Este resumo em 3 frases:
1) O conto descreve a tentativa do diabo de fundar sua própria igreja para rivalizar com a Igreja de Deus.
2) No entanto, o diabo fica perplexo ao descobrir que mesmo os seguidores de sua igreja praticavam virtudes secretamente.
3) Para Machado de Assis, isso ilustra a "eterna contradição humana" de que o homem é incapaz de ser totalmente bom ou mau.
Este resumo em 3 frases:
1) O conto descreve a tentativa do diabo de fundar sua própria igreja para rivalizar com a Igreja de Deus.
2) No entanto, o diabo fica perplexo ao descobrir que mesmo os seguidores de sua igreja praticavam virtudes secretamente.
3) Para Machado de Assis, isso ilustra a "eterna contradição humana" de que o homem é incapaz de ser totalmente bom ou mau.
Este resumo em 3 frases:
1) O conto descreve a tentativa do diabo de fundar sua própria igreja para rivalizar com a Igreja de Deus.
2) No entanto, o diabo fica perplexo ao descobrir que mesmo os seguidores de sua igreja praticavam virtudes secretamente.
3) Para Machado de Assis, isso ilustra a "eterna contradição humana" de que o homem é incapaz de ser totalmente bom ou mau.
Bruno Oliveira Mariana da Silva Pedro Thiago da Cruz Costa
Bacharelandos em Teologia pela Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis/RJ
A IGREJA DO DIABO
PALAVRAS-CHAVE
Deus. – Diabo. – Igreja. – Mundo. – Homem.
O AUTOR
Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839,
e falecido em 29 de setembro de 1908, foi escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional. Escreveu em praticamente todos os gêneros literários, sendo poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário. Sua extensa obra constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas.
O CONTO
Em linguagem rebuscada, repleta de simbolismos, com menções mais ou menos
claras de passagens bíblicas, estilo parabólico e irônico, o conto A Igreja do Diabo foi publicado em 1884, e integra o livro Histórias Sem Data. É peculiar do Movimento Realista, em oposição ao Romantismo, o qual Machado de Assis representa, sobrexaltar a crítica à humanidade e à sociedade. O capítulo 1 é intitulado “De uma ideia mirífica”. Ao referir o conto a um “manuscrito beneditino”, sem detalhes temporais, Machado parece já situá-lo dentro de uma esfera religiosa, embora sua intenção a transcenda, objetivando propor a clássica “moral da história” aos leitores. Como diz o antigo adágio, o diabo é o “macaco de Deus”. Por macaquice, ele decidiu fundar uma igreja. O papel marginal e desorganizado – ou, em outras palavras, não institucional – de seus intentos milenares o humilhava; o diabo estava incomodado com a ausência de cânones e rituais, como aqueles que via existir na igreja de Deus. A universalidade religiosa às avessas que ele propunha aos homens – a tenda de Abraão que decidira armar – não teria rival algum, porque se Lutero e Maomé se achavam paralelos à Igreja, no intento de afirmar Deus, tais quais outras religiões a se apresentarem como vias de acesso ao divino, o credo do diabo não teria nada que ver com elas, e poderia seguir com desembaraço sua proposta revolucionária. A sua religião estranha e macabra daria fim a todas as outras. Já no capítulo 2, em um cenário idêntico ao do Livro de Jó, posta-se na presença de Deus e seus anjos “o espírito que nega”. Palavras semelhantes às bíblicas são ditas ao diabo quanto ao ancião recebido no céu, no mesmo instante de sua incômoda chegada. Aqui o acusador, com ar de escárnio, encontra ocasião de expor a Deus o projeto que o fez crer superior a Deus, em um “breve instante de eternidade”. A retórica do diabo causou mais tédio nos anjos que em Deus. A cena é cômica pelos contrastes. O inimigo, interrompido por Deus, é censurado por ser o seu discurso clichê, em nada diferente do dos moralistas do mundo. A figura de Deus parece ser guardada por Machado com certa reverência; a paciência daquele em relação às novidades satânicas, longe de significa re m inércia, despreocupação ou impotência, dão, pelo contrário, um antegozo da sabedoria com que o autor finalizará o conto, pondo-a na boca do próprio Deus. Sobre “A boa-nova aos homens”, trata o capítulo 3. Ao vestir o diabo com o hábito beneditino, por causa da “boa fama”, Machado parece destacar o prestígio de que os religiosos desfrutam na sociedade. O diabo, para chegar mais facilmente aos homens, se serve do crédito estético ao qual nem sempre acompanham os devidos princíp ios morais. Dizer à turba ser o próprio diabo não era um problema para ele, uma vez que pleiteava desconstruir a imagem tenebrosa com a qual fora pintado. Começando com um discurso carismático, fiado em promessas, o diabo inaugurou a novidade de sua doutrina, que consistia, essencialmente, em negar todas as virtudes e substituí-las por aquelas outras às quais ele chamou “naturais e legítimas”; assim “foram reabilitadas” soberba, gula, luxúria, preguiça... e o elenco tradicionalmente conhecido. O capítulo 4 finaliza o conto. Consolidada no tempo e entre as nações, a igreja do diabo já possuía o prestígio que seu fundador previra. Um dia, no entanto, todo perplexo, “notou o diabo que muitos de seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas por partes”, e às ocultas. Com humor excepcional, Machado acrescenta: “A descoberta assombrou o diabo”. O próprio autor do mal o desconhecia a fundo: eis a contradição machadiana, o cenário do humor, o vértice do problema que ele sublinha nesta obra. O diabo conheceu o droguista, que envenenava e remediava; o ladrão de camelos, que roubava e dava esmola; o calabrês que fraudava e dava gratificações aos empregados, além de se benzer e confessar com um cônego. Pasmo com o espetáculo humano, o diabo nem mesmo conseguiu buscar precedentes históricos, que lhe conferissem condições de compreender aquilo que vira. Trêmulo de raiva, sobe a Deus para descobrir a causa desse terrível fenômeno. Paciente e soberano, Deus não exulta com aquela “agonia satânica”, apenas olha o triste diabo e lhe diz: “É a eterna contradição humana”.
APRECIAÇÃO CRÍTICA DO CONTO
Machado de Assis, segundo os comentadores literários, tinha uma concepção
pessimista quer cosmológica, quer antropológica. O ser humano, radicado na contradição, está gravemente subordinado a mil mazelas, e é uma entre tantas engrenagens de um mundo não saudável. A “máquina do universo”, para Camões, está com defeito, para o Bruxo do Cosme Velho. Nas obras deste, aquilo que se espera como final feliz não tem a palavra final, e o mal, contra o costume, muitas vezes, prevalece sobre o bem. A sentença com a qual Machado conclui a sua obra, surpreende o leitor: “É a eterna contradição humana”. Ao desejo de encontrar uma resposta sucede a insatisfação de não se encontrar na resposta dada por Deus a solução para o problema suscitado ao longo do conto: Que é o homem? O escritor se limita a não responder a essa questão. A sua pretensão, com este conto, é assentar a sua própria concepção antropológica, não a aparente religiosidade com que ilustra suas ideias. Fazer derivar de Deus a sentença que deixa em suspenso o problema do homem pode significar, para o autor, que, se ele é autoridade a quem se deve prestar ouvidos, então Deus mesmo, como o diabo, assistem perplexos ao drama de um homem que não possui explicação. Pode significar, ainda, que, se Deus o entende, então legitima a visão machadiana que permeia todo o conto, aquela antropologia pessimista que não possui qualquer relação com o transcendente, com o numinoso. Quando seus intentos malignos chocam com o drama do homem, lê-se que essa “descoberta assombrou o diabo”. Machado não poderia ter sido mais irônico do que pôr na boca do diabo – radical e eternamente mal – a sua própria perplexidade a respeito de um ser que, enquanto estiver neste mundo, não pode ser categorizado como “bom” ou “mau”, o homem; e isso exatamente porque a condição terrena deste é a causa daquilo a que intitulou “a eterna contradição humana”. O escritor fez parecer que, para o diabo, mais ruim é a flutuação humana em suas decisões que a sólida obstinação naquilo que é essencialmente ruim, o mal. O desdém do diabo para com o ancião que Deus recolhe no céu, cujo nome é Fausto, faz uma intertextualidade com uma obra de Goethe, na qual Fausto vende a alma ao diabo em troca de um saber supremo. A palavra do acusador põe às claras a crítica de Machado: o mal seduz o homem e o engole sem dificuldades; Deus não tinha razões para o salvar. A presunção do diabo para com o homem, no início deste conto, é semelhante ao do candidato político para com o eleitor: ambos julgam conhecer os destinatários de suas propostas, mas, no fim das contas, os eleitores os podem surpreender. A pretensão dos projetos que lhe deram sucesso temporário contou com a fraqueza humana para a maldade, que Machado em diversos trechos do conto deixa assinalado. Embora critique o catolicismo, o escritor faz o diabo não se incomodar com a doutrina de Maomé e de Lutero, como se lhe parecessem desprezíveis. Por outro lado, Machado frisa a tendência humana de ser convencida pelo prestígio estético, e veste o diabo com o hábito beneditino, como que significando não importar aquilo que alguém é internamente – ainda que seja o diabo – se, externamente, ele guardar com reverência aquilo a que os homens respeitam, mesmo na aparência. Outro aspecto, enfim, e justamente aquele que migra para o ápice da história, é a incapacidade do homem de ser completo no bem ou no mal. Tanto é que, mesmo podendo praticar o mal como preceito religioso, o homem nunca está privado da possibilidade de escolher o bem. Os fiéis da igreja do diabo praticavam as virtudes, mas nem todas, nem por inteiro e não à vista dos outros. Se é verdade que, antigamente, “o vício pagava tributo à virtude” em nome dos bons costumes sociais, apesar de atualmente “a virtude pagar tributo ao vício”, tudo se trata de generalizações que, na opinião de Machado, não contemplam a verdade acerca do homem. O seu pessimismo antropológico não está na mesma perspectiva adotada pela teologia. O homem é, por natureza, bom e, por causa da ferida do pecado, capaz de mal; ao contrário, Machado, com uma antropologia que em nada considera o ultraterreno, diz que o homem é mal, mas capaz de bem. No entanto, é preciso concordar com o escritor que o homem está dividido em si mesmo, e nenhum discurso moralizante pode enquadrá - lo na fila dos bons ou dos maus, rigidamente. Podemos, a propósito, sublinhar o princípio de que somente o bem enxerga bem aquilo que é mal. O mal não enxerga com olhos saudáveis a realidade mesma; falta-lhe a precisão de juízo. Em O Auto da Compadecida, na cena do julgamento de João Grilo, o Juiz – o Cristo negro – lhe dá a palavra; aquele reconhece o seu pecado e se dirige para o inferno. O acusador vibra. Acontece que, sem uma intervenção dos céus, simbolizada na defesa de Nossa Senhora, o pecador não conseguiria alcançar a verdade acerca de si mesmo. O Realismo francês, que influenciou no Naturalismo da literatura brasileira, traz consigo a deficiência que Machado identificou, ao evidenciar que o homem não pode ser explicado integralmente pelo homem; a religião, à qual ele acudiu – ao menos na simbólica católica com a qual ilustrou inteligentemente o seu conto –, ainda que lhe pudesse propor as bases estáveis para responder aos problemas suscitados na história, foi considerada insuficiente neste intento. A concepção de instituição, e em especial naquilo com que se relaciona com a perspectiva antropológica de Machado, também foi criticada neste conto. Curioso é que o espírito de confusão faz uma opção pela ordem, a organização clássica, com cânones e rituais, por exemplo. O autor escreve em um período histórico-social do Brasil em que era evidente a decadência do Império, a iminência da República e as instituições, como a Igreja Católica, eram criticadas abertamente pelos positivistas. Repensar o valor de uma instituição religiosa era, nesse contexto, no mínimo um escárnio. Há quem considere a simbólica do conto até carnavalesca. Em um primeiro momento, Machado ressalta não tanto a qualidade moral – quer da igreja de Deus, quer da igreja do diabo –, quanto, e sobretudo, a influência que uma instituição exerce sobre os indivíduos. A frustração dessa lógica é a contradição machadiana, o paradoxo que arremata a ideia do autor acerca do problema do homem: a instituição não faz o indivíduo. O que se espera de um indivíduo da igreja de Deus é a idoneidade no bem, como a idoneidade no mal daquele que está na igreja do diabo. Interessante é que, no conto, o próprio autor do mal o desconhecia a fundo. O diabo, também ele era ingênuo quanto ao mal: fica assombrado com as possibilidades humanas, estranhas à sua condição angélica – ou melhor, diabólica. Mas o que tinha sido uma descoberta, algo inédito para o diabo, não o era para Deus e seus anjos. Alistar-se, pertencer a uma instituição não é garantia de que um indivíduo esteja plenamente conforme com os seus princípios. O escritor mulato já critica a igreja de Deus, enquanto instituição, ao pôr na boca do diabo a comparação dela com uma loja vazia, quando o sucesso de sua instituição às avessas se implantasse no mundo. Indiretamente também ele a critica, ao sugerir que mesmo “o preço mais barato” de sua instituição não é o suficiente para uma freguesia tão complexa como o homem; ou seja, por mais idônea que seja uma instituição naquilo a que se propõe, o homem a turba e a corrompe. A causa do tumulto é a mesma em ambas as igrejas, a inconstância do homem. É falho o seu compromisso. Contudo, a indifere nça entre qual instituição religiosa é válida para o homem, a fim de alcançar a ética por ele desejada, lança, ao mesmo tempo, o papel da instituição e da religião na imprecisão de uma escolha. A instituição não é capaz de manter o homem em ideais comuns, ainda que estes sejam religiosos – e, quem sabe, ainda que estes sejam os verdadeiros. O tédio dos anjos, na nossa opinião, situado no início do conto, fez o próprio Machado cair, de certo modo, em uma contradição. Aqueles se aborreceram com uma inverdade e que foi corroborada no fato de Deus mesmo ter recebido a Fausto no céu. Ora, a instituição não encaminhou um homem para uma sorte escatológica precisa, o céu? Talvez o erro de Machado nesse ponto, chegando já ao fim do conto, tenha sido acreditar mais no “espírito que nega” – e nega tudo, como disse a Deus – que no Senhor. A Igreja do Diabo apresenta um produto literário de riquíssimo conteúdo, no qual, entre os muitos aspectos que merecem ser destacados nesta resenha, quisemos destacar, especialmente, a perspectiva de antropologia e de instituição que o autor nos propõe. A antropologia machadiana não contempla o homem a partir da bondade originária que a fé na criação, a propósito, professa. E a sua concepção de instituição demonstra a descrença do escritor em relação à habilitação real – moralmente falando – que ela produz nos indivíduos que a integram. Uma coisa atrelada à outra sustentou a crítica que Machado de Assis levanta neste conto. No entanto, ele identificou o problema do mal e tateou, em sua antropologia, a inerência deste problema à situação em que o homem se encontra. Identificar no homem o mal não quer dizer que ele seja, por natureza, mal. Também ele não poderia ser bom e mau, concomitantemente, porque uma coisa não pode ser duas, e ainda mais o seu contrário, segundo o parecer de Aristóteles. Além disso, a instituição possui uma interligação com o indivíduo, porque é modelada pelo homem e o modela. Machado identificou isso também. Àquilo, porém, que ele percebeu como prejudicial – a capacidade de escolher algo diverso de uma decisão tomada –, na realidade é a mesma força que, sem responsabilidade, torna o homem, de fato, muito limitado na realização de seu potencial: a liberdade.