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Arte

Brasileira

Prof.ª Denise Costa


Prof.ª Letícia Francez

Indaial – 2021
2a Edição
Elaboração:
Prof.ª Denise Costa
Prof.ª Letícia Francez

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

C837a

Costa, Denise

Arte brasileira. / Denise Costa; Letícia Francez. – Indaial:


UNIASSELVI, 2021.

208 p.; il.

ISBN 978-65-5663-956-7
ISBN Digital 978-65-5663-954-3

1. Arte brasileira no século XX. - Brasil. I. Francez, Letícia. II. Centro


Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 709

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Acadêmico, seja bem-vindo aos estudos da Arte Brasileira. Conhecer as criações
artísticas produzidas em nosso país é fundamental para compreendermos as origens de
nossa história, assim como os caminhos que nos trouxeram até a arte produzida na
contemporaneidade. É também uma forma de valorizarmos nossos saberes, percebendo
a diversa riqueza cultural que foi se desenvolvendo ao longo dos séculos e que hoje se
converte em importantes expressões e manifestações artísticas.

Na Unidade 1, abordaremos as origens da arte brasileira. Vamos conhecer os


primeiros vestígios da arte pré-histórica no Brasil, de modo a compreender as diferenças
entre as culturas e tradições das antigas civilizações brasileiras. Estudaremos sobre
os sítios arqueológicos e sambaquis, a arte marajoara e a cultura Santarém, além de
reconhecer os aspectos e valores das manifestações artísticas dos povos originários

Em seguida, na Unidade 2, vamos verificar a chegada dos europeus em nosso


território, a partir dos registros produzidos por esses colonizadores. Veremos também
a valiosa herança das culturas africanas, por meio das representações da arte dessas
etnias. Nesta unidade, iremos abordar a arte do período colonial no Brasil, além do
barroco e do rococó brasileiro. Fecharemos o tema com os estudos sobre a missão
artística francesa e as influências neoclássicas europeias.

Por fim, na Unidade 3, nosso foco será a arte brasileira no século XX e XXI.
Verificaremos as influências das correntes artísticas europeias em nossa arte, observando
o modo como foi se constituindo o modernismo em nosso país. Nesta unidade,
abordaremos também sobre a Semana de Arte Moderna, os manifestos produzidos
pelos artistas e a organização das Bienais. Ao final da unidade, vamos discorrer sobre
a arte realizada na contemporaneidade, identificando a produção artística da segunda
metade do século XX e os hibridismos do século XXI.

Ao finalizar seus estudos, esperamos que você perceba a relevância das


produções artísticas e culturais brasileiras, passando a valorizar ainda mais a diversidade
que as permeiam. Que você identifique e conheça os importantes povos, artesãos e
artistas que construíram esse trajeto e, também, se reconheça como parte integrante
dessa história.

Bons estudos!

Prof.ª Denise Costa e


Prof.ª Letícia Francez
GIO
Você lembra dos UNIs?

Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas


vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico
como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará
você a entender melhor o que são essas informações
adicionais e por que poderá se beneficiar ao fazer a leitura
dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará
informações adicionais e outras fontes de conhecimento que
complementam o assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os


acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir
de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual
– com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a
leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que
você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados
através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo
continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada
com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo
o espaço da página – o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por
exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto
de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este
livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a
possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular,
tablet ou computador.

Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo


layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual
adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de
relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os
materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade,
possa continuar os seus estudos com um material atualizado
e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a
você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo
interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse
as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade
para aprimorar os seus estudos.
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Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
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do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
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Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
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por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
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preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - ORIGENS DA ARTE BRASILEIRA ...................................................................... 1

TÓPICO 1 - ARTE PRÉ-HISTÓRICA NO BRASIL.....................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 VESTÍGIOS DA ARTE PRÉ-HISTÓRICA...............................................................................3
2.1 REGISTROS MILENARES DA ARTE RUPESTRE NO BRASIL.......................................................... 5
2.2 TRADIÇÕES DA ARTE RUPESTRE.......................................................................................................7
3 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS E SAMBAQUIS......................................................................... 18
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 24
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 25

TÓPICO 2 - VESTÍGIOS ARTÍSTICOS PRÉ-DESCOBRIMENTO...........................................27


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................27
2 ARTE MARAJOARA............................................................................................................27
3 CULTURA SANTARÉM....................................................................................................... 29
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 34
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 35

TÓPICO 3 - MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS DOS POVOS PRIMITIVOS..............................37


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................37
2 ARTE INDÍGENA................................................................................................................ 38
2.1 CERÂMICA..............................................................................................................................................39
2.2 CESTARIA...............................................................................................................................................43
2.3 ARTE PLUMÁRIA..................................................................................................................................46
2.4 MÁSCARAS........................................................................................................................................... 48
2.5 PINTURA CORPORAL..........................................................................................................................49
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 53
RESUMO DO TÓPICO 3..........................................................................................................57
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 58

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 60

UNIDADE 2 — INFLUÊNCIAS CULTURAIS NA ARTE BRASILEIRA..................................... 63

TÓPICO 1 — DIFERENTES CULTURAS CRIANDO A ARTE NO BRASIL................................ 65


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 65
2 REGISTROS DO BRASIL NA VISÃO DOS EUROPEUS ...................................................... 65
2.1 CENAS DO BRASIL NA REPRESENTAÇÃO DOS HOLANDESES.................................................66
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................72
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................73

TÓPICO 2 - ARTE DO PERÍODO COLONIAL NO BRASIL.......................................................75


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................75
2 ARTE COLONIAL.................................................................................................................76
2.1 ARQUITETURA....................................................................................................................................... 77
2.1.1 Fortificações.................................................................................................................................82
2.1.2 Igrejas........................................................................................................................................... 84
2.2 PINTURA............................................................................................................................................... 88
2.3 ESCULTURA .........................................................................................................................................92
3 O BARROCO NO BRASIL....................................................................................................95
3.1 ALEIJADINHO E SUAS OBRAS..........................................................................................................99
3.2 MESTRE ATAÍDE E SUAS OBRAS...................................................................................................103
4 O ROCOCÓ NO BRASIL.................................................................................................... 104
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................106
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................107

TÓPICO 3 - FRUTOS DE UMA ÉPOCA REAL.......................................................................109


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................109
2 MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA......................................................................................111
2.1 VISÃO DOS ARTISTAS VIAJANTES..................................................................................................114
3 INFLUÊNCIAS NEOCLÁSSICAS EUROPEIAS.................................................................. 119
3.1 TALENTOS BRASILEIROS DA ARTE ACADÊMICA........................................................................ 122
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................ 127
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................132
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................133

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................135

UNIDADE 3 — ARTE BRASILEIRA NO SÉCULO XX E XXI................................................... 137

TÓPICO 1 — RUMO A UMA ESSÊNCIA ESTILÍSTICA BRASILEIRA: INFLUÊNCIAS DE


CORRENTES ARTÍSTICAS DA EUROPA.............................................................................139
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................139
2 VANGUARDAS EUROPEIAS NO BRASIL........................................................................ 140
2.1 EXPRESSIONISMO...............................................................................................................................141
2.1.1 Anita Malfatti..............................................................................................................................141
2.1.2 Lasar Segall................................................................................................................................ 142
2.1.3 Candido Portinari......................................................................................................................143
2.2 FAUVISMO...........................................................................................................................................144
2.2.1 Arthur Timótheo da Costa......................................................................................................144
2.2.2 Inimá José de Paula............................................................................................................... 145
2.3 CUBISMO.............................................................................................................................................146
2.3.1 Tarsila do Amaral....................................................................................................................... 147
2.3.2 Vicente do Rego Monteiro.....................................................................................................148
2.3.3 Emiliano Di Cavalcanti............................................................................................................ 149
2.4 SURREALISMO...................................................................................................................................150
2.4.1 Ismael Nery.................................................................................................................................151
2.4.2 Cícero Dias................................................................................................................................ 152
3 DIFERENTES EXPRESSÕES DA ARTE BRASILEIRA......................................................153
3.1 LITERATURA......................................................................................................................................... 154
3.2 ESCULTURA........................................................................................................................................ 155
3.3 ARQUITETURA....................................................................................................................................158
3.4 GRAVURA............................................................................................................................................ 159
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 161
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................162

TÓPICO 2 - ARTE MODERNA BRASILEIRA: EM BUSCA DA RUPTURA.............................165


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................165
2 SEMANA DE ARTE MODERNA..........................................................................................165
3 VALOR ÀS RAÍZES NACIONAIS....................................................................................... 167
3.1 MOVIMENTO PAU-BRASIL................................................................................................................168
3.2 MOVIMENTO VERDE-AMARELO..................................................................................................... 169
3.3 MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO...................................................................................................... 170
4 FORMAÇÃO DE SOCIEDADES, CLUBES E GRUPOS........................................................171
4.1 NÚCLEO BERNARDELLI..................................................................................................................... 171
4.2 SOCIEDADE PRÓ-ARTE MODERNA............................................................................................... 172
4.3 CLUBE DOS ARTISTAS MODERNOS.............................................................................................. 172
4.4 GRUPO SANTA HELENA................................................................................................................... 172
5 BIENAIS DE SÃO PAULO.................................................................................................. 172
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................ 177
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 179

TÓPICO 3 - ARTE CONTEMPORÂNEA NO BRASIL: PANORAMA DO SÉCULO XXI........... 181


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 181
2 PRODUÇÃO ARTÍSTICA DO SÉCULO XX......................................................................... 181
2.1 EXPERIMENTAÇÕES VISUAIS..........................................................................................................182
2.1.1 Arte Concreta.............................................................................................................................185
2.1.2 Arte Cinética..............................................................................................................................188
2.1.3 Pop art.........................................................................................................................................189
2.1.4 Arte conceitual..........................................................................................................................190
2.1.5 Instalações..................................................................................................................................191
2.1.6 Performances............................................................................................................................ 192
2.1.7 Grafite........................................................................................................................................... 193
3 HIBRIDISMO DO SÉCULO XXI..........................................................................................194
3.1 INTERVENÇÕES E MATERIALIDADES............................................................................................ 195
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................198
RESUMO DO TÓPICO 3....................................................................................................... 204
AUTOATIVIDADE................................................................................................................ 205

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 207
UNIDADE 1 -

ORIGENS DA ARTE
BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer as origens da arte brasileira;

• compreender as diferenças entre as culturas e tradições das antigas civilizações


brasileiras;

• identificar a arte das culturas amazônicas da pré-história;

• reconhecer os aspectos e valores da arte indígena brasileira.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – ARTE PRÉ-HISTÓRICA NO BRASIL


TÓPICO 2 – VESTÍGIOS ARTÍSTICOS PRÉ-DESCOBRIMENTO
TÓPICO 3 – MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS DOS POVOS PRIMITIVOS

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
ARTE PRÉ-HISTÓRICA NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste primeiro tópico você irá conhecer as origens da arte brasileira.
Abordar estes caminhos iniciais é também referir-nos ao que precede a chegada dos
portugueses, em 1500, bem como a formação política do Brasil, pois aqui viviam as
populações denominadas pré-cabralinas, ou seja, comunidades que possuíam sua
própria cultura. Segundo Tirapeli (2006, p. 11), “as estimativas sobre o número de
habitantes nativos no Brasil na época da chegada dos europeus são pouco precisas,
variando entre um e dez milhões de indivíduos”. O autor alega que na bacia amazônica
podem ter vivido, na época, 5,6 milhões de indivíduos.

A partir de estudos dos registros encontrados e analisados por pesquisadores


podemos conhecer a origem de nossa cultura. O termo cultura, em uma concepção
mais ampla, para Coelho (2014, p. 114), “caracteriza o modo de vida de uma comunidade”.
Assim, é possível descortinar o passado e escrever a história.

Por meio da História é possível observar as complexas transformações ocorridas


no pensamento humano por milhares de anos, na tentativa de compreender razões ou
motivações que levaram as populações pré-históricas a produzir as diversas expressões
que hoje denominamos arte.

Entrar nas cavernas mais primitivas da nossa história para conhecer os mistérios
dos primórdios de nossos antepassados, suas descobertas, práticas e costumes é um
convite a uma viagem fascinante às origens milenares do ser humano.

2 VESTÍGIOS DA ARTE PRÉ-HISTÓRICA


A arte vem sendo produzida pelo ser humano desde os tempos mais distantes,
quando ainda não havia instrumentos e ferramentas próprias para sua execução.
Vestígios milenares de grafismos, pinturas, esculturas, desenhos, gravuras, podem ser
observados nas mais diversas regiões do Brasil, mas é importante relembrar alguns
conceitos para localizar-nos no tempo histórico.

Uma das características que envolvem o significado de Pré-História é a


ausência de registros expressos por meio da escrita formal, considerando que “no
continente americano adotou-se o termo Pré-História para se referir ao período anterior
à chegada de Colombo”, como apontam Funari e Noelli (2020, p. 14). Mesmo que em

3
outros continentes a escrita já existisse na época das grandes navegações, no território
da América do Sul onde é hoje o Brasil, a escrita não foi detectada, sendo introduzida
após a chegada dos Europeus.

Para Prous (2011, p. 11), “as artes da Pré-História (grafismos e objetos aos quais
atribuímos um valor estético, elaborados por grupos humanos que não deixaram textos
escritos e sobre os quais não dispomos de documentação escrita) são estudadas pela
arqueologia, ou seja, a partir da interpretação dos vestígios materiais”. Esses vestígios
são rigorosamente analisados, datados e descritos por arqueólogos, possibilitando o
acesso das pessoas interessadas às informações.

É importante saber que para identificar as datas dos vestígios encontrados,


Funari e Noelli (2020, p. 20) esclarecem que arqueólogos utilizam “diversas técnicas em
laboratório, como o Carbono 14 e a termoluminescência”. Dessa forma é possível datar
os materiais encontrados e até revelar sua constituição e formas de utilização.

INTERESSANTE
O que é Carbono 14? Os cientistas usam o carbono 14 para determinar a idade
de fósseis animais e vegetais ou de qualquer objeto que seja subproduto de
tais, como um pedaço de madeira ou de pano. Prous (2007) explica que os
seres vivos (vegetais e animais) absorvem partículas de carbono. Quando
ocorre a morte, não há mais renovação do carbono; o carbono radioativo
(de massa atômica 14), instável, transforma-se, então, progressivamente
em carbono 12 (isótopo estável) e quanto menos carbono 14 sobra, maior
será o tempo decorrido desde a morte. O método não permite datar com
segurança além de 40.000 anos, quando a quantidade de carbono 14 se
torna pequena demais para ser medida e a margem de erro aumenta muito.

Veja também sobre o Carbono 14 em: https://brasilescola.uol.com.br/o-


que-e/quimica/o-que-e-carbono-14.htm.

Imaginar o que poderia ser feito de um simples pedaço de rocha e transformá-lo


em instrumento de caça, dominar técnicas para construir ferramentas e utensílios sem
o acesso a maquinários, evidenciam que as habilidades de nossos ancestrais garantiram
a sobrevivência da espécie humana por milhares de anos. Diante disso, é importante
reconhecer o papel do ser humano pré-histórico no desenvolvimento tecnológico que
nos acompanha a cada milênio.

4
2.1 REGISTROS MILENARES DA ARTE RUPESTRE NO BRASIL
O que entendemos hoje como arte, ou seja, as manifestações estéticas
registradas durante milênios, em rochas ou em outras produções utilitárias e cerimoniais,
acompanham o ser humano, desde tempos remotos, quando já se sentia a necessidade
de se comunicar. Já o período pré-histórico, sem conhecer a forma escrita, registrou
acontecimentos por meio de inscrições em rochas. As artes gravadas, desenhadas ou
pintadas em paredes de rochas, são denominadas rupestres “do latim rupes, rupis, que
significa rochedo”, como explica Prous (2011, p. 11). Podem ser encontradas em várias
regiões do Brasil, datadas de milhares de anos, como mostra a figura a seguir:

FIGURA 1 – SÍTIO ARQUEOLÓGICO DA PEDRA PRETA

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/624/>. Acesso em: 30 jul. 2021.

É importante observar e conhecer as diferenças entre as técnicas utilizadas para


a representação dos registros parietais. Os desenhos, formas delineadas nas rochas,
muitas vezes recebiam pinturas com tintas preparadas com pigmentos obtidos a partir
de elementos naturais (PROUS, 2011). O óxido de ferro era utilizado para a produção de
vermelho, ocre e amarelo, enquanto o marrom e tonalidades escuras tinham como base
o dióxido de manganês. Pigmentos pretos eram extraídos de carvão obtido pela queima
de madeira ou ossos.

FIGURA 2 – DESENHO

FONTE: <https://bit.ly/3owprMz>. Acesso em: 30 jul. 2021.

5
As cores eram aplicadas na rocha friccionando uma espécie de massa de
pigmento seco e duro. Algumas pinturas eram elaboradas com as mãos, por meio de
sopro, ou também com pincéis confeccionados com galhos de árvores. As tintas eram
produzidas com um aglutinante, possivelmente extraído de gordura animal, para dar liga
ao pigmento, facilitando a pintura.

FIGURA 3 – PINTURA

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/galeria/detalhes/396?eFototeca=1>. Acesso em: 30 jul. 2021.

Algumas gravuras rupestres eram elaboradas com incisões que produziam


sulcos na rocha, formando figuras, formas geométricas ou outros elementos. Em
determinados locais há aplicação de pigmentos em sulcos produzidos nas rochas. Em
alguns sítios a pintura desaparece devido às condições climáticas.

FIGURA 4 – GRAVURA: ABRIGO DO ALVO, SÃO PAULO

FONTE: Prous (2011, p. 23)

Outra técnica utilizada na elaboração de gravuras eram os picoteados,


possivelmente realizados com uma ferramenta de ponta sobre a parede rochosa. Essa
técnica resulta em figuras foscas em um fundo rugoso.

6
FIGURA 5 – GRAVURA PICOTEADOS: LAPA DE POSEIDON, MINAS GERAIS

FONTE: Prous (2011, p. 23)

O pensamento que se tem de que os primeiros seres a ocuparem o território


brasileiro eram ditos “primitivos” e estavam somente a caçar grandes animais é uma ideia
que contrasta com o universo pictórico e de forte apelo estético desses povos (GASPAR,
2003). O estudo da arte rupestre nos revela um universo bastante simbólico e complexo e
que aos poucos vai sendo desvendado pelos pesquisadores da arte pré-histórica.

As imagens da arte rupestre demonstram as expressões dos povos milenares,


bem como suas particularidades. As representações de cenas carregadas de simbologias,
cores, elementos estilísticos, nos permitem fazer uma viagem ao passado e imaginar o
cotidiano dessas sociedades.

Os registros da arte rupestre sofreram a ação do clima por milhares de anos, por
esse motivo, suas cores e formas podem estar com aspecto diferente do que quando
foram produzidas. Além disso, sabe-se que há riscos de atos de vandalismo, o que
significa grande perda para o patrimônio histórico.

2.2 TRADIÇÕES DA ARTE RUPESTRE


Tradição é um termo utilizado na arqueologia para fazer referência ao conjunto
de traços culturais que possibilita a identificação das sociedades, nos diversos lugares
e tempos. Gaspar (2003) faz alusão às denominações estabelecidas pelo arqueólogo
André Prous às oito tradições distribuídas no território brasileiro: Meridional, Litorânea,
Geométrica, Planalto, Nordeste, Agreste, São Francisco e Amazônica.

É importante ressaltar que as tradições possuem milhares de anos de existência e,


algumas delas foram sucedidas por outros registros também milenares. Por esse motivo
podem ser encontrados diferentes padrões estilísticos em um mesmo sítio arqueológico,
como formas geométricas, figuras biomorfas, zoomorfas ou antropomorfas.

7
NOTA
Em relação às formas das figuras, aquelas consideradas biomorfas referem-
se às formas de organismos vivos; as zoomorfas correspondem às formas de
animais e as antropomorfas são relativas às formas de seres humanos.

Na figura a seguir pode-se observar as oito tradições da arte rupestre, que estão
distribuídas em todas as regiões do Brasil.

FIGURA 6 – MAPA COM A DISTRIBUIÇÃO DAS TRADIÇÕES DE ARTE RUPESTRE

FONTE: Gaspar (2003, p. 44)

A Tradição Meridional ocorre no sul do Brasil, a maioria no planalto do Rio Grande


do Sul, possivelmente com menos de 2.000 anos, estende-se para a Argentina e ao
longo dos rios Paraná e Paraguai, segue até a Bolívia e possivelmente pelo rio Araguaia
até Serranópolis, estado de Goiás.

8
São encontradas gravuras com sulcos de aproximadamente um centímetro,
onde há vestígios de pigmentos em preto, branco, marrom ou roxo. Alguns registros
possuem conjuntos de círculos que fazem referência à forma de pegadas de animais,
possivelmente felídeos. Há também gravuras picoteadas com algumas incisões circulares
e representações biomorfas, que possuem semelhanças com organismos vivos.

FIGURA 7 – CANHEMBORÁ, NOVA PALMA (RS)

FONTE: Gaspar (2003, p. 29)

Com temática considerada pobre, as imagens apresentam traços retos, paralelos


ou cruzados e algumas linhas curvas. Há também a combinação de traços retos, os
quais produzem formas denominadas tridáctilos, ou seja, que possuem três dedos.

FIGURA 8 – GRAVURA DA TRADIÇÃO MERIDIONAL – SÍTIO D. JOSEFA (RS)

FONTE: Gaspar (2003, p. 27)

9
A Tradição Litorânea, encontrada no litoral do estado de Santa Catarina, do
município de Porto Belo até o Farol de Santa Marta. No município de Laguna, caracteriza-
se por gravações com sulcos de até quatro centímetros de largura, feitas no granito. O
pesquisador André Prous encontrou registros de quatorze temas com formas humanas
e geométricas, todos com características comuns, mas com temas bem específicos,
parecendo marcar sua individualidade.

FIGURA 9 – ILHA DO CAMPECHE (SC)

FONTE: Gaspar (2003, p. 30)

Segundo Prous (2011, p. 25), os desenhos mais comuns encontrados na Ilha


do Arvoredo são círculos ou elipses, enquanto na Ilha das Aranhas e Praia do Santinho
aparecem losangos e figuras em formato de ampulheta. Desenhos com linhas
entrecortadas são encontrados na Barra da Lagoa e na Guarda do Embaú.

FIGURA 10 – ILHA DOS CORAIS (SC)

FONTE: Gaspar (2003, p. 27)

10
A Tradição Geométrica, como nomeada, possui quase somente gravuras
geométricas. Gaspar (2003, p. 28) indica que “atravessando o planalto de Sul até o
Nordeste, cortando os estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás e Mato
Grosso” estão localizadas essas inscrições. Prous classifica a Tradição Geométrica em
setentrional, locais próximos a rios, e meridionais, como aponta Gaspar (2003), aquelas
que possuem gravações, por vezes, retocadas com pigmentos, em locais que não são
banhados por águas.

FIGURA 11 – A PEDRA LAVRADA, DE INGÁ (PB): TRADIÇÃO GEOMÉTRICA (SETENTRIONAL)

FONTE: <https://bit.ly/3l5xAp9>. Acesso em: 30 jul. 2021.

A Pedra de Ingá, representada no esquema da figura seguinte, “possui a possível


representação de uma espiga de milho” (PROUS, 2011, p. 38), entre outros elementos
que indicam formas de animais e figuras humanas.

FIGURA 12 – A PEDRA LAVRADA, DE INGÁ (PB): TRADIÇÃO GEOMÉTRICA (SETENTRIONAL)

FONTE: Gaspar (2003, p. 28)

É importante ressaltar que as inscrições localizadas no Morro do Avencal,


próximo da cidade de Urubici, no estado de Santa Catarina, pertencem à Tradição
Geométrica, classificada por Prous como meridional.

11
FIGURA 13 – TRADIÇÃO GEOMÉTRICA (MERIDIONAL). MORRO DO AVENCAL (SC)

FONTE: Acervo das autoras

A figura seguinte traz um esquema da representação das gravuras localizadas


no planalto catarinense, as quais se parecem com a tradição Meridional e são diferentes
daquelas encontradas no litoral do estado.

FIGURA 14 – TRADIÇÃO GEOMÉTRICA (MERIDIONAL) – MORRO DO AVENCAL (SC)

FONTE: Gaspar (2003, p. 37).

A Tradição Planalto, encontrada do Paraná ao estado do Tocantins, apresenta


grafismos representando predominantemente figuras de cervídeos. Segundo Gaspar
(2003, p. 37) “a maioria dos sítios apresenta grafismos pintados em vermelho, embora
ocorra também alguns nas cores preta, amarela e mais raramente branca”. Há também
representação de peixes, como demonstrado na figura que segue, entre outros animais.

12
FIGURA 15 – SANTANA DO RIACHO (MG)

FONTE: Gaspar (2003, p. 31)

Existem muitos registros de peixes, inclusive de pesca ou animais, geralmente


pintados em vermelho. São tatus, onças, aves e em alguns locais são encontrados
registros de figuras humanas e formas geométricas.

FIGURA 16 – IAPÓ E TIBAGI (PR)

FONTE: Gaspar (2003, p. 37)

A Tradição Nordeste ocorre no Piauí, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte,


parte da Bahia, Ceará e norte de Minas Gerais. As pinturas são monocromáticas, ou seja,
possuem uma única cor. Segundo Prous (2011, p. 33), “as representações zoomorfas, ou
seja, que possuem formas de animais, incluem um grande número de emas e cervídeos,
isolados ou correndo em bando”. O autor ainda descreve a ocorrência de cenas de
combate e representações de aldeias.

13
FIGURA 17 – TOCA DO BOQUEIRÃO DA PEDRA FURADA (PI)

FONTE: Gaspar (2003, p. 32)

Há registros de gravuras indicando figuras humanas, animais e algumas formas


geométricas. As figuras são retratadas segurando objetos, possivelmente armas,
indicando a possibilidade de caças ou rituais pelos grupos de antropomorfos.

FIGURA 18 – FIGURAS HUMANAS – TRADIÇÃO NORDESTE

FONTE: Gaspar (2003, p. 37)

A Tradição Agreste ocorre no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco


e Piauí, caracterizando-se pela presença de grandes figuras geométricas ou biomorfas,
figuras humanas caçando ou pescando, que remetem a espantalhos. Aparecem também
alguns animais representados de forma estática. Prous considera que pode haver locais
com imagens das Tradições Nordeste e São Francisco, possivelmente produzidos em
épocas diferentes (GASPAR, 2003, p. 39).

14
FIGURA 19 – PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA (PI)

FONTE: Gaspar (2003, p. 33)

Prous (2011) considera que as figuras são variadas e aparentam terem sido
produzidas em diversos momentos. Aparecem impressões de mãos, grafismos ou figuras
carimbadas nas rochas. As figuras antropomorfas e zoomorfas são representadas de
maneira tosca.

FIGURA 20 – SÍTIO PEDRA REDONDA, PEDRA (PE)

FONTE: Gaspar (2003, p. 38)

A Tradição São Francisco, encontrada no vale do rio São Francisco, em Minas


Gerais, Bahia e Sergipe e nos estados de Goiás e Mato Grosso, apresenta grafismos
com motivos geométricos e desenhos com formas humanas ou animais. Gaspar (2003)
reconhece que a combinação de cores vivas e a organização das figuras geométricas
torna os painéis extraordinariamente espetaculares.

15
FIGURA 21 – LAPA DO BOQUETE – JANUÁRIA (MG)

FONTE: Gaspar (2003, p. 34)

Gaspar (2003, p. 34) afirma que “os répteis são formas frequentes na tradição
São Francisco” e, como cita Prous (2011, p. 30), no Peruaçu surge tardiamente o estilo
Caboclo, com figuras complexas. Pode-se notar a representação de armas e objetos
utilitários.

FIGURA 22 – PARTE DO PAINEL III DA LAPA DO CABOCLO (MG)

FONTE: Gaspar (2003, p. 40)

A Tradição Amazônica é caracterizada por antropomorfos simétricos e


geometrizados. O tema principal são figuras humanas completas ou apenas a cabeça.
Segundo Gaspar, as figuras completas “exibem os traços do rosto, inclusive boca com
dentes” (GASPAR, 2003, p. 42). Algumas figuras indicam representação de gravidez.

16
FIGURA 23 – SERRA DA CARETA – PRAINHA (PA)

FONTE: Gaspar (2003, p. 36)

Como se vê na figura seguinte, além de traços do rosto, o corpo possui desenhos


geométricos que, para Gaspar (2003), parece a sugestão de algum tipo de adorno, assim
como cocares nas cabeças.

FIGURA 24 – ANTROPOMORFOS – TRADIÇÃO AMAZÔNICA

FONTE: Gaspar (2003, p. 42)

DICA
Para saber mais sobre este assunto, procure assistir ao filme "O Ateliê
de Luzia - Arte Rupestre no Brasil". Produzido por Marcos Jorge, a
produção retrata as conclusões atuais da arqueologia no que se refere aos
vestígios visuais do homem brasileiro. A sociedade brasileira é investigada
desde suas origens, abordando os limites

17
3 SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS E SAMBAQUIS
Sítios arqueológicos, conforme Tirapeli (2006, p. 13), são locais “onde há
indicativos da presença de seres humanos há milhares de anos”. Em um país gigante
como o Brasil, pesquisadores já encontraram uma infinidade de sítios arqueológicos,
como indica a imagem das ocorrências georreferenciadas, ou seja, com informações
sobre a forma, dimensão e localização exata, bem como suas coordenadas no globo
terrestre. No mapa é possível verificar que há ocorrência em todas as regiões, conforme
Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN).

FIGURA 25 – SÍTIOS GEORREFERENCIADOS

FONTE: <https://bit.ly/3o9PU2i>. Acesso em: 30 jul. 2021.

Sambaqui, palavra de origem Tupi, significa amontoado ou depósito de conchas.


Essas colinas, formadas na maior parte por restos de conchas, caracterizadas por serem
elevações com formato arredondado que, “em algumas regiões do Brasil”, atingem “mais
de 30m de altura” (GASPAR, 2004, p. 5). Esses montes são consequência do acúmulo
de conchas, cascas de ostras e outros restos de alimentos de origem animal e outros
vestígios de indivíduos que viveram no litoral do Brasil.

Os moradores dos sambaquis fabricavam algumas vezes figuras antropomorfas,


ou seja, que possuem formas humanas, mas geralmente suas produções eram as
esculturas biomorfas em pedra. Muitas são côncavas na região do abdômen, talvez para
moer utilizando um pilão ou talvez para oferendas em rituais.

18
FIGURA 26 – SAMBAQUI

FONTE: <https://bit.ly/3ue2sqz>. Acesso em: 26 jul. 2021.

Para Gaspar (2004, p. 24), “no sambaqui ocorreria a associação espacial de três
importantes domínios da vida cotidiana: o espaço da moradia, o local dos mortos e o de
acumulação de restos faunísticos relacionados com a dieta de seus construtores”. Esses
vestígios, como outros, guardam importantes informações sobre a vida das comunidades
que aqui viveram há milhares de anos, possibilitando resgatar o conhecimento sobre
nossas origens.

IMPORTANTE
Reconhecidos como parte integrante do Patrimônio Cultural Brasileiro pela
Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 216, os bens de natureza material
de valor arqueológico são definidos e protegidos pela Lei nº 3.924, de 26 de
julho de 1961, sendo considerados bens patrimoniais da União. Também são
considerados sítios arqueológicos os locais onde se encontram vestígios positivos
de ocupação humana, os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou
locais de pouso prolongado ou de aldeamento, "estações" e "cerâmicos”, as
grutas, lapas e abrigos sob rocha, além das inscrições rupestres ou locais com
sulcos de polimento, os sambaquis e outros vestígios de atividade humana.

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/315/>. Acesso em: 25 set. 2021.

No Brasil há milhares de sítios arqueológicos com importantes inscrições rupestres,


como também um dos maiores sambaquis do mundo, localizado em Santa Catarina.
Dentre eles, conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), “o
Brasil possui dezoito bens arqueológicos tombados em todo o território, sendo onze sítios,
e seis coleções arqueológicas localizadas em museus” (IPHAN, 2021, s.p.). É a proteção
não só do nosso patrimônio cultural, mas da história de nossas origens.

19
DICA
A página do IPHAN na internet traz diversas informações importantes sobre
preservação e divulgação do patrimônio material e imaterial do país. Acesse
em: http://portal.iphan.gov.br.

Alguns exemplos do patrimônio arqueológico do Brasil:

A Ilha do Campeche, localizada no município de Florianópolis, no estado de


Santa Catarina, possui diversas oficinas líticas e gravuras rupestres com representações
geométricas.

FIGURA 27 – ILHA DO CAMPECHE (SC)

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/670/>. Acesso em: 23 jul. 2021.

O sítio arqueológico Pedra do Ingá, localizado na cidade de Ingá, região agreste


da Paraíba, destaca-se pelas representações abstratas, elaboradas com extrema
qualidade técnica. As gravuras estão registradas em grandes painéis de rochas,
localizadas em planície de inundação do leito dos rios.

20
FIGURA 28 – SÍTIO ARQUEOLÓGICO ITACOATIARAS DO RIO INGÁ (PB)

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/552/>. Acesso em: 23 jul. 2021.

O Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, é


um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo, com milhares de inscrições
rupestres e outros vestígios pré-históricos que retratam o cotidiano dos indivíduos. São
cenas de caça, animais, guerras, entre outros registros.

FIGURA 29 – SÍTIO TOCA DO ESTEVO III, ONÇA BRANCA

FONTE: <http://fumdham.org.br/parque/>. Acesso em: 26 jul. 2021.

No ano de 1991 o Parque Nacional Serra da Capivara foi incluído na lista do


Patrimônio Cultural Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO). Muitos dos diversos abrigos rochosos que estão nesse
parque são decorados com pinturas rupestres, sendo que algumas delas possuem mais
de 25 mil anos. Esse conjunto é um expressivo testemunho de uma das ocupações
humanas mais antigas da América Latina.

21
FIGURA 30 – BOQUEIRÃO DO SÍTIO DA PEDRA FURADA

FONTE: <http://fumdham.org.br/parque/>. Acesso em: 26 julho 2021.

De acordo com a Unesco (2021, s.p.), “um patrimônio cultural mundial é


composto por monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham um excepcional e
universal valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico”.
Por isso, é de fundamental importância garantir a segurança para a preservação da
identidade e da memória das culturas.

DICA
No site da UNESCO você encontra alguns vídeos sobre os sítios arqueológicos
do Parque Nacional da Serra da Capivara. Acesse e assista para conhecer
mais em: http://whc.unesco.org/en/list/606/video/.

Na região norte do Brasil, o Sítio Arqueológico Mirante, localizado no município


de Presidente Médici, no estado da Rondônia, possui sítios lito-cerâmicos e de gravuras
rupestres que indicam o uso de instrumentos.

FIGURA 31 – OFICINA LÍTICA, SÍTIO ARQUEOLÓGICO MIRANTE

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/530/>. Acesso em: 26 julho 2021.

22
DICAS
Na página da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) podem
ser visualizadas mídias com modelos interativos de diversos elementos da
Pré-História do Brasil. Acesse em: http://fumdham.org.br/midias/midias-
modelos-interativos/.

Edithe Pereira é uma arqueóloga paraense vinculada ao Museu Paraense


Emílio Goeldi e escreveu um livro sobre os sítios arqueológicos da região de
Monte Alegre, conhecidos por suas pinturas rupestres. Acesse o seguinte
endereço e veja o material completo na íntegra: https://issuu.com/museu-
goeldi/docs/arte_rupestre_todo.

23
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A arte vem sendo produzida pelo ser humano desde os tempos mais distantes,
quando ainda não havia instrumentos e ferramentas para sua execução. Vestígios
milenares de grafismos, pinturas, esculturas, desenhos, gravuras, podem ser
observados nas mais diversas regiões do Brasil, mas é importante relembrar alguns
conceitos para localizar-nos no tempo histórico.

• O ser humano, desde os tempos remotos, sentia necessidade de se comunicar. Já


no período pré-histórico, sem conhecer a forma escrita, registrou acontecimentos
por meio de inscrições em rochas.

• Sítios arqueológicos são locais onde existem vestígios da presença humana datados
de milhares de anos.

• Tradição é um termo utilizado na arqueologia para fazer referência ao conjunto de


traços culturais que possibilita a identificação das sociedades, nos diversos lugares
e tempos. As oito tradições distribuídas no território brasileiro são: Meridional,
Litorânea, Geométrica, Planalto, Nordeste, Agreste, São Francisco e Amazônica.

• Sambaqui, palavra de origem Tupi, significa amontoado ou depósito de conchas.

24
AUTOATIVIDADE
1 O período pré-histórico, sem conhecer a forma escrita, registrou acontecimentos
por meio de inscrições em rochas. Sobre o que são as artes rupestres, produzidas
há milhares de anos, encontradas em várias regiões do Brasil, Assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Artes gravadas, desenhadas ou pintadas em paredes de rochas.


b) ( ) Artes gravadas, desenhadas ou pintadas em muros antigos.
c) ( ) Ausência de registros culturais expressos por meio de pintura.
d) ( ) Conjunto de hábitos que possibilitam a identificação das sociedades.

2 De acordo com o texto deste Tópico, os desenhos, formas delineadas nas rochas,
pelos povos pré-históricos, muitas vezes recebiam pinturas. Descreva como eram
produzidas as tintas utilizadas nas pinturas rupestres.

3 Como vimos, existem diferenças entre as técnicas utilizadas para a representação


dos registros parietais realizados no período pré-histórico. Especifique de que forma
era produzida a arte rupestre em cada uma das técnicas: desenho, pintura e gravura:

4 Tradição é um termo utilizado na arqueologia para fazer referência ao conjunto de


traços culturais que possibilita a identificação das sociedades, nos diversos lugares e
tempos. No que se refere às oito tradições encontradas no Brasil, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Meridional, Litográfica, Geológica, Planalto, Nordeste, Agreste, São Francisco e


Amazônica.
b) ( ) Meridiana, Litorânea, Geológica, Planalto, Nordeste, Agreste, São Francisco e
Amazônica.
c) ( ) Meridiana, Litográfica, Geométrica, Planalto, Nordeste, Agreste, São Francisco e
Amazônica.
d) ( ) Meridional, Litorânea, Geométrica, Planalto, Nordeste, Agreste, São Francisco e
Amazônica.

5 Sambaqui, palavra de origem Tupi, significa amontoado ou depósito de conchas. Além


de conchas, como são formados os sambaquis? Classifique as sentenças utilizando V
para verdadeiras e F para falsas:

25
( ) Elevações com formato arredondado, consequência do acúmulo de conchas.
( ) Colinas, formadas na maior parte por restos de plástico, caracterizadas por serem
elevações com formato arredondado.
( ) Amontoado de conchas, cascas de ostras e outros restos de alimentos de origem
animal e outros vestígios de indivíduos que viveram no litoral do Brasil.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

26
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
VESTÍGIOS ARTÍSTICOS PRÉ-DESCOBRIMENTO

1 INTRODUÇÃO
A arte tem grande importância no que se refere ao esclarecimento sobre as origens
do ser humano. Hoje é possível descobrir cada vez mais sobre os nossos primórdios por
meio das pesquisas e análises científicas de registros e objetos considerados artísticos
e assim desvelar o passado. Diante disso, neste tópico serão apresentadas informações
sobre vestígios da arte pré-histórica, como esculturas, objetos e outras tendências
estéticas encontradas no vasto território que é o Brasil.

É importante ressaltar que as populações pré-históricas não tinham a concepção


sobre representação artística que temos atualmente. Prous (2011, p. 116) enfatiza que
“conhecer a arte pré-histórica do Brasil, suas localizações por região cultural, suas
características, propicia uma análise mais ampla do que seja criação e estética nessa
época”. A intenção era o registro, a decoração, a utilidade.

Os registros artísticos milenares possuíam a função de descrever acontecimentos


como caças, guerras ou eventos ritualísticos, possivelmente para expressar as conquistas,
fazer referências ao sobrenatural ou à ligação com o espiritual. Essas expressões,
narrativas de histórias passadas, nos trazem a certeza de que somos seres de natureza
comunicativa, com necessidade, tanto de transmitir como de guardar memórias, para que
sejam difundidas e multiplicadas, preservando assim as diferentes culturas.

2 ARTE MARAJOARA
Na Ilha de Marajó, no estado do Pará, antes da chegada dos europeus, os
marajoaras, ainda não dominavam a escrita, mas possuíam uma habilidade incontestável
na modelagem da argila. Com alto grau de complexidade, combinando modelagem e
textura, a cerâmica Marajoara apresenta grafismos geométricos naturalistas, ou seja,
composições com plantas, formas humanas ou de animais diversos. Além disso, agregam
elementos estéticos dos padrões naturalmente estampados em peles e cascos de animais.
Esses desenhos estariam relacionados possivelmente às crenças dessas populações.

A cerâmica marajoara apresenta como característica particular a combinação


da modelagem à pintura, à incisão e à excisão, com representações de figuras
antropomorfas e zoomorfas. Urnas funerárias chegam a medir noventa centímetros de
diâmetro. Dentro delas, conforme Prous (2011, p. 74), “eram sepultados os ossos dos

27
mortos, acompanhados por tangas cerimoniais, também feitas de cerâmica”. O autor
alerta que além da cerâmica cerimonial, há também objetos de formas simples, de uso
diário, sem decorações.

Esses objetos, modelados com estilo particular, representam por meio da


linguagem visual e seus símbolos referências consideradas textos sem grafias, mas com
riqueza de simbologias capazes de expressar mensagens (AMORIM, 2010). A função
desses artefatos de cerâmica, portanto, além de cerimonial e utilitária, é também de
comunicação social.

FIGURA 32 – URNA FUNERÁRIA ANTROPOMORFA

FONTE: <https://bit.ly/3uG6DeFl>. Acesso em: 4 ago. 2021.

As tangas cerimoniais possuem desenhos lineares, pintados em vermelho


e preto sobre fundo branco, muitas vezes fazendo alusão a sapos ou cobras. Outras
vezes, decorações complexas remetem a animais ou ao rosto humano (PROUS, 2011).

FIGURA 33 – TANGAS

FONTE: <https://bit.ly/3oAaF7s>. Acesso em: 4 ago. 2021.

28
Motivos geométricos, como os do vaso globular marajoara representado na
figura a seguir, fazem referência ao movimento da água. As cores das pinturas podem
variar e, muitas vezes, a policromia se faz presente nas peças.

FIGURA 34 – VASO MARAJOARA

FONTE: <https://bit.ly/3A9rtob>. Acesso em: 4 ago. 2021.

DICA
Quer saber mais sobre a Cultura Marajoara? Confira “Cultura Marajoara,
um Breve Guia”. Acesse em: https://issuu.com/lmarcosdaniel/docs/um_
breve_guia_marajoara_.

3 CULTURA SANTARÉM
A cidade de Santarém, localizada no estado do Pará, no norte do Brasil, diante
do Rio Amazonas, observa o espetáculo do encontro de suas águas com o Rio Tapajós,
cada um com sua cor, sua beleza e seus mistérios. Foi nesse lugar, antes da chegada
dos europeus, que uma comunidade desenvolveu uma cultura que realizou o que Prous
(2011) denomina cerâmica cerimonial de destaque no que se refere à criação com argila:
a cerâmica Santarém, também conhecida por Tapajônica.

Prous (2011, p. 78) observa que os artistas “não alcançaram o nível da cerâmica
dos Marajoara nos jogos de incisão e excisão, de textura e de cor, mas desenvolveram
uma extraordinária virtuosidade na modelagem”, com riqueza de detalhes e símbolos.

Os artistas das margens do Tapajós conceberam, ainda, criações antropomorfas


em vasos cerimoniais decorados com três tipos de formas.

29
A primeira delas seria os vasos de gargalo, os quais possuem representações
de corpos de jacarés ou felinos, com duas cabeças. Possuem também figuras de sapos
ou macacos e, algumas vezes, figuras humanas. Prous (2011) relaciona essas peças com
cerâmicas produzidas por populações litorâneas do Equador.

FIGURA 35 – VASO DE GARGALO

FONTE: <https://issuu.com/bgoeldi_ch/docs/humanas_v13n1>. Acesso em: 1 ago. 2021.

Em segundo, encontramos os vasos de cariátides. Esses são pequenos


recipientes com figuras de urubu-rei, em diversas direções, rodeados por figuras
humanas femininas.

FIGURA 36 – VASO DE CARIÁTIDES

FONTE: <https://issuu.com/bgoeldi_ch/docs/humanas_v13n1>. Acesso em: 1 ago. 2021.

E, como terceira forma, encontram-se os grandes cálices com pedestal, os


quais são decorados com figuras de serpentes.

30
É importante observar que essas cerâmicas trazem figuras da mitologia
amazônica, como o muiraquitã, visto na figura seguinte e, também, onças, papagaios
e serpentes.

FIGURA 37 – MUIRAQUITÃ

FONTE: <https://bit.ly/3AclIWy>. Acesso em: 4 ago. 2021.

A figura a seguir representa uma das categorias de modelagem dos vasos


antropomorfos, uma pessoa sentada, em formato de barril, talvez representando a
mulher durante um parto.

FIGURA 38 – VASO ANTROPOMORFO

FONTE: <https://bit.ly/3a84ejH>. Acesso em: 4 ago. 2021.

Outra característica são pequenos furos que possivelmente eram utilizados para
prender enfeites. Há também indicação de que as mulheres eram responsáveis pela
criação dessas estatuetas antropomorfas com tamanhos entre 3,5 e 20 centímetros de
altura.

31
FIGURA 39 – ESTATUETA ANTROPOMORFA

FONTE: <https://bit.ly/3B8JW5t>. Acesso em: 4 ago. 2021.

Esses padrões da cerâmica Santarém são manifestações que possivelmente


chegaram ao Brasil pelo Rio Orinoco, que nasce na Venezuela e pelo Canal Cassiquiare
encontra o Rio Negro, que atinge o Rio Amazonas e, na cidade de Santarém ocorre o
encontro com o Rio Tapajós.

FIGURA 40 – MAPA HIDROGRÁFICO

FONTE: <https://bit.ly/3Fh2QcL>. Acesso em: 04 ago. 2021.

32
NOTA
O Canal Cassiquiare (ou Braço Cassiquiare ou, ainda, rio Cachequirique) é o
ponto de confluência entre duas das mais importantes bacias da América
do Sul, a do Amazonas, a maior do planeta, com 6,2 milhões de km² e a do
Orinoco, a terceira maior da América do Sul, com 948 mil km². Trata-se de
uma situação geográfica única; o Cassiquiare interliga naturalmente duas
das mais importantes bacias hidrográficas do mundo e é decisivo para
conformar a maior ilha marítimo-fluvial do planeta, a Ilha das Guianas, com
aproximadamente 1,7 milhão de km². O Cassiquiare tem se constituído em
tema de interesse geopolítico desde o começo da colonização e da conquista
ibérica no continente.

FONTE: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5533/1/BEPI_n18_Cassi-
quiare.pdf>. Acesso em: 25 set. 2021.

33
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A cerâmica Marajoara, com alto grau de complexidade, combina modelagem e


textura, além de apresentar grafismos geométricos naturalistas.

• A cerâmica cerimonial de Santarém, também conhecida por Tapajônica, é destaque no


que se refere à criação com argila, produzida com exímia habilidade nas modelagens.

• A cultura Santarém concebeu ainda criações antropomorfas em vasos cerimoniais


decorados com diferentes tipos de formas, como os vasos de gargalo, os vasos
cariátides e os cálices com pedestal.

34
AUTOATIVIDADE
1 Na Ilha de Marajó, no estado do Pará, antes da chegada dos europeus, os marajoaras,
ainda não dominavam a escrita, mas possuíam uma habilidade incontestável na
modelagem da argila. As cerâmicas dos povos marajoaras agregam elementos
estéticos que estariam relacionados possivelmente às crenças dessas populações.
Quais as características da produção da cerâmica Marajoara?

2 A cerâmica marajoara apresenta como característica particular a combinação


da modelagem à pintura, à incisão e à excisão, com representações de figuras
antropomorfas e zoomorfas. Objetos modelados com estilo particular, além de
função cerimonial e utilitária, são também referências consideradas textos sem
grafias, desenvolvidos pela cultura marajoara. Sobre os tipos de objetos produzidos
em cerâmica pelos marajoaras, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Vasos, urnas funerárias e togas.


b) ( ) Vasos, urnas funerárias e tangas.
c) ( ) Naus, tangas e urnas funerárias.
d) ( ) Naus, urnas funerárias e togas.

3 A cerâmica Santarém, também conhecida por Tapajônica, apresenta criações


antropomorfas em vasos cerimoniais decorados com três tipos de formas. Analise as
sentenças:

I- Vasos de gargalo possuem representações de corpos de jacarés ou felinos, com


duas cabeças; possuem figuras de sapos ou macacos e, algumas vezes, figuras
humanas. Vasos de cariátides são pequenos recipientes com figuras de urubu-rei,
em diversas direções, rodeados por figuras humanas femininas. Grandes cálices
com pedestal, decorados com figuras de serpentes.
II- Vasos de gargalo possuem representações de corpos de jacarés ou felinos, com
duas cabeças; possuem figuras geométricas e, algumas vezes, figuras humanas.
Vasos de cariátides são pequenos recipientes com figuras de urubu-rei, em diversas
direções, rodeados por figuras humanas femininas. Grandes cálices com pedestal,
decorados com figuras de serpentes.
III- Vasos de gargalo possuem representações de corpos de dinossauros, com duas
cabeças; possuem figuras de sapos ou macacos e, algumas vezes, figuras humanas.
Vasos de cariátides são pequenos recipientes com figuras de urubu-rei, em diversas
direções, rodeados por figuras humanas femininas. Grandes cálices com pedestal,
decorados com figuras geométricas.

35
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença I está correta.

4 Antes da chegada dos europeus, os povos que habitavam as margens do Rio Tapajós,
na cidade de Santarém, estado do Pará, desenvolveram a produção da cerâmica
cerimonial. Sobre qual a possibilidade dos padrões da cerâmica Santarém terem
chegado ao Brasil, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Possivelmente chegaram ao Brasil pelas águas do Rio Orinoco, que nasce na


Venezuela e pelo Canal Cassiquiare encontra o Rio Juruá, que atinge o Rio Tapajós,
na cidade de Santarém.
b) ( ) Possivelmente chegaram ao Brasil pelas águas do Rio Orinoco, que nasce na
Venezuela e, pelo Canal Cassiquiare, encontra o Rio Negro, que atinge o Rio Tapajós
na cidade de Santarém.
c) ( ) Possivelmente chegaram ao Brasil pelas águas do Rio Orinoco, que nasce
na Venezuela e, pelo Canal Cassiquiare, encontra o Rio Negro, que atinge o Rio
Amazonas e, na cidade de Santarém ocorre o encontro com o Rio Tapajós.
d) ( ) Possivelmente chegaram ao Brasil pelas águas do Rio Orinoco, que nasce na
Venezuela e, pelo Canal Cassiquiare que encontra o Rio Amazonas na cidade de
Santarém.

5 Os artistas das margens do Rio Tapajós, estado do Pará, conceberam criações com
riqueza de detalhes e símbolos. Caracterize e explique os elementos estéticos das
cerâmicas de Santarém.

36
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS DOS POVOS
PRIMITIVOS

1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que quando os europeus aportaram nas terras brasileiras, viviam
aqui diversas comunidades, espalhadas por todo o território. Povos que nas ricas
florestas viviam e da natureza extraíam seu sustento e suas tradições. Neste tópico,
abordaremos algumas das manifestações artísticas dos povos primitivos, expressões
de suas identidades e valioso meio de comunicação.

O mapa da figura a seguir, elaborado em 1515, representa a costa brasileira com


alguma vegetação, animais que avistaram na Terra Brasilis, caravelas chegando e figuras
de indígenas, que comprovam a existência de vida humana muito antes da chegada dos
portugueses.

FIGURA 41 – MAPA DA TERRA BRASILIS

FONTE: <encurtador.com.br/ltAJV>. Acesso em: 31 jul. 2021.

Hoje sabemos que, quando os europeus aqui aportaram, a presença humana


no território brasileiro contava com milhares de anos e os habitantes já possuíam seus
hábitos, costumes, tradições, bem como falavam idiomas diferentes do português.

37
Neste tópico serão abordadas algumas das manifestações artísticas dos
indígenas, bem como as características dessas produções, considerando que a arte era
e é ainda produzida por esses povos como elemento da vida cotidiana.

DICA
Como forma de complementar seus estudos, assista ao vídeo “Os primeiros
brasileiros”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=J8AS-aeqsfU.

2 ARTE INDÍGENA
A arte indígena permanece viva nas comunidades que superaram adversidades
e ainda conservam as tradições de seu povo. Como observa Tirapeli (2006, p. 14),
“diferentemente do que ocorre na cultura dos não-índios, a arte está presente em tudo
o que fazem. Em cada objeto existe a indicação de elementos simbólicos e espirituais,
como desenhos que representam os mitos que cultuam”. A arte denominada utilitária
recebe padrões decorativos de acordo com as crenças e a simbologia característica de
cada povo, a marca de cada identidade que precisa ser respeitada e preservada.

A arte indígena possui elementos estéticos próprios de cada cultura. Como


reforça Vidal (2000, p. 13) precisamos “usufruir e incluir no contexto das artes
contemporâneas, em pé de igualdade, manifestações estéticas de grande beleza e
profundo significado humano”, como muitos dos objetos da arte indígena em que é
possível perceber a habilidade técnica e artística, tanto no uso de materiais como na
composição de traços e cores. Esses detalhes podem ser apreciados nas cerâmicas, nas
cestarias, na arte plumária, nas máscaras e nas pinturas corporais dos povos indígenas,
que possuem riqueza de estilos.

DICA
No livro “Grafismos Indígenas: estudos de uma antropologia estética”, organizado
por Lux Vidal, encontramos uma coletânea de textos de diversos autores que
abordam sobre a riqueza estética dos grafismos produzidos pelos grupos
indígenas do Brasil. Acesse em: http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/
biblio%3Avidal-2000-grafismo/Vidal_2000_Grafismo_indigena_OCR.pdf.

38
2.1 CERÂMICA
As cerâmicas, produzidas nos diversos grupos indígenas existentes no Brasil,
são utilizadas para atividades diárias como armazenamento e preparo de alimentos,
transporte de água, entre outras funções da vida cotidiana.

A matéria prima da cerâmica é a argila, encontrada em diferentes cores, como


branca, cinza, ocre, vermelha, marrom, e até esverdeada. Geralmente retirada de
encostas de rios, por apresentar maior umidade, o que facilita o manuseio, esse material
de tonalidades diversas pode ser encontrado nos diferentes tipos de solos brasileiros.

A argila pode ser facilmente modelada, o que possibilita a versatilidade na


confecção de panelas, vasilhas, potes de formatos diversos. Segundo Prous (2011, p.
80-81) “a utilização de cerâmica permitiu o desenvolvimento de algumas técnicas que
favoreceram a ampliação nas maneiras de transformar os alimentos crus em pratos
nutritivos e apetitosos”. Além disso, com argila pode-se criar máscaras, brinquedos e
outros utensílios ou adornos.

A confecção das cerâmicas, além de habilidade manual, requer conhecimento


da extração da argila adequada. Para os indígenas Wayana, nos locais de coleta são
confeccionadas grandes bolas de argila, ligeiramente alongadas, enroladas em folhas
de sororoca – uma planta que se assemelha à bananeira –, depois levadas no cesto
cargueiro especial para transporte do material, produzido com cipó ou folhas de palmeira.

As figuras a seguir demonstram alguns dos objetos de cerâmica produzidos em


comunidades indígenas.

FIGURA 42 – POTE TIKUNA PARA ÁGUA

FONTE: <https://artsandculture.google.com/asset/_/PgF0M9SJHUbKDQ>. Acesso em: 31 jul. 2021.

39
A peça seguinte é um vaso, conhecido como camuti, que necessita ser produzido
com barro de boa qualidade para que o resultado seja uma peça perfeita. As cores
das pinturas aplicadas modificam-se após o processo de queima e envernizamento,
tornando-se mais escuras. Um pigmento amarelo torna-se mais laranja, por exemplo.

FIGURA 43 – POTE DO POVO BANIWA

FONTE: <http://tainacan.museudoindio.gov.br/museu-do-indio/14-11-37/>. Acesso em: 30 jul. 2021.

De formato irregular, a tigela zoomorfa apresentada na imagem a seguir possui


figura de macaco, com cabeça, cauda e membros, possivelmente utilizados como
apêndices para facilitar o manuseio.

FIGURA 44 – TIGELA ZOOMORFA DO POVO WAUJA

FONTE: <http://tainacan.museudoindio.gov.br/museu-do-indio/2537-2/>. Acesso em: 30 jul. 2021.

Atualmente a cerâmica do povo Karajá é muito conhecida pela confecção


de suas bonecas, como no exemplo da figura seguinte. Mais do que objetos lúdicos,
as ritxòkò são a expressão da cultura e da identidade desse grupo. Decoradas com
padrões mitológicos, possuem significados importantes, além de serem instrumentos
de socialização das crianças.

40
FIGURA 45 – BONECA KARAJÁ

FONTE: <https://artsandculture.google.com/asset/_/MQGMsifnFVXbQA>. Acesso em: 30 jul. 2021.

Os objetos de cerâmica guardam elementos místicos, muitas vezes, desde o


momento de sua produção, envolvendo rituais, cores e desenhos específicos, como
também crenças, como a do povo Wayana, em que “o contato direto com a argila pode
trazer malefícios e influenciar pessoas enfraquecidas” (VELTHEN; LINKE, 2014, p. 29).
Dentre alguns critérios desse povo durante a confecção das cerâmicas estão a proibição
às mulheres que estão de resguardo, grávidas ou em período menstrual. As que cuidam
do procedimento de queima são proibidas de tomar banho, comer, beber e falar alto. Os
animais são afastados para que o ambiente permaneça silencioso para que se obtenha
uma boa queima (VELTHEN; LINKE, 2014).

Os elementos místicos que habitam os objetos parecem penetrar neles por meio
dos materiais utilizados na sua confecção. Para os indígenas, um pincel, por exemplo,
possui seus próprios saberes, que influenciam o indivíduo durante a criação, como
ilustra o texto que segue.

A pintura e a pintura dos artefatos cerâmicos

Para as pinturas, os instrumentos empregados são variados, rígidos ou


flexíveis. Uns são denominados de itiktikmatop/itikyrotopo e são formados por finos
talos de palmeiras e pontas de algodão. Os que são designados como umhetpë/
usehpo, compreendem pequenas bolas de argila que prendem um chumaço do
cabelo da própria ceramista e assim são flexíveis. Esses pincéis de cabelo permitem
fazer traços extremamente finos e se destinam a pintar os vasos de cerâmica e a
roda-de-teto da casa cerimonial, a maluwana/maruwana.

Os pincéis são percebidos como elementos dotados de qualidades


especiais porque permitem elaborar os grafismos e, assim são também chamados
de imiliktop/imerotopo. Devido a esse fato, são compreendidos como possuidores

41
de uma característica que é aproximada a uma “forma de conhecimento”, pois
permite a esses instrumentos a execução dos desenhos. Os “saberes” dos pincéis
não são, entretanto, indiferenciados e, assim, os de talo de palmeira “conhecem”
apenas a decoração das grandes onças que é reproduzida através de pequenos
pontos. Os pincéis flexíveis de cabelo, por sua vez, “sabem” reproduzir, através de
um tracejado fino e acurado, as variadas pinturas corporais da serpente sobrenatural
Tulupele/Turupere.

A pintura dos grafismos é executada com os pincéis de cabelo no interior


do vasilhame cerâmico. São aplicadas sobre uma base de coloração ocre ou
castanho-avermelhado, anteriormente espalhada com um chumaço de algodão
nativo. O pincel de nervura com ponta de algodão permite o preenchimento dos
campos vazios, com desenhos pontilhados, uma tarefa das filhas adolescentes
da ceramista, visando o seu ensinamento. Esse mesmo tipo de pincel propicia as
possíveis correções do traçado dos grafismos. Uma pintura pronta, mas considerada
feia ou incorreta pode ser suprimida lavandose com água a superfície do vaso, o
qual é repintado depois de seco.

A fase final da confecção das vasilhas cerâmicas de uso ritual compreende


a aplicação, sobre a superfície interna do vaso, de um verniz protetor feito com
a seiva da jutaicica, mëpuk/mapuku, para impedir o desprendimento das tintas.
Essa atividade requer jejum alimentar absoluto por parte da ceramista, para que o
resultado seja satisfatório, isto é, para que o verniz se torne tão transparente como
água. Para a aplicação do verniz, o artefato deve estar aquecido para permitir que
o bastão de jutaicica deslize sobre a superfície, recobrindo-a uniformemente. Para
esse fim é apoiado sobre uma panela velha, contendo brasas.

A fase final da confecção das vasilhas cerâmicas para uso cotidiano


compreende a sua pintura interna e externa com um impermeabilizante para
que possam ser empregadas. Esse impermeabilizante é produzido a partir de
um vegetal, o ingá do mato – aputlukum/apurukuni – cuja entrecasca é colhida
e raspada e o sumo obtido misturado com um pouco d’água e, quase sempre,
com urucu, adquirindo assim uma cor avermelhada. Essa tintura é passada com os
dedos, podendo ser arranhada com as unhas para fazer alguns tipos de grafismos.
Os padrões produzidos com essa técnica são denominados de tëwupkai/iwynatopo
e são altamente valorizados pelos Wayana e Aparai, porque permitem visualizar,
na superfície dos vasilhames, os desenhos que, com suas garras, os animais
predadores, tais como onças e outros felinos, fazem nos troncos das árvores.

FONTE: Adaptada de VELTHEM, L. H. LINKE, I. L. V. O livro do Arumã: Wama Pampila: Aruma Papeh.
São Paulo: Iepé, 2014. p. 58-59.

42
2.2 CESTARIA
Como o nome indica, a cestaria indígena é um conjunto de objetos como
cestos, peneiras e outros utensílios confeccionados com elementos vegetais de certa
flexibilidade, para que trançados de extrema beleza e simbologia possam ser conduzidos
pelas mãos indígenas. Esses utensílios são fabricados para transportar cargas,
armazenar materiais e alimentos, peneirar produtos extraídos da natureza empregados
no preparo de alimentos ou ornamentos, coar ingredientes, entre outras funções.
Possuem diferentes formatos, tamanhos, desenhos e cores, obedecendo os costumes
das diferentes comunidades que utilizam esses recipientes. Os padrões decorativos dos
trançados variam e estão ligados às culturas de cada povo indígena.

O texto a seguir trata das narrativas míticas que integram os belos grafismos
das cestarias de alguns povos indígenas, como a serpente sobrenatural.

Os grafismos dos trançados

Para os povos de língua Carib, como os Yekuana, os Tiriyó, os Waiwai, os


Kaxuyana, os Wayana e Aparai uma serpente sobrenatural constitui a figura central
das narrativas míticas que descrevem a obtenção da cestaria e dos seus grafismos.
Para os Wayana e os Aparai trata-se da “cobra-grande” Tulupere e suas pinturas
corporais foram vistas e copiadas nos tempos da criação do universo. Os grafismos
encontrados nos artefatos elaborados pelos Wayana e Aparai são compreendidos,
portanto, como pertencentes ao repertório das pinturas corporais desse sobrenatural.

Os grafismos destinam-se ao corpo humano e aos objetos de todas as


categorias artesanais, femininas e masculinas. Os trançados de do universo
arumã exibem, entretanto, o mais numeroso e variado conjunto. Isso acontece
porque as técnicas de cestaria permitem evidenciar um aspecto importante que
é a distribuição das pinturas da “cobra-grande” em seu próprio corpo. Assim, no
seu rosto, flancos e torso estão distribuídos os grafismos que são reproduzidos
com arumã pintado, por meio da técnica de trama fechada. Na cauda e membros
estão os grafismos que são constituídos com técnicas de trama cerrada e vazada
que empregam o arumã com casca, não pintado. Esses grafismos só podem ser
apreciados no lado externo dos objetos trançados.

O ventre de Tulupere estava pintado com padrões especiais. Quando


reproduzidos em um artefato de cestaria podem ser vistos tanto na parte interna
quanto na externa. São apontados como sendo os mais belos e complexos grafismos
dos Wayana e Aparai e são reproduzidos apenas pelos mais habilidosos artesãos.
São dispostos nos cestos cargueiros decorados, e em cestos quadrangulares e em
adornos de máscaras.

43
Muitos fatores influenciam na escolha de um padrão a ser reproduzido
em um trançado, tais como a facilidade de execução, seu conhecimento, se
é apropriado para o objeto que se deseja confeccionar. No resultado final são
especialmente apreciadas a sua proporção e o ajuste correto das tiras de arumã,
ou seja, a habilidade técnica.

FONTE: Adaptada de VELTHEM, L. H. LINKE, I. L. V. O livro do Arumã: Wama Pampila: Aruma Papeh.
São Paulo: Iepé, 2014. p. 84-85.

Considerado o mais difícil dos trabalhos em cestaria, está o katari anon, ou cesto
cargueiro pintado com padrões decorativos. Feito de arumã, “uma planta herbácea
silvestre encontrada em terrenos úmidos da terra firme e que, ao ser colhida, volta a
brotar, sendo, portanto, renovável” (VELTHEN; LINKE, 2014, p. 26), é também resistente
e flexível, o que permite o traçado de motivos geométricos.

FIGURA 46 – CESTO CARGUEIRO

FONTE: Tirapeli (2006, p. 42)

A beleza dos grafismos produzidos nos trançados não possue apenas a função
de adorno. Os entrelaçamentos dos vegetais originam mais do que símbolos inspirados
na natureza, são verdadeiras histórias construídas nos fios de palha, contadas pelos
ancestrais a cada geração, fazendo viver a riqueza cultural dos povos indígenas.

44
FIGURA 47 – SÍLABAS GRÁFICAS DO POVO BANIWA

FONTE: <https://issuu.com/instituto-socioambiental/docs/arte_baniwa_web>. Acesso em: 5 ago. 2021.

Ponto a ponto, as fibras são trançadas, construindo simetrias e saberes. Das


tramas de materiais diversos, surgem elementos estéticos e formas geométricas que
remetem aos seres que guardam as fascinantes crenças das sociedades indígenas.
Muitas vezes os objetos recebem pinturas que destacam os elementos estéticos,
oferecendo mais beleza aos utensílios.

FIGURA 48 – CESTO KAMAYURÁ

FONTE: <http://maimuseu.com.br/site/search-results/?fwp_categoria=cestaria>. Acesso em: 5 ago. 2021.

45
2.3 ARTE PLUMÁRIA
De cores impressionantes e variadas, a arte plumária é utilizada pelos indígenas
como adorno festivo ou cotidiano. Tirapeli (2006, p. 47) afirma que a arte plumária é
mais do que adorno, “ela ganha caráter de uma linguagem codificada, não-verbal, que
indica o sexo, a idade e a filiação de seus portadores”. Além da diversidade de cores, as
composições dos adornos são caracterizadas pelo uso de plumas, penugens e penas
de diversas texturas e tamanhos, que formam arranjos de surpreendente beleza em
diademas, colares, pulseiras, brincos, cintos e outros enfeites.

A arte plumária não é mera combinação de elementos visuais, mas criações


estéticas de espetacular delicadeza e força ao mesmo tempo. A partir do conhecimento
das aves e da natureza, os povos indígenas desenvolvem criações emplumadas, muitas
vezes fazendo referência ao aspecto desses animais em suas cores e formas.

Inspirados nas características da fauna ornitológica local, os objetos e adornos


confeccionados são muitas vezes usados em ocasiões ritualísticas, como o manto
tupinambá, confeccionado com penas de guará, que ganhava destaque nos rituais
de canibalismo. Atualmente, segundo Tirapeli (2006), existem apenas seis exemplares
desses mantos, todos em museus da Europa.

FIGURA 49 - MANTO TUPINAMBÁ

FONTE: Tirapeli (2006, p. 16)

Os coloridos adornos de plumas possuem exuberante beleza e, mais do que


isso, são elementos muitas vezes destinados a representar a posição do indivíduo em
seu grupo. Para as culturas indígenas, adornos não são fantasias, mas objetos sagrados
no vasto universo de símbolos e crenças.

46
FIGURA 50 – GUERREIRO KAGWAHÍVA

FONTE: Bruno e Gomes (2010, p. 24)

NOTA
Atualmente é proibida a comercialização da arte plumária indígena para
preservar as aves brasileiras. Os artefatos plumários mais antigos que
conhecemos são dos Tupinambá e estão em coleções etnográficas europeias,
porque foram levadas para lá por aventureiros que tiveram contato com esses
indígenas – como no caso de Hans Staden, que levou um manto tupinambá
com ele ao retornar para a Europa (BASTOS; MINERINI, 2019, p. 13).

DICA
A Fundação Bienal, no ano de 1983, realizou a exposição “Arte plumária
no Brasil”. O catálogo pode ser visto em: http://www.bienal.org.br/
publicacoes/2127

47
2.4 MÁSCARAS
Na cultura indígena as máscaras possuem o papel de carregar em si simbologias
e importantes elementos estéticos. Utilizadas em diversos rituais, auxiliam nas
representações dos antepassados, criando ligação com os espíritos.

Cada um dos povos indígenas possui uma forma diferente de produzir as


máscaras, seja nos materiais, nas cores ou nos desenhos, mas sempre evidenciando
sua identidade e relacionando as suas manifestações culturais.

As máscaras não são apenas uma fantasia ou um objeto ritualístico, mas


um dispositivo capaz de potencializar a corporificação das entidades sobrenaturais,
aproximar referências espirituais e valores sagrados que orientam as sociedades
indígenas em todos os tempos.

As sociedades indígenas confeccionam suas máscaras a partir de materiais


extraídos da natureza, como palha, cascas, entre outros materiais. Vale lembrar que os
materiais naturais são sempre encontrados no entorno de onde vivem.

Em alguns grupos pode-se encontrar máscaras feitas de cerâmica. Algumas


máscaras recebem pinturas e ornamentos como desenhos de aves e outros animais,
sempre identificados pelos grafismos tradicionais de cada povo.

FIGURA 51 – MÁSCARA TIKUNA

FONTE: <http://maimuseu.com.br/site/search-results/?fwp_categoria=objetos-ritualisticos>.
Acesso em: 3 ago. 2021.

Algumas etnias indígenas brasileiras possuem rituais de iniciação das mulheres,


após a primeira menstruação, e dos homens, quando atingem cerca de quinze anos
de idade. Para esses rituais é muito comum o uso de máscaras cerimoniais, como a
máscara mostrada na Figura 51, confeccionada com materiais da região onde vive o
grupo e decoradas pinturas em urucum e jenipapo. A máscara apresentada na figura
seguinte representa o macaco-prego, é símbolo de proteção para a aldeia.
48
FIGURA 52 – MÁSCARA KAYAPÓ

FONTE: <http://maimuseu.com.br/site/search-results/?fwp_categoria=objetos-ritualisticos>.
Acesso em: 3 ago. 2021.

2.5 PINTURA CORPORAL


A pintura corporal é uma das marcas da expressão estética dos indígenas
brasileiros. Obviamente não há vestígios da arte de pintura corporal, mas têm-se
conhecimento de sua existência por meio das ilustrações feitas pelos europeus que por
estas terras passaram, como demonstra o registro de Hercule Florence, na figura a seguir:

FIGURA 53 – APIACÁS: AQUARELA DESENVOLVIDA EM 1828

FONTE: <https://www.ihf19.org.br/expo/obras.asp >. Acesso em: 5 ago. 2021.

49
Para Prous (2011, p. 106), “não há dúvida de que essa arte era praticada, pois foram
encontrados carimbos modelados de cerâmica nos estados de Goiás e da Bahia, que
permitiam aplicar um mesmo motivo repetidas vezes sobre o corpo”, assim como existem
algumas inscrições rupestres antropomorfas que indicam o uso da pintura corporal.

A pintura corporal é utilizada também para especificar a hierarquia tribal, com
padrões que estabelecem a marca de cada indivíduo dentro das sociedades, demonstrando
o papel de cada um na estrutura social do grupo. A utilização do corpo como suporte da
pintura pelos povos indígenas possui diversas funções: de ritualísticas à proteção ao sol,
insetos e maus espíritos. Prous (2011) expõe que as pinturas configuram as características
de cada integrante ou não da comunidade, pois variam de acordo com a situação da
pessoa, como ser casada, ter filhos etc. Outra característica é a imperfeição das pinturas
em momentos mais difíceis, como o luto.

Com pigmentos geralmente extraídos de vegetais, os indígenas brasileiros


costumam pintar o rosto e o corpo, tanto para as tarefas cotidianas como para eventos
especiais, como rituais de casamentos, caças, disputas, ou outras atividades.

Entre os Mebêngôkre, já no parto o urucum está presente. A mulher,


logo após parir, deve tomar uma infusão com as sementes da planta
para estancar o sangramento. A criança, assim que nasce, recebe
uma camada de tinta de urucum no corpo, sendo essa prática
entendida como o início do processo de aparentamento do recém-
nascido, uma forma de começar a estabelecer sua humanidade
(DEMARCHI, 2019, p. 155).

Para essa importante tradição, Tirapeli, anuncia que os pigmentos mais comuns
são “o jenipapo – que resulta em uma tinta de coloração negra – ou o urucum – que
produz uma tinta vermelha” (2006, p. 15). O vermelho do urucum é sinônimo de proteção
e beleza, além de simbolizar a humanidade. A cor negra produzida a partir do jenipapo
pode durar na pele por até quinze dias e atua na proteção contra os maus espíritos.
Pintam o corpo com diferentes motivos geométricos, que simbolizam elementos
tradicionais de cada cultura, como exposto na figura a seguir:

FIGURA 54 – GRAFISMOS INDÍGENAS

FONTE: <https://bit.ly/3a5tBma>.Acesso em: 1 ago. 2021.

50
A pele do corpo é suporte para pinturas, escarificações ou outros elementos que
cada cultura indígena traz. Conservar o que aprenderam com seus ancestrais é também
manter viva a história de seu povo.

FIGURA 55 – PINTURA EM VERMELHO E PRETO

FONTE: Demarchi (2019, p. 156)

Vidal (2000, p. 235), sobre a pintura de peixe mostrada na figura que segue,
relata que “o desenho único é abstrato, decorativo, mas igualmente simbólico: isto é,
traduz noções básicas do pensamento, cujo conteúdo se encontra na própria forma
do desenho e na tendência do estilo”. Além disso, os padrões gráficos de cada povo
indígena obedecem também às tradições dos antepassados.

FIGURA 56 – PINTURA DE PEIXE

FONTE: Vidal (2000, p. 235)

51
DICA
O Museu do Índio, situado no Rio de Janeiro (RJ), abriga um rico
acervo etnográfico dos povos indígenas no Brasil. São 19.918 objetos
contemporâneos, na sede, expressões da cultura material de
aproximadamente 150 povos indígenas que viveram e vivem no território
brasileiro. As peças de uso ritual e cotidiano, feitas dos mais variados
materiais como madeira, palha, argila etc., foram obtidas diretamente dos
índios por meio de doações e compras a partir de 1947. Acesse em: http://
tainacan.museudoindio.gov.br/.

52
LEITURA
COMPLEMENTAR
ANTES O MUNDO NÃO EXISTIA

Ailton Krenak

Os intelectuais da cultura ocidental escrevem livros, fazem filmes, dão


conferências, dão aulas nas universidades. Um intelectual, na tradição indígena, não
tem tantas responsabilidades institucionais, assim tão diversas, mas ele tem uma
responsabilidade permanente que é estar no meio do seu povo, narrando a sua história,
com seu grupo, suas famílias, os clãs, o sentido permanente dessa herança cultural.

Aqui nesta região do mundo, que a memória mais recente instituiu que se chama
América, aqui nesta parte mais restrita, que nós chamamos de Brasil, muito antes de ser
'América' e muito antes de ter um carimbo de fronteiras que separa os países vizinhos e
distantes, nossas famílias grandes já viviam aqui, são essa gente que hoje é reconhecida
como tribos. As nossas tribos. Muito mais do que somos hoje, porque nós tínhamos muitas
etnias, muitos grupos com culturas diversas, com territórios distintos. Esses territórios
se confrontavam, ou às vezes tinham vastas extensões onde nenhuma tribo estava
localizada, e aquilo se constituía em grandes áreas livres, sem domínio cultural ou político.

Nos lugares onde cada povo tinha sua marca cultural, seus domínios, nesses
lugares, na tradição da maioria das nossas tribos, de cada um de nossos povos, é que
está fundado um registro, uma memória da criação do mundo. Nessa antiguidade desses
lugares a nossa narrativa brota, e recupera o feito dos nossos heróis fundadores. Ali, onde
estão os rios, as montanhas, está a formação das paisagens, com nomes, com humor,
com significado direto, ligado com a nossa vida, e com todos os relatos da antiguidade que
marcam a criação de cada um desses seres que suportam nossa passagem no mundo.

Nesse lugar, que hoje o cientista, talvez o ecologista, chama de habitat, não
está um sítio, não está uma cidade nem um país. É um lugar onde a alma de cada
povo, o espírito de um povo, encontra a sua resposta, a resposta verdadeira. De onde
sai e volta, atualizando tudo, o sentido da tradição, o suporte da vida. O sentido da vida
corporal, da indumentária, da coreografia das danças, dos cantos. A fonte que alimenta
os sonhos, os sonhos grandes, o sonho que não é somente a experiência de estar tendo
impressões enquanto você dorme, mas o sonho como casa da sabedoria.

Vocês têm uma instituição que se chama universidade, escola, e têm a


instituição que se chama educação. Todas estas instituições: educação, escola,
universidade, elas estão no sonho, na casa do conhecimento. Esse sonho tem um

53
aprendizado para o sonho. E, quando nós sonhamos, nós estamos entrando num outro
plano de conhecimento, onde nós trocamos impressões com os nossos ancestrais, não
só no sentido de nossos antigos, meus avós, meu bisavô, gerações anteriores, mas com
os fundadores do mundo. Tomara que a palavra habitat tenha esse sentido que estou
pensando, que ela não seja só um sítio, uma cidade, ou lugar só na geografia, que ela
tenha também espírito, porque, se ela tiver espírito, então eu consigo expressar uma
ideia que aproxima, para você, o lugar de onde estou tentando contar um pouco da
memória que nós temos de criação do mundo, quando o tempo não existia.

Quando eu vejo as narrativas, mesmo as narrativas chamadas antigas, do


Ocidente, as mais antigas, elas sempre são datadas. Nas narrativas tradicionais do nosso
povo, das nossas tribos, não tem data, é quando foi criado o fogo, é quando foi criada a
lua, quando nasceram as estrelas, quando nasceram as montanhas, quando nasceram
os rios. Antes, antes, já existe uma memória puxando o sentido das coisas, relacionando
o sentido dessa fundação do mundo com a vida, com o comportamento nosso, como
aquilo que pode ser entendido como o jeito de viver. Esse jeito de viver que informa a
nossa arquitetura, nossa medicina, a nossa arte, as nossas músicas, nossos cantos.

Nós não temos uma moda, porque nós não podemos inventar modas. Nós
temos tradição, e ela está fincada em uma memória de antiguidade do mundo, quando
nós nos fazemos parentes, irmãos, primos, cunhados, da montanha que forma o vale
onde estão nossas moradias, nossas vidas, nosso território. Aí, onde os igarapés, as
cachoeiras, são nossos parentes, ele está ligado a um clã, está ligado a outro, ele está
relacionado com seres que são aquilo que chamaria de fauna, está ligado com os seres
da água, do vento, do ar, do céu, que liga cada um dos nossos clãs, e de cada uma das
nossas grandes famílias no sentido universal da criação.

Algumas danças nossas, que algumas pessoas não entendem, talvez achem
que a gente esteja pulando, somente reagindo a um ritmo da música, porque não
sabem que todos esses gestos estão fundados num sentido imemorial, sagrado. Alguns
desses movimentos, coreografias, se você prestar atenção, ele é o movimento que o
peixe faz na piracema, ele é um movimento que um bando de araras faz, organizando
o vôo, o movimento que o vento faz no espelho da água, girando e espalhando, ele é o
movimento que o sol faz no céu, marcando sua jornada no firmamento e é também o
caminho das estrelas, em cada uma das suas estações. Por isso que eu falei a você de
um lugar que a nossa memória busca a fundação do mundo, informa a nossa arte, a
nossa arquitetura, o nosso conhecimento universal.

Alguns anos atrás, quando eu vi o quanto que a ciência dos brancos estava
desenvolvida, com seus aviões, máquinas, computadores, mísseis, eu fiquei um pouco
assustado. Eu comecei a duvidar que a tradição do meu povo, que a memória ancestral do
meu povo, pudesse subsistir num mundo dominado pela tecnologia pesada, concreta. E
que talvez fosse um povo como a folha que cai. E que a nossa cultura, os nossos valores,
fossem muito frágeis para subsistirem num mundo preciso, prático: onde os homens

54
organizam seu poder e submetem a natureza, derrubam as montanhas. Onde um homem
olha uma montanha e calcula quantos milhões de toneladas de cassiterita, bauxita, ouro
ali pode ter. Enquanto meu pai, meu avô, meus primos, olham aquela montanha e veem
o humor da montanha e veem se ela está triste, feliz ou ameaçadora, e fazem cerimônia
para a montanha, cantam para ela, cantam para o rio, mas o cientista olha o rio e calcula
quantos megawatts ele vai produzir construindo uma hidrelétrica, uma barragem.

Nós acampamos no mato, e ficamos esperando o vento nas folhas das árvores,
para ver se ele ensina uma cantiga nova, um canto cerimonial novo, se ele ensina, e você
ouve, você repete muitas vezes esse canto, até você aprender. E depois você mostra
esse canto para os seus parentes, para ver se ele é reconhecido, se ele é verdadeiro. Se
ele é verdadeiro ele passa a fazer parte do acervo dos nossos cantos, mas um engenheiro
florestal olha a floresta e calcula quantos milhares de metros cúbicos de madeira ele
pode ter. Ali não tem música, a montanha não tem humor, e o rio não tem nome. É tudo
coisa. Essa mesma cultura, essa mesma tradição, que transforma a natureza em coisa,
ela transforma os eventos em datas, tem antes e depois. Data tudo, tem velho e tem
novo. Velho é geralmente algo que você joga fora, descarta, o novo é algo que você
explora, usa. Não há reverência, não existe o sentido das coisas sagradas. Eu fiquei com
medo. Eu fiquei pensando: e agora?

Parecia que eu estava vendo um grande granito parado na minha frente. Eu


não podia olhar. Fiquei muitos dias sem graça até que eu ganhei um sonho. Ganhei
um sonho desses que eu falei com vocês que não é só uma impressão de estar vendo
coisas dormindo, mas para nós o sonho é um sonho de verdade, um sonho verdadeiro,
e tem sonho, sonho de verdade é quando você sente, comunica, recupera a memória
da criação do mundo onde o fundamento da vida e o sentido do caminho do homem
no mundo é contado para você. Você toma, aprende como se estivesse dentro de um
rio. Esse rio, você fica olhando ele, depois você volta, aí você olha. Não é o mesmo rio
que você está vendo, mas é o mesmo. Porque se você fica olhando o rio, a alma dele
está correndo, passando, passando... mas o rio está ali. Então ele é sempre, ele não foi,
é sempre. Não existiu uma criação do mundo e acabou! Todo instante, todo momento,
o tempo todo é a criação do mundo. Por isso que no sonho a gente entra dentro dele,
aprende, alimenta o espírito.

Esse sonho veio me mostrar que aquela caricatura de poder que os homens
estavam inventando aqui na terra é só uma simulação, porque eu pude encontrar, andar
junto com os meus parentes, meu irmão mais velho, que na nossa língua original se
chama Kiãnkumakiã. Esse irmão mais velho que estava com a gente sempre, desde a
fundação do mundo, só que não é Deus. E nós vimos os meninos, os rapazes andando
num campo bonito, vasto. Uma relva baixinha e os rapazes traziam na mão esquerda
feixes de varas, daquelas varas sem gomo, lisas, taboca de fazer flecha, mas na ponta
não tinha lâmina, na ponta tinha pendão assim igual ao trigo florando. Um grupo grande,
incontável de rapazes e um guerreiro mais maduro, que estava de lado, só mostrando
uma parte do rosto, a vista apontando para o leste. Quando olhei assim eu vi um grande

55
lago, saindo quase da mesma altura da terra firme. Aí aqueles moços foram andando
para lá e, num gesto, eles se transportavam para outro lugar firme, para a outra margem
de um lago muito grande, que liga tudo, numa canoa grande de luz, como se fosse de
luzes assim... com gesto de vontade, só com a vontade. Não tem foguete, míssil que
faz isso, tecnologia que se inventa. E todo esse 'futuro' já aconteceu na fundação do
mundo. Os meus irmãos mais velhos já conhecem tudo isso. Então, de sonho é isso. É
um caminho que só podemos fazer dentro da tradição e aprender que além do nosso
conhecimento restrito sobre uma ou outra coisa avançada para uma percepção que é
integral, tudo está ligado, as coisas que têm existência física, elas foram todas fundadas
a partir da palavra que foi ordenando a criação do mundo, que quando nós narramos as
histórias antigas nós criamos o mundo de novo, limpamos o mundo.

Então, antes do mundo, existia não só a história dos espíritos, dos elementos,
mas a história de todos os nossos povos antigos que conseguiram, ao longo dos tempos,
manter essa memória da criação do mundo. Existem milhões de toneladas de livros,
arquivos, acervos, museus guardando uma chamada memória da humanidade. E que
humanidade é essa que precisa depositar sua memória nos museus, nos caixotes? Ela
não sabe sonhar mais. Então ela precisa guardar depressa as anotações dessa memória.
Como essas duas memórias se juntam, ou não se juntam? É muito importante para
nossos povos tradicionais que ainda guardam essa memória, herdeiros dessa tradição,
cada vez mais restrita no planeta, ilhados em alguns cantinhos do Pacífico, da Ásia, da
África, aqui da América, num mundo cada vez mais mudado pelo homem, onde o dia
e a noite já não têm mais fronteira, porque inventaram artifícios para ele rodar direto,
dia-noite-dia. Quando o homem rompe a separação entre o dia e a noite, como ele
vai sonhar? Quando os homens trabalham de dia, de noite, de dia, de noite, qualquer
hora, eles estão se parecendo muito com a criação dos homens mesmo, que são as
máquinas, mas muito pouco parecido com o criador do homem, que é o espírito.

Para esses pequeninos grupos humanos, nossas tribos, que ainda guardam
essa herança de antiguidade, esta maneira de estar no mundo, é muito importante que
essa humanidade que está cada vez mais ocidental, civilizada e tecnológica, lembre,
ela também, dessa memória comum que os humanos têm da criação do mundo, e
que consigam dar uma medida para sua história, para sua história que está guardada,
registrada nos livros, nos museus, nas datas, porque, se essa sociedade se reportar a
uma memória, nós podemos ter alguma chance. Senão, nós vamos assistir à contagem
regressiva dessa memória no planeta, até que só reste a história. E, entre a história e a
memória, eu quero ficar com a memória.

FONTE: Adaptada de KRENAK, A. Adaptada de Antes, o mundo não existia. In: NOVAES, A. (org.). Tempo e
história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

56
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Quando os europeus aportaram nas terras brasileiras, viviam aqui diversas


comunidades, espalhadas por todo o território: os povos indígenas, que nas ricas
florestas viviam e da natureza extraíam seu sustento e suas tradições.

• A arte indígena, com grande riqueza de estilos, pode ser apreciada nas cerâmicas,
nas cestarias, na arte plumária, nas máscaras, nas pinturas corporais dos povos. É
também rica em mistérios e simbologias.

57
AUTOATIVIDADE
1 A arte indígena, admirada desde a chegada dos europeus, permanece viva nas
comunidades que superaram adversidades e ainda conservam as tradições de seu
povo. Aponte as características e em quais objetos são encontrados esses detalhes.

2 As cerâmicas, produzidas nos diversos grupos indígenas existentes no Brasil, são


utilizadas para atividades diárias como armazenamento e preparo de alimentos,
transporte de água, entre outras funções da vida cotidiana. Especifique qual é a
matéria prima da cerâmica e qual sua origem.

3 Na pintura corporal indígena são utilizados cores e traços que simbolizam proteção e
beleza. Para conseguir essas cores, os povos utilizam pigmentos naturais. Sobre os
pigmentos mais comuns e de onde são extraídos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os pigmentos mais comuns são o violeta, extraído do caramujo e o vermelho,


extraído do urucum.
b) ( ) Os pigmentos mais comuns são o preto, extraído do jenipapo e o amarelo,
extraído da cúrcuma.
c) ( ) Os pigmentos mais comuns são o azul, extraído do lápis lazuli e o carmim,
extraído da cochonilha.
d) ( ) Os pigmentos mais comuns são o preto, extraído do jenipapo e o vermelho,
extraído do urucum.

4 Na arte plumária indígena, além da diversidade de cores, as composições dos


adornos formam arranjos de surpreendente beleza em diademas, colares, pulseiras,
brincos, cintos e outros enfeites. Indique os materiais básicos utilizados nessa arte,
assinalando a alternativa CORRETA:

a) ( ) Na arte plumária dos indígenas são utilizadas plumas, galhos e folhas de diversas
texturas, tamanhos e cores.
b) ( ) Na arte plumária dos indígenas são utilizadas plumas, penugens e penas de
diversas texturas, tamanhos e cores.
c) ( ) Na arte plumária dos indígenas são utilizados pelos, penugens e folhas de
diversas texturas, tamanhos e cores.
d) ( ) Na arte plumária dos indígenas são utilizados pelos, penugens e penas de
diversas texturas, tamanhos e cores.

58
5 A cestaria indígena é um conjunto de objetos como cestos, peneiras e outros utensílios
confeccionados com elementos vegetais de certa flexibilidade. Possuem diferentes
formatos, tamanhos, desenhos e cores, obedecendo os costumes das diferentes
comunidades que utilizam esses recipientes. Os padrões decorativos dos trançados
variam e estão ligados às culturas de cada povo indígena. Analise as sentenças sobre
a finalidade dos utensílios fabricados:

I- Esses utensílios são fabricados para transportar cargas, armazenar dados e


equipamentos tecnológicos.
II- Esses utensílios são fabricados para transportar cargas, armazenar materiais e
alimentos.
III- Esses utensílios são fabricados para acabamento das construções utilizadas para
moradia.
IV- Esses utensílios são fabricados para peneirar produtos extraídos da natureza
empregados no preparo de alimentos ou ornamentos, coar ingredientes.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença I está correta.

59
REFERÊNCIAS
AMORIM, L. B. Cerâmica marajoara: a comunicação do silêncio. Belém: Museu
Paraense Emílio Goeldi, 2010.

BASTOS, A. A. T.; MINERINI, J. História da arte brasileira. São Paulo: Editora


Senac, 2019.

BRUNO A. C., GOMES, S. C. Org. A arte plumária dos povos kagwahíva da


transamazônica: etnias tenharim, parintintin e diahoi. Manaus: Editora INPA, 2010.

COELHO, T. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. 2. ed.


São Paulo: Iluminuras, 2014.

DEMARCHI, A. Artes da cura: pinturas corporais em alguns grupos Jê. Revista


de @ntropologia da UFSCar, Buri, SP, v. 11, n. 2, p. 142-166, jul./dez. 2019.
Disponível em: http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2020/06/6.pdf.
Acesso em: 1 ago. 2021.

FUNARI, P. P., NOELLI, F. S. Pré-História do Brasil. 4. ed. São Paulo: Contexto,


2020.

GASPAR, M. A arte rupestre no Brasil: descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro:


Zahar, 2003.

GASPAR, M. Sambaqui: arqueologia do litoral brasileiro.2 ed. Rio de Janeiro:


Zahar, 2000.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Bens


Arqueológicos Tombados, c2021. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/
cna/pagina/detalhes/895/. Acesso em: 25 set. 2021.

KRENAK, A. Antes, o mundo não existia. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo
e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. Disponível em: https://
docplayer.com.br/12411274-Antes-o-mundo-nao-existia-ailton-krenak.html.
Acesso em: 30 jul. 2021.

LOPES-ALVES, M. Para além de Santarém: os vasos de gargalo na bacia do rio


Trombetas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas,
Taubaté, SP, v. 13, n. 1, p. 11-36, jan.-abr. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E


A CULTURA (Unesco). Patrimônio Mundial no Brasil. Brasília, DF, c2021.
Disponível em: https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/world-
heritage-brazil. Acesso em: 25 set. 2021.

60
PROUS, A. Artes Pré-Históricas do Brasil. Belo Horizonte: C/Arte, 2011.

PROUS, A. O Brasil antes dos brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

TIRAPELI, P. Do pré-colonial à contemporaneidade. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, 2006.

VELTHEM, L. H. LINKE, I. L. V. O livro da argila: Ëliwë Pampila. São Paulo: Iepé,


2017.

VELTHEM, L. H. LINKE, I. L. V. O livro do Arumã: Wama Pampila. São Paulo: Iepé,


2014.

VIDAL, L. (Org.) Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. 2. ed. São


Paulo: Studio Nobel: FAPESP, Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

61
62
UNIDADE 2 —

INFLUÊNCIAS CULTURAIS
NA ARTE BRASILEIRA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• reconhecer as correntes artísticas que influenciaram a arte brasileira;

• compreender como a diversidade cultural e étnica manteve muitas de suas


características;

• identificar os estilos que constituem a arte colonial;

• caracterizar obras de artistas de acordo com os estilos ou escolas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – DIFERENTES CULTURAS CRIANDO A ARTE NO BRASIL


TÓPICO 2 – ARTE DO PERÍODO COLONIAL NO BRASIL
TÓPICO 3 – FRUTOS DE UMA ÉPOCA REAL

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

63
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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64
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
DIFERENTES CULTURAS CRIANDO A ARTE
NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, neste tópico iremos caminhar mais adiante pelas trilhas da
história, observando as diversas influências culturais que conduziram a formação do
país, bem como o papel da arte nesse processo. Com a chegada dos europeus ao
Brasil, a partir do século XVI, iniciaram-se diversas transformações no território que já
era habitado por povos indígenas. Portugal queria imprimir uma nova identidade com
características europeias. Nessa direção, o governo português, considerando o Brasil
sua propriedade, procurava importar a cultura europeia e eliminar os costumes dos
chamados silvícolas que aqui viviam.

Os europeus queriam registrar informações sobre o Brasil, tendo passado por aqui
muitos artistas viajantes e aventureiros que enfrentaram a longa travessia do Atlântico
para conhecer as belezas e mistérios do Novo Mundo. Muitos permaneceram por vários
anos nas terras brasileiras, construindo com suas obras a história e perpetuando a
memória do nosso país.

Dessa maneira, a arte e seu conjunto de linguagens, constitui-se um elemento


fundamentalmente importante para o conhecimento histórico, pois por meio dela é
possível registrar e representar cenários e narrativas apresentando a história de forma
completa e magistral, como poderemos ver em algumas obras elencadas neste tópico.

2 REGISTROS DO BRASIL NA VISÃO DOS EUROPEUS


Ao virar as páginas da história, a arte mostra-se importante em sua função
enquanto possível memória cultural por meio da representação de acontecimentos, que
permite ser realizada pela retratação de pessoas, de espaços, de costumes, de sentidos,
entre tantas outras leituras simbólicas que podem ser feitas. Desde os mais antigos
tempos, mesmo antes do advento da escrita, conhecemos nossa história por meio de
imagens. São verdadeiros documentos imagéticos que nos transportam através do
tempo. Nessa direção, compreendemos acontecimentos e consequências desses que
fizeram e fazem o panorama dos períodos históricos do nosso país.

65
No cenário histórico do Brasil, mesmo antes das primeiras missões artísticas,
muitas narrativas foram ilustradas e muitos artistas produziram imagens apenas a
partir de descrições e histórias contadas, sem ter conhecido o Brasil, como é o caso de
Théodore de Bry (1528-1598), que ilustrou os escritos de Jean de Léry (1534-1611), o qual
viveu cerca de um ano com o povo Tupinambá, como mostrado na ilustração a seguir:

FIGURA 1 – OBRA “INDÍGENAS CANIBAIS”, CRIADA PELO ARTISTA THÉODORE DE BRY EM 1592

FONTE: Amália e Minerini (2019, p. 22)

Essas histórias reais e ficcionais, contadas em imagens, nos mostram


todo o caminho da formação social e política do nosso país. Sem elas não teríamos
conhecimento sobre nossa história e de nossos antepassados.

2.1 CENAS DO BRASIL NA REPRESENTAÇÃO DOS HOLANDESES


Segundo Bueno (2012), ao desembarcar em Recife, Maurício de Nassau (1604-
1679) trouxe em sua comitiva 46 artistas, cientistas, artífices e sábios, com a pretensão
de fundar uma universidade. Sua comitiva realizou registros por cerca de sete anos,
entre 1637 e 1644, considerada a primeira missão artística que, segundo Tirapeli (2010a),
veio ao Brasil com o objetivo de retratar as conquistas dos colonizadores europeus e
mostrá-las na Europa, a fim de captar financiamentos para os empreendimentos.

66
INTERESSANTE
Quem foi Maurício de Nassau?
Johann Mauritius van Nassau-Siegen nasceu em 17 de agosto de 1604, em
Dillenburg, na Alemanha. Era neto do conde João VI, por sua vez irmão do príncipe
Guilherme de Orange, fundador dos Países Baixos. Pelo lado da mãe, seu bisavô
foi Cristiano III, rei da Dinamarca. Embora ingressasse aos 14 anos na carreira
militar, Nassau teve formação humanista: na Universidade da Basileia, estudou
teologia, filosofia, matemática, música, ciências de guerra, boas maneiras,
esgrima e equitação. Tornou-se coronel aos 25 anos, lutou contra a Espanha,
encomendou quadros de Rembrandt e iniciou a construção de uma mansão em
Haia. Em agosto de 1636, foi convidado pela WIC1 para ser governador-geral do
Brasil holandês. Como o salário de 1.500 florins mensais (mais um adiantamento
de 15 mil florins e 2% sobre o total das presas de guerra) fosse atraente – e os
gastos com sua nova casa, grandes –, Nassau aceitou. Em 23 de janeiro de 1637,
chegou ao Recife, com três mil soldados, oitocentos marinheiros e seiscentos
indígenas e negros.
Foi nas terras baixas localizadas na confluência dos rios Capibaribe e Beberibe (zona alagadiça
que lembrava a Holanda) que Nassau ergueu a Cidade Maurícia, símbolo de sua administração.
Ali, na ilha de Antônio Vaz (hoje bairro de Santo Antônio), construiu, à própria custa, o Vrijburg,
sua residência oficial, também chamada Palácio Friburgo ou das Torres (imagem abaixo). “No
meio daquele areal infrutuoso, plantou um jardim e todas as castas de árvores de fruta que
dão no Brasil”, escreveu frei Manuel Calado, padre português que conheceu o lugar. Entre
milhares de flores e frutos, Nassau plantou também dois mil coqueiros. Fez um zoológico
com todos os tipos de animais encontráveis no país. O conde adorava “que todos fossem
ver suas curiosidades”. O conde construiu também o Palácio Boa Vista, onde despachava os
assuntos oficiais. Nassau não agiu apenas em benefício próprio. Deu ao povo pão e circo:
contrário à monocultura, obrigou senhores de engenho a plantar mandioca, “o pão do Brasil”.
Por decreto, proibiu a derrubada dos cajueiros, já quase em extinção. Ladeou as ruas com
mamoeiros, jenipapeiros e mangueiras. Proibiu, por edital, “o lançamento do bagaço de cana
nos rios e açudes”, evitando mortandade de peixes que alimentavam os pobres. Promoveu
cavalhadas, peças de teatro e a famosa farsa do boi voador. Convocou a primeira assembleia
legislativa democrática do continente. Permitiu a construção de sinagogas, aproximou
calvinistas e católicos (só não fez concessões aos jesuítas). O povo o comparava a Santo
Antônio, “a quem ninguém recorria sem se ver atendido”.

FONTE: BUENO, E. Brasil, uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de Janeiro,
Leya, 2012. 480 p.

Na expedição de Nassau, estavam os artistas Frans Post (1612-1680), Albert


Eckhout (1610-1665), Georg Marcgraf (1610-1644) e Zacharias Wegener (1614-1668),
responsáveis pelos registros das imagens e descrições em mapas e ilustrações
de aspectos peculiares do Brasil, que hoje nos permitem, mesmo pelo olhar desses
holandeses, conhecer nosso passado, como trazem Amália e Minerini (2019, p. 17):

Artistas viajantes chegaram ao Brasil já na primeira metade do século


XVI, cujos registros textuais e imagéticos foram publicados em
folhetins e livros editados em vários países europeus, alimentando o
imaginário do velho continente e instigando aventureiros que foram
os responsáveis pelos primeiros registros sobre o Brasil após 1500.

67
Os artistas viajantes Frans Post, Albert Eckhout, Georg Marcgraf e Zacharias
Wegener foram responsáveis por desenhar e pintar paisagens locais, etnias brasileiras, a
fauna, a flora, e elaborar os mapas da ocupação holandesa no Nordeste brasileiro. Frans
Post, segundo Teixeira Leite e Mendes Silva (2015, posição 1062), “utilizou a paleta de
cores holandesa para representar as nossas cenas tropicais, mostrando um desenho
sóbrio e simplificado, mantendo a luminosidade da atmosfera local”, sendo o primeiro
pintor a registrar as peculiaridades das paisagens brasileiras.

Post foi considerado o artista mais importante da expedição. Realizava suas


obras em traçado de perspectiva que valorizava o céu e os movimentos das nuvens,
como mostra uma de suas obras na figura a seguir:

FIGURA 2 – OBRA “ENGENHO DE AÇÚCAR”, CRIADA PELO ARTISTA FRANS POST EM 1668

FONTE: Mendes Silva (2015, posição 1006)

A pintura de Post apresenta um largo campo de visão ao espectador, em uma


composição perfeita e minuciosa, com cores fotográficas, quase reais.

Albert Eckhout retratou habitantes, fauna e flora. Teixeira Leite e Mendes Silva
(2015, posição 1041), ressaltam que “para os artistas holandeses da época, flores e frutos
passaram a ser um tema principal. Bueno (2012, p. 165) expõe que “as frutas brasileiras
foram retratadas com frescor nos quadros de Eckhout. Tanto ele como o próprio Nassau
achavam que o abacaxi e o caju poderiam se transformar em símbolos da fertilidade e do
exotismo dos trópicos”. A figura seguinte comprova a beleza da representação de Eckhout.

68
FIGURA 3 – OBRA “NATUREZA MORTA”, CRIADA PELO ARTISTA ALBERT ECKHOUT, S/D

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 46)

Suas naturezas mortas eram novidade por estas terras e Eckhout abraçou os
temas da cultura brasileira, como explica Mendes Silva (2015, posição 1126):

Eckhout impõe o registro objetivo do que viu, relegando para segundo


plano fantasias decorativas. A presença do negro está intimamente
ligada ao engenho de açúcar. Nesses temas, o legado do pintor
inclui oito pinturas de avantajadas dimensões, onde figuram quatro
casais de “tipos étnicos” das então chamadas Índias Ocidentais. Ao
lado de índios e negros há também mamelucos e mulatos sendo,
todavia, excluídos os portugueses e outros tipos europeus. Esta
documentação representa um panorama antropológico inédito, a
respeito da mestiçagem das raças e da hibridização das culturas.

As obras de Albert Eckhout são consideradas documentos de importância


científica e etnográfica, de qualidade técnica quanto ao uso das cores e composições.

Zacharias Wagener, mesmo não sendo artista profissional, deixou algumas


imagens de figuras humanas e muitos registros da fauna e da flora do Brasil com
características científicas, identificando e registrando diversas espécies, como mostrado
na figura seguinte:

69
FIGURA 4 – OBRA “CAJUS”, CRIADA PELO ARTISTA ZACHARIAS WAGENER EM 1641

FONTE: <http://bit.ly/3trjjph>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Georg Marcgraf realizou estudos cartográficos e produziu mapas verdadeiramente


preciosos, com detalhes da fauna, flora, etnografia e astronômicos, com descrições
detalhadas, como o exemplo da figura a seguir:

FIGURA 5 – OBRA “CARTA DA PARAÍBA”, CRIADA PELO ARTISTA GEORG MARCGRAF EM 1647

FONTE: Mendes Silva (2015, posição 1208)

Além desses, podem ser encontrados outros documentos de viajantes


independentes que contém registros valiosos, com descrições e ilustrações que contam
muito do que encontraram no Brasil, por meio dos quais podemos conhecer o território
e a cultura brasileira desde os tempos coloniais.

70
DICA
Conheça o documentário sobre as primeiras expedições e viajantes que
estiveram no Brasil entre os séculos XVI e XIX.
Acesse os episódios da série em:
Episódio 1: https://youtu.be/5CECkxBtZQc.
Episódio 2: https://youtu.be/qjKGpUu3Zi8.
Episódio 3: https://youtu.be/xEKr4jOoa4A.
Episódio 4: https://youtu.be/nh9ntKXYKXE.

Veja também o documentário sobre o Brasil dos holandeses que conta


sobre os registros dos artistas da expedição de Maurício de Nassau:
https://tvbrasil.ebc.com.br/expedicoes/episodio/brasil-dos-holandeses.

71
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Muitos europeus viajantes enfrentaram a longa travessia do Atlântico para conhecer


as belezas e mistérios do Novo Mundo, registraram a história e perpetuaram a memória
do nosso país. Alguns aventureiros, mesmo antes das primeiras missões artísticas
narraram suas experiências, que foram ilustradas apenas a partir dessas descrições.

• Frans Post, Albert Eckhout, Georg Marcgraf e Zacharias Wagener foram responsáveis
pelos registros das imagens e descrições em mapas e ilustrações de aspectos
peculiares do Brasil.

• A arte e seu conjunto de linguagens constituem-se como elemento


fundamentalmente importante para o conhecimento histórico e cultural, pois por
meio dela é possível registrar e representar cenários e narrativas reais e imaginárias.

72
AUTOATIVIDADE
1 O artista Théodore de Bry ilustrou os escritos de qual viajante que viveu por cerca
de um ano com o povo Tupinambá no Brasil. Com relação ao exposto, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Barão de Langsdorff.
b) ( ) Georg Marcgraf.
c) ( ) Jean de Léry.
d) ( ) Víctor Meirelles.

2 Maurício de Nassau desembarcou em Recife com uma comitiva de artistas, cientistas,


artífices e sábios, considerada a primeira missão artística a aportar no Brasil. Descreva
qual foi o objetivo de Maurício de Nassau, ao trazer a comitiva que permaneceu no
país por cerca de sete anos, entre 1637 e 1644.

3 Um dos artistas da comitiva de Nassau destacou-se por ilustrar com maestria os


temas da cultura brasileira. Suas naturezas mortas trazem o registro das frutas
tropicais do Brasil. Suas obras são consideradas documentos de importância científica
e etnográfica, de qualidade técnica quanto ao uso das cores e composições. Quem foi
esse talentoso artista? Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Maurício de Nassau.
b) ( ) Barão de Langsdorff.
c) ( ) Albert Eckhout.
d) ( ) Georg Marcgraf.

4 Os registros das imagens e as descrições em mapas e ilustrações sobre aspectos


peculiares do Brasil, nos permitem, hoje, mesmo pelo olhar desses holandeses,
conhecer nosso passado. Quando ocorreu a ocupação holandesa no Nordeste do
Brasil e o que dizem os autores Amália e Minerini (2019) sobre a publicação dos
registros textuais e imagéticos realizados à época pelos artistas viajantes?

5 Um dos artistas da expedição holandesa representou, segundo Teixeira Leite e Mendes


Silva (2015, posição 1062) “as nossas cenas tropicais, mostrando um desenho sóbrio
e simplificado, mantendo a luminosidade da atmosfera local”. Ele foi considerado
o primeiro pintor a registrar as peculiaridades das paisagens brasileiras. Assinale a
alternativa CORRETA que corresponde ao artista:
FONTE: TEIXEIRA LEITE, J. R.; MENDES SILVA, R. Da pré-história ao fim do período colonial. Rumo
Certo, 2015. E-book.

73
a) ( ) Albert Eckhout.
b) ( ) Hercule Florence.
c) ( ) Frans Post.
d) ( ) Georg Marcgraf.

74
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
ARTE DO PERÍODO COLONIAL NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
O período colonial abrange do século XVI até o início do século XIX, especificamente
de 1500 a 1822 quando foi proclamada a independência do Brasil. Nesse período, o
país estava sob o controle e poder de Portugal e a identidade brasileira sofreu muitas
influências estrangeiras.

É importante destacar que, à época da chegada dos portugueses, em 1500, na


Europa decorriam grandes transformações, principalmente no campo das ciências e
das artes, com o renascimento já tendo passado pelas fases do trecento e quattrocento,
respectivamente séculos XIV e XV, sendo que nos primeiros anos de colonização o
período do cinquecento já florescia no continente europeu.

Os padres jesuítas, da Companhia de Jesus, aportaram no Brasil em 1549,


chamados para introduzir a cultura europeia e ensinamentos religiosos aos indivíduos
que aqui habitavam. Vale lembrar que os portugueses não estavam sozinhos, como traz
Toledo (1983, p. 97), “Portugal esteve unido à Espanha” no período de 1580 a 1640. Como
anuncia Tirapeli (2010a, p. 5), “fundaram vilas, construíram igrejas e conventos” com a
intenção de fazer da nova terra uma colônia. Uma das principais é a Vila de São Vicente,
no litoral do estado de São Paulo, entre outras, onde hoje permanecem as cidades
históricas, consideradas patrimônios culturais.

E assim ocorreu durante o período colonial, quando os religiosos também


introduziram o ensino das técnicas, iniciando no Brasil o ensino das artes, sempre
trazendo influências da cultura e dos costumes europeus, importando para a nova terra
as características dos estilos barroco e rococó.

NOTA
Para relembrar sobre as fases do renascimento:
A palavra renascença significa nascer de novo ou ressurgir. (GOMBRICH,
2012, p. 223).
As obras renascentistas possuem como características principais a
valorização dos padrões da Antiguidade Clássica, a utilização da perspectiva,
do claro-escuro, do esfumato e da tinta a óleo.
Trecento foi o período marcado pelo início do renascimento, na cidade de
Florença, Itália, nos fins do século XII e permaneceu até o início do século
XIV (POZENATO; CAUER, 2001).

75
Quattrocento refere-se ao período em que o renascimento ganha destaque e quando
Lorenzo de Médici (1449-1492) tornou-se mecenas, promovendo o interesse pela arte
(REIS, 2010).
Cinquecento data do início do século XVI e é o mais célebre período da arte italiana, e um dos
maiores de todos os tempos. Foi a época de Leonardo da Vinci (1452-1519) e Michelangelo
(1474-1564), Rafael (1483-1520) e Ticiano (c. 1488-1576), Corregio (1489-1534) e Giorgione
(1478-1510), Dürer (1471-1528) e Holbein (1460-1524) (GOMBRICH, 2012).

2 ARTE COLONIAL
Durante o período colonial a produção artística constituiu-se, em sua maioria,
ligada à religião e à cultura portuguesa, como explica Tirapeli (2010a, p. 20): “a igreja teve
um papel importante na formação da cultura colonial”. A formação que os portugueses
queriam para o Brasil dependia dos ensinamentos dos representantes das ordens
religiosas que aqui estiveram, como também do financiamento dos europeus, que então
tomaram posse das terras brasileiras.

A expressão da arte colonial encontra-se quase que somente na arquitetura,


pintura e escultura religiosa, porém, apresenta elementos estéticos de grande
importância. Inicialmente as obras seguiram o estilo maneirista, que pode ser entendido
como ajuste, transição de elementos e características de certos estilos. Como conceitua
Toledo (1983, p. 93), é um “procedimento inerente a uma manifestação artística, a
forma correta de proceder, ou a peculiaridade de produção de um determinado artista”.
Também é conhecido como estilo jesuítico, mas logo renderam-se, mesmo que
tardiamente, ao que estava em voga na Europa. Nessa direção, a arte colonial é resultado
dos estilos barroco e rococó, que chegaram ao Brasil por influência dos religiosos das
ordens franciscana, beneditina, carmelita e, principalmente, dos jesuítas enviados para
construir edificações e catequizar os habitantes.

Para Toledo (1983, p. 293), “fica um fato fundamental: por mais de três séculos
o barroco traduziu as aspirações e as contradições da sociedade brasileira, ávida de
encontrar seus próprios caminhos. É a arte que dá expressão aos anseios da nação
em sua longa busca de autoafirmação”. E, foi pelo ensino da arte que muito do que
temos hoje foi construído, o que ocorreu principalmente nas corporações de ofícios
que, inspiradas nas guildas da Idade Média, tinham como propósito ensinar as técnicas.

Assim, a arte colonial, mesmo sendo desenvolvida sobre os estilos europeus,


sustenta a identidade do Brasil e mais, de cada uma das regiões deste vasto território.

76
2.1 ARQUITETURA
A arquitetura colonial do Brasil traz em si características que foram incorporadas
pelos missionários que estavam incumbidos de difundir a religião, tendo como tarefa
primordial a construção de igrejas. Portugal enviou para a Terra de Santa Cruz, como
era chamado o Brasil, religiosos de diversas ordens. Jesuítas, beneditinos, franciscanos
e carmelitas, assim começaram a erguer os chamados tejupares, que na língua tupi-
guarani significa lugar de gente. Mais adiante as construções passam a ser feitas de
taipa, estrutura de varas, preenchidas com barro e cal.

FIGURA 6 – OBRA “HABITAÇÃO DE NEGROS”, CRIADA PELO ARTISTA JOHANN MORITZ RUGENDAS EM 1835

FONTE: <http://bit.ly/2Vn5Xhi>. Acesso em: 31 ago. 2021.

O avanço da arquitetura colonial apresenta elementos característicos na


construção de casas das vilas, em muitos locais sem planejamento, sendo erguidas sem
distância umas das outras. Para Oliveira (2013, p. 18-19), “arruamentos espontâneos, com
suas voltas pitorescas e constantes subidas e descidas, constituem um dos principais
encantos das cidades coloniais brasileiras”. Pode-se encontrar essas características na
cidade de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais, tombada em 1938 pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e primeira cidade brasileira a receber,
em 1980, o título de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

77
FIGURA 7 – CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: <https://bit.ly/3ufAQ4n>. Acesso em: 26 set. 2021.

Esses elementos estéticos característicos da influência lusitana ocorrem


também na cidade de Olinda, no estado de Pernambuco, que recebeu em 1982 o título
de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela UNESCO.

NOTA
O que significa lusitano?
lusitano1 (lu.si.ta.no)
sm.
1. Aquele que nasceu ou viveu na Lusitânia, antiga região do oeste da
península Ibérica, correspondente em grande parte ao atual território
português.
2. Aquele que nasceu ou que vive em Portugal; PORTUGUÊS; LUSO
a.
FONTE: <https://www.aulete.com.br/lusitano>. Acesso em: 5 set. 2021.

Nas regiões litorâneas é visível o planejamento mais alinhado das construções,


como por exemplo em Salvador, na Bahia, que foi a primeira capital do Brasil colônia.

78
FIGURA 8 – SALVADOR – BAHIA

FONTE: <https://bit.ly/3CPPEcK>. Acesso em: 26 set. 2021.

Segundo Tirapeli (2010a, p. 12), “no litoral, a pedra e a cal eram os materiais
empregados nas casas, enquanto no interior podia variar”, como por exemplo em São
Paulo onde utilizava o barro batido ou em Minas Gerais, onde costumava-se associar a
madeira ao alicerce de pedras. Essas construções residenciais, com dois pavimentos,
eram destinadas também ao comércio no piso térreo.

FIGURA 9 – DIAMANTINA – MINAS GERAIS

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/32>. Acesso em: 30 ago. 2021.

Construções típicas da época colonial são encontradas nas fazendas de


engenhos. Tirapeli (2010a, p. 14) assegura que as propriedades “eram muito grandes,
com várias construções, como a casa-grande, na qual morava a família do senhor de
engenho ou coronel”, como mostra a imagem a seguir:

79
FIGURA 10 – CASA DE FAZENDA DE ENGENHO DO SÉCULO XVII, ILHABELA – SÃO PAULO

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 15)

As moendas, onde os negros escravizados desempenhavam seus trabalhos


faziam parte das fazendas e foram registradas por artistas como Frans Post, conforme
mostra a imagem:

FIGURA 11 – OBRA “USINA DE AÇÚCAR” CRIADA PELO ARTISTA FRANS POST NO SÉCULO XVII

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 14)

Outra construção típica do período colonial é a Casa de Câmara e Cadeia que,


segundo Tirapeli (2010a, p. 10), destacava-se das edificações civis por sua dimensão maior
no conjunto urbano, tendo no piso a Cadeia com janelas gradeadas. Esse edifício possuía
uma escada frontal ou lateral para o acesso à Casa de Câmara. Na parte superior, um
espaço com muitas janelas, onde as autoridades exerciam suas funções. Muitas vezes,
escadas internas eram utilizadas para separar os detentos em áreas masculina e feminina.

80
FIGURA 12 – CASA DE CÂMARA E CADEIA, OURO PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/30>. Acesso em: 30 ago. 2021.

Muitos imóveis destinados às casas de câmara e cadeia ainda apresentam


a arquitetura preservada no Brasil, entre elas destaca-se as cidades de Ouro Preto e
Mariana no estado de Minas Gerais e em Laguna no estado de Santa Catarina.

INTERESSANTE
O texto de Percival Tirapeli assinala a representação dos engenhos de
produção de açúcar no período colonial. Que tal conhecer um pouco desse
material?

A iconografia dos engenhos

Os engenhos e as atividades desenvolvidas ao seu redor foram um dos temas


preferidos dos artistas e cientistas que viajaram pelo Brasil do século 17 ao
19. Alguns retrataram os carros-de-boi chegando com a cana-de-açúcar e
o homem com um ferrão comandando os animais. O que se destaca das
construções é seu tamanho e uma imensidão de telhas abrigando a moenda
com três cilindros, a roda-d’água e os tanques para o melaço.
Os holandeses, como Frans Post, foram os primeiros a retratar os grandes
engenhos e colocá-los nos mapas em que divulgavam suas ações comerciais,
como a Companhia das Índias. No século 19, Debret, artista francês,
desenhou a moenda dentro de uma casa de fazenda, sendo movida por
dois escravos, e outros dois moendo a cana e colhendo o caldo.
No século 20, os artistas pernambucanos Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro, ambos
vivendo então em Paris, desenharam os engenhos como uma lembrança da infância no
Brasil. Um livro muito importante, Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre, descreve o
papel desse local como espaço de convívio das raças e formação do povo brasileiro. O livro
foi ilustrado por Cícero Dias.

FONTE: TIRAPELI, P. Arte colonial: barroco e rococó. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2010a.

81
Em 1549, como apresenta Battistoni Filho (2020), Tomé de Souza trouxe um
regimento sobre a construção de edificações, que passaram a ser executadas com
materiais mais duradouros, como a Casa da Torre, de Garcia d’Ávila, uma das residências
de destaque da época, na qual usou-se cal extraída de ostras.

FIGURA 13 – CASA DA TORRE – BAHIA

FONTE: Battistoni Filho (2020, posição 108)

Para Tirapeli (2010a), a residência também era denominada casa-fortaleza


por parecer uma fortificação. Possuía essa característica pela necessidade de abrigar
muitas pessoas, além de proteger dos ataques e assaltos.

2.1.1 Fortificações
Em alguns pontos estratégicos do litoral brasileiro foram construídas
fortificações com o objetivo de proteger e defender a terra brasileira de invasores que
porventura tentassem ocupar e dominar o território controlado pelos portugueses. Essas
fortificações incluem fortalezas e fortes. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN, 2021, s.p.), “as fortalezas são as grandes edificações militares,
com duas ou mais baterias de canhões instaladas em pontos diferentes no interior da
construção onde existem vários prédios, torre de observação, entre outras obras”, como
a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, na cidade de Governador Celso Ramos, em
Santa Catarina, mostrada na imagem que segue:

82
FIGURA 14 – FORTALEZA DE SANTA CRUZ DE ANHATOMIRIM – SANTA CATARINA

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 40)

Menores que a fortaleza, os fortes são edificações que, como indica o Iphan
(2021, s.p.), “possuem uma ou mais baterias de artilharia, mas todas instaladas no
mesmo local”, como mostra a imagem do forte de Santo Antônio da Barra, em Salvador,
no estado da Bahia, popularmente chamado de Farol da Barra.

FIGURA 15 – FORTE DE SANTO ANTÔNIO DA BARRA - BAHIA

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/galeria/detalhes/257?eFototeca=1>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Esse forte, como aponta o Iphan (2021, s.p.), foi “construído no local da segunda
cidade lusitana de Salvador” em 1534 e reconstruído em 1582. Atualmente é um museu
naval.

83
Segundo Tirapeli (2010a, p. 13) “muitas delas resistiram ao tempo e ainda
podem ser conhecidas de perto”. O autor registra que a cidade com maior número de
fortificações é Salvador, na Bahia. A Ilha de Santa Catarina, Florianópolis, também possui
muitas fortificações, além de outras cidades localizadas no litoral ou em fronteiras,
como a maior fortaleza do Brasil, situada em Rondônia, às margens do Rio Guaporé, que
guardava a fronteira da região amazônica.

FIGURA 16 – FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA - RONDÔNIA

FONTE: <http://bit.ly/3zOSv4E>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Como mostrado na imagem anterior, as plantas das fortificações possuíam


desenhos poligonais complexos e variados. Oliveira (2013, p. 20) confirma “a criatividade
e a perícia técnica” que essas construções foram realizadas.

2.1.2 Igrejas
A importância da construção de igrejas no período colonial estava ligada às
transformações culturais que a Coroa Portuguesa pretendia promover nas sociedades
originárias, como era o caso dos povos indígenas, entendendo que necessitavam ser
civilizados ao seu modo.

Nas igrejas das diversas ordens religiosas, conforme Tirapeli (2010a, p. 16), “a arte
colonial atinge seu ponto alto, com muitos elementos importantes para compreender a
arte daquele período”.

Como afirma Battistoni Filho (2020, posição 74), “a primeira igreja da Companhia
de Jesus no Brasil, foi a da Ajuda em Salvador, Bahia”, construída em taipa, foi fundada
pelo padre Manoel da Nóbrega, em 1549. O autor complementa que em 1572 o arquiteto
jesuíta Francisco Dias reergueu a igreja utilizando pedra e cal.

84
As construções religiosas, que conforme Oliveira (2013, p. 23) incluíam “capelas
urbanas e rurais, igrejas conventuais e paroquiais, catedrais e igrejas de Irmandades – a
tipologia do templo católico colonial apresenta poucas variações”, geralmente possuíam
desenhos simples, que acompanhavam tendências do gosto lusitano, no entanto,
alguns edifícios religiosos apresentam traçados curvilíneos, como mostrado na da igreja
de São Francisco, em Ouro Preto, Minas Gerais, conforme a imagem seguinte:

FIGURA 17 – IGREJA DE SÃO FRANCISCO, EM OURO PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/373/>. Acesso em: 6 set 2021.

Como consta na imagem a seguir, os elementos fundamentais estavam


presentes, como por exemplo o altar-mor ou retábulo principal, que segundo Tirapeli
(2010a, p. 90), é “posicionado na capela-mor, onde se coloca o santo padroeiro”. Muitas
vezes, junto das igrejas eram construídos conventos e colégios.

85
FIGURA 18 – PRINCIPAIS ELEMENTOS ARQUITETÔNICOS DO INTERIOR DA IGREJA NOSSA SENHORA DO
CARMO - PARAÍBA

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 89)

Mais uma vez vamos apresentar a cidade de Ouro Preto de Minas Gerais,
destacando-a pela sua localização, onde foram encontrados veios de ouro, o que causou
em 1692, segundo Tirapeli (2010a, p. 75), “disputa pelas ordens religiosas e irmandades
para ver quem construía os melhores templos”. Segundo Battistoni Filho (2020, posição
272-3) “a talha é exuberante de ornatos e esplendor em ouro, que atrai e extasia o fiel”,
pois com o domínio do ciclo do ouro, como retrata a figura a seguir, as igrejas tornaram-
se exemplo de riqueza e ostentação.

86
FIGURA 19 – OBRA “ANJO ATLANTE DO ALTAR LATERAL DE SÃO MIGUEL”, IGREJA MATRIZ DE CATAS ALTAS – MI-
NAS GERAIS. ENTALHE ATRIBUÍDO A ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA E MANOEL GONÇALVES VALENTE, 1746-47

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 21)

Diversas igrejas de grande importância arquitetônica foram erguidas e


ornamentadas durante o período colonial, deixando uma herança de cultura e beleza.
Para exemplificar, apresentamos as igrejas de Nossa Senhora do Pilar, cuja imagem do
altar-mor está visível na figura a seguir, além das igrejas Nossa Senhora da Conceição e
Nossa Senhora do Carmo, todas em Ouro Preto.

FIGURA 20 – ALTAR-MOR DA IGREJA NOSSA SENHORA DO PILAR, ENTALHE REALIZADO PELO ARTISTA
FRANCISCO XAVIER DE BRITO EM 1746, OURO PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 76)

87
O altar e a capela-mor da Igreja Nossa Senhora do Pilar, referência do estilo
barroco joanino, criada em 1746 por Francisco Xavier de Brito, um dos melhores
entalhadores portugueses da época.

NOTA
Segundo Tirapeli (2010a, p. 77), “o estilo barroco denominado joanino, que
coloca anjos sobre as colunas, abaixo de um dossel – escultura imitando
tecido caído sobre o trono – e, na parte superior, um grupo escultórico da
Santíssima Trindade; Deus Pai, Jesus e a pomba do Espírito Santo”.

2.2 PINTURA
Com predominância de temas religiosos, as primeiras pinturas da época colonial
aparecem em grande quantidade nas igrejas, sendo encontradas algumas pinturas de
retratos, com destaque para Minas Gerais, que segundo Teixeira Leite e Mendes Silva
(2015, posição 541):

[...] foi palco de importante movimento pictórico, dotado de


características próprias e representado por pinturas arquitetônicas
ou de cavalete, religiosas ou profanas, devidas a mais de uma centena
de artistas destacando-se entre todos Manoel da Costa Ataíde, José
Soares de Araújo, João Batista de Figueiredo e João Nepomuceno
Correa de Castro.

Na Bahia, o maior representante da pintura religiosa da época foi José Joaquim


da Rocha, (1737-1807) que realizou as pinturas do interior da igreja de São Domingos,
em Salvador e da igreja Nossa Senhora da Conceição da Praia, como podemos ver na
imagem a seguir:

FIGURA 21 – OBRA “DAVI TOCA HARPA – SACERDOTE OFERECE PÃO E VINHO - SACERDOTE SACRIFICA UM
CORDEIRO, REALIZADAS NO TETO DA IGREJA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DA PRAIA, EM SALVADOR
– BAHIA. PINTURA CRIADA PELO ARTISTA JOSÉ JOAQUIM DA ROCHA EM 1786.

FONTE: <https://bit.ly/3uMJCqM>. Acesso em: 6 set. 2021.


88
No estado de São Paulo, José Patrício da Silva Manso (1753-1801) e o padre
Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819), como vemos na figura seguinte, que mostra o
teto da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, na cidade de Itu, em São Paulo.

FIGURA 22 – OBRA “DETALHE DO TETO DA IGREJA DE NOSSA SENHORA DO CARMO”, NA CIDADE DE ITU
– SÃO PAULO. PINTURA CRIADA POR JESUÍNO DO MONTE CARMELO

FONTE: Teixeira Leite e Mendes silva (2015, posição 669)

No Rio de Janeiro Ricardo do Pilar (1635-1700). Sua obra mais conhecida está na
sacristia do Mosteiro de São Bento, como mostrado na figura seguinte:

FIGURA 23 – OBRA “SACRISTIA DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO” CRIADA PELO FREI RICARDO DO PILAR NO
SÉCULO XVII

FONTE: Teixeira Leite e Mendes silva (2015, posição 433)

89
Outro importante artista é Caetano da Costa Coelho (nasceu provavelmente em
Portugal e faleceu no Rio de janeiro s/d), cujo detalhe da obra do forro da capela-mor da
igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, localizada na cidade do Rio de
janeiro, está mostrada na figura a seguir.

FIGURA 24 – OBRA “CRISTO, VIRGEM MARIA E SÃO FRANCISCO” CRIADA PELO ARTISTA CAETANO DA
COSTA COELHO EM 1732

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa22412/caetano-da-costa-coelho>.
Acesso em: 6 set. 2021.

As pinturas dos forros das igrejas, inicialmente “eram feitas dentro de molduras
formadas por madeiras dispostas em formas geométricas” (TIRAPELI, 2010a, p. 30),
como mostrado na figura a seguir:

90
FIGURA 25 – CAPELA DOURADA, MOSTEIRO DE SANTO ANTÔNIO, RECIFE – PERNAMBUCO

FONTE: Teixeira Leite e Mendes silva (2015, posição 604)

Mais tarde, as pinturas ilusionistas em forros arredondados davam sensação de


continuidade e ampliação do espaço, apresentando cenas chamadas de “visão” do que
acontecia no céu, como mostrado na imagem pintada por Manoel da Costa Ataíde (1762-
1830) no teto da Igreja de Santo Antônio, em Santa Bárbara, Minas Gerais.

FIGURA 26 – OBRA “ASCENSÃO DE CRISTO” CRIADA POR MESTRE ATAÍDE NO SÉCULO XIX

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 23)

91
Toledo (1993, p. 288) expõe que “a pintura do Brasil colonial, como estamos
vendo, conheceu uma diversificação em função de vários condicionantes, como
região, entidade patrocinadora (que por vezes formava seus próprios artistas) e fatores
circunstanciais”. Esses fatores enriqueceram não só a pintura, mas toda a arte do
período colonial.

2.3 ESCULTURA
Cabral trouxe na capela de seu navio uma imagem de Nossa Senhora da Boa
Esperança, que parece ter sido o modelo utilizado pelos mestres vindos de Portugal
para ensinar a escultura no Brasil.

A escultura do período colonial está relacionada com a produção de imagens


religiosas, também denominada imaginária. Nos séculos XVI e XVII, segundo Tirapeli
(2010a, p. 26), “era mais comum fazer as imagens em argila, segundo a tradição
portuguesa trazida pelo frei beneditino Agostinho da Piedade” (1580-1661), que fazia
imagens mais estáticas, como podemos apreciar na figura seguinte, enquanto seu aluno
Agostinho de Jesus (c. 1600-1661) colocava mais movimento nas vestes dos santos.

FIGURA 27 – OBRA “NOSSA SENHORA DO MONTE SERRATE”, CRIADA PELO ARTISTA AGOSTINHO DA
PIEDADE CRIADA EM 1636

FONTE: Battistoni Filho (2020, posição 171)

92
FIGURA 28 – OBRA “NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO”, CRIADA PELO ARTISTA AGOSTINHO DE JESUS, SÉCULO XVII

FONTE: Battistoni Filho (2020, posição 182)

A imaginária produzida em pedra cede lugar à técnica da madeira policromada,


ou seja, recebe pintura em diversas cores, como também objetos elaborados em
madeira recebem tratamento em ouro, com detalhes que sugerem vida às imagens
dos santos. Suas feições insinuam traços dos indivíduos nativos como as madonas.
Para Oliveira (2013), na Bahia, em Pernambuco e em Minas Gerais essas características
físicas regionais são claramente notadas.

No século XVIII, de acordo com Tirapeli (2010a, p. 26), “os santos feitos para se
colocar nos altares principais eram grandes e, quando de madeira, podiam ter formas
mais elegantes, com as vestimentas esvoaçantes e coloridas”, como podemos observar
na figura a seguir:

FIGURA 29 – OBRA “SÃO JOÃO DA CRUZ”, IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO, SABARÁ – MINAS
GERAIS. ESCULTURA CRIADA PELO ARTISTA ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA (ALEIJADINHO) EM 1771

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 27)

93
O artista Valentim da Fonseca e Silva (1745-1813), conhecido como Mestre
Valentim, foi um dos mais importantes escultores. Muitas das obras de Mestre Valentim
são preservadas até hoje, com destaque para o conjunto de jacarés, como afirmam
Amália e Minerini (2019, p. 33), que é “considerada a primeira fundição em bronze feita
no Brasil”, localizada no Passeio Público, na cidade do Rio de Janeiro.

FIGURA 30 – OBRA “CHAFARIZ DOS JACARÉS”, CRIADA PELO ARTISTA MESTRE VALENTIM, S/D

FONTE: Amália e Minerini (2019, p. 34)

É também importante salientar que a obra de Mestre Valentim aponta para um


novo período de superação da arte religiosa, elegendo outras temáticas variadas.

NOTA
Vamos conhecer uma matéria prima muito usada do Brasil para criar
esculturas? Conhecido por pedra-sabão, o esteatito é um filossilicato de
magnésio hidratado, passou a ser chamado assim, provavelmente devido
a sua maciez e sedosidade percebida ao toque, uma vez que se trata de
uma rocha metamórfica ultramáfica composta principalmente de talco.
Em Minas Gerais, é encontrado em cores que variam do cinza ao verde.

FONTE: BUSTAMANTE A. M. G. GONZALEZ, S. R. Patrimônio cultural e geologia do


quadrilátero ferrífero. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 62, n.
2, p. 113-121, jul./dez. 2017.

94
3 O BARROCO NO BRASIL
O estilo barroco surgiu na Itália, no século XVI e difundiu-se pela Europa. Segundo
Reis (2010, p. 77), “o termo barroco (palavra portuguesa que significa pérola imperfeita)
é usado desde a Idade Média para indicar um raciocínio tortuoso, que confundia o falso
com o verdadeiro” e foi utilizado para criticar o excesso de dramaticidade do estilo diante
da elegância da arte renascentista.

O barroco chegou ao Brasil trazido pelos europeus, podendo primeiramente ser


visto nas características das construções religiosas, pois o objetivo inicial era introduzir
a doutrinação cristã. Portanto o estilo barroco brasileiro, que se popularizou tardiamente
aqui em nosso território, apenas 100 anos depois do seu desenvolvimento da Europa,
entre os séculos XVIII ao século XIX, mistura-se com estilos trazidos de Portugal, da
França, da Itália, da Espanha e modifica-se pelo contato com o povo brasileiro que, nesse
momento, já se encontra miscigenado entre as culturas europeias, indígenas e africanas.

O estilo destacou-se na então colônia de Portugal, na arte religiosa, expressando-


se principalmente na arquitetura, na escultura e na pintura. A mistura de imigrantes
portugueses com africanos e indígenas trouxe grande preocupação para a igreja e o
Estado nesse período, uma vez que também poderia ocorrer a mistura de diferentes
ideias e crenças. Com isso, foram trazidos os primeiros jesuítas com a finalidade de
evangelizar os povos indígenas que aqui viviam.

INTERESSANTE
Os jesuítas eram membros da Companhia de Jesus, ordem da Igreja
Católica que trabalhava para catequizar os índios na América.

Entre os jesuítas que vieram para o Brasil, estava José de Anchieta (1534-1597)
que é considerado o primeiro dramaturgo do Brasil. Anchieta escreveu 12 obras que
eram representadas por crianças e adultos entre colonos e indígenas. Seus textos foram
escritos em forma de versos e os conteúdos eram apresentados em forma de alegorias
em peças teatrais. As histórias continham dramas de consciência com o objetivo de
apresentar situações que servissem de exemplo. As obras de Anchieta fazem parte das
primeiras manifestações artísticas barrocas do Brasil.

O texto de Amália e Minerini (2019) destacam as características das


transformações religiosas ocorridas no período em que os europeus iniciaram suas
atividades no Novo Mundo. Vamos conhecer esses acontecimentos históricos?

95
A chegada do barroco no brasil com os jesuítas

Em 1539, foi fundada na Europa, por Inácio de Loyola, uma ordem religiosa
chamada Companhia de Jesus (ou Ordem dos Jesuítas), inserindo-se no contexto
da Contrarreforma que renovou o catolicismo. Ela foi uma resposta do Vaticano à
Reforma Protestante, feita no século XVI e defendida em teses de Martinho Lutero,
resultando na doutrina luterana. Outro reformista foi João Calvino, que, junto com
Lutero, contribuiu para a cisão com o catolicismo e para a origem das religiões
protestantes, espalhando-se rapidamente pela Europa.

Embora tenha se chamado “reforma”, os protestantes tinham como objetivo


a restauração de aspectos presentes na Bíblia que caíram em esquecimento no
decorrer do período medieval e do Renascimento, entre eles, a valorização das
escrituras sagradas e a salvação pela fé e pela graça divina. Portanto, a palavra tem
enorme importância para os protestantes, o que justifica a ausência de imagens
em seus templos e a forte presença da música cantada em seus cultos, pois ela
valoriza a palavra.

A Contrarreforma foi uma resposta da Igreja católica romana para a Reforma


Protestante. Também chamada de Reforma Católica, dela participou a Companhia
de Jesus, que estabeleceu missões na Ásia e na América para catequizar, que tinha
por base o que foi determinado pelo Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563.

FONTE: Adaptada de AMÁLIA, A.; MINERINI, J. História da arte brasileira. São Paulo: Senac São Paulo,
2019. E-book.

As características do estilo barroco brasileiro podem variar de acordo com


a região, principalmente na arquitetura, pois além das diversas ordens religiosas, os
europeus traziam arquitetos e mestres de obras de diversas nacionalidades para realizar
os trabalhos. Essas particularidades encontradas nas diversas regiões se devem a
“muitas ordens religiosas e corporações de ofícios que se estabeleceram no decorrer
dos séculos em que o Brasil foi colonizado, cada uma a seu modo e contribuindo para
essa diversidade que conta ainda com os conhecimentos de índios nativos e de povos
africanos”, como Amália e Minerini (2019, p. 38-39) anunciam.

É importante salientar que em Minas Gerais, conforme Battistoni Filho (2020), nas
cidades de Ouro Preto e Diamantina onde a mineração era explorada, o estilo barroco de
formas exuberantes teve início com as construções arquitetônicas e os retábulos das igrejas.

Como afirma Gombrich (2012, p. 445), “o espírito do Barroco, o gosto por


movimento e efeitos arrojados, pode expressar-se mesmo numa simples paisagem
urbana”, assim como no barroco brasileiro, que apresenta menos detalhes e maior
sobriedade, mas as cores vibrantes permanecem no conjunto das obras.

96
A igreja Nossa Senhora do Rosário, localizada na cidade de Embu, em São Paulo,
é considerada expressão máxima do barroco mineiro, com os altares e pinturas muito
bem conservadas, como vemos na figura seguinte:

FIGURA 31 – IGREJA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, EMBU – SÃO PAULO, CONSTRUÍDA ENTRE 1690 E 1740

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 54)

Assim, a arte barroca brasileira se distingue dependendo da região, com variada


vertente entre um local e outro. Contudo, a rigor, o barroco brasileiro pode ser percebido
de duas formas: como o barroco litorâneo que está presente principalmente nos
estados de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, bem como o barroco interiorano que se
apresenta com grande intensidade no estado de Minas Gerais devido a quantidade de
ouro e pedras preciosas encontradas por lá. Entre as principais diferenciações dessas
duas formas de perceber esse estilo, pode-se afirmar que no litoral a arte barroca
manteve-se menos independente, conservando mais o estilo da arte portuguesa,
enquanto o barroco do interior adotou soluções próprias tornando-se mais original.

Outro ponto a ser destacado é que o barroco brasileiro foi desenvolvido


principalmente por mão de obra negra, e, talvez por isso, tenha conservado uma
linguagem original mais próxima do povo. Entre os principais pintores que compunham
o estilo barroco brasileiro no período colonial, destaca-se Caetano da Costa Coelho
(nasceu provavelmente em Portugal, e faleceu no Rio de Janeiro), Manoel da Costa
Ataíde (nasceu em 1762 na cidade de Mariana – Minas Gerais e faleceu em 1830), José
Joaquim da Rocha (nasceu em 1737 e faleceu em 1807 em Salvador - Bahia) e João de
Deus Sepúlveda (artista pernambucano), cuja obra do teto da Igreja de São Pedro dos
Clérigos, em Recife, está mostrada na figura seguinte:

97
FIGURA 32 – OBRA “A BATALHA DOS GUARARAPES” CRIADA PELO ARTISTA JOÃO DE DEUS SEPÚLVEDA
NO SÉCULO XVIII

FONTE: Teixeira Leite e Mendes silva (2015, posição 616)

Na figura seguinte também podemos observar uma das belíssimas obras de


José Joaquim da Rocha.

FIGURA 33 – OBRA “O SEPULTAMENTO” CRIADA PELO ARTISTA JOSÉ JOAQUIM DA ROCHA EM 1786

FONTE: Teixeira Leite e Mendes silva (2015, posição 301)

98
Entre os escultores, destaca-se Antônio Francisco Lisboa (nasceu em 1730 na
cidade de Ouro Preto – Minas Gerais e faleceu em 1814) no qual também é reconhecido
pelo trabalho de entalhador e arquiteto.

3.1 ALEIJADINHO E SUAS OBRAS


Antônio Francisco Lisboa, também conhecido como Aleijadinho, cujo apelido
foi dado pela deformação de seus membros superiores e inferiores, causada por uma
doença degenerativa. Apesar das dificuldades, saía à noite escondido dos olhares e
continuava a produzir com cinzel e martelo amarrados aos punhos. Foi um dos maiores
expoentes das artes, talvez o mais conhecido. Deixando um conjunto de obras muito
importante em diversas cidades do estado de Minas Gerais. Suas obras mais conhecidas
são esculturas, mas desenvolveu por exemplo, o projeto arquitetônico e ornamental da
Igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto, Minas Gerais.

FIGURA 34 – PROJETO DA FACHADA DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, OURO PRETO – MINAS GERAIS,
ELABORADO POR ALEIJADINHO EM 1766

FONTE: Toledo (1983, p. 216)

99
FIGURA 35 – IGREJA SÃO FRANCISCO DE ASSIS, EM OURO PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: Teixeira Leite e Mendes silva (2015, posição 837)

Uma de suas importantes obras intitulada “Os doze profetas” do Antigo


Testamento, esculpidos em pedra-sabão foram colocadas na murada em frente à igreja.

FIGURA 36 – OBRA “OS DOZE PROFETAS” (DETALHE) CRIADA PELO ARTISTA ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA
(ALEIJADINHO) EM 1805

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 84)

As doze esculturas estão no santuário de Bom Jesus de Matosinhos, na Cidade


de Congonhas, também em Minas Gerais, reconhecido pela UNESCO, em 1985, como
patrimônio cultural mundial.

100
FIGURA 37 – SANTUÁRIO DE BOM JESUS DE MATOSINHOS, CONGONHAS – MINAS GERAIS

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/46>. Acesso em: 31 ago. 2021.

A pedra-sabão, originária da região, foi usada por Aleijadinho para substituir o


mármore que era escasso e de alto valor. Suas obras, mesmo sendo feitas com pedra-
sabão, não deixaram de carregar beleza e valor espetacular dando ao barroco e rococó
brasileiros particularidades que marcaram não somente suas obras, mas influenciaram
outros artistas.

Sua obra “Os passos da paixão de Cristo”, esculpida em cedro, conta com
sessenta e seis esculturas em tamanho natural que compõem as cenas da Via Sacra
em seis capelas. As policromias, ou seja, as pinturas da representação são atribuídas a
Mestre Ataíde e Francisco Xavier Carneiro (1765-1840).

FIGURA 38 – OBRA “OS PASSOS DA PAIXÃO DE CRISTO” (PASSO DA CRUZ) CRIADA PELO ARTISTA ANTÔNIO
FRANCISCO LISBOA (ALEIJADINHO) ENTRE 1796-99

FONTE: <https://bit.ly/3CNIWE9>. Acesso em: 26 set. 2021.

101
Aleijadinho obteve pouca educação formal, mas segundo Toledo (1983, p. 210),
“cresceu em ambiente de intensa produção artística, ao lado dos mais conceituados
profissionais da época” entre eles o pai arquiteto e o tio entalhador. Com seu talento e
vivendo nesse meio, tornou-se grande e reconhecido artista do período colonial, suas
obras alinham-se ao barroco mineiro, mas também teve grande destaque com obras ao
estilo rococó.

As obras retratadas por Aleijadinho possuem uma estética particular. Suas


figuras têm os rostos mais alongados, olhos amendoados, cabelos encaracolados e
as vestes são extremamente angulosas, ou seja, possuem muitas dobras e detalhes
representando volume.

Vamos conhecer um pouco mais sobre o Santuário de Bom Jesus de


Matosinhos? O Conjunto representa uma das maiores obras de Antônio Francisco
Lisboa, O Aleijadinho, como também um valioso patrimônio mundial do estilo barroco.

Santuário do Bom Jesus de Matozinhos – Congonhas (MG)

Para os povos de língua Carib, como os Yekuana, os Tiriyó, os Waiwai, os


Considerado uma das obras-primas do barroco mundial, o Santuário do Bom Jesus
de Matosinhos foi inscrito no Livro do Tombo de Belas Artes, pelo Iphan, em 1939, e
reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO, em dezembro de 1985.
Situado em Minas Gerais, no município de Congonhas, o Santuário começou a ser
construído na segunda metade do século XVIII. Desde 2015, o Museu de Congonhas
funciona ao lado do Santuário e está aberto à visitação para potencializar a percepção
e a interpretação das múltiplas dimensões desse patrimônio.

O conjunto edificado consiste em uma igreja, com interior em estilo rococó,


adro murado e escadaria externa monumental decorada com estátuas dos 12
profetas em pedra sabão, além de seis capelas dispostas lado a lado no aclive
frontal ao templo, denominadas Passos, ilustrando a Via Crucis de Jesus Cristo.
Sua inspiração é fortemente relacionada a exemplares portugueses como a Igreja
de Bom Jesus do Monte (Braga) e ao Santuário de Nossa Senhora dos Remédios
(Lamego), ambos em Portugal.

As 66 esculturas de madeira policromada em tamanho natural, abrigadas nas


seis capelas que reúnem os sete grupos de Passos da Paixão de Cristo, compõem
um dos mais completos grupos escultóricos de imagens sacras no mundo, sendo,
sem dúvida, uma das obras-primas de Francisco Antônio Lisboa, o Aleijadinho, que
deixou para a Humanidade uma obra de grande expressão e originalidade.

O Santuário apresenta-se em bom estado de conservação permitindo que


sua materialidade exprima a importância e os valores a ele atribuídos, representando
uma realização artística única e exemplo excepcional da arquitetura brasileira do

102
século XVIII. O conjunto edificado e escultórico conserva seus valores intrínsecos:
a Igreja do Bom Jesus; o adro com as estátuas dos profetas em pedra sabão; os
passos e capelas com suas sete estações ambos concluídos em 1805 e expressivo
conjunto escultórico representativo da Paixão de Cristo.

Apesar do processo de transformação ocorrido com o crescimento urbano


da cidade de Congonhas, decorrente do intenso processo de mineração de ferro,
o Santuário mantém-se intacto e se constitui, até os dias atuais, em ícone da arte
sacra e religiosidade no Brasil.

FONTE: Adaptada de <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/46>. Acesso em: 7 set. 2021.

3.2 MESTRE ATAÍDE E SUAS OBRAS


Manoel da Costa Ataíde, ou Mestre Ataíde, trabalhou intensamente nas pinturas
ilusionistas dos forros das igrejas, como o suntuoso forro da nave da Igreja de São
Francisco de Assis de Ouro Preto, mostrado na imagem a seguir, que “talvez seja a obra-
prima não apenas sua, mas de toda a pintura colonial brasileira”, segundo Teixeira Leite e
Mendes Silva (2015, posição 590). Mestre Ataíde foi considerado um pintor influente na
arte barroca e um ícone da pintura ilusionista dos forros das igrejas.

FIGURA 39 – PINTURA DE MESTRE ATAÍDE – IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO EM OURO
PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 82)

103
Mestre Ataíde é um representante da pintura que evidencia a ampliação do
espaço com a visão do céu. Suas obras mostram características de feições familiares,
como a madona, e demonstram grande domínio de perspectiva e também uma estética
peculiar. Um dos elementos característicos de seus trabalhos, na representação das
figuras, são os traços mestiços.

4 O ROCOCÓ NO BRASIL
O termo rococó tem origem na palavra francesa rocaille, que significa concha.
Nasceu em Paris, França, no século XVIII em oposição à suntuosidade do barroco. De
características mais suaves e delicadas, com temática leve, utiliza linhas curvas e cores
claras como elementos principais.

Assim como o barroco, chegou ao Brasil tardiamente, durante o período colonial,


abrangendo principalmente a região de Minas Gerais, onde pode-se ver portadas em
relevos esculpidos em pedra-sabão.

Segundo Oliveira (2013, p. 19) “a impressão estética produzida pelas decorações


do período rococó difere totalmente do período barroco”, enquanto o barroco apresenta
o efeito dramático, o rococó aproveita a iluminação natural que atravessa as janelas das
construções.

A igreja São Francisco de Assis, considerada uma das representações mais


importantes da época, conforme Tirapeli (2010a, p. 79), “trata-se da primeira obra de
Aleijadinho, quando tinha 28 anos. O artista projetou a igreja e esculpiu, anos mais tarde, a
entrada e depois o altar-mor em madeira. A fachada é curva e abarca duas torres recuadas
do corpo da igreja ainda com linhas do barroco tardio”. O autor descreve ainda que a porta
da edificação possui ornamentos esculpidos em pedra sabão, no estilo rococó.

104
FIGURA 40 – PRINCIPAIS ELEMENTOS DA FACHADA DA IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO,
OURO PRETO – MINAS GERAIS

FONTE: Tirapeli (2010a, p. 88)

Além do conjunto de obras de Aleijadinho, a igreja recebeu uma das mais


espetaculares pinturas ilusionistas de Mestre Ataíde em seu teto, como também painéis
dispostos nas paredes, pintados em madeira pelo artista Manoel Gonçalves Neves (datas
de nascimento e falecimento desconhecidas), imitando azulejo, muito usado à época,
mas substituído pelo fato da dificuldade em transportar o material frágil.

105
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O período colonial abrange do século XVI ao início do século XIX, especificamente


de 1500 a 1822, quando foi proclamada a independência do Brasil. Nesse período,
o país estava sob o controle e poder de Portugal e a identidade brasileira sofreu
muitas influências estrangeiras.

• Os padres jesuítas, chamados para introduzir a cultura europeia e ensinamentos


religiosos aos indivíduos que habitavam o Brasil, aportaram aqui em 1549. Fundaram
a Vila de São Vicente, no litoral do estado de São Paulo, entre outras, além de
construírem igrejas e conventos em cidades históricas, consideradas atualmente
patrimônios culturais.

• Os religiosos das ordens franciscana, beneditina, carmelita e, principalmente dos


jesuítas, introduziram o ensino das técnicas, iniciando no Brasil o ensino das artes,
sendo que, no período colonial a produção artística constituiu-se, em sua maioria,
ligada à religião e à cultura europeia, principalmente portuguesa, com características
dos estilos barroco e rococó.

• Além das construções religiosas e outras construções civis que formaram as cidades,
foram erguidas fortificações em alguns pontos estratégicos do litoral brasileiro, com
o objetivo de proteger e defender o território de invasores que porventura tentassem
ocupar e dominar o território controlado pelos portugueses.

• Na arte do período colonial, destaca-se o estilo barroco que surgiu na Itália, no século
XVI. Termo originário da palavra portuguesa que significa pérola imperfeita. Chegou
ao Brasil trazido pelos europeus e destacou-se na arte religiosa, expressando-
se principalmente na arquitetura, escultura e pintura. Suas características, como
excesso de dramaticidade e detalhes rebuscados, podem variar de acordo com a
região, principalmente na arquitetura, pois além das diversas ordens religiosas, os
europeus traziam arquitetos e mestres de obras de diversas nacionalidades para
realizar os trabalhos.

• A arte colonial contou com obras de diversos artistas europeus e brasileiros. Entre
os artistas brasileiros destaca-se Antônio Francisco Lisboa, conhecido como
Aleijadinho e Manoel da Costa Ataíde, também conhecido como Mestre Ataíde.

• Outro estilo artístico também percebido neste período foi o rococó que tem seu
termo originário da palavra francesa rocaille, que significa concha. Esse estilo nasceu
em Paris, França, no século XVIII em oposição à suntuosidade do barroco. O rococó
é um estilo que possui características mais suaves e delicadas que o barroco, com
temática leve, utiliza linhas curvas e cores claras como elementos principais.

106
AUTOATIVIDADE
1 Do século XVI ao início do século XIX, especificamente de 1500 a 1822, quando foi
proclamada a independência, o Brasil estava sob o controle e poder de Portugal e a
identidade brasileira sofreu muitas influências estrangeiras. Sobre a denominação
desse período, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Barroco.
b) ( ) Rococó.
c) ( ) Neoclássico.
d) ( ) Colonial.

2 Além das construções religiosas e outras construções civis que formaram as cidades, do
Brasil. A partir de 1549, principalmente no litoral, passaram a ser utilizados materiais mais
duradouros, que faziam com que a estrutura também fosse mais forte, como realizado
na Casa da Torre, de Garcia D’ávila, Considerando esses aspectos, responda como são
denominadas as construções erguidas em pontos estratégicos do litoral brasileiro,
descrevendo os dois tipos dessas edificações e com qual objetivo foram construídas.

3 O barroco, palavra portuguesa que significa pérola imperfeita, é um estilo que surgiu
na Itália, no século XVI e chegou ao Brasil trazido pelos europeus. Descreva quais são
as principais características do barroco, bem como em que linguagens artísticas esse
estilo pode ser reconhecido e por que ocorrem variações?

4 A arte colonial contou com obras de diversos artistas europeus e brasileiros. Em Minas
Gerais dois nomes brasileiros foram destaque por suas obras de valor inestimável.
Quanto ao nome desses dois artistas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Antônio Fernando Lisboa, o Aleijadinho e Manoel da Costa Vidal, o Mestre Vitalino.


b) ( ) Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho e Manoel da Costa Ataíde, o Mestre
Ataíde.
c) ( ) Antônio Fernando Lisboa, o Mineirinho e Manoel da Costa Atabaque, o Mestre
Atabaque.
d) ( ) Antônio Francisco Portugal, o Aleijadinho e Manoel do Carmo Ataíde, o Mestre
Ataíde.

5 O rococó, termo originário da palavra francesa rocaille, que significa concha, nasceu
em Paris, França, no século XVIII. Analise as sentenças a seguir e identifique as
principais características do estilo.

107
I- O rococó é um estilo que possui características suaves e delicadas e surgiu em
oposição ao barroco.
II- O rococó é um estilo que possui temática leve, utiliza cores claras e linhas curvas.
III- O rococó é um estilo que possui temática leve, mas predomina cores escuras.
IV- O rococó é um estilo em que predomina a utilização de linhas retas, luminosidade
em destaque para a figura e surgiu em oposição ao renascimento.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

108
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
FRUTOS DE UMA ÉPOCA REAL

1 INTRODUÇÃO
Avançando pela trilha da história da arte brasileira, como observado na obra
de Mestre Valentim, as temáticas começam a diversificar, dando “sinais evidentes
de mudança de gosto. Características certamente influenciadas pelos modelos
portugueses contemporâneos, que apontam para um interesse maior por obras laicas
e pelo retorno ao classicismo”, como ressalta Pereira (2013, p. 67). O autor expõe como
exemplo as obras em bronze do Passeio Público, no Rio de Janeiro, inaugurado no ano
de 1793, nas quais Mestre Valentim explora a temática da mitologia greco-romana, nas
representações de Apolo, Mercúrio, Diana e Júpiter.

FIGURA 41 – OBRAS “NINFA ECO”, 1783 (ESQUERDA) E “CAÇADOR NARCISO”, 1785 (DIREITA), CRIADAS
POR MESTRE VALENTIM

FONTE: Tirapeli (2010b, p.12)

Desde o período colonial, como vimos, diversos artistas vindos da Europa


formavam expedições que registraram características da fauna, flora e dos costumes
brasileiros. A Missão Artística Francesa, “coroou as expedições e as missões que
passaram pelo Brasil e que tantos artistas viajantes trouxeram para registrar a vida, os
hábitos e os costumes, a paisagem, a fauna e a flora exuberantes da tropicalidade que
o engloba”, como afirmam Amália e Minerini (2019, p. 46). Isso pode ser visto nas obras
dos artistas, que contam a história do Brasil em belíssimas imagens como a do indígena
retratado por Debret, que pode ser vista na figura seguinte:

109
FIGURA 42 – OBRA “CHEF CAMACAN MONGOYO”, CRIADA PELO ARTISTA JEAN-BAPTISTE DEBRET EM 1834

FONTE: <https://bit.ly/2YfyxSX>. Acesso em: 30 ago. 2021.

No contexto artístico e cultural em que o Brasil se encontrava, um dos objetivos


do então imperador D. João VI, para a Missão Artística Francesa era impulsionar o ensino
da arte, fundando uma academia de artes, sob a liderança de Joachim Lebreton (Nasceu
em 1760 e faleceu em 1819) que, como traz Barbosa (2005, p. 16), foi “criada pelo Decreto-
Lei datado de 1816”, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Conforme a autora, Lebreton
teria sido incumbido de instalar, em 1793, o Museu do Louvre, em Paris, na França.

INTERESSANTE
Você sabe quem foi Joachim Lebreton?
Joachim Lebreton, por sugestão de Alexander von Humboldt, foi líder do
grupo chamado Missão Francesa. Havia sido secretário perpétuo do Instituto
de França e diretor da Seção de Belas-Artes do Ministério do Interior daquele
país, tendo-se ocupado de instalar no Museu do Louvre, em 1793, o acervo
resultante da espoliação de Napoleão Bonaparte nos países conquistados.

FONTE: BARBOSA, A. M. Arte-educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva,


2005.

110
2 MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA
Temendo a invasão do território português pelos franceses, a família real
portuguesa transfere-se para o Brasil e as mudanças nas artes são intensificadas,
principalmente após o fim das guerras napoleônicas, quando muitos artistas franceses,
com dificuldades, buscaram auxílio com D. João VI, que acolhe o pedido.

Nesse sentido, Amália e Minerini (2019, p. 46) sustentam que “a Missão Artística
Francesa foi responsável por inaugurar a Academia de Belas Artes no Brasil, na cidade
do Rio de Janeiro e trazer a arte neoclássica para todo o país, estilo responsável por
suplantar o barroco, que já atravessava mais de 200 anos como arte colonial e popular
brasileira”. Contudo, o neoclássico, como aponta Barbosa (2005, p. 19), “que na França
era arte da burguesia antiaristocratizante foi no Brasil arte da burguesia a serviço dos
ideais da aristocracia, a serviço do sistema monárquico”, pois encontrou no Brasil um
estilo muito particular que foi o barroco brasileiro.

Segundo Barbosa (2005, p. 17), junto com Joachim Lebreton, chegaram


também Jean-Baptiste Debret (1768-1848), Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830),
Grandjean de Montigny (1776-1850), Auguste-Marie Taunay (1768-1824), entre outros. A
autora cita que Debret e Montigny recusaram convites da Academia de Belas-Artes de
São Petersburgo, na Rússia, para vir ao Brasil. Nessa direção, após dez anos e muitas
mudanças ocorridas, em 1826 a academia inicia suas atividades.

Das mudanças acerca da academia, inicialmente Escola Real de Ciências, Artes


e Ofícios, em 1820 teve seu nome alterado para Academia Real de Desenho, Pintura,
Escultura e Arquitetura Civil, um mês depois, passou a chamar-se Academia de Artes.
Em 1826 foi feita uma alteração para denominar-se Academia Imperial de Belas-Artes e,
finalmente, após a Proclamação da República, em 1889 passou a chamar-se Academia
Nacional de Belas Artes (BARBOSA, 2005). É importante colocar, como também traz a
autora, que as mudanças atingiram também os planos de ensino da instituição.

Além da tarefa de constituir uma academia de artes, os artistas, encantados


com a diversidade e as cores do Brasil, registraram imagens históricas do nosso país
à época do império. Dentre esses artistas, Debret tem grande destaque, imprimindo
em sua obra de valor inestimável, cenas absolutamente sinceras, como assegura
Bandeira (2006, p. 14) que “Debret foi o único artista a se preocupar, em seu tempo,
com a realização de um trabalho etnográfico”. Como pode-se observar no registro de
suas pinturas, exemplificado na figura a seguir:

111
FIGURA 43 – OBRA “JANTAR BRASILEIRO”, CRIADA PELO ARTISTA JEAN-BAPTISTE DEBRET EM 1827

FONTE: <https://cutt.ly/mEKGkId> Acesso em: 30 ago. 2021.

Considerado por muitos autores como Bandeira (2006, p. 3) “o principal artista


da missão artística de 1816”, Debret organizou em um caderno de viagem, como cita
o autor, “a terra exótica e um novo mundo de costumes e povos”, como pode-se
contemplar em algumas páginas da publicação, compostas na figura seguinte:

FIGURA 44 – COMPOSIÇÃO COM ALGUMAS OBRAS DO LIVRO VIAGEM PITORESCA AO BRASIL, DE JEAN-
-BAPTISTE DEBRET, REALIZADAS NO SÉCULO XIX

FONTE: Adaptada de <https://cutt.ly/VEKGxCB> Acesso em: 30 ago. 2021.

Outro ponto importante na trajetória de Debret pelo Brasil foi o desenho da


bandeira do Brasil no ano de 1822, que conforme Bandeira (2006, p. 13), escolheu “o
verde e o amarelo por serem respectivamente as cores dinásticas de Bragança (D. Pedro
I) e Habsburgo (D. Leopoldina), como pode ser visto na figura a seguir.

112
FIGURA 45 – OBRA “BANDEIRA BRASILEIRA” CRIADA PELO ARTISTA JEAN-BAPTISTE DEBRET EM 1822

FONTE: Bandeira (2006, p. 13)

Essas obras de arte, que hoje podem ser vistas nos museus brasileiros, contam
com a sinceridade de um artista, que chega ao Brasil fragilizado e, diante de tamanho
impacto cultural, mergulha na descoberta do novo.

INTERESSANTE
Este texto de Bueno (2012) apresenta um pouco sobre Napoleão Bonaparte.
Vamos conhecer?

O rei do mundo
Napoleão Bonaparte (1769-1821) foi um dos maiores generais da história.
Assumiu o poder na França depois de liderar uma brilhante campanha militar
no Egito. Seu regime autocrático foi bem aceito após o caos provocado
pela Revolução Francesa. Em 1804, Napoleão proclamou-se imperador – e
ele próprio se coroou. Entre 1805 e 1810, conquistou praticamente toda a
Europa: só não venceu a Inglaterra, a qual bloqueou por mar. Em 1807, enviou
a Portugal um ultimato, forçando-o a declarar guerra aos britânicos. Ainda que
por vias indiretas, o Brasil iria lucrar duplamente com Napoleão: além da vinda
da família real, deve a ele o envio da missão artística francesa, em 1816.

FONTE: BUENO, E. Brasil, uma história: cinco séculos de um país em construção.


Rio de Janeiro: Leya, 2012. E-book.

113
2.1 VISÃO DOS ARTISTAS VIAJANTES
A tradição das expedições e missões de cientistas e naturalistas, entre as
quais, segundo Amália e Minerini (2019, p. 43), “destacam-se a Expedição do príncipe
Maximilian von Wied-Neuwied, a Missão Austríaca e a Expedição do barão de Langsdorff”,
com trabalhos científicos.

Entre os anos 1815 e 1817 a expedição do príncipe Maximilian von Wied-Neuwied


viajou pelo Brasil e sob a influência do naturalista e geógrafo alemão Alexander von
Humboldt “estudaram a flora, a fauna e as populações indígenas”, segundo Amália e Minerini
(2019, p. 43), produzindo um rico e importante estudo sobre as observações realizadas.

NOTA
Alexander von Humboldt foi físico, geógrafo, geólogo, mineralogista,
botânico, etnógrafo e antropólogo que lançou as bases que estruturam
várias ciências, como a oceanografia, a geografia, a geologia e a
climatologia. Entre tantas viagens que fez pelo mundo, uma delas
passou pela América do Sul e Central. Ele foi uma das mais importantes
referências para expedições científicas que vieram explorar e conhecer
o Brasil.

FONTE: AMÁLIA, A.; MINERINI, J. História da arte brasileira. São Paulo:


Senac São Paulo, 2019. E-book.

A Missão Austríaca foi uma das mais longas expedições, reconhecida pelo
importante trabalho de Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius.
Conforme Amália e Minerini (2019, p. 44), o zoólogo Spix e o botânico Martius “identificaram
em torno de 6,5 mil variantes na flora, 85 mamíferos, 350 aves, 130 anfíbios, 146 peixes e
2,7 mil insetos”. Muitas dessas espécies, ilustradas pelo talentoso artista Thomas Ender
(1793-1875), em uma viagem de mais de dez mil quilômetros pelo Brasil.

114
FIGURA 46 – OBRA “FÁBRICA DE PÓLVORA” CRIADA PELO ARTISTA THOMAS ENDER, EM 1817-18

FONTE: Mendes Silva (2015, posição 1119)

Georg Heinrich von Langsdorff veio inicialmente ao Brasil em 1804, na ilha de


Santa Catarina, atual Florianópolis. Anos mais tarde, naturalizado russo, foi nomeado
pelo czar Alexandre I, cônsul-geral na cidade do Rio de Janeiro, instalando-se nessa
cidade em 1813. Em 1816 planeja uma viagem científica pelo interior do Brasil, que se
concretiza a partir de 1824, contando como integrante o artista Johann Moritz Rugendas
(1802-1858) para registrar as imagens brasileiras, a exemplo da figura seguinte:

FIGURA 47 – OBRA “SAGUI DE CARA BRANCA”, CRIADA PELO ARTISTA JOHANN MORITZ RUGENDAS EM 1823

FONTE: <https://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/Langsdorff.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Na expedição de Lansdorff estavam também “o zoólogo Jean Moris Eduard


Ménétriès, o naturalista Georg Freyreiss, o botânico Ludwig Riedel e o astrônomo
Rubtsov” (AMÁLIA; MINERINI, 2019, p. 43). Os autores comunicam que Rugendas se
desentende com Langsdorff e abandona a expedição, substituído em seguida por Aimé-
Adrien Taunay (1803-1828) e Hercule Florence (1804-1879). Na figura seguinte pode-se
observar o talento de Florence.

115
FIGURA 48 – OBRA “ARATICUM”, CRIADA PELO ARTISTA HERCULE FLORENCE EM 1827

FONTE: <https://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/Langsdorff.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2021.

Rubtsov demonstra a importância do registro por meio da arte na elaboração


do mapa da cidade de Diamantino, no estado do Mato Grosso, como vemos na figura
seguinte:

FIGURA 49 – PLANTA DA CIDADE DE DIAMANTINO, ELABORADA POR RUBTSOV EM 1828

FONTE: <https://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/Langsdorff.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2021.

No decorrer da viagem houve uma série de percalços, mas com belíssimos


registros, como podemos admirar na imagem a seguir, a beleza da aquarela de Taunay.

116
FIGURA 50 – OBRA “HOMEM E MULHER BORORÓ”, CRIADA PELO ARTISTA AIMÉ-ADRIEN TAUNAY, EM 1827

FONTE: <https://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/Langsdorff.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2021.

O artista Aimê-Adrien Taunay, filho de Nicolas Antoine Taunay, ao tentar


cruzar o rio Guaporé, teve trágica morte por afogamento em janeiro de 1828, com
aproximadamente 25 anos.

A expedição foi para o Amazonas, onde o barão de Langsdorff contraiu uma


grave febre que o deixou sem consciência de si. Rugendas, que havia procurado
Debret, continuou seus mais de quatrocentos registros sobre o Brasil, como no exemplo
espetacular, da figura a seguir:

FIGURA 51 – OBRA “CAPOEIRA”, CRIADA PELO ARTISTA JOHANN MORITZ RUGENDAS, EM 1835

FONTE: <:http://bit.ly/2Vn5Xhi>. Acesso em: 31 ago. 2021.

117
Após o desentendimento com o barão de Langsdorff, Johan Moritz Rugendas
segue em sua viagem pitoresca pelo Brasil, construindo uma obra que conta com
centenas de ilustrações no qual traz descrições de detalhes do cotidiano do período
colonial.

FIGURA 52 – OBRA “COSTUMES DE SÃO PAULO”, CRIADA PELO ARTISTA JOHANN MORITZ RUGENDAS, EM 1835

FONTE: <http://bit.ly/2Vn5Xhi>. Acesso em: 31 ago. 2021.

DICA
Há diversos documentos disponíveis para aprofundar nossos conhecimentos
sobre as expedições dos viajantes ao Brasil, como nas páginas sugeridas
desta Unidica:

A expedição de Langsdorff, com as extraordinárias pinturas dos artistas, está


registrada em uma publicação virtual e bilíngue. Acesse em: https://www.
bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/Langsdorff.pdf.

Para conhecer algumas rotas e escritos feitos pelos aventureiros viajantes,


acesse em: https://viajantes.bbm.usp.br/.

Para conhecer algumas obras de Debret e outros artistas, acesse em: http://
museuscastromaya.com.br/brasiliana/.

118
INTERESSANTE
Debret tinha quase cinquenta anos quando aceitou o convite de Joachim
Lebreton para se juntar à colônia de bonapartistas que imigrou para o Rio
de Janeiro em 1816. Com Napoleão, seu patrono, exilado na ilha de Santa
Helena, Debret ainda foi abandonado pela mulher e perdeu seu único
filho, Honoré, um jovem artista de 19 anos. O pintor de história tem a visão
aguçada pela aflição da dor.

FONTE: BANDEIRA, J. Caderno de viagem: Jean-Baptiste Debret. 4. ed. Rio de


Janeiro: Sextante, 2006.

3 INFLUÊNCIAS NEOCLÁSSICAS EUROPEIAS


A missão artística francesa trouxe para o Brasil o estilo neoclássico, que segundo
Reis (2010, p. 93) “retomou a cultura clássica”, porém com a intenção de adaptar os
valores ao seu tempo.

Segundo Teixeira Leite e Mendes Silva (2015, posição 494) “a tradição da pintura
colonial sairia profundamente abalada pela estética neoclássica importada da Europa,
especialmente da França”, porém, o estilo neoclássico foi contestado por alguns artistas e,
principalmente na arquitetura, foi marcado pelo ecletismo. Como explica Tirapeli (2010b,
p. 31), “o fim do período imperial foi marcado pelo início do ecletismo, que, no Brasil,
reúne elementos dotados das linhas curvas do barroco, paredes lisas e ornamentos com
o pouco dourado do rococó e colunas e arcos romanos típicos do estilo neoclássico”.
Podemos ver exemplos do estilo neoclássico e eclético nas imagens a seguir.

FIGURA 53 – TEATRO DA PAZ EM BELÉM – PARÁ, CONSTRUÇÃO NEOCLÁSSICA DO SÉCULO XIX.

FONTE: Acervo das autoras

119
FIGURA 54 – ESTAÇÃO DA LUZ EM SÃO PAULO, CONSTRUÇÃO ECLÉTICA DO SÉCULO XIX

FONTE: Tirapeli (2010b, p. 31)

INTERESSANTE
Para conhecer detalhes arquitetônicos do Theatro da Paz, localizado
na cidade de Belém, Pará, construído no século XIX, durante o ciclo da
borracha, acesse em: https://theatrodapaz.com.br/.

O ecletismo também se fez presente nas esculturas de bustos, figuras mitológicas,


entre outros temas relacionados à Antiguidade greco-romana, como ressalta Tirapeli
(2010b, p. 29):

Os animais brasileiros também estavam presentes, como jacarés e


serpentes que representavam os rios distantes e incivilizados; as
onças, a força e a beleza dos animais; tatus, antas, capivaras, além de
aves como araras que desde o início de nosso processo civilizatório
apareciam nos mapas cartográficos holandeses e portugueses.

A mudança temática na escultura também ganha campo na produção de


bustos da realeza e aristocracia, como evidencia Tirapeli (2010b). Grandes monumentos
em bronze são instalados nas regiões urbanas, com temas voltados às riquezas naturais
e étnicas do Brasil. De acordo com Tirapeli (2010b, p. 27), “a figura do índio foi então
idealizada, representando o nascimento da nação e os guardiões de riquezas naturais,
como os rios e as florestas”, como mostra a obra do francês Louis Rochet (1813 -1878)
na figura seguinte.

120
FIGURA 55 – OBRA “MONUMENTO A D. PEDRO I”, CRIADA PELO ARTISTA LOUIS ROCHET EM 1857

FONTE: Tirapeli (2010b, p. 35)

O que estivesse em evidência na Europa, acabava chegando ao Brasil, mesmo


que um pouco tardiamente. Segundo Mendes Silva (2015, posição 520):

A arte brasileira até o início século XIX está obviamente muito


relacionada com sua herança lusitana e seus laços com a matriz
da metrópole. Entre os séculos XVI e XVIII em Portugal não tinham
ocorrido as mudanças culturais profundas que a burguesia promovera
em países como a Holanda, a Inglaterra, a França, a Alemanha, por
exemplo. Todas as grandes iniciativas de natureza econômica tinham
o dedo do Estado ou da Igreja, os dois polos do poder que ombreavam
– e engessavam – a produção artística e a sociedade como um todo.

No entanto, alguns talentosos artistas destacaram-se durante o período de


formação na Academia Nacional de Belas Artes e partiram para a Europa, indo estudar
nas cidades de Roma, Paris, Florença, trazendo suas técnicas mais aprimoradas e
voltando-se para a valorização da cultura, dos temas e da história brasileira.

Na pintura os temas históricos eram valorizados e representavam o virtuosismo


dos artistas em verdadeiras narrativas, que muitas vezes partiam das pesquisas dos
próprios pintores, como é possível verificar nas obras de Victor Meirelles (1832-1903) e
Pedro Américo (1843-1905), entre outros, os quais concebiam seus trabalhos repletos
de luminosidade e dinamismo, levando o observador ao próprio momento descrito por
habilidosas mãos.

121
3.1 TALENTOS BRASILEIROS DA ARTE ACADÊMICA
A arte acadêmica no Brasil teve grande destaque na pintura. Entre os pintores
considerados hoje grandes artistas, que guiaram suas pinceladas com incomum
maestria e perfeição, estão Victor Meirelles, Pedro Américo, Almeida Júnior (1850-1899),
Eliseu Visconti (1866-1944), entre outros.

O catarinense Victor Meirelles de Lima, nascido em Desterro, atual Florianópolis


(SC), destacou-se desde cedo no talento para a arte. Segundo Battistoni Filho (2020,
posição 738), em 1947 foi Rio de Janeiro, matriculado na Academia de Belas-Artes, onde
demonstrou “grande aptidão para as artes, obteve em 1853 o Prêmio de Viagem, quando
se estabeleceu em Roma”. Suas obras revelaram um expoente na pintura histórica, como
o quadro “Primeira missa no Brasil”, realizado a partir da descrição de Pero Vaz de Caminha
em sua carta ao rei de Portugal. A pintura, exposta em 1861 no salão de Paris, apresenta
um conjunto excepcional de elementos estéticos, como mostrado na figura seguinte:

FIGURA 56 – OBRA “A PRIMEIRA MISSA NO BRASIL”, CRIADA PELO ARTISTA VICTOR MEIRELLES, EM 1860

FONTE: Tirapeli (2010b, p. 23)

Nessa pintura é possível perceber uma cerimônia a céu aberto, centralizando


a composição em torno do altar em que portugueses e indígenas se encontram. A
natureza também revela destaque em todo o seu entorno.

Outra obra do artista que causa grande impacto, tanto pelo tamanho como
pelas linhas e cores da composição é a pintura intitulada “Moema”, que representa a
pintura indianista, inspirada no poema épico Caramuru, escrito em 1781 pelo frei José de
Santa Rita Durão (1722-1784). Segundo Faria Couto (2015, posição 1078):

122
Mais do que uma manifestação estética, portanto, o indianismo no
Brasil esteve fortemente vinculado a uma política cultural nacionalista,
intencionalmente implementada pelo governo e pessoalmente
avalizada pelo próprio imperador. Além dos povos nativos, esse projeto
cultural procurava destacar também a exuberante natureza do país,
bem como construir uma memória histórica repleta de mitos e heróis.

Os temas indianistas foram apresentados inicialmente na literatura, por diversos


autores, como José de Alencar (1829-1877), na obra “O Guarani”, de 1857, na qual Carlos
Gomes (1836-1896) inspirou-se para compor a ópera homônima, que foi apresentada
pela primeira vez no teatro Scala de Milão, na Itália, em 1870 (COUTO, 2015). Segundo
Tirapeli (2010b), o indianismo romântico aparece na pintura para retratar cenas narradas
pela literatura, apresentando os indígenas como heróis ou derrotados pela ação dos
colonizadores.

FIGURA 57 – OBRA “MOEMA”, CRIADA POR VICTOR MEIRELLES, EM 1866

FONTE: <https://masp.org.br/acervo/obra/moema>. Acesso em: 31 ago. 2021.

Pedro Américo de Figueiredo e Mello, nascido na Paraíba, também se destacou


como pintor, representando diversas cenas históricas, como pode ser visto na tela
intitulada “Independência ou morte”, no qual retrata a independência do Brasil, como
afirma Tirapeli (2010b, p. 49) “[...] faz parte do imaginário dos brasileiros...”. O autor traz a
informação de que a pintura foi realizada na cidade de Florença, na Itália e exposta em
1888. Pedro Américo produziu um livro sobre o processo de realização da obra que traz
à cena os elementos históricos dinâmicos e a natureza sob o céu da liberdade brasileira.

123
FIGURA 58 – OBRA “INDEPENDÊNCIA OU MORTE”, CRIADA PELO ARTISTA PEDRO AMÉRICO, EM 1886-88

FONTE: <http://bit.ly/3yZ3LKu>. Acesso em: 29 ago. 2021.

Também foi um artista que defendeu a abolição da escravatura, fazendo,


inclusive, um quadro sobre esse tema intitulado “A libertação dos escravos”. Sua pintura
abrange temas históricos e bíblicos.

José Ferraz de Almeida Júnior, nascido em Itu, São Paulo, após estudar na
Europa, decide representar em suas obras as pessoas simples do interior. Entre as
pinturas destaca-se a obra “Amolação interrompida”, de 1894 no qual Tirapeli (2010b, p.
24) destaca que o artista, “além de pintar as expedições – entradas e bandeiras – dos
bandeirantes, valorizou a cultura local, retratando o caipira em atividades cotidianas”,
como também é percebido na obra realista “Caipira picando fumo”.

FIGURA 59 – OBRA “CAIPIRA PICANDO FUMO”, CRIADA PELO ARTISTA ALMEIDA JÚNIOR EM 1893

FONTE: <http://bit.ly/3yW1jV5>. Acesso em: 29 ago. 2021.

124
A obra “Caipira picando fumo” é um exemplo de arte com domínio de técnicas
tradicionais, seguindo as regras acadêmicas de composição. Entre as características do
estilo, destaca-se que a figura está centralizada no espaço da tela, sendo que a linha da
base da casa propõe equilíbrio. Já o emprego da luz e sombra dão volume para garantir
a profundidade.

Entre os temas criados pelo artista Almeida Júnior, destacam-se as pinturas


históricas, religiosas e de gênero, retratos e paisagens. Sua produção é considerada
valiosa no ponto de vista estético, histórico e social, pois aparece como autêntico
precursor de uma arte regional. Ele retratou, em vários momentos, pessoas do campo
com suas roupas sujas de terra, pele enrugada, casas simples e demais detalhes que
podem ser identificados em suas obras. As cores utilizadas, entre tons terrosos e
quentes, também dão destaque a essa referência realista.

Outros artistas como Rodolfo Amoedo (1857-1941), Belmiro de Almeida (1858-


1935) e Henrique Bernardelli (1857-1936) não se vinculam a um único estilo, assim como
Eliseu Visconti, nascido italiano, veio para o Brasil muito cedo, mas voltou à Europa para
concluir seus estudos em Paris. Sua obra mostrada na figura a seguir possui influência
impressionista.

FIGURA 60 – OBRA “MOÇA NO TRIGAL”, CRIADA PELO ARTISTA ELISEU VISCONTI EM 1913

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1175/moca-no-trigal>. Acesso em: 29 ago. 2021.

É importante citar o que diz Pereira (2013, p. 82) sobre a produção artística
acadêmica do século XIX, que “partiu de uma postura inicial neoclássica, mas
posteriormente, incorporou ideias e valores de movimentos que lhe foram posteriores
– tais como, o romantismo, o realismo, o impressionismo e o simbolismo”. Portanto, os
artistas muitas vezes seguiam correntes diversas, pois elas aconteciam e acontecem
ao mesmo tempo.

125
INTERESSANTE
Essas e outras obras estão em acervos de diversos museus e podem ser
visualizadas em:
http://pinacoteca.org.br/.
https://masp.org.br/.
https://www.institutoricardobrennand.org.br/.

126
LEITURA
COMPLEMENTAR
RUGENDAS, UM CRONISTA VIAJANTE

Angela Ancora da Luz

Johann Moritz Rugendas (Augsburg, Alemanha 1802 – Weilheim, Alemanha


1858) chegou ao Brasil em 1821, como desenhista da Expedição chefiada pelo barão e
médico Georg Heinrich Von Langsdorff, que organizara uma expedição com a missão
de retratar os tipos da terra e seus costumes. Langsdorff, apesar de médico, era um
naturalista movido por grande motivação científica e interesse na pesquisa.

No século XIX, tais expedições eram geralmente organizadas por estrangeiros,


sendo que a investigação científica em nossas terras aconteceria, efetivamente, a partir
de 1808 com a vinda de D. João VI e da corte portuguesa para o Brasil. As instituições
culturais que aqui foram criadas pelo governo português, como o Jardim Botânico, a
Biblioteca Nacional e a Academia Imperial das Belas Artes foram responsáveis pelo
impulso ao desenvolvimento artístico e científico no Brasil.

A Expedição Langsdorff, a Terra “Brazillis”, sob o comando do barão, foi uma


aventura grandiosa. O barão se tornaria diplomata e cônsul geral da Rússia no Brasil, o
que explica, em parte, a sua motivação para levar à frente, entre os anos de 1822 e 1828
o projeto de documentação de nossa terra pelas mãos de pesquisadores experientes e
artistas, numa viagem de quase 17 mil quilômetros pelo interior do país. Além do registro
e estudo da flora e da fauna do Brasil havia o interesse etnográfico bem como a pesquisa
de idiomas indígenas. O grupo totalizava trinta e nove pessoas entre artistas, astrônomos,
botânicos e naturalistas. Entre os artistas estavam Johann Moritz Rugendas, Hercule
Florence e Aimé-Adrien Taunay que teriam como objetivo maior, retratarem a flora e a
fauna do país, representando os nativos brasileiros com seus costumes e hábitos.

O início da viagem exploratória só aconteceria em oito de maio de 1824, pois o


governo russo não havia reconhecido a independência do Brasil e a dificuldade para que
Langsdorff obtivesse permissões e benefícios alfandegários postergaram a partida da
expedição.

Nesses dois primeiros anos Rugendas e os demais membros da expedição


ficariam hospedados na Fazenda da Mandioca. Rugendas viria ao Rio de Janeiro diversas
vezes, entrando em contato com os artistas da Missão Artística Francesa, núcleo inicial
da Academia Imperial das Belas Artes. Essas viagens descontentavam Langsdorff e
foram criando um clima de antagonismo entre Rugendas e o barão.

127
Assim, um ano após partir junto com a expedição, em 1825, Rugendas se
desentende com Langsdorff e parte sozinho para Mato Grosso, Bahia e Espírito Santo
retornando ao Rio de Janeiro, mas mantendo-se fiel ao seu objetivo, registrando tipos,
costumes, paisagens, fauna e flora da terra tropical, fazendo com que a natureza se
submetesse ao seu olhar e se acomodasse ao registro minucioso de sua poética. Seus
desenhos seriam as matrizes para sua pintura e gravura, esta, na maior parte das vezes,
realizada por litógrafos que buscavam seguir o traço original do artista.

Todo o material produzido na expedição foi, em sua maioria, enviado para a


Rússia, isso porque a viagem teve o czar Alexandre I da Rússia como o mecenas, que
custearia a grande aventura artística e científica. O acervo criado foi arquivado por quase
um século na Rússia, sendo que, uma parte dele se perdeu, após a grande enchente de
Stalingrado, mas os desenhos e aquarelas de Rugendas foram enviados para a França.

Em 1825 Rugendas retorna à Europa vivendo entre Paris, Augsburg e Munique.


É nesse período que ele vai se dedicar a publicação da obra Voyage Pittoresque dans
le Brésil. O livro é composto pela documentação iconográfica realizada por Rugendas
nessa sua primeira viagem ao Brasil. A partir de seus desenhos foram realizadas as
litografias que compõem o livro, o que envolveu 22 litógrafos para a sua realização com
a elaboração de textos por Victor Aimé Huber. Rugendas divide o livro em cadernos:
paisagens, tipos e costumes, usos e costumes dos índios, a vida dos europeus, europeus
na Bahia e em Pernambuco e usos e costumes dos negros.

A litografia é uma técnica de impressão que parte de uma imagem criada,


um desenho realizado por um determinado autor e o reproduz com todas as suas
peculiaridades sobre uma pedra calcária, litográfica. A partir do procedimento de
copiar o desenho autoral para a superfície da pedra com um lápis próprio, graxo, e os
desdobramentos da técnica com a emulsão de vários ácidos e goma arábica para cobrir
o desenho realizado e depois entintá-lo, a obra pode ser reproduzida numa prensa,
restituindo a imagem do desenho original. Foi um procedimento muito utilizado no
século XIX. Assim, a obra como criação pertence ao autor, no caso Rugendas, sendo
que os litógrafos, pelo exímio exercício da reprodução, aparecem referenciados com
seus nomes abaixo do título e assinatura do artista. Muitas dessas litografias eram
depois aquareladas. É importante que se destaque que Rugendas também dominava
a técnica da litografia, mas em sua maioria esse trabalho de reprodução ficava sob a
responsabilidade das grandes oficinas e seus mestres.

Rugendas teve uma formação acadêmica na Alemanha, tendo cursado a


Academia de Belas Artes de Munique, vindo a especializar-se em desenho. No Rio de
Janeiro ele conviveu com os artistas da Missão Francesa, todos de formação acadêmica
inseridos no contexto de uma visão neoclássica, estilo predominante no Império
Napoleônico de onde eles vieram. Por outro lado, Rugendas já experimentava os primeiros
aromas do romantismo, isso porque a Alemanha foi um dos berços do romantismo.

128
“A satisfação do romântico está na insatisfação”, conforme Gerd Bornheim
ensinava. Esta insatisfação o leva a um escapismo em que ele vai procurar outras
paragens, lugares incomuns, a natureza, o homem não contaminados pela sociedade e
até a morte. Ele não se deixa aprisionar. Ele valoriza as emoções, a liberdade de criação,
a imaginação, o amor platônico enfim, constrói a sua realidade não na cópia do que vê,
mas na fábula visual que compõe a partir do que vê.

É nessa tensão entre o domínio acadêmico e a imaginação romântica que


observamos a obra de Rugendas. Quando o artista deixou a Europa em direção ao
Brasil, ele veio ao encontro da paisagem incomum, da terra distante, impossível de ser
visualizada fora da experiência. Era a visão de um novo mundo e mais surpreendente
ainda, de uma luz tropical. A luminosidade em nossas terras era de lenta acomodação
aos olhos de um alemão. Observamos em sua obra que os lugares vistos de fora, com o
olhar daquele que chega ao novo ambiente, são claros, sutis, leves e ricos em pequenos
detalhes. Seu processo de criação a partir do desenho pode ser comprovado nas obras
em que o lápis encosta com delicadeza na superfície do papel e deixa esses registros
sem que as massas e os volumes encontrem o seu peso.

Já nas figuras humanas, nas cenas de costumes e de paisagens podemos


sentir uma definição maior do desenho que foi reproduzido pelo litógrafo. Nessas obras
observamos a tensão entre a construção acadêmica e a criação romântica.

O artista capta as imagens observadas não como cópia da realidade, mas como
interpretação daquilo que vê. Se o modelo se enquadra dentro da norma e da regra
proveniente de seu aprendizado acadêmico, a imaginação romântica o liberta por meio
da representação das imagens, nas indumentárias, na composição mais diagonalizada
e, até mesmo na busca de uma expressão que não chega a aflorar totalmente aos rostos.

Na obra Voyage Pittoresque dans le Brésil, o próprio título já sinaliza a procura


de uma interpretação mais subjetiva. O pitoresco é incomum, inusitado, interessante, se
manifestando a partir de impressões subjetivas.

As representações não são aleatórias, pois elas partem de estudos realizados


pelo artista. Nos registros da flora e da fauna existe uma proximidade maior com a
realidade, uma vez que Rugendas recebeu a orientação de naturalistas, enquanto os
tipos e os costumes são representações em que o artista se permite compor tipos
sociais distantes dos europeus.

Em 1828 Rugendas esteve na Itália e procurou se aperfeiçoar na pintura, mas é


no México, na viagem que realiza em 1831, que ele efetivamente começa a pintar a óleo. A
percepção entre o que vê, como vê e como imagina também está presente em sua pintura.
Muitas vezes as figuras representadas são imagens idealizadas. Rugendas permanece fiel a
uma representação mais canônica sem negligenciar às características definidoras de seus
tipos humanos, mas suavizando os traços, de modo a que negros e índios se aproximem
ao modelo idealizado, apesar de retratados conforme sua identidade racial.

129
O apoio do naturalista Alexander Von Humboldt foi fundamental para que
Rugendas voltasse a planejar uma nova viagem ao continente americano. México, Chile,
Peru, Uruguai, Argentina e Brasil são os países de seu novo roteiro de viagem. Ele almeja
tornar-se “o ilustrador dos novos territórios do mundo”. Enquanto não inicia esta viagem
ele pinta telas de temas brasileiros a partir dos desenhos que havia feito. Nessas obras
nota-se uma impregnação mais romântica, pelas paisagens idílicas, por uma natureza
em que a imagem retida nas experiências passadas se reveste de cargas idílicas e de
lugares paradisíacos.

Rugendas estaria de volta ao Rio de Janeiro nos anos de 1845 e 1846. Nesse
segundo momento ele encontra um Brasil já bem diferente. A Academia Imperial das
Belas Artes gozava do apoio de D.Pedro II e já estava instalada em prédio próprio, na
Travessa das Belas Artes, no centro do Rio de Janeiro, obra neoclássica de Grandjean
de Montigny.

Com a mediação de Félix-Émile Taunay ele consegue entrar no círculo da corte


imperial e executa três pequenos retratos a óleo da família imperial. É possível que
tenha realizado, também, um retrato de grande porte de D. Pedro II, que possivelmente
se perdeu mais tarde, em trânsito para a Europa.

Durante sua estadia no Rio de Janeiro hospedou-se no Hotel Pharoux,


participando das Exposições Gerais de Belas Artes nos anos de 1845 e 1846, quando,
finalmente, retornaria à Europa. Antes de viajar D. Pedro II o condecorou com a Ordem do
Cruzeiro do Sul (Decreto de 26 de maio de 1846) e lhe deu uma carta de apresentação
para a Princesa de Joinville, sua irmã, que residia em Paris. De volta à Europa entrega
mais de três mil desenhos para Maximiliano II da Baviera em troca de uma pensão
vitalícia. No contrato firmado havia o compromisso de também realizar pinturas, o que
não foi totalmente cumprido, acarretando a perda de sua pensão.

A obra de Rugendas é a mais significativa documentação iconográfica do Novo


Mundo no século XIX, sendo uma das principais fontes de pesquisa para o conhecimento
dos costumes, dos povos e raças, da flora e da fauna da América e, em particular, do
Brasil. Em sua última carta para Humboldt, com quem manteve os laços de amizade e
admiração até o final de sua vida ele escreveu: “Eu me propus e me esmerei em ser o
ilustrador dos novos territórios do mundo descoberto por Colombo”. Há certa amargura
nesse desabafo, que não encontraria espaço hoje, se ele pudesse constatar até onde
conseguiu chegar em suas viagens.

Nas obras expostas buscamos experimentar o olhar de Rugendas para permitir


que pelo nosso próprio olhar pudéssemos (re) descobrir a arte desse cronista viajante e
sua significação para a arte no Brasil.

130
Costumes da Bahia (1835)

FONTE: Adaptada de <http://www.caixacultural.com.br/cadastrodownloads1/Rugendas%20-%20O%20


Cronista%20Viajante.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2021.

131
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• No contexto artístico e cultural em que o Brasil se encontrava no século XIX, D. João


VI trouxe a Missão Artística Francesa com o objetivo de impulsionar o ensino da
arte, fundando uma academia de artes sob a liderança de Joachim Lebreton. Além
da tarefa de constituir a academia, os artistas, encantados com a diversidade e as
cores do Brasil, registraram imagens históricas do nosso país.

• A missão artística francesa trouxe para o Brasil, junto com os artistas, o estilo
neoclássico, que logo foi contestado por artistas românticos resultando em
transformações na arquitetura, passando a ser desenvolvida com um estilo eclético
que, além da combinação de diversos estilos, buscava a valorização da cultura, dos
temas e da história brasileira.

• Além da Missão Francesa, ocorreu a expedição do príncipe Maximilian, entre os anos


1815 e 1817, conhecida como Missão Austríaca. Foi uma das mais longas, além de
ser reconhecida pelo importante trabalho de Spix e Martius, que viajaram pelo Brasil
sob a influência do naturalista e geógrafo alemão Alexander von Humboldt. Além
de estudar a flora e a fauna, pesquisaram as etnias indígenas, produzindo um rico e
importante estudo sobre as observações realizadas.

• A expedição de Langsdorff iniciou em 1824, tendo como integrante o artista Johann


Moritz Rugendas para registrar as imagens brasileiras. O grupo também contava
com o zoólogo Ménétriès, o naturalista Freyreiss, o botânico Riedel e o astrônomo
Rubtsov. Em certo momento da viagem Rugendas desentendeu-se com Langsdorff e
abandonou a expedição, substituído em por Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence.

• No século XIX muitos artistas destacaram-se na arte acadêmica, como Victor Meirelles,
Pedro Américo e Almeida Júnior. Os pintores Eliseu Visconti, Rodolfo Amoedo, Belmiro
de Almeida e Henrique Bernardelli não se vincularam a um único estilo, assumindo
correntes como o romantismo, o realismo, o impressionismo e o simbolismo.

132
AUTOATIVIDADE
1 Em 1816, chegava ao Brasil a Missão Artística Francesa, sob a liderança de Joachim
Lebreton, com diversos artistas, encantados com a diversidade e as cores do nosso
país e que registraram belíssimas imagens históricas. Sobre qual era o objetivo
planejado por D. João VI para a missão, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Fundar a Academia de Artes que passa a chamar-se mais tarde de Academia


Imperial de Belas Artes.
b) ( ) Fundar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios que passa a chamar-se mais
tarde de Academia Nacional de Belas Artes.
c) ( ) Fundar a Academia Nacional de Belas Artes que passa a chamar-se mais tarde
de Academia de Artes.
d) ( ) Fundar a Academia Nacional de Belas Artes que passa a chamar-se mais tarde
de Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil.

2 A missão artística francesa trouxe, junto com os artistas, o estilo neoclássico para o
Brasil. Descreva como foi recebido esse novo estilo entre os artistas e interessados
nas realizações artísticas?

3 Entre os anos de 1815 e 1817, ocorreu a Missão Austríaca. Foi uma das mais longas,
além de ser reconhecida pelo importante trabalho de cientistas e naturalistas. Cite
os participantes mais importantes da expedição que trabalharam sob a influência do
naturalista e geógrafo alemão Alexander von Humboldt e descreva o que estudaram
no Brasil e qual o produto desse estudo?

4 A partir de 1824, Langsdorff concretiza sua expedição, contando como integrante o


artista Johann Moritz Rugendas para registrar as imagens brasileiras, juntamente com
o zoólogo Ménétriès, o naturalista Freyreiss, o botânico Riedel e o astrônomo Rubtsov.
Rugendas desentende-se com Langsdorff e abandona a expedição. A partir disso,
sobre quais artistas passam a substituir Rugendas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Thomas Ender e Albert Eckhout.


b) ( ) Albert Eckhout e Jean-Baptiste Debret.
c) ( ) Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence.
d) ( ) Aimé-Adrien Taunay e Thomas Ender.

5 No século XIX, D. João VI trouxe para o Brasil a Missão Artística Francesa, com o
objetivo de impulsionar o ensino da arte e o contexto artístico e cultural, fundando
uma academia de artes. Sobre o nome dos pintores históricos que se formaram pela
Academia Nacional de Belas Artes, assinale a alternativa CORRETA:

133
a) ( ) Pedro Américo e Almeida Júnior.
b) ( ) Victor Meirelles e Almeida Júnior.
c) ( ) Eliseu Visconti e Henrique Bernardelli.
d) ( ) Victor Meirelles e Pedro Américo.

134
REFERÊNCIAS
AMÁLIA, A.; MINERINI, J. História da arte brasileira. São Paulo: Senac São
Paulo, 2019. E-book.

BANDEIRA, J. Caderno de viagem: Jean-Baptiste Debret. 4. ed. Rio de Janeiro:


Sextante, 2006.

BARBOSA, A. M. Arte-educação no Brasil. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

BATTISTONI FILHO, D. Pequena história das artes no Brasil. 3. ed. Campinas,


SP: Editora Átomo, 2020. E-book.

BUENO, E. Brasil, uma história: cinco séculos de um país em construção. Rio de


Janeiro: Leya, 2012. E-book.

BUSTAMANTE A. M. G. GONZALEZ, S. R. Patrimônio cultural e geologia do


quadrilátero ferrífero. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 62, n. 2,
p. 113-121, jul./dez. 2017.

FARIA COUTO, A. L. A pintura indianista. In: MENDES SILVA, R. O século XIX: do


neoclassicismo ao modernismo. Rumo Certo, 2015. E-book.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Trad. Álvaro Cabral. 16. ed. Rio de Janeiro:
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MENDES SILVA, R. O século XIX: do neoclassicismo ao modernismo. Rumo


Certo, 2015. E-book.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN).


Fortificações Brasileiras. Brasília, DF, c2021. Disponível em: http://portal.iphan.
gov.br/pagina/detalhes/1609. Acesso em: 26 set. 2021.

OLIVEIRA, M. A. R.; PEREIRA, S. G.; LUZ, A. A História da Arte no Brasil: textos


de síntese. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013.

PEREIRA, S. G. Arte no Brasil no século XIX e início do século XX. In: A História
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POZENATO, K.; GAUER, M. Introdução à história da arte. 4. ed. Porto Alegre:


Mercado Aberto, 2001.

REIS, E. V. Manual compacto de arte. 1. ed. São Paulo: Rideel, 2010.

135
TEIXEIRA LEITE, J. R.; MENDES SILVA, R. Da pré-história ao fim do período
colonial. Rumo Certo, 2015. E-book.

TIRAPELI, P. Arte colonial: barroco e rococó. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 2010a.

TIRAPELI, P. Arte imperial: do neoclássico ao ecletismo. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, 2010b.

TOLEDO, B. L.; ZANINI, W. (Coord.). História geral da arte no Brasil. São Paulo:
Instituto Moreira Salles: Fundação Djalma Guimarães, 1983, v. 2.

136
UNIDADE 3 —

ARTE BRASILEIRA NO
SÉCULO XX E XXI

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer os contextos e circunstâncias da formação da arte moderna no Brasil;

• perceber as influências das vanguardas europeias na produção artística brasileira


no início do século XX;

• identificar os principais artistas que foram construtores do modernismo brasileiro;

• conhecer importantes movimentos da arte a partir da segunda metade do século XX;

• compreender a arte contemporânea brasileira como uma manifestação estético-


política que se encontra em constante desenvolvimento.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – RUMO A UMA ESSÊNCIA ESTILÍSTICA BRASILEIRA: INFLUÊNCIAS DE CORRENTES


ARTÍSTICAS DA EUROPA
TÓPICO 2 – ARTE MODERNA BRASILEIRA: EM BUSCA DA RUPTURA
TÓPICO 3 – ARTE CONTEMPORÂNEA NO BRASIL: PANORAMA DO SÉCULO XXI

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A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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138
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
RUMO A UMA ESSÊNCIA ESTILÍSTICA
BRASILEIRA: INFLUÊNCIAS DE
CORRENTES ARTÍSTICAS DA EUROPA

1 INTRODUÇÃO
Caro Acadêmico, estamos nos aproximando do tempo atual nesta caminhada
pela arte brasileira e, como vimos, nas primeiras décadas do século XX ainda havia
fortes características do academicismo, fruto dos estudos de artistas influenciados pelo
neoclassicismo trazido pela Missão Francesa, em 1816.

Por detrás dessa cortina já havia algum movimento, alguns dos artistas da
Missão, seduzidos pela experiência brasileira, já viviam um momento de ruptura com
uma nova direção nos seus padrões estéticos.

As cidades se transformam, suas ruas são alargadas, as invenções são


aprimoradas e, conforme Tirapeli (2010a, p. 12), “esse período, denominado belle époque,
foi marcado pelo prazer de desfrutar das conquistas da era industrial e de seus inventos,
como o avião e o automóvel”. A energia elétrica possibilitou novos meios de comunicação
e entretenimento como o rádio, o cinema e outras possibilidades de trabalho.

Imigrantes europeus chegavam ao Brasil em busca de oportunidades e essas


influências estrangeiras indicaram o caminho oposto para alguns artistas brasileiros,
que já vivenciavam a ruptura da arte mundial em função das novas tendências artísticas
do início do século XX, com o abstracionismo, expressionismo, cubismo e futurismo,
entre outros (TIRAPELI, 2010a).

A chamada vanguarda, palavra com origem no idioma francês, que significa


avant-garde, começou a ser utilizada para as novas incursões no mundo da arte. A
ordem do momento era de romper com as tradições que já não faziam sentido, partindo
para a experimentação.

A seguir você poderá explorar e conhecer um pouco mais desse processo de


mudanças e descobertas pelos percursos da arte brasileira. Bons estudos!

139
2 VANGUARDAS EUROPEIAS NO BRASIL
Em alguma etapa de seus estudos você provavelmente já deve ter conhecido as
Vanguardas Europeias, as quais formam um conjunto de movimentos artístico-culturais
que ocorreram no início do século XX em diversas partes da Europa. Conhecer essas
vertentes artísticas e sua influência nas produções brasileiras é fundamental para que
se possa perceber a constituição da arte moderna em nosso país. Para isso, é necessário
também compreender o contexto em que tais movimentos se estabeleceram no
continente europeu.

Era um momento em que a sociedade passava por diversas mudanças, tendo


em vista a Segunda Revolução Industrial ocorrida no século XIX e a Primeira Guerra
Mundial no início do século XX. Os avanços tecnológicos, os progressos industriais e
as descobertas científicas foram alguns dos acontecimentos daquele período que
aceleraram o ritmo de vida cotidiano, como o desenvolvimento da luz elétrica, o carro
movido à gasolina e a produção em larga escala de bens de consumo.

Nas artes, a fotografia e o cinema aperfeiçoavam-se cada vez mais e, de certo


modo, não havia mais a necessidade de se realizar uma arte que representasse tão
fielmente a realidade. Assim, os artistas passaram a propor outros modos de expressão
estética e produção artística seguindo as transformações vigentes. Iniciava-se uma
nova era, a qual abarcava novas formas de viver e perceber o mundo. Partindo de
pressupostos como a ironia, a inovação, a liberdade criativa e a intencionalidade de
provocar e comover os espectadores, a arte produzida naquele início de século era
influenciada pela subjetividade. Apontava por vezes certo irracionalismo em uma busca
por evidenciar e solucionar os problemas da humanidade ou, em outras vertentes,
exaltava os avanços tecnológicos e a ideia de progresso que se consolidava.

Nesse sentido, surgiam as principais correntes artísticas de vanguarda, como o


expressionismo, o fauvismo, o cubismo, o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo. Foram
movimentos que se expressaram por meio das artes visuais, do teatro, da música, da
arquitetura, da literatura e do cinema, influenciando a arte moderna em muitos países,
incluindo o Brasil. De acordo com Pereira (2013), os artistas brasileiros sentiam-se assim
atraídos por uma vontade de mudança e atualização de seus trabalhos, em especial
a pintura, a qual absorveu de modo concomitante os movimentos artísticos que
ocorreram na Europa durante o século XIX — realismo, impressionismo, simbolismo — e
essas correntes de vanguarda que surgiam no início do século XX.

Desse modo, reveja algumas das principais características desses movimentos


e conheça os principais artistas brasileiros que seguiram seus preceitos nas artes
plásticas.

140
2.1 EXPRESSIONISMO
Tanto no Brasil como nos demais países em que se manifestou, o Expressionismo
foi uma vertente artística de vanguarda que ressaltava a subjetividade, predominando
o caráter emocional. Com origem na Alemanha nos primeiros anos do século XX, o
movimento propunha um novo modo de se fazer arte, tendo como um de seus principais
objetivos desvincular a beleza da arte por meio de composições intuitivas e pessoais.
De acordo com Proença (2008), o expressionismo procurava retratar as inquietações do
ser humano naquele início de século, de modo a se opor ao impressionismo — corrente
anterior que se preocupava apenas em ressaltar as sensações provocadas pela luz.

Como algumas das características do movimento expressionista podemos


encontrar a valorização da visão do artista na concepção de suas obras; os temas
relacionados às sensações de sofrimento e dor; o descompromisso em retratar fielmente
a realidade; a importância da emoção e da intuição na produção artística; os traços
fortes e marcantes na pintura; a utilização do contraste entre as cores; e as temáticas
envolvendo críticas à sociedade.

O expressionismo também chegou ao Brasil nas primeiras décadas de 1900


e esteve presente nas mais variadas linguagens artísticas. Destacou-se por obras
produzidas por importantes artistas do cenário nacional, os quais empregavam as
características fundamentais dessa corrente em suas produções, como por exemplo a
subjetividade voltada à crítica social e a política em relação ao momento vivido.

A seguir, conheça alguns dos artistas brasileiros que, no início do século XX,
realizaram suas produções a partir da influência expressionista.

2.1.1 Anita Malfatti


Anita Malfatti (1889-1964) nasceu em São Paulo e foi uma artista fundamental
para a história da arte moderna brasileira. Iniciou ainda na juventude seus estudos
de pintura e em 1912 viajou para a Alemanha, onde conheceu o expressionismo e as
técnicas utilizadas pelos artistas desse país. Em 1914, ao retornar para o Brasil, realizou
sua primeira exposição individual, porém sua mostra mais importante foi em 1917,
quando apresentou as obras “A mulher de cabelos verdes” e “O homem amarelo”, as
quais receberam muitas críticas desfavoráveis. Nos dias atuais as pinturas de Anita
Malfatti não nos causam estranhamento, mas naquele período uma mulher de rosto
anguloso e cabelos verdes ou um homem pintado de amarelo causaram espanto.

Na época, em geral, pensava-se que a arte — em particular a pintura —


deveria imitar a realidade. Um pintor não poderia representar alguém
com cabelos verdes ou pele exageradamente amarela, pois ninguém
é assim na realidade. Essa foi justamente uma das novidades trazidas
pela arte moderna: a ideia de que o artista deve ter total liberdade de
imaginação e não se deixar limitar pela realidade (PROENÇA, 2008,
p. 201).
141
FIGURA 1 – OBRA “A MULHER DE CABELOS VERDES”, CRIADA PELA ARTISTA ANITA MALFATTI EM 1915

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2048/a-mulher-de-cabelos-verdes>.
Acesso em: 21 jul. 2021.

Apesar das críticas recebidas por essas obras, Anita Malfatti teve o apoio de
diversos outros artistas e juntos foram em busca de uma arte brasileira que estivesse
liberta das regras impostas pelas academias de Arte. Observamos assim a importante
contribuição desta artista para os rumos da arte nacional, tornando-se destaque e
contribuindo para a disseminação da vertente expressionista em território brasileiro.

2.1.2 Lasar Segall


Lasar Segall (1891-1957) nasceu na Lituânia, porém foi um artista imprescindível
para a história da arte brasileira pois proporcionou o primeiro contato do país com a arte
europeia mais inovadora. Em 1906 estudou arte na Alemanha e em 1913 expôs suas
obras com traços expressionistas no Brasil, retornando em 1924 para então estabelecer
residência em São Paulo.

Apesar de anteriormente já ser um artista celebrado, foi em terras brasileiras


que Lasar Segall atingiu o seu esplendor. No princípio a maior parte de suas pinturas
explorava os temas da guerra e do sofrimento, tornando-o um difusor do expressionismo
no Brasil. Entretanto, em sua fase brasileira, adotou uma nova paleta de cores: “sua
pintura foi tocada pela luz e pela cor tropical, distanciando-se do colorismo sombrio que
a influência expressionista alemã exercera em sua obra” (BATTISTONI FILHO, 2018, p.
93). Produzida em 1921, a obra “Interior de pobres” é uma das pinturas expressionistas
dessa fase do artista.

142
FIGURA 2 – OBRA “INTERIOR DE POBRES”, CRIADA PELO ARTISTA LASAR SEGALL EM 1924

FONTE: <:http://bit.ly/3hQOntU>. Acesso em: 19 set. 2021.

As cores e a luminosidade, assim como as folhas e árvores retratadas, revelam


o impacto das referências brasileiras em sua obra.

2.1.3 Candido Portinari


Ainda que não se prendesse a um único estilo de pintura, Candido Portinari
(1903-1962) foi um dos grandes representantes do expressionismo no Brasil. Nascido na
cidade de Brodowski, em São Paulo, seu trabalho apresenta cores marcantes, além de
conter um estilo singular e de fácil identificação. Portinari trazia em suas obras diversas
críticas sociais, caracterizando suas pinturas expressionistas por meio de temas
reflexivos e relativos ao sofrimento.

Produzida em 1944, a série “Retirantes” traz pinceladas largas e uma paleta


composta por tons terrosos e cinza, os quais realçam o caráter trágico da representação.

FIGURA 3 – OBRA “RETIRANTES” CRIADA PELO ARTISTA CANDIDO PORTINARI EM 1944

FONTE: <https://masp.org.br/acervo/obra/retirantes>. Acesso em: 21 jul. 2021.

143
Essa e outras obras do artista “tornaram-se instrumentos de denúncia social”, a
partir dos quais “a força dramática se acentua pela distorção das figuras inspiradas pelas
secas do Nordeste” (BATTISTONI FILHO, 2018, p. 103). O artista expressa as mazelas dos
personagens por meio da desarticulação das formas, compondo um ritmo que vai se
delineando por meio de traços escuros e marcantes.

2.2 FAUVISMO
O Fauvismo foi um movimento com origem na França, inspirado na palavra
francesa fauve (fôv), que significa fera, tendo como principais características a
simplificação das formas e o uso intenso das cores. A partir de temáticas leves, as
quais se distanciavam de questões críticas sociais ou políticas, as pinturas fauvistas
eram elaboradas utilizando-se de pinceladas separadas e diminuindo a sensação
de profundidade. As figuras não eram representadas de modo realista, mas apenas
sugeridas, assim como as cores, as quais não correspondiam à realidade pois eram
utilizadas de modo puro, sem o emprego de gradações.

Seu período de efervescência foi mais curto em relação aos demais movimentos
de vanguarda, contudo algumas das inovações presentes nessa vertente permanecem
sendo utilizadas ainda na atualidade. De acordo com Proença (2008, p. 184), “os fauvistas
tiveram suas obras rejeitadas, mas deram início ao gosto pelas cores puras, que hoje
vemos em tantos objetos do cotidiano e em peças do vestuário”.

No Brasil, não encontramos relatos de artistas que tenham declaradamente


realizado suas obras no estilo fauvista, mas é possível notar em alguns as características
nítidas desse período. Entre eles, podemos destacar o carioca Arthur Timótheo da Costa
(1882-1922) e o mineiro Inimá José de Paula (1918-1999). A seguir, conheça um pouco
sobre cada um deles.

2.2.1 Arthur Timótheo da Costa


Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1918, Arthur Timótheo da Costa iniciou
seus estudos de desenho na Casa da Moeda e posteriormente na Escola Nacional
de Belas Artes. Em 1908 faz uma viagem para França e tem contato com a arte de
vanguarda produzida em território europeu. Ao retornar ao Brasil dois anos depois, dá
início à produção de muitas obras repletas de cores intensas.

Algumas das pinturas do artista apagam o desenho e estruturam as formas por


meio de pinceladas aparentes e vigorosas. Para Souza (1980), seu trabalho intitulado “A
Forja” teria antecipado a pintura moderna no Brasil, o que faz desse artista um precursor
nas inovações artísticas brasileiras daquele início de século.

144
FIGURA 4 – OBRA “ZIZA NO ATELIER”, CRIADA PELO ARTISTA ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA EM 1919

FONTE: <https://peregrinacultural.wordpress.com/tag/ziza-no-atelie/>. Acesso em: 30 jul. 2021.

Arthur Timótheo viveu em um período em que a linguagem plástica estava em um


momento de transição no Brasil. Os artistas estavam começando a abandonar os cânones
da pintura acadêmica, flexibilizando seus trabalhos e trazendo novas tendências as suas
pinturas. Desse mesmo modo, seu trabalho marca as experiências impressionistas no
Brasil, a partir de uma pintura que apresentaria também influências fauvistas.

2.2.2 Inimá José de Paula


O artista brasileiro que mais se aproximou das características do Fauvismo foi
Inimá José de Paula, conhecido como "o fauve brasileiro" (MORAIS, 1987, p. 15), devido
às cores fortes e vibrantes utilizadas em seu trabalho. Inimá de Paula nasceu na cidade
de Itanhomi, em Minas Gerais no ano de 1918. Em 1952 recebe o prêmio de viagem ao
exterior do Salão Nacional de Arte Moderna e nos anos seguintes vai estudar arte em
Paris. Quando retorna, passa a fazer pinturas abstratas, expondo algumas delas na 5ª
Bienal de São Paulo, mas na década de 1960 muda-se para Belo Horizonte e lá retoma
as pinturas figurativas.

Ao longo de sua vida, Inimá produziu pinturas nas quais a intensidade das
cores está presente. Em seus trabalhos, é possível identificar traços influentes de Paul
Cézanne (1839-1906) e Henri Matisse (1869-1954). O artista mineiro utilizava cores puras
e expressivas, como o vermelho, azul, amarelo e verde, os quais eram empregados na
tela com vivacidade. Contudo, há também a predominância de tons mais neutros, como
brancos e cinzas, em muitas de suas obras.

145
FIGURA 5 – OBRA “ABSTRAÇÃO FAUVE”, CRIADA PELO ARTISTA INIMÁ JOSÉ DE PAULA EM 1977

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra3725/abstracao-fauve>. Acesso em: 30 jul. 2021.

A produção de Inimá também é caracterizada pela predominância da paisagem,


principalmente cenários urbanos. Cobrindo a maior parte da tela, sem deixar muito
espaço para o céu, o pintor realiza composições equilibradas, em que alterna as formas
preenchidas da arquitetura com as cores da vegetação. Contudo, o artista ainda se destaca
pelos retratos, autorretratos, naturezas-mortas e composições abstratas produzidas.

DICA
A Fundação Inimá de Paula foi criada em 1998 com o intuito de preservar,
divulgar e resguardar a obra desse artista. Para ver outros trabalhos e
conhecer mais detalhes sobre a sua história acesse o site do museu, o
qual está localizado na cidade de Belo Horizonte e abriga muitas de suas
produções. Acesse em: http://www.museuinimadepaula.org.br/.

2.3 CUBISMO
Com surgimento na França, o Cubismo foi uma vertente que se caracterizou pelo
uso de formas geométricas, tendo por objetivo o rompimento da perfeição das figuras.
Para o crítico de arte Guillaume Apollinaire “o cubismo difere dos estilos anteriores de
pintura, pois deixou de ser uma arte de imitação, para se tornar uma arte de imaginação”
(GANTEFÜHRER-TRIER, 2010, p. 16). Assim como as demais vanguardas artísticas que
aconteceram no início do século XX, abrangeu principalmente as artes plásticas e
exercendo influência sobre a literatura.

146
Inspirados pelo trabalho de Paul Cézanne, o qual entendia que a arte deveria
transformar a natureza ao invés de retratá-la, o movimento cubista teve como pioneiros
Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), além de Fernand Léger
(1881-1955) também como um dos principais artistas. De modo geral, suas principais
características eram o desapego à realidade, a utilização de formas geométricas, o
exercício da fragmentação, a renúncia da perspectiva e a experimentação.

Essa vertente contou ainda com duas fases distintas: o Cubismo Analítico que,
por volta de 1909, destacou-se pela preponderância do uso de cores neutras e “pela
decomposição dos elementos que fazem parte da obra, com a preocupação de oferecer
a visão total de todos os ângulos e lados, numa sequência de planos sucessivos e
sobrepostos”; e o Cubismo Sintético que, em torno de 1911, “procurou reconstruir a figura,
tornando-a reconhecível, e incluiu elementos como vidro, metais, pedaços de madeira,
letras, números e objetos, com a intenção de tornar a pintura não só visual, mas também
provocadora de sensações táteis” (REIS, 2010, p. 127).

O movimento cubista ganhou destaque no Brasil somente após a Semana


de Arte Moderna de 1922. Ainda que não haja nenhum pintor brasileiro considerado
exclusivamente cubista, podemos observar influências dessa vertente em alguns
trabalhos de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral (1886-1973), Rego Monteiro (1899-1970)
e Di Cavalcanti (1897-1976). No item relativo ao Expressionismo abordamos um pouco
sobre a história da artista Anita Malfatti. Acompanhe na sequência uma síntese das
características dos três outros artistas.

IMPORTANTE
O Cubismo exerceu influência não apenas na pintura brasileira, mas também
na literatura, tendo como destaque as obras dos escritores Oswald de Andrade,
Raul Boop e Érico Veríssimo. Na literatura cubista o objetivo foi a destruição da
sintaxe e o fim da linearidade.

2.3.1 Tarsila do Amaral


Tarsila do Amaral foi uma artista que utilizou aspectos do cubismo em suas
telas. A influência dessa vanguarda europeia é percebida pelo modo como emprega as
formas geométricas em seus trabalhos. Nascida em Capivari, interior de São Paulo, em
1886, a carreira de Tarsila teve início por volta de 1916. Em 1920 viajou para a Europa,
onde teve contato com grandes mestres franceses. Em 1922 voltou ao Brasil, mas em
1923 viajou novamente a Paris. Nesse período passou, então, a estudar com artistas
como Fernand Léger, Picasso e o também o cubista André Lhote (1885-1962), ocasião
na qual “além da disciplina do teórico do cubismo, vivenciou a prática da construção,
equilíbrio, simplificação de linhas” (AMARAL, 2020, p. 15).

147
Ainda que não tenha participado da Semana de Arte Moderna de 1922, Tarsila
do Amaral teve importante colaboração no desenvolvimento do modernismo brasileiro,
criando obras que indicariam novos rumos para a arte. Em 1924, no Brasil, deu início a
uma fase chamada posteriormente de pau-brasil. Proença (2008, p. 202) explica que,
segundo o crítico Sérgio Milliet, essa fase da artista ficou caracterizada “pelas cores ditas
caipiras, rosas e azuis, as flores de baú, a estilização geométrica das frutas e plantas
tropicais, dos caboclos e negros, da melancolia das cidadezinhas, tudo isso enquadrado
na solidez da construção cubista”.

FIGURA 6 – OBRA “A CAIPIRINHA”, CRIADA PELA ARTISTA TARSILA DO AMARAL EM 1923

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1616/a-caipirinha>. Acesso em: 1 ago. 2021.

2.3.2 Vicente do Rego Monteiro


Vicente do Rego Monteiro foi um pintor, desenhista, escultor, professor e poeta
brasileiro. Nascido em Recife, no estado de Pernambuco em 1899, foi para Europa
estudar pintura quando tinha ainda 12 anos de idade e, aos 14, já participava do Salão
dos Independentes, em Paris. De volta ao Brasil em 1917, participou da Semana de Arte
Moderna de 1922 expondo dez trabalhos.

Nos anos seguintes, viveu períodos intercalados entre Brasil e França,


trabalhando o cubismo de um modo muito próprio. Apresentando interesse pelos temas
que envolviam os mitos indígenas brasileiros, “o escultor pernambucano funde as
estéticas do art déco e do cubismo de Fernand Léger com impregnações da cerâmica
marajoara” (LUZ, 2013, p. 116). A pintura de Vicente do Rego Monteiro é marcada pela
sinuosidade dos traços e pela retração no uso das cores e contrastes, reportando um
clima místico e metafísico. Também é frequente a temática religiosa em seu trabalho,
elaborando obras que retratam passagens do Novo Testamento por meio de figuras que
se aproximam da escultura, devido a sua densidade e volume.

148
FIGURA 7 – OBRA “PIETÁ’, CRIADA PELO ARTISTA VICENTE DO REGO MONTEIRO EM 1924

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2502/pieta>. Acesso em: 1 ago. 2021.

2.3.3 Emiliano Di Cavalcanti


Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque, mais conhecido por Di Cavalcanti,
nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1897, foi um dos importantes expoentes do
modernismo no Brasil. Em 1914 começou a trabalhar como ilustrador para algumas
revistas brasileiras da época, porém, a efervescência cultural nos grandes centros
urbanos, como São Paulo, e a exposição de Anita Malfatti em 1917, levam-no a retomar
o estudo de pintura.

Proença (2008, p. 202) explica que, “depois das exposições de Segall e Malfatti,
começou a desenvolver-se a ideia de uma mostra coletiva com o que havia de mais
atualizado no país”. Desse modo, Di Cavalcanti inicia uma amizade com os intelectuais
paulistas Mário de Andrade e Oswald de Andrade e juntos organizam em 1922 a Semana
de Arte Moderna. No ano seguinte o artista vai estudar em Paris, onde tem contato com
diversos pintores como Pablo Picasso, Georges Braque, Fernand Léger e Henri Matisse
e passa a ter um novo direcionamento em sua obra.

Di Cavalcanti é influenciado pelas vanguardas europeias, porém cria uma linguagem


muito própria em seu trabalho, adotando temáticas nacionalistas e preocupando-se com
as questões sociais. Um exemplo é sua obra “Pescadores”, na qual ele retrata um casal de
pescadores que vende seu produto próximo ao mar.

149
FIGURA 8 – OBRA “PESCADORES”, CRIADA PELO ARTISTA DI CAVALCANTI EM 1951

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra4745/pescadores>. Acesso em: 1 ago. 2021.

A relação com o cubismo apresenta-se nos traços mais geométricos dos


personagens e na ampliação das proporções de seus pés e mãos.

IMPORTANTE
Assim como acontece com outros artistas do modernismo brasileiro, o trabalho
de Di Cavalcanti foi influenciado por muitos pintores de diferentes correntes
europeias de vanguarda, não se restringindo somente às características do
cubismo. De todo modo, o que se ressalta na produção desse artista é a criação
de um estilo artístico que se relaciona com a realidade brasileira, entendendo a
arte também como uma forma de manifestação social.

2.4 SURREALISMO
O Surrealismo foi uma vertente artística que teve como foco a livre expressão de
ideias. Sem preocupação com a lógica, os artistas associados a esse movimento tomaram
como base para sua estética as teorias psicanalíticas que valorizavam o inconsciente.
Gombrich (2012, p. 592) explica que “muitos dos surrealistas estavam profundamente
impressionados com os escritos de Sigmund Freud, segundo o qual, quando nossos
pensamentos em estado vígil ficam entorpecidos, a criança e o selvagem que existem em
nós passam a dominar”.

Fortemente vinculada às artes visuais, essa vertente procurava reproduzir um


universo onírico, relacionado aos desejos e impulsos do inconsciente, de modo a criar imagens
ilógicas. Assim, suas características caminhavam no sentido oposto à arte tradicional,
buscando um maior entendimento do ser humano e reproduzindo uma suprarrealidade.

150
No Brasil, o movimento surrealista foi absorvido pelo modernismo por volta
de 1920. Ainda que não tenha expressado muita força, alguns importantes artistas
apresentaram influências dessas características em seus trabalhos, deixando marcas na
cultura e na história da arte. Uma das pinturas brasileiras mais marcantes que carregam
aspectos do surrealismo é a obra “Abaporu” (antropófago em tupi-guarani), de Tarsila do
Amaral, produzida em 1928. Nela podemos observar elementos que são características
em alguns trabalhos da artista, como a utilização de cores fortes, a abordagem de temas
imaginários e a alteração da realidade.

FIGURA 9 – OBRA “ABAPORU”, CRIADA PELA ARTISTA TARSILA DO AMARAL EM 1928

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1628/abaporu>. Acesso em: 3 ago. 2021.

Em sua fase antropofágica, Tarsila utilizou uma estética fora do padrão,


apresentando temas de caráter onírico por meio da redução de cores e formas, os quais
remetem a uma atmosfera surrealista. Além de Tarsila, os brasileiros Ismael Nery (1900-
1934) e Cícero Dias (1907-2003) também utilizaram características dessa nova tendência
europeia. Conheça a seguir um pouco sobre a história e o trabalho desses artistas.

2.4.1 Ismael Nery


Ismael Nery nasceu em Belém, Pará em 1900, mas ainda quando criança se
mudou com a família para o Rio de Janeiro. Aos dezessete anos de idade matriculou-se
na Escola Nacional de Belas Artes – Enba e após três anos vai a Paris para estudar arte,
em 1920. Permanece na Académie Julian por três meses e é nesse período na Europa
que o artista entra em contato com o modernismo.

Apesar de contemplar formas modernas em seu trabalho, o tema de suas pinturas


não se relaciona com o modernismo brasileiro da Semana de Arte Moderna de 1922, pois
distancia-se das abordagens nacionalistas. Ismael Nery trata da figura humana, porém de
um modo simbólico, representando personagens em cenários imaginários e apartado de
referências reais.
151
FIGURA 10 – OBRA “COMPOSIÇÃO SURREALISTA” CRIADA PELO ARTISTA ISMAEL NERY EM 1929

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1847/composicao-surrealista>. Acesso em: 3 ago. 2021.

Em 1927 retorna à França, em uma viagem que vem a influenciar profundamente


sua pintura. Nesse período tem contato com artistas como Marc Chagall e André Breton
e, assim, ao voltar para o Brasil inicia a fase surrealista de seu trabalho. Passa a pintar os
corpos utilizando cores mais vivas e com traços mais leves, mantendo uma sensação
onírica em suas obras. Contudo, o artista foi reconhecido apenas postumamente, após
exposições de suas telas em museus e Bienais nos anos de 1960.

2.4.2 Cícero Dias


Nascido na cidade de Escada, Pernambuco em 1907, Cícero dos Santos Dias
transitou por diversas correntes artísticas ao longo de sua vida, sempre buscando
formas diferentes de se expressar. Iniciou seus estudos de desenho ainda em sua terra
natal, porém em 1920 mudou-se para o Rio de Janeiro. Nos anos seguintes matriculou-
se na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), mas não chegou a concluir seus estudos.

Inicialmente, Cícero Dias produzia muitas aquarelas, buscando representar um


universo onírico e inquietante. As figuras humanas em sua pintura possuíam escala
diferente em relação às paisagens retratadas, assim como os objetos, apresentando
um conjunto de muita leveza. São imagens representadas de modo muito delicado,
compostas por uma diversidade de cores e que se relacionam com o mundo dos sonhos,
do inconsciente, além de frequentemente evocarem certo erotismo.

152
FIGURA 11 – OBRA “COMPOSIÇÃO”, CRIADA PELO ARTISTA CÍCERO DIAS EM 1928

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1758/composicao>. Acesso em: 3 ago. 2021.

De acordo com o crítico Antonio Bento, a obra de Cícero Dias está relacionada à
vertente surrealista, abarcando características de um "imaginário fantástico nordestino",
composto por mitos e fábulas tanto nas produções artísticas como na literatura de
cordel. (CÍCERO..., 2021, s.p.). Além das características surrealistas, Cícero caminha
também por outras vias em suas obras, influenciando e sendo influenciado por suas
vivências durante sua carreira, porém nunca abandonando suas origens.

3 DIFERENTES EXPRESSÕES DA ARTE BRASILEIRA


Além das influências diretas das vanguardas, o modernismo começava a se
desenhar no país a partir da criação de estilos próprios de alguns artistas para além da
pintura. A concepção de uma identidade artística que tivesse realmente as características
de um Brasil sem interferências talvez já não fosse possível, mas realinhar essa direção
se tornou um objetivo que nasceu a partir de experiências fora do país.

Tanto os novos aprendizados no exterior, como os debates entre intelectuais


e artistas, configuraram um novo panorama na arte brasileira. Esses aspectos foram
fundamentais na reconstrução da essência estilística brasileira, que passa a ser incorporada
pela música, pela literatura, pelas artes visuais e se expande para outras linguagens.

É correto depositar o mérito da atribuição do valor das nossas raízes a esses


grupos que não esmoreceram diante das duras críticas conservadoras direcionadas aos
que aspiravam por um novo horizonte na paisagem artística brasileira.

153
3.1 LITERATURA
Além da pintura, a literatura brasileira foi uma das principais linguagens artísticas
a receber influência das vanguardas europeias, no início e ao longo do século XX, dando
origem ao que se configurou como o modernismo brasileiro. De acordo com Alfredo Bosi
(2015, p. 699), “é a sedução do irracionalismo, como atitude existencial e estética, que
dá o tom aos novos grupos, ditos modernistas, e lhes infunde aquele tom agressivo com
que se põem em campo para demolir as colunas parnasianas e o academismo em geral”.

Dentre alguns nomes, destacam-se os escritores Manuel Bandeira (1886-1968),


Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Carlos Drummond
de Andrade (1902-1987), Graciliano Ramos (1892-1953), Guimarães Rosa (1908-1967),
Cecília Meireles (1901-1964), Murilo Mendes (1901-1975), Clarice Lispector (1920-1977)
e João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Esses autores contribuíram para a formação
de uma nova identidade cultural, fazendo da literatura uma manifestação artística
genuinamente brasileira.

IMPORTANTE
Apesar de algumas divergências internas existentes, Pagnan (2010, p. 245)
resume as características que envolviam a literatura modernista:
a. versos livres, cuja base estava no Dadaísmo e no Surrealismo;
b. ênfase na ordem do subconsciente, para a livre associação de ideias, de
imagens, também inspirada no Dadaísmo e no Surrealismo;
c. velocidade – o mundo moderno, com as diversas invenções, tornara-
se mais veloz, por isso a literatura deveria ser a expressão da agitação
mundana. E a visão futurista do momento;
d. resgate histórico crítico – um olhar crítico sobre nosso passado para
repensar o presente e construir o futuro foi indispensável nessa fase;
e. a compreensão de quem somos como raça, como povo, miscigenado,
fruto de diversos povos;
f. simultaneidade.
FONTE: PAGNAN, C. L. Manual compacto de literatura brasileira. São Paulo:
Rideel, 2010.

Entre os movimentos artísticos de vanguarda que influenciaram a literatura


modernista, encontramos aspectos do expressionismo nos romances “Amar, verbo
intransitivo”, de Mário de Andrade, e “Os Condenados”, de Oswald de Andrade. Também
o Cubismo parece estar presente no poema “Hípica” de Oswald de Andrade que, por
meio de uma superposição de imagens, desloca o olhar do leitor entre os elementos do
texto. Já o surrealismo pode ser identificado nos escritos de Murilo Mendes, como no
poema “Canção do Exílio'' em que, ao parodiar Gonçalves Dias, faz referência ao mundo
do inconsciente sugerindo diferentes imagens.

154
Canção do Exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia


onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade


e ouvir um sabiá com certidão de idade!

FONTE: MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

3.2 ESCULTURA
Também a escultura passava por transformações no início do século XX a partir das
mudanças que ocorriam na Europa. Stephen Farthing (2011, p. 444) afirma que a escultura
modernista “é um ponto de inflexão na busca dos escultores por descobrir o que era a sua
arte, começando pelo reexame das noções de representação, espaço, forma, volume e
massa, seguindo-se a escolha dos materiais, até chegar aos métodos construtivos”.

No Brasil, essa linguagem artística recebeu influências dos movimentos


europeus e de suas características, tendo como seu principal representante o artista
Victor Brecheret (1894-1955). De acordo com Proença (2008, p. 204), “as obras de
Brecheret afastaram-se da imitação da realidade e ganharam expressão por meio de
volumes e formas geométricas, de linhas simples”.

Iniciando seus estudos em 1912, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, o artista
vai à Roma, Itália, onde permanece por seis anos aperfeiçoando seus aprendizados na
escultura. Mais tarde, em 1921, após um período de retorno a São Paulo, ganha uma
bolsa e viaja para Paris. Na cidade francesa, Brecheret procura mesclar algumas de suas
referências para compor um estilo pessoal, baseado na geometria da escultura cubista,
na sintetização da forma e na estilização do art déco (VICTOR..., 2021, s.p.).

155
FIGURA 12 – OBRA “TOCADORA DE GUITARRA”, CRIADA PELO ARTISTA VICTOR BRECHERET EM 1923

FONTE: <https://galeriandre.com.br/obras-interna/3813/tocadora-de-guitarra/>. Acesso em: 19 ago. 2021.

Alguns anos depois, no Brasil, o artista intensifica seu trabalho, produzindo obras
de grande porte, como o “Monumento às Bandeiras”, o qual já havia apresentado em
1920, porém em menor escala. De modo geral, Victor Brecheret deixou sua importante
contribuição para a legitimação da arte brasileira, por meio das influências externas
recebidas e sintetizadas em formas simples, porém expressivas.

FIGURA 13 – OBRA “MONUMENTO ÀS BANDEIRAS”, CRIADA PELO ARTISTA VICTOR BRECHERET,


INAUGURADO EM 1953

FONTE: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/monumentos/monumento-as-bandeiras/>.
Acesso em: 20 set. 2021.

Essa obra começou a ser desenhada no ano de 1920, mas foi concretizada
somente 33 anos depois. Essa escultura, de grande porte, possui cerca de 11 metros de
altura total, por 8,40 metros de largura e 43,80 metros de profundidade.

156
INTERESSANTE
Em 2020, na mostra “Vozes contra o racismo” foram feitas projeções em
diversos monumentos da cidade de São Paulo durante o Festival das
Luzes. O “Monumento às Bandeiras”, de Victor Brecheret, recebeu as luzes,
que provocaram a impressão de movimento na obra. Assista em: https://
www.youtube.com/watch?v=Ip3WXHgt5bM.

Vamos conhecer mais uma obra do artista Victor Brecheret, intitulada “Musa
impassível”, realizada em 1923, que foi criada para o túmulo da poetisa Francisca Júlia.

FIGURA 14 – OBRA “MUSA IMPASSÍVEL”, CRIADA PELO ARTISTA VICTOR BRECHERET EM 1923

FONTE: Acervo das autoras

INTERESSANTE
Na ocasião da morte da poetisa Francisca Júlia (1871-1923), foi aprovada
a construção de um mausoléu, idealizado pelo grupo de artistas e
intelectuais que mais tarde fundariam o Movimento de Arte Moderna. A
obra abrigaria uma estátua feita por Victor Brecheret.
A estátua, Musa impassível, esquecida no cemitério do Araçá, em São
Paulo, foi descoberta por acaso em 1992, pela filha de Brecheret. Em
2006, a estátua foi levada para a Pinacoteca do Estado de São Paulo,
onde foi restaurada e está exposta.
Assim diz Menotti Del Picchia em uma crônica ao Correio paulistano:

157
[...] que se ergue hoje, no Cemitério do Araçá [...].
É A musa impassível, um mármore [...] criado pelo cinzel triunfal de Victor Brecheret, [...] na
augusta expressão dos seus olhos, do seu busto erecto, das suas mãos rítmicas, há toda
a grandeza e a beleza daquela musa impassível da formidável parnasiana que concebeu e
realizou a “Dança das centauras”.

FONTE: REIS, E. V. dos. Manual compacto de arte. São Paulo: Rideel, 2010.

Leia um trecho do poema “Musa impassível”, de Francisca Júlia, do livro Mármores:

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero


Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero


Em tua boca o suave idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;


A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com teus bárbaros ruídos,


Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor dos mármores partidos.

FONTE: REIS, E. V. dos. Manual compacto de arte. São Paulo: Rideel, 2010.

3.3 ARQUITETURA
Diferentemente das outras expressões artísticas, a arquitetura tardou um
pouco mais a se modernizar no Brasil. Nas duas primeiras décadas do século XX nossos
arquitetos ainda seguiam padrões clássicos de composição, os quais eram ensinados
nas poucas escolas de arquitetura do país.

Contudo, em 1923 chega a São Paulo o arquiteto russo de formação italiana


Gregori Warchavchik (1896-1972), o qual projeta e constrói em 1928 na Vila Mariana, bairro
da capital paulista, uma casa composta por linhas e formas geométricas, renunciando
ornamentações florais ou figurativas. De acordo com Battistoni Filho (2018, p. 96), “o

158
arquiteto russo inseriu o Brasil no mapa da arquitetura moderna mundial, logo no início
dos anos 1930. Nesse contexto, foi posicionado na historiografia da arquitetura como o
iniciador da arquitetura moderna no Brasil”.

FIGURA 15 – CASA NO BAIRRO VILA MARIANA, CRIADA PELO ARQUITETO GREGORI WARCHAVCHIK EM 1928

FONTE: <https://cutt.ly/NEKMSst>. Acesso em: 22 ago. 2021.

Ainda em 1929, o também renomado arquiteto suíço Le Corbusier passa pelo


Brasil, onde ministra conferência no Rio de Janeiro e em São Paulo e assim influencia
o destino de nossa arquitetura. A partir de então, a década de 1930 carrega fatos que
passam a interferir na formação dos novos arquitetos modernistas brasileiros, ainda
que com pouca repercussão nacional. Todavia e de modo geral, é por meio do uso do
concreto armado em larga escala que as principais cidades brasileiras começam a se
verticalizar e, assim, o brasileiro vai trocando sua casa pela moradia coletiva em prédios
com apartamentos.

3.4 GRAVURA
Foi a partir das décadas de 1930 e 1940 que a gravura começou a afirmar-se
no Brasil. De início, o artista de maior repercussão foi Oswaldo Goeldi (1895-1961), o
qual trazia um estilo expressionista por meio da representação de animais como gatos,
abutres e peixes, ou de casarios suburbanos e ruas sombrias (BATTISTONI FILHO, 2018).

Nascido no Brasil, mas de formação artística europeia, vivia no Rio de Janeiro


e dedicava-se à xilogravura. Conforme comenta Proença (2008, p. 210), o artista
“desenvolveu um trabalho importante como ilustrador de livros, como Cobra Norato, de
Raul Bopp, e Obras completas, do escritor russo Dostoievski”.

159
FIGURA 16 – OBRA “PESADELO”, CRIADA PELO ARTISTA OSWALDO GOELDI EM 1935

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35684/pesadelo>. Acesso em: 22 ago. 2021.

Outros dois importantes gravadores foram Carlos Oswald (1882-1971) e Poty


(1924-1998). O primeiro nasceu em Florença, na Itália, mas em 1914 fixou residência no
Brasil. Artista de vasta produção, criou seu ateliê em 1920 no Rio de Janeiro, tornando-
se um importante divulgador da arte da gravura brasileira. Já Napoleon Potyguara
Lazzarotto, mais conhecido como Poty, nasceu em Curitiba, estudou pintura na Escola
Nacional de Belas-Artes e gravura com Carlos Oswald no Liceu de Artes e Ofícios, no
Rio de Janeiro. Seus estudos foram aperfeiçoados também na França e converteram-
se em importantes trabalhos de ilustração em livros de escritores como Jorge Amado,
Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.

160
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As vanguardas europeias formam um conjunto de movimentos artístico-culturais


(o expressionismo, o fauvismo, o cubismo, o futurismo, o dadaísmo e o surrealismo)
que ocorreram no início do século XX em diversas partes da Europa, os quais se
expressaram por meio das artes visuais, do teatro, da música, da arquitetura, da
literatura e do cinema e influenciaram a arte moderna em muitos países, incluindo
o Brasil.

• O Expressionismo caracterizou-se pelos traços fortes e marcantes na pintura,


pela utilização do contraste entre as cores e as temáticas envolvendo críticas à
sociedade. No Brasil, destacaram-se artistas como Anita Malfatti, Lasar Segall e
Candido Portinari.

• O Fauvismo teve como principais características a simplificação das formas e o uso


intenso das cores. No Brasil, não encontramos relatos de artistas filiados a esse
estilo, mas é possível notar tais características nas produções de Arthur Timótheo
da Costa e de Inimá José de Paula.

• O Cubismo foi uma vertente que se destacou pelo uso de formas geométricas, tendo
por objetivo o rompimento da perfeição das figuras. Ainda que não haja nenhum
pintor brasileiro considerado exclusivamente cubista, podemos observar suas
influências em alguns trabalhos de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Rego Monteiro
e Di Cavalcanti.

• O Surrealismo teve como foco a livre expressão de ideias. Sem preocupação com
a lógica, os artistas tomaram como base para sua estética as teorias psicanalíticas
que valorizavam o inconsciente. Mesmo que no Brasil não tenha expressado muita
força, alguns artistas apresentaram influências dessas características em seus
trabalhos, como Tarsila do Amaral, Ismael Nery e Cícero Dias.

• Além da pintura, as vanguardas europeias influenciaram outras linguagens da


arte, contribuindo para a formação de uma nova identidade cultural. Na literatura
destacaram-se os escritores Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Oswald de
Andrade, Cecília Meireles, Murilo Mendes, entre outros. Na escultura, encontramos
o trabalho de Victor Brecheret, na arquitetura podemos citar a produção de Gregori
Warchavchik e na gravura evidenciam-se os trabalhos de Oswaldo Goeldi, Carlos
Oswald e Poty Lazzarotto.

161
AUTOATIVIDADE
1 No início do século XX, a sociedade passava por diversas mudanças, tendo em vista
a Segunda Revolução Industrial ocorrida no século XIX e a Primeira Guerra Mundial.
No Brasil, inclusive, também se percebeu grande influência desses acontecimentos.
Dessa forma, descreva quais os principais movimentos artísticos que influenciaram a
arte moderna e como esse conjunto de movimentos é conhecido e por meio de quais
linguagens se expressaram?

2 Descreva quais foram as principais características do movimento expressionista e


quais artistas brasileiros seguiram essa corrente?

3 O cubismo surgiu na França e foi uma vertente que se caracterizou pelo uso de
formas geométricas, tendo por objetivo o rompimento da perfeição das figuras. No
Brasil não há artistas que tenham em suas obras características totalmente cubistas,
mas podemos encontrar traços de cubismo nas obras de alguns artistas. Com base
nas informações do texto, que artistas possuem características que fazem referência
ao cubismo? Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro.


b) ( ) Emiliano di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral.
c) ( ) Anita Malfatti,, Vicente do Rego Monteiro, Emiliano di Cavalcanti.
d) ( ) Tarsila do Amaral, Vicente do Rego Monteiro, Emiliano di Cavalcanti.

4 Além da pintura, as vanguardas europeias influenciaram outras linguagens da arte,


contribuindo para a formação de uma nova identidade cultural. Considerando a
escultura modernista brasileira, em relação ao importante artista escultor e suas
obras, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O artista Cícero Dias, com as obras “Musa impassível”, “A estudante russa” e a


escultura “Retirantes”.
b) ( ) O artista Victor Brecheret, com as obras “Tocadora de Guitarra”, “Musa impassível”
e a escultura “Monumento às bandeiras”.
c) ( ) O artista Lasar Segall, com as obras “A caipirinha”, “Dois seres” e a escultura
“Monumento às bandeiras”.
d) ( ) O artista Oswald de Andrade, com as obras “Antropofagia”, “Bananal” e a escultura
“Retirantes”.

5 No início do século XX ocorreram muitas transformações no mundo. Na Europa, artistas


experimentavam novas maneiras de expressão, criando correntes e movimentos
considerados à frente de seu tempo. Denominadas vanguardas europeias, essas
correntes influenciaram o modernismo brasileiro. Sobre essas vanguardas e suas
características, analise as sentenças a seguir:
162
I- O Fauvismo busca a simplificação das formas e o uso intenso das cores. Com temáticas
leves que se distanciavam de questões críticas sociais ou políticas, as pinturas fauvistas
possuem pinceladas separadas que diminuem a sensação de profundidade.
II- O Surrealismo teve como foco a livre expressão de ideias. Sem preocupação com
a lógica, os artistas tomaram como base para sua estética as teorias psicanalíticas
que valorizavam o inconsciente.
III- O Expressionismo possui como características a mistura ótica de cores além da
eliminação dos contornos nítidos e a utilização das cores complementares para
destacar luzes e sombras.
IV- No Fauvismo as figuras eram representadas de modo realista, assim como as cores,
correspondiam à realidade pois eram utilizadas com o emprego de gradações.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.

163
164
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
ARTE MODERNA BRASILEIRA: EM BUSCA DA
RUPTURA

1 INTRODUÇÃO
No início do século XX a arte brasileira ainda carregava traços da herança
acadêmica do século XIX, enquanto na Europa surgiam novas possibilidades a partir de
experiências individuais de alguns artistas, resultando no que definiu a arte moderna.

É importante ressaltar que a arte moderna não está alinhada cronologicamente


à Era Moderna, iniciada com a tomada de Constantinopla, pelos turcos, e tendo seu
marco final com a Revolução Francesa, em 1789, quando inicia a Era Contemporânea,
que vivemos atualmente.

O modernismo artístico no Brasil ocorreu tardiamente em relação a outros


países, principalmente da Europa, de onde surgem as chamadas Vanguardas Europeias,
que agrupam as correntes artísticas sucedidas pelo advento da fotografia, no final do
século XIX.

Algumas dessas correntes artísticas tiveram maior repercussão, como o


cubismo, o expressionismo, o dadaísmo, o abstracionismo e o surrealismo, que
conquistaram artistas brasileiros que imprimiram características desses movimentos em
suas obras, enfrentando o conservadorismo existente e consolidado por anos no Brasil.
Foi necessário, então, romper com a tradição e levar a público as novas concepções
artísticas que já habitavam as obras de artistas europeus. Cria-se então, a Semana de
Arte Moderna.

2 SEMANA DE ARTE MODERNA


No ano em que o Brasil completava 100 anos de independência, a arte brasileira
iniciava um novo ciclo a partir da Semana de arte moderna. A ideia de realizar o evento
surgiu a partir de críticas feitas por Monteiro Lobato (1882-1948) às exposições,
inicialmente à exposição de Lasar Segall, em 1913 e, principalmente, às obras de Anita
Malfatti na exposição de 1917.

Em um artigo, no jornal O Estado de São Paulo, publicado em 20/12/1917,


Monteiro Lobato escreveu que “todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis
fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude”. E entre outras palavras do
então crítico de arte:

165
Está ali entre os trabalhos da Sra. Malfatti em atitude de quem diz:
eu sou o ideal, sou a obra-prima, julgue o público do resto tomando-
me a mim como ponto de referência. Tenhamos coragem de não ser
pedante: aqueles gatafunhos não são uma figura em movimento;
foram, isto sim, um pedaço de carvão em movimento.

A artista Anita, que havia estudado na Europa e nos Estados Unidos, voltava
ao Brasil com novas ideias, disposta a refletir sobre a arte e, principalmente, abrir
novos caminhos para a arte brasileira, valorizando a cultura nacional. Assim, com ajuda
de amigos, expôs suas obras sem imaginar o que viria por parte da crítica. A artista
ficou muito abalada e parou de pintar, pois muitas obras haviam sido vendidas e os
compradores decidiram devolver.

Diante desses acontecimentos, artistas e escritores favoráveis à arte moderna


não se calaram ao conservadorismo. Mário de Andrade (1893-1945) escreveu no Prefácio
interessantíssimo de seu livro Paulicea desvairada:

Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório — questão de moda.


Belo da natureza: imutável, objectivo, natural — tem a eternidade que a
natureza tiver. Arte não consegue reproduzir natureza, nem este é seu
fim. Todos os grandes artistas, ora consciente (Rafael das Madonas,
Rodin do Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Braz
Cubas), ora inconscientemente (a grande maioria) foram deformadores
da natureza. Donde infiro que o belo artístico será tanto mais artístico,
tanto mais subjectivo quanto mais se afastar do belo natural. Outros
infiram o que quizerem. Pouco me importa (ANDRADE, 1922, p. 8).

Idealizada, a Semana de Arte Moderna concretiza-se entre os dias 11 a 17 de


fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, onde foram apresentados concertos,
conferências e exposições. As exposições realizadas no saguão apresentavam obras de Di
Cavalcanti, Anita Malfatti, Almeida Prado, Vicente do Rego Monteiro, entre outros artistas.

FIGURA 17 – CATÁLOGO CRIADO PELO ARTISTA DI CAVALCANTI PARA A SEMANA DE 1922

FONTE: https://www.revistaprosaversoearte.com/semana-de-arte-moderna-de-1922/ Acesso em; 12 set. 2021.

166
As conferências tratavam de assuntos em torno dos aspectos estéticos da arte
no Brasil, que vinha seguindo os padrões europeus, mas necessitava de mais liberdade,
como também de valorização da cultura nacional, tanto na literatura, na música, na
arquitetura, na pintura, na escultura ou outra linguagem artística.

A Semana de Arte Moderna foi um marco importante na história da arte


brasileira, pois atuou fundamentalmente na valorização de um perfil estético nacional,
sem exterminar as técnicas e linguagens aprendidas pelos artistas na Europa ou nos
Estados Unidos. A ideia era captar os conhecimentos e realinhar à linguagem e aos
temas brasileiros. Era a antropofagia cultural!

INTERESSANTE
Para conhecer o teor da crítica de Monteiro Lobato à exposição de Anita
Malfatti, acesse: https://issuu.com/jailsonsbrito/docs/paranoia_ou_mistificacao.

3 VALOR ÀS RAÍZES NACIONAIS


Em decorrência da Semana de Arte Moderna, intensificou-se a temática
brasileira nas artes, assim como a absorção de ideias estrangeiras também motivou a
valorização das raízes nacionais. Isso pode ser observado nas obras de diversos artistas
que compõem essa unidade de estudo.

A luta pela valorização das nossas raízes, exibindo o que é nacional ao invés
dos temas clássicos dos retratos e naturezas-mortas, foi intensa. E o escritor Oswald de
Andrade juntamente com outros intelectuais, escritores e artistas foram responsáveis
por trazer à tona o discurso sobre o Brasil.

Oswald havia passado uma temporada em Paris, em 1923, conhecendo a


produção de vanguardistas europeus e, em 1924 assistiu ao carnaval na companhia de
Tarsila do Amaral. Assim, enfatizou que deveria haver uma revisão cultural, iniciando
pelos elementos primitivos, presentes no cotidiano brasileiro, como os europeus
apresentaram no cubismo (ANDRADE; SCHWARZ, 2017). Nasce o Manifesto Pau-Brasil,
que além de valorizar temas brasileiros, buscava exportar a produção cultural.

Quando em 1928, Tarsila do Amaral, presenteou o então marido, Oswald de


Andrade, com a obra Abaporu, originou-se o Manifesto Antropófago, um dos mais
conhecidos textos do autor, que traz trechos como “nunca fomos catequizados. Fizemos
foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt, ou figurando nas
óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses” (ANDRADE; SCHWARZ,
2017, p. 54), como vemos na figura da Revista de Antropofagia mostrada a seguir.

167
FIGURA 18 – REVISTA DE ANTROPOFAGIA

FONTE: Andrade e Schwarz (2017, p. 43-45)

Artistas, manifestos, movimentos, impulsionaram a arte a tirar a máscara


europeia que estaria impregnada na face brasileira. Deve-se à coragem desses
desbravadores culturais o que podemos usufruir dentro do cenário artístico e cultural
do Brasil.

3.1 MOVIMENTO PAU-BRASIL


Influenciado pelas vanguardas europeias e pela repercussão provocada pela
Semana de Arte Moderna de 1922, Oswald de Andrade elabora em 1924 o Manifesto da
Poesia Pau-Brasil, o qual foi ilustrado por Tarsila do Amaral.

O texto inaugura o Movimento Pau-Brasil, o qual possuía um caráter nativista


e defendia a exportação da poesia e cultura brasileira. Nunes (1978, p. 20) explica que
“a perspectiva definida pelo Manifesto — sentimental, intelectual, irônica e ingênua ao
mesmo tempo — é um modo de sentir e conceber a realidade, depurando e simplificando
os fatos da cultura brasileira sobre que incide”.

Desse modo, Oswald procura ressaltar no manifesto a importância das raízes


brasileiras, mas também a valorização do progresso que se evidenciava naquele
momento. Sua ideia era contrária ao primitivismo e pretendia combater uma visão
estereotipada do Brasil, a qual era comumente retratada nas pinturas europeias.

A tela “E.F.C.B.” de Tarsila do Amaral é um exemplo do que pretendia o manifesto.


A pintura representa casebres e palmeiras, trazendo uma ideia de vilarejo.

168
FIGURA 19 – OBRA “ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL”, CRIADA PELA ARTISTA TARSILA DO
AMARAL EM 1924

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1617/estrada-de-ferro-central-do-brasil>.
Acesso em: 24 ago. 2021.

Entretanto, ao mesmo tempo, essa obra ressalta a construção da Estação


Férrea Central do Brasil, apresentando carros, pontes, postes, antenas e sinalizadores, o
que evidencia a industrialização no país e seu processo de modernização.

3.2 MOVIMENTO VERDE-AMARELO


O Movimento Verde-Amarelo ocorre no mesmo período do Movimento Pau-
Brasil, e surge como uma reação às ideias de renovação nacionalista defendidas por
Oswald de Andrade. O Verde-Amarelismo, nome pelo qual também ficou conhecido
o movimento, apresentava em suas concepções uma defesa maior do patriotismo,
aproximando-se inclusive de ideias fascistas.

Fundado em 1926 pelos escritores Plínio Salgado (1895-1975), Menotti Del


Picchia (1892-1988) e Cassiano Ricardo (1895-1974), o movimento transforma-se no ano
seguinte na Escola da Anta, ou Grupo Anta, tendo o ufanismo como uma de suas maiores
características. O nome dado ao grupo faz referência ao caráter mítico desse animal
para a cultura indígena tupi. Em 1929, é publicado o Manifesto Nhengaçu Verde Amarelo,
o qual “sintetizava todo o programa que se havia desenvolvido desde a fundação do
grupo ‘na obra de renovação intelectual brasileira’, três anos antes” (QUEIROZ, 2011, p. 4).

Além dos ideais puramente nacionalistas, entre suas principais manifestações


estava a exaltação do nativismo, ou seja, a valorização dos indígenas e o desprezo pelos
povos estrangeiros; o enaltecimento das tradições históricas brasileiras; e o confronto
ao sistema ideológico do Brasil daquela época.

169
3.3 MOVIMENTO ANTROPOFÁGICO
Enquanto o Movimento Pau Brasil propunha uma arte de exportação e ressaltava
a modernização brasileira, o Movimento Antropofágico buscava devorar a cultura e as
técnicas estrangeiras para reelaborá-las de modo mais legítimo e autônomo.

A ideia do movimento surgiu em 1928, quando Tarsila do Amaral, na época


esposa de Oswald de Andrade, pintou uma tela e a presenteou ao escritor. O título da
obra foi então elaborado por Oswald e pelo poeta Raul Bopp, a qual se chamou “Abaporu”,
que significa antropófago em tupi-guarani.

FIGURA 20 – OBRA “ABAPORU”, CRIADA PELO ARTISTA TARSILA DO AMARAL EM 1928

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1628/abaporu>. Acesso em: 24 ago. 2021.

Naquele momento surgiam as bases do Manifesto Antropofágico, cujo nome


estava relacionado aos rituais antropofágicos indígenas, nos quais os índios brasileiros
comiam seus inimigos na crença de que, assim, estariam incorporando suas qualidades.
Assim, o movimento não negava as influências europeias, mas pretendia configurá-las
de outro modo, movimentar o pensamento para então, antropofagicamente, recriá-las.

Para Nunes (1978, p. 25), “os aforismos do Manifesto Antropófago misturam,


numa só torrente de imagens e conceitos, a provocação polêmica à proposição teórica,
a piada às ideias, a irreverência à intuição histórica, o gracejo à intuição filosófica.”

170
4 FORMAÇÃO DE SOCIEDADES, CLUBES E GRUPOS
Na década de 1930 surge uma propensão à formação de grupos. Como conceitua
Coelho (2014, p. 214), “é um conjunto de indivíduos reunidos ao redor de um fim comum
a ser perseguido e que serve de centro ordenador das relações entre esses indivíduos,
uns em relação aos outros, e entre eles e o fim buscado”. O objetivo desses grupos era
discutir e defender as tendências que aproximavam seus componentes.

Os grupos, formados por artistas que não tinham possibilidade de frequentar


uma escola de arte, por falta de recursos financeiros e por terem que trabalhar, reuniam-
se então, à noite ou aos finais de semana para discutir a arte e suas tendências.

Cada grupo dividia espaços de trabalho e possuía interesses diferentes com


relação às temáticas e estilos artísticos, mas havia em comum um elemento fundamental
que foi o fortalecimento da arte moderna.

4.1 NÚCLEO BERNARDELLI


Criado no Rio de Janeiro, em 1931, o Núcleo Bernardelli opunha-se aos métodos
ultrapassados das aulas ministradas na Escola Nacional de Belas Artes. Seus artistas
procuravam criar novas formas de ensino, além de promover a participação de novos
artistas no Salão Nacional de Belas-Artes. Para Luz (2013, p. 139), “o Núcleo Bernardelli é
a chama modernista que arde nos porões da escola, pois era lá que eles se encontravam
para lecionar e aprender”.

Provenientes, em sua maioria, da classe média baixa, os nucleados “trabalhavam


todos os dias, o dia todo, para poder, à noite, exercitar o desenho com modelo vivo e, nos
fins de semana, percorrer os subúrbios do Rio, procurando temas para seus quadros”
(BATTISTONI FILHO, 2018, p. 98). Dentre os artistas participantes, estavam Edson Motta
(1910-1981), José Pancetti (1902-1958), Milton Dacosta (1915-1988), Joaquim Tenreiro
(1906-1992) e Quirino Campofiorito (1902-1993).

De acordo com Luz (2013, p. 139), o funcionamento do Núcleo “era como


um ateliê livre, e, consequentemente, o que nele se observa é a busca das soluções
modernas em diferentes vertentes”. Diferentemente dos modernistas de São Paulo, os
nucleanos buscavam seu espaço profissional na cena artística. Enquanto “os primeiros
discutiam, debatiam, publicavam manifestos; os segundos expunham e lutavam para
minar o edifício acadêmico” (BATTISTONI FILHO, 2018, p. 98). Suas atividades foram
exercidas até 1942, sendo a criação de uma Divisão Moderna no Salão Nacional sua
maior conquista nesse período.

171
4.2 SOCIEDADE PRÓ-ARTE MODERNA
Reunindo muitas das figuras do primeiro modernismo, a fundação da Sociedade
Pró-Arte Moderna (SPAM) aconteceu em São Paulo, ao final de 1932. Com objetivos
bem definidos e de notável expressividade, o movimento “propunha-se a estreitar as
relações entre os artistas e as pessoas, promover exposições, concertos, conferências
e instalar uma sede social” (BATTISTONI FILHO, 2018, p. 98).

Chegando até mesmo a ser comparado pela crítica ao movimento dadaísta


Cabaré Voltaire, devido ao seu caráter revolucionário, a SPAM teve sua primeira sede no
Palacete Campinas, na Praça da República. Contudo, ao longo de sua formação, foram
surgindo dificuldades financeiras e desentendimentos no grupo, o que ocasionou no
encerramento de suas atividades.

4.3 CLUBE DOS ARTISTAS MODERNOS


O Clube dos Artistas Modernos nasceu em 1933, a partir de dissidentes do SPAM.
Flávio de Carvalho queria ter liberdade nos discursos, realizando então debates e conferências,
com destaque para Caio Prado Junior e Mario Pedrosa (BATTISTONI FILHO, 2018).

O grupo, que tinha também como componentes, Di Cavalcanti, Gomide e Carlos


Prado, chegou a fazer experiências com teatro, mas com dificuldades financeiras se
desfez no ano seguinte, também por não ser muito apreciado pelo regime ditador da
época (ZANINI, 1983).

4.4 GRUPO SANTA HELENA


O Grupo Santa Helena inicia a partir do momento em que Francisco Rebolo aluga
uma sala em um imóvel chamado Palacete Santa Helena, na cidade de São Paulo, ao qual
pertenciam Mario Zanini, Alfredo Volpi, Aldo Bonadei, Fulvio Pennacchi, entre outros.

Em um ambiente amistoso os integrantes do grupo não tinham proximidade


com as linhas de vanguarda, mas também não se rendiam ao academicismo (ZANINI,
1983). Discutiam conhecimentos e técnicas, dividiam custos com modelos vivos, faziam
excursões, entre outras experiências.

5 BIENAIS DE SÃO PAULO


A primeira Bienal Internacional de São Paulo ocorreu em 1951. A ideia partiu
de intelectuais e de grupos de artistas que, segundo Amália e Minerini (2019, p. 79),
“motivaram a organização de novos museus de arte, especialmente de arte moderna”,
como o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP).
172
Organizada por Francisco Matarazzo Sobrinho (1892-1977), o Ciccillo Matarazzo,
como é conhecido, e com apoio de empresários de São Paulo, seu objetivo era reunir
obras de artistas brasileiros e estrangeiros, expondo as tendências artísticas do pós-
guerra, promovendo também o contato entre os expositores.

O sucesso estava presente no Trianon da Avenida Paulista, com a participação


de centenas de países, tendo milhares de obras expostas, como por exemplo obras de
Pablo Picasso (1881 – 1973), René Magritte (1898 - 1967), Lasar Segall, Victor Brecheret,
entre outros.

Conforme Amália e Minerini (2019, p. 80), “o debate que se instalou com a primeira
bienal se deu sobre arte figurativa versus arte abstrata, porque a abstração se tornou a
grande novidade apresentada pela bienal paulista para os brasileiros”. O interesse afetou
diversos grupos que iniciaram trabalhos abstratos, como o Atelier Abstração, fundado
por Samson Flexor em 1953.

Em São Paulo, o Grupo Ruptura, ao qual pertenciam Waldemar Cordeiro, Lothar


Charoux (1912 - 1987), Geraldo de Barros (1923 – 1988), Féjer (1923 - 1989), Leopoldo Haar
(1910 - 1954), Luiz Sacilotto (1924 - 2003) e Anatol Wladyslaw (1913 - 2004), inaugurou
uma exposição em dezembro de 1952, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-
SP), quando publicaram o manifesto ruptura, que defendia os aspectos formais do
abstracionismo, denominando de arte concreta (AMÁLIA; MINERINI, 2019).

FIGURA 21 – MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO (MAM-SP)

FONTE: <http://www.conhecendomuseus.com.br/museus/museu-de-arte-moderna-de-sp/>.
Acesso em: 20 set. 2021.

No Rio de Janeiro, o Grupo Frente, composto por Ivan Serpa (1923 - 1973), Aluísio
Carvão (1920 - 2001), Décio Vieira (1922 - 1988), João José da Silva Costa (1931 - 2014),
Lygia Clark (1920 - 1988), Lygia Pape (1927 - 2004) e Vicent Ibberson (1931 - 2017). Em 1955
uniram-se ao grupo Abraham Palatnik (1928 - 2020), Franz Weissmann (1911 - 2005), Rubem
Ludolf (1932 - 2010) e Hélio Oiticica (1937 - 1980), entre outros (AMÁLIA; MINERINI, 2019).

173
No ano de 1956 os grupos Frente e Ruptura fizeram juntos a primeira exposição
de arte concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM – SP). No ano seguinte
realizam a mostra no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM – RJ) (LUZ, 2013).

A Bienal de São Paulo apresentou, em 1959, conforme Tirapeli (2010a, p. 44),


“obras mais livres, sem a imposição do abstracionismo absoluto”, de artistas como
Manabu Mabe (1924-1997) e Tomie Ohtake (1913- 2015). Para Battistoni Filho (2018,
p. 109), “a Bienal de 1959 dá o golpe de misericórdia no abstracionismo geométrico”,
trazendo o tachismo (da palavra francesa tachè, mancha), com composições a partir de
manchas, conduzindo ao abstracionismo informal.

O Museu de Arte Moderna de São Paulo, fundado em 1949, organizou a primeira


Bienal de Arte de São Paulo, em 1951, ocupando-se desse evento por dez anos, até 1962.
A partir dessa data foi criada a Fundação Bienal, que organiza e promove as bienais. Em
1963, é criado o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-
USP), recebendo, para seu acervo, as obras premiadas nas bienais de São Paulo, entre
obras de outras coleções.

FIGURA 22 – MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (MAC–USP)

FONTE: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/museus/museu-de-arte-contemporanea-da-usp/>.
Acesso em: 20 set. 2021.

A Bienal Internacional de São Paulo representa um marco na história da arte, pois


inaugurou uma tradição que permanece há décadas, contribuindo para o conhecimento
e difusão das tendências artísticas, podendo ser apreciada por todos os tipos de público.

Conheça um pouco mais da história da Bienal Internacional de São Paulo:

174
A Bienal Internacional de São Paulo, criada pelo empresário Francisco
Matarazzo Sobrinho (1892-1977) – conhecido por Ciccillo Matarazzo – em 1951, é
a primeira exposição de arte moderna de grande porte realizada fora dos centros
culturais europeus e norte-americanos. Sua origem articula-se a uma série de outras
realizações culturais em São Paulo – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
– Masp (1947), Teatro Brasileiro de Comédia – TBC (1948), Museu de Arte Moderna de
São Paulo – MAM/SP (1949) e Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949) – que
aponta para o forte impulso institucional que as artes recebem na época, beneficiado
por mecenas como Ciccillo Matarazzo e Assis Chateaubriand (1892 - 1968).

Concebida no âmbito do MAM/SP, a 1ª Bienal é realizada em 20 de outubro


de 1951 na esplanada do Trianon, local hoje ocupado pelo Masp. O espaço, projetado
pelos arquitetos Luís Saia e Eduardo Kneese de Mello, dá lugar a 1.800 obras de 23
países, além da representação nacional. "Devemos colocar a arte moderna do Brasil
em contato vivo com o resto do mundo e paralelamente tentar conquistar para a
cidade de São Paulo a posição de centro artístico mundial", dizem os organizadores
do evento. A 1ª Bienal traz ao Brasil, pela primeira vez, obras de Pablo Picasso (1881
- 1973), Alberto Giacometti (1901 - 1966), René Magritte (1898 - 1967), George Grosz
(1893 - 1959) etc., além de apresentar a produção brasileira de Lasar Segall (1891
- 1957), Victor Brecheret (1894 - 1955), Oswaldo Goeldi (1895 - 1961), entre outros.
Os prêmios concedidos à escultura Unidade Tripartida de Max Bill (1908 - 1994) e à
tela Formas de Ivan Serpa (1923 - 1973) são sintomas da atenção despertada pelas
novas tendências construtivas na arte.

Fundador da Hochschule für Gestaltung Ulm [Escola Superior da Forma],


em Ulm (1951), Max Bill é o principal responsável pela entrada do ideário concreto
na América Latina, sobretudo na Argentina e no Brasil, no período após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). A exposição do artista em 1951 no Masp e a presença
da delegação suíça na 1ª Bienal, no mesmo ano, abrem as portas do país para as
novas linguagens plásticas, que passam a ser amplamente exploradas.

A segunda edição da Bienal, em dezembro de 1953, ocorre no parque do


Ibirapuera recém-inaugurado por ocasião das comemorações do IV Centenário da
cidade de São Paulo, e cujo projeto é assinado por Oscar Niemeyer (1907 - 2012) e
Burle Marx (1909 - 1994). Conhecida como a Bienal de Guernica, o célebre quadro
de Picasso de 1937, a mostra conta também com Constantin Brancusi (1876 - 1957),
de Giorgio Morandi (1890 - 1964) e de obras dos futuristas italianos, além de outros
grandes nomes da arte moderna internacional. A Bienal de 1955, beneficiada por
46 trabalhos de Sophie Taeuber-Arp (1889 - 1943) e por 44 gravuras dos muralistas
mexicanos, marca a consolidação do evento. Em 1957, a exposição conta com a
presença surrealista e com a participação da obra de Jackson Pollock (1912 - 1956).

175
A 5ª Bienal (1959) é grande sucesso de público e traz como novidade,
segundo o crítico Mário Pedrosa (1900 - 1981), a "ofensiva tachista e informal". Aí
também é inaugurada uma área para teatro, que passa a dividir o espaço, com as
mostras de filmes, com as artes plásticas e a arquitetura. Vale lembrar que em 8 de
maio de 1962 é criada a Fundação Bienal de São Paulo, marcando o desligamento
do MAM/SP. Desde fins dos anos 1950, o projeto cultural impulsionado pelos
industriais paulistas perde força, levando a uma recomposição do meio artístico de
São Paulo. Na 6ª edição, de 1961, a curadoria geral de Mário Pedrosa combina obras
contemporâneas (Kurt Schwitters, 1887-1948) com retrospectivas históricas (Alfredo
Volpi, 1896 - 1988). A ampliação da participação nacional e a maior representação de
obras de caráter histórico valem uma série de críticas ao evento. A mostra de 1963,
por sua vez, destaca-se pela grandiosidade que, a partir daí, torna-se um de seus
traços característicos.

No período de 1965 a 1973, a Bienal sofre de perto os efeitos do golpe


militar e da repressão política no país. As participações, nacionais e internacionais,
diminuem sensivelmente, o que compromete o evento (mesmo assim, a mostra
de 1967 conta com representativa presença da arte pop). A oposição dos artistas à
ditadura militar ganha expressão ampliada na 10ª Bienal (1969), quando, no Museu
de Arte Moderna de Paris, diversos artistas e intelectuais assinam o Manifesto Não
à Bienal. A partir da 14ª Bienal (1977), a exposição passa a se organizar por núcleos
temáticos, no interior dos quais as obras passam a ser alocadas. Da década de 1980
em diante, os curadores se notabilizam pela definição de temas e questões que
orientam a organização dos trabalhos, assim como pelas inovações museográficas.

A 16ª Bienal (1981), sob a curadoria geral de Walter Zanini, tem papel
importante no resgate do prestígio do evento, abalado na década anterior. Zanini
organiza a mostra tendo como eixo as analogias de linguagens entre obras variadas
(Núcleo 1: "Linguagens Aproximadas"). Fortalece o núcleo histórico (Núcleo 2),
apresenta o acervo do Museu do Inconsciente e reconquista a participação dos
artistas contemporâneos (entre esses, tem grande impacto a representação
nacional, com Antônio Dias (1944), Cildo Meireles (1948), Tunga (1952), entre
outros). Em 1985, a curadora da 18ª Bienal, Sheila Leirner (1948), com o auxílio
de arquitetos, apresenta novas soluções para a montagem da exposição. A ideia
norteadora do evento – a "grande tela" – leva a que as obras sejam expostas em
três vastos corredores, com 30 cm de distância entre cada uma delas. Nos anos
1990, as mostras são organizadas com base em grandes temas, por exemplo
"Ruptura com o Suporte" (1994) e "Antropofagia" (1998). Nessa década, as bienais
são tomadas por espetáculos de diversos tipos: dança, teatro, música etc., o que
faz delas eventos culturais mais amplos.

FONTE: Adaptada de BIENAL Internacional de São Paulo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e
Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
termo905/bienal-internacional-de-sao-paulo. Acesso em: 14 set. 2021.

176
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• No início do século XX a arte brasileira ainda carregava traços da herança


acadêmica do século XIX, enquanto na Europa surgiam novas possibilidades a partir
de experiências individuais de alguns artistas, resultando no que definiu a arte
moderna, que no Brasil ocorreu tardiamente em relação a outros países.

• Algumas correntes artísticas do início do século XX tiveram maior repercussão,


como o cubismo, o expressionismo, o dadaísmo, o abstracionismo e o surrealismo,
que conquistaram artistas brasileiros, os quais enfrentaram duras críticas.

• A Semana de Arte Moderna foi um marco importante na arte brasileira, dando início
a um novo ciclo. A ideia de realizar o evento surgiu a partir de críticas feitas por
Monteiro Lobato às exposições, inicialmente à exposição de Lasar Segall, em 1913 e,
principalmente, às obras de Anita Malfatti na exposição de 1917.

• Em decorrência da Semana de Arte Moderna, intensificou-se a temática brasileira


nas artes, assim como a absorção de ideias estrangeiras também motivou a
valorização das raízes nacionais. Assim, houve a luta pela valorização das nossas
raízes, exibindo o que é nacional.

• Influenciado pelas vanguardas europeias e pela repercussão provocada pela Semana


de Arte Moderna de 1922, Oswald de Andrade elabora em 1924 o Manifesto da
Poesia Pau-Brasil, ilustrado por Tarsila do Amaral. O manifesto procura ressaltar a
importância das raízes brasileiras e a valorização do progresso que se evidenciava
naquele momento. Sua ideia era contrária ao primitivismo e pretendia combater uma
visão estereotipada do Brasil, a qual era comumente retratada nas pinturas europeias.

• O Movimento Verde-Amarelo foi fundado em 1926, pelos escritores Plínio Salgado,


Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo, surgindo como uma reação às ideias de
renovação nacionalista defendidas por Oswald de Andrade. O Verde-Amarelismo,
nome pelo qual também ficou conhecido o movimento, apresentava em suas
concepções uma defesa maior do patriotismo, aproximando-se inclusive de ideias
fascistas. O movimento transforma-se no ano seguinte na Escola da Anta, ou Grupo
Anta, tendo o ufanismo como uma de suas maiores características. O nome dado
ao grupo faz referência ao caráter mítico deste animal para a cultura indígena tupi.

• O Manifesto Antropófago teve seu nome relacionado aos rituais antropofágicos


indígenas, nos quais os índios brasileiros comiam seus inimigos na crença de que
assim estariam incorporando suas qualidades. Assim, o movimento não negava
as influências europeias, mas pretendia configurá-las de outro modo, ou seja,
movimentar o pensamento para então, antropofagicamente, recriá-las.

177
• Na década de 1930 surge uma propensão à formação de grupos com o objetivo de
discutir e defender as tendências que aproximavam seus componentes para discutir
a arte e suas tendências. Em São Paulo, destacaram-se o Núcleo Bernardelli, a
Sociedade Pró-Arte Moderna, o Clube dos Artistas Modernos e o Grupo Santa Helena.

• A primeira Bienal Internacional de São Paulo ocorreu em 1951. A ideia partiu


de intelectuais e de grupos de artistas. Organizada por Francisco Matarazzo
Sobrinho, com apoio de empresários de São Paulo, o objetivo era reunir obras
de artistas brasileiros e estrangeiros, expondo as tendências artísticas do pós-
guerra, promovendo também o contato entre os expositores. Esse primeiro evento
aconteceu no Trianon da Avenida Paulista, com a participação de centenas de países,
tendo milhares de obras expostas, como por exemplo obras de Pablo Picasso, René
Magritte, Lasar Segall, Victor Brecheret, entre outros.

• O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), fundado em 1949, organizou


a primeira Bienal de Arte de São Paulo, em 1951, ocupando-se desse evento por
dez anos, até 1962. A partir dessa data foi criada a Fundação Bienal, que organiza
e promove as bienais. Em 1963, é criado o Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo (MAC-USP), recebendo, para seu acervo, as obras
premiadas nas bienais de São Paulo, entre obras de outras coleções.

178
AUTOATIVIDADE
1 A Semana de Arte Moderna foi realizada em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de
São Paulo, onde foram apresentados concertos, conferências e exposições. O evento
foi um marco importante na história da arte brasileira, pois atuou fundamentalmente
na valorização de um perfil estético nacional. Quais acontecimentos determinaram a
realização do evento e qual era a intenção dos organizadores?

2 A partir da Semana de Arte Moderna outros manifestos, movimentos e grupos de


artistas estavam voltados para a valorização da arte e das raízes brasileiras. Um
desses manifestos foi denominado Antropófago. Descreva o que originou o Manifesto
Antropófago e qual era o objetivo desse manifesto?

3 Além do Movimento Antropofágico, outros dois movimentos ou manifestos estavam


relacionados ao período que sucede a Semana de 22. Sobre quais eram seus objetivos,
analise as sentenças a seguir:

I- Movimento Verde-Amarelo que possuía ideais puramente nacionalistas, a valorização


dos indígenas, das tradições históricas brasileiras e o desprezo pelos povos estrangeiros.
II- Manifesto Pau-Brasil que buscava ressaltar a importância das raízes europeias e
pretendia combater as tradições do Brasil.
III- Movimento Brasil-Verde que possuía ideias nacionalistas, valorizava a colonização
europeia e desprezava as tradições brasileiras.
IV- Manifesto Pau-Brasil que buscava ressaltar a importância das raízes brasileiras e a
valorização do progresso. Sua ideia era contrária ao primitivismo e pretendia combater
uma visão estereotipada do Brasil, como era retratada nas pinturas europeias.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.

4 Na década de 1930 surge uma propensão à formação de grupos. O objetivo desses


grupos era discutir e defender as tendências que aproximavam seus componentes,
além de haver em comum um elemento fundamental que foi o fortalecimento da arte
moderna. Com relação a quais os principais grupos formados em São Paulo, assinale
a alternativa CORRETA:

179
a) ( ) Núcleo Bernardelli, Sociedade Pró-Arte Acadêmica, Clube dos Artistas Modernos,
Grupo Santa Madalena.
b) ( ) Núcleo Bernardetti, Sociedade Pró-Arte Moderna, Clube dos Turistas Modernos,
Grupo Santa Madalena.
c) ( ) Núcleo Bernardelli, Sociedade Pró-Arte Acadêmica, Clube dos Artistas Modernos,
Grupo Santa Helena.
d) ( ) Núcleo Bernardelli, Sociedade Pró-Arte Moderna, Clube dos Artistas Modernos,
Grupo Santa Helena.

5 A partir da ideia de intelectuais e de grupos de artistas Francisco Matarazzo Sobrinho,


com apoio de empresários de São Paulo, organizou uma bienal de arte. Em que ano
ocorreu a primeira Bienal Internacional de São Paulo e qual era seu objetivo?

a) ( ) Ocorreu em 1961. Seu objetivo era reunir atores brasileiros, expondo as tendências
da dramaturgia do pós-guerra, promovendo também o contato entre os diretores.
b) ( ) Ocorreu em 1951. Seu objetivo era reunir obras de artistas brasileiros e estrangeiros,
expondo as tendências artísticas acadêmicas, promovendo também o contato
entre os expositores.
c) ( ) Ocorreu em 1951. Seu objetivo era reunir obras de artistas brasileiros e estrangeiros,
expondo as tendências artísticas do pós-guerra, promovendo também o contato
entre os expositores.
d) ( ) Ocorreu em 1953. Seu objetivo era reunir obras de artistas estrangeiros, expondo
as tendências artísticas do pós-guerra, promovendo também o contato entre os
expositores.

180
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
ARTE CONTEMPORÂNEA NO BRASIL:
PANORAMA DO SÉCULO XXI

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, no Tópico 3, seguiremos mais adiante pelo caminho da história da
arte brasileira. Percorrendo seus meandros, já atravessamos alguns séculos e vimos
quanta riqueza foi construída.

Se na passagem do século XIX para o século XX as mudanças econômicas e


sociais estimularam o rompimento de tradições acadêmicas, o século XXI já inicia com
uma diversidade de avanços tecnológicos, semeados por todo o século anterior. Esses
avanços muito contribuíram para facilitar o cotidiano e oferecer um novo panorama às
artes. Os artistas passam a apropriar-se das novas tecnologias para materializar suas
concepções. Nesse sentido, Coli (2011, p. 117) expõe que “as regras do jogo artístico
evoluem com o tempo, envelhecem, transformam-se nas mãos de cada artista”,
enfatizando que tudo na arte é “mutável, complexo, ambíguo e polissêmico”, seja no
fazer do artista ou na apreciação do espectador.

Ao apreciar uma obra de arte contemporânea, o espectador pode sentir


incômodo, estranheza e outras reações de impacto. Mesmo que a obra lhe pareça
indiferente, a arte dará alguma resposta, pois ela comunica. Ainda que diante da
negação, a arte comunica no sentido da origem da palavra: tornar comum. Como expõe
Canton (2011a, p. 9), “[...] hoje a arte faz por si só essa aproximação, misturando cada vez
mais questões artísticas, estéticas e conceituais aos meandros do cotidiano em todas
as instâncias: o corpo, a política, a ecologia, a ética [...]”. A autora esclarece que a arte
nos ensina a desaprender sobre as coisas óbvias, além de despertar olhares críticos e
nos provocar para novos desafios e possibilidades.

Vamos visitar mais alguns momentos da arte, agora mais próximos, na


contemporaneidade, e imaginar como continuará essa trilha, iniciada há milhares de
anos, pelos nossos antepassados.

2 PRODUÇÃO ARTÍSTICA DO SÉCULO XX


O século XX foi marcado por diversos acontecimentos sociais, políticos,
científicos, econômicos, que influenciaram a produção artística, como vimos nos tópicos
anteriores. E sabemos que não há como falar de arte sem recorrer a algumas referências
da história do Brasil e do Mundo.

181
Nesse sentido, a produção de arte está relacionada ao cenário de seu próprio
tempo. Para Coli (2011, p. 30), “alargando mais ainda o campo do conceito, descobrimos
que as diversas épocas constroem uma espécie de pano de fundo estilístico comum às
obras, por diferentes que sejam”. A própria temática, os materiais, a formação de grupos,
manifestos, ocorrem de acordo com o contexto vivido.

Durante o século XX, no Brasil, podemos perceber a formação desses


movimentos em torno da arte, que captura para si a responsabilidade sobre a consciência
dos acontecimentos. A arte se torna maior que o próprio artista, ao ponto de ser sua
imagem. Conhecemos Tarsila por seu “Abaporu” ou Portinari por seus “Retirantes”. O
artista tem a marca da obra por sua força.

Nessa perspectiva, o movimento artístico brasileiro constrói sua história sobre


rupturas e enfrentamentos que seguem o traçado da Semana de Arte Moderna, para
expandir cada vez mais o sensível campo da arte.

2.1 EXPERIMENTAÇÕES VISUAIS


A arte contemporânea possui como característica principal a tendência às
experimentações, tanto no que diz respeito aos materiais quanto às linguagens.
Utilizando-se dos mais diversos suportes, comunica sentidos por meio de temas que
muitas vezes causam desconfortos aos espectadores.

Para Canton (2011b, p. 35), “no emaranhado disperso da vida cotidiana, afinal
procuramos o eu através do outro, rastreamos nossas histórias e abrimos nossos diários
íntimos na tentativa de nos oferecer verdadeiramente para o mundo”. Para a autora, os
artistas contemporâneos procuram justamente a troca genuína de memórias e sentidos.

Pode-se dizer que a arte contemporânea, com raízes nas correntes surgidas na
Europa à época da Primeira Guerra Mundial, como por exemplo o dadaísmo, se estabelece
após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o interesse dos artistas em movimentar a arte
contemporânea ocorreu no início da década de 1950 com a arte concreta, estimulada
pela primeira Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, e rompendo com a arte
figurativa do modernismo brasileiro.

No início da década de 1960 novos materiais surgiram na arte brasileira,


principalmente nas obras de Amilcar de Castro (1920-2002), com ferros dobrados e
recortados, e Maria Bonomi (1935-), com placas de concreto, como podemos ver na
imagem que segue (TIRAPELI, 2010a). Artistas como Hélio Oiticica (1937-1980) e Lygia
Clark (1920-1988) experimentam, além de novos materiais, novas propostas que muitas
vezes envolvem a participação do espectador.

182
FIGURA 23 – OBRA “EPOPEIA PAULISTA”, CRIADA PELA ARTISTA MARIA BONOMI EM 2004

FONTE: Tirapeli (2010b, p. 68)

Bonomi utilizou matrizes de xilogravuras, ou seja, madeiras em que gravou suas


criações, adicionou objetos e, em uma obra coletiva que remonta a literatura de cordel,
faz homenagem às pessoas que passam diariamente pela Estação da Luz, em São Paulo.

DICA
Para conhecer um pouco mais dos mistérios da gravura na obra e na
voz da artista Maria Bonomi, acesse em: https://www.youtube.com/
watch?v=HFAByQ6dmbg.

Estimulados pela influência da televisão e pela obra de um dos pioneiros dessa


arte, como o sul-coreano Nam June Paik (1932-2006), no início dos anos 1970 surge
a videoarte. Utilizando como elemento principal o vídeo, artistas como Antonio Dias,
(1944-2018), Ivens Machado (1942-2015) e José Roberto Aguilar (1941-) desenvolvem
expressões estéticas a partir de novas tecnologias.

DICA
Conheça o vídeo que traz informações sobre o desenvolvimento da videoarte,
bem como alguns trechos de obras de artistas que utilizaram esse suporte.
Acesse em: https://tvbrasil.ebc.com.br/midia-em-foco/2018/08/videoarte.

183
A década de 1980 foi marcada pelo fim da ditadura em 1985, a anistia, o
movimento pelas eleições diretas para presidente da república e a Constituição Federal
de 1988. Todos esses eventos promoveram no Brasil um novo horizonte político,
econômico e social. A abertura de um novo tempo, com novas possibilidades, fervilhava
nas artes, agora com o consentimento e a aceitação do novo.

A chamada geração 80, inspirada na obra de artistas Europeus, como Joseph


Beuys (1921 – 1986), do Grupo Fluxus, que propõe materiais como feltro e cera. Nesse
sentido os brasileiros incluem também outros materiais e objetos de uso cotidiano para
criar texturas em suas composições.

Principalmente nos anos 1990, com o desenvolvimento tecnológico, os meios


digitais e a facilidade de edição, a videoarte incorpora-se cada vez mais às experiências
artísticas. Esse suporte dinâmico, perene ou efêmero, possibilita encontros e desencontros
nas relações entre espaço e tempo, proporcionando ao espectador uma visão mágica e
estésica.

INTERESSANTE
Vamos conhecer mais sobre a videoarte?
Assista ao vídeo Corpo & anima de Antonio Dias: https://www.youtube.com/
watch?v=yjHSSqEWmN4.

Você poderá assistir ao documentário sobre a trajetória de Antonio Dias. Acesse


em: https://www.youtube.com/watch?v=XUpjwCKF_ts.

Com o avanço tecnológico intensificam-se as possibilidades no campo artístico


mundial e, com a globalização, o atraso que ocorria nas décadas anteriores entre o
que acontecia em outros países e no Brasil, extinguiu-se. O tempo é o mesmo em todo
o planeta. As notícias são imediatas, os acontecimentos, como o 11 de setembro, são
mostrados ao vivo pela televisão, ainda que provoquem impactos arrasadores. Nessa
direção, mais do que a inovação tecnológica ou possibilidades materiais, os temas
políticos e sociais são expostos nas experimentações artísticas.

DICA
O professor de Filosofia Celso Favaretto esclarece sobre o que é arte.
Acesse em: https://www.youtube.com/watch?v=-XG-71wqwUI.

184
2.1.1 Arte Concreta
A arte concreta surge no Brasil com o manifesto do Grupo Ruptura, inspirado
no abstracionismo formal, como o neoplasticismo, que valorizava as composições
geométricas organizadas e teve como um de seus precursores o artista holandês Piet
Mondrian (1872-1944).

O Grupo Ruptura defendia, conforme Luz (2013, p. 144) “o esgotamento histórico


do método de representar três dimensões no espaço plano de duas dimensões”, como
demonstrado na obra de Waldemar Cordeiro (1925-1973), na figura seguinte:

FIGURA 24 – OBRA “CONTRADIÇÃO ESPACIAL”, CRIADA PELO ARTISTA WALDEMAR CORDEIRO EM 1958

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento630502/waldemar-cordeiro-fantasia-exata>.
Acesso em: 20 set. 2021.

O artista desenvolveu a teoria que buscava o efeito ótico na construção


bidimensional dos objetos (LUZ, 144).

Em 1954, defendendo o neoconcretismo, é fundado no Rio de Janeiro o Grupo


Frente, que propunha mais flexibilidade para o abstracionismo, com mais liberdade na
concepção artística (LUZ, 2013). Desse grupo participavam artistas como Ivan Serpa
(1923-1973), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004). Integraram-se mais tarde,
Franz Weissmann (1911-2005), Hélio Oiticica (1937-1980) e Abraham Palatnik (1928-2020).

Lygia Clark, com seus bichos produzidos em metal, buscava o equilíbrio entre o
bidimensional e o tridimensional e convidava o público a interferir nas formas, como na
obra mostrada na imagem seguinte:

185
FIGURA 25 – OBRA “BICHO”, CRIADA PELA ARTISTA LYGIA CLARK EM 1960

FONTE: <https://www.wikiart.org/pt/lygia-clark/bicho-1960>. Acesso em: 20 set. 2021.

Para Konell (2021, p. 88), essa série criada pela artista, na qual utiliza placas de
metal polido unidas por dobradiças “configuram como uma existência poética que se
movimenta no espaço a partir da participação do público. Diante da obra, o sujeito se
sente estimulado a movimentar e transformar o objeto, para potencializar sensações de
estranhamento sobre o organismo vivo criado”.

Hélio Oiticica também foi um importante representante da arte contemporânea


brasileira. O artista propõe inovações e questionamentos sobre seu próprio trabalho e, como
afirma Luz (2013, p. 147-148), “rompe com a proposta, por considerar os Metaesquemas
ainda presos ao concretismo”. Oiticica propõe os Penetráveis, em que o espectador
interferia no espaço. Mais tarde, os Bólides, “cuja intenção era despertar o fruidor de uma
atitude passiva e contemplativa para outra, ativa e de participação” (LUZ, 2013, p. 148).

Artista inquieto, Oiticica propõe os Parangolés, espécie de capas coloridas,


vestidas pelos espectadores, que agora são o suporte de sua obra e dão movimento às
cores.

DICA
Assista ao vídeo para conhecer os “Parangolés” de Hélio Oiticica. Acesse
em: https://www.youtube.com/watch?v=iaQBW7FitQE.

186
Outras obras, como Bilaterais e Relevos espaciais, já convidavam o espectador
a sair de seu lugar para atuar na própria obra, deixando-se envolver pelos sentidos.

Já Franz Weissmann “persegue uma estética que privilegia a ordenação das


formas em seus princípios regulares, na repetição de elementos e na cadência dos
vazados, provocando ritmos e atuando na plástica da representação espacial” como
afirma Luz (2013, p. 151), consolidando assim as tendências do construtivismo no Brasil.

DICA
Assista ao vídeo “O vazio como forma”, para conhecer as esculturas de Franz
Weissmann. Acesse em: https://www.youtube.com/watch?v=zvBxJhyziZg.

Amílcar de Castro defende a teoria de que o plano é o ponto de partida e, como


relata Luz (2013, p. 152), “passa a recortá-lo e a efetuar seus rebatimentos, para fazer
nascer a terceira dimensão”, como apresenta em suas obras.

FIGURA 26 – OBRA “SEM TÍTULO” CRIADA PELO ARTISTA AMÍLCAR DE CASTRO EM 1948

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra63823/sem-titulo>. Acesso: 19 set. 2021.

Castro repete formas em posições diferentes em suas composições e realiza


cortes e dobras em suas placas, transformando-as do formato bidimensional para uma
escultura tridimensional.

187
2.1.2 Arte Cinética
A arte cinética possui raízes no concretismo e surgiu nas primeiras décadas do
século XX, quando alguns artistas como Marcel Duchamp (1887-1968) e Naum Gabo (1890-
1977) passaram a enfatizar movimentos mecânicos em suas obras (KINDERSLEY, 2012).

No Brasil, Abraham Palatnik destaca-se como pioneiro na arte cinética. Para


Zanini (1983, p. 658), o artista “soube desenvolver, relacionando em sua obra a base
teórica e a qualidade da percepção sensível”. As obras do artista apresentam movimento
de peças com formas diversas, ligadas por condutores presos a bases, geralmente
confeccionadas em madeira. Palatnik projeta seus trabalhos com rigor, como visto nas
figuras a seguir:

FIGURA 27 – ESTUDOS PARA OBRAS, ABRAHAM PALATNIK

FONTE: Acervo das autoras

FIGURA 28 – OBRA “OBJETO CINÉTICO” DE ABRAHAM PALATNIK, 1964

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35066/objeto-cinetico>. Acesso em: 19 set. 2021.

188
O artista também possui alguns trabalhos confeccionados em papel, que
produzem sensações ópticas de movimento e cores.

2.1.3 Pop art


O Pop art foi um movimento que surgiu na Inglaterra, em 1956, seguido pelos
Estados Unidos e que tinha a intenção de criticar o capitalismo e o excesso de consumo,
tendo representação mais conhecida nas obras de Andy Warhol (1928-1987) e Roy
Lichtenstein (1923-1997).

Algumas obras dos brasileiros Rubens Gerchman (1942-2008) e Cildo Meireles


(1948-) imprimem características pop. Como o Projeto Coca-cola, em que Meireles
escreve mensagens na superfície de garrafas retornáveis, como podemos apreciar na
figura seguinte:

FIGURA 29 – OBRA “PROJETO COCA-COLA” CRIADA PELO ARTISTA CILDO MEIRELES EM 1970

FONTE: <https://cutt.ly/CEK3Zt6>. Acesso em: 20 set. 2021.

Sobre a produção de Meirelles, Luz (2013, p. 177) expõe que “a obra não está
no mercado de arte, nem nos museus ou galerias: está no próprio meio, tornando-
se mensagem de seu protesto”, da mesma forma que realiza em “Zero Cruzeiro”.
Podemos observar que a obra de Meirelles também carrega traços de outras correntes
contemporâneas, como visto neste tópico.

INTERESSANTE
Aprecie outras obras de Cildo Meireles, esse importante artista brasileiro.
Acesse em: https://www.wikiart.org/pt/cildo-meireles.

189
2.1.4 Arte conceitual
Surgiu nos anos 1960, “como um desafio às classificações impostas à arte por
museus e galerias”, como afirma Vanderloo (2011, p. 500). Uma das principais referências
da arte conceitual é Joseph Kosuth (1945-), que provoca o espectador com suas obras
trazendo o conceito como princípio básico.

No Brasil, destacam-se Cildo Meireles (1948-), Nelson Leirner (1932-2020),


Antonio Manuel (1947-), entre outros. Antonio Manuel, cuja obra está no vídeo seguinte,
buscava em jornais, imagens e notícias em que interferia com seu pensamento crítico,
adicionando ou retirando elementos.

FIGURA 30 – OBRA “A REBELIÃO DOS ANIMAIS” CRIADA PELO ARTISTA NELSON LEIRNER EM 1973

FONTE: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra65484/rebeliao-dos-animais>. Acesso em: 21 set. 2021.

A arte conceitual tem fundamental importância, por impulsionar, principalmente,


as instalações e a arte performática.

DICA
Assista ao vídeo para conhecer a obra de Antonio Manuel. Acesse em:
https://www.youtube.com/watch?v=MBxw1K95-tw.

190
2.1.5 Instalações
A proposta da instalação é trabalhar com objetos e materiais utilizados em
contextos diversos, principalmente da vida cotidiana. Esses elementos, modificados ou
não, conforme o imaginário do artista, são apresentados com outro conceito, provocando
estranhamento e reflexão no público.

Alex Vallauri (1949-1987) expôs em 1985, na Bienal Internacional de São Paulo, a


instalação “A Festa da Rainha do Frango Assado”. A obra ocupava 88 m2 e era composta
por objetos do cotidiano, grafitados com estampa de pele de onça. A crítica irônica ao
consumo, ao excesso e ao fútil caracterizava o trabalho do artista.

DICA
Para conhecer um pouco mais da obra apresentada por Vallauri na 18a
Bienal Internacional de São Paulo, em 1985, assista o vídeo em: https://www.
youtube.com/watch?v=CFRN-C0_-wI.

Cildo Meireles é um dos artistas mais conhecidos no Brasil, por suas instalações.
A obra “Desvio para o vermelho”, criada em 1967, foi montada em versões diferentes
desde 1984. Outra obra de Cildo Meireles, cujo título é “Através”, que está exposta no
Instituto Inhotim, provoca o público a percorrer seus caminhos em forma de labirinto.

FIGURA 31 – OBRA “ATRAVÉS”, CRIADA PELO ARTISTA CILDO MEIRELES EM 1983-1989

FONTE: <https://www.inhotim.org.br/en/item-do-acervo/atraves/> Acesso em: 20 set. 2021.

191
Essa obra apresenta uma variedade de materiais, entre eles tecido, tela, rede,
plástico, cerca, papel, arame, vidro, grade de prisão e madeira, convida o público a
penetrar seus espaços a fim de provocar diferentes percepções sensitivas. Segundo
Konell (2021, p.176), “os diferentes tipos de obstáculos evidenciam o quanto é necessário
que o público/participante seja cauteloso em sua fruição”.

Na arte contemporânea o público é levado a uma possibilidade participativa,


que vai além da concepção de espectador, no qual ele também, muitas vezes, se torna
parte da obra.

Outra característica das instalações é a efemeridade. A maioria das obras


possui tempo de duração de acordo com o período estabelecido para a mostra. Essa
característica também é muito perceptível nas performances.

2.1.6 Performances
As performances são combinações de linguagens artísticas diversas, podendo
transitar pelo teatro, artes, visuais, música e dança. Essa linguagem nasceu na década
de 1960, por artistas que não queriam usar somente objetos para fazer arte, mas sim,
queriam explorar a relação do corpo com o espaço. Para Rosa e Rosa (2015, p. 51) “em uma
performance, o artista utiliza o corpo para interagir com o público e ambiente em tempo real:
a obra é a ação proposta pelo artista. Há, em geral, liberdade para imprevistos, mesmo com
o planejamento do que o artista fará ou com uma reação já esperada do público”.

O artista Maurício Ianês (1973) criou a performance “A bondade dos estranhos”,


no qual ele morou por treze dias dentro do pavilhão da Bienal de Arte de São Paulo, no
ano de 2008.

FIGURA 32 – OBRA “A BONDADE DOS ESTRANHOS”, CRIADA PELO ARTISTA MAURÍCIO IANÊS EM 2008

FONTE: <https://entretenimento.uol.com.br/album/mauricio_ianes_bienal2_album.htm#fotoNav=21>.
Acesso em: 21 set. 2021.

192
Essa performance consistia em esperar que pessoas estranhas doassem ao
artista qualquer coisa para que ele pudesse sobreviver por aqueles dias. Assim, ao
analisar a imagem da performance apresentada pode-se verificar a quantidade de
objetos que foi doado a ele.

2.1.7 Grafite
O grafite, arte ligada ao movimento hip hop, surgiu na década de 1970 na periferia
de Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde no final dos anos 1970 o artista Jean-Michel
Basquiat (1960-1988), começou a fazer intervenções em paredes. Nos anos 1980 foi a
vez de Keith Haring (1958-1990) inserir sua marca nos muros americanos.

A proposta do grafite, para Canton (2011b, p. 43), é a “experiência estética e de


fluidez, por ser a arte do movimento, que se modifica junto com o dia a dia da cidade”,
pois é uma arte pública, exposta nas paredes e muros.

No grafite brasileiro, destacam-se Os Gêmeos (1974-), Eduardo Kobra (1975-), Crânio


(1982-), entre outros. Os Gêmeos, Gustavo e Otávio Pandolfo costumam representar
cenas do cotidiano de forma lúdica. Já Fabio de Oliveira Parnaiba, conhecido como
Crânio, realiza trabalhos de grafite, apontando temas políticos e sociais, com destaque
para a questão indígena. E Eduardo Kobra realizou diversos murais de grandes dimensões
pelo mundo, como mostrado na figura seguinte:

FIGURA 33 – OBRA DE EDUARDO KOBRA EM PRÉDIO DA CIDADE DE SÃO PAULO

FONTE: Acervo das autoras

193
O grafite é uma expressão voltada ao público que circula no cotidiano das
cidades e pode apreciar gigantescas obras cheias de vida e cor. Muitas vezes essas
obras são um retrato verdadeiro da sociedade.

DICA
Em “Cidade cinza – Os Gêmeos”, você poderá conhecer um pouco mais
sobre o universo do grafite e o percurso dos artistas. Acesse em:
https://www.youtube.com/watch?v=-XG-71wqwUI.

No vídeo “Os Gêmeos – Segredos”, podemos fazer uma visita guiada pelos
artistas irmãos, Otávio e Gustavo Pandolfo, por sua exposição na Pinacoteca
em 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=_fRTGMnZ3xk&t=3s.

E, também em sua própria página na Internet:


http://www.osgemeos.com.br/pt

Conheça mais do artista Eduardo Kobra, acesse em:


https://www.eduardokobra.com/.

Sobre o trabalho de Crânio, acesse em:


https://www.youtube.com/watch?v=Uvq1WHtn_PM.

3 HIBRIDISMO DO SÉCULO XXI


O século XXI apresenta o chamado hibridismo como tendência, ou seja, não
há mais a necessidade uma linguagem, técnica, meio ou expressão pura, que deva
obedecer a um estilo. Os híbridos, conforme Teixeira Coelho (2014, p. 128) “são parteiros
da cultura emergente, tornam-se pontes privilegiadas entre o latente e o patente”. A
arte no século XXI, carrega em si, múltiplas linguagens e meios, desfazendo paradigmas,
conceitos e concepções endurecidos e flexibilizando ordens e regras.

Muitos artistas iniciaram suas trajetórias ainda no século XX e suas produções


adentraram este século, como é o caso dos artistas da “Geração 80”, que movimenta a
arte a enxergar um novo horizonte, com liberdade de expressão.

Daniel Senise (1955), Leonilson (1957 – 1993), Maurício Bentes (1958 – 2003),
Ricardo Basbaum (1961), Leda Catunda (1961), entre outros, que participaram da
exposição “Como vai você, geração 80”. Esses movimentos foram referências tanto para
a compreensão como para a expansão da arte brasileira no século XXI.

194
FIGURA 34 – OBRA “SANTOS”, CRIADA PELA ARTISTA LEDA CATUNDA EM 2012

FONTE: Acervo das autoras

Canton (2011c, p. 51) reforça que “os sentidos, na obra dos artistas contemporâneos,
não estão prontos, mas se configuram no acontecimento, isto é, na construção das
múltiplas relações que acontecem entre a obra e o observador”. O novo caminho da arte
é híbrido, pois há escolhas para os fazeres, as criações e as poéticas.

3.1 INTERVENÇÕES E MATERIALIDADES


Na contemporaneidade, cada vez mais a arte se distancia de retratar o real, mas
ao mesmo tempo aproxima-se da realidade cotidiana por meio de intervenções feitas
em espaços públicos de diversas cidades. O artista contemporâneo pode deixar para o
tempo e o espaço urbano a tarefa de continuidade. Esse aspecto pode ser visualizado,
por exemplo, na obra de Sandra Cinto (1968).

FIGURA 35 – OBRA “SEM TÍTULO”, CRIADA PELA ARTISTA SANDRA CINTO EM 2001, INSTALADA NA RUA
DA QUITANDA EM SÃO PAULO

FONTE: Acervo das autoras

195
Nessa obra a cama é a referência de espaço e tempo. De parada e reflexão.
Para Amália e Minerini (2019, p 115), “a arte contemporânea é um território amplo, fértil,
instável e aberto. Por conta disso é que coexistem tantas vertentes, técnicas, poéticas,
linguagens e o que mais os artistas quiserem”. É possível deixar a própria marca do
artista e a identidade de seu tempo nos lugares e nas coisas, para traduzir um tempo
vivido. Como na obra de Rosana Paulino (1967), mostrada na figura a seguir:

FIGURA 36 – OBRA “A PERMANÊNCIA DAS ESTRUTURAS”, CRIADA PELA ARTISTA ROSANA PAULINO EM 2017

FONTE: Acervo das autoras

O trabalho da artista reflete a política contemporânea e atribui a tarefa da crítica


social à obra de arte, pois discute questões de gênero, étnicas e, também sociais.

No Brasil, nos últimos anos, muitos outros artistas foram responsáveis pela
materialização de sentidos em suas obras, como por exemplo Adriana Varejão (1964),
Beatriz Milhazes (1960), Vik Muniz (1961), Tunga (1952 - 2016), Nuno Ramos (1960), entre
muitos outros.

É importante destacar que no decorrer do tempo a arte sofre modificações em


vários aspectos, como em suas linguagens, funções, materiais, padrões estilísticos,
como vimos em nossos estudos. A partir dessas pistas você pode investigar e descobrir
muito mais sobre a capacidade de comunicação dos objetos estéticos, suas relações
com o espectador em diversas épocas e contextos políticos e sociais.

196
Para Rosa e Rosa (2015. p. 63) a arte nunca termina e em nosso tempo ela pode
ser percebida como:

[...] intensa, dinâmica e global. Nesse exato momento, há um artista


criando mais um experimento artístico. A arte não se esgota no
espaço e no tempo – ela é reinventada, inúmeras e infinitas vezes.
Saber apreciá-la e compreender as diferentes práticas artísticas
também é fazer parte do mundo da arte. O mais importante é não
somente ver, mas usar a arte para refletir sobre o nosso mundo,
nossa sociedade e nossa própria vida.

A arte contemporânea busca explorar os sentidos de quem a cria e do público,


bem como instiga o pensar, o refletir, para possibilitar descobertas, ou seja, novas formas
de ver, de ouvir, de imaginar, de sonhar, de criar.

Siga em frente e bons estudos!

197
LEITURA
COMPLEMENTAR
ARTE CONTEMPORÂNEA E MEIO AMBIENTE NO MUSEU INHOTIM

Maria Lúcia Wochler Pelaes


Norberto Stori

ORIGEM DO MUSEU

O Museu Inhotim localiza-se no município de Brumadinho, no Estado de Minas


Gerais, Brasil. Foi anteriormente uma fazenda que pertencia a uma empresa mineradora
que, no século XIX, atuava na região, cujo administrador era um inglês, de nome Timothy
- o "Senhor Tim", que, na linguagem local, acabou virando "Nhô Tim" ou "Inhô Tim", de
onde deriva o nome do museu.

Conforme informações extraídas do site http://www.inhotim.org.br, o Museu


Inhotim: “[...] se transformou, com o tempo, tornando-se um lugar singular, com um dos
mais relevantes acervos de arte contemporânea do mundo e uma coleção botânica que
reúne espécies raras e de todos os continentes”.

A partir de 2006, o local foi aberto ao grande público em dias regulares. São
cerca de quatrocentos e cinquenta obras de artistas brasileiros e estrangeiros, com
destaque para trabalhos de Cildo Meireles, Tunga, Hélio Oiticica, Matthew Barney,
Doug Aitken, Chris Burden, Yayoi Kusama, Paul McCarthy, Zhang Huan, Valeska Soares,
Marcellvs e Rivane Neuenschwander. As exposições são sempre renovadas e as galerias
são anualmente inauguradas. Em 2010, o Instituto recebeu 42.000 alunos e 3.500
professores. No mesmo ano, o número de visitações atingiu a marca de 169.289 (cf. site
http://www.inhotim.org.br).

CARACTERÍSTICAS

O Museu Inhotim é estruturado como um complexo arquitetônico constituído


por uma sequência não linear de galerias e obras de arte, em meio a um parque
ambiental, apresentando iniciativas multidisciplinares, abrangendo as áreas de arte,
meio ambiente, pesquisa e educação, caracterizando-se como um local que rompe com
a estrutura arquitetônica e o modo de visitação dos museus convencionais.

As obras estão expostas em espaços fechados ou abertos dialogando diretamente


com o meio ambiente nas diversas linguagens artísticas, como esculturas, instalações,
in situ, ambientes sonoros, vídeos, instalações, fotografias, vídeos performáticos etc.
Ampliando o conceito, Cacilda Teixeira Costa afirma:

198
Podem incluir a performance, o objeto, o vídeo [...] obras cinéticas,
numa proposta de integração da obra com o espaço onde se
encontra. Tornam o espaço ativo a partir de tensões e relações que
se estruturam entre as peças que o compõem. O que define uma
instalação é justamente a transformação que se opera num espaço
que, mais que abrigá-la, também a constitui (COSTA, 2004, p. 63).

Essa ambientação de espaços fechados e abertos permite que o espectador


tenha uma fruição mais direta com relação à obra e o espaço, convivem e interagem com
o ambiente construído e o natural, que é a reserva florestal composta por lagos, trilhas e
montanhas, caracterizada como um polo de pesquisa da biodiversidade botânica.

FIGURAS – GALERIA DA ARTISTA ADRIANA VAREJÃO, PANACEA PHANTASTICA, 2003 – 2008

FONTE: Fotos de Maria Lúcia Wochler Pelaes (julho de 2015)

Dentro das galerias também há uma proposta contemporânea de diálogo entre


a obra e o local onde está inserida, sugerindo ao espectador, leituras ora subjetivas,
ora ocultas, que foram concebidas para estimular os sentidos e provocar significados
diversos, presumindo uma abordagem inicialmente lúdica e espacial, e, posteriormente,
cognitiva e interpretativa. É importante ressaltar que parte das obras expostas ao ar
livre, é feita, basicamente, de aço Corten ou Inox, tais como as obras “Gigante Dobrada”
(2001) de Almícar de Castro e “Inmensa” (1982- 2002) de Cildo Meireles, que, além
de serem muito resistentes às condições atmosféricas, correspondem à natureza do
ambiente local, quanto a ter sido, originalmente, local de extração de minérios.

FIGURAS – OBRAS “GIGANTE DOBRADA” (2001) DE AMÍLCAR DE CASTRO E “INMENSA” (1982- 2002) DE
CILDO MEIRELES

FONTE: Fotos de Maria Lúcia Wochler Pelaes (julho de 2015)


199
No Museu Inhotim, a arte contemporânea tem o meio ambiente como um
interlocutor e as estruturas arquitetônicas compõem o cenário, apresentando espaços
expositivos em seu interior. A visitação ocorre através das alamedas e pavilhões,
configurados como galerias de arte. Tal estrutura museológica subverte o sistema de
visitação convencional e, numa trajetória não linear, convida seus interlocutores a
observarem as obras em meio ao ambiente natural e dispostas em galerias, dentro de
pavilhões que também são obras arquitetônicas.

FIGURA – IMAGEM DA GALERIA DA MATA

FONTE: Foto de Maria L. W. Pelaes (julho de 2015)

A propriedade particular tornou-se espaço cultural de arte contemporânea


e acervo botânico com influência de grandes nomes da arte e do paisagismo, como
Roberto Burle Marx. As obras de arte e a arquitetura das galerias, que de tempos em
tempos são atualizadas, de acordo com a curadoria do museu. Assim começava a nascer
um grande espaço cultural que tem ainda um rico acervo botânico, com coleções de
diferentes partes do Brasil.

SELEÇÃO DE OBRAS EXPOSTAS NO MUSEU INHOTIM

Neste item são apresentadas algumas obras expostas no museu Inhotim,


seguidas de comentários e dos registros fotográficos desenvolvidos na pesquisa de campo
realizada no Museu Inhotim, como já foi citado na introdução deste artigo. Tais obras foram
selecionadas tendo por escopo a análise de uma estética que correlaciona o conteúdo,
composto pelos significados e o significante das obras (estrutura física e material), com o
meio ambiente natural, caracterizado como referente inicial para tais produções.

Nessas obras, o espectador entra em seu espaço, a fim de fruir sua poética, a
partir das referências que possui, de tal forma que tanto as obras quanto o espectador
convivem e interagem com o ambiente natural, composto por uma reserva florestal.

200
A ocupação espacial de Hélio Oiticica (1937 -1980), figuras 27, 28 e 29, em pleno
ar livre, criada com planos geométricos coloridos, permite ao fruidor observar e criar
espaços cromáticos dos elementos da obra com a paisagem natural. Há um cromatismo
presente na relação espacial entre formas e cores. Ortogonalmente instaladas, as
paredes configuram-se em diferentes possibilidades visuais, compondo perspectivas
plásticas geométricas.

FIGURAS – HÉLIO OITICICA, COM NOVE PAREDES COLORIDAS, NA OBRA “INVENÇÃO DA COR -
PENETRÁVEL -MAGIC SQUARE # 5- DE LUXE” (1977)

FONTE: Fotos de Maria Lúcia Wochler Pelaes (julho de 2015)

Na Instalação/Intervenção “Troca-Troca”, de Jarbas Lopes (1964), figuras 30 e 31,


elaborada com a composição de três Fuscas que foram utilizados numa viagem realizada
por Jarbas Lopes, autor da obra, e seus amigos, viagem a qual foi finalizada em Inhotim.
Nessa instalação/intervenção o artista utilizou cores vibrantes nas pinturas dos carros,
trocando para-choques, portas e outras partes da lataria, dos referidos carros, com o
objetivo de brincar com o imaginário do observador. Neste “Troca-Troca” em Inhotim, as
possibilidades lúdicas e plásticas transformam a funcionalidade dos carros em objetos
artísticos, transformando-se, ao olhar do espectador, numa intervenção na paisagem.

FIGURAS – INSTALAÇÃO/ INTERVENÇÃO “TROCA-TROCA” (2002) DE JARBAS LOPES

FONTE: Fotos de Maria Lúcia Wochler Pelaes (julho de 2015)

A obra “Vegetation Room Inhotim” de Cristina Iglesias, assemelha-se a um


labirinto irregular que permite a passagem do observador que se vê refletido nas placas
de aço inox polido que incorporam paredes de textura irregular. A instalação apresenta
grandes dimensões e está incrustada na mata. O observador pode efetuar a fruição da
obra através da interação do seu corpo ao corpo da obra, numa composição orgânica
viva e dinâmica.

201
FIGURAS – OBRA “VEGETATION ROOM INHOTIM” (2010) DE CRISTINA IGLESIAS

FONTE: Fotos de Maria Lúcia Wochler Pelaes (julho de 2015)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arte apresentada em museus é fator resultante das necessidades do contexto,


de tal forma que em cada período, há um estilo diferente de abordar a arte, enquanto
objeto de estudo. As concepções atuais, apesar de suas múltiplas origens, diferem-
se das anteriores segundo as mudanças históricas na sociedade e dentro do sistema
artístico, que passou a preconizar a fruição estética como objetivo, principalmente nas
atividades relacionadas à arte.

O contexto social, cultural e econômico modificou-se, segundo as mudanças


políticas que ocorreram no mundo, de forma a alterar os rumos da arte, como também
de forma a estabelecer metas que buscaram, inicialmente, a expressão livre e,
posteriormente, a arte como conhecimento. Essas mudanças não foram fortuitas e nem
apenas intrínsecas, mas criaram implicações políticas que influenciaram a arte e foram
influenciadas por ela.

Considera-se que a arte e o meio ambiente integram-se no Museu Inhotim,


refletindo uma crescente necessidade pela busca de um espaço de expressão da
criatividade e de estímulo à sensibilidade estética, onde possa haver a construção de
conhecimento estético e a liberdade de expressão entendidas como possibilidades de
criação e desenvolvimento da imaginação além dos “moldes” do conhecimento artístico
pré-estabelecido.

Conviver com obras de arte, assim como aprender a respeitar e a apreciar o


meio ambiente natural, são importantes iniciativas, num processo de construção
cultural, dentro das relações sociais. Toda ação que permita ou estimule o encontro

202
da sensibilidade humana com a arte é válida! O aguçamento da sensibilidade estética
favorece a humanização, pois implica parar, pensar e refletir sobre um fenômeno, um
objeto artístico, uma ação ou fato que pode estar numa instância exterior ou interior.
Fora ou dentro de nós, o fenômeno estético manifesta-se num eterno pensar sobre a
realidade que nos cerca.

FONTE: Adaptada de <https://web.ua.es/es/revista-geographos-giecryal/documentos/pydes-22-wochler-2.pdf>.


Acesso em: 29 set. 2021.

203
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O século XXI inicia com uma diversidade de avanços tecnológicos, semeados por
todo o século anterior. Esses avanços facilitaram o cotidiano e ofereceram um novo
panorama às artes. Os artistas passam a apropriar-se das novas tecnologias para
materializar suas concepções.

• A arte contemporânea possui tendência às experimentações de materiais e


linguagens para comunicar sentidos por meio de temas que muitas vezes causam
desconfortos ao público.

• No Brasil, o interesse dos artistas em movimentar a arte contemporânea, ocorreu


no início da década de 1950, com a arte concreta, estimulada pela primeira Bienal
Internacional de São Paulo, em 1951, rompendo com a arte figurativa do modernismo
brasileiro.

• No início da década de 1960 novos materiais e propostas surgiram na arte brasileira,


envolvendo muitas vezes a participação do público.

• Dentre as linguagens contemporâneas surge a videoarte. Artistas como Antonio


Dias, Ivens Machado, José Roberto Aguilar desenvolvem expressões estéticas a
partir de novas tecnologias.

• A década de 1980 foi marcada pelo fim da ditadura, em 1985, a anistia, o movimento
pelas eleições diretas para presidente da república, a Constituição Federal de 1988,
promovem no Brasil um novo horizonte político, econômico e social. A abertura de
um novo tempo, com novas possibilidades, fervilhava nas artes.

• Artistas realizam obras em diferentes correntes com a arte concreta, a arte cinética,
a pop art, a arte conceitual, as instalações, as performances e o grafite.

• O século XXI apresenta o chamado hibridismo como tendência e não há mais a


necessidade de uma linguagem, técnica, meio ou expressão pura, que deva
obedecer a um estilo. A arte carrega em si, múltiplas linguagens e meios, desfazendo
paradigmas, conceitos e concepções endurecidos e flexibilizando ordens e regras.

204
AUTOATIVIDADE
1 A arte contemporânea, com raízes nas correntes surgidas na Europa, à época da
Primeira Guerra Mundial, como por exemplo o dadaísmo, se estabelece após a
Segunda Guerra Mundial. Descreva quando iniciou a arte contemporânea no Brasil e
o que impulsionou o rompimento com a arte figurativa do modernismo brasileiro?

2 A contemporaneidade encurtou distâncias entre culturas e expressões artísticas,


fazendo com que, cada vez mais as linguagens da arte se aproximem e convivam em
uma produção artística. A essa tendência denominamos hibridismo. Em que consiste
a tendência do hibridismo?

3 No início da década de 1960 aparecem novos materiais na arte brasileira, principalmente


nas obras de alguns artistas. Com base no texto, associe os itens, utilizando o código
a seguir:

I- Maria Bonomi.
II- Amilcar de Castro.
III- Hélio Oiticica.
IV- Cildo Meireles.

( ) Ferros dobrados e recortados.


( ) Participação do público.
( ) Placas de concreto.
( ) Utilização de diferentes materiais na mesma obra.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) II – III – I – IV.
b) ( ) II – I – III – IV.
c) ( ) IV – I – II – III.
d) ( ) III – II – IV – I.

4 Em 1954, defendendo o neoconcretismo, foi fundado no Rio de Janeiro, o Grupo


Frente. Com relação a proposta desse grupo analise as sentenças a seguir:

I- Buscava mais liberdade na concepção artística.


II- Propunha mais flexibilidade para o abstracionismo.
III- Propunha mais flexibilidade para o impressionismo.
IV- Propunha maior rigor na concepção artística.

205
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

5 Como vimos, a arte contemporânea possui como principal característica a


experimentação de novos materiais e meios de produzir as expressões artísticas.
Com base no estudo realizado sobre a arte contemporânea, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para falsas:

( ) As performances são combinações de linguagens artísticas diversas, podendo


transitar pelo teatro, artes, visuais, música, dança.
( ) A arte conceitual provoca o espectador com suas obras, trazendo o conceito como
princípio básico.
( ) A instalação tem como proposta trabalhar com objetos e materiais utilizados em
contextos diversos, apresentando com outro conceito e provocando estranhamento
e reflexão no público.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

206
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