de tutela jurídica e que possui
natureza patrimonial, portanto devem ser raros e
uteis. Assim estão excluídos como objeto os bens sem
apreciação econômica, indisponíveis ou fora de
comércio, tais como o nome, a vida, os órgãos e
tecidos do corpo humano os quais estão fora do âmbito
de aplicação do CDC.

Repisa-se que a exigência é que o produto tenha


valor econômico, isto não quer dizer que o consumidor
tenha que, necessariamente, pagar por ele, como
exemplo das promoções leve dois e pague um.

AMOSTRA GRÁTIS

65
A única referência à amostra grátis que o CDC faz
é aquela do parágrafo único do artigo 39, que serve
apenas para liberar o consumidor de qualquer
pagamento. Não obstante, analogicamente, deve
ressaltar que a amostra grátis também está submetida
as exigências legais de qualidade, garantia,
durabilidade, proteção contra vício, defeitos, etc.,
pois apesar de ter sido pago pelo consumidor, possui
valor econômico.

MATERIAL OU IMATERIAL

A segunda característica do produto é diz respeito


sua materialidade ou imaterialidade. O diploma
consumerista não restringe os produtos quanto à
materialidade.

Esta divisão era originária do direito romano -


res corporales - em que as coisas corpóreas eram as
que podiam ser tocadas pelas mãos, sendo a
tangibilidade sua característica fundamental. Nosso
direito moderno, conservou a referida denominação, que
aqui equivale a material.

Insta salientar, quase sempre os produtos


imateriais estarão ligados a serviços, como por
exemplo, pacote de turismo, mútuo bancário, energia
elétrica, gás natural, pacotes de telefonia, etc..
Cediço, aliás, que não se vende um produto, seja ele
material ou imaterial, sem serviço. Os gases, o fundo
de comércio com os bens que compõem, etc.
Entretanto os programas de computador ou softwares
se encaixam nessa concepção de bem imaterial.

Assim, atente-se ao fato de que os produtos


digitais também podem ser englobados pela Lei
Protetiva do consumidor, caso de programas de
computador ou softwares.

Para concretizar, vejamos decisão do Tribunal de


Minas Gerais, em que se discutiu a aplicação do CDC
para a aquisição de programas de computador por
escritório de advocacia, prevalecendo, ao final, a
teoria finalista aprofundada ou maximalista:

“Direito do consumidor. Programa de


computador. Software. Consumidor.

66
Relação entre sociedade de advogados
e empresa de software. Aplicação do
Código de Defesa do Consumidor.
Teoria finalista mitigada. Da
responsabilidade pelo fato do
produto e do serviço. Inadimplemento
total da obrigação. Prescrição
quinquenal. Voto vencido. O
consumidor intermediário, por
adquirir produto ou usufruir de
serviço com o fim de, direta ou
indiretamente, dinamizar ou
instrumentalizar seu próprio negócio
lucrativo, não se

MÓVEL OU IMÓVEL

De acordo com a definição tradicional, imóveis são


as coisas que não podem ser transportadas sem
destruição, de um lugar para outro. Móveis, em
oposição, são bens que, sem deterioração na substância
ou na forma, podem ser transportados de um lugar a
outro, por força própria ou estranha. Assim os bens
móveis abrangem os semoventes, (animais) e os móveis
propriamente ditos (moedas, produtos, ou mercadorias).

Por isso, conclui-se que os produtos, quer de


natureza material ou imaterial, quer móveis ou
imóveis, serão objeto da relação de consumo, bastando
para isso que possuam existência própria e sejam
dotados de valor econômico.

DURÁVEL E NÃO DURÁVEL

Os conceitos de produto durável e não durável


aparecem na seção que trata da decadência e
prescrição, especificamente no artigo 26, I e II, pois
os prazos decadenciais serão menores para os não
duráveis e maiores para os duráveis. Portanto, serão
tratados na oportunidade em que analisarmos tais
temas. Entretanto, segue um breve conceito dos mesmos,
a iniciar pelo durável. Como o próprio nome sugere,
produto durável é aquele que não se extingue com o
uso, ou seja, ele dura e leva tempo para se desgastar,
mas não é eterno. Assim, seriam duráveis os livros,
roupas, automóveis, equipamentos eletrônicos, etc. Até
mesmo um imóvel construído desgasta com o tempo. Para

67
alguns doutrinadores apenas o terreno seria um produto
que não sofreria desgaste com o tempo.

Por esse razão, o desgaste natural não poderia ser


considerado um vício do produto e, por esse motivo,
não há proteção legal para o desgaste natural, salvo
se o fabricante tenha assumido certo prazo de
funcionamento, quando a proteção passa a ser
contratual.

Por sua vez, produto não durável, é aquele que


acaba com o uso, ou seja, não possui qualquer
durabilidade, pois quando usado, ele se extingue ou,
ao menos, vai se extinguindo. A extinção poderá ser
imediata, como os produtos alimentícios in natura,
como a pesca, grão, vegetais, ou enlatados,
engarrafados, os remédios, cosméticos etc., ou,
paulatina, como sabonete, caneta, etc.

Assim, o que diferencia um produto durável do não


durável é a maneira de extinção enquanto é utilizado,
pois enquanto aquele (durável) permanece tal como era
após ser utilizado, o não durável perde totalmente ou
parcialmente a sua existência com o uso ou vai.

A sua distinção interessa de perto ao estudo da


decadencia, pois o CDC estabelece prazos distintos
para reclamação por vício do produto ou serviço, sendo
mais curtos para os não duráveis e mais longos para os
duraveis.

SERVIÇO
CDC Art. 3º (...)
§ 2º - Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as
de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter
trabalhista.

Assim, percebe-se que o objeto da relação jurídica


de consumo não está restrito apenas as coisas, mas
abrange também as atividades ou ações humanas desde
que alguém deva fazer ou não fazer ou obrigue-se a dar
alguma coisa. À essa atividade – física ou intelectual
– praticada pelo homem, através do seu trabalho,

68
mediante remuneração direta ou indireta, denomina-se
serviço.

Inicialmente, vale esclarecer que o rol do artigo


é meramente exemplificativo, mesmo porque o parágrafo
em questão utiliza a expressão “qualquer”. Dessa
forma, serviço é qualquer atividade prestada no
mercado de consumo mediante remuneração.

Os serviços objeto da relação de consumo podem ser


de três tipos:

• Materiais: reparação, hotelaria, transporte, etc.


• Financeiros: seguro, crédito, etc.
• Intelectual: médico, ar, etc.

SERVIÇO DURÁVEL E NÃO DURÁVEL

Apesar do conceito de serviço conduzir ao


enquadramento de uma atividade não durável, o mercado
acabou criando os chamados serviços duráveis, assim
considerados àqueles que tiverem sido estabelecidos no
contrato de prestação, como contínuo a exemplo dos
educacionais, de saúde, fornecimento de energia, etc.,
ou os que deixarem como resultado um produto, como
pintura, buffet, etc. Com isso, o CDC também regulou
os serviços como duráveis e não duráveis, no mesmo
artigo 26, I e II, que adiante será estudado.

REMUNERAÇÃO
A característica principal do serviço, para
incidência do CDC, é a remuneração.
Para efeitos de proteção do Código do Consumidor
os serviços devem ser prestados de forma profissional
e habitual, no mercado de consumo, mediante
remuneração, excluindo-se os de caráter trabalhista e
fiscal, conforme veremos a seguir.

Afasta-se, pois, a incidência do CDC sobre os


serviços de natureza trabalhista, remunerados por
tributo, os tidos como sociais e os exercidos a título
gratuito.

Assim, a proteção do CDC não será estendida aos


casos de serviços não remunerados. Nesse sentido,
podemos afirmar que a característica marcante da
definição de serviço, para fins de proteção do

69
consumidor, é a que os mesmos devem ser prestados
mediante remuneração, exceto, os de caráter
trabalhista e fiscal.

No entanto, a expressão mediante remuneração é


interpretada de forma bastante ampla pela doutrina e
pela jurisprudência, abrangendo a remuneração direita
e indireta, conforme segue:

• Remuneração direta: ou seja, quando o consumidor


efetua o pagamento diretamente ao fornecedor. Assim,
identifica-se a remuneração direta como a
contraprestação pecuniária do consumidor diretamente
ao fornecedor. Por exemplo, o consumidor vai ao
fornecedor (loja) e adquire um sapato e paga o preço
por tal produto.

• Remuneração indireta: quando uma relação onerosa


principal oferece vantagens aparentemente gratuitas,
mas que ocorrem em decorrência de outra relação
principal, onerosa. É o caso dos pontos derivados de
cartão fidelidade, dos estacionamentos em
shoppingcenters, lojas e supermercados, do serviço
gratuito de instalação de som no automóvel,
manobristas, transportes gratuitos para estudante de
escola pública, idoso e deficiente físico, atendimento
em hospitais beneficentes etc. Sem dúvida, haverá
nestes casos, a incidência das regras contidas no CDC
apesar de ser a remuneração indireta, pois todos esses
serviços não são considerados gratuitos já que, por
serem facilidades utilizadas para atrair potenciais
clientes, os custos estão embutidos no preço do que
foi pago ou subsidiado por alguém, como nos exemplos,
na anuidade do cartão, compras no Shopping, no som, do
atendimento hospitalar em rede beneficente que recebe
verba pública ou privada, etc.

É o que foi decidido no seguinte caso:

“Indenização por danos materiais.


Furto em estacionamento.
Legitimidade passiva do
supermercado. Terceirização do
estacionamento. Irrelevância.
Exoneração de responsabilidades
estabelecida entre o supermercado e
a empresa terceirizada não pode ser

70
oposta ao consumidor. Solidariedade
decorrente de lei. Furto Comprovado.
A disponibilização de estacionamento
visa angariar a clientela, ensejando
a configuração de depósito irregular
e consequente dever de guarda e
vigilância, pouco importando tratar-
se de estacionamento gratuito.
Lucros cessantes afastados. Dano
material correspondente ao valor do
veículo furtado. Sentença
parcialmente procedente. Recurso não
provido” (TJSP – Apelação 0097300-
21.2007.8.26.0000 – Acórdão 4895504,
São Paulo – Décima Câmara de Direito
Privado – Rel. Des. Antonio Manssur
– j. 18.11.2010 – DJESP 24.02.2011).

“Civil. Apelação. Ação de


indenização. Furto de motocicleta em
supermercado. Responsabilidade civil
da empresa configurada. Dever de
guarda e vigilância. Dano material.
Arts. 14 e 29 do CDC. Aplicação.
Indenização cabível. Súmula 130 do
STJ. Dever de indenizar.
Responsabilidade civil do Estado.
Não configuração. Recurso conhecido
e não provido. O estabelecimento que
permite, mesmo a título gratuito, o
estacionamento de veículo em seu
pátio, tem responsabilidade pela
guarda e vigilância do bem, e
responde por qualquer dano causado.
Nos termos do art. 14 do CDC, o
fornecedor de serviços ou de
produtos responde para com o
consumidor em caso de dano,
independentemente de culpa. A teor
do art. 29 do CDC, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às
práticas nele previstas. O furto de
veículo em estacionamento privativo
de empresa gera a obrigação de
indenizar conforme prevê a Súmula
130 do STJ. Não há como imputar ao

71
Estado a responsabilidade por
prejuízo sofrido pelo furto ocorrido
em estacionamento privado de
supermercado. Recurso conhecido e
não provido” (TJMG – Apelação Cível
1.0702.06.285022-8/0011, Uberlândia
– Décima Sétima Câmara Cível – Rel.
Des. Márcia de Paoli Balbino – j.
24.04.2008 – DJEMG 09.05.2008).

Furto de veículo em estacionamento


de supermercado. Responsabilidade
civil decorrente do dever de prestar
segurança. Aplicação da Súmula 130
do STJ. Incidência do Código de
Defesa do Consumidor. Dano Moral in
re ipsa. Indenização por danos
materiais arbitrada em R$15.855,42 e
de R$5.000,00 por danos morais.
Sentença mantida. (BRASIL. TJRJ. 4ª.
CC. Des. Sidney Hartung. J.
08/04/2008 Ap. Civ. 2008.001.1112)

Súmula 130 do STJ.


“Direito civil. Responsabilidade
civil. Furto em estacionamento.
Shopping center. Veículo pertencente
a possível locador de unidade
comercial. Existência de vigilância
no local. Obrigação de guarda.
Indenização devida. Precedentes.
Recurso provido. I. Nos termos do
enunciado n. 130/STJ, ‘a empresa
responde, perante o cliente, pela
reparação de dano ou furto de
veículo ocorridos em seu
estacionamento’. II. A
jurisprudência deste Tribunal não
faz distinção entre o consumidor que
efetua compra e aquele que apenas
vai ao local sem nada despender. Em
ambos os casos, entende-se pelo
cabimento da indenização em
decorrência do furto de veículo. A
responsabilidade pela indenização
não decorre de contrato de depósito,
mas da obrigação de zelar pela

72
guarda e segurança dos veículos
estacionados no local,
presumivelmente seguro” (STJ – REsp
437.649/SP – Quarta Turma – Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira –
j. 06.02.2003 – DJ 24.02.2003, p.
242).

Outro exemplo que envolve as vantagens indiretas


ao prestador é o sistema de milhagens ou de pontuação
em companhias áreas, que igualmente serve como um
atrativo aos consumidores, ou até mesmo como uma
publicidade.

Nesse sentido:

TJPE – Apelação 0188732-5, Recife –


Sexta Câmara Cível – Rel. Des.
Eduardo Augusto Paura Peres – j.
11.03.2010 – DJEPE 05.05.2010).
Fornecendo amparo doutrinário a essa
forma de pensar, na VI Jornada de
Direito Civil, em 2013, foi aprovado
o Enunciado n. 559 do CJF/STJ,
segundo o qual “no transporte aéreo,
nacional e internacional, a
responsabilidade do transportador em
relação aos passageiros gratuitos,
que viajarem por cortesia, é
objetiva, devendo atender à integral
reparação de danos patrimoniais e
extrapatrimoniais”. A menção à
reparação integral segue a linha
exposta neste livro, de afastar
qualquer tarifação da indenização
nas relações de consumo.

Tal fato se dá em razão de que tudo tem um custo e


este custo acaba sendo repassado ao consumidor. Assim,
se um restaurante não cobra o cafezinho, não é mendaz
a firmar que o seu custo já está embutido no preço dos
demais produtos.

O STJ, no Resp 566.468/RJ, firmou entendimento de


que é possível que haja remuneração indireta, vejamos
um trecho do julgado:

73
STJ: inexiste violação ao art. .3,§2º,
do Código de Defesa do Consumidor,
portanto, para a caracterização da
relação de consumo, o serviço pode ser
prestado pelo fornecedor mediante
remuneração obtida de forma indireta.

Dessa forma, os serviços cujo pagamento ocorre


indiretamente (aparentemente gratuitos), em nada se
confundem com os puramente gratuitos, estes sim estão
afastados da incidência do CDC, que seriam prestados
no exclusivo interesse do beneficiario, sem nenhuma
vantagem financeira do executor.

PÚBLICO OU PRIVADO

O CDC aplica-se ainda a certos serviços públicos,


tradicionalmente regulados pelo Direito
Administrativo, nos termos do artigos 4.º, VII, 6º, X
e 22 do CDC. O artigo dispõe que os órgãos públicos,
por sí ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de
impreendimentos são obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos.

Porém não é qualquer serviço publico que será


objeto da relação de consumo, mas apenas aquele que é
possível identificar o usuário e quando for possível
mensurar a prestação dos serviços público, a exemplo
do serviço de agua, esgoto, telefonia, transporte,
etc. Por outra banda, os serviços indivisíveis e
imensuráveis, não são abrangidos pelo CDC, a exemplo
do serviço de iluminação pública. Igualmente, os
serviços próprios do Estado (saúde, educação,
segurança pública) não podem ser tutelados pelo CDC,
diante da ausência da relação de consumo.

O regime jurídico do CDC será aplicável aos


serviços públicos sempre que estes observem o
requisito do recebimento de contra-prestação (tarifa
ou preço público) em dinheiro, destinada
especificamente para a prestação recebida, denominados
de serviços uti singuli, como vimos acima. Significa,
que os serviços públicos financiados através dos

74
tributos em gerais para fomentar as atividades
próprias do Estado, não são objeto de relação de
consumo, bem como aqueles serviços uti univesi, ou
seja difusos decorrentes das atividade precípua do
Estado, visando ao bem comum, tal como ocorre com a
Educação Pública, Saúde, saneamento básico, segurança,
etc., quando serão aplicados o Art. 37 parágrafo 6º da
CF de 1988.

Nesse sentido, somente os serviços públicos


impróprios remunerados com preços públicos ou tarifas
especificas e proporcionais à prestação recebida que
integram o conceito de serviço do CDC. Visto que estes
pagamentos são opcionais, oriundos da relação
contratual na qual impera a manifestação de vontade,
podendo o particular interromper o contrato quando
quiser. O contrário ocorre com os tributos, pois a
própria lei (art. 3° CTN) afirma o seu caráter
compulsório. Assim são serviços públicos sob a égide
do CDC: luz, telefonia, correios, pedágio, alguns
deles operados por empresas ou entidades
governamentais, outros objetos de concessão a empresas
privadas, mas remunerados por tarifas ou preços
públicos.

Tarifa é, portanto, a remuneração facultativa


oriunda de relação contratual na qual impera a
manifestação da vontade, podendo o particular
interromper o contrato quando quiser.

Assim, não se pode confundir taxa com tarifa ou


preço público, aliás, o STF editou a Súmula n.° 545,
nesse sentido, pois afirma que: Se o serviço Público é
remunerado por taxa, não podem as partes cessar a
prestação ou contraprestação por conta própria,
característica só pertinente às relações contratuais,
na esfera do direito civil.

Conlui-se que é a partir do sistema da remuneração


que se define a natureza da relação de serviço público
prestado, fazendo com que o CDC incida apenas sobre as
relações remuneradas por tarifa ou preço público,
conforme decisão do STJ, proferida no Resp n;°
525.520/AL.

Cabe ainda ressaltar que, aos serviços públicos


impróprios, a lei consumerista consagra dois

75
dispositivos, o art. 6, X, e o art. 22, abaixo
transcritos:
Art. 6º São direitos básicos do
consumidor (...)
X – a adequada e eficaz prestação
dos serviços públicos em geral.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si


ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer
outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços
adequados, eficientes, seguros e,
quanto aos essenciais, contínuos.

SERVIÇO NOTARIAL
Atualmente, o STJ possui precedente afastando a
aplicação do CDC aos serviços notarias, sob o
argumento de que o STF entende que as custas e
emolumentos possuem natureza administrativo-tributária
e por isso não há como reconhecer a relação e consumo,
pois no lugar de consumidor há contribuinte, bem como
não há como considerar que os cartórios de notas e
registros sejam fornecedores, eis que seus serviços
não integram o mercado de consumo.

MERCADO DE CONSUMO

Além do que foi dito acima, a atividade


profissional deve ser desenvolvida no mercado de
consumo, espaço de negócio não institucional no qual
se desenvolvem atividades econômicas próprias de ciclo
de produção e comercialização dos produtos ou de
serviços.

Com esse entendimento, o STJ já afastou a


aplicação do CDC para os seguintes casos:

- Serviços advocatícios
- Contratos de crédito educativo
- Relação condominial
- Locação predial urbana
- Contratos de autogestão de serviço de saúde
- Previdência privada complementar fechada (Súmula
563)

76
Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável às entidades abertas de previdência
complementar, não incidindo nos com tratos
previdenciários celebrados com entidades fechadas.

CONTRATOS DE AUTOGESTÃO DE SERVIÇO DE SAÚDE

Para o Superior Tribunal de Justiça, não são


abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor os
contratos de autogestão dos serviços de saúde.
Conforme acórdão prolatado no ano de 2016, pela
Segunda Seção da Corte, “a operadora de planos
privados de assistência à saúde, na modalidade de
autogestão, é pessoa jurídica de direito privado sem
finalidades lucrativas que, vinculada ou não à
entidade pública ou privada, opera plano de
assistência à saúde com exclusividade para um público
determinado de beneficiários. A constituição dos
planos sob a modalidade de autogestão diferencia,
sensivelmente, essas pessoas jurídicas quanto à
administração, forma de associação, obtenção e
repartição de receitas, diverso dos contratos firmados
com empresas que exploram essa atividade no mercado e
visam ao lucro. Não se aplica o Código de Defesa do
Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado
por entidade de autogestão, por inexistência de
relação de consumo” (STJ – REsp 1.285.483/PB – Segunda
Seção – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 22.06.2016
– DJe 16.08.2016).
Nos termos do voto do Ministro Relator, “a
inegável diferença estrutural existente entre os
planos de saúde oferecidos pelas entidades
constituídas sob aquele modelo, de acesso restrito a
um grupo determinado, daqueles comercializados por
operadoras que oferecem seus produtos ao mercado geral
e objetivam o lucro, ensejam a retomada do tema e
encorajam submeter a questão ao criterioso exame desta
Seção”.

Não se olvide que, pelo Novo CPC, tal decisão


vincula os advogados (art. 332, inciso III) e os
julgadores de primeira e segunda instâncias (art. 489,
§ 1º, inciso VI). Em suma, tal posição deve ser
considerada majoritária e consolidada, para os devidos
fins práticos.

77
Conforme visto acima, apenas os serviços públicos
divisíveis e mensuráveis serão objetos de uma relação
de consumo protegida pelo CDC, desde que remunerados
por tarifa ou preço público. O art. 22 do CDC impõe
uma série de exigências aos fornecedores de serviços
públicos, vejamos:

Art. 22. Os órgãos públicos,


por si ou suas empresas,
concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a
fornecer serviços adequados1,
eficientes2, seguros3 e, quanto aos
essenciais, contínuos4. Parágrafo
único. Nos casos de descumprimento,
total ou parcial, das obrigações
referidas neste artigo, serão as
pessoas jurídicas compelidas a
cumpri-las e a reparar os danos
causados, na forma prevista neste
código.

ADEQUADOS: o dever de qualidade-adequação também é


imposto ao serviço público, o qual deve ter um bom
desempenho, sendo adequado ao fim a que se
destina;

EFICIENTES: bom desempenho a um baixo custo;

SEGUROS: dever de qualidade-segurança, não podem


colocar em risco o consumidor;

CONTÍNUOS: refere-se aos serviços públicos


considerados essenciais (art. 10 da Lei
7.783/1989), utiliza este artigo por analogia, eis
que o CDC não prevê.
Art. 10 - São considerados serviços
ou atividades essenciais: I -
tratamento e abastecimento de água;
produção e distribuição de energia
elétrica, gás e combustíveis; II -
assistência médica e hospitalar; III
- distribuição e comercialização de
medicamentos e alimentos; IV -
funerários; V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto

78
e lixo; VII - telecomunicações; VIII
- guarda, uso e controle de
substâncias radioativas,
equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados
a serviços essenciais; X - controle
de tráfego aéreo; XI compensação
bancária.

INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO PUBLICO ESSENCIAL

É possível a interrupção de serviço público essencial


em razão do inadimplemento do consumidor? Parte da
doutrina entende que não é possível a interrupção,
tendo em vista que o art. 22 do CDC exige que sejam
prestados de forma continua. Posição diversa defende a
possibilidade, pois o art. 22 do CDC refere-se a
disponibilidade do serviço público para toda a
coletividade, sendo possível a interrupção para o
usuário inadimplente, até mesmo para que o serviço
seja mantido aos demais.

O STJ entende que é possível a interrupção, quando,


após o aviso, o consumidor continua inadimplente.

Administrativo. Energia elétrica. Corte. Falta de


pagamento. É lícito à concessionária interromper o
fornecimento de energia elétrica, se, após aviso
prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer
inadimplente no pagamento da respectiva conta (L.
8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II).

Destacam-se a seguir alguns entendimentos, do STJ,


sobre serviço público:

• Interrupção do serviço público essencial em caso


de inadimplência do consumidor. É possível?

É possível o corte que: 1) seja precedido de aviso


prévio; 2) não se trate de dívidas antigas;3) não se
trate de dívida referente a suposta fraude em medidor
contestada em juízo pelo consumidor; e 4) não haja
riscos de lesões à integridade física do usuário,
especialmente quando este se encontrar em estado de
miserabilidade em respeito à dignidade da pessoa
humana.

79
• Interrupção do serviço público essencial em caso
de inadimplência de pessoa jurídica de direito público
consumidora.

É possível o corte, desde que preservadas as


unidades públicas provedoras de necessidades
inadiáveis as comunidades* (hospitais, prontos-
socorros, centros de saúde, escolas e creches). Como
também ser feito mediante aviso prévio.

Obs.: Necessidades inadiáveis da comunidade são


aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo
iminente a sobrevivência, saúde ou segurança da
população (art. 11, parágrafo único, da Lei
7.783/1989).

Destarte, embora a parte final do artigo 22


estabeleça o dever de continuidade dos serviços
públicos, as decisões jurisprudenciais consolidaram-se
no sentido de permitir a sua interrupção, desde que
haja comunicação prévia do inadimplemento, pois são
públicos, por vezes contínuos, mas não são gratuitos.

Ação declaratória de inexistência de


dívida. Fornecimento de energia
elétrica. Falta de pagamento. Corte
do fornecimento. Aviso prévio
efetuado. (BRASIL. TJRJ. 16ª CC. Ap.
Civ 2007.001.66429 rel. Carlos José
Martins Gomes. J. 15/04/2008)

SERVIÇO BANCÁRIO

É o que consta no segundo parágrafo do art. 3º do


CDC. Preferiu o legislador esclarecer que as
atividades bancárias, financeiras, crédito e
securitárias estariam também inclusas no rol de
serviços, para que não houvesse dúvida quanto à
incidência do microssistema para estas atividades,
sendo, pois, meramente exemplificativo.

Externou a jurisprudência majoritária o


entendimento de que o CDC aplica-se aos contratos
bancários, vez que as instituições financeiras estão
inseridas na definição de prestadoras de serviços,
contempladas no art. 3º, e segundo parágrafo, do CDC.

80
As discussões doutrinárias e jurisprudencial
quanto o enquadramento da atividade bancária como
relação jurídica cessaram com a edição da Súmula 297
do STJ que declarou que o CDC é aplicável as
instituições financeiras.
Por fim, destaca-se que o próprio STF já se
manifestou sobre a constitucionalidade do §2º do
artigo 3º do CDC, ADI 2591.

CONCLUSÃO
Por tudo que foi estudado podemos concluir que o
CDC incidirá nas relações jurídicas de consumo,
consubstanciada pela presença do consumidor em um dos
pólos e noutro o fornecedor, transacionando um produto
ou serviço. Poderá ainda ser aplicado se a prática
comercial puder se tornar relação de consumo, pelo
simples fato de expor e poder se impor a um consumidor
em potencial ou lhe causar algum acidente de consumo.

UNIDADE II - A TUTELA JURISDICIONAL

DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR

Os direitos básicos do consumidor estão elencados


no artigo 6° do CDC e são considerados princípios
fundamentais que nunca poderão ser afastados pela
vontade do fornecedor, já que o CDC é considerado
norma cogente. Qualquer cláusula inserida no contrato
de consumo que pretender afastar ou mitigar esses
direitos será nula de pleno direito, conforme se
depreende do artigo 1° do CDC.

Art. 1º - O presente Código


estabelece normas de proteção e
defesa do consumidor, de ordem
pública e interesse social, nos
termos dos artigos 5º, inciso XXXII,
170, inciso V, da Constituição
Federal, e artigo 48 de suas
disposições transitórias.

Art. 6º - São direitos básicos do


consumidor:

81
Assim o rol descrito no artigo 6° do CDC não é um
rol taxativo, pelo contrário, há nele apenas uma
síntese dos institutos e direito material e formal do
consumidor. Seria, na verdade, uma prévia do que será
abordado nos títulos e capítulo seguintes.

Destarte, resume-se, esse momento, apenas para


enunciá-los com a simples leitura do artigo. Assim, o
Código de defesa do Consumidor de maneira simples e
direta, em seu artigo 6°, contempla 9 (nove) direitos
básicos do consumidor, muitos dos quais já foram
vistos anteriormente:

I - Proteção da vida, saúde e


segurança;
II - Educação para o consumo;
III - Informação adequada e clara
sobre os diferentes produtos e
serviços;
IV - Proteção contra publicidade
enganosa e abusiva;
V - Proteção a modificação das
cláusulas contratuais;
VI- Prevenção e reparação dos danos
= Indenização;
VII- Acesso a Justiça;
VIII- Facilitação de defesa de seus
direitos= inversão do ônus da prova;
IX - Qualidade dos serviços
públicos.

A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUIZO – TUTELA


INDIVIDUAL

Vimos acima que o acesso à justiça que foi tratado


como princípio garantidor dos direitos básicos do
consumidor que visa garantir uma resposta do Estado
rápida e efetiva, a fim de conferir utilidade ao
provimento jurisdicional. Para tanto, o CDC criou
regras que tornam o acesso e a resposta ao judiciário
mais eficiente.
Nessa toada, o CDC trouxe inúmeros direitos e
garantias aos consumidores. Visando a efetivação de
tais direitos e garantias, trouxe os meios,
igualmente, os meios de defesa do consumidor em juízo,
tanto de forma coletiva quanto de forma individual, os
quais iremos analisar a partir de agora.

82
Destarte, passemos ao estudo de alguns
instrumentos que o consumidor pode utilizar para
viabilizar o efetivo cumprimento do princípio do
acesso a justiça, entre os quais estão o foro
privilegiado, adstrição da tutela especifica de
obrigação de fazer e não fazer, a proibição da
denunciação da lide, a inversão do ônus da prova e a
desconsideração da pessoa jurídica do fornecedor.

COMPETÊNCIA TERRITORIAL PELO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR

O artigo 101, inciso I do CDC merece destaque no


que tange ao ajuizamento da ação de responsabilidade
civil em face do fornecedor de produtos e serviços,
pois confere foro privilegiado ao consumidor.

A aludida regra busca facilitar o acesso do


consumidor à justiça, pois de acordo com a regra geral
dos direitos pessoais, estabelecida pela lei
processual, a competência deveria ser fixada pelo foro
do domicílio do réu, conforme determina o artigo 46 do
pergaminho Processual. Assim, se vigorasse a regra
geral estabelecida pelo CPC o consumidor deveria
acionar o fornecedor em seu domicílio que poderia ser
em outro município ou estado, por exemplo, do
consumidor domiciliado em Volta Redonda e o fornecedor
em São Paulo.

FORO DE ELEIÇÃO

Insta salientar, que a competência territorial,


está classificada como relativa, permitindo, portanto,
a livre disposição das partes. Essa faculdade, aliás,
vai mais longe que própria temática da prorrogação da
competência. Com efeito, mesmo antes da existência do
litígio, podem as partes estabelecer convenção de
competência de foro, através de contrato escrito. A
única exigência feita pela lei é a vinculação do
ajuste a um negócio jurídico certo e determinado.
Sendo tal foro de livre escolha das partes, dá-se o
nome de foro de eleição. Nesse contexto, pontua Arruda
Alvim:
"O foro de eleição decorre do ajuste
entre dois ou mais interessados,
devendo constar de contrato escrito
e se referir especificamente a um
dado negócio jurídico (disponível),

83
para que as demandas oriundas de tal
negócio jurídico possam ser movidas
em tal lugar" (Manual de direito
processual civil, vol. I, p. 277).

No Código vigente, o foro de eleição encontra-se


positivado no art. 63, segundo o qual "As partes podem
modificar a competência em razão do valor e do
território , elegendo o foro onde será proposta ação
oriunda de direito e obrigações”.

Por sua vez, o artigo 62 diz que a competência


determinada em razão da matéria, da pessoa ou da
função é inderrogável por convenção das partes.

Assim, as partes podem apenas modificar a


competência em razão do valor e do território,
elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas
de direitos e obrigações.
Por consequência, mitigou-se a máxima segundo a
qual o juiz não pode declinar quando tratar-se de
incompetência relativa. Entretanto, a jurisprudência,
aos poucos, passou a firmar entendimento favorável ao
consumidor. Nesse ponto, tratando-se de competência
territorial estabelecida por força de contrato de
adesão, o magistrado poderá declinar a competência,
notadamente, quando se convencer do prejuízo trazido
ao consumidor com o foro escolhido, em verdade,
imposto.

Enveredando-se por esse entendimento, o Superior


Tribunal de Justiça passou a emitir reiteradas
decisões, permitindo a declaração ex officio de
incompetência territorial. Vale colacionar alguns
arestos para ilustrar o tema:

STJ – 2ª Seção – CC nº 48097/RJ –


Rel. Min. Fernando Gonçalves – j.
13.04.05
"Em se tratando de relação de
consumo, tendo em vista o princípio
da facilitação de defesa do
consumidor, não prevalece o foro

84
contratual de eleição, por ser
considerada cláusula abusiva,
devendo a ação ser proposta no
domicílio do réu, podendo o juiz
reconhecer a sua incompetência ex
officio".

STJ – 4ª Turma – AgRgAI nº 495742/DF


– Rel. Min. Barros Monteiro – j.
29.06.04
"O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável aos contratos submetidos
às regras do Sistema Financeiro de
Habitação, e, dessa forma, o Juiz
pode declinar, de ofício, a
competência, visando à proteção do
consumidor, quando a cláusula de
eleição de foro vier a prejudicá-
lo".

“Conflito negativo de Competência.


Ação Monitória. Mútuo Concedido por
Entidade de Previdência
Complementar. Foro de Eleição em
Belo Horizonte”.

RSTJ 129/212-215 “A regra do foro


privilegiado do consumidor se aplica
ainda nos contratos de consumo,
quando estes, de alguma forma,
dificulte o acesso à Justiça do
consumidor, em especial, nos
contratos de adesão, conforme se
depreende do julgamento proferido
pelo STJ, REsp 23.968-DF. Contrato
Celebrado em Brasília. Local do
Domicílio dos Réus. CDC. Serviço.
Facilidade de Defesa.”

Assim, ainda que a competência territorial possa


ser prorrogada pela vontade das partes (foro de
eleição), deve-se esclarecer que não irá prevalecer o
foro contratual de eleição caso dificulte a defesa do
consumidor, em face do ônus que terá para acompanhar o
processo em local distante daquele em que reside e,
também, onde foi celebrado o negócio ainda que tal

85
indicação não constitua mera adesão a cláusula
preestabelecida pelo fornecedor.

FORO PRIVILEGIADO

Assim, caracterizada a relação jurídica de


consumo, decorrente ou não de um contrato de adesão, o
consumidor tem foro privilegiado para o ajuizamento da
ação, pouco importando se existe cláusula contratual
estipulando de forma diversa. Ademais, por serem de
ordem pública as normas do CDC, o juiz poderá de
ofício, declarar a incompetência do foro, ou seja,
mesmo que não tenha manifestação do consumidor nesse
sentido, a fim de beneficiá-lo, mesmo diante da Súmula
33 do STJ que diz que a incompetência de oficio não
pode ser reconhecida de oficio.

Assim, conclui-se que em regra, a incompetência


relativa não pode ser conhecida de oficio nas ações
que não versam sobre relação de consumo conforme a
Sumula 33 do STJ (já que para as lides que tratam de
relação de consumo é possível reconhecer de oficio).

Excepcionalmente, o juiz pode declarar de oficio


a cláusula de eleição de foro como abusiva, desde que
seja declarada antes da citação.

TUTELA ESPECIFICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER

Inicialmente é importante compreender que a


tutela especifica como sendo o direito de obter a
tutela exata que o direito projeta, ou seja, a tutela
especifica é a tutela que tem por objetivo fazer com
que o titular do direito obtenha do processo o exato
resultado que o direito projeta, ocorrendo, pois a
coincidência o resultado almejado pelo direito
material e o processo. Por outro lado, temos a tutela
do equivalente, sendo, pois o contrário da tutela
especifica. A tutela do equivalente seria aquela
entrega no lugar da especifica algo a ela equivalente,
por exemplo, no lugar do produto, o juiz determina o
pagamento, no lugar da entrega de dinheiro (execução
de divida), o credor poder adjudicar o bem penhorado,
aceitando, pois, a tutela equivalente.

O CDC generalizou a tutela especifica como regra


geral e a equivalente, como medida de exceção,

86
contrário ao que o CPC de 74 determina, pois a tutela
da equivalência era a prioritária. Com a reforma de
1994 o CPC passou a adotar o mesmo critério do CDC,
passando a generalizar a tutela especifica, já que até
então vigorava o principio da tutela do equivalente e
não da tutela especifica.

A tutela especifica se divide em três espécies:

A primeira é a tutela inibitória, é tutela contra


o ilícito, pois pretende impedir que o ilícito ocorra,
sendo assim uma tutela preventiva.

Tutela reintegratória ou de remoção do ilícito,


também é só contra a materialidade do ilícito e não
contra o dano, mas nesse caso o ilícito já aconteceu.

A terceira tutela especifica seria ressarcitória


(dinheiro ou não), ou seja, a tutela contra o dano.

A tutela específica inovou o ordenamento jurídico


brasileiro, eis que até então não havia tal previsão
no CPC/73. O Código de Processo Civil de 2015, em seus
artigos 497, 499, 500, 536 e 537, disciplina de forma
semelhante a tutela específica prevista no art. 84 do
CDC

CDC
Art. 84 - Na ação que tenha por
objeto o cumprimento da obrigação de
fazer ou não fazer, o Juiz concederá
a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que
assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
Art. 497. Na ação que tenha por
objeto a prestação de fazer ou de
não fazer, o juiz, se procedente o
pedido, concederá a tutela
específica ou determinará
providências que assegurem a
obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente. Parágrafo
único. Para a concessão da tutela
específica destinada a inibir a
prática, a reiteração ou a

87
continuação de um ilícito, ou a sua
remoção, é irrelevante a
demonstração da ocorrência de dano
ou da existência de culpa ou dolo.
Art. 499. A obrigação somente será
convertida em perdas e danos se o
autor o requerer ou se impossível a
tutela específica ou a obtenção de
tutela pelo resultado prático
equivalente.
Art. 500. A indenização por perdas
e danos dar-se-á sem prejuízo da
multa fixada periodicamente para
compelir o réu ao cumprimento
específico da obrigação.
Art. 536. No cumprimento de
sentença que reconheça a
exigibilidade de obrigação de fazer
ou de não fazer, o juiz poderá, de
ofício ou a requerimento, para a
efetivação da tutela específica ou a
obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as
medidas necessárias à satisfação do
exequente. § 1o Para atender ao
disposto no caput, o juiz poderá
determinar, entre outras medidas, a
imposição de multa, a busca e
apreensão, a remoção de pessoas e
coisas, o desfazimento de obras e o
impedimento de atividade nociva,
podendo, caso necessário, requisitar
o auxílio de força policial. § 2o O
mandado de busca e apreensão de
pessoas e coisas será cumprido por 2
(dois) oficiais de justiça,
observando-se o disposto no art.
846, §§ 1o a 4o, se houver
necessidade de arrombamento. § 3o O
executado incidirá nas penas de
litigância de má-fé quando
injustificadamente descumprir a
ordem judicial, sem prejuízo de sua
responsabilização por crime de
desobediência. § 4o No cumprimento
de sentença que reconheça a
exigibilidade de obrigação de fazer

88
ou de não fazer, aplica-se o art.
525, no que couber. § 5o O disposto
neste artigo aplica-se, no que
couber, ao cumprimento de sentença
que reconheça deveres de fazer e de
não fazer de natureza não
obrigacional.
Art. 537. A multa independe de
requerimento da parte e poderá ser
aplicada na fase de conhecimento, em
tutela provisória ou na sentença, ou
na fase de execução, desde que seja
suficiente e compatível com a
obrigação e que se determine prazo
razoável para cumprimento do
preceito. § 1o O juiz poderá, de
ofício ou a requerimento, modificar
o valor ou a periodicidade da multa
vincenda ou excluí-la, caso
verifique que: I - se tornou
insuficiente ou excessiva; II - o
obrigado demonstrou cumprimento
parcial superveniente da obrigação
ou justa causa para o
descumprimento. § 2o O valor da
multa será devido ao exequente. § 3º
A decisão que fixa a multa é
passível de cumprimento provisório,
devendo ser depositada em juízo,
permitido o levantamento do valor
após o trânsito em julgado da
sentença favorável à parte.
(Redação dada pela Lei nº 13.256, de
2016) (Vigência) § 4o A multa será
devida desde o dia em que se
configurar o descumprimento da
decisão e incidirá enquanto não for
cumprida a decisão que a tiver
cominado. § 5o O disposto neste
artigo aplica-se, no que couber, ao
cumprimento de sentença que
reconheça deveres de fazer e de não
fazer de natureza não obrigacional.

Ainda do ponto de vista processual, o CDC outorga


poderes ao juiz para conferir ao processo de consumo
praticidade e aderência às peculiaridades do caso

89
concreto. Em se tratando de ação que tenha por objeto
o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o
juiz, além de conceder a tutela específica da
obrigação, poderá determinar providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao
adimplemento.

§ 1º - A conversão da obrigação em
perdas e danos somente será
admissível se por elas optar o autor
ou se impossível a tutela específica
ou a obtenção do resultado prático
correspondente.

A tutela específica, isto é, aquilo que


efetivamente foi pleiteado pelo consumidor, deverá ser
o resultado prático a ser alcançado, podendo e devendo
o juiz determinar todas as providências necessárias e
adequadas à efetivação desse objetivo.

Assim, a conversão da obrigação específica em


perdas e danos somente será permitida se o consumidor
aceitar ou se for impossível a tutela específica ou a
obtenção do resultado prático correspondente.

Vale dizer, que se a tutela específica não puder


ser cumprida por impossibilidade do meio ou
desaparecimento do bem pretendido, pode o juiz criar
condições e condenar o fornecedor a entrega de outro
bem que tenha o mesmo efeito real ao do adimplemento
e, se este também não for possível, poderá ser
convertida a tutela específica em perdas e danos.

Assim, podemos concluir que a conversão da tutela


específica em perdas e danos somente será realizada se
o consumidor assim optar ou por impossibilidade de
resultado efetivo, sendo que a primeira prefere as
demais.
§ 2º - A indenização por perdas e
danos se fará sem prejuízo da multa
(artigo 287 do Código de Processo
Civil).

§ 3º - Sendo relevante o fundamento


da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento
final, é lícito ao Juiz conceder a

90
tutela liminarmente ou após
justificação prévia, citado o réu.

Para compelir o réu ao cumprimento da obrigação


específica de fazer ou não fazer, poderá o juiz impor-
lhe multa diária, liminarmente ou na sentença,
independente do pedido do autor, se esta for
suficiente ou compatível com a obrigação sem
prejudicar o direito do credor à realização da
obrigação específica ou ao recebimento do equivalente
monetário, e tampouco à postulação de eventuais perdas
e danos. A multa, em suma, tem função puramente
coercitiva.

§ 4º - O Juiz poderá, na hipótese do


§ 3º ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de
pedido do autor, se for suficiente
ou compatível com a obrigação,
fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.

A respeito da multa (astreintes), cabe ainda


lembrar que, diante do poder concedido ao juiz de
impô-lo independente do pedido da parte, não haverá
ofensa ao princípio da adstrição ou congruência do
pedido e a sentença, seja liminarmente ou na própria
sentença. Na verdade a multa é mais um instrumento que
o juiz tem para dar eficácia a sua decisão, por isso,
uma vez cumprida a decisão a mesma deve cessar, não
obstante tenha aplicação até o cumprimento.

O NCPC determinou que o beneficiário da multa


será o próprio consumidor demandante, bem como que a
multa poderá ser fixada na fase de conhecimento, em
tutela provisória, na sentença ou na fase de execução
(CPC, art. 537, caput).

Além disso, disciplinou a possibilidade de


execução provisória da multa, aplicando-se às relações
de consumo. Por fim, o NCPC também autoriza o juiz a
modificar o valor da multa APENAS das parcelas
VINCENDAS, não poderá modificar das parcelas vencidas.

Da mesma forma, os poderes do juiz para conceder


a antecipação da tutela, desde que relevante o
fundamento da demanda, ou seja, desde que haja

91
verossimilhança das alegações do autor e justificado
receio de ineficácia do provimento final.

§ 5º - Para a tutela específica ou


para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o Juiz
determinar as medidas necessárias,
tais como busca e apreensão, remoção
de coisas e pessoas, desfazimento de
obra, impedimento de atividade
nociva, além de requisição de força
policial.

Pode ainda o Juiz tomar medidas que assegurem o


resultado prático e equivalente da demanda em
benefício do consumidor o que lhe permite fazer
requisições para que, por exemplo, o banco apresente o
contrato ou extrato bancário do autor, por exemplo,
entre outras medidas que achar necessário.

O NCPC disciplinou as tutelas de urgência da


seguinte forma:

• Tutela de urgência (em caráter antecedente ou


incidental) - é aplicado ao consumidor em caráter
complementar, ao direito do consumidor interessa a
antecipação da tutela. • Tutela de evidência (CPC,
arts. 311, I a IV) - ampliou-se os efeitos da tutela
de evidência que também vão impactar no direito do
consumidor

PROIBIÇÃO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE e CHAMAMENTO AO


PROCESSO ESPECIAL

O Código de processo civil, como regra, permite


que o direito de regresso seja realizado nos próprios
autos da ação e decidido pela mesma sentença, tal
regra se denomina denunciação da lide. Por ser ação
regressiva, a princípio, não poderá o autor
legitimidade para executar diretamente o denunciado,
ainda que a sentença tenha acolhido a denunciação,
pois não existe relação jurídica entre o autor e o
denunciado, mas somente deste com o réu. Entretanto, o
CDC proíbe expressamente a denunciação da lide na ação

92
indenizatória movida pelo consumidor em face do
fornecedor, conforme parte final do seu artigo 88.

CDC
Art. 88 - Na hipótese do artigo 13,
parágrafo único, deste Código, a
ação de regresso poderá ser ajuizada
em processo autônomo, facultada a
possibilidade de prosseguir-se nos
mesmos autos, vedada a denunciação
da lide.

Com efeito, embora esteja prevista a vedação da


denunciação à lide apenas na hipótese do art. 13,
parágrafo único do CDC, a interpretação lógico-
sistemática da lei consumerista induz à conclusão de
que não se admite a denunciação da lide nas ações que
versem sobre relação de consumo, ou seja, quando a
lide envolver relação jurídica de consumo a
denunciação está vedada, apresar de alguns
posicionamentos contrários. Assim, o fornecedor
demandado não poderia denunciar a lide o fabricante,
produtor, construtor, produtor, ou qualquer outro
agente que componha a cadeia da relação de consumo, a
ele somente restaria a propositura de demanda
regressiva autônoma, ainda que apensa aos próprios
autos.

A vedação à denunciação da lide, refere-se tanto


a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço
não se restringindo, portanto, a responsabilidade do
comerciante (artigo 13) (STJ AgRg no REsp 694.980- MS,
2015)

Salienta-se ainda que a proibição de denunciação


à lide não poderá ser alegada pelo denunciado, pois
essa norma é prevista em beneficio do consumidor,
atuado em prol da brevidade do processo de
ressarcimento de seus prejuízos, devendo, pois, ser
arguida apenas pelo consumidor em seu beneficio.
Assim, se o fornecedor faz a denunciação e o
consumidor não se insurge a isso, haverá preclusão,
sendo descabido ao denunciado invocar em seu
beneficio.(STJ REsp 913.687-SP, 2016, INFO 592)

DECISÃO

93
03/09/2021 07:05

Terceira Turma admite denunciação da


lide em ação de consumidor contra
hospital por suposto erro médico
Nos processos em que a responsabilização solidária do hospital depender da
apuração de culpa do médico em procedimento que causou danos ao paciente, é
possível, excepcionalmente, a denunciação da lide pelo estabelecimento, para que o
profissional passe a integrar o polo passivo da ação.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento


ao julgar recurso de um hospital em ação indenizatória movida por uma menor –
representada por sua mãe – que teria sido vítima de erro médico em cirurgias
cardíacas.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com base na teoria da aparência, rejeitou a


alegação de ilegitimidade passiva do hospital, por entender que, para a
consumidora, o vínculo entre os médicos que fizeram as cirurgias e o hospital não é
relevante, importando tão somente a satisfação do seu direito de reparação.

No recurso ao STJ, o hospital afirmou que não foram apontadas falhas em seus
serviços, como enfermagem e hotelaria; por isso, a responsabilidade pelos danos à
paciente só poderia ser imputada aos médicos, que utilizam suas instalações para
operar, mas não têm vínculo com o estabelecimento.

Responsabilidade do hospital diante do erro médico

De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, os fatos narrados na ação, a


princípio, não permitem afastar a legitimidade passiva do hospital, pois os
procedimentos foram realizados em suas dependências, "sendo possível inferir,
especialmente sob a ótica da consumidora, o vínculo havido com os médicos e a
responsabilidade solidária de ambos – hospital e respectivos médicos – pelo evento
danoso".

A ministra esclareceu que, segundo a jurisprudência do STJ, o hospital responde


objetivamente pelas falhas nos seus próprios serviços auxiliares, mas não tem
responsabilidade por danos decorrentes do trabalho do médico que com ele não
tenha nenhum vínculo – hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e exclusiva
do profissional.

Por outro lado, havendo vínculo de qualquer natureza entre ambos, o hospital
responde solidariamente com o médico pelos danos decorrentes do exercício da
medicina, desde que fique caracterizada a culpa do profissional, nos termos
do artigo 14, parágrafo 4º,  do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

94
"Nesse caso, o hospital é responsabilizado indiretamente por ato de terceiro, cuja
culpa deve ser comprovada pela vítima, de modo a fazer emergir o dever de
indenizar da instituição", comentou a relatora.

Investigação indispensável sobre a culpa do médico

Como a ação imputou ao hospital a responsabilidade por atos dos médicos que
atuaram em suas dependências – eles próprios não foram incluídos no processo –,
Nancy Andrighi destacou a necessidade de se apurar a existência de vínculo entre a
instituição e os profissionais, bem como se houve negligência, imperícia ou
imprudência na conduta médica.

Segundo a magistrada, a discussão sobre a culpa dos médicos não serve apenas
para que o hospital possa ajuizar ação de regresso contra eles (para se ressarcir de
uma condenação na ação indenizatória), mas, principalmente, para fundamentar a
responsabilidade do próprio hospital perante o consumidor, pois é uma condição
indispensável para que o estabelecimento responda solidariamente pelos danos
apontados.

A ministra ressaltou que, para a jurisprudência, "a vedação à denunciação da lide


estabelecida no artigo 88 do CDC não se limita à responsabilidade por fato do
produto (artigo 13), sendo aplicável também nas demais hipóteses de
responsabilidade por acidentes de consumo (artigos 12 e 14)". O que se pretende
com esse entendimento, segundo a magistrada, é evitar que o consumidor seja
prejudicado com a demora e a ampliação desnecessária do objeto do processo.

No entanto, ela mencionou precedente no qual a Terceira Turma já admitiu a


denunciação da lide, em caso semelhante ao do recurso em julgamento (REsp
1.216.424).

"Em circunstâncias específicas como a destes autos, na qual se imputa ao hospital a


responsabilidade objetiva por suposto ato culposo dos médicos a ele vinculados,
deve ser admitida, excepcionalmente, a denunciação da lide, sobretudo com o
intuito de assegurar o resultado prático da demanda, a partir do debate acerca da
culpa daqueles profissionais, cuja comprovação é exigida para a satisfação da
pretensão deduzida pela consumidora", concluiu a ministra.

Leia o acórdão no REsp 1.832.371.

Cediço que a intervenção com base no contrato de


seguro caracteriza-se como denunciação da lide, já
estabelece uma relação de garantidor. É assim, porque
a empresa seguradora não possui qualquer vinculo
jurídico de direito material com o autor-consumidor,
mas tão somente com o réu-fornecedor a fim de garantir
os riscos da sua atividade, razão pela qual, a Súmula

95
529 do STJ deixa claro que “No seguro de
responsabilidade civil facultativo, não cabe
ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e
exclusivamente em face da seguradora do apontado
causador do dano”. Segunda Seção, aprovada em
13/05/2015. Contudo o próprio STJ reconheceu a
solidariedade da seguradora junto com o segurado, a
Seguradora denunciada pode ser condenada direta e
solidariamente com o segurado a pagar a indenização
devida à vitima, nos limites contratados, editando a
Sumula 537 que segue:

“Em ação de reparação de danos, a seguradora


denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o
pedido do autor, ´pode ser condenada, direta e
solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da
indenização devida à vitima, nos limites contratados
na apólice. Dje 15/06/2015 Dexcisão 10/06/2015”.

Ocorre que o CDC trata a matéria de forma


diferente, pois além de denominá-la de chamamento ao
processo, cria regra própria quando o fornecedor
tiver, para garantia de sua atividade, contratado um
seguro. Na verdade, ele mesclou os efeitos da
denunciação com os do chamamento com o único objetivo
garantir ao consumidor uam efetiva prestação
jurisdicional.

Assim, a primeira vista poderia dizer que seria


uma espécie de denunciação da lide, mas em razão dos
seus efeitos estaria mais próxima do chamamento ao
processo, visto que a execução poderá ser direcionada
contra o garantidor. Nesse caso, o CDC criou uma nova
figura do chamamento ao processo em caso de seguro
atribuindo, na verdade, uma solidariedade legal entre
o fornecedor-segurado e a seguradora, a fim de
beneficiar o consumidor, conforme se depreende do
artigo 101, II do CDC, a seguir:

Art. 101 - Na ação de


responsabilidade civil do fornecedor
de produtos e serviços, sem prejuízo
do disposto nos Capítulos I e II
deste Título, serão observadas as
seguintes normas:
(…)
II - o réu que houver contratado
seguro de responsabilidade poderá
96
chamar ao processo o segurador,
vedada a integração do contraditório
pelo Instituto de Resseguros do
Brasil. Nesta hipótese, a sentença
que julgar procedente o pedido
condenará o réu nos termos do artigo
80 do Código de Processo Civil. Se o
réu houver sido declarado falido, o
síndico será intimado a informar a
existência de seguro de
responsabilidade facultando-se, em
caso afirmativo, o ajuizamento de
ação de indenização diretamente
contra o segurador, vedada a
denunciação da lide ao Instituto de
Resseguros do Brasil e dispensado o
litisconsórcio obrigatório com este.

Na verdade, o CDC adotou a concepção doutrinária


que admitia a condenação direta, mesmo não havendo
relação jurídica entre ele (consumidor) e o adversário
jurídico (segurador), sob o fundamento de haver
formado um litisconsórcio do denunciante que
estabeleceu uma solidariedade legal.

Diante da regra acima, o consumidor que vencer a


demanda, poderá executar a sentença diretamente contra
o segurador caso este tenha sido chamado ao processo,
até o limite do contrato de seguro, em razão da
solidariedade estabelecida pelo CDC. Assim, garante ao
consumidor a efetiva prestação jurisdicional com a
reparação do dano.

O Mestre Arruda Alvim ao comentar o CDC diz que o


artigo 101, inciso II do CDC, dispõe, na sua primeira
parte, que o réu será condenado nos termos do art. 80
do CPC de 1973, atual 132 do CPC de 2015. Tal fato
conduz a condenação do fornecedor e do segurador, pois
o artigo 130 do CPC diz que o juiz declarará as
responsabilidades dos obrigados que nesse caso é do
fornecedor e segurador, ambos obrigados em face do
consumidor. Com isso evidencia-se que o chamamento ao
processo por ato do fornecedor, garante ao consumidor
mais um responsável que o CDC coloca como
solidariamente responsável. Entretanto, esta
responsabildiade estará limitada aos termos e limites
estabelecidos pelo contrato de seguro.

97
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Pode-se dizer que a produção das provas é o campo


que gera maiores dificuldades para os autores das
demandas em geral para que façam valer seus direitos
em juízo. Para os consumidores tal fato se agravaria,
pois é a parte mais vulnerável da relação, conforme
reconhecido pelo próprio CDC no inciso I do art. 4°.
Por isso, o CDC conferiu aos consumidores mais um
instrumento que viabilizasse a efetiva prestação
jurisdicional. Estamos falando da inversão do ônus da
prova.

O CPC reparte o ônus probante da seguinte forma:

Art. 373 O ônus da prova incumbe:


I - Ao autor, quanto ao fato
constitutivo do seu direito;
II – Ao réu, quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.

A distribuição acima tem como base a igualdade


das partes perante a formação do convencimento do
juiz, fato este que não se faz presente nas relações
de consumo. Assim, a prova do fato deve ser produzida
por quem tem interesse no seu reconhecimento, sob pena
do fato ser considerado inexistente, seja ela autora
ou ré.

Ocorre que, e, regra o dispositivo acima não se


aplica nas relações de consumo, pois, como vimos, o
CDC tem regra própria tratada no seu artigo 6°, VIII,
12, 14 e 36, cujo primeiro segue abaixo:

CDC
Art. 6º - São direitos básicos do
consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de
seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;

98
Diante das naturais dificuldades da produção da
prova, o CDC inverte o ônus a seu favor, ou seja,
verificando que seria mais uma barreira a efetiva
proteção do consumidor atribuir-lhe o ônus da prova do
fato constitutivo do seu direito o CDC determinou que
o interesse na produção da prova é do fornecedor,
pois os fatos articulados pelo consumidor presume-se
verdadeiros, nos termos do artigo 374, IV do CPC.

Assim, o fornecedor deverá provar a existência de


fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito
do consumidor, já que este é que detém todo
conhecimento do processo de produção do bem ou
serviço, como as fórmulas, cálculos, projetos,
componentes, etc.

Sérgio Cavalieri Filho afirma que a inversão do


ônus da prova serviria para retirar dos ombros do
consumidor a carga da prova referente aos fatos do seu
interesse. Presumem-se, portanto, verdadeiros os fatos
por ele alegados, cabendo ao fornecedor a prova em
contrário.

Nesse sentido segue o julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO N.° 9403/2001


2ª Câmara Cível do TJRJ. Rel. Des.
Sérgio Cavalieri Filho. PROVA.
Inversão do Ônus. Efeitos. A
inversão do onus probandi, a
critério do juiz é princípio do
Código do Consumidor que tem por
finalidade equilibrar a posição das
partes no processo, atendendo aos
critérios da verossimilhança, ou da
hipossuficiência. Estabelecida a
inversão pelo juiz, a prova a ser
produzida passa a ser do interesse
do fornecedor sob pena de não elidir
a presunção que milita em favor do
consumidor em face da plausibilidade
da sua alegação. (grifei)

EFEITOS DA INVERSÃO

Ao deferir a inversão do ônus da prova o juiz não


cria novo encargo probatório ao fornecedor ele
simplesmente, dispensa o consumidor da prova do fato

99
constitutivo do seu direito, conforme determina o
inciso I do art. 373 E 374, IV do CPC, sem que lhe
recaia o ônus da inexistência do fato pela não
produção.

Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, não se


trata de transferir ao fornecedor o encargo de provar
a veracidade dos fatos alegados pelo autor, pois se
assim fosse, teria que produzir provas contra si
mesmo. Entretanto, deverá o fornecedor provar os fatos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do
consumidor, conforme determina o inciso II do art. 373
do CPC.

Conclui-se, que deferido a inversão do ônus da


prova, os fatos do consumidor serão tidos, por
presunção relativa, como verdadeiros, devendo, pois, o
fornecedor provar os fatos impeditivos, modificativos
ou extintivos daqueles que foram alegados pelo
consumidor.

No que pertine ao custeio, da prova a inversão


seria indireta, pois se for deferida a inversão do
ônus da prova em favor do consumidor e, para
esclarecer o fato necessite de uma prova pericial, o
fornecedor não tem o dever de arcar com os custos, não
obstante responda pela sua não realização, pois os
fatos alegados pelo autor foram tidos por verdadeiro.
Essa é a posição do STJ de acordo com os precedentes
da 3ª Turma, uma vez que fala: “No entanto, o
fornecedor assume as consequências processuais
advindas da sua não produção”.

ESPÉCIES DE INVERSÃO

O CDC prevê que a inversão poderá operar em razão


da lei ou do processo, ou seja, as teremos as
denominadas inversão ope legis ou ope judicis,
respectivamente.

INVERSÃO OPE JUDICIS

Assim, será ope judicis se o juiz determinar em


razão de ter verificado os requisitos contidos no
artigo 6°, inciso VIII, que como vimos, reza que o
juiz poderá determinar a inversão do ônus se a
alegação do consumidor for verossímil ou quando ele

100
for hipossuficiente, segundo as suas regras ordinárias
de experiência.

Conclui-se que a verossimilhança das alegações e


a hipossuficiência do consumidor são os pressupostos
para a inversão do ônus da prova ope judicis.

Resta saber se os dois requisitos devem estar


presentes para que haja o deferimento da inversão do
ônus da prova.

Parte da doutrina afirma que apenas um basta, em


razão da utilização da partícula alternativa “ou”
descrita no inciso VIII, do artigo 6° do CDC.
Entretanto, maior parte da doutrina, inclusive o
Mestre Sérgio Cavalieri Filho, entende que no caso de
haver verossimilhança nas alegações do autor não seria
necessário a presença da hipossuficiência, mas o mesmo
não ocorreria quando na situação oposta.

Nesse sentido, caso o autor não demonstre a


verossimilhança, ao contrário numa primeira análise
parece inverossímil, ou seja, sem nenhuma
possibilidade de ser verdadeiro, o juiz não deverá
inverter o ônus da prova pelo simples fato de ser
hipossuficiente.

Resulta da interpretação acima que caberá ao juiz


avaliar a situação concreta antes de deferir a
inversão, devendo adotar o critério da verossimilhança
em relação aos fatos afirmados pelo consumidor mesmos
nos casos de hipossuficiência, mesmo porque não cabe
ao fornecedor fazer prova de fato negativo.

Fato ou ato verossímil é aquele que possui


aparência de veracidade que resulta de uma situação
fática com base naquilo que normalmente acontece, ou
ainda, porque um fato é ordinariamente conseqüência de
outro, permitindo concluir que existente deste admite
a existência daquele, a menos que a outra parte
demonstre o contrário.

O CDC adotou o sentido amplo de hipossuficiência


como critério de inversão do ônus, aproximando do
conceito de vulnerabilidade, mas que com esse guarda
diferença. Como vimos a vulnerabilidade conduz a
fragilidade econômica, fática e técnica. Mas a
hipossuficiência, para fins de inversão do ônus da

101
prova, tem sentido de desconhecimento técnico e
informativo do produto e do serviço, de suas
propriedades, de seu funcionamento, de sua
distribuição, dos modos especiais de controle, etc.

Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do


consumidor não pode ser visto como forma de proteção
ao mais pobre, ou seja, não é por ele ser pobre que
deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova,
até porque a questão da produção da prova é processual
e a condição econômica, material.

Não podemos deixar de mencionar que para os


pobres, na acepção jurídica do termo, existe a justiça
gratuita, a qual permite ao beneficiário a isenção do
pagamento das custas, o que não significa que ele está
isento de provar o seu direito.

O inverso ocorre com os consumidores que forem


considerados hipossuficientes para efeitos da inversão
do ônus, pois poderão ser economicamente poderosos,
mas hipossuficientes tecnicamente ou de informação.
Para esses a inversão deverá ser deferida.

Destarte, nas relações de consumo, em regra,


sempre se constata a hipossuficiência do consumidor em
relação ao fornecedor, pois somente este detém o pleno
conhecimento do projeto, da técnica e do processo de
fabricação.

Nesses casos, a prova torna-se ao consumidor,


extremamente difícil, ao contrário do que acontece com
o fornecedor, pois este detém os documentos técnicos,
científicos e contábeis, como os registros, contratos,
extratos bancários, banco de dados, etc.

Registra-se, por oportuno, que hipossuficiência e


vulnerabilidade não se confundem. A vulnerabilidade
está relacionada à relação jurídica de direito
material, em que uma das partes está em condição de
inferioridade por questões técnicas, econômicas ou
jurídicas, informacional. Todo consumidor é
vulnerável. Já a hipossuficiência relaciona-se à
relação jurídico-processual, em que há dificuldade de
produção de prova, por questões técnicas ou
informacional, por isso, nem todo consumidor é
hipossuficiente, apesar de ser vulnerável. Assim,
hipossuficiente não se confunde com necessitado.

102
Deve-se comentar, apesar da divergência do tema,
o momento que ocorre a inversão no caso da inversão
ope juicias.

Atualmente (art. 373, §1º do NCPC) chegou-se a


conclusão que a inversão do ônus da prova é regra de
procedimento, portanto deve ser realizada antes do fim
da instrução, de preferência até o despacho saneador.

CPC, 373, § 1º Nos casos previstos


em lei ou diante de peculiaridades
da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva
dificuldade de cumprir o encargo nos
termos do caput ou à maior
facilidade de obtenção da prova do
fato contrário, poderá o juiz
atribuir o ônus da prova de modo
diverso, desde que o faça por
decisão fundamentada, caso em que
deverá dar à parte a oportunidade de
se desincumbir do ônus que lhe foi
atribuído

Permito-me traçar apenas duas posições sendo a


primeira defendida pelo Rizzatto Nunes e a segunda por
Sérgio Cavalieri Filho.

Para Rizzatto Nunes o juiz tem que pronunciar


expressamente sobre a inversão do ônus mesmo porque
ela (ope juducis) não decorra da lei e como vimos
depende da verossimilhança das alegações ou da
hipossuficiência do consumidor, em especial por causa
deste último a fim de garantir o contraditório e a
ampla defesa.

Defendendo a necessidade de pronunciamento nos


autos ela cita o seguinte exemplo: Pode muito bem o
consumidor ser um engenheiro que tinha claras
condições de conhecer o funcionamento do produto, de
modo a elidir a sua presumida hipossuficiência. Pode
ainda o mesmo engenheiro desconhecer o funcionamento
do produto, caracterizando a sua hipossuficiência.
Diante disso, torna-se necessário que o juiz se
manifeste no processo invertendo ou não o ônus da
prova.

103
Contrariamente se manifesta o Mestre Sérgio
Cavalieri Filho, pois entende desnecessária a
manifestação do juiz sobre a inversão, pois a inversão
não atribui ao fornecedor um novo onus probandi, mas
apenas dispensa o consumidor do ônus da prova do fato
constitutivo do seu direito, mas ainda assim, o réu-
fornecedor terá que provar a existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor.

O comentado autor finaliza dizendo que nada


impede – pelo contrário, é recomendado - que o juiz,
no despacho saneador, na fase instrutória da causa ou
em qualquer outro momento que se tornar possível,
inverta o ônus da prova ou advirta as partes que isso
poderá ser feito no momento do julgamento final, com o
que afastará qualquer alegação de cerceamento de
defesa.

Por fim, deve-se entender a expressão “a critério


do juiz” não como a faculdade, mas como o dever do
juiz em inverter o ônus toda vez que restar constatado
os requisitos que autorizam a sua inversão, mesmo que
não haja pedido, nesse sentido, do autor. Tal fato
ocorre, pois no processo civil o juiz não age com
discricionariedade (que é medida pela conveniência e
pela oportunidade da decisão), mas dever agir sempre
dentro da legalidade, fundamentando suas decisões em
base objetivas.

Vale dizer, deverá o magistrado determinar a


inversão quando as alegações do autor tiverem
verossimilhança ou este for hipossuficiente.

INVERSÃO OPE LEGIS

Vimos que a inversão também poderá ocorrer pela


vontade da lei, denominada de ope legis. Trata-se de
inversão obrigatória, onde a lei diz os casos que esta
se opera, sem que haja qualquer decisão do juiz ou
pedido da parte.

O CDC prevê nos artigos 12, §3° e 14 §3°, na


responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do
produto ou serviço e no art. 38, nos casos de
informação ou comunicação publicitária, sendo,
portanto, taxativa as suas possibilidades.

104
No primeiro caso (responsabilidade civil do
fornecedor por acidentes de consumo), o CDC determinou
expressamente que o fornecedor deverá arcar com o ônus
da prova quanto as causas excludentes de sua
responsabilidade, quando afirma em seu art. 12, §3°,
III que “O fabricante, o construtor, o produtor e o
importador só não serão responsabilizados quando
provar que, embora haja colocado o produto no mercado,
o defeito inexiste” ou para o art. 14 §3°, “ O
fornecedor só não será responsabilizado quando provar
que, embora haja colocado o produto no mercado, o
defeito inexiste”

Assim, basta que o consumidor demonstre o


acidente de consumo (fato do produto ou serviço) e o
respectivo dano para decorrer a inversão ope legis do
ônus da prova. Assim, o que a lei inverte é a prova
quanto ao defeito do produto ou serviço e não a prova
da própria ocorrência do acidente de consumo,
continuando este ônus do consumidor, mesmo se tratando
de responsabilidade objetiva.

O artigo 38, por sua vez, dispõe que o ônus da


prova da veracidade e correção da informação ou
comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. A
regra decorre do dever inscrito no art. 36 no sentido
de que, o fornecedor, na publicidade de seus produtos
ou serviços, manterá, sem seu poder para informação
dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos
e científicos que dão sustentação a mensagem.

Caberá, nessa hipótese, ao fornecedor provar que


a sua informação ou publicidade é verdadeira e correta
em face da afirmativa do consumidor da inveracidade ou
incorreção da informação ou comunicação publicitária,
independente de qualquer decisão do juiz, nesse
sentido.

Destarte, não há o que se discutir, pois em


qualquer disputa na qual se ponha em dúvida ou se
alegue enganosidade ou abusividade do anúncio, caberá
ao anunciante o ônus de provar o inverso, sob pena de
dar validade ao outro argumento. Tal fato permite
concluir que a norma estabelece que não basta veicular
a verdade, é necessário que a prova da verdade da
informação veiculada seja mantida em arquivo para
eventual averiguação e checagem, sob pena inclusive da

105
responsabilização penal, conforme determina o artigo
69 do CDC

Assim, quando um fabricante de pneus disser que


seu produto dura 50.000 Km, deverá manter consigo os
testes de qualidade e durabilidade que comprovem a
afirmação.

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Por derradeiro, mas nem por isso de menor


importância, temos a desconsideração da pessoa
jurídica (disregard doctrine) que serve como
instrumento, da mesma forma que os anteriores, para
assegurar o pleno ressarcimento dos danos causados por
fornecedores enquanto pessoa jurídica, aos
consumidores. Fazendo uso da desconsideração da pessoa
jurídica, busca o verdadeiro causador do dano como se
a pessoa jurídica não existisse.

NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA

Há controvérsias no que diz respeito à


caracterização da pessoa jurídica. No entanto, o
direito sempre encarou estes grupos destacadamente de
seus membros, o que significa que a ordem jurídica
considera estas entidades como seres dotados de
existência própria e autônoma, inconfundível com a
vida das pessoas naturais que os criaram. Assim, o
direito agasalhou o entendimento de que a vontade da
pessoa jurídica é distinta da vontade individual dos
membros componentes; seu patrimônio, constituído pela
aferição de bens, ou pelos esforços dos criadores, é
diverso do patrimônio de uns e de outros e sua
capacidade, limitada à consecução de seus fins pelo
fenômeno da especialização.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a principal


característica da pessoa jurídica é a autonomia em
relação às pessoas que a integram. As pessoas
jurídicas não se confundem com as pessoas naturais que
a integram, mesmo sendo seus administradores que agem
diretamente em nome daquela. Quando a pessoa jurídica
adquire bens por compra, é o administrador quem assina
o contrato, mas é a manifestação de vontade da pessoa
jurídica que é concretizada. É a pessoa jurídica quem
adquire a propriedade. Tal fato decorre da ficção

106
legal da pessoa jurídica que a separa rigidamente das
pessoas que a compõem.
            
Da mesma maneira, em quaisquer demandas
judiciais, seja no pólo ativo ou passivo, quem figura
é a pessoa jurídica e não a pessoa natural que a
representa, seja este sócio, associado, administrador,
etc.

No entanto, ressalta-se a possibilidade da


responsabilidade contraída pela pessoa jurídica recair
sobre a pessoa do sócio ou administrador, quando isso
acontecer, estaremos diante do fenômeno da
desconsideração da personalidade jurídica, já que,
como regra, é a pessoa jurídica que deve responder por
suas obrigações e não as pessoas que a integram.

Tal fato se deu em decorrência do uso nocivo da


pessoa jurídica, pois as pessoas físicas ou naturais
passaram a utilizá-la para acobertar, sob seu manto,
as práticas abusivas e ilegais.

Neste sentido, temos o art. 28 do Código de


Defesa do Consumidor, a seguir transcrito.
CDC
Art. 28 O juiz poderá desconsiderar
a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei,
fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será
efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento
ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.

Trata-se, portanto, da possibilidade de


desconsiderar a pessoa jurídica para buscar o
verdadeiro causador do dano, não se trata de
considerá-la nula, mas torná-la ineficaz para
determinados atos.

A primeira parte do art. 28 do CDC, reproduz as


hipóteses tradicionais de desconsideração da pessoa
jurídica(abuso de direito, excesso de poder, infração

107
da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos
ou contrato social), aparentemente adotando a teoria
maior da desconsideração da pessoa juridica, conforme
segue:

ABUSO DE DIREITO

O abuso de direito decorre quando o titular de um


direito, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes, de acordo com o
artigo 187 do CC, a seguir transcrito.

Código Civil
Art. 187. Também comete ato ilícito
o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.

O caso em baila fundamenta-se na idéia de que os


direitos são concedidos aos seus titulares para serem
exercidos de maneira justa, social, legítima e não
para que faça uso deles de forma arbitraria. Impede,
portanto, que o direito sirva de forma de coação,
exploração, fraude.

EXCESSO DE PODER - INFRAÇÃO A LEI – VIOLAÇÃO DO


CONTRATO SOCIAL

Nesses casos temos que ter em mente que o poder é


exercido com excesso quando ocorrer abuso ou desvio do
mandato, conforme se depreende do art. 50 do CC, a
seguir:
Código Civil
Art. 50. Em caso de abuso da
personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de
finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, que os efeitos
de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica.

108
Tal como previsto do art. 50 do CC, existe a
possibilidade de desconsiderar a pessoa jurídica do
fornecedor quando o titular desvia ou vai além da
finalidade das normas, estatutos ou do contrato
social, extrapolando ou abusando do mandato que lhe
foi conferido e cause um ato ilícito.

No que tange a infração da lei ou prática de ato


ilícito também será possível desconsiderar a pessoa
jurídica e atingir o patrimônio do sócio se o ato por
ele praticado em nome da sociedade for contrário a
lei, violar um dever jurídico de qualquer ordem e
causar dano. Como dito será praticado em nome da
sociedade e nesse caso com nítida violação do estatuto
ou contrato social, posto que esses não podem buscar o
ilícito.

Ocorre, que o CDC, no § 5° do artigo 28 (a


seguir) permite ainda que a desconsideração da pessoa
jurídica ocorra sempre que a manutenção da
personalidade, como conseqüência, a autonomia das
vontades e responsabilidades, crie um obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor,
conduzindo às demais possibilidades a categoria de
cláusulas exemplificativas. Resta esclarecer que este
dispositivo comporta grande divergência doutrinária.

§5º - Também poderá ser


desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores.

Rizzatto Nunes afirma que a intenção do


legislador foi dar caráter meramente exemplificativo
ao rol de possibilidades da desconsideração da pessoa
jurídica, descrito no caput do artigo 28, por serem
mais comuns. No entanto, apesar de comuns nada impede
que outras espécies de fraude e abusos sejam
praticadas, tendo a pessoa jurídica como escudo. Para
evitar que, nesses casos, os sócios violadores passem
impunes, o § 5° deixou o texto normativo aberto para
que, em qualquer outra hipótese, seja possível
desconsiderar a sua personalidade.

Destarte, O parágrafo 5° faz uso da conhecida


teoria menor, contrário, portanto, ao Código Civil que

109
adota a teoria maior (Admite a desconsideração APENAS
quando restar provado desvio de finalidade (teoria
maior subjetiva) ou confusão patrimonial (teoria maior
objetiva) mais prejuízo ao credor (art. 50 do CC)),
conforme se depreende do seu artigo 50 e do próprio
caput do artigo 28 do CDC, no qual está inserido o §
5° ora estudado.

Para a teoria menor, não há necessidade da prova


do desvio, confusão patrimonial ou abuso no uso da
pessoa jurídica, basta apenas, a mera demonstração de
estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento
de suas obrigações.

Ressalta-se que essa teoria foi adotada pelo CDC,


de forma excepcional em seu §5° do artigo 28 (e na lei
de crimes ambientais, Lei n.º 9605/98), pois a regra
do nosso ordenamento (art. 50 CC) é a teoria maior que
exige, além da prova de insolvência, a prova de que
está ocorreu por desvio de finalidade, confusão
patrimonial, entre outras. Nesse sentido, seu emprego
tem sido tímido em nossos tribunais, mas aceito pelo
STJ.

Assim, esse entendimento prevaleceu, por maioria,


no Superior Tribunal de Justiça no julgamento do
rumoroso caso da explosão so Shopping Center de Osasco
(REsp n.° 279273 – SP, 3° Turma, Rel. Min. Ari
Pargendler, Rel, para o Acórdão, Min. Nancy Andrighi )

PROCEDIMENTO DA DESCONSIDERAÇÃO NO CPC

O NCPC passou a prever, expressamente, a


desconsideração da personalidade jurídica inversa (já
era admitida pelo STJ), na qual se afasta o patrimônio
do sócio para alcançar o patrimônio da pessoa
jurídica.

CPC, Art. 133. O incidente de desconsideração da


personalidade jurídica será instaurado a pedido da
parte ou do Ministério Público, quando lhe couber
intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste
Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da
personalidade jurídica.

110
Ademais, o NCPC encampou a jurisprudência do STJ,
afirmando que não há necessidade processo autônomo
para que seja desconsiderada a personalidade jurídica,
podendo ocorrer em qualquer fase processual.

CPC, Art. 134. O incidente de desconsideração é


cabível em todas as fases do processo de conhecimento,
no cumprimento de sentença e na execução fundada em
título executivo extrajudicial.

O CDC não trata da desconsideração da pessoa


jurídica nos parágrafos 2°, 3° e 4° do artigo 28, mas
da responsabilidades solidária e subsidiárias das
sociedades coligadas.

Desta forma, dentre as espécies de sociedades


coligadas temos os grupos societários, as sociedades
controladoras e as sociedades consorciadas, sendo as
suas responsabilidades subsidiária, para as duas
primeiras (grupos societários e sociedades
controladoras) e solidária para a última
(consorciadas), não obstante, as suas
responsabilidades dependem da prova da culpa, sendo,
portanto, subjetiva, conforme segue:

CDC
Art. 28 (...)
§ 2º - As sociedades integrantes dos
grupos societários e as sociedades
controladas são subsidiariamente
responsáveis pelas obrigações
decorrentes deste Código.
§ 3º - As sociedades consorciadas
são solidariamente responsáveis
pelas obrigações decorrentes deste
Código.
§ 4º - As sociedades coligadas só
responderão por culpa.

RESPONSABILIDADE CIVIL

Vamos agora ao estudo da Responsabilidade Civil


decorrente das relações de consumo, para tanto devemos
tecer alguns breves comentários.

DEVER JURÍDICO

111
Dever jurídico é a conduta externa de uma pessoa
imposta pelo Direito Positivo por exigência da
convivência. Não se trata de simples conselho,
advertência ou recomendação, mas de um comando que a
todos se dirige e a todos vincula.

Conforme afirmou San Tiago Dantas, o principal


objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e
reprimir o ilícito, ou seja, ao mesmo tempo em que ela
se empenha em tutelar a atividade do homem que se
comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta
daquele que o contaria.

Entende-se por dever jurídico como a forma de


conduta que o homem deve adotar em razão das regras
impostas pelo Direito Positivo, por exigência da
conivência social.

DEVER JURÍDICO ORIGINÁRIO E DERIVADO.

A violação de um dever jurídico que acarrete dano


a outrem configura o ilícito e faz nascer um novo
dever jurídico que é o de reparar o dano. Há assim, um
dever jurídico originário ou primário, cuja violação
gera um dever jurídico sucessivo ou secundário que é o
de reparar o dano.

Justamente com a violação do dever jurídico


originário é que aparece a noção de responsabilidade
civil, que no seu sentido etimológico, passa a idéia
de obrigação, encargo, contraprestação. Igualmente,
ocorre com o seu sentido jurídico, pois designa o
dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente
da violação de um dever jurídico originário.

Assim, a responsabilidade civil somente aparece,


como regra, onde houver violação de um dever jurídico
e dano. É assim, porque responsabilidade pressupõe um
dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida
e um dano ocasionado.

CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Conclui-se que responsabilidade civil é um dever


jurídico sucessivo que surge para recompor o prejuízo

112
– dano, decorrente da violação de um dever jurídico
originário.

Para Maria Helena Diniz a responsabilidade civil


seria “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa
a reparar dano moral ou patrimonial causado a
terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado,
por pessoa por quem responde, por alguma coisa a ela
pertencente ou por simples imposição legal”.

FUNÇÃO

O anseio de obrigar o agente causador do dano a


repará-lo, tem seu âmago no mais elementar sentimento
de justiça. O dano causado pelo ilícito rompe o
equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente
entre o agente e a vitima. Há uma necessidade
fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que
se procura fazer recolocando o prejudicado no statu
quo ante. Isso se faz através de uma indenização
fixada na proporção ao dano experimentado.

ESPÉCIES

Sabendo que a responsabilidade tem por elemento


nuclear uma conduta violadora de um dever jurídico.
Sob tal premissa, torna-se possível separá-la em
diferentes espécies, levando em consideração a origem
do dever e qual o seu elemento subjetivo.

Assim, pode-se concluir que são espécies de


responsabilidade: a contratual e extracontratual, a
civil e penal e, por fim,a subjetiva e objetiva.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

Em síntese, sempre que um dever jurídico for


violado haverá responsabilidade. Assim, se o dever
jurídico tiver como fonte um negócio jurídico
estaremos diante da responsabilidade contratual, por
outro lado quando a ofensa for legal, teremos a
responsabilidade extracontratual subjetiva ou
aquiliana.

Com base nessa divisão que a doutrina separa a


responsabilidade civil em contratual e
extracontratual, sendo a primeira também denominada de

113
ilícito contratual ou relativo e a segunda de ilícito
aquiliano ou absoluto, quando subjetiva.

Por fim, conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho,


as responsabilidades contratual e extracontratual
importam em violação de um dever jurídico
preexistente. A diferença, portanto, está na origem
desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando
o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito
contratual) estiver previsto no contrato ou negócio
jurídico. Haverá por seu turno responsabilidade
extracontratual se o dever jurídico violado não
estiver previsto no contrato, mas sim na lei.

RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Verificamos que a ilicitude ocorre quando da


transgressão das normas concebidas em sociedade. Nesse
sentido, pode ocorrer em qualquer ramo do Direito.

Como vimos, quando a norma violada for penal,


haverá um ato ilícito penal e, consequentemente, a
responsabilidade será penal. Na mesma, linha teremos
responsabilidade civil, quando a ofensa for perpetrada
contra a respectiva norma de Direito Privado.

Maria Helena Diniz ressalta que à responsabilidade


penal pressupõe lesão aos deveres dos cidadãos para
com a sociedade, acarretando um dano social
determinado pela violação da norma penal, exigindo
para restabelecer o equilíbrio a aplicação de uma pena
ao lesante. Enquanto que para responsabilidade civil
requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado, de
modo que a vítima poderá pedir reparação do dano
traduzida na recomposição do statu quo ante ou numa
importância em dinheiro.

Ocorre que a separação entre as ilicitudes penais


e civis tem cunho meramente didático, pois como vimos
ambos importam na violação de um dever jurídico.
Outrossim, a separação dos atos ilícitos permite que a
ilicitude praticada pelo mesmo ato ou a pela mesma
conduta constitua crime e ato ilícito civil, passível
de indenização. Desse modo para o mesmo fato ou ato
podem ocorrer, concomitantemente, à persecução
criminal e a ação de ressarcimento, ou seja, um mesmo

114
ato ilícito pode assumir duplo aspecto e ocasionar uma
responsabilidade civil e outra penal.

Tal fato ocorre, pois as normas de direito penal


são de direito público e interessam mais diretamente a
sociedade, enquanto as de direito civil, são de
direito privado, interessando mais de perto ao
ofendido. Quando a ofensa permeia por ambas, haverá
duas persecuções, uma em favor da sociedade e outra em
favor do ofendido.

A exemplo do motorista de uma mepresa de ônibus,


que dirigindo com imprudência atropela e mata um
pedestre. Tal conduta produz o nascimento da
responsabilidade penal do motorista, que ficará
sujeito a sanção pelo crime de homicídio,
teoricamente, culposo e, ainda, será obrigado a
reparar o dano aos descendentes da vítima, decorrente
do ilícito civil. Em tal caso, como se vê, haverá
dupla sanção: a penal, de natureza repressiva,
consistente em uma pena privativa de liberdade ou
restritiva de direitos, e a civil, de natureza
reparatória, consubstanciada na indenização.

Silvo de Salvo Venosa exemplifica utilizando dois


círculos concêntricos, sendo esfera do processo
criminal um círculo menor, de menor raio, porque a
culpa criminal e aferida de forma mais restrita e
rigorosa, tendo em vista a natureza da punição e ainda
porque, para o crime, a pena não pode ir além do autor
da conduta.

A esfera da ação civil de indenização é mais


ampla, porque a aferição de culpa é mais aberta,
admitindo a culpa grave, leve e levíssima, mas todas
acarretam, como regra, o dever de indenizar. Ainda,
porque há terceiros que podem responder
patrimonialmente pela conduta de outrem, bem pelo fato
de que determinados atos podem não ter conseqüências
criminais, mas irão acarretar o dever de indenizar,
pois ingressam na categoria de ato ilícito lato sensu,
cujo âmbito é estritamente de responsabilidade civil.

Responsabilidade

115
Responsabilidade
Penal

Civil

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

Resumidamente, pode-se sintetizar que a


responsabilidade civil subjetiva decorre do dano
causado em função do ato doloso ou culposo, enquanto
que para a responsabilidade civil objetiva o elemento
conduta humana (culposa ou dolosa) torna-se
irrelevante, pois o que importa é a demonstração do
elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente
quando desempenhada uma atividade de risco, para que
surta o dever de indenizar.

A responsabilidade civil objetiva surge em razão


da evolução da responsabilidade subjetiva, pois sua
clássica teoria da culpa não estava conseguindo
satisfazer todas as necessidades da vida comum,
deixando sem reparação um imenso número de casos
concretos pela impossibilidade de comprovação da
conduta culposa.

Assim, mais recentemente, a jurisprudência começou


a vislumbrar novas soluções com a ampliação do
conceito de culpa e da sua prova, passando para
conceito da culpa presumida, hipótese em que ainda
será subjetiva, até chegar na responsabilidade
objetiva que, em alguns casos, se fundamenta na teoria
do risco integral.

Podemos concluir que a responsabilidade civil


decorrente das relações de consumo, como regra, seria
a última etapa do processo de evolução da
responsabilidade civil e que nasceu para fazer frente
a nova realidade decorrente da evolução industrial e
do desenvolvimento tecnológico e científico a fim de,
principalmente, suprir a lacuna que existia na
reparação do dano e na proteção do consumidor em razão

116
da ineficácia da tradicional responsabilidade civil
nesse novo cenário mercantil.

Vejamos o exemplo abaixo:

Um consumidor adquiriu de um mercado uma garrafa


de refrigerante. Ao chegar em casa, colocou-a no
refrigerador e após algumas horas resolveu abri-la,
quando a garrafa produziu, literalmente, uma explosão
e a tampa veio a acertar seu olho esquerdo, causando-
lhe a perda da visão deste olho.

Cabe, a seguinte indagação: De acordo com o


critério tradicional responsabilidade civil
(aquiliana), quem seria o causador do dano?

Seria do vendedor? A defesa deste seria simples,


pois bastaria alegar que não teve culpa do resultado,
pois se limitou a vender ao consumidor o produto que
recebeu do fabricante.

Seria então do fabricante? A sua alegação, que


também afastaria a sua responsabilidade, seria que não
existe qualquer relação jurídica estabelecida com o
consumidor, pois nada vendeu a este, bem como que não
poderia responder pelo fato da coisa, pois esta não
estava sob sua guarda, comando ou direção.

Restaria afirmar que, sob o fundamento da


tradicional responsabilidade civil o consumidor seria
o próprio causador do dano tendo que absorver o
prejuízo experimentado ficando, portanto, desamparado.

Destarte, até o advento do CDC, por não haver


legislação eficiente para enfrentar os problemas
decorrentes dos acidentes de consumo, o consumidor
teria que provar a culpa ou o dolo do fornecedor
(prova esta praticamente impossível ou mesmo
inexistente), sob pena de assumir os riscos e danos
decorrentes do consumo.

Por incrível que pareça o risco do negócio era do


consumidor. Era ele quem corria o risco de adquirir um
produto ou serviço, pagar o seu preço e não poder dele
usufruir adequadamente, ou pior, sofrer algum dano.

117
O maior absurdo é que esse sistema foi aplicado
até o dia 10 de março de 1991, pois somente depois
desse dia o CDC entrou em vigor e inverteu a relação
preexistente referente aos riscos do consumo, do
consumidor para o fornecedor, além de estabelecer a
responsabilidade, sem culpa (objetiva), para todos os
casos de acidentes de consumo.

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