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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA
UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS INDIOS
CURSO DE PSICOLOGIA

CAIO DE OLIVEIRA PINTO FERRAZ


ÉRIKA DE ABREU SILVA

O PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR (PTS) COMO ESTRATÉGIA PARA O


CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS
(CAPS): UMA ANÁLISE A PARTIR DE PSICÓLOGOS ALAGOANOS

PALMEIRA DOS INDIOS


2019
Caio de Oliveira Pinto Ferraz
Érika de Abreu Silva

O Projeto Terapêutico Singular (PTS) como estratégia para o cuidado em saúde mental nos
Centros de Atenção Psicossociais (CAPS): Uma análise a partir de psicólogos alagoanos

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC


apresentado a Universidade Federal de
Alagoas - UFAL, Campus Arapiraca,
Unidade Educacional de Palmeira dos Índios,
como pré-requisito para a obtenção do grau
de Graduação em Psicologia.

Orientadora: Prof. Me. Caroline Cavalcanti


Padilha Magalhães

PALMEIRA DOS ÍNDIOS


2019
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios
Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

F381p Ferraz, Caio de Oliveira Pinto.


O Projeto Terapêutico Singular (PTS) como estratégia para o cuidado em saúde
mental nos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS): uma análise a partir de
psicólogos alagoanos / Caio de Oliveira Pinto Ferraz; Érika de Abreu Silva, 2019.
97 f.

Orientadora: Caroline Cavalcanti Padilha Magalhães.


Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de Alagoas.
Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios. Palmeira dos Índios,
2019.

Bibliografia: f. 82 – 89
Apêndice: 90 - 94
Anexo: 95 - 97

1. Psicologia. 2. Saúde mental. 3. Centros de Atenção Psicossociais


(CAPS). 4. Loucura. 5. Psiquiatria – Brasil. 6. Reforma psiquiátrica – Brasil.
7. Serviços de saúde mental - Brasil. I. Silva, Érika de Abreu. II. Magalhães,
Caroline Cavalcanti Padilha. III. Título.
CDU: 159.9
“No teatro do manicômio, o louco não foi o
herói, nem o vilão, nem um protagonista: foi,
talvez, um figurante.”

ISAIAS PESSOTTI
RESUMO

Os movimentos de Reforma Sanitária e de Reforma Psiquiátrica desencadearam grandes


mudanças no que se refere à saúde mental brasileira, essas modificações culminaram
discussões acerca de novos métodos e fazeres. A partir do questionamento da concepção de
doença mental e do desenvolvimento de políticas públicas e da rede de serviços substitutivos,
entre eles os CAPS, ao hospital psiquiátrico tornou-se necessária a criação de estratégias que
consigam compreender o ser humano e sua complexidade a partir de equipes
interdisciplinares nos serviços de saúde, buscando dessa forma não só o cuidado, mas também
a promoção de bem-estar biopsicossocial. O Projeto Terapêutico Singular é uma estratégia,
desenvolvida pelo ministério da saúde, capaz de alcançar os objetivos da Reforma Psiquiátrica
nos serviços substitutivos. Trata-se do planejamento em conjunto – usuário, equipe
interdisciplinar e família – do cuidado dos usuários nas instituições, considerando sua
singularidade, potencialidades e limitações. Assim, tem como objetivos o desenvolvimento da
autonomia e a reinserção social. O presente trabalho objetivou analisar as propostas do
Projeto Terapêutico Singular enquanto estratégia de cuidado em Saúde Mental a partir de uma
pesquisa de campo de cunho qualitativo através de entrevistas semiestruturadas com três
psicólogos alagoanos. A partir dos dados coletados tornou-se perceptível que, apesar do PTS
subsidiar a atuação dos profissionais nos CAPS orientados pelos princípios da Reforma
Psiquiátrica, há um distanciamento quanto à teoria e sua aplicação. Buscou-se, assim,
compreender essa realidade e refletir a cerca dos desafios de sua implantação e manutenção.

Palavras-chave: Psicologia - saúde mental. Reforma psiquiátrica. Projeto terapêutico


singular.
ABSTRACT

The Sanitary Reform and Psychiatric Reform movements started great changes in Brazilian
mental health, these changes culminated in discussions about new methods and practices.
From the questioning of the conception of mental illness and the development of public
policies and the network of substitutive services, among them the CAPS, to the psychiatric
hospital became necessary the creation of strategies that can understand the human being and
its complexity from interdisciplinary teams in health services, bringing not only care, but also
the promotion of biopsychosocial well-being. The Singular Therapeutic Project is a strategy,
developed by the Ministry of Health, able to reach the goals of the Psychiatric Reform in the
substitutive services. It is the group planning - user, interdisciplinary team and family - of the
care of the users in the institutions, considering their uniqueness, potentialities and
limitations. its objectives are the development of autonomy and social reintegration. The
present work aimed to analyze the proposals of the Singular Therapeutic Project as a strategy
of care in Mental Health from a qualitative field research through semi structured interviews
with three psychologists from Alagoas. From the collected data it became evident that,
although the PTS is the base for the professionals' performance in the CAPS guided by the
principles of Psychiatric Reform, there is a distancing about the theory and its application.
The aim was to understand this reality and to reflect on the challenges of its implementation
and maintenance.

Keywords: Psychology - mental health. Psychiatric reform. Singular therapeutic


project.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL 15

2.1 PRIMEIRAS CONCEPÇÕES SOBRE A LOUCURA 15

2.2 PINEL E A CONCEPÇÃO MORAL DA LOUCURA 18

2.3 O NASCIMENTO DA PSIQUIATRIA E A APROPRIAÇÃO DA 21


LOUCURA

2.3.1 Manicômios: estrutura e tratamento 23

2.3.2 Classificações Nosográficas 25

2.4 A PSIQUIATRIA NO BRASIL 30

2.5 A REFORMA PSIQUIÁTRICA: UMA NOVA PROPOSTA DE 32


TRATAMENTO

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL: DA 36


LUTA ANTIMANICOMIAL AOS CENTROS DE
ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS

3.1 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE 36


SAÚDE MENTAL NO BRASIL

3.2 OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS (CAPS) E A 40


IMPORTÂNCIA DA REDE DE SERVIÇOS NO CUIDADO EM
SAÚDE MENTAL

EQUIPES INTERDISCIPLINARES E O PROJETO TERAPÊUTICO


3.3 SINGULAR NA SAÚDE MENTAL 44

3.4 O CUIDADO EM SAÚDE MENTAL ATUALMENTE 47

4 PSICOLOGIA E SAÚDE MENTAL: HISTÓRIA E PAPEL DO 50


PSICÓLOGO NA CONSTITUIÇÃO DO PTS

4.1 NASCIMENTO E HISTÓRIA DA PSICOLOGIA 51


4.1.1 Desenvolvimento da psicologia no Brasil 52

4.2 A PSICOLOGIA NO SUS: PRÁTICAS EM CONSTRUÇÃO 56

4.3 A PSICOLOGIA NO CONTEXTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA 57

4.4 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CAPS: POSSÍVEIS 59


CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO PTS

5 EXPERIÊNCIA DE PSICÓLOGOS ALAGOANOS COM O PTS 63


NOS CAPS

5.1 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CAPS 65

5.2 FUNÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR 68

5.2.1 Organização dos profissionais para acolhimento nos CAPS 68

5.2.2 Percepções a cerca do Projeto Terapêutico Singular 69

5.3 A CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR 71

5.4 DESAFIOS DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR 74

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 78

REFERÊNCIAS 82

APÊNDICE 90

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 90

APÊNDICE B – Roteiro para Entrevista 94

ANEXO 95

ANEXO A – Plano Terapêutico – Singular – PTS 95

ANEXO B – Tabela Plano Terapêutico Singular - PTS 97


9

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como objetivo analisar as propostas do Projeto Terapêutico


Singular (PTS), enquanto estratégia de cuidado em saúde mental, e sua aplicação nos Centros
de Atenção Psicossociais (CAPS) a partir da experiência de psicólogos alagoanos. O intuito é
de compreender se a estratégia está sendo utilizada dentro dos CAPS e, quando utilizada, de
que forma a mesma tem contribuído para o cuidado dos usuários.
Para isso, foram realizadas pesquisas bibliográficas e de campo, traçando, assim, o
percurso histórico da saúde mental brasileira nas últimas décadas. Além de abordar a
experiência de psicólogos no que diz respeito à atuação da psicologia no CAPS e no uso do
PTS nas instituições.
O interesse pelo tema surgiu a partir de um estágio extracurricular de um dos estudantes
durante o sétimo período da graduação – primeiro semestre de 2017 – realizado no CAPS
Núbia Carvalho de Melo, situado na cidade de Olho d’Água das Flores, sertão alagoano.
Durante esse estágio a estudante teve o primeiro contato com o PTS, onde pode acompanhar o
início da implantação da estratégia na instituição, além de participar das discussões sobre as
limitações e as possibilidades do mesmo junto aos profissionais da equipe.
Além da experiência citada, a participação de ambos os estudantes em uma oficina
realizada na IV Jornada de Saúde Pública de Alagoas no mês de agosto de 2017 foi relevante
para a escolha do tema. A oficina contou com a participação de profissionais da atenção
básica e de estudantes. Durante a mesma foi percebido o desconhecimento por parte dos
profissionais das diversas áreas a respeito do PTS e do seu uso. Esse fato instigou, ainda mais,
pesquisas sobre o tema e discussões entre os estudantes, despertando a vontade de conhecer e
desenvolver o trabalho de conclusão de curso baseado nessa estratégia.
Nesse sentido, podemos considerar que é notória a mudança nas últimas décadas no que
se refere a forma como a denominada loucura tem sido tratada, tanto no que diz respeito ao
modo como a sociedade lida com essa realidade quanto ao desenvolvimento de políticas
públicas, a partir de serviços substitutivos aos manicômios, outrora destinados ao tratamento
de transtornos mentais.
Os movimentos de Reforma Sanitária e de Reforma Psiquiátrica desencadearam grandes
mudanças na saúde mental brasileira. Essas modificações culminaram em discussões acerca
de novos métodos e fazeres dentro de diversas áreas de conhecimento, inclusive a
Psicologia. Logo, tornou-se necessária a criação de estratégias que conseguissem ampliar a
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compreensão do ser humano e de sua complexidade a partir da importância de equipes


interdisciplinares nos serviços de saúde, buscando, dessa forma, o cuidado e a promoção de
bem-estar dos usuários.
A década de 1980 foi, sem dúvidas, a mais significante no que se refere à saúde da
população brasileira através da promulgação da Constituição Federal de 1988, que passa
a entender a saúde como um princípio fundamental do ser humano e de responsabilidade do
Estado. A Carta Magna brasileira proporcionou a criação do Sistema Único de Saúde
(SUS). Esses foram resultados de movimentos sociais que tiveram início na segunda metade
da década de 1970 em resposta ao autoritarismo do Estado e a ineficiência da assistência
pública em saúde. Logo, essas críticas e “a elaboração de propostas alternativas constituíram o
que veio a se chamar movimento de reforma sanitária” (TENÓRIO, 2002) que tinha como
objetivo a reformulação do sistema nacional de saúde da época.
Naquele período a saúde mental ganhou grande visibilidade nessas discussões devido ao
modo como esta era tratada até então, pouco humanizada. Porém, inicialmente, as críticas a
esse setor não tinham como foco o combate aos manicômios e a necessidade de repensar o
exercício da psiquiatria no Brasil, mas os desvios e excessos que eram cometidos pelos
profissionais (TENÓRIO, 2002, p.32). Apenas com a criação do Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) no ano de 1978 novos questionamentos foram
feitos até que se chegasse ao movimento que denominamos hoje “luta antimanicomial”
(TENÓRIO, 2002, p.32). Esse movimento teve como objetivo, através de uma reforma
psiquiátrica, substituir a psiquiatria tradicional centrada em hospitais e na exclusão das
pessoas em sofrimento por uma série de serviços diversificados e comunitários que buscam
não só o cuidado, mas também, a prevenção e a promoção de saúde mental para a população.
Podemos atribuir os estigmas que a pessoa em sofrimento psíquico carrega até os dias
atuais ao processo histórico da psiquiatria e da loucura, que revelava a falta de conhecimento
sobre os processos psíquicos que, por muito tempo, manteve - se camuflado entre aspectos
orgânicos e religiosos.
Até o século XVII a loucura e os comportamentos típicos da mesma estavam sendo
estudados pela teologia (PESSOTI, 1996, p. 29). Contudo, no século XVIII a medicina passou
a dedicar-se a chamada loucura e os estudiosos passaram a defender duas vertentes: a primeira
buscava no organismo as causas da loucura enquanto a segunda voltava-se para à moral e o
desajustamento social.
Um dos grandes estudiosos dessa época e percussor da concepção moral da loucura foi
Philippe Pinel, considerado, por muitos, o pai da psiquiatria que apenas foi reconhecida como
11

especialidade da medicina, com objeto definido, no século XIX. Pinel ficou conhecido por
modificar a forma de tratar os ditos loucos, ordenando a soltura dos grilhões que
acorrentávamos internos. (TENÓRIO, 2002, p. 26).
As ideias apresentadas por Pinel estão bem distantes das discutidas pelos defensores da
Reforma Psiquiátrica atualmente. Porém, não se deve negar a importância que a reforma
proposta por Pinel e a construção de uma especialidade voltada para o sofrimento psíquico
dentro da medicina, teve no avanço da saúde mental e na construção de novos dispositivos.
O movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira tem, desde suas primeiras
manifestações, o foco na modificação no modelo de atenção, propondo novas formas de
intervenção nas questões de saúde e, principalmente, o rompimento com o modelo
médico/hospitalar, citado anteriormente, destacando a complexidade do processo
saúde/doença e partindo do pressuposto de que há a necessidade de preparar a população para
lidar com a loucura de modo diferente. Como bem coloca FLEURY (1997, p. 165):

Se fosse oportuno, neste contexto complexo, questionar-se quanto ao principal


objetivo da Reforma Psiquiátrica, talvez fosse possível responder que seria poder
transformar as relações que a sociedade, os sujeitos e as instituições estabelecem
com a loucura, com o louco e com a doença mental, conduzindo tais relações no
sentido da superação do estigma, da segregação, da desqualificação dos sujeitos ou,
ainda, no sentido de estabelecer com a loucura uma relação de coexistência, de
troca, de solidariedade, de positividade e de cuidados.

Uma das consequências do movimento da reforma psiquiátrica foi a criação dos Centros
de Atenção Psicossociais (CAPS), que foram considerados estratégicos para a mudança no
modelo de atenção em saúde mental a partir da consolidação da Reforma Psiquiátrica como
política do governo. Dessa forma, a portaria 366 do Ministério da Saúde de fevereiro de 2002
que efetiva a sua implementação, baseada na lei 10.216, estabelece três modalidades de
serviços: CAPS I, CAPS II e CAPS III, “definidos por ordem crescente de
porte/complexidade e abrangência populacional”. Essa define, ainda que, os CAPS serão
constituídos em serviços ambulatoriais de atenção diária funcionando de acordo com a lógica
do território e afirma seu caráter independente de qualquer estrutura hospitalar. Segundo o
Ministério da Saúde,

Os CAPS são instituições destinadas a acolher os pacientes com transtornos mentais,


estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da
autonomia, oferecer-lhes atendimento médico e psicológico. Sua característica
principal é buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado
como seu “território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de
usuários e familiares. Os CAPS constituem a principal estratégia do processo de
reforma psiquiátrica. (BRASIL, 2004, p. 9)
12

Dessa forma, é objetivo dos CAPS oferecer atendimento especializado à população


visando acompanhamento clínico através de projetos terapêuticos e a reinserção social dos
usuários por meio da rede de serviços e acesso aos direitos civis, substituindo, assim, as
internações em hospitais psiquiátricos. Entende – se que, para que isso ocorra é necessária a
participação do usuário, dos profissionais e da família durante o processo terapêutico
(BRASIL, 2004, p.17).
Com o tempo, os serviços de saúde mental foram se consolidando como dispositivos
eficazes na diminuição de internações e na mudança do modelo assistencial. Segundo
pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde no ano de 2014 o Brasil contava com 2.209
CAPS (BRASIL, 2015). De acordo com os dados disponibilizados virtualmente pelo
Ministério da Saúde, esse número cresceu para 2.341 até o início de 2018. O inverso
aconteceu com os hospitais psiquiátricos. Segundo a mesma pesquisa, em 2002, existiam
51.393 leitos pelo SUS, número que foi reduzido para 25.988 no ano de 2014 (BRASIL,
2015). Esses números representam uma mudança significativa na trajetória da saúde mental
brasileira no que se refere ao processo de desinstitucionalização. Porém, a Reforma
Psiquiátrica “é um processo permanente de construção de reflexões e transformações que
ocorrem a um só tempo, nos campos assistencial, cultural e, conceitual” (FLEURY, 1997,
p.165).
O PTS é um dos instrumentos utilizados pelos profissionais do CAPS e aparece nesse
cenário como uma estratégia para planejar e nortear o trabalho em equipe respeitando a
singularidade dos usuários. Trata-se de um projeto que deve ser pensado para e com a pessoa
e sua família com a finalidade terapêutica "que personalize o atendimento de cada pessoa na
unidade e fora dela e proponha atividades durante a permanência diária no serviço, segundo
suas necessidades" (BRASIL, 2004, p.16). Logo, trata-se de uma reunião entre os
envolvidos para a compreensão da demanda e o planejamento de ações.
O PTS tem como principal característica, a compreensão do usuário como um ser sócio
- histórico e ativo no processo de acompanhamento do restabelecimento do seu bem - estar,
devendo adequar-se às necessidades de cada caso e aos recursos disponíveis na instituição e
na comunidade. Além disso, valoriza as diversas especialidades a fim de uni-las para dar um
melhor suporte aos usuários através de uma equipe interdisciplinar e da rede de serviços
presentes nos municípios. Por isso, este Projeto se tornou objeto da presente pesquisa.
É indiscutível a necessidade da criação de estratégias que ajudem a efetivara atuação
interdisciplinar nos serviços de saúde mental e que deem base para a atuação de forma mais
concreta no sistema público de saúde. Porém, há escassez de pesquisas que verifiquem como
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essas técnicas estão sendo aplicadas a fim de questioná-las e melhorá-las ou propor novas
formas de fazer, como no caso do PTS.
Para tanto, foi realizada, primeiramente, um estudo bibliográfico e uma consequente
análise, utilizando autores do campo da saúde mental, tais como: Amarante, Pessotti,
Laurenti, Pereira, entre outros.
Após essa etapa, iniciou – se a pesquisa de campo a partir de entrevistas
semiestruturadas com três psicólogos que atuam em CAPS no estado de Alagoas. Partiu - se
do pressuposto de que os profissionais que atuam nos serviços são os mais adequados para
problematizar a realidade dessas instituições. Desse modo, os mesmos foram questionados
sobre aspectos relacionados à atuação da psicologia no CAPS, à percepção e função do PTS, à
construção do PTS dentro dos serviços e organização enquanto equipe e os desafios
vivenciados na construção e aplicação da estratégia.
Os dados foram analisados a partir do método de Análise de Conteúdo de Lawrence
Bardin (1977), de caráter qualitativo. Trata-se de um método que busca compreender as
informações a partir dos sentidos que são atribuídos e “visa o conhecimento de variáveis de
ordem psicológica, sociológica, histórica etc., por meio de um mecanismo de dedução com
base em indicadores reconstruídos a partir de uma amostra de mensagens particulares”
(BARDIN, 1977, p.39) a partir de critérios definidos pelo pesquisador, como no caso da
entrevista.
Destarte, esse trabalho foi organizado em quatro capítulos. O primeiro capítulo
apresenta o processo histórico da saúde mental, desde as primeiras concepções da loucura até
o movimento de Reforma Psiquiátrica atual. O segundo capítulo aborda a construção do
Sistema Único de Saúde (SUS) e a trajetória das políticas públicas de saúde mental no Brasil,
enfatizando os CAPS como um dos principais serviços substitutivos. O terceiro capítulo
prioriza a discussão a respeito da atuação da Psicologia na saúde mental e suas possíveis
contribuições para a construção do PTS dentro do CAPS. O quarto capítulo destina-se à
análise e discussão dos dados coletados na pesquisa de campo. Por fim, são citadas as
considerações finais, que abordam as percepções gerais obtidas a partir da revisão
bibliográfica e das entrevistas realizadas com os psicólogos.
Buscou-se, com as análises realizadas destacar a evolução que o Brasil alcançou no
processo de Reforma Psiquiátrica e discutir a série de modificações que a mesma implica.
Sobretudo no que diz respeito à lógica psiquiátrica que ainda é reproduzida pelos profissionais
nos novos dispositivos, é necessário toda a atenção, pois, como apontado por Spohr (2011, p.
563) “a maneira como se compreende um determinado fenômeno determina a maneira de se
14

lidar com ele, tanto pelos especialistas como pelas demais pessoas envolvidas”. Logo,
discussões e debates que envolvem a sociedade civil, o governo e a rede de assistência são
imprescindíveis para conscientizar a todos e capacitar os profissionais para atuar nesses
serviços partindo do pressuposto de que o modo como a sociedade entende a pessoa em
sofrimento psíquico determinará como funcionará a assistência a esse indivíduo.
15

2 HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL

Para conseguirmos compreender o modelo de saúde mental existente atualmente, a


construção de suas políticas e a atuação dos diferentes profissionais nesse campo é necessário
refletir sobre seu processo histórico e as interpretações que foram dadas ao sofrimento
psíquico em diferentes épocas e contextos. O próprio termo "saúde mental" é muito recente.
Trata-se de uma "área de conhecimento que, mais do que diagnosticar e tratar, liga-se à
prevenção e promoção de saúde, preocupando-se em reabilitar e reincluir o paciente em seu
contexto social" (BRASIL, 2003, p. 14), retirando, assim, o foco da doença e do diagnóstico
que, por muito tempo, foi central nesse campo.
Esse capítulo tem como objetivo apresentar a história da saúde mental de forma
resumida focando nos principais marcos e respeitando a ordem cronológica. Dessa forma, tem
como finalidade servir como base para discussões posteriores sobre as políticas públicas,
voltadas para a saúde mental, existentes atualmente no Brasil e a trajetória e o papel da
psicologia nesses serviços e no uso do Projeto Terapêutico Singular.

2.1. PRIMEIRAS CONCEPÇÕES SOBRE A LOUCURA

A loucura nem sempre foi tratada como um problema de saúde pública que necessita de
intervenções médicas. As interpretações dadas ao tema são múltiplas e construídas com
enfoques distintos a partir de cada contexto e época influenciando diretamente nas práticas
destinadas a ela. Porém, é perceptível que por se tratar de manifestações de comportamentos
que não se enquadram às normas estabelecidas socialmente, os ditos loucos sempre receberam
atenção diferenciada e, por essa razão, muitos foram os estudiosos que se debruçaram sobre
esse fenômeno e suas possíveis causas.
Até meados do século XVII "a loucura circulava livremente pelas ruas e era tema
recorrente de diversas expressões artísticas, como peças de teatro e romances" (BATISTA,
2014, p. 393). Naquele período prevaleciam interpretações religiosas. O dito louco era
compreendido ora como sábio, ora como amaldiçoado e era, até certo ponto,
tolerado. Contudo, segundo Foucault (1972) durante a segunda metade do século foram
criadas várias casas de internamento com a finalidade de retirar essas pessoas do convívio
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social junto a outras minorias. E lugares que, durante os séculos anteriores, serviram para
isolar os leprosos também foram ocupados com essa finalidade.

Desaparecia a lepra, apagado (ou quase) o leproso da memória, essas estruturas


permanecerão. Frequentemente nos mesmos locais, os jogos da exclusão serão
retomados, estranhamente semelhantes aos primeiros, dois ou três séculos mais tarde
Pobres, vagabundos, presidiários e "cabeças alienadas" assumirão o papel
abandonado pelo lazarento, e veremos que salvação se espera dessa exclusão, para
eles e para aqueles que os excluem. (FOUCAULT, 1972, p.6)

Naquele contexto, é perceptível que a segregação não tinha ainda como objetivo um
tratamento médico para a loucura, e sim manter distante da sociedade todos aqueles que, de
alguma forma, desviavam das regras estabelecidas socialmente. Tirou-lhes, assim,
a liberdade através da internação nessas instituições precárias onde a maioria passava o resto
da vida (ARBEX, 2013).
Considerando que, até então, a loucura não era compreendida sob o aspecto patológico,
mas explicada principalmente através da teologia e vista como algo do campo de atuação de
religiosos e não da medicina, o século XVIII foi um grande marco na história da loucura. As
principais teorias que são apresentadas pelo viés clínico surgem a partir dessa época, apesar
de apresentarem, inicialmente, concepções pessoais dos seus autores sem grande valor
científico e não sistematizadas (PESSOTTI, 1999, p.38) vistas às limitações da época.
A partir do momento que a medicina passou a questionar as explicações místicas sobre
a loucura e dedicar-se aos estudos da "mente", explicando-a a partir da fisiologia e anatomia –
mesmo sem grandes embasamentos científicos – tornou-se necessário diferenciar o
sobrenatural do que estava associado às chamadas “doenças mentais”. Delimitando seus
objetos de estudos a fim de distinguir os dois “fenômenos”, visto que

A ocorrência de convulsões, de êxtases coletivos ou de "curas" por meios pouco


claros criava problemas de interpretação. Impediam a clara distinção entre o que era
milagre do "servo de Deus" e o que era produto de outras causas, como "a fantasia"
dos videntes ou extáticos. (PESSOTTI, 1996, p.19)

Foi nesse cenário que surgiram as primeiras teorias da psicopatologia científica


resultantes de observações da conduta dos denominados "alienados" que estavam isolados nas
instituições asilares e em clínicas privadas. Assim, no final do século XVIII a loucura passou
a ter status de doença mental e ser estudada pelos médicos com enfoques diferentes, porém a
visão estritamente organicista –que tem como objeto de estudo apenas os aspectos físicos,
ignorando os aspectos subjetivos – e a limitação experimental a respeito da fisiologia,
impediam uma compreensão ampla. Ainda assim, alguns modelos teóricos que buscaram
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explicar as causas da loucura se destacaram e são considerados os mais importantes devido às


suas influências para a construção da psiquiatria enquanto ciência, são eles: o iatroquímico, o
pneumático e o iatromecânico.
O modelo iatroquímico inaugurou uma visão crítica à origem sobrenatural das doenças,
incluindo as mentais, baseando-se em alterações corporais químicas para explicá-las
(PESSOTTI,1996, p. 32). Parte do pressuposto de que todos os objetos da natureza
são formados por três princípios: enxofre, mercúrio e sal. Dessa forma, defendeu a
necessidade de reposição das substâncias que faltavam para alcançar o equilíbrio
influenciando a pesquisa e a produção de medicamentos fundamentando-se na união entre
alquimia e medicina. Teve como percussor o pensamento de Paracelso, alquimista suíço.
O segundo modelo citado, pneumático, nasceu dos estudos fisiológicos de Descartes e
Willis e da doutrina dos espíritos animais (PESSOTTI, 1996, p. 34). Assim como a
vertente iatroquímica, concorda que a loucura tem causas naturais e implicam danos à
fisiologia (CHERUBINI, 2006), defendendo que essa está relacionada aos espíritos animais
que ao movimentar-se no encéfalo causavam delírios. Os espíritos foram comparados ao
vento que se propaga sem que se perceba a sua presença pelo corpo. A concepção é confusa,
pois, ora trata os “espíritos animais” como materiais, ora como sobrenaturais.
Já a teoria iatromecânica, criada por Borelli, atribuiu a processos hidráulicos e
mecânicos que acontecem no organismo as causas da loucura, excluindo, também, a
possibilidade de interferência dos fatores psicológicos. Logo, para essa teoria.

O delírio, essência da loucura, resulta de um excesso de tensão nas fibras cerebrais


que, nesse estado, geram ideias e julgamentos pouco conformes à natureza dos
objetos. A desrazão, a alucinação, a imaginação descontrolada, sintomas mais
visíveis da loucura, são produtos imediatos de tensões exageradas naquelas fibras. O
processo é puramente orgânico e em nada depende da natureza afetiva dos objetos,
dos estados emocionais ou da história afetiva de quem delira. Mesmo que o delírio
possa complicar a vida de relação com o meio físico ou social, ele não tem qualquer
conteúdo psicológico. (PESSOTTI, 1996, p.43)

Esses três modelos se basearam em conhecimentos anatomofisiológicos para suas


explicações, sendo questionados, posteriormente, por uma nova vertente que buscava as
causas da loucura na moral e no desajustamento social. Essa nova perspectiva inaugurou a
admissão de uma natureza psíquica no entendimento da loucura e contrapondo-se as ideias
citadas acima, a concepção moral foi apresentada como teoria médica no final do século
XVIII por Phillippe Pinel. Médico que, desde então, passou a ser considerado o pai da
psiquiatria, sendo o precursor de um caminho de conhecimento teórico – metodológico para a
instituição da psiquiatria moderna.
18

2.2. PINEL E A CONCEPÇÃO MORAL DA LOUCURA

Phillipe Pinel, psiquiatra francês, ficou conhecido por ser o primeiro médico a propor
um tratamento às pessoas acometidas de doença mental, como passou a ser chamada na
época. Seu tratamento se baseava em uma concepção moral da loucura, proposta que
se diferenciava completamente das vigentes em sua época afirmando que as causas
da mesma se davam pelos desarranjos das funções mentais, destacando, desse modo, os
aspectos subjetivos até então ignorados. Para o psiquiatra, os estudiosos de sua época estavam
equivocados ao procurar as razões na anatomia ou na fisiologia do encéfalo. Pinel defendia,
ainda que, o manicômio era o lugar ideal para o tratamento desses desarranjos visto a
facilidade de monitoramento e intervenção. Sua obra "Traitémédical-
philosophiquesurl’aliénationmentale ou lamanie", ou seja, Tratado Medico-Filosófico sobre a
Alienação Mental ou Mania, datada de 1801, é tida como um marco para a psicopatologia
apresentando uma classificação nosográfica diferente das apresentadas anteriormente e
indicando as paixões e seus excessos como fatores da loucura (PESSOTTI, 1996, p.69).

É uma postura metodológica que ensejará uma mudança substancial no conceito de


loucura: esta deixa de ser uma condição estática, irreversível e apenas passível de
correções superficiais. Deixa de ser uma lesão anatômica, apenas passível de
tratamento "sintomático", e passa a ser um desequilíbrio, uma distorção na natureza
do homem a ser corrigida (PESSOTTI, 1996, p.72)

A loucura aparece no Traité como algo tratável uma vez que seria causada por um
desequilíbrio na razão ou nos afetos que podia ser corrigido. Nesse sentido, a experiência dos
médicos alienistas que se dedicavam ao estudo e tratamento da mesma, serviria como
parâmetro para o julgamento e a intervenção nesses casos, entendendo que

Se a alienação é sobretudo uma desordem do comportamento, se ela se insurge


contra a ordem social por meio de atos involuntários, a cura só pode ser obtida pela
imposição de certas normas transmitidas por um processo de reeducação do
alienado, de um tratamento moral (PORTOCARRERO, 2002, p. 43).

Desse modo, Pinel não entendeu a loucura como algo estático, mas passível de
mudanças. Optou pelo termo "alienação mental" – a fim de distanciá-la dos aspectos
anatômicos irreversíveis – restringindo a categoria "loucura" e voltando-se apenas para os
erros de imaginação e de julgamento que acarretariam nos desvios cometidos pelas pessoas,
consequentemente desconsiderando uma série de comportamentos considerados
"anormais" que estão presentes em outras teorias.
19

Apesar de ter o manicômio como espaço central para realização do tratamento moral, a
exclusão por acorrentamento é criticada por Pinel, e o fim dessa forma de tratar tornou-se um
marco de sua carreira e da história da loucura. Antes, os pacientes viviam amarrados ou
algemados em asilos por serem considerados perigosos até para os outros "loucos". Pinel
defende a “liberdade” dessas pessoas dentro do manicômio, com permissão de circular no
espaço e de ter contato com outros (TENÓRIO, 2002, p. 26).
Dessa forma, o tratamento passa a ter como objetivo devolver essas pessoas a
sociedade após um período de reeducação, no qual deveriam aprender a se comportar
“adequadamente”. Assim, "o louco não é, para Pinel, substancialmente diverso do homem
sadio, já que em tantos momentos da vida, qualquer um age indiferente à razão ou ao bom
senso" (PESSOTTI, 1996, p. 73). Sob essa perspectiva, a loucura é uma possibilidade humana
que precisa ser diagnosticada e ajustada.
Apesar da fama de Pinel estar diretamente relacionada à ênfase nos fatores
“mentais”, os fatores orgânicos não foram desconsiderados em nenhum momento na sua
teoria. Segundo o autor, a alienação mental pode ser provocada por diversas causas, inclusive,
por comprometimentos orgânicos.

Aprendi que a alienação mental é causada, em alguns casos, por lesões orgânicas ou
por uma disposição hereditária, mas, mais frequentemente, por afetos morais muito
profundos e contrastados [...] Seja qual for a acepção que se dê ao termo, é certo,
todavia, que as paixões estão entre as causas mais comuns de doença; a alienação
mental oferece inúmeros exemplos (PINEL; TRAITÉ apud PESSOTTI, 1994,
p.156-7).

No que diz respeito ao diagnóstico, Pinel, influenciado pelo iluminismo francês1, propôs
como método a observação detalhada dos comportamentos. Por essa razão, a retirada desses
indivíduos da sociedade para o manicômio, para o psiquiatra, era indispensável para o
diagnóstico e o tratamento. Para que essas observações tenham valor científico alguns
critérios foram apontados por ele e expostos por Pessotti (1996, p. 157):

1. Toda observação deve ocorrer sem qualquer pressuposto ou preconceito de tipo


teológico, teórico ou metafísico; 2. Deve-se suspender qualquer avaliação sobre o
significado último da loucura;3. A observação requer gentileza e elegância no fala
com os doentes, pois eles merecem um crédito de racionalidade residual e de
humanidade e, por que não?,de fineza de ânimo; 4. A observação correta exige
tempo, não pode ser apressada e demanda, por isso, contatos frequentes e demorados
com os pacientes; 5. Para uma observação correta e útil, é necessário executá-la

1
Movimento que aconteceu entre 1680 e 1780 na Europa, tendo como centro a França. O iluminismo francês
propõe a substituição de explicações metafísicas pelo saber racional e científico como forma de validar o
conhecimento humano.
20

numa situação adequada e específica, como a do manicômio. (PESSOTTI, 1996,


p.76).

Assim, a finalidade desse tipo de diagnóstico não era encaixar os sintomas em uma
categoria nosológica preexistente, mas refletir e questionar os fatores envolvidos na
manifestação e na mudança de determinados comportamentos dos indivíduos.
A classificação encontrada no Traité foi considerada a mais clara e completa da época,
apresentando quatro categorias, as três primeiras já haviam sido adotadas anteriormente
por Cullen (PESSOTTI, 1999, p.57). São elas:

1.Mania: Instinto furioso que tem como principal característica o delírio geral
podendo ser causado por fatores morais ou físicos implicando confusão de ideias,
perda de julgamento e desarranjo total das faculdades mentais.
2.Melancolia: Difere da mania por se tratar de um delírio parcial com a presença de
uma ideia fixa que pode durar vários anos. Há uma confusão a respeito da distinção
dessas duas primeiras classificações no Traité, por conta da afirmação de Pinel de
que uma pode transformasse na outra, mas não distingue de forma clara.
3.Demência: Pinel conceitua essa como sendo insuficiência da mente que pode ser
resultado de acidentes ou desarranjos orgânicos.
4. Idiotia: Refere-se a uma carência ou insuficiência intelectual, não apresentando
perda de razão. Podendo resultar de situações ou condições desfavoráveis da vida
adulta. [Trecho adaptado] (PESSOTTI, 1996, p.99).

Nesse contexto, o médico aparece, então, como pedagogo e autoridade moral, cabendo a
ele estabelecer a ordem social e “reeducar” os alienados. Pessotti (1996, p. 166) afirma que,

Para Pinel, o manicômio, enquanto espaço livre de correntes e outros instrumentos


de constrição, livre de funções meramente custodiais e segregadoras, torna-se, ele
mesmo, um decisivo fator terapêutico, na medida em que funciona como um projeto
de reeducação do alienado. Uma reeducação que implicará o respeito às normas e o
desencorajamento de condutas inconvenientes.

Os pensamentos de Pinel, segundo Pessotti (1996, 1999), Foucault (1972)


e Portocarrero (2002) marcam uma nova atitude científica, sendo o Traité o tratado de um
projeto do nascimento de uma nova psiquiatria enquanto campo de conhecimento voltado
para questões psíquicas e não somente orgânicas. Apesar das inúmeras críticas destinadas às
ideias de Pinel, principalmente relacionadas à institucionalização da loucura e
a redefinição do papel do médico, foi a partir da sua concepção que houve uma reforma no
modo de pensar os ditos loucos, a exclusão e a possibilidade de tratamento que serviram como
base para discussões que acarretaram mudanças significativas no modo como o
sofrimento psíquico é interpretado atualmente.
21

2.3. O NASCIMENTO DA PSIQUIATRIA E A APROPRIAÇÃO DA LOUCURA

As ideias apresentadas por Pinel no tópico anterior serviram como base para o modelo
de Psiquiatria que temos hoje, dando uma nova direção à prática médica da época. A partir da
definição de loucura como sendo uma lesão das funções mentais e da designação do alienista
como detentor do saber capaz de modificar os comportamentos desviantes, Pinel conseguiu
aproximar a medicina dos fatores psicológicos presentes nas psicopatologias e dar a noção de
tratamento que, até então, não havia sido direcionada.
Contudo, é importante destacar que, segundo Pessotti (1996, p. 129)

[...] na prática hospitalar, a coluna mestra do tratamento moral é o poder do médico,


defensor da razão, garantidor da ordem, depositário da norma social. E nisso reside
um aspecto inquietante da práxis psiquiátrica desde então: o seu compromisso com
alguma forma de ordem pública, alguma conduta, socialmente aprovada e na qual o
comportamento aberrante deve ser enquadrado.

É indiscutível o fato de que a relação da medicina com essas instituições contribuiu para
a legitimação do poder da figura do médico: de um lado exclusão e disciplina, do outro a
construção do saber. Porém, entendeu-se que o conhecimento promovido por Pinel tinha
pouca legitimidade científica pela falta de fundamentação experimental, baseado nas
experiências e observações dos médicos que logo foram questionadas por estudiosos de base
organicista.
Ainda que a concepção de Pinel seja bastante criticada atualmente foi através dele e dos
seus sucessores que a Psiquiatria apropriou-se das “doenças da mente”, inicialmente na
França e em outros países como a Itália e toda a Europa, ampliando posteriormente para os
demais países. Desse modo, a chamada “medicina moral” ou “medicina psicológica” passou a
considerar tanto os aspectos orgânicos como os subjetivos. (CHERUBINI, 2006).
Logo, durante o século XIX, na França, a psiquiatria constituiu-se como uma
especialidade médica e tinha o manicômio como seu núcleo gerador (PESSOTTI, 1996).
Muitos estudiosos centraram seus estudos nos “desajustes mentais”. O resultado disso foi um
grande número de manicômios, internações e diagnósticos, tornando esse período conhecido
como o “século dos manicômios” (PESSOTTI, 1996, p.9).
Apesar de Pinel ter conseguido muitos seguidores, o modelo organicista da loucura
proposto incialmente por Hipócrates também ganhou ampla aceitação nessa época, dividindo
a classe médica em duas vertentes: a visão organicista e a visão moral da loucura.
22

Segundo Pessotti (1996), apesar das duas vertentes não se distinguirem em sua totalidade, a
primeira criticava os métodos e o ambiente do tratamento moral, além do papel do médico.

Uma das diferenças mais claras entre o tratamento moral e o tratamento físico é
justamente a diversidade do papel do médico no processo terapêutico: guia,
interlocutor, conselheiro e pedagogo, num caso; mero responsável pelo diagnóstico e
pela prescrição (e eventual supervisão) de tratamentos, no outro. Quem
prescreve horários rígidos não é o segundo. Este prescreve o emprego de meios
físicos de intervir no organismo (p.229).

Assim, no final do século XIX a doutrina organicista se tornou praticamente


hegemônica fundamentada pela evolução dos estudos anatomopatológicos, terapêuticos e
farmacológicos dentro das universidades e nos centros de pesquisas. E o dito louco “torna-se
objeto de estudo, coisificado em sua condição de doente” (PESSOTTI, 1996, p. 230).Todas as
intervenções, mesmo as fisicamente cruéis, eram aceitas, tendo em vista o horizonte de cura
que o saber psiquiátrico almejava, ignorando os aspectos psicológicos presentes no
adoecimento.
Ambas as teorias colocaram o manicômio ou o hospital psiquiátrico, como
posteriormente passou a ser chamado, como principal local de tratamento. Ainda que
utilizados com finalidades diferentes, o isolamento desse sujeito foi considerado
indispensável até então. Como afirma Ribeiro (2006, p. 50):

Novas formas de pensar as causas acerca da loucura surgiram, mas a metodologia do


enclausuramento se perpetuou agora de uma forma ainda mais violenta,
cientificamente justificada pelo aparato teórico da psiquiatria. Ao lançar as luzes da
razão sobre o fenômeno da loucura, a ciência acabou por ofuscar os olhos dos
defensores do modelo manicomial, cegando-os para as práticas desumanizantes que
eram utilizadas. A constituição da loucura como doença estava fundamentada em
uma sistematização conceitual que excluía a própria loucura, prática que a destituiu
como portadora de um saber de si mesma, submetendo-a a um lugar marginalizado.

Atualmente, a divisão entre concepções completamente organicistas ou psicológicas não


são mais aceitas dentro da psiquiatria, pois, ainda que os estudiosos escolham como objeto de
estudo um desses aspectos, não pode desconsiderar ou negar o outro. Desse modo, parte-se do
entendimento do ser humano como ser complexo e atribui-se ao sofrimento mental causas
biopsicossociais, estando envolvidos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
Com o avanço dos estudos, principalmente os neuropsicológicos, o manicômio como
lugar de tratamento passa a ser questionado e compreendido como agravante e/ou causador de
sofrimento psíquico. A exclusão e as condições desumanas as quais as pessoas eram
submetidas deixam de ser vistas como necessárias e ideais e começam a ser criticadas por
profissionais e familiares uma vez que limitavam o tratamento.
23

2.3.1. Manicômios: estrutura e tratamento

O local de reclusão do dito louco adquiriu várias modalidades durante a história


recebendo denominações de acordo com suas características e períodos. Pessotti (1996)
descreve três desses espaços: asilos, hospícios e manicômios. Os primeiros foram destinados a
todos que não se enquadravam nas normas da sociedade e servia meramente como abrigo,
sem caráter terapêutico; os segundos acolhiam doentes e loucos para tratamento, sendo muitas
vezes instituições religiosas filantrópicas de assistência e sem propósito psiquiátrico, alguns
eram exclusivos para loucos; quanto aos manicômios, eram destinados apenas a “doentes
mentais” sendo os primeiros com o objetivo de tratar clinicamente a loucura, por essa razão
receberá uma atenção especial nesse capítulo.
O século XIX foi marcado pela quantidade de estudos psicopatológicos e de
desenvolvimento de classificações nosológicas. Como consequência, houve um aumento
significativo no número de manicômios. Apesar da liberdade dentro do espaço manicomial ser
defendida por Pinel e seus seguidores, a institucionalização não era vista como um problema
naquela época. Apenas, posteriormente, passou a ser questionada em sua totalidade por seus
aspectos desumanos. A institucionalização

[...] trouxe inúmeras consequências para o portador de transtorno mental como, por
exemplo, a fragmentação e/ou extinção do convívio familiar; perda da identidade,
liberdade; negação da subjetividade e de todos os direitos; incapacidade de exercer a
cidadania (BARRIGÍO, 2006, p.20)

Embora a Psiquiatria já estivesse consolidada enquanto especialidade, pautava-se em


ações de característica autoritária e coercitiva. Nesse contexto, onde havia um crescente
número de pessoas ocupando os manicômios, tornou-se cada vez mais inviável algumas das
propostas de Pinel. Principalmente no que se refere à observação cautelosa que exigia uma
análise cuidadosa de cada paciente e, consequentemente, tomava um tempo significativo. Ao
mesmo tempo, o modelo organicista exigia muito menos do médico, tanto na questão do
diagnóstico como na preescrição do tratamento, podendo, ainda, delegar as funções para
outros profissionais. Dessa forma, também não importavam as condições de vida nesses
manicômios.
Foucault (1972) e Pessotti (1996/1999) descrevem os manicômios do século XIX como
lugares compostos por pavilhões ou pequenos edifícios distantes das cidades onde os
pacientes são divididos pelo diagnóstico e com pouca assistência às necessidades básicas:
24

superlotados, sujos, sem camas, geralmente úmidos e com pouca iluminação, entre outros
problemas. Apesar de ter como objetivo a cura, esses espaços não possuíam condições
suficientes para que os pacientes recebessem o tratamento adequado às suas circunstâncias e
particularidades. Assim, com essas condições, a institucionalização passou a ser um
agravante do sofrimento mental e diminuiu as chances dessas pessoas voltarem a viver em
sociedade.

A institucionalização é justamente este percurso feito pelo interno dentro dos


manicômios mediante o qual ele vai se tornando cada vez mais dependente da
estrutura institucional como garantia de sua sobrevivência, em decorrência do
isolamento social e da perda progressiva das capacidades e habilidades dos internos
submetidos a rotinas disciplinadoras e despersonalizantes (MACHADO, 2006,
p.13).

Além disso, o tratamento com o foco na doença e não na pessoa em


sofrimento contribuiu significativamente para o desenvolvimento da indústria farmacêutica e
de tratamentos físicos desumanos. Como já citado, o tratamento pedagógico de Pinel foi
questionado por sua falta de cientificidade e intervenções ainda consideradas cruéis.

As algemas e correntes de ferro, mesmo abolidas ostensivamente por


Pinel, Chiarugi e outros, não foram, como se vê, abandonadas totalmente em muitos
manicômios. Outros meios de contenção mecânica dos loucos agitados, e que os
adeptos do tratamento moral haviam condenado ou praticamente banido, voltaram a
ser de uso frequente, após o declínio do modelo manicomial baseado no “tratamento
moral” (PESSOTTI, 1996, p. 225).

Apenas duas décadas depois surge na França um movimento que propõe a


desinstitucionalização do maior número possível de pessoas do manicômio liderado pelo
psiquiatra italiano Franco Basaglia. As ideias centrais referem-se a possível cura através do
contato social e a impossibilidade de tratar adequadamente os pacientes com a superlotação
das instituições. Esse movimento inaugurou a visão do dito louco como cidadão de direitos
servindo de base para o movimento de Reforma Psiquiátrica (PESSOTTI, 1996, p.
177) que será discutido no próximo capítulo.

2.3.2. Classificações Nosográficas

Para que compreendamos melhor a realidade abordada até então torna-se importante
conhecer como foram construídas as classificações de doenças usadas atualmente e refletir
sobre como essas afetam a nossa compreensão de loucura e consequentemente o modo como
a sociedade lida com a mesma.
25

A partir da apropriação da loucura pela medicina torna-se necessário nomear e


distinguir as “doenças da mente” classificando-as e identificando suas causas, sintomas e
evolução clínica a fim de facilitar o diagnóstico e a intervenção médica. Assim, foram
propostas inúmeras classificações nosográficas definidas como nomeação de doenças
“fundadas em critérios nosológicos, clínicos” (PESSOTTI, 1999, p.8) a fim de padronizar a
compreensão entre os médicos.
Nesse momento, serão apresentadas, de forma superficial, algumas dessas classificações
anteriores ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5),discutido e
utilizado atualmente. Foram selecionadas de acordo com sua importância dentro do âmbito
acadêmico para a construção das classificações atuais. Serão pontuadas de forma cronológica
– de acordo com o período de publicação e embasamento para o surgimento da próxima a ser
citada. É importante destacar que as classificações foram, em sua maioria, sendo adaptadas de
forma a substituir a anterior, num processo de considerável evolução .

• Phillippe Pinel (1809)

A classificação de Pinel, em 1809, como citado anteriormente, é considerada a primeira


classificação nosográfica proposta e publicada no Traité, definindo quatro formas do que ele
denominava alienação mental: mania, melancolia, demência e idiotismo. Porém, tem como
base a classificação apresentada por William Cullen em 1782, diferenciando-se pelo
acréscimo da última categoria. Pinel afirmava que a observação cautelosa dos
comportamentos era fundamental para o diagnóstico e sua diferenciação.
Desse modo, a mania tinha como característica principal o delírio geral que implicava
em agitação e “instinto furioso” (PESSOTTI, 1999) podendo ter como objeto do delírio
qualquer coisa, inclusive a imaginação. A melancolia se assemelhava à mania pela
apresentação de delírios, porém, nesse caso, ele era parcial e centrava-se em uma ideia fixa
que aparecia em seus discursos e poderia durar anos ou mudar de objeto e de forma.A
demência, por sua vez, apareceria no Traité como “insuficiência mental” que poderia ser
causada por fatores orgânicos. E o idiotismo caracterizara-se pela carência ou insuficiência
intelectual não se relacionando com o desvio da racionalidade como as demais (PINEL, 1809
apud PESSOTTI, 1999, p.52).
Pessotti (1996 e 1999) fez uma crítica à classificação de Pinel pela vaga delimitação das
categoriais que podiam ser confundidas facilmente, sobretudo as duas primeiras. Contudo,
26

afirmou que a mesma foi base para as classificações do século XIX junto à de Esquirol, um
dos seus discípulos.

• Jean-Étienne Dominique Esquirol (1816 e 1818)

A classificação de Esquirol, publicada em 1816 e revisada em 1818, baseou-se no


mesmo conceito de loucura de Pinel, visto que esse era seu discípulo. Para os mesmos,
tratava-se de distúrbio das funções racionais. Sua classificação, então, apresentou cinco
categorias: 1. Lypemania – referia-se a um delírio limitado, parcial, relativo a um ou poucos
objetos, com a presença de paixão triste ou depressão; 2. Monomania – diferenciava-se do
primeiro por manifestar paixão alegre, expansiva, o delírio também é restrito a poucos objetos
ou um só; 3. Mania - foi definida como delírio geral, ilimitado, acompanhado de excitação; 4.
Demência – considerada perda da razão causada pelo enfraquecimento dos “órgãos do
pensamento”; 5. Idiotia ou imbecilidade – vista como o comprometimento da razão porque os
“órgãos do pensamento” não foram desenvolvidos adequadamente (PESSOTTI, 1999, p.61).
Nota-se que há pouca diferença entre as duas classificações, sendo a mais marcante o
substrato orgânico que Esquirol adota.
Praticamente todas as classificações do século XIX foram derivadas dessas duas.

• Wilhelm Griesinger (1845)

Considerado o primeiro verdadeiro tratado da psiquiatria, o “Tratado sobre patologia e


terapêutica das doenças mentais” publicado em 1845 pelo psiquiatra alemão Griesinger é
considerado o marco dos modelos de classificações nosográficas “uma vez que o texto de
Pinel mantinha um estilo bastante literário e filosófico e o de Esquirol constituía sobretudo
um agrupamento de artigos diversos” (PEREIRA, 2007, p. 687). Desse modo, o tratado
de Griesinger foi inovador à medida que apresentou objetivos didáticos e a possibilidade de
consulta dirigida, ao invés de, apenas, discussões filosóficas. Além disso, explicitou a ideia de
evolução das formas clínicas baseadas em teorias organicistas, ou seja, da compreensão a
partir de níveis e da diversidade dentro do diagnóstico, considerando os diferentes sintomas.

A posição geral defendida por Griesinger naquele texto foi a de que as doenças
mentais são, em última instância, doenças do cérebro, sendo este o órgão acometido
na loucura. Mais especificamente, as manifestações sintomáticas constituem por si
mesmas reações e tentativas de reestabilização desse órgão com o funcionamento
morbidamente perturbado. O cérebro funcionaria segundo um sistema mais
27

complexo de arco reflexo, tal como observado em níveis neurológicos inferiores


(PEREIRA, 2007, p. 688).

A classificação de Griesinger tornou-se relevante para a história da psiquiatria à


medida que sugere uma relação entre o cérebro e a manifestação de determinados
comportamentos como citado, entendendo as alterações neurológicas como causas dos
transtornos mentais.

• BénédictMorel (1857 e 1860)

O psiquiatra franco-austríaco, BénédictMorel, propõe uma interpretação de doenças


mentais resultante da conciliação entre a perspectiva orgânica e a moral em suas
duasobras Traité Dégénérecences (1857) e Traité des Maladies Mentales (1860). Resgatando,
assim, ideias presentes em Pinel e Esquirol.
A classificação de Morel apresenta a hereditariedade como causadora das doenças
mentais – a mesma aparecia em outras teorias, porém não como fator determinante – e
dividia-se em seis espécies agrupadas a partir das causas específicas dos transtornos. São elas:
1. Alienações hereditárias: como o nome pressupõe, trata-se de alienações que tem como
fatores determinantes a hereditariedade e se manifestam através de delírios; 2. Alienações por
intoxicação: contêm transtornos causados por alcoolismo, narcotismo, ergotismo, pelagra,
impaludismo, entre outros; 3. Alienações por doenças nervosas: tinha como causa
transformações neurológicas e incluía as loucuras histérica, epilética e hipocondríaca; 4.
Alienações idiopáticas: demência resultante de doenças cerebrais crônicas ou paralisia geral;
5. Loucuras simpáticas: definidas como delírio ligado a outros órgãos que não o cérebro -
logo quase todas as formas de loucura. Tratava-se de uma classe pouco definida; 6.
Demência: seria o conjunto de comportamentos que hoje é conhecido como esquizofrenia
(PESSOTTI, 1999).

• Kraepelin (1883/1915)

Publicado inicialmente em 1883 e reeditado várias vezes, o “Tratado de Psiquiatria”, do


italiano e aluno de Wilhelm Wundt2, Kraepelin, teve sua oitava publicação em 1883

2
Médico, filósofo e psicólogo, considerado o pai da Psicologia. Destacou-se pela construção do primeiro
laboratório de Psicologia localizado na Universidade de Leipzig localizado na Alemanha e pela publicação de
Principles of Physiological Psychology em 1873.
28

apresentando quinze tipos de diagnóstico que se desdobravam e davam origem a uma


classificação extensa. Tratava-se de uma classificação também de base organicista.
Kraepelin diferia dos seus antecessores por propor um novo entendimento de organismo
que englobava os aspectos psicológicos, podendo assim causar modificações
orgânicas. Desse modo, destacavam causas endógenas (psíquicas) e exógenas (somáticas) e a
predisposição – propensão genética – como principal fator.

[...] a classificação de Kraepelin é, como ele próprio aspirava, um resgate da


psiquiatria clássica e mais antiga, que atribuía a loucura, com suas várias formas, a
desarranjos biológicos, humorais; que via nas alterações comportamentais ou
mentais meras manifestações, sintomas de desordens orgânicas; e que admitia
alguma eficácia causal secundária dos eventos passionais ou afetivos, desde que
ativassem fatores determinantes orgânicos (PESSOTTI, 1999, p. 167).

Assim, sua classificação dividiu-se em: 1. Loucura infecciosa; 2. Psicose do


esgotamento; 3. Envenenamentos; 4. Psicoses tireógenas; 5. Demência precoce; 6. Demência
paralítica; 7. Loucura resultante de doença cerebral; 8. Loucura de idade involutiva; 9. Psicose
maníaco-depressiva; 10. Paranoia; 11. Loucura epiléptica; 12. Nevroses psicógenas; 13.
Estados psicopáticos originários; 14. Personalidade psicopática; 15. Os retardos de
desenvolvimento psíquico. Essas categorias subdividem-se em outras e demonstra a
complexidade da classificação de Kraepelin se comparada às demais.

• Manuais Internacionais: CID e DSM

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a


Saúde (CID) e o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) são
classificações internacionais resultantes de pesquisas e de um acordo entre países para
padronizar os diagnósticos. A primeira volta-se para todos os tipos de doenças, inclusive os
transtornos mentais. E o segundo abrange apenas os transtornos mentais. São essas as
Classificações utilizadas atualmente e são alvos de pesquisas e revisões periódicas desde as
suas primeiras publicações.
A CID, divulgada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), teve sua primeira versão
publicada em 1893, revisada pela primeira vez em 1990, com o objetivo de especificar causas
de mortes e submeter-se a revisões a cada dez anos e mantendo seu foco nas novas
descobertas de causas de mortes até a quinta revisão publicada em 1938. A sexta edição
apresentou uma nova finalidade, a de classificar todos os tipos de doenças que se tem
conhecimento e manifestam-se no ser humano.
29

[...] a partir da sexta revisão, aprovada em 1948, passou-se a ter uma verdadeira
classificação de doenças, visto que não incluía apenas aquelas mortais, mas todas as
doenças, lesões e mesmo sintomas. Incorporava também alguns motivos de consulta
que não eram propriamente doenças. A Organização Mundial de Saúde, desde esta
sexta revisão, passou a ser responsável pela chamada “Classificação Internacional de
Doenças” e suas sucessivas revisões. (LAURENTI, 1994, p.113)

Atualmente, está na sua décima edição, apresentando onze tipos de “transtornos mentais
e comportamentais” que se desdobram em cem possibilidades para diagnóstico (F00 ao F99).
Contudo, o lançamento da sua décima primeira edição foi divulgado em 2018 pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e será apresentada em maio de 2019 (BRASIL, 2019).
Segundo levantamento de dados apresentado pela Academia Brasileira de Neurologia,
em 2013, em seu artigo intitulado “A Classificação Internacional de Doenças, a Família de
Classificações Internacionais, a CID 11 e a Síndrome Pós-Poliomielite” da primeira
classificação à última o número de categorias cresceu aproximadamente 1.003%, de 157 para
1.575. Contudo, esse aumento foi significante a partir da sexta edição. Assim, as revisões
apresentaram o seguinte quantitativo: CID 1 (1990) – 157 códigos; CID 2 (1909) -
157 códigos; CID 3 (1920) – 166 códigos; CID 4 (1929) - 164 códigos; CID 5 (1938) - 164
códigos; CID 6 (1948) - 769 códigos; CID 7 (1955) - 800 códigos; CID 8 (1965) - 858
códigos; CID 9 (1975) - 809 códigos; CID 10 (1989) - 1.575 códigos.
Por sua vez, o DSM, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), foi
construído com o intuito de padronizar o diagnóstico médico sobre os transtornos mentais.
Atualmente, está na sua quinta edição publicada em 2013 (DSM-5).
A primeira edição foi publicada em 1953 e “consistia basicamente em uma lista de
diagnósticos categorizados, com um glossário que trazia a descrição clínica de cada categoria
diagnóstica” (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014, p.69) contendo 106 categorias diagnósticas.
O DSM-II, publicado em 1968, não sofreu grandes modificações, as que houveram se
referiam às terminologias e ao acréscimo de 76 categorias, totalizando 182.O seu sucessor, o
DSM-III, foi um marco para uma nova visão baseada nas ideias de Kraepelin, apresentando
enfoque mais descritivo e com critérios explícitos de diagnóstico. Logo, a partir da terceira
publicação o DSM começou a aperfeiçoar-se através de pesquisas empíricas, testes e revisões
bibliográficas. Assim, o DSM-IV apresentou um aumento significativo de dados e
especificações, contendo 297 possibilidades de diagnósticos. No Manual mais recente, o
DSM-5, o número de doenças apresentadas são, em torno, de 300 e há inúmeras críticas de
estudiosos por ser menos criteriosa que as demais, o que aumenta a probabilidade de mais
30

pessoas serem diagnosticadas com transtornos mentais (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014, p.
82). Portanto, é notório que

Como seu irmão gêmeo, o CID, o DSM destina-se, desde então, a uniformizar os
critérios de diagnóstico, o registro estatístico e a comunicação entre clínicos. Mas,
por ser uma ordenação das doenças mentais em grupos e subgrupos, embora com
critérios eminentemente descritivos, traduz uma concepção das formas da doença
mental ou, pelo menos, uma definição delas em categorias distintas. É, portanto,
como o CID, uma autêntica classificação das formas da alienação mental (ou da
loucura). (PESSOTTI, 1999, p. 182)

Atualmente, os profissionais têm buscado subsídio nas versões atuais dessas duas
classificações. Contudo, torna-se importante destacar que durante toda a história da loucura as
tentativas de normatização das pessoas que apresentam sofrimentos psíquicos têm gerado
estigmas e exclusões. É indiscutível o quanto esses estudos contribuíram para um melhor
suporte à saúde mental e a possibilidade de desenvolvimento de potencialidades dentro dos
serviços, porém, com o crescente número de diagnósticos e uso de fármacos evidenciam-se as
marcas de segregação que se pretende combater. E, ao que parece, torna-se cada dia mais fácil
encaixar-se em uma dessas categorias. Desse modo, cabe aos profissionais fazerem uso desses
instrumentos com responsabilidade e cautela para que as intervenções sejam direcionadas
adequadamente visando à autonomia e o bem-estar do sujeito na sociedade.

2.4. A PSIQUIATRIA NO BRASIL

No Brasil, a loucura passou a ser vista como problema social no final do século XIX e
apropriada pelo discurso religioso. Até então, os ditos loucos faziam parte do convívio social
não sendo vistos como ameaça à paz social. A medicina nos séculos anteriores não tinha a
psiquiatria como especialidade e os poucos médicos que havia prestavam serviços à
população rica que podia pagar pelos mesmos. Assim, apenas no século XIX através da
influência de Pinel e Esquirol, a assistência aos denominados doentes mentais passou a ter
caráter médico no Brasil. Dessa forma, inicialmente, aqueles com melhores condições de vida
passaram a ser tratados nas suas próprias residências, os mais carentes e com comportamentos
que se sobressaiam aos demais eram enviados para instituições, e alguns julgados
indefesos continuavam vagando pelas cidades.
31

O primeiro lugar destinado aos loucos no Brasil foi a Santa Casa de Misericórdia, uma
instituição de caráter religioso localizada no Rio de Janeiro, onde se concentravam todas as
minorias e doentes sob os cuidados de religiosos, sem nenhum tipo de tratamento específico.

A Santa Casa da Misericórdia era uma notável e complexa confraria de caridade


regida por compromissos de atribuições entre seus membros construídas pela Coroa
Portuguesa no Brasil, como em todas as vilas e cidades de Portugal e das regiões
ultramarinas por ela colonizadas. Concentrava todas as obras de assistência,
abrangendo o atendimento nos hospitais, a assistência aos presos pobres, a coleta de
doações de esmolas, a concessão de dotes às órfãs pobres, a criação de crianças
abandonadas, os serviços funerários e além de ser igualmente, executora de
testamentos. Assim, ela desfrutava de grande prestígio social, poder econômico e
político (LIMA, 2008, p. 8).

A crítica ao modelo de assistência aos loucos na Santa Casa levou à construção do


primeiro hospício, denominado Hospício de Pedro II, no Rio de Janeiro, em homenagem ao
imperador do Brasil, no ano de 1952. O local escolhido foi a Praia Vermelha, no bairro da
Urca, afastada do centro urbano, fato que transparece a ideia de exclusão social do louco que
permanece até os dias atuais. Com a queda do Império e o surgimento da República, o
hospício desvinculou-se da Santa Casa e passou a chamar-se “Hospício Nacional de
Alienados” ficando sob administração do governo federal. (JORGE, 1997, p.36)
A criação do primeiro hospício brasileiro demarca o poder da medicina sobre a loucura
e o início de práticas psiquiátricas, ainda com pouca cientificidade, trazendo consequências
drásticas que são alvo de discussões até os dias atuais. Essa instituição contribuiu para a visão
distorcida de assistência a saúde mental e a exclusão de inúmeras pessoas, tendo como
consequência a negação de seus direitos como cidadãos. Alguns registros mostram o quanto o
ambiente manicomial foi e é adoecedor e desumano; dentre esses escritos destaca-se o livro
Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex lançado no ano de 2013, onde a pesquisadora relata,
com riqueza de detalhes, o funcionamento do maior manicômio do Brasil, localizado no
município de Barbacena-MG, onde mais de 60 mil pessoas foram torturadas e mortas.
Segundo a autora:

[...] a estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas
eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou–se
destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas,
mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados,
inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza
social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória,
desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar (p.22).

Esse trecho da obra de Arbex (2013) denuncia a relação do Brasil com a loucura durante
décadas e o atraso com relação a outros países que já desenvolviam outros métodos.
32

As famosas colônias, apresentadas por Arbex (2013) em seu livro foram espaços criados
como solução para a superlotação do Hospício Nacional e tinham como proposta oferecer
formas de “tratamento” voltadas para o trabalho e destinadas aos alienados indigentes. São
definidas pela autora como galpões localizados distante das cidades onde os ditos loucos eram
mantidos em condições desumanas. Logo, rapidamente foram espalhadas pelo Brasil como
extensões dos hospitais psiquiátricos e tornando - se, consequentemente, também,
superlotadas.
Entende – se que, seguindo os passos da medicina francesa, o funcionamento desses
serviços teve como base a segregação e o isolamento da loucura de forma a distanciá-la da
sociedade e maquiar as diferenças existentes entre os indivíduos.
É notório que, no Brasil, diferente da Europa, a psiquiatria não nasce com o objetivo de
tratamento da alienação em busca de diagnósticos e cura, mas vinculada a religião e com
pouca cientificidade, permanecendo assim por décadas. Apenas em 1884, com a criação da
disciplina de psiquiatria nas faculdades de medicina, iniciam-se estudos e tratamentos clínicos
com a finalidade de curar os alienados. E, assim como outros países, o Brasil contribuiu para a
criação de classificações e enquadramento dos comportamentos e sofrimentos humanos tendo
a indústria farmacêutica e os hospitais como aliados (TYKANORI, 2017).
A institucionalização da loucura começou a ser questionada no Brasil, no ano de 1970,
por estudiosos que propunham uma reforma no modo de assistência e seu tratamento
desumano junto a outros movimentos de manifestação social de insatisfação com as decisões
governamentais. Mas, apenas a partir da criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde
Mental (MTSM), no final da década de 1980, essas discussões ganharam maior visibilidade e
mais adeptos. A partir disso, serviços substitutivos e estratégias foram propostas e
desenvolvidas no Brasil a fim de modificar a realidade da psiquiatria e a visão do sofrimento
psíquico como incapacitante. Esses serão discutidos nos próximos capítulos.

2.5. A REFORMA PSIQUIÁTRICA: UMA NOVA PROPOSTA DE TRATAMENTO

Correntes contrárias aos modelos de intervenções psiquiátricas vigentes começaram a


surgir mundialmente em meados do século XX criticando a superlotação dos manicômios e os
maus tratos presentes nos supostos tratamentos. Essas correntes organizavam-se com base em
duas concepções distintas: 1. Defendiam a reforma da psiquiatria e dos tratamentos propondo
modificações nas instituições e/ou a extensão da mesma ao espaço público por meio de
intervenções nas comunidades; 2. Pregavam uma ruptura total com a psiquiatria como era
33

conhecida dividindo-se ainda em dois modelos: antipsiquiatria e psiquiatria democrática.


(BATISTA, 2014, p. 397)
Franco Basaglia, idealizador da psiquiatria democrática, ganhou grande espaço com
suas discussões e propostas de reforma psiquiátrica, inicialmente na Itália e, posteriormente,
em outros países como o Brasil. Suas ideias embasaram as discussões e a efetivação de
políticas de assistência à saúde mental até os dias atuais. Basaglia definiu os manicômios
como instituições de violência afirmando que destroem o “doente mental” ao invés de curá-lo
como se propunham e, denuncia as questões sociais, principalmente o sistema capitalista,
como causas da exclusão. Dessa forma, se posiciona não contrário apenas à
institucionalização, mas também aos saberes, práticas, discursos e diagnósticos (BATISTA,
2014, p.398).
Amarante (1994) defende que Basaglia foi o responsável pela ruptura com a psiquiatria
tradicional à medida que propôs uma reforma onde a psiquiatria tinha como foco a saúde
mental e não a alienação/doença nos níveis teórico e prático. A desinstitucionalização, termo
que passou a representar esse movimento, tem como objetivo devolver a liberdade dessas
pessoas que por tantas décadas foram tratadas de forma desumana e educar a sociedade para
conviver com as diferenças existentes sem a presença de estigmas e segregação através de
novos dispositivos e políticas públicas efetivas, substituindo a psiquiatria centrada no hospital
por serviços diversificados e comunitários. Assim,

Ao assumir a direção do Hospital Provincial Psiquiátrico de Gorizia, a partir de


1961, Basaglia introduz o conceito de comunidade terapêutica, sob influência dos
ingleses David Cooper e Ronald Laing. A ideia era transformar o manicômio em um
hospital de tratamento de fato, uma etapa transitória no processo de cura, para que
posteriormente fosse superado e substituído por um sistema alternativo de serviços
(BATISTA, 2014, p.39).

A partir dos pensamentos de Basaglia, tornou-se possível refletir a respeito da relação


da sociedade com o sofrimento psíquico e construir alternativas de tratamento e de promoção
de saúde mental. Nessa perspectiva, o hospital deixou de ser o destino final ou o depósito de
pessoas como foi por muito tempo.
A reforma psiquiátrica questiona o paradigma asilar e o controle do poder médico,
muito além do fechamento dos hospitais psiquiátricos.

[A] ‘negação da instituição’ não é a negação da doença mental, nem a negação da


psiquiatria, tampouco o simples fechamento do hospital psiquiátrico, mas uma coisa
muito mais complexa, que diz respeito fundamentalmente à negação do mandato que
as instituições da sociedade delegam à psiquiatria para isolar, exorcizar, negar e
34

anular os sujeitos à margem da normalidade social (ROTELLI; AMARANTE, 1992,


p. 44).

Nesse sentido, a intervenção de Basaglia no hospital de Gorizia foi bastante


significativa. Contudo, considera-se sua maior conquista o desmonte do hospital de Trieste
em 1977 que levou à aprovação da Lei 180, mais conhecida como lei Basaglia, pelo
Parlamento italiano um ano depois prevendo a extinção dos manicômios na Itália. A
aprovação da lei levou à Itália a vivenciar novas formas de compreender e intervir sobre o
sofrimento psíquico a partir de um conjunto de novos serviços, estratégias e dispositivos, que
têm servido de modelo para o Brasil (HEIDRICH, 2007, p.49).
As discussões sobre reforma psiquiátrica surgem, no Brasil, entre 1970 e 1980, período
marcado por manifestações sociais de inconformidade da população frente ao Estado
autoritário. Inicialmente, as criticas estavam relacionadas aos excessos de maus tratos e
desvios financeiros, e não aos pressupostos do asilo e da psiquiatria propriamente dita.
(TENÓRIO, 2002, p.32).
Apenas em 1987, com a criação do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental
(MTSM), ligado ao movimento de Reforma Sanitária, a ideia de reforma psiquiátrica ganha
maior repercussão. Segundo Amarante (1995, p. 491)

O MTSM, num primeiro momento, organiza um teclado de críticas ao modelo


psiquiátrico clássico, constatando-as na prática das instituições psiquiátricas.
Procurando entender a função social da psiquiatria e suas instituições, para além de
seu papel explicitamente médico-terapêutico, o MTSM constrói um pensamento
crítico no campo da saúde mental que permite visualizar uma possibilidade de
inversão deste modelo a partir do conceito de desinstitucionalização.

Após o conhecido II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores de Saúde


Mental, realizado em dezembro de 1987 em Bauru, o MTSM consegue
visibilidade nacional concretizando a Luta Antimanicomial com o lema “Por uma Sociedade
Sem Manicômios”. Trata-se de um movimento político que defende a inclusão e a construção
da cidadania das pessoas com transtornos mentais a partir de serviços substitutivos e do fim
dos manicômios no Brasil.
A articulação desses movimentos que incluíam, tanto os profissionais como familiares e
usuários dos serviços, contribuiu para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e teve
como uma das suas conquistas mais significativas a aprovação da lei 10.216, conhecida como
lei Paulo Delgado, aprovada no ano de 2001. Essa “prevê a redução gradativa dos leitos
psiquiátricos e a criação de serviços substitutivos como os Serviços Residenciais
35

Terapêuticos, Ambulatórios de saúde mental, Centros de Convivência e os Centros de


Atenção Psicossocial (CAPS)” (FIGUEIRO et al., 2011, p.53).
Assim, com a influência do movimento reformador da psiquiatria de Basaglia e outros
estudiosos, as políticas de saúde mental do Brasil começaram a caminhar rumo a
desinstitucionalização da loucura. Provocando grandes transformações no campo de saúde
mental e atenção psicossocial com os serviços ofertados à população de forma gratuita e
universal, buscou a pluralidade de conhecimentos e estratégias envolvidas nos serviços.
Contudo, diante do cenário político atual no ano de 2019, estudiosos apontam para um
possível retrocesso no que diz respeito à reforma psiquiátrica brasileira. Tykanori (2017) e
Amarante (2018), ambos líderes da luta antimanicomial, criticam os cortes de recursos
destinados à atenção psicossocial nos últimos anos, além do retorno da política privatizante
que não tem como foco a cidadania e as política sociais. Ao contrário disso, há uma tendência
a desviar os investimentos para hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas.
36

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL: DA LUTA


ANTIMANICOMIAL AOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS

Como visto até o momento, o movimento de Luta Antimanicomial, como o nome


sugere, teve como objetivo contribuir para a ressignificação da antiga relação loucura-
sociedade, compreendendo o manicômio como um dispositivo que não oferece possibilidade
de cura, servindo apenas como mecanismo de exclusão, e, ainda, com a capacidade de agravar
o sofrimento psíquico.
Nesse sentido, a ideia central é que, com o fim dos manicômios, será possível devolver
a cidadania das pessoas em sofrimento psíquico e romper com os estigmas sociais que os
distanciam da convivência com os outros, visando à reinserção no território e a dignidade
humana através de políticas substitutivas. Considerando que,

O manicômio é a tradução mais completa dessa exclusão, controle e violência. Seus


muros escondem a violência (física e simbólica) através de uma roupagem protetora
que desculpabiliza a sociedade e descontextualiza os processos sócio-históricos da
produção e reprodução da loucura (LUCHMAN; RODRIGUES, 2007, p.402).

As críticas e as propostas do movimento de Luta Antimanicomial foram imprescindíveis


para o desenvolvimento e a manutenção de políticas públicas de saúde e de assistência,
sobretudo para a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988 que entende a saúde
como direito da cidadania e dever do Estado, contribuindo para a consequente implantação do
Sistema Único de Saúde (SUS).

3.1 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE


MENTAL NO BRASIL

O SUS é resultado de lutas sociais que tiveram maior destaque na década de 1970 com a
visibilidade do Movimento Sanitário em conjunto com outros movimentos, como o de
Reforma Psiquiátrica. Com eles foi possível mobilizar a sociedade e propor novos modelos de
organização dos serviços e práticas de saúde através de políticas públicas de assistência,
responsabilizando o Estado pela saúde da população que, até então, ficava a mercê da
filantropia e de algumas ações pontuais geralmente com o objetivo de conter epidemias
(CARVALHO, 2013). Uma das conquistas foi a inclusão no texto constitucional de 1988 da
saúde como um dos direitos dos cidadãos que devem ser assegurados pelo Estado:
37

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988, p. 118-119)

Assim, o SUS tem como objetivo central formular e implementar a política nacional de
saúde com ações nas três esferas do governo, além de, como bem destacado, controlar os
serviços privados. Sua regulamentação data de 1990, realizada através das leis federais nº
8.080 e nº 8.142 que detalham a organização e o funcionamento do sistema
(VASCONCELOS; PASCHE, 2008, p. 533) e determina como alguns de seus princípios
básicos a universalidade, a integralidade e a equidade. Esses têm como finalidade cessar as
desigualdades e as exclusões no que se refere às políticas públicas de saúde tornando-as
inclusivas. Assim, a constituição prevê o SUS como um dos integrantes do denominado “tripé
da seguridade” junto com o Sistema de Previdência Social e o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) rompendo com a neutralidade do Estado e políticas marcadas pela exclusão de
milhares de brasileiros (VASCONCELOS; PASCHE, 2008, p. 532-533).
A partir das garantias do texto constitucional e do entendimento de saúde da OMS como
um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças,
tornou-se necessário repensar as práticas em saúde mental. Logo, os tratamentos desumanos
que eram destinados aos ditos loucos e as práticas baseadas exclusivamente no modelo
médico passam a ser legalmente inaceitáveis. É nesse cenário que a saúde mental começa a
trilhar um caminho oposto ao percorrido até então e “os hospitais psiquiátricos começam a ser
criticados do ponto de vista ideológico, político, sanitário e fundamentalmente prático”
(LANCETTI; AMARANTE, 2008, p. 626).
As primeiras experiências do novo modo de cuidado em saúde mental aconteceram em
Santos e em São Paulo no final dos anos 1980 e são consideradas marcos inaugurais da nova
prática que propôs desconstruir o hospital psiquiátrico. Em maio de 1989 aconteceu a
intervenção na Casa de Saúde de Anchieta (único hospital psiquiátrico de Santos) motivada
por denúncias de maus tratos, mortes, superlotação, entre outros.
Imediatamente foram abolidos os maus tratos físicos e psicológicos e a equipe reorganizada
para dar assistência aos pacientes. Posteriormente, foram criados os Núcleos de Atenção
Psicossociais (NAPS) e alguns outros serviços substitutivos com o intuito de construir uma
38

rede de serviços alternativos ao manicômio, ações lideradas pelo psiquiatra


Roberto Tykanori (TENÓRIO, 2002, p. 37-39).
A segunda etapa foi a criação do CAPS Professor Luiz da Rocha Cerqueira em São
Paulo no ano de 1987. Tratou-se de um serviço de atendimento-dia onde os pacientes
desenvolviam atividades terapêuticas e, no fim do dia, retornavam para as suas residências
podendo frequentar o serviço diariamente ou quantas vezes fosse necessário. Assim, partia -
se do entendimento de que os pacientes psiquiátricos precisavam de uma assistência
permanente e multiprofissional em um ambiente diferente do hospital psiquiátrico, com ações
que proporcionassem a busca por autonomia e liberdade.
Essas duas intervenções contribuíram para o desenvolvimento da saúde mental no Brasil
à medida que apresentaram possibilidades diferentes de intervenção que consideraram a
diversidade das situações encontradas e prezou pela humanização da assistência. Logo,
serviram de modelo para a construção de políticas públicas nacionais destinadas para a pessoa
em sofrimento psíquico, não mais voltadas para a cura e o predomínio do modelo médico.
Analisando um pouco mais adiante, a década de 1990 foi considerada a mais importante
no que diz respeito as conquistas da Reforma Psiquiátrica brasileira. Em 1991 e 1992 foram
instituídas as portarias 189 e 224 do Ministério da Saúde, a primeira versa sobre o custeio por
verba pública dos Núcleos e Centros de Atenção Psicossociais até então não garantidos,
enquanto a segunda aperfeiçoou a regulamentação dos CAPS e NAPS definindo-os como

[...]unidades de saúde locais/regionalizadas que contam com uma


população adscrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de
cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar,
em um ou dois turnos de 4 horas, por equipe multiprofissional.

Assim, a portaria 224 dividiu o atendimento em saúde mental em dois grupos:


atendimento hospitalar e ambulatorial. O atendimento hospitalar sendo realizado através de
internação e semi-internação em hospitais-dia, serviço de urgência psiquiátrica
em hospital geral, leito ou unidade psiquiátrica em hospital geral ou hospital especializado em
psiquiatria. Já o atendimento ambulatorial compreendendo a prestação de serviços através de
unidades básicas, centros de saúde, ambulatório propriamente dito e os NAPS e CAPS.
Apesar de trazer a internação como uma possibilidade, a portaria deixou claro que essa deve
ser temporária, tendo que a instituição encaminhar o paciente para outros serviços após o
término. Garantia, também, o acompanhamento por equipe multiprofissional em conjunto
com as famílias.
39

Essas portarias impulsionaram o crescimento da rede de atenção à saúde mental, a


diminuição significativa de hospitais psiquiátricos - através do incentivo aos leitos
psiquiátricos em hospitais gerais em substituição à internação em hospitais psiquiátricos - e a
ampliação de conhecimentos envolvidos na assistência à saúde mental, garantindo a criação
de cerca de 100 serviços de atenção diária na primeira metade da década e o fechamento de 57
hospitais psiquiátricos (TENÓRIO, 2002, p.43-44).
Outro marco importante foi a aprovação da Lei 10.216 em 2001, conhecida como Lei
Paulo Delgado. Essa institui um novo modelo de tratamento aos portadores de transtornos
mentais no Brasil, redirecionando a assistência e definindo a proteção e os direitos desses.
Apesar de ter sido aprovada em 2001, a lei tramitou durante 12 anos no Congresso e serviu
como base para propostas de leis aprovadas em sete estados e no Distrito Federal (TENÓRIO,
2002, p.50-52).
A Lei Paulo Delgado privilegiou os tratamentos em serviços de base comunitária,
mas não definiu claramente mecanismos para a extinção dos manicômios. Contudo, apontou
a internação como uma medida última sendo exigida a apresentação de laudo médico que
justificasse a decisão, podendo acontecer de três formas: voluntária, involuntária
e compulsória. Vejamos o que diz um dos artigos mais importantes dessa lei:

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os


recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do
paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços
médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos
mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no
parágrafo único do art. 2o. (BRASIL, 2001, p. 2)

Esse artigo representa bem as ideias da Reforma Psiquiatra à medida que visa à
reinserção social e ao cuidado voltado para o bem-estar biopsicossocial exigindo condições
adequadas para o acolhimento de forma humanizada das pessoas que estão em sofrimento
psíquico e apontando a família e a comunidade como central no processo.
Assim, por meio dessa lei e da III Conferência Nacional de Saúde Mental realizada
também em 2001 com o tema “Cuidar sim, excluir não”, a política nacional de saúde mental
passa a consolidar-se e a ganhar maior visibilidade, expandindo-se com o financiamento do
Ministério da Saúde. A última Conferência aconteceu em Brasília e reuniu profissionais,
40

familiares e usuários dos serviços totalizando 1.480 delegados selecionados nas conferências
municipais e estaduais (BRASIL, 2005).
Os CAPSs aparecem nesse cenário como o principal serviço no processo
de desospitalização e desinstitucionalização. No entanto as residências terapêuticas
formalizadas pelas portarias 106 e 1.220, ambas do ano 2000, são também fundamentais para
o caminho da reinserção social dos pacientes que por diversas razões não possuem suporte
social e familiar, sobretudo aqueles que viveram por muito tempo em hospitais psiquiátricos.
Entende-se, na portaria 106, como Serviços Residenciais Terapêuticos “moradias ou casas
inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de
transtornos mentais” (BRASIL, 2000, p. 23) de forma a substituir o modelo asilar e devolver-
lhes a cidadania.
A mesma portaria destaca a importância de adequação para cada tipo de necessidades
dos moradores e divide as Residências Terapêuticas essas em duas modalidades: Tipo I
destinada a pessoas em processo de desinstitucionalização e devendo acolher no máximo oito
moradores; e o tipo II para os que têm acentuado nível de dependência e necessitam de
cuidados permanentes específicos, normalmente devido a comprometimento físico, devendo
comportar no máximo dez moradores. Cabe a rede de serviços dar os suportes adequados a
esses moradores e fazer o Projeto Terapêutico específico para que se consiga atingir os
objetivos designados.
É indiscutível a evolução da saúde mental brasileira desde a luta antimanicomial até a
criação e a efetivação de serviços substitutivos evidenciados pela diminuição de hospitais
psiquiátricos e extensão de serviços na atenção básica e especializada. A pesquisa divulgada
pelo Ministério da Saúde no ano de 2015 afirma que em 2002 o Brasil contava com 51.393
leitos em hospitais psiquiátricos que foram reduzidos para 25.988 no ano de 2014. Em
contrapartida, houve um aumento do número de CAPSs de 148 em 1998 para 2.209 em 2014.
Esses dados corroboram a análise de Amarante (2018) sobre o processo de reforma
psiquiátrica à medida que apresenta uma modificação de forma lenta, porém significativa.

3.2 OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS (CAPS) E A IMPORTÂNCIA DA


REDE DE SERVIÇOS NO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL

Os CAPS foram implantados junto a outros serviços substitutivos como resultado da


Reforma Psiquiátrica brasileira a fim de atender pessoas que apresentam transtornos mentais
de forma integral e humanizada objetivando a desconstrução de medidas e ambientes
41

inadequados e preservando a cidadania e a liberdade desses. Logo, são indispensáveis à


substituição dos hospitais psiquiátricos e dos tratamentos de transtornos mentais de forma
inclusiva, oferecendo, “além de atenção à crise, um espaço de convivência e a criação de
redes de relações que se alarguem para além dos locais das instituições, atingindo o território
da vida cotidiana dos usuários” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p.27).
Desse modo, compõe a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que é formada pelos
CAPS (considerado o principal serviço), as Unidades Básicas de Saúde, os Serviços de
Residências Terapêuticas, os Leitos de Saúde Mental em Hospitais Gerais, as Unidades de
Acolhimento e a Rede de Urgência e Emergência.
Os CAPS são instituições que visam o acolhimento daqueles que apresentam sofrimento
psíquico grave e persistente necessitando de acompanhamento especializado, de curta ou
longa duração, propondo um tratamento que vai além das consultas e medicação. Os recursos
que o CAPS dispõe caracterizam o que foi denominado clínica ampliada. Trata-se de um
modelo de atenção à saúde que parte do entendimento do ser humano como constituído por
aspectos biopsicossociais e considera a necessidade de diversos profissionais para garantir a
assistência de forma integral.
Assim, é um serviço independente de estruturas hospitalares e sua política prevê a
classificação do serviço em seis tipos definidos a partir do número de habitantes e demandas
por território. São eles:
I - CAPS I: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e também
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de todas as
faixas etárias; indicado para Municípios com população acima de vinte mil
habitantes;
II - CAPS II: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, podendo
também atender pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, conforme a organização da rede de saúde local, indicado para
Municípios com população acima de setenta mil habitantes;
III - CAPS III: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes.
Proporciona serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas,
incluindo feriados e finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento
noturno a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS Ad, indicado para
Municípios ou regiões com população acima de duzentos mil habitantes;
IV - CAPS AD: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as
normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades decorrentes
do uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço de saúde mental aberto e de caráter
comunitário, indicado para Municípios ou regiões com população acima de setenta
mil habitantes;
V - CAPS AD III: atende adultos ou crianças e adolescentes, considerando as
normativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com necessidades de cuidados
clínicos contínuos. Serviço com no máximo doze leitos leitos para observação e
monitoramento, de funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana;
indicado para Municípios ou regiões com população acima de duzentos mil
habitantes; e
VI - CAPS I: atende crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e
persistentes e os que fazem uso de crack, álcool e outras drogas. Serviço aberto e de
42

caráter comunitário indicado para municípios ou regiões com população acima de


cento e cinquenta mil habitantes (BRASIL, 2011, p. 59).

A política tenta abarcar, desse modo, todas as possíveis situações que levam as pessoas
a chegarem até esses serviços e destaca a necessidade de uma equipe especializada para
intervir de forma a promover a autonomia e a integração social e familiar dos usuários por
meio de intervenções individuais e coletivas. Além dos atendimentos individuais e de caráter
medicamentoso a assistência prestada inclui: atendimento em grupos, oficinas terapêuticas,
visitas domiciliares, atendimento à família, atividades comunitárias e refeições diárias.
No que diz respeito aos recursos humanos previstos na portaria de Nº 336 do Ministério
da Saúde (2002) e reforçados em 2004 com a publicação do manual “Saúde Mental no SUS:
Os Centros de Atenção Psicossociais”, deve fazer parte da equipe técnica mínima dos CAPS
os seguintes profissionais:

CAPS I – um médico com formação em saúde mental, um enfermeiro, três


profissionais de nível superior - psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional,
pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico -, quatro
profissionais de nível médio - técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
educacional e artesão.
CAPS II – um médico psiquiatra, um enfermeiro com formação em saúde mental,
quatro profissionais de nível superior - psicólogo, assistente social, enfermeiro,
terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto
terapêutico -, seis profissionais de nível médio - técnico e/ou auxiliar de
enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.
CAPS III – um enfermeiro com formação em saúde mental, cinco profissionais de
nível superior - psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional,
pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico, oito profissionais
de nível médio - técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo,
técnico educacional e artesão.
A equipe para plantões noturnos de 12 horas deve ser composta por: três
técnicos/auxiliares de enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço), um
profissional de nível médio da área de apoio.
A equipe para as 12 horas diurnas nos sábados, domingos e feriados: um profissional
de nível superior - médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, terapeuta
ocupacional, ou outro profissional de nível superior justificado pelo projeto
terapêutico -, três técnicos/auxiliares de enfermagem (sob supervisão do enfermeiro
do serviço) e um profissional de nível médio da área de apoio.
CAPS AD – um médico psiquiatra, um enfermeiro com formação em saúde mental,
um médico clínico (responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento clínico),
quatro profissionais de nível superior - psicólogo, assistente social, enfermeiro,
terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto
terapêutico -, seis profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem,
técnico administrativo. técnico educacional e artesão.
CAPS i – um médico com formação em saúde mental - psiquiatra, neurologista ou
pediatra), quatro profissionais de nível superior - psicólogo, assistente social,
enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional
necessário ao projeto terapêutico - , cinco profissionais de nível médio - técnico e/ou
auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e
artesão. [TRECHO ADAPTADO] (BRASIL, 2002, p. 26).
43

Numa perspectiva contrária à dos manicômios, que se restringe à correção/cura dessas


pessoas, os CAPS direcionam o tratamento a pessoa em sua totalidade, sem desconsiderar a
subjetividade e suas habilidades, que devem ser o foco das intervenções, não o diagnóstico.
Assim, é dever dos profissionais de saúde mental auxiliar na desconstrução de estigmas e
preconceitos criados pela comunidade e pelas famílias dos usuários.
A equipe deve acolher e planejar um acompanhamento para cada usuário que inclua
diversas atividades de ressocialização de modo a responsabilizar a família e a dar o suporte
necessário através das redes de serviços disponíveis. É importante destacar que diferente dos
hospícios e manicômios o CAPS não substitui as casas dos usuários. Apenas em casos
específicos é possível que o usuário passe alguns dias internado para observação e
monitoramento pelos profissionais.
A criação de serviços substitutivos rompe com o modelo biomédico de psiquiatria que
coloca o médico como detentor do saber e o paciente como um corpo que deve ser retirado da
sociedade definitivamente ou deve ser ajustado para voltar ao seu ambiente. As equipes
contam com vários profissionais de diferentes áreas (como citado anteriormente) que devem
planejar tanto um projeto terapêutico do serviço a partir das diferentes contribuições, como
um projeto terapêutico singular visando as particularidades de cada usuário. Dessa forma,

[...] o CAPS pode articular cuidado clínico e programas de reabilitação psicossocial.


Assim, os projetos terapêuticos devem incluir a construção de trabalhos de inserção
social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania que
minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada usuário frente à sua vida
(BRASIL, 2004, p.18).

Contudo, Amarante (2005) destaca algumas dificuldades no processo de reforma


psiquiátrica brasileira que devem ser consideradas e analisadas para melhoria das políticas
públicas de saúde mental: 1. O fato de a relação que ele denomina loucura-hospício-ciência-
lei não ter sido construída historicamente por acaso, mas com bases solidificadas na ideia de
correção presente no imaginário popular; 2. A formação dos profissionais que se dá, muitas
vezes, sob a lógica hospitalar e são generalizadas para os serviços substitutivos; 3. A forma de
implantação e implementação dos serviços substitutivos que acaba por reproduzir a lógica
ambulatorial e hospitalar que a reforma pretende substituir devido à escassez de recursos
advindos de financiamento público e capacitação dos profissionais.
As dificuldades apontadas por Amarante (2005) são perceptíveis dentro dos serviços de
saúde mental, sobretudo a partir de práticas contrárias aos fundamentos da Reforma
Psiquiátrica. Desse modo, torna-se indiscutível a necessidade em investimentos no que diz
44

respeito à formação dos profissionais para uma atuação direcionada para os serviços
substitutivos. Além de planos de atuação que visem à quebra de barreiras socialmente
existentes com relação à saúde mental.
Assim, para que aconteça a efetivação das políticas em questão é necessário ainda o
bom funcionamento da rede de serviços disponíveis e da articulação dos profissionais
enquanto equipe interdisciplinar. E, consequentemente, do diálogo entre os conhecimentos a
fim de tentar compreender os usuários em sua totalidade.

3.3 EQUIPES INTERDISCIPLINARES E O PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR NA


SAÚDE MENTAL

Atualmente, é inevitável não associar saúde pública à interdisciplinaridade, entendida


como diálogo e interação das disciplinas/profissões nos serviços. Na área da saúde mental não
é diferente. Por muito tempo, a loucura foi objeto de estudo exclusivo da psiquiatria que,
baseada na perspectiva biomédica, propunha tratamentos que tinham como finalidade curar os
ditos loucos. Contudo, essas práticas foram substituídas e tornou-se necessária a intervenção
de outros saberes para que pudesse abarcar o entendimento de saúde mental como bem-estar
físico, mental e social. Como apontado por Amarante (2007):

Ao contrário da psiquiatria, a saúde mental não se baseia em apenas um tipo de


conhecimento, a psiquiatria, e muito menos é exercida por apenas, ou
fundamentalmente, um profissional, o psiquiatra. Quando nos referimos à saúde
mental, ampliamos o espectro dos conhecimentos envolvidos, de uma forma tão rica
e polissêmica que encontramos dificuldades de delimitar suas fronteiras, de saber
onde começam ou terminam seus limites (AMARANTE, 2007, p.15-16).

Apesar das políticas apontarem uma necessidade de união dos saberes é comum
encontrarmos equipes multidisciplinares nos serviços públicos ao invés de interdisciplinares,
onde cada profissional efetua suas intervenções de forma isolada sem que haja um diálogo ou
cooperação com os demais para compreender as demandas e planejar intervenções
considerando todos os aspectos. Esse tipo de interação da equipe pode limitar a assistência à
medida que isolam os conhecimentos e os profissionais não têm uma visão completa da
realidade dos usuários.
Pensando nessa integração de profissionais dentro dos serviços de saúde mental e nos
princípios do SUS, o Ministério da Saúde propõe a criação de equipes de referência. Trata-se
da responsabilidade que a equipe tem com o usuário ou família de modo a conduzir o caso a
45

fim de garantir a assistência integral e a criação de vínculo. Assim, a equipe deve fazer
reuniões para discutir o projeto terapêutico do usuário ou família e se necessário mediar o
contato com outras instituições e serviços (BRASIL, 2007).
Nos CAPS, além da equipe de referência, há a necessidade de determinar o Terapeuta
de Referência (TR) do usuário, considerando que acolhem casos mais complexos que os
demais serviços de saúde. Em geral, o TR é o técnico que faz o acolhimento, porém é
necessário considerar a criação de vínculo entre o usuário e o profissional e o impacto que a
relação estabelecida tem no acompanhamento, podendo a equipe optar pela substituição desse
se necessário (BRASIL, 2004).
Portanto, é importante ressaltar a necessidade do desenvolvimento de estratégias que
ajudem a efetivar uma atuação interdisciplinar nos CAPS que sirvam de base para
intervenções de forma mais concreta no sistema público de saúde.
O Projeto Terapêutico Singular (PTS) aparece nesse cenário como uma estratégia para
planejar e nortear o trabalho em equipe em casos mais complexos respeitando a singularidade
dos usuários. Trata-se de um projeto que deve ser pensado para, e com, a pessoa e sua família
com finalidade terapêutica "que personalize o atendimento de cada pessoa na unidade e fora
dela e proponha atividades durante a permanência diária no serviço, segundo suas
necessidades" (BRASIL, 2004, p.16). Logo, trata-se de uma análise entre os envolvidos para a
compreensão da demanda e planejamento de ações. O PTS deve ser dividida em quatro
elementos:
1) O diagnóstico: que deverá conter uma avaliação orgânica, psicológica e social,
que possibilite uma conclusão a respeito dos riscos e da vulnerabilidade do usuário.
Deve tentar captar como o Sujeito singular se produz diante de forças como as
doenças, os desejos e os interesses, assim como também o trabalho, a cultura, a
família e a rede social. Ou seja, tentar entender o que o Sujeito faz de tudo que
fizeram dele. 2) Definição de metas: uma vez que a equipe fez os diagnósticos, ela
faz propostas de curto, médio e longo prazo, que serão negociadas com o Sujeito
doente pelo membro da equipe que tiver um vínculo melhor. 3) Divisão de
responsabilidades: é importante definir as tarefas de cada um com clareza. 4)
Reavaliação: momento em que se discutirá a evolução e se farão as devidas
correções de rumo. (BRASIL, 2007, p.41)

Desse modo, o PTS tem como principal característica a compreensão do usuário como
um ser socio-histórico, ou seja, construído a partir da sua relação com o meio e com os outros,
e, portanto, ativo no processo de acompanhamento nos serviços. Por isso, ele se adequa às
necessidades de cada caso e aos recursos disponíveis na instituição e na comunidade. Além
disso, valoriza as diversas especialidades a fim de uni-las para dar um melhor suporte aos
usuários através da equipe e da rede de serviços presentes nos municípios.
46

Nesse sentido, o Ministério da Saúde afirma a importância de um modelo de cuidados


colaborativos na Saúde mental. Esse deve ter como ponto de partida o apoio matricial
definido como “um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num
processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-
terapêutica” (BRASIL, 2011, p.13). O apoio matricial no uso do PTS é fundamental,
sobretudo em casos complexos onde os profissionais precisam da contribuição dos demais
serviços da rede.
É indispensável para a construção do PTS que os profissionais consigam dialogar entre
si a partir de suas especialidades, contribuindo para a visão integral do usuário em questão
objetivando seu bem-estar. Além disso, o PTS deve ser compreendido pelos mesmos como
"um processo dinâmico, devendo manter sempre no seu horizonte o caráter provisório dessa
construção, uma vez que a própria relação entre o profissional e o usuário está em constante
transformação” (BRASIL, 2013, p. 33). Ou seja, não se trata de algo estático, mas que requer
avaliações constantes.
Por ser destinado a situações mais complexas, o PTS deve ser o principal instrumento
de trabalho dos CAPS, visto que possibilita uma maior autonomia do usuário, um
planejamento interdisciplinar, a reinserção social e a direção para determinadas atividades
propostas pelo serviço, além da flexibilidade de horários de acordo com o cronograma da
instituição. Compondo junto com a equipe de referência e a clínica ampliada o tripé do
serviço (BRASIL, 2008).
Assim, o TR se responsabilizará pelo monitoramento junto com o usuário do seu projeto
terapêutico observando e fazendo as modificações pertinentes, podendo redefinir as
atividades, a frequência de participação no serviço, as metas, entre outros aspectos. Além de
ser responsável pelo diálogo com a família e com a equipe e pelas avaliações que devem ser
feitas periodicamente.
No que diz respeito à estruturação do PTS o Ministério da Saúde não disponibiliza um
modelo oficial de documento. Contudo, frisa o modo como o mesmo deve ser construído e os
pontos que deve conter, já abordados anteriormente. São eles: diagnóstico, definição de
metas, divisão de responsabilidades e reavaliação (BRASIL, 2007). As equipes devem montar
um modelo para documentar o PTS de cada usuário com essas informações.
Diante do exposto, percebe-se que o cuidado em saúde mental tem se modificado à
medida que novas políticas e estratégias vão sendo implementadas e executadas. Contudo,
estudiosos como Cardoso e Galera (2011), Amarante (2018) e Tykanori (2017) atentam para o
47

fato dessas políticas estarem em desenvolvimento e, por essa razão, serem alvos de frequentes
ameaças e enfraquecidas a partir de cortes de investimento.

3.4 O CUIDADO EM SAÚDE MENTAL ATUALMENTE

Nas últimas décadas, como citado anteriormente, assistimos ao processo de


reconstrução da assistência à saúde mental brasileira baseada nos princípios propostos pelo
movimento de Reforma Psiquiátrica. A base do sistema assistencial deixou de ser o hospital
psiquiátricos e passou a ser a rede de serviços extra-hospitalares. A internação psiquiátrica
tornou-se mais criteriosa e com curto período de hospitalização.
Apesar de o Brasil estar se destacando na implantação de serviços substitutivos Cardoso
e Galera (2011) atentam para o fato de a rede ainda estar em desenvolvimento e necessitar de
melhorias para atender seus objetivos, visto que a infra-estrutura dos serviços não permite o
atendimento às reais necessidades da população que, por vezes, continuam optando pela
internação. Além disso, existe a dificuldade para integrar os usuários, suas famílias, os
profissionais da rede e a sociedade no modelo de atenção proposto “mais integrado, dinâmico,
aberto e de base comunitária” (Ibid., p.688).
A portaria 251 de janeiro de 2012 define os hospitais psiquiátricos como
complementares aos serviços substitutivos que são “portas-de-entrada”, ou seja, responsáveis
por acolher os usuários dos serviços e articular-se com os demais, quando necessário, para
garantir o atendimento integral. O documento além de proibir a existência de espaços
restritivos e determinar a necessidade de equipe multiprofissional indica que os hospitais
devem ser submetidos a avaliações periódicas pelo Programa Nacional de Avaliação do
Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH) e devem planejar o atendimento dos usuários com o
objetivo de encaminhá-los aos demais serviços.
O Ministério da Saúde divulgou em 2017 o Panorama e o Diagnóstico da Política
Nacional de Saúde Mental que pretende tornar público os dados referentes à RAPS e debater
questões pertinentes. Segundo a publicação, no ano de 2017 o Brasil contava com 2.462
CAPS, a maioria localizados na região Sudeste (862) seguidas do Nordeste (860), Sul (426),
Norte (161) e Centro Oeste (146). Os números demonstram proporcionalidade com relação a
população de cada região o que explica também a maior quantidade de CAPS tipo I (1.191).
Com relação aos demais serviços habilitados o Brasil apresenta: 57 Unidades de
Acolhimentos, 263 Serviços Hospitalares de Referência com 1.163 leitos e 489 Serviços de
Residências Terapêuticas. O documento expõe ainda as solicitações de habilitação e
48

incentivo: 55 CAPS, 62 SRT e 56 leitos, totalizando investimento anual de R$


43.252.335,92.
O Estado de Alagoas, apesar de contar com 55 CAPS distribuídos nos seus 102
municípios (ALAGOAS, 2018), dispõe de uma rede de assistência psicossocial fragilizada
onde não há o suporte necessário. O Panorama e o diagnóstico da Política Nacional de Saúde
Mental comprova esse fato ao relatar a existência de apenas uma Unidade de Acolhimento,
quinze leitos distribuídos em dois Hospitais Gerais e nenhuma Residência Terapêutica no
Estado.
É notório que, apesar das inúmeras conquistas no campo da Saúde Mental nos últimos
anos, muito ainda precisa ser feito para alcançarmos um modelo ideal de Saúde Mental. A
Reforma Psiquiátrica tem como principal objetivo o cuidado a partir de serviços substitutivos
e a mudança de concepção e não a mera desospitalização. Assim, é necessário que se
desenvolvam estudos para compreender como essas práticas estão sendo executadas a partir
dos profissionais e análises das instituições.
Batista (2014, p.401) critica o modo como a Reforma tem se dado no território
brasileiro e aponta para o perigo do fenômeno que ela denomina “CAPScização” do modelo
assistencial, que seria a transformação dos CAPS em instituições semelhantes aos hospitais
psiquiátricos. A autora se refere ao mal funcionamento ou a inexistência do matriciamento no
CAPS, que pode levar o serviço a ser o centro do tratamento, e a medicação o principal
instrumento.
A inserção de diversas áreas de conhecimento na Saúde Mental junto à psiquiatria –
como a psicologia, enfermagem, terapia ocupacional, neurologia, serviço social, pedagogia,
pediatria, fonoaudiologia etc - representa um grande avanço para a construção de um novo
modelo de saúde, visto que a equipe e a articulação da rede são fundamentais para a
humanização e a compreensão do sofrimento psíquico. Porém, para que o fenômeno citado
por Batista (2014) não ocorra, é indispensável que as universidades direcionem os
profissionais para práticas humanizadas e para o desenvolvimento da interdisciplinariedade. E
que os profissionais dessa área continuem o processo de aperfeiçoamento acerca dos
conhecimentos produzidos sobre a saúde mental e suas possibilidades de intervenção.
Apesar dos dados apresentados comprovarem uma modificação na assistência à saúde
mental, Amarante (2018) afirma que o investimento feito durante esse processo foi
insuficiente por não haver uma política sólida com contratações permanentes. Dificultando,
assim, a continuidade e a manutenção dos serviços. Além disso, o autor demonstra
preocupação no que diz respeito à mudança de gestão do país no ano de 2019 ao afirmar um
49

possível “desvio de rota da sociedade brasileira” (AMARANTE, 2018) com uma privatização
ainda mais radical.
50

4 PSICOLOGIA E SAÚDE MENTAL: HISTÓRIA E PAPEL DO PSICÓLOGO NA


CONSTITUIÇÃO DO PTS

4.1 NASCIMENTO E HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

Atualmente, é comum vermos a atuação da psicologia em diversos serviços públicos e


privados. Porém, trata-se de uma ciência nova que se constituiu enquanto profissão apenas no
final do século XIX apesar de questionamentos e teorias sobre a denominada “mente” ou
“alma humana” datar dos primórdios da humanidade através de grandes nomes da filosofia
como Platão, Sócrates, Aristóteles, Descartes, Hipócrates, entre outros. A Psicologia nasceu
como uma profissão que se voltava para demandas individuais, fato que foi sendo modificado
ao longo do seu desenvolvimento.
O século XIX destaca-se por seu crescente avanço no que se refere ao desenvolvimento
científico, fato que está associado ao crescimento do capitalismo e ao processo de
industrialização, à medida que a nova ordem econômica passa a exigir respostas e soluções
técnicas práticas. Assim, temas estudados atualmente pela psicologia passaram, naquele
momento histórico, a ser investigados não só através da Filosofia, mas também da Fisiologia,
Neuroanatomia e Neurofisiologia (BOCK, 2001, p. 39).
A Psicologia nasceu como área de conhecimento específico na Alemanha no final do
século XIX com Wilhelm Wundt, considerado o pai da Psicologia, na Universidade de
Leipzig. A partir de Wundt e seus sucessores a Psicologia desvinculou-se da filosofia
delimitando seu campo de estudo e construindo teorias a partir da metodologia científica,
iniciando o que ficou conhecido como “Psicologia Moderna”.
As duas grandes contribuições de Wundt foram: a criação do primeiro laboratório de
psicologia experimental do mundo – que se tornou o primeiro centro internacional de
formação de psicólogos, atraindo uma enorme quantidade de estrangeiros - e a criação da
revista Philosophische Studien em 1881, a primeira publicação destinada à divulgação das
pesquisas experimentais feitas no laboratório de Leipzig (GOODWIN, 2005). Destarte,

Wundt preconiza a Psicologia “sem alma”. O conhecimento tido como científico


passa então a ser aquele produzido em laboratórios, com o uso de instrumentos de
observação e medição. Se antes a Psicologia estava subordinada à Filosofia, a partir
daquele século ela passa a ligar-se a especialidades da Medicina, que assumira, antes
da Psicologia, o método de investigação das ciências naturais como critério rigoroso
de construção do conhecimento (BOCK, 2001, p. 43).
51

Influenciada pelos estudos de Wundt, a psicologia passou a negar explicações


metafísicas até então predominantes afastando-se do dualismo mente-corpo e mantendo uma
próxima relação com a medicina. Desse modo, volta-se para o que foi denominada por Wundt
como “experiência consciente imediata”, ou seja, a capacidade humana de organizar
ativamente as informações. Consequentemente, nessa época, a maior parte das pesquisas tinha
como objeto de estudo os processos sensórios e perceptuais básicos (GOODWIN, 2005, p.
143).
Assim, no primeiro momento, a psicologia foi definida como a “ciência do
comportamento” que teria como objetivo ajudar os homens a solucionar seus problemas de
modo prático, ensinando-lhes a agir (ABIB, 2009). Porém, se tratava apenas de uma disciplina
que faria parte da formação de algumas profissões e logo se expandiu, especialmente nos
Estados Unidos durante a segunda metade do século XX, onde foram desenvolvidas novas
teorias e construídos novos laboratórios. Como apontam Silva Junior, Cantarini e Prudente
(2006, p. 160).

Na virada do século, ocorreu intenso desenvolvimento da ciência psicológica em


todas as instâncias, quer no plano teórico – destacando-se a diversidade de
abordagens surgidas nessa época e o aumento significativo da produção de pesquisas
–, quer no plano prático, em que esta ciência penetrou e ampliou seu potencial de
aplicação.

A Psicologia norte-americana tem como fundador William James (1842-1910), que


embora não tenha criado uma escola, registrou suas ideias
em Principles of Psychology (1890), um clássico na história da Psicologia. No que se refere à
metodologia de James, essa tem como base a Observação Introspectiva e a abordagem
experimental. Sob a influência de James e de outros estudiosos o início do século XXI marca
o rompimento com a Psicologia alemã, visto a expansão dos estudos em Psicologia e a
criação de laboratórios e pós-graduações nos Estados Unidos, fazendo com que os alunos se
mantivessem no país ao invés de se deslocarem para Alemanha em busca de conhecimentos
na área (GOODWIN, 2005).
Ademais, os Estados Unidos foi berço de duas das três primeiras escolas da
Psicologia: Associacionismo e Estruturalismo, que junto ao Funcionalismo serviram de
fundamento para o desenvolvimento das correntes e teorias existentes atualmente. Nos
séculos seguintes, essas ideias foram sendo substituídas por teorias que coexistem e servem
como base para a atuação dos psicólogos e para a criação de outras concepções. As mais
52

conhecidas, segundo Bock (2011), são: Psicanálise, Gestalt e Behaviorismo3. Devido


à pluralidade existente atualmente alguns estudiosos preferem o termo “psicologias” à
“psicologia” enfatizando as diversas concepções e campos de atuação (BOCK, 2001).
Como perceptível, apesar da Alemanha ter sido o lugar de origem da Psicologia através
do laboratório de Wundt e dos seus pensamentos, foi nos Estados Unidos que o conhecimento
psicológico ganhou maior espaço. Fato que se mostrou fundamental para o
desenvolvimento da profissão e sua expansão, chegando ao Brasil através da
medicina durante o período colonial onde tem se desenvolvido desde então.

4.1.1 Desenvolvimento da psicologia no Brasil

No Brasil, os médicos também foram os primeiros a divulgar e a implantar a psicologia.


Os primeiros registros médicos de que se tem conhecimento datam de 1500, período colonial,
contudo apenas nos anos 1813 e 1815 foram fundadas as primeiras escolas de medicina no
Rio de Janeiro e na Bahia, respectivamente. Até então a assistência médica era escassa e
dependia de médicos estrangeiros trazidos com o objetivo de controlar epidemias que
atingiam a população (CARPIGIANI, 2010).
Os aspectos psicológicos eram tratados, nesse cenário, em teses de doutorados de
medicina e nos cursos de formação de educadores sem grandes embasamentos teóricos e
experimentais. Contudo, é relevante destacar que, foram esses saberes pouco estruturados que
serviram para justificar os tratamentos desumanos e a segregação dos ditos loucos durante um
grande período da história.

A primeira tese que trata do fenômeno psicológico foi defendida por Manoel Ignacio
de Figueiredo Jaime, em 1836, com o título: As paixões e afetos d’alma em geral e
em particular sobre o amor, a amizade, a gratidão e o amor da pátria. A partir da
década de 1840 foram criados os primeiros hospícios no Brasil, baseando-se na
necessidade de oferecer tratamento adequado aos “loucos”, que até então viviam nas
ruas, prisões e nas “casinhas de doudos” das Santas Casas de
Misericórdia (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 8)

Naquele período, enquanto a Psicologia se consolidava em solo alemão, o Brasil estava


passando pela transição entre a Monarquia e a República. Nota-se que, tanto a Psicologia
como outras áreas do conhecimento, ganharam destaque pela possibilidade de
contribuição para resolução de problemas relacionados à saúde, à educação e à organização de
trabalho, necessárias ao novo cenário brasileiro em busca da modernidade. Logo, data dessa
3
Para melhor compreensão das abordagens citadas consultar o livro Psicologias, Bock (2001).
53

época as primeiras intervenções de um viés psicológico a partir de instituições médicas e


educacionais.
Houve, também nesse período, uma reforma do ensino denominada “Reforma de Ensino
Benjamin Constant” que introduziu indiretamente a Psicologia através das disciplinas
Pedagogia e Filosofia em escolas secundárias, seminários e cursos para ingresso nas
Faculdades de Direito dando início ao processo de institucionalização do conhecimento
psicológico (CARPIGIANI, 2010, p. 126).
Assim, gradativamente a Psicologia se consolidou como ciência adentrando,
inicialmente, três campos de atuação: educação, trabalho e clínica, através de técnicas e
práticas específicas. Todavia, apenas em 27 de agosto de 1962 a profissão de psicólogo foi
regulamentada através da lei nº 4119, sancionada pelo presidente João Goulart, fazendo, do
Brasil, um dos poucos países com legislação que protege a profissão junto com os Estados
Unidos, o Canadá e o Egito (CARPIGIANI, 2010, p. 127).
A lei 4119 reconhece a profissão de psicólogo, fixa normas para a formação e a atuação
profissional e define quais são as atribuições do psicólogo através da utilização de métodos e
técnicas psicológicas, tais como: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção
profissional; c) orientação psicopedagógica; e d) solução de problemas de ajustamento.
Apesar da sua importância para o desenvolvimento da profissão, é notório que a
regulamentação é restrita se analisada a partir da Psicologia que conhecemos atualmente, à
medida que abrange apenas as áreas que se consolidaram como prática no período anterior. É
importante destacar ainda que, apesar dessa regulamentação, apenas em 1971 a lei 5.766, que
criou os Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, órgãos responsáveis pela fiscalização e
orientações profissionais, foi criada.
Dessa forma, Pereira e Pereira Neto (2003) dividem didaticamente a história da
Psicologia brasileira em três períodos: pré-profissional, de profissionalização e profissional. O
primeiro período (1833 – 1890) tem como marco inicial a criação das faculdades de medicina
do Rio de Janeiro e da Bahia e o interesse por temas relacionados à psicologia, não havendo
ainda a profissão no Brasil, nem a sistematização ou a institucionalização do conhecimento
psicológico; o segundo período (1890/1906 - 1975) abrange a institucionalização da prática
psicológica, a regulamentação da profissão e a criação de dispositivos formais. Época em que
a Psicologia começa a ganhar um maior espaço no mercado de trabalho, apesar do vínculo
com a medicina e a educação; e o último período (1975 – hoje) inicia-se quando a psicologia
passou a estar organizada e estabelecida enquanto profissão. Tem como marco a proliferação
54

das faculdades e a grande quantidade de profissionais disponíveis, além da construção de


outras áreas de atuação e de novas técnicas.
Quanto à prática nas instituições, “a Psicologia estava voltada à doença mental e ao
ajustamento educacional” (CARPIGIANI, 2010, p. 131) e teve a primeira turma formada pela
PUC do Rio de Janeiro em 1960 iniciando a ampliação de práticas e a consolidação da
profissão. Por conseguinte, a década de 1970 ficou conhecida pelo grande crescimento de
profissionais e, consequentemente, pela proliferação de clínicas particulares que deu à
profissão status social, atingindo o público das classes média e alta. Langenbach (1988)
destaca a importância do contexto repressivo da ditadura militar no desenvolvimento da
psicoterapia:

Num primeiro momento, o sistema autoritário aqui instalado e a concomitante


expansão e o enriquecimento da classe média criaram condições propícias para o
surgimento de uma demanda do novo profissional – o psicoterapeuta. A própria
ausência de canais de participação – o silenciar sendo uma palavra de ordem –
tornava atraente e válido este tipo de espaço. Tal validade era reafirmada pelo
próprio Estado, por serem consideradas as práticas em psicologia provavelmente
pouco ameaçadoras, já que, privilegiando a esfera íntima e privada, nela ficariam
camufladas complexas questões sociais (LANGENBACH, 1988, p. 88 apud
PEREIRA; PEREIRA NETO 2003, p. 25).

À medida que o golpe militar de 1964 contribuiu para o crescimento das clínicas
psicológicas retardou o desenvolvimento de outras áreas de atuação induzindo os profissionais
a manterem o foco em demandas individuais. Assim, apenas a partir da década de 1980 essa
realidade começou a ser modificada e a psicologia ganhou espaço em outros campos,
incluindo o da saúde pública que teve sua inserção influenciada pelos movimentos de
Reforma Psiquiátrica e Reforma Sanitária, abordados no capítulo anterior.
Deste modo, o contexto histórico da década de 1980 com a crescente manifestação de
movimentos nos diversos âmbitos permitiu que novos estudos e reflexões fossem
desenvolvidos sobre o exercício da psicologia no Brasil. Logo, tornou-se um marco para a
história da psicologia brasileira. Tais críticas se voltavam ao caráter elitista e excludente da
profissão que tinha como principal campo de atuação a clínica, além da inadequação dos
modelos teóricos advindos de outros países, com diferente realidade sociocultural
(YAMAMOTO; COSTA, 2010, p. 257).
Com relação ao diagnóstico da atuação do psicólogo no Brasil foram realizados dois
estudos relevantes, o primeiro denominado “Quem é o psicólogo brasileiro?” divulgado pelo
Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 1988 e o segundo realizado quase vinte anos depois
(2006 – 2008) pelo GT Psicologia Organizacional e do Trabalho da Associação Nacional de
55

Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) que replicou algumas questões abordadas


anteriormente, mas teve seu foco na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho.
A pesquisa realizada pelo CRP mostra, além de outras informações, um crescente
número de psicólogos no Brasil à época: o crescimento foi de 15 psicólogos em 1962 para
11.343 no ano de 1974; e, de 12.139 no ano de 1978 para 60.401 em 1987, os primeiros dados
baseados nos registros do Ministério da Educação (MEC) e os segundos nos registros dos
Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs). Quanto à distribuição de psicólogos por áreas,
foram mencionadas seis: clínica, escolar, organizacional, docência, pesquisa e comunitária,
sendo as três primeiras as mais citadas.
A segunda pesquisa, da ANPEPP, aponta para também um crescimento nas últimas
décadas do número de profissionais e cursos de Psicologia, contudo, destaca o processo de
interiorização como o diferencial nos últimos anos. Quanto às áreas de atuação, foram citadas:
clínica, saúde, organizacional e do trabalho, docência, pesquisa, escolar/educacional e
comunitária. As quatro primeiras foram as principais.
A partir da comparação entre as duas pesquisas torna-se visível a implementação e o
desenvolvimento de novas áreas de atuação do psicólogo, no período de 20 anos, entre um
estudo e o outro, apesar de ambas demonstrarem a predominância da atuação em
consultórios. A segunda pesquisa mostra a área denominada “saúde” como a
segunda com maior número de psicólogos inseridos no Brasil, campo de enorme relevância
atualmente e não aparece no primeiro estudo.
Não foram encontrados estudos mais recentes que abordem a situação atual da
psicologia com relação às áreas de atuação a nível nacional. Porém, é notória a quantidade
crescente de profissionais nos campos das políticas públicas. A introdução da psicologia no
campo da saúde pública está associada às mudanças com a implantação do novo sistema de
saúde e as reivindicações do CFP para ampliação da profissão. Além da clara impossibilidade
de todos os profissionais se manterem no mercado de trabalho através de clínicas
particulares, considerando que, atualmente, o CFP apresenta o número de 328.060 psicólogos
inscritos no órgão, desses, 3.955 se encontram no estado de Alagoas (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2019).
Assim, à medida que a psicologia se insere em novos contextos, torna-se necessária a
adaptação da ciência para uma atuação eficaz, de acordo com as demandas específicas de cada
serviço e, no caso da saúde pública, voltando-se para o trabalho em equipe.Com base nessas
necessidades, exige - se, pois, a modificação nas formações acadêmicas, a ampliação do
56

objeto de estudo para apropriar-se de novas demandas e o investimento em educação


continuada por meio de formações e especializações.

4.2 A PSICOLOGIA NO SUS: PRÁTICAS EM CONSTRUÇÃO

Mais especificamente nessa área, como dito anteriormente, os movimentos de Reforma


Sanitária e Reforma Psiquiátrica influenciaram significativamente a implementação do novo
sistema de saúde brasileiro e, consequentemente, a inserção do psicólogo e de outras
especialidades no campo das políticas públicas. À medida que a concepção de saúde foi sendo
modificada tornou-se necessário o suporte de outros saberes além da medicina para lidar com
a complexidade dos processos de prevenção, promoção e cuidado em saúde. Logo,

Com a instituição do SUS, em 1988, surge uma nova proposta de atenção em saúde
mental, o trabalho em equipes multiprofissionais passa a ser uma prioridade. O
psicólogo então, ao lado de outros profissionais passa a integrar o novo modelo
de atenção (POUBEL, 2014, p. 193).

Os princípios doutrinários do SUS - universalidade, integralidade e equidade – exigem


além da realização de trabalhos em equipe, um olhar humanizado para as questões de saúde,
diferente da visão biológica típica da medicina. Segundo Souza, Garbinato e Martins (2012) a
psicologia torna-se indispensável nesses novos contextos à medida que se propõe a entender
as questões de saúde-doença a partir da interação do indivíduo com o meio social, uma vez
que a partir da consolidação do SUS, a saúde passa a ser compreendida por meio da relação
entre aspectos sociais, biológicos e psicológicos envolvidos no processo.
Spink (2007) reflete sobre a necessidade de ruptura da psicologia com as práticas que
foram historicamente construídas e que não se adequam a atuação no SUS a partir da década
de 1990. Segundo a autora, a introdução da psicologia na área da saúde, inicialmente
apresentou características de uma atuação nas áreas organizacional e clínica, com a presença
de práticas individualizantes como o uso de testes psicológicos. Spink (2007) aponta, ainda,
a formação como uma das causas dessa inadequação, visto que, em sua maioria, os estudos
são pautados no modelo clínico. Conclui-se que

O fazer da Psicologia no SUS implica os problemas da subjetividade


contemporânea, e a produção de subjetividade e de suas políticas. Sua prática deve
orientar-se para o campo de interfaces disciplinares, de forma a romper com os
modelos institucionalizados (POLEJACK et al., 2015, p.39).
57

Dessa forma, a ciência psicológica dentro das políticas públicas de saúde deve ter como
foco a garantia de direitos e o fortalecimento das políticas, compreendendo os sujeitos como
resultados da sua relação com o processo histórico-cultural. Assim, cabe ao psicólogo, junto
aos outros profissionais que compõem a equipe, afirmar a subjetividade e o campo das
relações sociais em suas intervenções a fim de garantir a integralidade das ações
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011). Para tanto,

[...] a Psicologia dispõe de conhecimentos para a atuação em equipes


multidisciplinares, desenvolvendo atividades tanto individuais quanto com grupos
de usuários. A principal contribuição do trabalho do psicólogo é com a não
alienação do paciente no processo saúde-doença, não exclusão de seu ambiente
social, uma vez que a vida social é fator importante no processo de recuperação
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011, p. 10).

Contudo, a intervenção da Psicologia não é importante apenas nos casos de doença, mas
indispensáveis também nos processos de promoção e prevenção da saúde à medida que busca
melhorar a qualidade de vida sob o viés biopsicossocial. Com o objetivo de auxiliar a atuação
de psicólogos nesses novos espaços o Conselho Federal de Psicologia criou o Centro de
Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), no ano de 2006. Esse
órgão é responsável por pesquisas sobre a atuação dos psicólogos em políticas públicas com a
finalidade de basear elaborações de referências técnicas.
No contexto da saúde e mais especificamente da saúde mental, o psicólogo encontra-se
envolvido com o movimento da reforma psiquiátrica. Entende-se hoje que esse profissional é
um ator importante dentro dos serviços substitutivos, pois se dedica ao entendimento do
sofrimento psíquico e os aspectos envolvidos no mesmo.

4.3 A PSICOLOGIA NO CONTEXTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA

Como dito anteriormente, o processo de Reforma Psiquiátrica que teve suas discussões
iniciadas no Brasil durante a década de 1980 foi, sem dúvidas, de grande importância para a
história da Psicologia. A criação de Políticas Públicas com o objetivo de gerar transformações
no tratamento da saúde mental no Brasil criou demandas para a Psicologia e foi responsável
pela sua inserção no SUS.
Como afirmam Sales e Dimenstein (2009), os psicólogos têm atuado no processo de
desinstitucionalização como atores importantes por ter como objeto de intervenção o
58

sofrimento psíquico, conseguindo assim, a expansão e a interiorização da profissão com a


garantia de atuação no âmbito das Políticas Públicas.
Contudo, segundo Macedo e Dimenstein (2012), “essa nova realidade territorial,
proporcionado pelas políticas públicas, acabou por aproximar a profissão de um contexto
ainda distante do que comumente se conhece e se discute por ocasião da formação”. Assim,
vários desafios surgem nesses novos campos. Os autores destacam dois deles: a manutenção
da lógica ambulatorial e o foco no modelo clínico tradicional; e a supervalorização do caráter
técnico e especialista.
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Ferrazza (2016) ao discutir os desafios para
superação de práticas normativas da Psicologia no âmbito das Políticas Públicas atribui os
problemas citados por Macedo e Dimenstein (2012) aos cursos de formação em Psicologia. A
autora propõe a reflexão sobre as reais necessidades da Psicologia nos diferentes serviços e
afirma que as práticas atuais se distanciam das ideais, à medida que os profissionais estão
sendo capacitados para atuar de acordo com o modelo clínico clássico: privatista e de
atendimento psicoterápico individual.
No contexto de reformulação de práticas historicamente excludentes, cabe a Psicologia
posicionar-se de forma crítica, de modo a produzir intervenções que correspondam às
necessidades e diretrizes do SUS. O psicólogo que atua, hoje, deve contribuir para a
desconstrução do discurso médico da loucura, levando em consideração os contextos e a
complexidade dos casos ou realidades e compreendendo que os transtornos mentais
“implicam a trajetória de vida de sujeitos singulares em condições objetivas e concretas de
existência” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p.79). Assim, torna-se
importante destacar que há a necessidade da educação continuada para a efetivação dessas
práticas e, consequente, garantia e manutenção das Políticas.

A noção de Educação Permanente em Saúde assume que nenhum curso de formação


esgota as necessidades de qualificação para a atuação profissional no SUS. A
educação permanente está muito além de treinamentos centrados em teorias e
técnicas para o desenvolvimento de habilidades específicas. Ela objetiva o
desenvolvimento do profissional como um todo, com a finalidade de ajudá-lo a atuar
de modo efetivo e eficaz no cotidiano de seu trabalho (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2013, p.115).

O Conselho Federal de Psicologia se refere no trecho apresentado acima à humanização


dos serviços e da atenção à saúde. Para dar conta dessa demanda urgente, o Mistério da Saúde
(2007) apresenta a proposta da Clínica Ampliada, definida a partir de cinco pontos que
fundamentam as ações:
59

• um compromisso radical com o sujeito doente, visto de modo singular;


• assumir a RESPONSABILIDADE sobre os usuários dos serviços de saúde;
• buscar ajuda em outros setores, ao que se dá nome de INTERSETORIALIDADE;
• RECONHECER OS LIMITES DOS CONHECIMENTOS dos profissionais de
saúde e das TECNOLOGIAS por eles empregadas e buscar outros conhecimentos
em diferentes setores, como no exemplo mencionado anteriormente em que o
serviço de saúde incorporou o conhecimento acerca da situação de exclusão em que
viviam seus usuários;
• assumir um compromisso ÉTICO profundo (BRASIL, 2007, p.12).

A Clínica Ampliada, como o nome sugere, parte do princípio da expansão da demanda,


levando em consideração aspectos exteriores. É uma atuação definida pelo Ministério da
Saúde (2009) como “ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e
disciplinas”. Ou seja, a integração das várias abordagens para possibilitar intervenções
eficazes de modo a considerar a complexidade das demandas. A concepção de Clínica
Ampliada adotada pelo Ministério da Saúde objetiva a interação dos profissionais e a
ampliação do objeto de trabalho – a saúde - de forma a compreender além do que aparece
como problema a ser solucionado. Enfatiza, ainda, a necessidade de analisar, também, os
fatores e as relações que têm ligação com o processo de
adoecimento/sofrimento. Assim, inevitavelmente, trabalho em equipe dentro dos serviços
públicos de saúde pressupõe a concepção de Clínica Ampliada.
Nesse contexto, o Projeto Terapêutico Singular surge como uma estratégia que tem
como finalidade concretizar o que foi discutido até então, uma vez que é considerado como
“um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou
coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar” (BRASIL, 2009,
p.39). A seguir essa estratégia será apresentada junto às possíveis contribuições da
Psicologia.

4.4 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CAPS: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA A


CONSTRUÇÃO DO PTS

Os Centros de Atenção Psicossociais por ser um dos serviços substitutivos de maior


relevância dentro da proposta de Reforma Psiquiátrica mantem um grande número de
profissionais de diversas áreas, inclusive de psicólogos. Como citado anteriormente, a
Psicologia entra nos serviços de Políticas Públicas voltadas para a saúde mental para, junto a
outros profissionais, formar uma equipe e contribuir para a construção de novas práticas em
promoção de saúde mental.
60

No que diz respeito à atuação da Psicologia nos CAPS não é possível isolá-la das
demais áreas do conhecimento visto que no modelo de assistência antimanicomial a clínica
“precisa estar pautada constantemente em um movimento de transformação, de circulação e
interlocução com diferentes saberes e práticas” (PEREIRA, 2007, p.30). Sendo assim,

Não mais assentada sobre o princípio único da totalização e homogeneização,


buscando respostas singulares e complexas, a prática nos CAPS assume o desafio de
construir seu conhecimento na partilha dos saberes. Um trabalho, portanto, coletivo,
feito a muitas mãos e fruto de diferentes perspectivas que se orienta pelo saber do
louco e neste se baseia para desenhar o projeto de tratamento a ser ofertado. Sempre
singular e distinto, na medida mesma da singularidade de cada experiência de
sofrimento e do momento de vida de cada usuário, esta metodologia introduz na
prática clínica um operador – o projeto terapêutico singular, que articula o sentido
dos recursos colocados à disposição de cada um. (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2013, p. 96)

O Projeto Terapêutico Singular aparece como uma ferramenta de planejamento em


equipe com a participação do usuário e da família na sua construção e execução. Assim, o
tratamento deve ser planejado, executado e avaliado de acordo com as
necessidades singulares de cada usuário. Deve considerar, pois, os diversos fatores envolvidos
no processo terapêutico e valorizar a experiência de cada usuário com o sofrimento psíquico.
Considerando a complexidade do tratamento e assistência em saúde mental, Pereira
(2007) aponta dois focos de atenção da Psicologia dentro do CAPS, destacando sua formação
voltada para os aspectos emocionais das vivências dos sujeitos: 1. Promover e desenvolver
uma continência no sujeito para a expressão do que ainda não se encontra representado em um
sofrimento ou emoção; 2. Desenvolver novos laços possíveis entre o paciente e sua
realidade, fundados em uma maior autonomia e na sua liberdade de ser e de estar no
mundo. Ao analisar esses focos, entende – se que eles devem nortear o trabalho do psicólogo
na construção do PTS do usuário.
Nessa mesma linha de pensamento, norteada pela desinstitucionalização, entende-se a
clínica dentro da reforma psiquiátrica como uma clínica que vai de encontro à normatização e
ao modelo médico que coloca os profissionais numa relação de superioridade. Tanto na
relação profissionais-pacientes, como na relação médico-demais profissionais. Ao contrário
disso, visa à construção de possibilidades em um processo dinâmico e complexo, baseado nos
paradigmas do cuidado e da cidadania (AMARANTE, 2003, p.23). Partindo desse
pressuposto, segundo o Conselho Federal de Psicologia (2013, p. 86):

Na clínica da saúde mental, os psicólogos devem construir diagnósticos que se


apresentem como ponto de orientação num percurso a ser construído na história do
61

sujeito. Ele deve significar a possibilidade, muito menos de responder sobre uma
doença e muito mais de indicar as possibilidades de projetos a partir do que se
identifica como um modo do sujeito atuar na vida, estabelecer relações e constituir
sua experiência subjetiva.

Assim, os CAPS exigem dos técnicos uma atuação que supere as teorias das disciplinas
durante as intervenções, de modo a articular os saberes para desenvolver vínculos e garantir o
cuidado de forma integral. Os diagnósticos devem ser interpretados nesses contextos como
uma ferramenta auxiliadora do processo terapêutico não como uma forma de rotular os
indivíduos e padronizar o tratamento.
Ainda sobre as possíveis contribuições da Psicologia nesses espaços, Alves e Francisco
(2009, p.770) destacam a necessidade de uma abordagem psicossocial na qual o psicólogo
“procura, para além do intrapsíquico, caminhar – de forma cautelosa e comprometida com o
político e o ser sujeito em sua singularidade e coletividade –, alicerçando ações capazes de
romper a individualização”.
Segundo esses mesmos autores, a Psicologia torna-se indispensável dentro da equipe
interdisciplinar de Saúde Mental à medida que faz uso de técnicas como a “escuta analítica e
atenta” e a observação de expressões do mundo interno e das relações sociais. Compreende,
assim, o sofrimento como resultado da experiência do sujeito, atravessada por aspectos
internos e externos a ele. A Psicologia pode direcionar as intervenções para as potencialidades
do usuário, visando à autonomia e a reinserção social dentro do PTS, definido pelo Conselho
Federal de Psicologia (2003, p.96) como uma:

Bússola que orienta usuários e equipes no percurso pelo serviço e pela rede, o
projeto terapêutico singular, articula os recursos colocados à disposição pela
política, mas também aqueles que nos trazem cada usuário, seus familiares e suas
referências. Instrumento mutável que busca responder às necessidades, naquele
momento e para cada usuário, sendo ainda a expressão e o espaço de inscrição das
soluções e estratégias criadas por cada um na reconstrução de sua história e vida.

Diante da discussão feita até então, é possível constatar que as possibilidades de atuação
da Psicologia nas políticas públicas, especificadamente no CAPS, estão, ainda, em
construção, assim como a própria reforma psiquiátrica e as suas estratégias de cuidado em
saúde mental, devido a sua recente implantação. A fim de compreender como tem se dado a
efetivação da reforma psiquiátrica nos CAPS por meio da utilização do PTS optamos
por realizar entrevistas semiestruturadas com três psicólogos alagoanos que atuam nesses
serviços. Essas serão discutidas no próximo capítulo deste trabalho onde será verificada a
62

(in)compatibilidade entre as informações encontradas durante a revisão bibliográfica e as


informações apresentada por esses psicólogos.
63

5 EXPERIÊNCIA DE PSICÓLOGOS ALAGOANOS COM O PTS NOS CAPS

Esse capítulo tem como finalidade analisar o que foi discutido nos capítulos anteriores
sobre o Projeto Terapêutico Singular (PTS) a partir das vivências apresentadas por psicólogos
alagoanos que estão atualmente inseridos nos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS).
Para atingir os objetivos foi realizada uma pesquisa de campo que “consiste na
observação dos fatos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados e no registro de
variáveis presumivelmente relevantes para ulteriores análises” (RUIZ, 1976
apud CHIAPETTI, 2010, p.145). Sendo essa de cunho qualitativo, julgada como ideal por
permitir uma melhor exploração dos aspectos subjetivos, à medida que “avança por caminhos
individuais que caracterizam a manifestação dos diferentes sujeitos estudados e incorpora
novas informações sobre o estudado a amplos sistemas de interações que adquirem sentido
por meio das construções do pesquisador” (GONZÁLEZ REY, 2002). Dessa forma, permite
uma compreensão ampla do objeto de estudo não limitando a pesquisa a aspectos
quantitativos e possibilitando a exploração de questões que possam surgir durante o processo.
A técnica utilizada para coleta de dados foi a de entrevista semiestruturada,
compreendida como “uma conversação com um propósito definido” (RODRÍGUEZ, 1994
apud SARRIERA; SAFORCADA, 2010). Logo, foi construído um roteiro com dez
questionamentos (ver APÊNDICE) para mediar a entrevista. As perguntas partiram da
atuação da psicologia no CAPS e do trabalho em equipe de forma geral, para em seguida
adentrar nas questões específicas que abordavam o entendimento e a construção do PTS
dentro das instituições.
No que diz respeito aos participantes da pesquisa, foram escolhidos três profissionais da
Psicologia que atuam nos CAPS I, no estado de Alagoas, especificamente, três mulheres. A
escolha das mesmas se deu a partir do levantamento dos CAPS existentes no estado,
totalizando 57 instituições, e os critérios foram: distância entre as cidades e o campus –
considerando a necessidade de deslocamento – e a disponibilidade dos profissionais para
entrevista.
Para que se pudesse verificar a funcionalidade dos métodos selecionados foi
realizada uma entrevista piloto. Essa foi aplicada com um profissional que não terá suas falas
analisadas, compreendendo que “o estudo de caso piloto auxilia-o (pesquisador) na hora de
aprimorar os planos para a coleta de dados tanto em relação ao conteúdo dos dados quanto aos
procedimentos que devem ser seguidos” (YIN, 2005, p.104). Durante essa entrevista pudemos
perceber que as perguntas selecionadas foram adequadas para os objetivos da pesquisa,
64

contudo sentimos a necessidade de acrescentar ao roteiro uma pergunta referente à formação


dos profissionais no que diz respeito à base para atuação com o Projeto Terapêutico Singular.
Com cada entrevistada, no momento anterior ao da entrevista, foi apresentado o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (VER APÊNDICE A) aos participantes para
que compreendessem os objetivos da pesquisa e as dúvidas fossem esclarecidas.
Posteriormente, foram realizadas as entrevistas com o auxílio do roteiro e as informações
obtidas foram registradas por meio de anotações e de gravação de voz. Cada entrevista teve,
em média, 40 minutos de duração.
Em seguida, as entrevistas foram analisadas a partir do método de análise de
conteúdo de Lawrence Bardin (1977) que é definida pela mesma como “um conjunto de
técnicas de análise das comunicações” (p. 38). Trata-se de um método que busca compreender
as informações a partir dos sentidos que são atribuídos e “visa o conhecimento de variáveis de
ordem psicológica, sociológica, histórica etc., por meio de um mecanismo de dedução com
base em indicadores reconstruídos a partir de uma amostra de mensagens particulares”
(BARDIN, 1977, p.39) a partir de critérios definidos pelo pesquisador, como no caso da
entrevista.
Para Bardin (1977), a inferência torna-se importante dentro desse modelo à medida que
consegue resgatar os fatores que conduziram determinadas mensagens e suas consequências,
sendo esse o principal objetivo da análise de conteúdo: observar o que está implícito através
de deduções lógicas, partindo de unidades pré-selecionadas. A partir do que foi exposto
entende-se que a análise de conteúdo é, de forma geral,

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens,
indicadores (qualitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
(BARDIN, 1977, p.37)

Dessa forma, a análise de conteúdo se organiza a partir de três fases (BARDIN, 1977):
1. Pré-análise, refere-se a etapa de organização das ideias iniciais de modo a delinear um
plano de análise de forma sistemática. Essa se subdivide em: escolha dos documentos que
serão analisados, formulação de hipóteses e dos objetivos e definição de indicadores para a
análise final. 2. Exploração do material, fase onde se aplica o que foi definido na etapa
anterior, ou seja, administrações sistemáticas das decisões e regras tomadas. Trata-se da etapa
mais longa. 3. Tratamento dos resultados obtidos e interpretação, onde se pretende
compreender o conteúdo subjacente, momento que o analista propõe inferências e
65

interpretações com base nos objetivos iniciais e nas informações relevantes que possam
surgir.
Para melhor compreensão das entrevistas e da exposição dos dados foram selecionadas
quatro categorias de análises que serão apresentadas como tópicos desse capítulo. São elas:1.
Atuação do psicólogo no CAPS; 2. Função do Projeto Terapêutico Singular; 3. A construção
do Projeto Terapêutico Singular; 4. Desafios do Projeto Terapêutico Singular.
Durante a exposição da análise dos dados, as entrevistadas serão chamadas de Paula,
Adriana e Cinthia – nomes fictícios. A seguir, uma breve apresentação das participantes.
A primeira entrevistada foi Paula, que tem 38 anos, atua como psicóloga há 16 anos e
trabalha no CAPS há 3 anos. Segundo a mesma, tem experiências anteriores, em outros dois
CAPS, totalizando 7 anos inserida na política de assistência a saúde mental.
A segunda entrevistada foi Adriana, que tem 31 anos, atua como psicóloga há 3 anos e 6
meses e está trabalhando no CAPS há 6 meses.
A terceira e última participante chama - se Cinthia, tem 29 anos e atua como psicóloga
há 4 anos e 4 meses, sendo esse o tempo que, também, trabalha na instituição. Assim como
Paula, Cinthia relatou experiência com a realidade de outro CAPS no qual é atualmente
coordenadora.
As duas primeiras entrevistas foram realizadas nas instituições, a terceira foi realizada
na casa da psicóloga porque a mesma se encontrava de férias.
Iniciaremos, nesse momento, a discussão das categorias construídas a partir da análise
dos dados.

5.1 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CAPS

A pergunta introdutória foi a respeito do modo como a atuação da Psicologia é vista


pelas psicólogas nos CAPS. Todas as entrevistadas destacaram a sua importância dentro do
serviço de forma enfática. Através das falas das mesmas é possível perceber de forma clara a
aproximação entre a Psicologia e a saúde mental, outrora inexistente. Considerando que a
Psicologia esteve durante grande parte da sua história voltada para demandas individuais
como apontam Pereira e Pereira Neto (2003) e Yamamoto e Costa (2010) ao discutirem o
processo histórico da psicologia brasileira, abordado anteriormente.

Eu vejo a atuação como essencial e imprescindível como todas as outras profissões,


essa articulação entre todos os profissionais é muito necessária. (ADRIANA)
66

Então... no sentido de importância não vejo um CAPS sem um o psicólogo.


(PAULA)

A psicologia não é aquele... Aquele lugar que você vai para o consultório, que você
vai para clínica, que as pessoas tem aquela ideia de que “chorou manda para o
psicólogo”. Pelo menos lá a atuação é multidisciplinar realmente, então tenho saber
da Psicologia que você vai trabalhar a especificidade só que muita coisa se mistura
também. (CINTHIA)

A primeira e a terceira falas demonstram, também, que a atuação do psicólogo no


CAPS não pode dissociar-se das demais, sendo assim, uma atuação obrigatoriamente
interdisciplinar. Como discutido no capítulo anterior, a base da atuação nas políticas públicas
de saúde é a noção da clínica de forma ampliada, abrangendo os diversos aspectos envolvidos
no sofrimento psíquico. Exige, dessa forma, que os conhecimentos se entrelacem e que a
equipe consiga dialogar e ir além da especialização de cada profissão com o objetivo de
compreender a complexidade do usuário para dar-lhe assistência necessária (BRASIL, 2009).
Em vários momentos das entrevistas, a falta de interdisciplinaridade é colocada pelas
psicólogas como uma barreira para o funcionamento ideal do serviço em questão. Vejamos
algumas dessas falas:

Eu acho que a questão do psicólogo é muito essencial, porém ela tem que
sempre articulada com as outras profissões, sabe? A gente tem que ter sempre
essa ideia do junto e não do segregado, do separado. (ADRIANA)

É muito difícil trabalhar de forma interdisciplinar porque a gente não pode


impor a gente lança proposta e abraça quem tiver interesse, mas infelizmente
a gente não pode dizer assim “a gente quer fazer um grupo com você, e aí
rola?” (ADRIANA)

Agora a gente está num período muito bom de entrosamento, do ano passado
para cá. Do ano passado para cá a equipe tá conversando a mesma língua,
sem ser... Independente de ser técnico de nível superior ouoficineiro de nível
médio, todo mundo conversa a mesma língua. Isso flui muito no trabalho só
ajuda demais, a comunicação e a forma como a gente pensa. (CINTHIA)

Adriana expõe a sua dificuldade de conseguir articular as suas intervenções com a dos
demais profissionais, demonstrando a formação de uma equipe multidisciplinar no CAPS –
entendida como um “conjunto de disciplinas que simultaneamente tratam de uma dada
questão, problema ou assunto, sem que os profissionais implicados estabeleçam entre si
efetivas relações no campo técnico ou científico” (ALMEIDA FILHO, 2005, p.38) - e não
interdisciplinar, onde os profissionais têm suas atuações vinculadas, como prevista na política
67

de saúde mental. Isso aponta para a interdisciplinaridade como um campo ainda em


construção na saúde pública.
Em contrapartida, Cinthia relata sua experiência com uma equipe que, segundo a
mesma, está atualmente “conversando a mesma língua” e deixa claro o quanto essa relação
facilita a sua atuação.
Outro aspecto importante que apareceu durante as entrevistas de forma recorrente foi a
interpretação errônea das equipes dos CAPS, que o veem como “lugar do psicólogo e do
psiquiatra”. Como o médico, em sua maioria, não tem um vínculo com o serviço por fazer
parte do serviço ambulatorial das cidades, a responsabilidade, aparentemente, recai sobre o
psicólogo. É perceptível nos seguintes recortes a transferência da figura do médico como
detentor do saber sobre transtornos psiquiátricos para o psicólogo, visto que se tem a ideia de
que cabe a esse o entendimento da denominada “mente humana”.

Eu sinto um pouco de dependência das outras profissões com relação a gente. Eu


acho que tem muitas profissões que precisam entender que CAPS não é só
psicologia. A gente trabalha na saúde mental, então a gente sabe que tudo é da
mente. Mas nem tudo é do psicólogo. (ADRIANA)

Então, como eu falei... o psiquiatra tá aqui, dá esse suporte, mas é a psicologia que
dá o suporte o resto da semana. (PAULA)

Cinthia foi a única que não relatou essa visão dentro do serviço, apesar de reconhecer as
dificuldades do trabalho em equipe, baseando-se na sua experiência na própria instituição e
em outras. Além disso, a mesma afirma que o CAPS que trabalha se destaca pelo cuidado,
fato que faz com que as pessoas das cidades vizinhas se dirijam até a instituição numa
tentativa de migrar para ela ou iniciar o tratamento.

Eu fui privilegiada, né? Porque eu já entrei no CAPS já tinha uma estrutura muito
boa e já tinha tudo muito definido (CINTHIA)

Hoje aumentou um pouquinho o número de usuários, só não vou saber dizer com
certeza, mas é em torno de 110. Se você for fazer uma comparação com as cidades
próximas você vê... uma cidade maior que essa tem 60. Já teve usuário lá de outras
cidades e a gente não pode fazer esse acompanhamento lá. Mas ele foi porque soube
do serviço de referência, ai arruma um endereço de uma pessoa de lá para poder usar
o CAPS lá. Só que a gente não pode fazer isso porque cada um tem que ter a sua
referência, do seu próprio território. (CINTHIA)

Tem outros serviços que a gente vai e alguém pode dizer assim “não é obrigação
minha, não é função minha... onde foi que eu estudei psicologia pra dar banho, né?!
Mas ai se você for pensar dessa forma, você perdeu a oportunidade de criar um
vínculo. (CINTHIA)
68

Além do que foi citado anteriormente, a partir das falas acima dois pontos merecem
destaque por serem as bases para o cuidado em saúde mental dentro dos princípios da
Reforma Psiquiátrica: o vínculo e a noção de território (BRASIL, 2009). O primeiro diz
respeito ao afeto que tem um importante papel dentro dos serviços seja nas relações dentro e
fora da instituição: profissional-profissional, usuário-profissionais, usuário-família, família-
profissionais. A noção de território associa-se à proposta de reinserção social à medida que
busca a compreensão do sofrimento psíquico e do cuidado em saúde mental considerando o
“lugar” do usuário e suas possibilidades, ou seja, atenta para o seu contexto no qual esse está
inserido.

5.2 FUNÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR

5.2.1 Organização dos profissionais para acolhimento nos CAPS

Quando questionadas sobre a forma com que a equipe se organiza para acolher os
usuários na instituição, todas as psicólogas relataram que esse é uma responsabilidade dos
técnicos de nível superior. Dessa forma, os profissionais se organizam de acordo com os dias
da semana e horários de trabalho de cada profissional para realizar o acolhimento dos
usuários. Contudo, esses não são feitos em equipe em nenhuma das instituições em questão,
exceto em casos específicos. Uma das psicólogas, Paula, afirmou ainda que a instituição que
trabalha selecionou dois dias fixos para melhor organizar os acolhimentos.

Nós fazemos um cronograma e cada dia da semana um técnico fica de... como...
técnico de referência. Segunda a gente tem assistência social... minto, segunda a
gente tem enfermeiro, terça a gente tem enfermeiro, quarta tem psicóloga, quinta
tem outra assistente social e na sexta tem psicólogo. (ADRIANA)

A gente se organiza por plantão. Ai, por exemplo, dia de segunda-feira é o da


nutricionista, então tudo que acontece naquele dia (...) uma crise, uma acolhimento,
uma demanda espontânea que chegar vai ser responsabilidade dela, porque aquele
dia é o dia dela, a gente já sabe, todo mundo todo mundo já sabe qual é o seu dia.
(CINTHIA)

Então no acolhimento a gente... tem os dias que a gente marca o acolhimento fixos
no cronograma, mas no dia que acaba chegando a gente acaba acolhendo. Porque a
gente tem pessoas que moram muito longe aí para vim precisam de transporte e
quando eles chegam aqui a gente acaba acolhendo mesmo que não seja o dia de
acolhimento, por que no cronograma a gente deixa 2 dias para acolhimento.
(PAULA)
69

Ainda com relação ao acolhimento, é comum entre as instituições o uso, nesse


momento, de fichas de anamnese – levantamento dos dados a respeito da queixa inicial e
histórico do paciente - como forma de documentar os dados colhidos.

Então, geralmente a gente fica nessa rotina... Cada profissional faz o acolhimento, a
gente tem uma folhinha de acolhimento que é recente agora que é tipo uma
anamnese, bem legal, cada profissional pode fazer direitinho e fica bem detalhada.
(ADRIANA)

Então, a gente montou uma ficha com informações básicas tipo...iniciais. E aí a


gente avalia nesse acolhimento, esse acolhimento é feito por mim que sou psicóloga
ou pela assistente social ou pela enfermeira qualquer técnico de nível superior pode
fazer. (PAULA)

A dificuldade dos profissionais em trabalhar enquanto equipe interdisciplinar, como


prevista na política de saúde mental, apareceu também nesse momento da entrevista. Quando
as psicólogas destacam não só o acolhimento, mas também as intervenções em conjunto.
Adriana aponta para a formação acadêmica como um fator a ser considerado como
determinante.

O acolhimento a princípio a gente faz individual. Embora depois a gente


compartilhe com a equipe, a gente faz ele individual... Passando pela observação de
todos os profissionais, de nível superior. (PAULA)

As ações não acontecem interdisciplinarmente. Eu até já tentei com a outra


psicóloga organizar intervenções, com ela funciona. Como, por exemplo, a gente vai
fazer uma ação fora, a gente planeja antes, aí da certo! Mas se a gente tenta puxar
pessoas de outras profissões elas não se sentem confortáveis, eu não sei se é porque
elas não conseguem trabalhar em grupo que também sai o que a gente vê na
universidade, né!? (ADRIANA)

Vasconcelos (2010) ao discorrer sobre o trabalho em equipe interdisciplinar na Saúde


Mental destaca a sua importância no modelo de cuidado que vai de encontro ao modelo
antimanicomial, no qual a medicina aparecia como detentora do saber. Contudo, esse tipo de
trabalho, segundo o autor, torna-se conflituoso à medida que propõe um diálogo entre práticas
e técnicas que foram construídas de forma dissociada nas formações de cada profissional.
Essa dissociação faz com que haja grande discordância entre os mesmos e, consequentemente,
o entendimento e a aplicação dos princípios e métodos de forma alheia a dos demais,
acontecendo de forma isolada e, consequentemente, limitada.

5.2.2 Percepções a cerca do Projeto Terapêutico Singular


70

As três psicólogas entrevistadas ao definirem o PTS e a sua função dentro dos CAPS
pontuam a fundamentação e o funcionamento do projeto com propriedade, o que demonstra
conhecimento sobre a estratégia, ainda que de forma teórica.

Eu diria que é o tratamento mais respeitoso com o usuário de transtorno mental, é o


tratamento onde a gente vai entender a dinâmica dele, da história dele, entender o
sofrimento dele, o que ele passa, o que a família passa para poder dar o tratamento
específico para ele. (PAULA)

É um projeto que deve ser feito em grupo, no coletivo, em prol daquele usuário. E
aí tem que abarcar não só ele, mas a família dele, tem que abarcar o todo na
convivência dele social. E aí esse projeto terapêutico (risos)eu tenho que rir né?!
Porque tava aqui pensando “quando foi que a gente parou para fazer
isso?”(ADRIANA)

O PTS, projeto terapêutico singular, é aquele instrumento que você também


trabalhar a individualidade de cada um. (CINTHIA)

A família, o respeito à singularidade e a compreensão biopsicossocial do ser humano


que aparecem nas falas das entrevistadas são basilares para o cuidado em saúde mental. Logo,
o PTS deve ser usado para efetivar o planejamento do tratamento dentro dos serviços,
considerando todos os aspectos envolvidos no processo de sofrimento psíquico, visando a
autonomia e a reinserção social dos usuários (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2013).
Ao relatar sua experiência com o PTS Cinthia o compara com o método utilizado antes
da adoção da estratégia. A portaria 336 do Ministério da Saúde que dispôs sobre a proteção e
os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais (BRASIL, 2002),indicou três tipos
de atendimentos no CAPS, classificados com base no tempo que o usuário passaria no
serviço. Eram eles: intensivo (necessidade de acompanhamento diário), semi-intensivo
(atendimento frequente) e não-intensivo (frequência menor que os demais). A portaria deixou
claro que os usuários seriam destinados ao tipo de atendimento com base no seu quadro
clínico e não nas atividades que o serviço oferta. O que Cinthia indica é que a definição das
estratégias não seguiam essas determinações e se davam a partir dos impedimentos ou
facilitações que o usuário e/ou o CAPS possuíam. Como pode ser observado a fala abaixo.

Antes o CAPS funcionava no regime intensivo, não intensivo e semi-intensivo. Não


importava qual era o problema do usuário, nem o que ele estava sentindo, o que ele
gostava ou não de fazer... Era feito somente a divisão de dias, ou ele ia todo dia, ou
ele ia uma vez por semana, ou uma vez a cada 15 dias. Porque aí não levava em
consideração a necessidade dele, era só assim... Se ele fosse usuário muito
aperreadinho, que dava trabalho em casa e a família conversasse com o CAPS, o
CAPSdeixava ele no intensivo, para ele ir todo dia... “Ah eu não posso ir eu moro no
sítio”, então você vai ficar no não-intensivo. As atividades... Quem chegasse
71

participava do que estava acontecendo, era uma atividade pensada para o momento e
não para o usuário. (CINTHIA)

A partir do uso do PTS, ao contrário da realidade apresentada na fala anterior, torna-se


possível avaliar em conjunto – usuários, família e profissionais – as potencialidades e as
necessidades de cada usuário, de modo a pensar o tratamento a partir deles e não encaixá-los
em um plano previamente definido pela instituição.
Além disso, pode - se possibilitar objetividade no tratamento à medida que permite
reavaliar o planejamento e modifica-lo de acordo com a evolução do usuário e as novas
demandas.

Com PTS muda tudo virou serviço de cabeça para baixo, enlouquece os
profissionais no início, praticamente tem que mudar toda a sua forma de atuação da
equipe toda e a equipe toda tem que conversar a mesma língua. precisa todo aqui
está em sintonia para funcionar tudo direitinho. (CINTHIA)

Cada usuário vai para o CAPS para participar daquela atividade que tá sendo que foi
pensada para ele. (CINTHIA)

Ele (o usuário) é tratado como um ser humano único mesmo ele tendo o mesmo
transtorno que João e Maria, eles têm histórias diferentes então. (PAULA)

No que diz respeito às percepções sobre o PTS, fica claro a partir do que foi exposto
que, existe um consenso entre as entrevistadas quanto a importância do planejamento através
dessa estratégia. Contudo, apenas Cinthia demonstra segurança ao falar e experiência sobre a
efetivação do mesmo dentro do serviço, enquanto Paula e Adriana afirmam que os CAPS nos
quais atuam estão ainda em processo de implantação do PTS.

5.3 A CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR

Quando perguntamos a respeito de como se dá a construção do PTS em cada instituição,


duas das psicólogas (Adriana e Paula) afirmaram que a equipe está se organizando para o
início da utilização do mesmo.

O PTS...a gente agora em Janeiro, esse mês, a gente vai sentar para recomeçar o ano,
para fazer o nosso cronograma do ano. (PAULA)

Esse projeto terapêutico (...) Tá sendo pensado de 15 dias atrás para agora, porque
todos usuários que entram a gente senta na reunião e faz esse projeto dele, entendeu?
Dependendo do movimento, os que estão entrando já estão tendo esse plano. Os que
estão aqui a gente vai fazer o seguinte: por grupo cada um vai pegar cinco ou seis
por mês pra planejar isso em reunião, todo mundo tá começando a andar
72

praticamente agora. Incrível né?! Tipo... mais de 10 anos de CAPS, mas a gente tá
falando isso agora. (ADRIANA)

Apesar de não se tratar de uma estratégia adotada recentemente na saúde mental, visto
que as primeiras cartilhas do Ministério da Saúde sobre o tema datam do período entre 2007 e
2010, visivelmente existe uma resistência para sua adoção nos CAPS em questão. Assim, as
perguntas referentes ao PTS tiveram como foco o que foi discutido nas primeiras reuniões de
ambas as equipes.

Então, a partir do momento que você acolhe se usuário você já leva esse usuário
para uma reunião de equipe. Elas acontecem todas as quartas-feiras no segundo
horário e aí levando para a equipe a gente vai definir os dias que o usuário vai
participar do serviço e o plano dele, né? O que é importante para ele naquele
momento, aí ficou definido para a gente avaliar isso a cada dois, três meses. Então, a
cada dois, três meses vai ser trazer novamente para uma reunião para ver a evolução,
como é que ele está reagindo... e para ver mais ou menos como é a interação dele
com serviço e da interação da família também com serviço que é muito importante.
(ADRIANA)

A gente montou no início um fluxograma e a rede daqui para entender primeiro


como funcionaria para daí a gente entender o PTS, aí a gente foi engatinhando
mesmo para poder saber fazer e a gente ainda não conseguiu fechar. Quando a gente
faz a gente levanta as atividades, a gente vê qual é a melhor atividade para ele e a
gente... porque aqui a gente tem funcionado muito bem, o usuário participa do grupo
que ele se sente bem, a gente não vai forçar ele a fazer uma coisa que ele não quer
fazer (PAULA).

Mas voltando para o PTS, que eu comecei a falar e não terminei, a gente monta uma
planilha de atividades, é interessante ver que profissional vai ficar como responsável
por aquele usuário, porque no montante de muitos eu posso esquecer de dar valor a
algum, aí nesse caminho que a gente tem que sentar com a equipe agora para poder
planejar isso. (PAULA)

A partir das falas destacadas fica nítido que nenhuma das duas instituições conseguiu
ainda colocar em prática a estratégia de forma estruturada, ainda que as psicólogas defendam
que alguns PTS já estão em andamento.
Outra questão observada durante essas duas entrevistas foi o fato das psicólogas
desviarem as suas respostas do PTS para o tratamento de forma geral e para os princípios da
reforma psiquiátrica. Aparentemente, por não fazerem uso da estratégia nas instituições em
que trabalham e, consequentemente, não terem conhecimento aprofundado do que foi
questionado. Nota-se também a insegurança das mesmas ao explicar como esse funciona no
serviço.
Em contrapartida, quando as mesmas questões foram dirigidas à psicóloga Cinthia a
mesma, apesar de ter destacado as limitações na construção do PTS dentro do serviço,
reafirma a utilização da estratégia na instituição na qual trabalha.
73

Se eu receber, se eu acolhi e não foi feito PTS a responsabilidade de fazer é minha,


então, eu que tenho que correr atrás da família do usuário de fazer a visita, de marcar
o dia tudo mais, porque a responsabilidade é minha. (CINTHIA)

O ideal é que é assim quando você faz o PTS que você compartilhe com a equipe
toda. Porque cada profissional vai dar sua contribuição. Mas você imagine se a gente
for fazer assim a gente não termina nunca. (CINTHIA)

Contudo, o PTS, segundo o Ministério da Saúde (2007), deve ser priorizado em casos
considerados pela equipe mais graves levando em consideração a demanda dos serviços
substitutivos de Saúde Mental.
O PTS exige que os técnicos se organizem dentro da instituição de modo a dividir as
responsabilidades quanto às atividades definidas a partir da avaliação geral dos planejamentos
dos usuários, logo é “um espaço importantíssimo para avaliação e aperfeiçoamento desses
mesmos recursos” (BRASIL, 2007, p. 55).
Quando questionadas sobre como é ou deveria ser o planejamento das atividades, as
respostas obtidas foram as seguintes:

Então, a gente ainda vai definir né? Como os primeiros PTS foram formados na
semana passada... (ADRIANA)

As ações a gente tem os grupos, e esses grupos a gente geralmente pensa algo, mas é
sempre construído com usuário. (PAULA)

Quem define é lá na hora quando é feito, é até uma coisa que a gente pensava “meu
Deus a gente vai enlouquecer com tanta atividade desse jeito”, mas não é correto a
gente dizer “vamos fazer oficina de dança, futebol, grupo de cuidados em saúde
grupo da fala e tal e quem foi chegando vai se encaixando” não eu irei ao que se faça
dessa forma. O ideal é que aquela atividade surja do PTS. Dá um trabalho danado
fazer isso, porque depois de todos os PTS feito a gente vai colocar tudo na mesa e a
gente vai fazer um levantamento das atividades que surgiram dali. (CINTHIA)

A fala de Cinthia corrobora o que foi citado anteriormente sobre a inversão da lógica no
serviço. O PTS exige que toda a estrutura existente seja repensada com base nele, logo todas
as intervenções realizadas no CAPS devem ter como base o levantamento geral das
necessidades que aparecem nos PTS. Esse é, sem dúvidas, um dos grandes desafios na
implantação do PTS. Em outro momento, Cinthia relatou que, como forma de organizar o
serviço, a equipe destina um tempo específico para atualizar os PTSs do CAPS. Durante esse
tempo, os profissionais param as outras atividades.

Tem tempo que agente faz uma parada PTS, que é uma parada exclusivamente para
atualizar os PTS, e a gente manda uma cartinha de convocação mesmo para os
familiares para que eles possam comparecer ao serviço no horário marcado tudo
certinho para a gente fazer como familiar e com usuários na mesma hora junto. (...)
74

Aí quando a gente para o serviço a gente tanto faz atualização como também já faz o
levantamento de quem está faltando fazer PTS para poder fazer. (CINTHIA)

Contudo, ainda fazendo uso desse método a mesma afirma ser inviável para a equipe
fazer as avaliações nos períodos exigidos: “o ideal é que seja de 6 em 6 meses, só que é muito
difícil você encontrar alguma instituição que faça isso, eu pelo menos desconheço algum
CAPS que faça atualização do PTS de 6 em 6 meses” (CINTHIA)
Além do que foi abordado quanto à estruturação do PTS enquanto documento que deve
fazer parte dos prontuários dos usuários, Cinthia nos apresentou o modelo que sua equipe
utiliza (ver ANEXOS A e B). Esse foi dividido em duas etapas: a primeira é uma ficha de
levantamento que contem além da identificação do usuário, seus sintomas, habilidades,
aspectos relacionados à relação com a família e as limitações a serem trabalhadas; a segunda
etapa é organizada em forma de quadro abordando os seguintes pontos: ação, objetivo da
ação, estratégia que será utilizada para alcança-lo, profissional responsável e o prazo em que
deve ser atingida. Os modelos de documentos contem as informações exigidas pelo Ministério
da Saúde para a construção do PTS: diagnóstico, definição de metas, divisão de
responsabilidades e reavaliações (BRASIL, 2007).
Paula e Adriana ao abordarem o mesmo assunto informaram que nos CAPS em que
trabalham ainda não foi criado um modelo de documento. A primeira defende que apesar de
não existir um projeto documentado, os princípios do mesmo é aplicado. A segunda
demonstra aflição ao afirmar que o Ministério da Saúde não disponibiliza um modelo padrão
para o planejamento.

Na verdade eu acho interessante que na prática a gente já aplica o PTS mas não
conseguiu construir ele, individualmente... Porque assim a gente começou a fazer o
PTS e não terminou ainda na planilha das habilidades que dia que o técnico vai ficar
com cada usuário, ou seja ele funciona mas não está estruturado burocraticamente.
mas a gente está nesse caminho burocrático. (PAULA)

Se já existisse algum esboço do projeto terapêutico singular... Por onde a gente


seguir, sabe? Alguma coisa que diga por onde a gente deve seguir. (ADRIANA)

5.4 DESAFIOS DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR

Como citado anteriormente, apenas um dos três CAPS faz uso do PTS de forma
adequada, ainda que tenham ficado perceptíveis algumas limitações da equipe no seu
desenvolvimento e aplicação, a partir do que foi exposto pela psicóloga Cinthia. Com o
objetivo de compreender melhor essa realidade optamos por finalizar a entrevista
75

questionando-as sobre os desafios que o PTS apresenta para as instituições. Desse modo, as
falas centraram-se em três aspectos importantes: a formação, as questões burocráticas e as
relações interpessoais (entre a equipe e com a família dos usuários).
Sobre a preparação acadêmica para trabalhar com o PTS as psicólogas afirmaram o
seguinte:

Na verdade eu não tive nenhum contato com o PTS durante a minha graduação, Não
me recordo de ter visto em um CAPS que eu trabalhei em outra cidade. (PAULA)

A gente só foi cobrado que tem que produzir, mas o PTS a gente aprendeu na marra
mesmo. (PAULA)

(Risos) ... Eu não tive nenhuma preparação acadêmica para trabalhar com PTS. Na
verdade eu nem sabia o que era PTS. Se eu vi na faculdade eu não me lembro. Eu vi
na especialização, que eu fiz uma especialização em Saúde Mental com ênfase em
CAPS aí a gente teve uma matéria só para trabalhar isso. Como é que fazia e tudo
mais, mas da Universidade eu não tive contato nenhum. (CINTHIA)

Os trechos apresentados demonstram uma deficiência com relação ao conhecimento da


estratégia durante a graduação em Psicologia, apontando para a necessidade da educação
continuada como suporte para atuação nos CAPS. Corroborando assim o que é discutido pelo
Conselho Federal de Psicologia (2011) ao defender a educação continuada como um dos
principais dispositivos na atenção psicossocial, entendendo que “o trabalho psicossocial exige
que os dispositivos encontrem-se preparados para essa demanda. Sendo assim, é preciso
qualificar os pontos da Rede”.
Paula colocou ainda que, o Estado também não da o suporte necessário no que se
refere à implantação e à especialização dos técnicos. O CAPS em que atua como psicóloga e
coordenadora foi implantado há aproximadamente três anos e, segundo ela, os treinamentos
que a equipe recebeu foi referente às questões burocráticas e não a atuação em si.

Porque assim, é uma coisa que a gente não tem um treinamento por parte do Estado.
Então, a gente tem um apoio por parte do estado, mas a gente não tem treinamento.
A equipe não é treinada, o único treinamento que houve foi para produção, para
dizer como que a gente fazia a produção, que tem que prestar contas e registrar as
atividades diariamente, então essa parte a gente teve treinamento, mas de como
estruturar um CAPS não. A gente vai aprendendo no dia a dia. (PAULA)

As questões burocráticas da política citadas por Paula apareceram de forma recorrente


durante as falas da mesma e de Adriana. Essas exigem que os profissionais registrem todas as
intervenções nos prontuários dos usuários e da instituição. Segundo as psicólogas, o serviço
acaba priorizando os registros e, junto a isso, existem ainda os desencontros dos técnicos
76

decorrentes dos dias de trabalho e das cargas horárias. Esses fatores são apontados por elas
como limitantes para a implantação do PTS.

É muito complicado... muito complicado porque eles dão mais importância à


questão de números, de evoluções. Precisa ter evoluções, entendeu?! Se eu fosse
fazer um grupo com a família agora de manhã eu ia juntar as evoluções de ontem de
hoje e evoluir quando? Eu queria realmente que tivesse um meio da gente extinguir
ou de ter um outro meio mais rápido para simplificar essa burocracia. (ADRIANA)

E a verdade é que a gente não consegue fazer isso mais pelo volume de coisas que
tem do que pelas prioridades. (PAULA)

Além das atividades burocráticas que tomam um tempo relevante para serem
realizadas, Paula critica um dos aspectos que é considerado mais importante na aplicação do
PTS, seu caráter mutável.
Eu acho que o maior desafio do PTS nada é não está finalizado. Tudo é processo,
evolução. Porque você monta aqui“Ah, já sei, o usuário é esse... teve essa
dificuldade em casa, a família tem essas carências”, mas daqui a pouco tudo muda.
Aí a gente tem que estar pronto enquanto profissional para reestruturar PTS, eu acho
que esse é o maior desafio. Porque ele está sempre em evolução. (PAULA)

Partindo do pressuposto de que é necessário revisar o plano terapêutico dos usuários, a


estratégia propõe avaliações constantes a fim de compreender de forma objetiva como está
sendo realizado o tratamento do usuário. Como discutido anteriormente, o PTS tem seu foco
voltado para a singularidade dos sujeitos e não se limita ao diagnóstico, dividindo-se em
quatro etapas: diagnóstico, definição de metas, divisão de responsabilidades e reavaliação
(BRASIL, 2007, p. 41).
A troca constante de profissionais, contratados pelas prefeituras, nos serviços públicos
também foi citada por uma das entrevistadas como um fator que deve ser levado em
consideração, visto que a rotação de profissionais faz com que hajam constantes modificações
nos serviços. Por conta disso, os profissionais, muitas vezes, não conseguem acompanhar de
fato o usuário.

Você pega um usuário aqui, faz PTS dele. O outro profissional que chegar... tá certo
que ele vai ter um outro olhar. E aí aquele PTS para ele pode ser inválido. E aí...
“nada a ver, não quero fazer”. E aí vai fazer o PTS de 400 usuários? Quando você
está no serviço há algum tempo você já consegue acompanhar a aplicação do PTS
tanto a reação deles com relação a isso. Porque o fluxo de profissionais aqui é muito
grande a maioria dos profissionais aqui não são concursados, são contratados. Então
com a mudança de gestão muda muita coisa. Então, tipo... o que eu implantei aqui
agora eu não sei se vai continuar quando eu sair. (ADRIANA)
77

Como é perceptível, Paula e Adriana destacam as dificuldades no que diz respeito à


implantação do PTS, visto que esse ainda está sendo estruturado em ambos os CAPS. Em
contrapartida, Cinthia volta-se para as limitações quanto à utilização do mesmo. Logo, destaca
as relações com a família dos usuários e o modelo de cuidado anterior como desafios para a
equipe.

Desafios... Um dos principais na construção é a família, eu tô com PTS faz um


tempo que eu não conseguia fazer de jeito nenhum porque eu não consegui encontrar
uma família de referência... ainda. (CINTHIA)

A dificuldade da aplicação é que...muitos não vão, é claro que não são maioria. Mas
ainda estão naquele modelo do intensivo, não-intensivo...“Ah mas eu já fui uma vez
na semana”. Aí a gente tem que explicar de novo que ele vai todo dia da semana
porque é importante ele participar daquela atividade. (CINTHIA)

É importante destacar a necessidade da família no tratamento, entendendo “família”


como pessoas que tem vínculo afetivo com o usuário, para que posso contribuir com o
cuidado de forma integral. Como Cinthia coloca “família de referência”, ou seja, não
necessariamente precisam existir laços sanguíneos.
Ainda com relação às famílias dos usuários Cinthia completa:

Tem muitos que a família acaba criando de forma a não responsabilizar, e isso a
gente tem que ir desconstruindo aos pouquinhos. Porque “não pode arrumar a cama
porque é doente”, “não pode ir lavar um copo que é doente”, e a gente tem que
trabalhar isso também. Tem um lá que vive tão cansado que só de chegar no CAPS
já diz que tá cansado, mas mesmo assim ele participa. Porque lá eles não têm o
hábito que muitos CAPS têm do colchão, de ficar deitado, lá ninguém deita. Porque
da mesma forma que a gente tem responsabilidade para trabalhar eles têm que ter
responsabilidade no tratamento deles também. Eles vão lá para o tratamento não
para dormir. Então, você não chegar lá para ver ninguém no corredor, ninguém fora.
O horário que você chegar vai ter sempre corredor vazio, porque eles estão sempre
dentro das salas participando que é uma coisa que a gente cobra muito. A
responsabilidade é um dos principais pilares da autonomia, se você não tem
responsabilidade pelas suas coisas você acaba não conseguindo fazer muita coisa.

Esse trecho resume a passagem dos modelos citados durante o processo histórico da
saúde mental para o de reforma psiquiátrica. Nesse, os serviços visam o cuidado e têm como
conceitos – base, a liberdade e a responsabilidade (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2013), além de organizar o serviço e o tratamento com foco no
desenvolvimento de habilidades e autonomia dos usuários. Os profissionais do CAPS têm,
ainda, como desafio a quebra de estigmas, como a ideia do dito louco como alguém que deve
viver alheio à sociedade, sobretudo dentro das famílias.
78

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi discutido nesse trabalho que teve como objetivo analisar o Projeto
Terapêutico Singular e suas propostas sob as percepções de profissionais da psicologia que
atuam nos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) - foi possível compreender que existe
um distanciamento entre a estratégia proposta pelo Ministério da Saúde e a sua aplicabilidade
dentro dos serviços, com as condições que possuem na atualidade.
A história da Saúde Mental brasileira aponta para um descaso com relação aos
tratamentos destinados aos ditos “loucos”. A apropriação da loucura enquanto objeto de
estudo da Psiquiatria durante o século XIX é, sem dúvidas, um grande marco nesse processo
histórico, havendo uma ruptura com explicações e intervenções religiosas. Sob a influência de
concepções científicas, a Psiquiatria direciona tratamentos para as “doenças da mente”. Nesse
sentido, os manicômios foram, durante muitas décadas, o lugar de tratamento de transtornos
mentais. E, como bem coloca Arbex (2013), de outras minorias que, por diversas razões, eram
vistas como ameaças para a sociedade.
Os manicômios foram criticados por vários autores (ARBEX, 2013; MACHADO,
2006; BARRIGÍO, 2006; PESSOTTI 1996, 1999; FOUCAULT, 1972, entre outros) por seu
caráter autoritário e coercitivo. Além disso, os tratamentos destinados a essas pessoas nesse
ambiente tinham como foco o enquadramento a partir de diagnósticos e a adaptação das
pessoas às normas que eram estabelecidas socialmente, privando-lhes, assim, de liberdade e
de autonomia.
A partir da década de 1980, com o desenvolvimento dos movimentos da Reforma
Sanitária e da Reforma Psiquiátrica, essa realidade começou a ser questionada e parcialmente
modificada. Esses movimentos desencadearam uma série de transformações no que diz
respeito às concepções e as estratégias de cuidado em saúde mental, visando um novo modelo
de assistência. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a efetivação de uma Política de
Saúde Mental brasileira e, consequentemente, de uma rede ampla de serviços de saúde são
resultados desses.
Os CAPS são os principais serviços no processo de desinstitucionalização e
desospitalização- objetivos da Reforma Psiquiátrica - à medida que se destinam ao
acolhimento e ao cuidado de usuários com sofrimento psíquico considerado grave. Com seis
modalidades de acolhimento, a política se propõe a dar assistência de forma humanizada aos
79

diversos públicos a partir de uma equipe interdisciplinar e de um tratamento humanitário


(BRASIL, 2002).
Em direção contrária aos manicômios, os CAPS têm o cuidado voltado para a pessoa
em sua totalidade, de modo a considerar suas subjetividades e habilidades. Além de partir do
entendimento biopsicossocial visando o tratamento em liberdade, a autonomia e a reinserção
social.
A fim de efetivar os princípios da Reforma Psiquiátrica e dar base para o novo modelo
de cuidado em saúde mental, faz-se necessário a criação de novas estratégias de cuidado. O
Projeto Terapêutico Singular (PTS) aparece nessas instituições como uma estratégia que
permite que a equipe planeje o tratamento do usuário de forma concreta, a partir das suas
singularidades. Exige, dessa forma, que a equipe dialogue e se organize para receber os
usuários e acolhê-los a partir de suas demandas. Resumidamente, trata-se de um planejamento
detalhado que deve ser realizado em conjunto: usuário, família e equipe. Além do apoio da
rede de serviços disponíveis no território (BRASIL, 2007).
Assim, por meio da análise das entrevistas, foi possível comparar a política com as
vivências apresentadas pelas psicólogas sobre as realidades dos CAPS de Alagoas.
Inicialmente, constatou-se, corroborando o pensamento de Poubel (2014), que a psicologia
tem-se firmado enquanto campo de conhecimento dentro da saúde mental. No entanto, é
perceptível que em equipes interdisciplinares há uma tendência dos profissionais a
responsabilizar as figuras do psiquiatra e do psicólogo, entendendo a saúde mental como
campo de atuação dos mesmos e distanciando os demais saberes. Em muitos momentos das
entrevistas fica clara, também, a dificuldade que existe de trabalhar enquanto equipe dentro
dos CAPS.
Quanto às especificidades do PTS, notou-se que a atuação dos profissionais, em sua
maioria, não está vinculada ao uso do projeto, ainda que haja um conhecimento sobre seus
fundamentos e propostas. Das três psicólogas entrevistadas, apenas uma relatou seu uso de
forma estruturada, contudo, relatou também as dificuldades enfrentadas na utilização do
mesmo.
Percebe-se que há uma resistência no que se refere à adoção da estratégia como recurso
de planejamento do cuidado nos serviços, apesar das psicólogas defenderem o PTS e o
colocarem como fundamental nos serviços em saúde mental. As ações nos CAPS que não
fazem uso do PTS são definidas a partir dos profissionais e os usuários são “encaixados” nas
atividades disponibilizadas, lógica contrária a que a política propõe.
80

Como discutido, a utilização do PTS exige uma modificação em toda a estrutura do


serviço e, consequentemente, da rede. Além de exigir dos profissionais um empenho maior no
que diz respeito à responsabilidade com os usuários, formações e trabalho em equipe. É
provável que a resistência nos CAPS citados esteja atrelada a esses fatores em conjunto com
as questões citadas pelas psicólogas.
Depreende-se, pois, que existem dificuldades que precisam ser superadas para que haja
a efetivação de forma adequada do PTS nas instituições em questão, visto que o mesmo foi
implantado pelo Ministério da Saúde há pelo menos dez anos. Consideram - se os primeiros
documentos encontrados sobre o PTS (BRASIL, 2006; 2007).
Quando questionadas sobre esses desafios, as psicólogas apontaram para a formação, o
trabalho em equipe e as questões burocráticas como principais barreiras para a utilização do
PTS.
A formação em psicologia, aparentemente, deve ser alvo de intervenção nesse sentido,
pois, entende-se que a base para a atuação nos diversos campos deve partir da mesma. Além
da necessidade do fornecimento de formação continuada aos profissionais atuantes para
melhor qualifica-los.
Quanto às questões burocráticas, essas aliadas à falta de investimentos definitivos que
limitam a atuação dos profissionais e permitem uma rotatividade grande dos mesmos dentro
do serviço público como aponta Amarante (2018) torna-se um problema. Apesar dos serviços
estarem funcionando, é notório que não há o investimento, necessário para a manutenção dos
mesmos, em recursos pessoais – quantidade de profissionais e horas de serviço – e estrutural.
Assim, torna-se inviável o funcionamento da forma ideal. E, como defendem Amarante
(2018) e Tykanori (2017) o mau funcionamento gera a falsa concepção de que o novo modelo
de atenção à saúde mental não é adequado para atender as demandas existentes.
Observa-se, também, que nos dias atuais, um dos maiores empecilhos ainda encontrados
dentro dos serviços de saúde mental é o entendimento da pessoa que está em sofrimento
psíquico e precisa do acompanhamento dos profissionais do CAPS como “o louco”.
Percepção que carrega estigmas e preconceitos. A visão enraizada socialmente, devido ao seu
processo histórico, enfraquece a rede de serviços, à medida que essa necessita da colaboração
não só da família dos usuários, mas também da sociedade como um todo.
Diante dessa realidade, entende-se que a trajetória da Saúde Mental brasileira aponta
para uma evolução no que se refere ao tratamento e às concepções do sofrimento psíquico,
apesar das limitações existentes. Contudo, têm-se notado a dificuldade de articular os
pensamentos emancipatórios sobre o sujeito com as práticas nos serviços de saúde, devido às
81

diversas motivações elencadas pelas entrevistadas. Essas dificuldades são fortalecidas, ainda,
pelo retorno de políticas de ideologia liberal, que se centram na obtenção de lucros a partir da
privatização dos serviços públicos. E, consequentemente, cortes de recursos destinados às
políticas públicas. Há, desse modo, uma grande probabilidade de um retrocesso quanto às
políticas de saúde mental. (AMARANTE, 2018)
A trajetória apresentada mostra que, instituições de repressão como hospitais
psiquiátricos e manicômios são formas desumanas de exclusão e de camuflagem da realidade,
à medida que distancia o “problema” da dita loucura da sociedade como um todo e não
propõe intervenções eficazes e dignas. Ao contrário, reforçam a patologização da vida, o
aumento de diagnósticos e o tratamento predominantemente medicamentoso.
Consequentemente, causa um aumento nos estigmas relacionados aos transtornos mentais e ao
agravamento dos sofrimentos psíquicos.
Podemos concluir, com base nos dados apresentados, que os serviços substitutivos aos
manicômios são essenciais no cuidado em saúde mental e devem ser defendidos e ter seus
métodos e estratégias aperfeiçoados. Necessitam, desse modo, da articulação entre a
Universidade que forma esses profissionais e o Estado que os emprega, na busca de um
aperfeiçoamento dos conhecimentos necessários para a realização de práticas que fortaleçam a
rede de assistência a saúde mental. Para que, desse modo, o cuidado em liberdade, o
desenvolvimento de autonomia, a interação entre os diversos saberes e, principalmente, o
olhar para o sofrimento ao invés da “doença” sejam sempre o alicerce para o desenvolvimento
de uma atenção à saúde mental de qualidade e realmente, emancipatória da autonomia do
sujeito.
82

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90

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.)

(Em 2 vias, firmado por cada participante-voluntário(a) da pesquisa e pelo


responsável)
O respeito devido à dignidade humana exige que toda
pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos
sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus
representantes legais manifestem a sua anuência à participação
na pesquisa.(Resolução. nº466/12 -IV, do Conselho Nacional de
Saúde).
Eu,.............................................................................., tendo sido convidado(a)
aparticipar
como voluntário(a) da pesquisa de campo “O PROJETO TERAPÊUTICO
SINGULAR (PTS) COMO ESTRATÉGIA PARA O CUIDADO NOS CENTROS
DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS (CAPS): UMA ANÁLISE A PARTIR
DE PSICÓLOGOS
ALAGOANOS”; recebi da Srª. Prof.ª Me. Caroline Cavalcanti Padilha Magalhães,
do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Campus Arapiraca/
Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, da Srª. Érika de Abreu Silva, aluna de
Graduação do Curso de Psicologia da mesma instituição e do Sr. Caio de Oliveira Pinto
Ferraz, aluno de Graduação do Curso de Psicologia da mesma instituição, responsáveis
por sua execução, as seguintes informações que me fizeram entender sem dificuldades e
sem dúvidas os seguintes aspectos:
➢ Que o estudo se destina a: Compreender como os Projetos Terapêuticos
Singulares estão sendo utilizados nos Centros de Atenção Psicossociais em Alagoas.
➢ Que a importância deste estudo é a de: buscar reflexão acerca do Projeto
Terapêutico Singular como uma estratégia de cuidado nos serviços de atenção
psicossocial.
➢ Que os resultados que se desejam alcançar são os seguintes: Compreender
como os Projetos vem sendo utilizados pela equipe de saúde e identificar os desafios
e possibilidades desse Projeto como estratégia decuidado.
➢ Que esse estudo terá início em outubro de 2018 e terminará em dezembro
de2018.
➢ Que o estudo será feito da seguinte maneira: entrevistas semiestruturadas
individuais com dois psicólogos que trabalham em Centros de Atenção Psicossocial.
➢ Que eu participarei das seguintes etapas: coleta de dados, através das
entrevistas individuais.
➢ Que não há outros meios conhecidos para se obter os mesmos resultados.
➢ Que a realização da pesquisa poderá provocar incômodos, no entanto, caso
91

o ocorra, está disponível o serviço de Psicologia oferecido na Clinica-Escola da


própria UFAL de Palmeira dos Índios.
➢ Que os possíveis riscos à minha saúde física e mental poderão ser: timidez,
vergonha com a gravação da voz, lembranças, sentimentos e emoções que poderão
surgir devido ao tema em discussão.
➢ Que os benefícios que deverei esperar com a minha participação, mesmo
que não diretamente são: contribuir com a reflexão acerca do uso do Projeto
Terapêutico Singular, proporcionando discussões contextualizadas e críticas sobre a
temática, além de contribuir com o aprendizado e a construção de saberes sobre o
campo da saúde mental.
➢ Que a minha participação será acompanhada do seguinte modo: por meio de
um roteiro de entrevista individual semiestruturado; onde sempre que desejar me
serão fornecidos esclarecimentos sobre a pesquisa. A entrevista será registrada a
partir de gravação de voz.
➢ Que, a qualquer momento, eu poderei recusar a continuar participando do
estudo, como também, poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me
traga qualquer penalidade ou prejuízo.
➢ Que as informações conseguidas através da minha participação não
permitirão a identificação da minha pessoa ou da minha família, exceto aos
responsáveis pelo estudo; e que a divulgação das mencionadas informações só será
feita entre os profissionais estudiosos do assunto.
➢ Que o estudo não acarretará nenhuma despesa para o participante da
pesquisa;
➢ Que eu deverei ser indenizado por quaisquer danos que venha a sofrer ao
longo da minha participação na pesquisa.
➢ Que os critérios para suspender e encerrar a pesquisa serão: o pesquisador
responsável e sua equipe comprometem – se a suspender ou encerrar essa pesquisa
caso não haja a aceitação dos entrevistados em participar do estudo, ou ainda, se
forem percebidas irregularidades que ofereçam riscos ou danos aos participantes,
não previstos nesse Termo.
➢ Que eu receberei uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Finalmente, tendo eu compreendido perfeitamente tudo o que me foi informado
92

sobre a minha participação no mencionado estudo e estando consciente dos meus


direitos, das minhas responsabilidades, dos riscos e dos benefícios que a minha
participação implicam, concordo em dele participar e para isso eu DOU O MEU
CONSENTIMENTO SEM QUE PARA ISSO EU TENHA SIDO FORÇADO OUOBRIGADO.

Endereço d(o,a) participante-voluntári(o,a)


Domicílio: (rua, praça,
conjunto): Bloco: /Nº: /Complemento:
Bairro: /CEP: /Cidade:
/Telefone: Ponto de referência:
Contato de urgência:
Universidade Federal de Alagoas - Rua Sonho
Verde, s/n Bairro: Eucalipto – Palmeira dos Índios - AL
Ponto de referência: Próximo a Escola Marinete Neves
Endereço d(os,as) responsáve(l,is) pela pesquisa (OBRIGATÓRIO):

Caroline Cavalcanti Padilha


Magalhães Instituição: Universidade
Federal de Alagoas Endereço: Rua Ortígia
Arthur Jucá Arbage, 108 Bairro: Serraria
CEP: 57046-242 - Maceió - AL Telefones
p/contato: (82) 99190-0405

Caio de Oliveira Pinto Ferraz


Instituição: Universidade Federal
de Alagoas Endereço: Rua José Tobias da
Costa Filho, 85

Bairro: Paraíso CEP: 57601-120 Palmeira dos


Índios - AL Telefones p/contato: (82) 99952-0455

Érika de Abreu Silva


Instituição: Universidade Federal de
Alagoas Endereço: Rua São Francisco, 1014

Bairro: Centro CEP: 57442-000 Olho D’água das


Flores - AL Telefones p/contato: (82) 99933-2830

ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação


no estudo, dirija-se ao: Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas -
Prédio da Reitoria, sala do C.O.C., Campus A. C. Simões, Cidade Universitária.

Telefone: 3214-1041
93

Palmeira dos Índios,

Caroline Cavalcanti Padilha


Magalhães

(Assinatura ou impressão
datiloscópica do(a) voluntário(a) ou Caio de Oliveira Pinto Ferraz
responsável legal - Rubricar as demais
folhas)

Érika de Abreu Silva


94

APÊNDICE B - Roteiro para entrevista

Nome:
Idade:
Tempo que atua como psicólogo:
Tempo que atua na instituição:

1. Como você vê a atuação da psicologia no CAPS?


2. De que forma a equipe se organiza para fazer o acolhimento de usuários nessa
instituição?
3. O que você entende por Projeto Terapêutico Singular?
4. Para você, qual o objetivo de fazer um planejamento do tratamento do usuário
dentro do serviço?
5. Como você descreveria sua preparação acadêmica para trabalhar com o PTS?
6. Como se dá a construção do PTS nessa instituição? Quais
profissionais participam e de que forma?
7. Como são definidas as ações e intervenções que compõe o processo
terapêutico?
8. Como você avalia o trabalho em equipe e a construção do PTS do usuário?
9. Como os profissionais se articulam para conduzir o processo
terapêutico?
10. Quais os desafios vivenciados na construção e aplicação do PTS no dia a dia do
CAPS?
95

ANEXO A - Plano Terapêutico – Singular – PTS

1. IDENTIDADE DA PESSOA:
Nome:
__________________________________________________________________
Filiação:
_________________________________________________________________
Data de nascimento: ____/_____/_______
Data de inclusão no CAPS: ____/______/_____
Nº de prontuário:____________
Hipótese diagnóstica:_____________________________
Classificação: ( ) intensivo ( ) Semi-intensivo ( ) não intensivo
Turno: ( ) manhã ( ) tarde
PSF de referência:____________________
ACS responsável:_______________________

2. SINTOMAS ATUAIS:
______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________
3. HABILIDADES:
______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________
4. RELAÇÕES FAMILIARES/TUTOR:
______________________________________________________________________
96

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________
5. LIMITAÇÕES A SEREM TRABALHADAS:
______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

6. OBSERVAÇÕES:
______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________
97

ANEXO B - Tabela Plano Terapêutico – Singular – PTS

USUÁRIO:_______________________________________________

AÇÃO OBJETIVO ESTRATÉGIA RESPOSÁNVEL PRAZO

Técnico Responsável: Data:_____/_____/_______

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